ca e proativa. Em sua análise, falta uma visão governamental ampla e objetiva para atender as demandas do setor produtivo. O Pré-sal e o modelo de exploração proposto pelo governo é o tema dos economistas João Manoel P. de Mello e Vinícius Carrasco. Segundo os autores, o modelo de exploração da parte remanescente da camada do Pré-sal apresentado pelo governo Lula contém três pontos nevrálgicos. Primeiro, há uma mudança no tipo de leilão, de concessão para partilha. Segundo, há a previsão de que a Petrobras seja a empresa executora de todo o Pré-sal. Por fim, há a intenção de entregar à Petrobras, sem necessidade de leilão, as áreas adjacentes aos campos já encontrados pela empresa. O estudo analisa estes três pontos à luz de argumentos microeconômicos. A importância do setor de seguros para o desenvolvimento nacional é o tema de Nilton Molina, vicepresidente da CNSeg - Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização. Ele propõe uma série de políticas públicas voltadas para ampliar a penetração dos seguros no Brasil, em particular junto à população de menores rendimentos e, de um modo geral, a extensão dos benefícios voltados para a preservação da saúde e a prevenção de acidentes do trabalho. Por fim, o advogado Jairo Saddi aborda a questão da Reforma do Poder Judiciário. Para ele, o Estado precisa investir em gestão e concentrar seus esforços orçamentários não em prédios ou gabinetes, mas naquilo que fará a Justiça melhor: sistemas, procedimentos, transparência, menos burocracia, controles mais racionais e uma carreira que, de fato, incentive os melhores profissionais a progredirem. Pablo de Sousa/LUZ
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o início deste mês, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) divulgou o PIB do primeiro trimestre: a economia brasileira reagiu de forma muito positiva e cresceu 9% em comparação ao mesmo período do ano passado, e 2,7% em relação ao último trimestre de 2009. Era para ser motivo de comemoração, mas apenas dois dias depois, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) anunciou novo aumento na Taxa Básica de Juros (Selic) em 0,75%, e passamos novamente a ter juros de dois dígitos, agora de 10,25% ao ano. E há sinalizações de que a Selic continuará subindo, podendo fechar 2010 em 12%. Esta é uma doença crônica do Brasil: o País cresce, estimulando o consumo, que por sua vez traz de volta o fantasma da inflação. E o remédio usado é sempre o mesmo – aumento dos juros para inibir o crédito, baixar o consumo e controlar a inflação. O Brasil não consegue sair deste círculo vicioso e assim, sucessivamente, vamos perdendo as oportunidades trazidas por cenários econômicos favoráveis. Ficamos sempre com a sensação de que o País podia mais. A solução é complexa e envolve diversos problemas que o Brasil precisa resolver para se tornar uma nação desenvolvida, entre eles o baixo nível de poupança interna, a falta de investimentos em infraestrutura e o enorme déficit das contas públicas. Estamos às vésperas de um importante processo eleitoral e o futuro do País dependerá muito do próximo presidente e das ações que ele tomará, junto com sua equipe. Queremos contribuir com esse processo, estimular o debate de temas relevantes para o futuro da nação, apontar soluções e alternativas. Por essa razão, a Associação Comercial de São Paulo, por meio da revista Digesto Econômico, propôs reunir os trabalhos de mais de 30 especialistas de renome e lançou a série especial Propostas para o Próximo Presidente. Neste quarto número da série, o cientista político Carlos Melo aborda o tema da Reforma Política, que sempre surge em ano de eleições – todos concordam sobre a sua necessidade, mas pouco se faz para efetivá-la. Em seu trabalho, Melo propõe a adoção do Voto Distrital Misto já para as eleições municipais de 2012, proposta também defendida pela ACSP. A economista Maria Teresa Bustamante, especialista em Comércio Exterior e Relações Internacionais, mostra em seu trabalho que a inserção do Brasil no âmbito das negociações internacionais ainda é tímida, revestida de concessões unilaterais e desprovida de uma política comercial externa dinâmi-
O País precisa romper o círculo vicioso
Boa leitura!
Alencar Burti Presidente da Associação Comercial de São Paulo e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo
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ÍNDICE
Presidente Alencar Burti Superintendente Institucional Marcel Domingos Solimeo Coordenador da Série Especial Eleições 2010 Roberto Macedo
Lula Marques/Folhapress
A Reforma Política e a Reforma da Política – Diagnóstico e Propostas Carlos Melo
Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3244-3030 CEP 01014-911 - São Paulo - SP home page: http://www.acsp.com.br e-mail: acsp@acsp.com.br
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A trajetória do Brasil na inserção internacional – desafios e oportunidades Maria Teresa Bustamante
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ISSN 0101-4218
O setor de Seguros e o desenvolvimento nacional Nilton Molina
Alfer
Diretor-Responsável João de Scantimburgo Diretor de Redação Moisés Rabinovici Editor-Chefe José Guilherme Rodrigues Ferreira
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Chefia de Reportagem José Maria dos Santos Editor de Fotografia Alex Ribeiro Pesquisa de Imagem Mirian Pimentel
Wilton Júnior/AE
Editores Carlos Ossamu e Domingos Zamagna
Pré-sal – Análise e propostas quanto ao modelo de exploração sugerido pelo governo Lula João Manoel P. de Mello e Vinícius Carrasco
Editor de Arte José Coelho Projeto Gráfico e Diagramação Evana Clicia Lisbôa Sutilo
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Ilustrações e Infográficos Alfer e Zilberman
Poder Judiciário: reforma ou ruptura? Uma agenda para o próximo presidente. Jairo Saddi
Gerente Executiva de Publicidade Sonia Oliveira (soliveira@acsp.com.br) 3244-3029 Gerente de Operações José Gonçalves de Faria Filho (jfilho@acsp.com.br) Impressão Printcrom Gráfica e Editora Ltda.
Alfer
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CAPA Ilustração: Paulo Zilberman
Nas três primeiras edições da série especial Propostas para o Próximo Presidente, da revista Digesto Econômico, dezesseis especialistas apontaram problemas do Brasil e apresentaram suas propostas. Foram eles:
Claudio de Moura Castro Hélio Zylberstajn José Pastore Joaquim Elói Cirne de Toledo Ethevaldo Siqueira Nelson Marconi C l ó vi s Panzarini José Roberto Afonso José Roberto Mendonça de Barros Geraldo Biasoto Jr. Patricia Marrone Lídia Goldenstein Renato C. Pavan e Josef Barat Carlos A. Rocca Gustavo Krause Acompanhe no site www.dcomercio.com.br
Neste número, mais seis autores de renome fazem suas análises em outros setores e apontam soluções:
Carlos Melo Maria Teresa Bustamante Nilton Molina João Manoel P. de Mello Vinícius Carrasco Jairo Saddi Próximos temas:
Programas Sociais, Segurança Pública, Esportes e Turismo, Pacto Federativo, Desenvolvimento Regional, Habitação e Saneamento, Eletricidade, Tributos Federais, Burocracia Antiempresarial, Política Externa Aos leitores: A sua revista Digesto Econômico (bimestral) será mensal até agosto, dedicada a um profundo balanço do Brasil pós-Lula. Chamada de "Propostas para o Próximo Presidente", esta série especial será posteriormente entregue a todos os candidatos à Presidência da República, juntamente com um documento-síntese das propostas que a ACSP irá apoiar.
Apoio:
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Divulgação
Carlos Melo Cientista Político, Mestre e Doutor pela PUC-SP. É professor do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa (ex-Ibmec) desde 1999 e consultor de empresas nacionais e estrangeiras para conjuntura política brasileira e liderança. É autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias" (Editora Novo Conceito). O autor agradece ao cientista político Humberto Dantas pela leitura atenta e pelas notas críticas, algumas incorporadas ao longo deste texto.
A Reforma Política ea Reforma da Política Diagnóstico e Propostas
Lula Marques/Folhapress
Resumo Discutir a qualidade do sistema político brasileiro e sua relação com o processo de transformações levado a cabo pelo País nas duas últimas décadas, além de propor medidas de aperfeiçoamento desse mesmo sistema são os objetivos deste artigo. A partir do questionamento a respeito da real necessidade da reforma política (a reforma é realmente necessária?), pretende-se demonstrar que a modernização atingida pela sociedade e pela economia do País deu-se menos pelo bom funcionamento do sistema político do que pelo papel centralizador do Poder Executivo. Somos uma jovem democracia, mas a qualidade e os custos do sistema político precisam ser equacionados antes que o futuro determine providências de forma mais dramática. Deve-se buscar a reforma da concepção de política arraigada na mentalidade do País; antes de tudo, será preciso reformar "a" política para então realizar a Reforma Política; a presença de uma liderança presidencial corajosa e decidida será fundamental para isto. Medidas como a educação política, realinhamento partidário, instituição do voto distrital misto, fim do voto obrigatório e "Cláusula de Desempenho" fazem parte do debate e são consideradas por este trabalho.
Introdução: Reforma necessária?
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Há um razoável consenso quanto à necessidade de uma reforma política, mas o acordo termina por aí e pouco se faz para efetivá-la.
Luiz Prado/Luz
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ntes de tudo, cabe admitir que o tema "Reforma Política" é uma dessas ideias gastas e desacreditadas de tão repetidas. Frequentemente citada como remédio para todos os males – "a mãe de todas as reformas" –, ao longo do tempo assumiu caráter perfunctório, não raro trata-se de tergiversação. Analistas e parlamentares se constrangem com o debate que "não ata, nem desata". Anos passam, eleições e governos se sucedem e a reforma não sai das intenções. Quando muito, o Congresso (1) envereda pelo tema, às vezes, como alternativa para fugir de agenda negativa. O faz com muita agitação, mas pouca sinceridade de propósito; a tal reforma conforma-se em não mais do que alguns remendos na legislação eleitoral, que, em virtude disto, é constantemente alterada, sem manter a imprescindível estabilidade das regras – ainda não tivemos duas eleições sob as mesmas regras. Há razoável consenso quanto à necessidade, mas o acordo termina por aí, pouco se faz para efetivá-la. Resta como recurso retórico. Paradoxalmente, no entanto, nada parece ser também mais apaixonante: preocupa, mobiliza e divide. Especialmente entre os cientistas políticos. Muitos a apontam como condição sine qua non para outras medidas. Mas, importante corrente a enxerga como desnecessária porque, apesar dos pesares, o sistema político nacional tem promovido mudanças. Nos últimos anos o País inegavelmente operou uma série de importantes transformações, reformando sua economia, além de muitos aspectos de sua vida social mais equipada, moderna e democrática. A observação empírica desse grupo indica que o Poder Executivo, o "presidencialismo de coalizão", atua com força e, em regra, suas iniciativas são referendadas pelo Legislativo. O Congresso não apenas vota e, de acordo com dados objetivos
de inúmeras votações, coopera com os sucessivos governos; o índice de aprovação é grande e, no período observado, supera a marca dos 85%, sendo raras as rejeições (Limongi, 2006). Realmente, chama atenção que nas duas últimas décadas a mudança social no Brasil tenha sido tão significativa e que ainda assim restem críticas ao sistema político. Pelo menos, desde a eleição de Fernando Collor de Mello (1990-1992), há um processo em andamento e muita coisa foi alterada. O Brasil tem se modificado e sua economia se fortalecido. Gradualmente, a economia se abriu à competição e a busca de eficiência tem pressionado a modernização de empresas e o aperfeiçoamento do capital humano; o avanço tecnológico trouxe inegáveis transformações à vida social. Sob o governo transitório de Itamar Franco (1992 - 1994), a edição do Plano Real começou a equacionar o grande problema da inflação e da instabilidade econômica. Com a ajuda do Congresso Nacional, durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), importantes medidas foram aprovadas e o processo pôde ser ainda mais percebido. Desde então, o Brasil deixou de ser "o país do passado", da inflação, dos pacotes, das mudanças de regras ao longo do jogo. Modernizou-se, evoluiu. A vitória eleitoral do PT, em 2002, deu sequência a tudo isso: ao descartar discurso tão voluntarista quanto perigoso, a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, teve o mérito de afastar fantasmas – políticos e econômicos – e estabelecer que o País amadurecera: fosse qual fosse a vertente política no poder, a estabilidade se tornara não apenas um indispensável requisito econômico, mas também um primado político do qual partidos e lideranças responsáveis e viáveis eleitoralmente não poderiam prescindir, sob pena de grande prejuízo político-eleitoral – além e em virtude da ruína econômica e social do País, é claro. Não foi por outro motivo que logo nos primeiros meses de
seu primeiro mandato, o presidente Lula sinalizou com a moderação: formou a equipe econômica com membros do governo que o antecedera e não alterou regras do jogo; ao contrário, as aprofundou. Além de maior rigor fiscal, Lula enviou ao Congresso iniciativas de reforma no âmbito da Previdência e dos Tributos; mobilizou governadores e articulou com parlamentares, inclusive da oposição, no que foi atendido pelo Legislativo e com isso dissipou dúvidas iniciais a respeito do governo e estabeleceu certo equilíbrio econômico. Inícios de mandatos tendem a favorecer a ação e o protagonismo do presidente. Ao longo do tempo, o Executivo construiu maioria parlamentar e garantiu a governabilidade. Mas o fez tendo que atender a voracidade dos partidos. Em grande medida, evitou agendas econômicas e sociais negativas, mas também esvaziou o debate político e o papel do Congresso. Como estratégia, priorizou iniciativas e agenda extra legislativas; como seus antecessores, serviu-se de Medidas Provisórias (MPs), uma prerrogativa legítima, mas controversa. Por meio da ação direta dos ministérios, da articulação de estatais, autarquias, fundos financeiros e setores sociais, buscou o menos possível depender da negociação com deputados e senadores; quando inevitável, o fez cedendo espaços e verbas. Mesmo assim, amargou algumas derrotas. De todo modo, o País parece ter consolidado a estabilidade e iniciado um processo virtuoso de desenvolvimento econômico e social. Se até determinado ponto foi favorecido pelas circunstâncias internacionais, houve também virtude nas escolhas que o governo soube fazer e nas alternativas que descartou. Ao longo dos anos, sob Lula, o País conquistou respeito mundial; agentes econômicos readquiriram confiança, o investimento voltou; novas políticas sociais puderam ser adotadas, o mercado se expandiu, milhões de brasileiros foram incorporados à classe média. As agências de risco concederam o
Durante os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (19952002), importantes medidas foram aprovadas e o Brasil deixou de ser o "país do passado", da inflação (...)
André Lessa/AE
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Lula Marques/Folhapress
"investment grade", uma forma de recomendação do País ao e arcaísmo", busca demonstrar o processo de modernização capital mundial. A popularidade presidencial explodiu. econômica e social que vivemos vi-à-vis o estancamento do proA pior crise econômica internacional dos últimos 80 anos cesso de evolução política do País. Para remoção de arcaísmos e ameaçava derrubar o edifício. Mas, no final das contas, se diaperfeiçoamento do sistema político e democrático nacional, a ferenciando de um mundo repleto de problemas, o Brasil se terceira seção trata de "Propostas para reforma da política e paconstituiu num case de sucesso, uma espécie de "bola da vez" ra a Reforma Política". Busca trazer um rol de medidas e quessob atenção do investidor internacional. Gozamos momento tões – algumas de procedimento, outras institucionais – na dide inédito prestígio e inegável otimismo. reção de mudanças mais profundas que simples alterações de Sob essa ótica, o sistema político funcionou; o presidencialei eleitoral. Reconhece-se que, no atual estágio e nas condições lismo de coalizão (Abranches, 1988) não se mostrou, afinal, inde disputa, algumas delas não são realizáveis, pelo menos no governável; caos, crises e disputas capazes de paralisar o País, curto prazo. Ainda assim, optou-se por trazê-las à superfície, como imaginavam alguns cientistas como contribuição para o debate. políticos, não proliferaram. De fato, Por fim, um pequeno resumo a estamos bem se postos a ombros com respeito do Debate sobre Reforma nós mesmo, com nossas (más) expecP ol ít i ca , realizado na Associação tativas internas e também com o Comercial de São Paulo (ACSP), em mundo nesses dias de crise econômi24 de maio de 2010, elenca o rol de ca na Europa e nos Estados Unidos. propostas ali apresentadas pelos Mas, dizem os críticos do governo, convidados e palestrantes, defininque, infelizmente, pouco se aproveido medidas consideradas como tou das janelas de oportunidade do consenso e anotando pontos de disperíodo. No bom momento, poder-sesenso mais importantes. ia crescer mais, eliminado problemas estruturais, modernizado a infraestru1. Os custos tura. Há a sensação de que ficamos do sistema político aquém do bom momento. É forçoso admitir que o processo se deu com cusÉ inegável que a democracia traz tos maiores em virtude do baixo pabenefícios: liberdade de escolha, uma drão de funcionamento do sistema poimprensa livre (2); os líderes da oposição não estão na cadeia e o direito de lítico; pode-se dizer também que boa discordar é franqueado a todos; há parte se realizou apesar dele. possibilidade de pressão por parte da Para o bem e para o mal, seu controsociedade e a definição de regras não le por parte do Poder Executivo e o redepende dos humores e de vontades lativo esvaziamento de partidos foi o individuais. Não se trata de descartar remédio encontrado para que o País Desde a eleição de Fernando Collor de Mello, esta via, mas apenas admitir que ainavançasse numa agenda reformista. o Brasil mudou e a economia se fortaleceu. da assim nosso sistema político tem Mas, uma agenda reformista mais acarretado em sérios custos; custos aguda e a eliminação de uma série de para a modernidade, custos para o entraves ao desenvolvimento poderia avanço social, custos ao aprimoramento das instituições. ter-nos colocado em situação ainda melhor. Nossas debilidades e Frequentemente, os governantes avaliam os custos polítidefeitos impedem uma mais rápida e vigorosa fuga para frente, cos de suas ações: o desgaste popular, o comprometimento para o desenvolvimento mais célere e sustentável. eleitoral. Naturalmente, calculam se os custos da mudança Claro, ruim com ele, mas pior seria sem ele. Enfatize-se que compensam seus benefícios. Infelizmente, visões de curto praaqui não se aventa a extinção de nossas instituições democráticas. zo recomendam não enfrentar interesses cuja reação seja cusAo contrário, será necessário descartar a resignação com aquilo tosa. Os custos do certo pelo incerto demandam coragem. Mas, que espíritos mais argutos já chamam de "sub-ótimo satisfatório"; o medo é, ao final, um custo de oportunidade. vivemos uma melhora, é fato; a Realpolitikdo presidencialismo de Com pragmatismo, o estudioso que avalia a frieza dos númecoalizão entregou transformações à sociedade. Ainda assim, ros da política tende a compreender que nosso sistema político questiona-se a eficiência, os custos e a sustentabilidade dessa pofunciona e funciona bem: seus custos são compensados pelas mulítica, como também seus métodos. Esta é a questão: se quisermos danças que efetivamente têm se dado nas últimas décadas. Mas, manter o processo e dar vazão ao desenvolvimento, a Reforma os custos sociais e econômicos pela ausência de decisão, pela paPolítica é, sim, tão necessária quanto inevitável. ralisia política, também deveriam ser considerados. São custos de O presente texto foi organizado em quatro seções, além desta negociação e de transação no interior de um sistema de fluência introdução. A primeira enfatiza "Os custos do sistema políticomprometida pela ineficácia e o anacronismo; os "custos da não co" e realiza pequeno apanhado a respeito dos problemas da mudança", que prejudicam muitos e favorecem poucos. nossa democracia quanto ao funcionamento do sistema eleitoSabe-se apenas o percentual que os governos aprovam do ral e dos parlamentos; a segunda, denominada "Modernização
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que efetivamente foi à votação; daquilo em que houve negoSome-se a isto, é claro, a pouca preocupação e cuidado com ciação, consenso e maioria. Nada se sabe, porém, daquilo que os recursos públicos: não raro, um festival de irresponsabilideixou de ser encaminhado e se perdeu no processo de discusdade fiscal e populismo econômico. Se exemplos remotos não são das comissões, nas disputas, nos particularismos de cada bastassem, casos mais recentes serviriam para demonstrar a Casa Legislativa; nos interesses de cada liderança capaz de indisfuncionalidade: no início de maio de 2010, à revelia do gofluir no processo. Também não se sabe tudo que sequer foi enverno, da responsabilidade fiscal e da saúde econômica do viado ao Congresso por inviabilidade política. Sabidamente, País, o clima de oportunismo eleitoral explícito fez com que a os líderes governistas não submetem aos plenários projetos Câmara dos Deputados aprovasse reajustes salariais para apodestinados ao fracasso; portanto, os números indicam, mas sentados e também o fim do chamado Fator Previdenciário. não explicam a dinâmica do processo. A "idiossincrasia" do sistema coloca o Tesouro Nacional em Infelizmente, cálculos vinculados aos custos políticos de apuros e, pior, ilude o cidadão. Investidores desacreditam do curto prazo fazem com que se desista da disputa, da polarizafuturo; remete-se ao presidente da República a responsabilidação, da articulação, da grande política enfim. de e o desgaste de um veto impopular, mas inevitável. Finalmente, não se sabe também ao certo por quais instruO fato é que a modernização tem avançado mais nos momentos e mecanismos de "permentos limite, em virtusuasão" os projetos de interesse de de externalidades Nos últimos anos, oportunidades foram do Executivo são efetivamente dramáticas; como quanperdidas, reformas estruturais aprovados, perfazendo assim do das crises do final dos necessárias caíram no esquecimento. os índices de sucesso dos goanos 1990 (mandato de vernos. Acreditar que isto se dê FHC) e o teste de credibipor mera sintonia programátil i d a d e n o s p r i m e i ro s ca e alinhamento político seria meses do governo Lula. expressar grande ingenuidaComo se disse, o bom de – ou cinismo – absolutamomento parece mente fora dos propósiser mau conselheitos deste trabalho. ro; o longo prazo é Em qualquer derenegado: reformocracia, os temmas no âmbito da pos da política, da previdência sonegociação, do cial, do funcionaconsenso são meslismo, da estrutumo lentos e custora tributária, da sos; não se pode legislação trabacompará-los com a lhista, da admidinâmica das emprenistração pública, sas, da iniciativa privatudo tem sido emda, e muito menos dos purrado para o fuRickey Rogers/Reuters regimes autocráticos e turo, quando sereautoritários. Mas, acresmos obrigados a ascidos de interesses e disputas nem sempre transparentes se sumi-las com maiores custos e urgência. tornam ainda mais lentos como também custosos; o desperIsso não condiz com a economia eficiente e a sociedade modício de oportunidades também onera. derna que temos construído nas últimas décadas. Quais seSabemos do que estamos falando e não precisamos buscar riam as razões disto? detalhes, exemplos e argumentos desnecessários (3). A rápida Pode-se dizer que nosso modelo político carece de um sisteanálise do noticiário permite concluir que o processo é menos ma de checks and balances, que, em resumo, seria a capacidade de programático e ideológico do que se poderia supor. Ocupação os poderes fiscalizarem-se mutuamente; estabelecer um jogo de ministérios, distribuição de diretorias de autarquias e estapositivo de vigilância e responsabilidade. Mas, também carece tais, além de milhares de cargos; a farta distribuição de recurdo acompanhamento, fiscalização e cobrança do cidadão; da sos por meio de emendas ao orçamento – para ficar nos mecapossibilidade de o eleitor aprovar e/ou reprovar seu represennismos mais visíveis e, a princípio, legais – mostram que a sintante mais direta e imediatamente, não apenas na eleição; mas tonia política e ideológica é o que menos conta. da pressão democrática e republicana que possa exercer. Nos últimos anos – e não apenas nos mandatos do presidenO controle da política por parte do cidadão é bastante prete Lula – janelas de oportunidades foram perdidas, saltos de cário e dificultado por um sistema partidário e eleitoral que, qualidade não se efetivaram, reformas estruturais foram esreconhecidamente, possui deficiências que uma reforma eleiquecidas, medidas de aperfeiçoamento institucional deixatoral – precedida da reforma política e da reforma da política – ram de ser adotadas, tudo inviabilizado por interesses que não poderia atenuar. constam de estatísticas. Os problemas são bastante conhecidos, os mais evidentes são:
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- A distância entre representantes e representados: em São Paulo, por exemplo, pode-se fazer campanha e receber votos em 645 municípios; evidentemente, poucos o conseguem nessa amplitude. Já existe certa dinâmica distrital, em que os candidatos buscam votos e prometem melhorias e recursos para determinada base regional (ou setorial), mas nada o impede de distanciar-se, trocando eventual pressão regional por "novas" bases políticas. Não há um limite visível e politicamente determinado, sujeito à fiscalização do eleitor; a enorme liberdade de mobilidade facilita a ausência de controle. - A proximidade com particularismos e interesses corporativos: a diversidade é natural da democracia, mas o particularismo pode afastar e prejudicar o interesse geral em benefício exclusivo de setores organizados e mobilizados; paradoxalmente, o Estado corporativo é a negaPaulo Liebert/AE ção da sociedade democrática. O voto proporcional, colhido em todos os 645 municípios de São Paulo, por exemplo, tende, sobretudo, a fortalecer corporações distribuídas e organizadas por todo o Estado: professores, funcionários públicos, grupos religiosos e movimentos sociais. Nada contra a organização, a representação e a defesa de interesses setorizados. O problema reside quando se estabelece uma lógica que os privilegia – pois sua logística regional favorece e facilita as campanhas – em detrimento do restante da cidadania e do interesse geral. - Voto proporcional com lista aberta: deforma-se a vontade do eleitor que, ao votar num indivíduo, pode eleger outro diferente de sua preferência; isto sequer será de seu conhecimento. A confusão se agrava ainda mais com as coligações eleitorais; - O sistema multipartidário e fragmentado: a grande quantidade de partidos dificulta o processo de negociação. Além de negociar com os vários atores, não raro o Executivo se vê obrigado a negociar também com as frações partidárias; - Heterogeneidade dos partidos: interna aos partidos, os fragiliza; disputas internas pela máquina partidária e por espaços eleitorais, candidatos proporcionais da mesma legenda frequentemente competem entre si. Paradoxalmente, as maiores rivalidades estão dentro do próprio partido; - Excesso de iniciativa legislativa do Poder Executivo: é natural que os governos necessitem de mecanismos que facilitem a rápida tomada de decisão. Mas, fora de critérios e emergência e excepcionalidade, instrumentos como as Medidas Provisórias (MPs), por exemplo, esvaziam as atribuições do Legislativo e fragilizam o equilíbrio entre os Poderes; - A "construção" das maiorias parlamentares: o jogo pragmático de concessão de espaços administrativos e verbas em troca de apoio parlamentar estimula o patrimonialismo; aliados exigem ministérios "com porteira fechada". Aumentando o fisiologismo, esvazia-se o debate e a credibilidade;
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- A voracidade por cargos e verbas: a exigência de espaços sempre crescentes é a contrapartida da construção de maioria; perpetua disputas entre aliados; acende a pólvora do "fogo amigo" e reabre processo de negociação a cada votação importante. A demanda por mais espaços é quase "inadministrável"; - O círculo vicioso da "grande bancada": leia-se PMDB; grande número de cadeiras no Parlamento exige mais espaço no Executivo (ministérios e verbas); manipulando esses recursos, melhor atende a "clientela" nos municípios (obras, serviços, espaços e cargos); elege prefeitos e vereadores que, em maior número, contribuirão para eleger mais deputados e senadores. Em ainda maior número, a "grande bancada" exigirá mais espaço e mais verbas; - Os custos das campanhas eleitorais: caríssimas, o financiamento é, no mínimo, obscuro, de rara transparência. Além do que, causa enorme constrangimento a um determinado tipo de parlamentar que se vê obrigado a "pedir apoios" financeiros a particulares. À parte disto, mecanismos que garantem a arrecadação são confundidos ou realmente são vinculados ao favorecimento de terceiros e à corrupção. 2. Modernização e arcaísmo Quais seriam as causas desta pouca, quase diminuta, eficiência política? A explicação não é simples e, provavelmente, nunca estará completa e nem será consenso. Ainda assim, é preciso arriscar compreender sua dinâmica. Em primeiro lugar, sempre será necessário reconhecer nossa pouca tradição democrática. Características de nossa colonização deram à luz uma política oligárquica e patriarcal, baseada num sistema escravagista e patrimonialista. O indivíduo comum, na verdade, nunca se viu motivado à participação política. Pelo contrário, nossa história é exemplo de sucessivos desestímulos, tal como foram esmagadas revoltas e movimentos políticos. Ao longo do tempo, exercitamos "uma política sem povo", o voto censitário dos tempos do Império é figura mais que eloquente, porém não a única, a esse respeito. Há uma cultura política que resiste e que em muito facilita a dinâmica que vimos acima. Com dados de 2008, Souza e Lamounier (2010) demonstram que o grande contingente recentemente agregado aos setores de classe média possui pouco ou nenhum interesse por política, tem dificuldade em confiar em indivíduos que não lhes sejam familiares, raramente se associa; desconfia do governo e das instituições. Pode-se concluir que está em consonância com nossa tradição e, infelizmente, não se diferenciam do resto da sociedade. Em debate na Universidade de São Paulo (13/05/2010), o cientista político Amauri de Souza afirmou que "temos uma sociedade anômica e instituições anêmicas". Resta perguntar o que "nasceu" primeiro.
O Estado que herdamos dos portugueses, ao mesmo tempo muitos desapareceram. Num primeiro momento, acreditouem que prescindiu da participação popular, buscou o apoio de se que organizações não governamentais seriam capazes de oligarquias regionais; cooptando-as, deu a elas títulos e poder em substituí-los, que novos temas emergiriam e arrebatariam motroca de fidelidade. Logicamente, o sentido de res publica– mesmo ços e velhos, homens e mulheres. depois do fim do Império – nunca foi assimilado por populares e De fato, novos atores, como os ambientalistas, por exemplo, menos ainda pelas elites. Grupos de interesse e particularismos surgiram e assumiram importância. Mas, ao mesmo tempo em trataram de tomar o Estado para si; assenhorear-se de seus recurque a liberdade individual, a modernização tecnológica e o desos e assaltar seus fundos. No monumental "Raízes do Brasil", senvolvimento da economia se expandiram, não apenas os Sérgio Buarque de Holanda, já em 1936, afirmara que "a demopartidos, mas mesmo a ideia de ação Política (com "P" maiúscracia no Brasil sempre foi um lamentável mal-entendido" (Hoculo) sofreu retração e desprestígio. Sempre controversa e polanda, 1995:160). Lutar contra essa tradição já seria um grande delêmica, nos últimos tempos a atividade política perdeu ainda safio. Mas, não se trata apenas disso. mais respeito; perigosamente, tornou-se irrelevante para Como vimos, o Brasil tem passado por vigoroso processo de grande número de pessoas. modernização econômica e social. As transformações foram proA sociologia, até então denominador comum da explicação fundas: a abertura do País para o mundo fez com que as instituida sociedade, foi substituída pelo cálculo e pela racionalidade ções no âmbito da economia se ajustassem. Roosewelt Pinheiro/ABr Entre outras alterações, passamos a respeitar contratos, buscamos a manutenção de um regime de estabilidade; deixamos o câmbio flutuar; mantivemos superávits nominais de modo a abater a relação dívida/PIB; a Lei de Responsabilidade Fiscal estabeleceu parâmetros de decência econômica e moral para o setor público; a autonomia operacional do Banco Central trouxe racionalidade técnica à política monetária; a reorganização do mercado de capitais deu segurança a investimentos; a reestruturação do sistema financeiro (PROER) nos foi de imensa serventia na hora da crise... Em que pesem gargalos e distorções que precisam ser resolvidos, tudo isto colaborou para a significativa melhora do ambiente de negócios. Na sociedade, as transformações também foram inúmeras e tocantes: puxadas Nosso sistema representativo ainda é distante da sociedade; no parlamento, pelo desenvolvimento tecnológico, a vecomo no passado, a troca de favores ainda estabelece a lógica das negociações. locidade da comunicação e o aumento vertiginoso dos meios possibilitaram mais informação e elevação do senso crítico. Somos mais modernos e exigentes. Mas ainda vivemos econômica. A arbitragem entre vencedores e vencidos, exercisob sombras do passado: em comparação com esses setores, a da pela política, vista pelo ângulo da economia, foi menos efepolítica pouco se modernizou; ainda assim, se o fez, foi guartiva. O indivíduo ficou só e as instituições se esvaziaram. Isto dando o sentido do particularismo, do patrimonialismo e todo tudo pode ser sintetizado pela frase da ex-primeira ministra o arcaísmo histórico. Nosso sistema representativo ainda é disbritânica, Margareth Thatcher: "esse negócio de sociedade não tante da sociedade; antigas e novas elites regionais ainda conexiste, o que existe são indivíduos e famílias". trolam "currais" eleitorais; no parlamento, como no passado, a Renegada ao segundo plano, a atividade política decresceu troca de favores ainda estabelece a lógica das negociações. em charme e status; perdeu interesse dos jovens e, sobretudo, À parte disto, crises de liderança e de paradigma se estabedos economicamente protegidos. A qualidade de sua interleceram em todo o mundo. O fim da guerra fria e da bipolavenção e liderança declinou drasticamente; foi esconjurada. ridade das potências mundiais estendeu direitos individuais Claro que o resultado desse erro não tardaria: a fragilidade de pelo planeta, esvaziou utopias e arrefeceu paixões. A liberdalideranças e a incapacidade política de oferecer parâmetros de de se espalhou social e economicamente; a agenda mundial e comportamento individual e de ação coletiva germinaram a as grandes questões da sociedade se alteraram, mas isso não crise econômica internacional de 2008. despertou, necessariamente, um jeito novo de fazer política. No Brasil, esse processo não foi diferente, sendo até mesmo No mundo todo, os partidos políticos – que deveriam espeagravado pela apatia política ancestral. Se, em 2008 e 2009, não lhar essas transformações – viram-se em profundas crises; chegamos aos mesmos problemas econômicos e nas mesmas
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dimensões que em outras partes do mundo, foi menos pelas qualidades do sistema político do que por seus defeitos. A centralização de quase todo o poder no Executivo deu-nos o sentido de celeridade e a rapidez de decisão que faltou em sociedades mais democráticas, onde os atos do mercado foram mais severamente questionados e a ação do Estado mais fiscalizada e submetida a constrangimentos. Paradoxalmente, o esvaziamento da política fez com que o cenário de caos não se confirmasse, pois, tivéssemos que submeter qualquer decisão ao sistema, como está hoje, seríamos envolvidos num emaranhado de discussões e interesses não revelados. Todavia, isto não quer dizer que o mal é bom. Na sociedade moderna, os anacronismos são rapidamente expostos; investigados e tornados públicos na velocidade da internet banda larga, os escândalos se banalizam, geram indiferença e desconfiança; a crise se aprofunda. A descrença na política diminui a eficiência geral do sistema; o potencial dos quadros políticos que aceitam participar do processo decai; perdese qualidade e o futuro torna-se ainda menos promissor. Jovens bem formados e capazes, pessoas de bem de um modo geral, adotam cautelosa distância da atividade pública. O ceticismo amplia o afastamento e ao mesmo tempo um cinismo pernóstico – "política é assim mesmo" – se expande ao lado do farisaísmo moralista: "pega, mata, esfola: ninguém vale nada; política é o fim". Não é bem assim, mas assim fica sendo. Ao utilizar métodos de cooptação e favorecimento, fisiologismo e aliciamento, o "presidencialismo de coalizão" imprimiu ainda maior esvaziamento e desgaste à atividade política do que seria natural nesse novo mundo em transformação. No longo prazo, a rigidez e a disfuncionalidade do sistema político pode comprometer a todos. Sem a oferta de bons quadros, o recrutamento torna-se mais precário: quem sonhará ser político; quem perderá seu tempo com isso? Apenas abnegados, sacerdotes e mal-intencionados se submetem ao leilão de votos e interesses. A qualidade da liderança declina; a dinâmica é perversa. Em âmbito nacional, a pequena renovação de nomes e a qualidade duvidosa de quadros aprofundam o abismo entre a sociedade e a economia modernas e a política arcaica. Se nada for feito, o colapso é mais que plausível. A realidade que esse sistema já produz é evidência disto: a) exclusão de amplas parcelas da população praticamente sem direitos civis; b) violência policial e violação de direitos humanos; c) corrupção; d) insegurança e saúde precárias – em que pese melhoras a partir do SUS –, educação deficiente; serviços públicos de péssima qualidade, enfim. Os mesmos dados do World Forum que indicam avanço do País nos rakings mundiais de competitividade (56º no ranking), indicam também que entre 131 países pesquisados, somos a 2ª pior regulação estatal; o 6º pior desempenho em número de dias para abrir uma empresa; no critério instituições públicas, o 93º colocado, com a 12ª pior aduana do mundo; o 10º pior no desempenho em matemática; o 13º pior no quesito corrupção; o 15º no custo da violência e apenas o 103º no que se refere à qualidade da educação em geral (O Estado de S. Paulo, 09/09/2009). Claro que a sociedade tem sua parcela de responsabilidade; remeter todos os males à culpa dos políticos é simplismo. Qualquer sistema político requer, antes de tudo, pressão e con-
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trole de modo a que os eleitores sejam adequadamente representados. Eleitores exigentes fazem valer direitos e melhoram a qualidade geral do sistema; seu interesse e envolvimento são elementos fundamentais na arena política e contribuem para a accountability horizontal e vertical, o controle sobre os poderes e entre os poderes (O'Donnell, 1998). Quanto mais atenta a sociedade, melhor seu sistema representativo. As soluções, é evidente, passam pela política e pelos políticos; o sistema precisa ser aperfeiçoado. O enfraquecimento do Congresso Nacional e a depreciação da atividade política não interessam nem à sociedade, nem à economia; os desafios impostos a partir da crise e em virtude do crescimento econômico necessitarão de decisões e mudanças de maior profundidade, às quais obrigatoriamente passarão pelo crivo do sistema político, pois ferirão interesses; "o conflito", afinal, "é o nervo da política", disse o sociólogo Fernando Henrique Cardoso (1972). A conciliação de interesses e a protelação sistemática desses conflitos, que até aqui tiveram vez, não terão mais espaços numa lógica de desenvolvimento que precisará de reformas que lhes dê fôlego e sustentação. Ademais, instituições eficazes e estáveis são sempre melhor e maior garantia de estabilidade e progresso. Regimes e esquemas de poder precários afastam investidores e inibem a liberdade. Instituições são os mecanismos mais seguros e duráveis para a promoção e sustentação do desenvolvimento (North,1990). O Brasil das últimas décadas passou por sensível melhora nesse campo, houve progressos quanto a valores como a estabilidade e a própria democracia; no entanto suas organizações políticas não se modificaram no ritmo e na dimensão da economia e da sociedade. Tudo nos obriga a buscar outros métodos: ainda que "Reforma Política" seja uma ideia gasta, no Brasil de hoje nada é mais urgente do que reformar a política que se pratica. 3. Propostas para Reforma da Política e para a Reforma Política Antes que novos instrumentos de representação sejam avaliados ou que se debruce sobre o desgastado recurso às reformas eleitorais limitadas, cabe ter em mente que é preciso mudar a concepção de política que se desenvolveu e se cristalizou no Brasil ao longo dos anos. Não se deve confundir tradição com destino; o futuro pode ser construído, gradualmente, sobre outras bases e valores. Deve-se acreditar no sentido evolutivo da história. É claro que o conjunto de interesses e forças sociais interessados na manutenção do status quo é poderoso; a começar por aqueles a quem formalmente caberia propor e aprovar os mecanismos dessa mudança: o próprio sistema político e, em particular, os membros do Congresso Nacional. Eleitos por regras que lhes são favoráveis, não é de se estranhar que a maioria dos parlamentares fique reticente e omissa em relação à matéria. Todavia, a sociedade existe e suas lideranças políticas podem despertar e mobilizar seu poder de pressão. A reforma não se fará sem sociedade e liderança. É a sociedade quem dá a luz à liderança; desenvolvida, a liderança mobiliza a sociedade. É um jogo de interação, uma relação dialética que desperta a sinergia da mudança.
Dida Sampaio/AE
As instituições não brotam do chão, são resultado dos indivíduos que as formam.
Dessa forma, é fundamental que neste ano eleitoral a sociedade se manifeste e exija este compromisso por parte dos candidatos a presidente da República: que assumam a liderança propositiva que lhes cabe e mobilizem forças sociais e políticas na direção da Reforma Política. É evidente que o momento é também delicado: candidatos à presidência precisam de candidatos proporcionais que levem suas campanhas, que agitem suas bandeiras. Todavia, essa é a encruzilhada entre a conveniência e coragem. Dada a centralidade e a visibilidade das campanhas não há momento melhor para politizar a sociedade e amarrar o (a) próximo (a) presidente com este compromisso. Depois da vitória, o (a) presidente precisará compreender que sua popularidade não pode residir na negativa de contrariar interesses; o temor de assumir medidas duras, mas absolutamente importantes numa perspectiva de longo prazo, apequena a liderança. Se sua obrigação consiste em fortalecer instituições, seu primeiro desafio é transformar mentalidades que enfraquecem as instituições. As instituições não brotam do chão; são resultado dos indivíduos que as formam; para que evitem que a sociedade se desmantele, é necessário que algo não permita que a própria instituição se desmantele (Elster, 1994). Mesmo a democracia norte-americana, de instituições robustas e duráveis, necessitou de liderança: Washington, Franklin, Jefferson, Jackson entre outros. Tiveram antes de tudo o papel do exemplo e a determinação didática. No caso brasileiro não seria diferente. Sem temor de enfrentar interesses, capacidade de comunicação e qualidade ampla de articulação política, o (a) futuro (a) presidente deve agir com a determinação que caracteriza os estadistas; compromisso com o futuro acima dos interesses eleitorais. A legitimidade das urnas, a "lua-de-mel" dos primeiros meses de mandato, o protagonismo, o acesso aos meios e a possibilidade de mobilização de setores sociais fornecem o convencimento, a persuasão e a educação política necessárias. É preciso agir já logo após a vitória eleitoral. Algumas sugestões ao alcance do Executivo, do Legislativo e dos partidos podem ser defendidas pela liderança presiden-
cial. Verdade que "o papel aceita tudo" e muitas destas formulações podem parecer impraticáveis e ou românticas. Mas, pior é a timidez e a resignação com o que apenas se intui ser o possível. Os interesses estão cristalizados, mas retiremos do conflito a ousadia de ir muito além do medíocre: - Um pacto pela reforma da política: envolvendo empregados, empregadores, meios de comunicação, partidos, organizações representativas, a juventude. Explorar a capacidade de agenda do governo federal, fazendo desta questão uma importante bandeira; compor um grupo social e intelectualmente representativo – necessariamente, não vinculado a partidos – cuja missão será discutir e propor medidas no âmbito da reforma da política e da Reforma Política strictu sensu. Para que tenha destino diferente da Comissão Afonso Arinos – que em 1985 elaborou um anteprojeto da Constituição Federal – será imprescindível oferecer os resultados do trabalho a amplo debate social, explicitando sua importância para o futuro; e só depois submetê-lo à apreciação do Congresso Nacional; - Estimular a formação de novas lideranças: ao longo dos anos, a qualidade da liderança política se perdeu; bons quadros se retiraram do processo e não foram substituídos à altura. A imprescindível renovação com qualidade é questão central e deve ser estimulada nas empresas, nos sindicatos, nos movimentos sociais, nas universidades, nos meios de comunicação. A começar pelo resgate da ideia da Política, como atividade séria, nobre e digna, uma revolução de valores torna-se fundamental. A "provocação" desse processo deve partir de uma liderança política plena de legitimidade, com a energia da vitória eleitoral e do início de mandato. "A reforma da própria política enquanto valor e concepção" primeiro; depois instrumentos que facilitem a renovação; - Estimular partidos mais rigorosos e seletivos: além da "ficha limpa", que as legendas submetam seus quadros à formação que prime pela qualidade da intervenção política; pelo conhecimento da história, pela discussão da ética. Qualquer um pode participar da política, votar e ser eleito, mas é necessário
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Fotos: Evaristo Sá/AFP
que se comprometa com o aperfeiçoamento e com a qualidade de sua intervenção; - Valorizar a atividade política: em que pese a má fama que carrega, a Política é atividade essencial que não pode ser relegada pela sociedade. Não se deve admitir como natural a perda de bons quadros para o setor privado, porque a atividade não traz respeito e a remuneração é menos que atrativa quando exercida com honestidade e cumprimento do dever. Há um paradoxo: no Brasil, se comparado a padrões internacionais, a atividade parlamentar é cara; gasta-se muito e mal – a começar com vereadores espalhados por todo o País. No entanto, o presidente da República, ministros, governadores, prefeitos e mesmo parlamentares mais dedicados e competentes são remunerados num patamar inferior aos valores percebidos pela iniciativa privada. A valorização da atividade tende a alterar a oferta, gerar o aumento da competição e, por decorrência, a melhora na qualidade da oferta. No mais, a reforma administrativa dos parlamentos é o desafio. - Redução do número de cargos comissionados: reduzir as possibilidades de nomeação política ao mínimo imprescindível, isto é: limitando-a apenas ao principal posto em cada ministério, estatal e autarquia – acompanhado de um único assessor, na condição de chefe de gabinete. Este recurso busca demolir esquemas de troca de apoios por cargos públicos e controle de máquinas administrativas, evitando negociações sempre recorrentes e disputas entre aliados pela distribuição de espaços na máquina; - Emendas Parlamentares: definir a obrigatoriedade legal e moral de liberação dos recursos de todas as emendas parlamentares aprovadas pelo Congresso na ocasião da votação do orçamento, desde que, como manda a lei, estejam perfeitamente provisionadas de recursos e estes sejam limitados a uma pequena parcela do orçamento; limitar a coerção do Executivo sobre o parlamento baseada na possibilidade de o governo liberar ou não, recursos para as emendas. Para isso, a proposta busca alterar a lógica e dar celeridade ao processo: as liberações devem começar pelas emendas oposicionistas; fazê-lo sem qualquer discriminação partidária até que naturalmente chegue-se por fim às emendas dos aliados. A disputa e o debate a respeito da real necessidade da liberação desses recursos aumentarão, mas o compadrio na aprovação das emendas diminuirá; - Reordenação partidária: embora o presidente da República não possa e nem deva intervir na organização dos partidos, sua ação política será relevante para que exista mais identidade partidária. Será necessário forjar um processo dissidências e de fusões partidárias; um rearranjo partidário deve ser incentivado de modo a formar novos conjuntos sem a dicotomia governo/oposição, mas pela sintonia política e ideológica entre grupos hoje espalhados por todos os partidos. Enfim, realinhar forças e lideranças é fundamental para que se liberte a agenda do século 21 e se dê a mínima coerência e homogeneidade aos partidos; Evidentemente, caberá à liderança cumprir o roteiro acima sem se deixar levar pela tentação do viés partidário, da doutrinação ideológica; baseando-se apenas no princípio da educação política plural, na ética republicana, no entendimento das necessidades do País. No mais, é claro, há também uma série de medidas incrementais cuja responsabilidade é do Poder Legislativo e dos partidos, ainda que possam ser provocados e
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instados pela sociedade e pela liderança política presidencial. Entre outras medidas, um pacto pela Reforma Política poderia oferecer ao Congresso as seguintes propostas (4): - Maior restrição da emissão de Medidas Provisórias: talvez aumentando a dificuldade de sua aprovação por um quorum maior e mais qualificado de parlamentares; a maior dificuldade em aprová-las deve desestimular a emissão de MPs como recurso banal; - Diminuir os custos de campanha: sobretudo, os vinculados à produção dos programas de televisão; estabelecer limites máximos de gasto. Despesas de manutenção de partidos e custos de campanhas eleitorais precisam de maior publicidade e transparência: um balanço público, possível de ser auditado tanto pela Justiça Eleitoral quanto pelo Ministério Público deverá estar aberto a qualquer interessado. A fiscalização, é claro, pode ser feita por amostragem. Assim sendo, doações recebidas não precisam ser, necessariamente, nominais; sobretudo após a adoção do voto distrital misto, iniciativa que também contribuiria para a diminuição desses valores; - Voto distrital misto: a começar já em 2012 nas eleições municipais, em municípios com mais de 200 mil eleitores. Depois, implantá-lo gradativamente (nos 10 anos seguintes) nos demais municípios, nas eleições estaduais e, por fim, na disputa federal. Inicialmente, criar distritos considerando aos números atuais de bancadas estaduais. São Paulo, por exemplo, que hoje conta com 70 deputados, se dividiria em 35 distritos – de igual número de eleitores – com eleição para duas vagas para a Câmara dos Deputados: uma por voto majoritário (se necessário com dois turnos), outra pelo voto em lista partidária fechada. Nos anos seguintes, caminhar para formação de distritos homogêneos – de
Depois da vitória, o (a) presidente precisará compreender que sua popularidade não pode residir na negativa de contrariar interesses; o temor de assumir medidas duras, mas absolutamente importantes numa perspectiva de longo prazo, apequena a liderança. Nas fotos, os presidenciáveis Marina Silva (PV), José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT).
igual número de eleitores – em todo o território nacional na quantidade de 274, com direito à eleição de duas vagas para a Câmara dos Deputados (uma por voto majoritário, outra por lista); - Fim das coligações proporcionais em todos os níveis (se e enquanto não for instituído o voto distrital): tornar o voto de cada eleitor mais fiel aos seus propósitos é medida urgente e necessária; fazer com que sejam eleitos somente os candidatos que efetivamente possuírem votos para isto é o caminho. A presente distorção deve ser eliminada e modo a tornar o parlamento mais legítimo e representativo da vontade do eleitor. Busca-se também evitar a "carona" dos pequenos partidos, em alianças, às vezes espúrias, feitas à sombra das grandes legendas; - Retomar a Cláusula de Desempenho: reduzir o número de partidos, não permitindo representação parlamentar, tempo de rádio e TV e a utilização de recursos do fundo partidário daqueles que não tenham alcançado um mínimo de 5% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados. Esse mecanismo visa forçar um realinhamento e a incorporação de partidos pequenos pelos maiores. A disputa interna aos partidos e a heterogeneidade interna podem aumentar, mas diminuem-se custos de negociação, aumentando também a representatividade de cada bancada. Amplia-se a inteligibilidade do sistema, aglutinando forças partidárias; - Suplente de senador: acabar com a figura do suplente de senador, cuja posse em lugar do titular tem retirado qualidade experiência e legitimidade do Senado Federal; por ser uma eleição majoritária, na vacância do senador eleito faz-se nova eleição. O objetivo é desestimular licenças e afastamentos. - Extinção dos blocos principais de propaganda partidária e eleitoral gratuita no rádio e na TV: distribuir os tempos destinados aos blocos da manhã, tarde e noite em pequenas inser-
ções exibidas ao longo da programação diária. Os "drops" passam a ser destinados também à apresentação de propostas. Ademais, isto forçará que o uso do Horário Gratuito concedido aos partidos – regular ao longo do ano – seja utilizado na perspectiva programática. - Voto facultativo: em que pese a necessidade de estimular a participação política do cidadão, o voto deve passar a ser entendido como um direito e não um dever obrigatório. A situação como está hoje garante aos partidos uma espécie de "reserva de mercado". Normalmente distante da discussão política, o indivíduo caminha para as urnas sem muita empolgação e informação; não assume a responsabilidade de seu voto. O voto facultativo obrigaria os partidos a buscarem a adesão de eleitores; filiar, mobilizar, convencê-los a votar. Claro que haveria o risco de abusos do poder econômico, compra de voto e que tais. Mas, em alguma medida mesmo no atual sistema não estamos livres disto. Além do que esse problema não se resolve com mando e "obrigação", mas com a cidadania do eleitor e a fiscalização da Justiça Eleitoral. - Critérios de eficiência: parlamentares precisam ser cobrados pelo resultado de suas ações. Se o País melhora e o Produto Interno Bruto cresce, nada mais justo que sejam reconhecidos pela "produtividade" também vinculada ao número de projetos aprovados durante o ano; o inverso deverá ser verdadeiro. De algum modo, será importante atrelar a atividade parlamentar e ao desenvolvimento econômico e social do País. - Financiamento Público e Exclusivo de Campanha: compreende-se a lógica do "financiamento público e exclusivo de campanha" – no atual sistema privado está grande parte da origem dos males do sistema político atual. Todavia, esta mudança só poderia ser imaginada, após todas as garantidas de transformação do sistema político. Hoje, correríamos o risco de con-
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viver com algo duplo (financiamento público, mais "Caixa 2" privada). Seria, portanto, uma espécie de complemento a todas as demais propostas aqui presentes, o que corresponderia a uma profunda mudança de mentalidade. Financiamento Público Exclusivo é, portanto, ponto de chegada (e se tudo correr admiravelmente bem), não o ponto de partida de qualquer Reforma. Deveria ser adotado apenas após algum tempo da implantação do voto distrital misto. Toda e qualquer forma de organização política e eleitoral traz ganhos perdas. Não há notícia de sistema perfeito. O voto distrital, é claro, possui inconvenientes, assim como o voto facultativo. Mas, seus "contrários", o sistema proporcional e o voto obrigatório também trazem contradições e defeitos. O importante é perceber que escolhas são inevitáveis e, já que temos que fazê-las, melhor é procurar dar-lhes o sentido de maior liberdade, coerência, participação, aproximação entre L.C. Leite/Luz
eleitores e eleitos; pesos e medidas, accountability. Resgatar a política como atividade nobre e buscar seu ponto de eficiência; torná-la à altura do potencial e dos desafios que o País enfrentará, necessariamente, com o seu auxílio; permitir que se torne importante instrumento na vazão do processo de desenvolvimento econômico, social e ambiental, o dínamo do bem-estar e da democracia são, ente outras, as tarefas do (a) próximo (a) presidente da República. 4. Um Debate sobre "Reforma Política" na ACSP Promovido pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP), em 24 de maio de 2010, o debate a respeito da "Reforma Política" contou com a presença dos senadores Kátia Abreu (DEM-TO) e Marco Maciel (DEM-PE); do deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), do ex-deputado e ex-ministro Pimenta da L.C. Leite/Luz
Em maio, a Associação Comercial de São Paulo promoveu um debate sobre a Reforma Política, que contou com a presença de diversas personalidades do meio político, entre eles o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP) e o ex-ministro e ex-senador Jorge Bornhausen (DEM-SC). Entre as propostas do encontro está o fim das coligações proporcionais.
Notas (1) E quando não é o Congresso, é o Poder Judiciário que assume
uma espécie de função moderadora e intervém diretamente no processo; desautorando o Legislativo, impondo e desfazendo normas (como são exemplos os casos da Verticalização, da Cláusula de Desempenho e da diminuição do número de vereadores do país); tornando ainda maior a instabilidade das regras. (2) Em que pese o fato de organismos internacionais apontarem a concentração dos meios de comunicação nas mãos da classe política e manifestações no sentido de que se venha a estabelecer "controles sociais" sobre os meios de comunicação. (3) Ainda assim, é irresistível mencionar pelo menos o caso da não aprovação do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que
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renovaria a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), em 2007: independente do mérito da CPMF, o fato é que a PEC ficou retida na Câmara dos Deputados durante meses, o que deu força à oposição e ao movimento de empresários contrários e que, por fim, conseguiu mobilizar Senadores contra a aprovação. Segundo a imprensa, essa "retenção" se deu simplesmente porque era interesse do PMDB "arrancar" do governo uma nomeação para diretoria de Furnas , por fim autorizada. A perda de arrecadação foi estimada em R$ 40 bilhões. (4) Medidas como "fidelidade partidária", exigência da chamada "ficha limpa" são desejáveis, mas não serão mencionadas uma vez que já estão presentes no atual sistema.
Veiga (PSDB-MG). O encontro foi mediado e teve uma apresentação preliminar do tema feita pelo ex-senador e ex-ministro Jorge Bornhausen (DEM-SC), também coordenador do Conselho Político-Social da ACSP. Foram objeto de consenso entre apresentador e debatedores os seguintes pontos: 1. O esforço pela Reforma Política deve buscar o possível, não o desejado, sob pena de o segundo pôr a perder o primeiro; 2. A Reforma só se dará com o apoio expresso da liderança política do (a) próximo (a) presidente da República e isto deve ser buscado logo no início do mandato. No que se refere a propostas substantivas de conteúdo comuns, destacam-se: 1. A aprovação da "Cláusula de Desempenho", com a devida alteração da Constituição Federal; L.C. Leite/Luz
2. A alteração do Sistema Eleitoral, com a adoção do "Voto Distrital Misto", como medida de maior facilidade de negociação do que o modelo "Distrital Puro". A proposta é que passe a vigorar já nas eleições municipais de 2012, a partir dos municípios acima de 200 mil eleitores. Sua implantação no território nacional seria gradativa; 3. Fim das Coligações Proporcionais já para as próximas eleições; 4. Adoção de "Listas Partidárias Fechadas", como fator secundário e em caso da não aprovação do "Voto distrital Misto". Foram pontos de divergência e não se chegou ao consenso em relação a dois temas: 1. O "Fim da Reeleição" para presidente da República, governadores e prefeitos; 2. "Financiamento Público de Campanha".
L.C. Leite/Luz
Estiveram presentes no evento promovido pela ACSP sobre Reforma Política os senadores Marco Maciel (DEM-PE) e Kátia Abreu (DEM-TO). Foi consenso a necessidade de adoção do sistema de Voto Distrital Misto nas eleições municipais de 2012 para cidades com mais de 200 mil eleitores.
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Divulgação
Maria Teresa Bustamante Economista formada pela Universidade J. Tadeu Lozano (Colômbia), Mestre em Administração pela Universidade Positivo, de Curitiba (PR), e Doutoranda pela mesma universidade. De 1972 a 2009 foi Gestora Corporativa de Comércio Exterior e Relações Internacionais da Whirlpool S.A. É diretora do Departamento de Relações Internacionais da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (ABINEE) e coordenadora de Comércio Exterior da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletro-Eletrônicos (ELETROS), entre outros cargos semelhantes em várias entidades de classe. Representando essa empresa e essas entidades, acompanhou e ainda acompanha muitas negociações comerciais do Brasil com outros países e em organismos internacionais, em particular o Mercosul.
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A trajetória do Brasil na inserção internacional Desafios e oportunidades
Moacyr Lopes Junior/Folhapress
Moacyr Lopes Jr/Folhapress
Resumo A inserção do Brasil no âmbito das negociações internacionais é tímida, revestida de concessões unilaterais e desprovida de uma política comercial externa dinâmica e proativa. Também limita essa inserção a apatia e relutância de grande parte do setor empresarial em participar das negociações internacionais, aliada à falta de uma visão governamental ampla e objetiva para atender às demandas do setor produtivo. Isto, com o objetivo de prospectar e abrir novos mercados visando ao aproveitamento de oportunidades, num espaço global competitivo marcado pela grave crise econômica e financeira dos últimos anos, e a recriação generalizada de mecanismos de proteção. Nesse contexto, é imprescindível voltar, também, o olhar crítico para a estrutura interna das operações de comércio exterior, que a despeito dos avanços de dotar de sistemas de informática vários órgãos intervenientes e de reduzir a burocracia, ainda possui uma longa estrada a percorrer devido à carência de medidas concretas de melhoria, aperfeiçoamento e demonstração de vontade política de incluir o comércio exterior numa lista prioritária de objetivos. Assim, é imperativo que no plano estratégico do próximo presidente da República estejam definidas ações para retomar proativamente uma agenda de negociações internacionais, ação esta embasada em passos internos necessários a dar o marco operacional, legislativo e de segurança jurídica para sua realização. Cite-se, entre outras, a revisão do Tratado de Integração do Mercosul, em particular para permitir que seus países-membros possam desenvolver individualmente negociações bilaterais com países fora do bloco, a desvinculação da Aduana da Receita Federal e a transformação da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) num órgão de dimensão hierárquica diferenciada, que lhe permita atuar com eficácia, eficiência e autonomia com o objetivo de levar o Brasil a um papel de relevo no comércio entre as nações e nas negociações comerciais internacionais.
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Introdução
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ários estudos e análises, entre esses os de Evans, Jacobson e Putnam (1993), Keohane e Milner (1996) e Rogowski (1989) abordam o processo de abertura econômica de diversos países a partir da década de 1970, passando pelo fim da Guerra Fria e incorporando a internacionalização gradual de empresas e de países amparada por políticas públicas. Desde o início da década passada, o Brasil vem participando de um processo ativo de transformação de sua economia em que destacam como momentos marcantes e controvertidos a abertura do mercado interno às importações no período do governo Collor, a celebração do Tratado de Integração do Mercosul, em 1991, e a conclusão da Rodada Uruguai em 1994. De um modo geral, mas também com especificidades, a comunidade empresarial vem desde então enfrentando uma série de ajustes estruturais em decorrência da maior presença de produtos estrangeiros, num mercado anteriormente protegido da concorrência internacional por várias formas de restrição às importações. Paralelamente, houve também o lançamento da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) em 1994. As negociações que esse lançamento ensejou, bem como o início das tratativas entre o Mercosul e a União Europeia, submeteram a um duro teste de conhecimento técnico, experiência e maturidade não apenas os empresários, como também as instituições privadas, a exemplo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), outras entidades de classe empresariais, e os representantes oficiais dos diversos ministérios e autarquias liderados pelo Ministério das Relações Exteriores. Sem entrar no mérito do acerto ou não da proposta de uma ALCA, cuja proposta foi encerrada abruptamente em 2002, por divergências entre os dois principais atores, Brasil e Estados
Unidos, esse processo negociador demonstrou, entre outros aspectos, a falta de preparo empresarial e oficial para coordenar, influenciar e debater os mais diversos temas que compõem a negociação de um acordo de livre comércio de última geração e alta complexidade. Igualmente, demonstrou a necessidade de criar um órgão de representação para chegar a um consenso e harmonizar os interesses dos diversos setores industriais representados pelas entidades de classe, e a exigência de um plano de ações estratégicas a desenvolver na agenda interna do País para dar um marco adequado de infraestrutura e de segurança jurídica, necessário para permitir um equilíbrio nas negociações. A exigência do complexo quadro internacional de acordos de comércio acirrado pelo protagonismo da China, da Índia e de outros países emergentes como o Brasil, a criação de novos grupos líderes com conotação política, entre outros, o denominado G-20, G8, G2, multiplicando os canais de interlocução exigem que empresários e governo estejam mais bem preparados para as negociações internacionais. Outro aspecto a ser destacado são as decisões técnicas, finalmente tomadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), com relação a processos de longa maturação, como foi o caso da denúncia por parte do Brasil de uso dos subsídios Eduardo Martins/Ag. A Tarde/AE
concedidos aos produtores de algodão dos Estados Unidos, numa demonstração de resgate da aplicação das regras de um comércio internacional sem distorções impostas unilateralmente por uma das partes.. Um ponto focal é a incorporação na agenda do Governo Federal de propostas que solucionem os diversos entraves existentes internamente, entre os quais podemos citar a complexidade apresentada pelo plano macro de condução da política externa comercial, o tratamento aduaneiro num órgão voltado prioritariamente para arrecadação de impostos e a manutenção de excessiva burocracia, impedindo a internacionalização das pequenas e médias empresas (PMEs).
Outro foco deve ser o de tentar desvendar o mistério e enigma, ainda presente, para uma grande maioria dos empresários nacionais, quanto ao significado de participar ativamente nas rodadas negociadoras do Brasil. Alguns creem que é tarefa exclusiva do Estado, outros pensam que é responsabilidade direta e única do Ministério das Relações Exteriores, e outra parte acredita que é do mando da CNI. Uma grande parcela dos empresários e/ou de suas entidades de classe sempre tratou esse tema como uma tarefa secundária ou mesmo desnecessária. Quando admitida, o fazem, ou para atender demandas de interesse específico, ou para requerer medidas protecionistas contra terceiros países ou empresas, registrando-se, nos últimos anos, a ênfase contra a China. Em alguns casos a resposta encontra-se no habitual desconhecimento do real significado das negociações de Estado como consequência positiva para os negócios das empresas. Do mesmo modo, a manifestação de apatia e distanciamento é quase sempre alicerçada pela descrença na realizaç ã o e i m p l e m e n t a ç ã o d e a c o rd o s e o u t ro s a r r a n j o s comerciais estabelecidos com outros países. No caso mais próximo e que produz mais ruídos, o Mercosul, alguns aspectos se destacam, como a complacência e a conivência do Brasil com a implantação de práticas protecionistas exacerbadas por parte dos demais países No âmbito do membros, como é o caso Mercosul, se da Argentina. Isto dedestacam monstra a opção oficial a complacência por uma política integrae a conivência cionista alicerçada na retódo Brasil frente rica vazia, sem visão de a adoção longo prazo, caracterizada de práticas por um retrocesso no proprotecionistas cesso de inserção do Brasil exacerbadas por nas negociações internaparte dos demais cionais, o qual vinha crespaíses membros cendo desde 1996 num ritdo bloco, cujo caso mo lento, porém crescente, mais evidente e que foi interrompido é o da Argentina. bruscamente em 2002 com a decisão voluntarista de encerrar abruptamente as negociações da ALCA. Assim, a pergunta que teima em não calar: qual é o futuro que espera o projeto de integração definido pelo Mercosul? As respostas dadas mudam de significado conforme a fonte ouvida – governo, empresários e estudiosos do assunto. Numa visão mais geral, qual é de fato a demanda do País no campo das negociações internacionais? Será que vamos continuar assistindo, deliberadamente, ao avanço do protecionismo ou a introdução de barreiras não tarifárias por parte dos parceiros, e quem sabe, vamos simplesmente abandonar de vez o jogo da negociação internacional? O objetivo deste artigo é instigar a reflexão quanto ao valor da participação dos empresários brasileiros, seja diretamente,
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ou por meio das entidades de classe, representantes dos protuindo a Associação Latinoamericana de Livre Comércio dutores, avaliando o quanto de perda representa para a em(Alalc), com treze países sócios (incluindo Cuba). presa, para o setor e para o País essa apatia empresarial. Em 1994, iniciam as negociações lideradas pelos Estados UniDe outro ângulo, provocar a discussão de quais são as necesdos para chegar à ALCA, que tinha como objetivo integrar 34 sidades e demandas a serem inseridas num plano estratégico do países. Paralelamente a essas participações, o Brasil integrava o Governo Federal para alicerçar a continuidade de internacionaAcordo Geral de Comércio e Tarifas - GATT desde 1947, junto lização das empresas e, por consequência, a inserção do País no com mais 22 países até 1995, quando este último foi substituído mundo globalizado, como ator atuante e influente. pela Organização Mundial de Comércio (OMC). Num momento de escolha eleitoral do representante máxiO processo negociador do Mercosul reúne vários canais para mo da nação, a cobrança por políticas públicas, em particular celebração de acordos comerciais. Entre eles, as rodadas negociavoltadas ao comércio exterior, é tarefa democrática obrigatória doras com os países integrantes da União Europeia iniciado em a ser cumprida pelo cidadão brasileiro, uma vez que a parti1995, quando esse bloco econômico tinha só 15 membros, (atualcipação do Brasil no mundo globalizado já não é mais uma opmente são 27 países), o que determina a complexidade de alcanção, é uma obrigação em benefício de todos. çar o consenso e de harmonização das negociações em pauta. O texto a seguir foi estruturado em seis seções adicionais. A A comunidade empresarial brasileira qualifica como uma primeira traz uma breve análise histórica do processo negociadas negociações mais traumáticas a que tem sido promovida dor brasileiro. A Seção 2 aborda a geopolítica da inserção inpelo Mercosul junto ao México desde a década de 90. Houve ternacional do Brasil, com ênfase maior na várias tentativas de encontrar mecanismos de América do Sul. A terceira trata especificasolução bilateral à resistência dos setores emmente da integração regional, no âmbito do presariais de ambos os países, os quais conforMercosul e da Associação Latino-Americana me a época de sua discussão detém razões ecoNum momento de de Integração (Aladi). A Seção 4 trata do futuro nômicas próprias para rejeitar sua celebração. escolha eleitoral do da inserção do Brasil nas negociações internaNo momento, há uma nova tentativa, agora derepresentante máximo cionais. A seção seguinte apresenta um connominada de acordo de interesse estratégico. da nação, a cobrança junto de propostas para adotar com vigor um Entretanto, para dar continuidade ao processo por políticas públicas, processo de maior inserção do Brasil no munnegociador é necessário que as autoridades do do comércio e das negociações internaciodesse país obtenham a prévia aprovação do Seem particular voltadas nais. A Seção 6 é de conclusão e de uma síntese nado Mexicano, o que se espera que ocorra até ao comércio exterior, das propostas apresentadas. meados de julho de 2010. é tarefa democrática Outra negociação do Mercosul foram os obrigatória a ser 1. Breve análise histórica do acordos celebrados com Israel em 2009 e, com a processo negociador brasileiro Índia em 2003, ambos com limitação de cobercumprida pelo tura de produtos. A agenda do Mercosul concidadão brasileiro. Ao analisar a participação do empresariado templa ainda negociações abertas com a União nos rumos da vida pública do Brasil, é necesAduaneira do Sul da África (SACU), que inclui sário retornar a 1984, quando grande parte da África do Sul, Namíbia, Botswana, Lesoto e imprensa e dos meios opinativos internos reconheceram como Suazilândia, assinado em 2004, mas pendente de aprovação ponto focal que o rompimento da aliança empresarial então nos Congressos dos países membros; com os países membros existente junto ao Governo Federal autoritário (1964-1984) tedo Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), que reúne os ria colaborado estreitamente para o esgotamento deste regiEmirados Árabes Unidos, Barein, Arábia Saudita, Omã, Catar me. Bresser Pereira (1978) afirma que a classe empresarial evoe Kuwait., com o qual consultas foram iniciadas, interesses luiu ideologicamente em função do avanço do capitalismo, ofensivos e sensibilidades foram identificados, mas os entencriando a oportunidade de configurar um projeto hegemônico dimentos, entretanto, estão paralisados. Recentemente, foram e aumentando a consciência política. relançadas as negociações com União Europeia, Egito, Turquia Neste contexto, vários estudos, com ênfase nos de Cardoe Jordânia, mas nenhuma delas tem perspectivas de levar a so (1983) e Martins (1967), registram a desorganização exisacordos comerciais num espaço curto de tempo, dadas as ditente na classe empresarial brasileira para a defesa dos seus ficuldades de compatibilizar interesses ofensivos do setor eminteresses. Entretanto, identifica-se que apesar das dificulpresarial do Brasil com os propósitos dos setores empresariais dades de articulação política, os empresários, ainda assim, dos demais membros do Mercosul. conseguiram firmar posições na defesa dos seus interesses e, A prioridade do Brasil nos últimos anos tem sido as rodadas por último, surgiram em várias instâncias a demonstração e negociadoras junto à OMC, mas não houve avanço significativo a participação concreta da classe empresarial em liderar a rerecentes em razão da postura defensiva no setor agrícola, seja democratização. por parte dos Estados Unidos e de alguns países membros da Em 1980, inicia-se fortemente a aproximação entre Brasil e União Europeia. O certo é que a aposta nesta prioridade comArgentina, que vai culminar em 1990 com a proclamação do prometeu o esforço em concretizar negociações bilaterais com Tratado de Integração do Mercosul, incorporando também outros países, frustrando desta forma a expectativa de acesso Uruguai e Paraguai e, paralelamente, nasce a Aladi, substipreferencial a novos mercados. Registre-se, ainda, que os países
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membros do Mercosul participam junto à OMC individualmente e, não como bloco econômico, embora haja uma ação de coordenação e harmonização de atuação intra-Mercosul. Por último, é necessário destacar o impasse político gerado pela aceitação da Venezuela como membro permanente no Mercosul, aprovada pelo Senado do Brasil, Argentina e do Uruguai, mas pendente no caso do Paraguai, dadas as condições assimétricas a favor desse país no acesso preferencial imediato ao Mercosul, uma situação rejeitada pelos empresários dos quatro países membros.
Mapa 1 - Fluxos de Comércio Brasil-América do Sul
2. Geopolítica da inserção do Brasil, com ênfase na América do Sul Uma região geopolítica exige a prévia determinação de estratégia e a criação de uma entidade política transnacional, com marco jurídico apropriado e definição de princípios, objetivos e atuação comuns com delimitação dos limites de cada um. Nesse sentido, não se pode afirmar que há uma instituição e um marco jurídico no contexto da América Latina e, mais especificamente, da América do Sul. Há, sim, várias iniciativas em andamento, algumas muito mais parecidas com suspiros políticos. Por exemplo, a Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA), nascida em 2004, e rebatizada em 2008 para União Sul Americana de Nações (Unasul), a qual, aparentemente, constitui-se num desafio à permanência da Aladi frente ao fato de que seus membros são os mesmos e os objetivos e as tarefas são iguais. A Comunidade Andina de Nações é outra iniciativa que vista desde sua proposta de integração Andina, caso tivesse progredido, teria se convertido num entrave aos outros processos de integração na região. Só não ocorreu em decorrência da sua estagnação política e pelo enfrentamento de alguns dos seus membros. Os fluxos de comércio são a primeira porta de entrada para uma inserção geopolítica dos países numa região. Nesse caso, é importante destacar como eles ocorrem entre o Brasil e a América do Sul. Para tanto, recorre-se ao Mapa 1. Fora da América Latina, a opção do governo Lula foi resgatar a integração denominada "Sul - Sul" criada em 1964 no âmbito da já referida CASA, sucedida para ser um fórum de articulação política entre os Estados membros, com foco na melhoria e si-
metria do comércio mundial e promoção do desenvolvimento. Uma das soluções propostas de reorganização mundial naquela época era a introdução do Sistema Geral de Preferências, com o objetivo de facilitar o ingresso de mercadorias em mercados consumidores de alta relevância, como os Estados Unidos, oferecendo para tanto a redução de imposto de importação. Na recente crise econômica e financeira, a conclusão dos membros da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) foi pela necessidade de reafirmar que um dos pilares de crescimento e desenvolvimento continuava sendo os países em desenvolvimento e que linhas de financiamento e promoção comercial deveriam ser intensificadas, tomando como exemplo a crise asiática de 1997, na qual o impacto das decisões tomadas foi positivo e significativo. Olhando à frente e o mundo ao redor do Brasil, os acordos de comércio de última geração, como o celebrado pela União Eu-
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Wilton Júnior/AE
O Mercosul converteu-se numa colcha de retalhos, pois atualmente detém mais de 2 mil normas ditadas, aprovadas e não internalizadas nos países membros. Os vários e repetidos conflitos comerciais entre Brasil e Argentina demonstraram que não há nem vontade política e nem mecanismos adequados para assegurar segurança jurídica nas transações comerciais.
ropeia com a Coreia do Sul, e do Chile com a China, para citar somente dois exemplos, demonstram a importância não só de abertura de novos mercados para produtos, mas, também, a criação de oportunidades para novos investimentos sob diversas modalidades; a instalação de centros de distribuição e operação logística; laboratórios e centros de desenvolvimento e pesquisa de produtos; maior inserção junto aos mercados para identificação da cultura e subcultura de consumo, treinamento, capacitação e formação de mão de obra. A visão do século 21 da extensa rede de acordos comerciais deve instigar no empresário a necessidade de abrir a visão de planejamento e da ação estratégica para se internacionalizar, não só por meio da venda de produtos acabados, como também pela aproximação com produtos e serviços das mais diversas ordens. A emergência da China e sua inserção nos países vizinhos asiáticos vêm incentivando a criação de um espaço regional de integração, o qual vem sendo celebrado paulatinamente com data para conclusão prevista para 2015. A China, a partir do seu ingresso na OMC, tem como ponto focal na agenda comercial estreitar os laços de integração regional, promovendo junto aos seus vizinhos propostas negociadoras dinâmicas e eficazes. Exemplos dessa ação são os acordos de liberação comercial realizados entre os países membros da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), do Acordo Preferencial de Comércio da Associação Sul-Asiática de Cooperação (Saarc), da Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (APEC) e do Acordo de Comércio das Relações Econômicas Estreitadas, entre Austrália e Nova Zelândia (Ancerta). Destaca-se, também, o resultado desse esforço de integração pela aglutinação de forças políticas dos países asiáticos
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para participar nos fóruns de negociações multilaterais enfrentando a discriminação e o protecionismo como obstáculos à sua competitividade. 3. A integração regional: Aladi e Mercosul A dificuldade maior existente na atualidade é entender qual é o foco da integração regional para os países membros da Aladi e do Mercosul, considerando-se que de um lado a Aladi é uma instituição transformada ao longo de sua existência num acervo incalculável de informações, banco de dados, estatística, inteligência artificial e um grupo de técnicos conhecedores como poucos do trato da informação e das complexas cláusulas comerciais e aduaneiras. Algumas dessas cláusulas devem ser lidas de forma transversal (cruzada) para compreendê-las, existentes nos inúmeros acordos celebrados sob diversas formas de abrangência e marco jurídico. É de fato um espaço em que se respira o ar da integração. Do outro lado, o Mercosul é usuário de uma infraestrutura belíssima e funcional na capital do Uruguai, o antigo Casino, com instalações modernas, equipe técnica de alto nível e bom acervo de informações. Na prática está restrito ao uso e frequência dos representantes dos governos, um espaço desconhecido dos empresários e tem atuação pífia frente à que deveria deter como agenda de trabalho, plano de ação e promoção da integração. O comitê de representantes oficiais da Aladi, entre os quais participam os mesmos representantes dos países sócios do Mercosul, aprovaram a criação de um espaço inter-regional de livre comércio em 1995, sendo que até hoje não passa de retórica vazia mencionada em todos os discursos oficiais, porém, sem nenhum passo firme para sua concretização.
MAPA 2 - Conflitos na América do Sul
O Mercosul converteu-se numa colcha de retalhos, pois atualmente detém mais de 2 mil normas ditadas, aprovadas e não internalizadas nos países membros. Os vários e repetidos conflitos comerciais entre Brasil e Argentina demonstraram com firmeza que não há nem vontade política e nem mecanismos adequados para assegurar segurança jurídica nas transações comerciais, e tampouco para investimentos. O caso do conflito entre Uruguai e Argentina pela instalação das papeleiras de origem europeia em solo uruguaio, que não obteve a intervenção do Brasil para tentar a conciliação e reduzir ou eliminar o conflito, bem como os vários entraves existentes operacionalmente nas fronteiras para o transporte rodoviário, a falta de harmonização de normas, procedimentos e regras, são alguns dos exemplos de entraves no Mercosul. Esse conjunto reúne um potencial de problemas sinalizando insegurança jurídica e uma deterioração da proposta inicial de integração, embora seja digno de registro o desempenho proativo na tentativa de fazer acontecer que os vários embaixado-
res que se sucederam e o corpo técnico lotados na representação do Brasil em Montevideo vêm desenvolvendo ao longo dos anos, ainda que sem resultados eficazes em decorrência de decisões políticas superiores ou da ausência delas. Não há como falar de integração regional no contexto existente, atualmente acrescido, ainda, do fator de confronto político entre alguns governantes, para o qual o Mapa 2, de conflitos existentes, pode ajudar-nos a entender a configuração existente . 4. O futuro da inserção do Brasil nas negociações internacionais A comunidade empresarial brasileira tem defendido veementemente que o projeto de integração com países fronteiriços é necessário, relevante e deve ser levado à frente com pragmatismo e objetividade, sendo imprescindível incorporar o elemento fundamental de reconhecimento da excessiva complacência que levou à situação atual. Situação na qual pode-
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Beto Barata/AE
Os presidentes Lula e Cristina Kirchner, da Argentina, assinaram no ano passado uma declaração com 35 itens, em uma reunião convocada para encontrar solução de alto nível à crise bilateral provocada por uma reação do Brasil, após quase cinco anos desde que a Argentina, em 2004, decidiu infringir as regras da OMC.
mos apontar quatro fatores, todos eles amplamente debatidos por analistas e estudiosos do Mercosul, e que podemos resumir como segue. O primeiro fator de complacência foi admitir a criação do Tratado de Integração entre países com economias assimétricas, interrelacionadas pela proximidade fronteiriça, mas sem o compromisso para harmonizar políticas macroeconômicas pretendido pelo tratado. O segundo fator de complacência foi admitir a continuidade passiva de aprovação de normas sem programar a implementação das já aprovadas. Essas medidas tomadas em forma de acordos, protocolos, decisões ou resoluções as quais deveriam ser internalizadas simultaneamente (conforme artigo 40 do Protocolo de Ouro Preto) no ordenamento jurídico dos países membros, ao não terem sido incorporadas perderam eficácia ou acabaram criando maiores entraves jurídicos quando um país sócio o implementa e outro não o faz. Esse processo difuso e sem controle potencializa a inconsistência e a insegurança jurídica dos negócios. O terceiro fator de complacência foi assumir o modelo de união aduaneira na teoria e, na prática, aprofundar os tratamentos preferenciais de alguns de seus membros com países de fora do bloco. A manutenção de listas de exceções, o controle de comércio intrabloco, a permanência do regime de origem Mercosul, a aplicação de medidas protecionistas arbitrárias e unilaterais são algumas das muitas incongruências praticadas na mais completa demonstração de que o modelo existente está longe de ser uma união aduaneira. O quarto e último fator de complacência é o sofisma assumido pelos governantes dos países sócios, que reunidos semestralmente assinam declarações tomadas por compromissos e afirmações de que a integração está evoluindo de modo perfeito, quando se sabe que não é bem assim na prática. Melhor exemplo é a declaração assinada em 18 de novembro
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de 2009 entre o presidente Lula e a presidente argentina Cristina Kirchner, com 35 itens, em uma reunião convocada para encontrar solução de alto nível à crise bilateral provocada por uma reação do Brasil. Reação esta que finalmente ocorreu depois de decorridos quase cinco anos desde que a Argentina, em 2004, decidiu infringir abertamente as regras da OMC – para acordos de licenças não automáticas – e do Mercosul. Isto, ao exigir de seus importadores a obtenção de licenças não automáticas para um conjunto de produtos vindo do Brasil. Entretanto, para decepção dos empresários brasileiros, ao se ler e analisar a declaração oficial não se encontra em nenhum de seus itens a solução acordada, e nem sequer um delineamento do caminho a seguir. Há muitos exemplos para ilustrar quanto os países sócios são arredios em cumprir a disciplina acordada. Um significativo é a falha constante dos representantes oficiais no Mercosul para chegar a um consenso sobre uma proposta mínima de Código Aduaneiro. Até agora, nem o emaranhado a que conseguiram chegar em 2008 conseguiu ser submetido à aprovação, embora se saiba que é um instrumento fundamental para disciplinar as normas e procedimentos de entrada e saída de mercadorias. Em um sinal de lucidez nascido da realidade gritante dos conflitos, reclamações, desavenças e incapacidade de atingir resultados concretos de integração, em junho de 2000 a Cúpula do Mercosul adotou agenda de relançamento do bloco e, naquele momento, todos os atores envolvidos no projeto de integração aplaudiram a determinação de reverter o quadro caótico em que se tinha transformado a proposta de integração. Decorridos nove anos desse momento e dezoito anos do lançamento do Tratado de Integração do Mercosul, o balanço é trágico, porque de um lado os conflitos comerciais se multiplicaram no momento em que a crise econômica encontrou um campo fértil nos países sócios para adoção de medidas protecionistas sob diversas formas. Por outro lado, somando-se a isto, tem-
Fábio Motta/AE
se os atritos públicos entre querda que confrontam o Uruguai e Argentina, apesar sistema democrático e conda solução determinada pelo figuram um quadro instituTribunal de Haia a favor do cional preocupante. Uruguai, numa clara deNesse contexto, não se pomonstração da fragilidade de deixar de ressaltar a partido marco legal do Mercosul cipação dos membros deste para resolver litígios entre os Tratado em fóruns paralelos Estados membros, e com êncomo Unasul e a Alternativa fase à omissão do Brasil, este Bolivariana para as Amérisob a alegação de não introcas (Alba), esta composta por missão em temas internos e Venezuela, Cuba, Bolívia, defesa da soberania dos paíNicarágua, Mancomunidases, manteve-se distante do de de Dominica, Honduras, conflito conhecido como das São Vicente e Granadinas, papeleiras. Outro caso emEquador e Antígua e Barbublemático foi a reivindicação da, criada pelo presidente da pelo Paraguai junto ao Brasil Venezuela, Hugo Chávez, para a revisão do contrato de nos quais os objetivos a seItaipu e que, após muita presrem atingidos se confundem são, obteve um acordo que só e ao mesmo tempo se distanse explica mais uma vez pela ciam dos princípios básicos complacência do Brasil. do Mercosul como a livre cirÉ necessário apontar ainculação de pessoas, bens e da a paralisação das negoserviços, base de sua criação ciações de acordos comerem 1991. ciais junto à União Europeia A agenda pendente sinae a proposta limitada adotaliza uma dimensão diferenda nas negociações da OMC te de tarefas a desenvolver: em decorrência do protecioa necessidade de adoção de nismo exacerbado da Arplanos imediatos para comgentina, a qual tem prevalebater as barreiras não tarifácido na construção do conrias a serem criadas por tersenso sob a alegação de estar ceiros países sob a bandeira Decorridos dezoito anos do Tratado de defendendo a realização de do respeito ao meio amIntegração do Mercosul, o balanço é trágico, sua política industrial. Enbiente; o reaquecimento pois conflitos comerciais se multiplicam em quanto isso, todos presenglobal que exige a realizamomentos de crise econômica. ciamos a dinâmica integração de programas específição asiática com reflexos cos, como o combate ao desimediatos na sua inserção perdício de água; o redeseascendente junto aos países sócios do Mercosul. nho dos principais organismos internacionais como FMI, A crise intra-Mercosul, pelo estranhamento entre os pares, OMC e ONU; a necessidade da retomada das negociações cobeira ao surrealismo. A falta de vontade política de revisar o momerciais junto à OMC e a conclusão do acordo junto a União delo de integração adotado de união aduaneira, ou de revogar a Europeia; entre outros temas tais como os problemas de seResolução 32 para que os países sócios possam negociar e celegurança, o mapa energético, a concretização do ingresso da brar individualmente acordos comerciais com outros países, Venezuela no Mercosul, o comércio de armas, a presença de manterá o Brasil refém de uma retórica revestida de projeto de grupos terroristas na tríplice fronteira e outros. integração, que não cumpre nenhuma de suas finalidades com sérios reflexos, tanto no aspecto de harmonizar a convivência 5. Propostas para uma agenda do Brasil, de fronteiriça, como efetivamente promover a integração. Comércio Exterior e de inserção internacional A integração não pode ser vista exclusivamente com a lente das transações comerciais, pois é necessário dar um choque O planejamento estratégico do Governo Federal terá que de realidade com visão pragmática de futuro, reconhecendo contemplar um plano de ações necessárias a retomar vigoroque os países membros do Tratado vivenciam uma transforsamente a inserção do Brasil no mundo das negociações inmação de direcionamento político e comercial, num quadro ternacionais e, para tanto, é imperativo que haja determinade confronto, de jogo dos contrários, com as pressões e conção em desenvolver e implantar ações de correção estrutural trapressões originadas por essas novas forças políticas à esinterna, como segue:
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1) Transformar a Camex em órgão executivo de condução texto do Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e da política comercial junto aos organismos internacionais, Qualidade Industrial (Conmetro), e permitir o reconhecimencom coordenação das ações dos diversos ministérios, autarto de uso de laboratórios das empresas para validar cumpriquias, órgãos diretos e indiretos em consonância com as entimento de normas técnicas visando a certificação de produtos. dades empresariais, tanto para assuntos de ordem interna coA participação de representantes empresariais torna os debamo externa, com autonomia na atuação e status hierárquico de tes realistas e as decisões ficam vinculadas ao contexto de proministério. Caberia ao Ministério das Relações Exteriores se dução e peculiaridades dos produtos. ocupar precipuamente da geopolítica externa e representação 8) Desenvolvimento de agenda efetiva de trabalho político e do Estado e assessoramento à Presidência da República. empresarial junto à China e outros países asiáticos. Trata-se de 2) Adotar como tarefa no curto prazo a revisão do modelo de inserir uma visão realista frente ao crescimento comercial e inunião aduaneira adotado pelo Mercosul e redefinir com base dustrial dessa região, abrindo espaços de aproximação indusem discussões junto à classe empresarial, tanto da indústria trial para desenvolvimento de processos conjuntos sobre dicomo de serviços, qual o modelo de integração que se espera versas modalidades, com ênfase na logística integrada, suster. Os objetivos seriam: reduzir o campo de litígio entre Brasil tentabilidade e programas de eficiência energética.. e Argentina; retomar uma agenda positiva entre os quatro ou 9) Perseguir a celebração de acordos de livre comércio do cinco (Venezuela incluída) países sócios; resgatar a autonomia Mercosul com União Europeia, Estados Unidos e outros do Brasil para conduzir negociações bilaterais de interesse parceiros comerciais. abrangente com outros países; e visão pragmática e realista do 10) Garantir a continuidade da tarefa iniciada pela Secremodelo de integração para obter resultados taria de Comércio Exterior (Secex), de unifipositivos num quadro de segurança jurídica cação da legislação operacional de importacom regras a serem cumpridas. ção e exportação. Espera-se que na 3 ) Buscar a separação entre Aduana e 11) Revisar a estrutura burocrática, incorpopróxima gestão Receita. A vantagem será ter a mesma prática rando mais procedimentos eletrônicos, e elimiadotada em vários países na qual há separação nar o excesso de órgãos anuentes nos processos presidencial haja uma dessas funções, demonstrando a eficácia de de importação/exportação. renovada energia, ação distinguir o que é aduana (processos decisó1 2) Outorgar o poder de "desembaraço e transparência com rios dinâmicos, sistemas de informática usaaduaneiro de mercadorias" aos representanfixação de prioridades dos como ferramentas para a internalização e tes da Secex nos portos, aeroportos e pontos e objetivos adequados saída de produtos, entre outros) do órgão dede fronteira durante os períodos de greve da dicado à arrecadação de tributos. RecomendaReceita Federal. ao tamanho da se a criação de uma secretaria autônoma. 13) Incluir a efetiva participação dos empreresponsabilidade em 4) Em conjunto com as entidades empresasários por meio de suas entidades de classe na conduzir um país riais e agências reguladoras, dar ênfase aos discussão e deliberação de temas aduaneiros e da relevância do Brasil. investimentos em logística, melhoria de implantação regulamentada da modalidade acessos e construção de armazéns em pontos "aduana sem papéis", ou seja, convertendo os estratégicos próximos dos pontos de embarprocessos de importação, exportação e desemque/desembarque de mercadorias, com reforço das obras baraço de mercadorias integralmente eletrônico para emprede infraestrutura dos vários níveis do governo (federal, essas que apresentem biografia fiscal e aduaneira adequada, taduais e municipais). além de serem detentoras de concessão prévia de regimes es5) Outra recomendação seria o reconhecimento de que as peciais, como o "Linha Azul". Zonas de Processamento de Exportação (ZPE) não devem 14) Defender e levar a efeito a participação efetiva dos repreavançar no País e o espaço físico das que já existem com esse sentantes da classe empresarial nas mesas de negociação interobjetivo (por exemplo, em Imbituba-SC), deveria ser transfornacional, sem prejuízo do arbítrio e decisão final ao encargo do mado em centros de armazenagem e de distribuição de proMinistério de Relações Exteriores ou Camex (em consonância dutos ou "hubs" logísticos. com nossa proposta). 6) Revisar a concessão de financiamentos do BNDES para 15) Destinar verbas a fundo perdido para elaboração de esinclusão das PMEs, reformulando especialmente a solicitação tudos e pesquisas visando alavancar a internacionalização de de garantias atualmente exigidas, pois são impossíveis de sePMEs e serviços. rem atendidas no modelo atual. Esta medida atenderia a uma 16) Revisar o acordo de transporte marítimo no Mercosul e antiga reivindicação desse segmento, essencialmente voltada ter vontade política para aprová-lo. para permitir sua melhoria na produção e iniciar seu processo de internacionalização. 6. Conclusão e resumo das propostas 7) Propor a reformulação do colegiado do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (InPara o Brasil, é condição sine qua non continuar investindo no metro) para permitir a participação de representantes das enavanço da integração com os países vizinhos. Tarefa que se estidades de classe (fabricantes) na discussão das normas volunpera que seja adotada pelo próximo presidente brasileiro, contárias ou compulsórias de normatização de produtos no conclamando os sócios do Mercosul a uma análise e a uma reflexão
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alicerçada num quadro realista, substantivo e pragmático, e assim propondo a revisão do Tratado de Assunção com vontade de mudar. Espera-se que na próxima gestão presidencial haja uma renovada energia, ação e transparência com fixação de prioridades e objetivos adequados ao tamanho da responsabilidade em conduzir um país da relevância do Brasil, retomando a posição negociadora de acordos comerciais sob bases coerentes de respeito e defesa dos interesses do País. Abandonar o discurso vazio, a conivência e a complacência com práticas desleais de comércio e retomar o alicerce da verdadeira integração em bases realistas.
Paulo Vittor/AE
países e blocos econômicos exclusivamente pelo Mercosul, pois sem esse passo nenhum dos quatro países poderá avançar em qualquer negociação individual. 5) Retomar o tabuleiro de negociações internacionais. 6) Aprovar políticas públicas para desenvolvimento de enclaves com excelência em produtos e serviços voltados ao mercado externo. 7 ) O endereçamento junto ao Legislativo para a efetiva retoma da agenda de reformas. 8 ) Aproximação com a classe empresarial por meio de mecanismos estruturados, formais e legitimados pela efetiva representação de entidades de classe. Em síntese, será essencial cobrar 9) Criação de comitês de análise do próximo presidente da Repúpermanente para combater a criablica ações voltadas para: ção de barreiras não tarifárias por 1) A reformulação interna do conta de alegações ligadas à preA inserção do Brasil no âmbito das enquadramento hierárquico do servação do meio ambiente, ao negociações internacionais é tímida. comércio exterior. aquecimento global, ao trabalho 2) A aprovação de uma efetiva infantil e outros casos. Política Industrial, com foco na 10) Participar como ator indesoneração de investimentos, inovação e pesquisa para fluente no diálogo Transnacional (hoje entre Estados Unidos e descoberta de novos nichos de mercado. Europa), e perseguir a obtenção de reconhecimento de "parcei3) Forte investimento em educação empresarial voltada ro preferencial" por todos os países identificados como alvo copara aperfeiçoar os conhecimentos técnicos das negociamercial, político e estratégico. ções internacionais conduzidas pelo Estado (acordos comerciais) e desenvolver a visão política exigida do empreCaso essas ações e iniciativas não sejam buscadas e realizasário para atuar globalmente. das, continuaremos derrapando no gelo da incerteza e da ideo4) Vontade política de reformular o Mercosul. Em particulogia. Além disso, não vamos sair do rotineiro confronto regiolar, há a imperiosa necessidade de "enterrar" a cláusula de obrinal, sem avanços significativos e perdendo oportunidades que gatoriedade de negociações de acordos comerciais com outros a dinâmica de outras áreas do mundo oferece.
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O setor de Seguros e o
Zé Carlos Barretta/Hype
Nilton Molina Diretor da Associação Comercial de São Paulo e vice-presidente da CNSeg - Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização. O autor agradece a colaboração da Assessoria de Comunicação da CNSeg.
Alfer
desenvolvimento nacional
Resumo
Na sua seção final, o texto propõe uma série de políticas públicas voltadas para ampliar a penetração dos seguros no Brasil, em particular junto à população de menores rendimentos e, de um modo geral, a extensão dos benefícios voltados para a preservação da saúde e a prevenção de acidentes do trabalho. Argumenta também pela ampliação e pelo aprimoramento de seguros específicos, como o seguro garantia, o rural e o habitacional.
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O setor de seguros se constitui num importante indicador do estágio de desenvolvimento sócio-econômico de um país. Guarda estreita relação com o IDH, com o nível de distribuição de renda e com o grau de proteção das pessoas, de seus patrimônios e das suas atividades empresariais e profissionais para os riscos inerentes à própria condição da vida humana. Patricia Cruz/Luz
Este artigo trata do setor de seguros num sentido amplo, incluindo também a previdência privada e a capitalização. Realça inicialmente a importância do setor de seguros na economia brasileira, em particular na formação da poupança nacional. Mostra que o setor revela um comportamento ascendente desde o Plano Real, o qual trouxe estabilidade à moeda e facilitou a contratação de seguros. Identifica também um espaço para o setor ampliar sua contribuição ao desenvolvimento econômico e social do País, pois em várias dimensões este se revela carente da solução justa que os seguros trazem para um angustiante problema que afeta pessoas, empresas e outras organizações, a necessidade de proteção quanto aos danos advindos de riscos de várias naturezas.
Introdução
O
Brasil termina a primeira década deste século como a oitava economia do mundo, lugar que ocupou no fim dos anos noventa, mas não conseguiu sustentar. A posição atual deve-se, em boa parte, ao bom desempenho dos agentes produtivos internos e, em dose razoável, aos efeitos negativos da crise financeira internacional sobre a economia de alguns países. Independentemente do peso e da influência dos fatores, o certo é que a sociedade brasileira e a sua produção atingiram um patamar, em termos de tamanho e complexidade que, para continuar evoluindo e aumentar o bem estar da população, precisam de um grau de proteção semelhante ao das sociedades mais desenvolvidas. Isso ainda não acontece. Embora seja a oitava eco-
nomia do mundo, estamos em décimo sétimo lugar no volume de prêmios de seguros, que representa pouco mais de 3,4% do PIB. O desempenho desse segmento, em qualquer país, guarda forte correlação com o comportamento da economia. No Brasil pós Plano Real, vem aumentando gradativamente a participação da atividade seguradora na formação do PIB (no início da década de 90 se situava em torno de 1%; hoje está em cerca de 3,51%) o que pode ser creditado, entre outros fatores, à estabilidade monetária, aos agentes do setor e a algumas medidas institucionais positivas. Há, porém, obstáculos que nos impedem de avançar mais como, por exemplo, a ainda perversa distribuição de renda, mesmo levando em conta todas as conquistas dos últimos anos. Essa
R$ mil
Gráfico 1
realidade induz o setor de seguros a buscar alternativas para atender o estrato da população de baixa renda através do microsseguro, que aguarda regulamentação das autoridades. Outro desafio que o setor precisa se capacitar para enfrentar é o aumento da demanda que começa a se delinear com a definição das obras a serem realizadas para cumprir as exigências dos grandes eventos esportivos que ocorrerão nos próximos anos, sem descuidar da cobertura dos projetos de infraestrutura imprescindíveis para que o crescimento econômico previsto, já em 2010 bem acima da média mundial, não sofra solução de continuidade. O texto a seguir foi organizado em quatro seções. A Seção 1 destaca a importância do setor na economia brasileira. A Seção 2 ressalta, por meio de comparações internacionais, a associação entre o crescimento do setor e o aprimoramento de indicadores de desenvolvimento humano e de distribuição de renda. A Seção 3 mostra a importância do setor de seguros para a formação de poupança e para o crescimento econômico sustentado. A Seção 4 apresenta propostas de medidas governamentais para enfrentar questões gerais e específicas do setor. 1. A importância do setor O setor de seguros se constitui num importante indicador do estágio de desenvolvimento sócio-econômico de um país. Guarda estreita relação com o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), com o nível de distribuição de renda e com o grau de proteção das pessoas, de seus patrimônios e das suas atividades empresariais e profissionais para os riscos inerentes à própria condição da vida humana. Quanto mais desenvolvido no país, maior a participação do setor de seguros na formação do PIB (Produto Interno Bruto). Do ponto de vista sócio-econômico, a relevância do setor pode ser medida, em termos quantitativos, por meio, entre outros indicadores, do volume de prêmios e contribuições arrecadados (constituído pelas despesas dos consumidores quando adquirem os produtos do setor), dos investimentos resultantes da aplicação, em ativos garantidores, dos recursos das provisões técnicas de constituição obrigatória e do montante pago em in-
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denizações, capitais segurados, benefícios e resgates. Em 2009, as companhias seguradoras devolveram aos agentes produtivos e às famílias, ou seja, à sociedade, R$ 39 bilhões por meio dos pagamentos de indenizações, capitais segurados, resgates parciais e totais de recursos alocados em planos de seguros de pessoas de previdência complementar aberta, benefícios e resgates ou sorteios de títulos de capitalização. A decomposição desse valor em 2008 e 2009 por tipo de seguro é apresentado no Gráfico 1. O montante de recursos investidos para assegurar a operação do setor, que significa poupança privada de longo prazo, alcançou R$ 306,1 bilhões e o valor recolhido em tributos se situou em torno de R$ 8,34 bilhões nos três níveis da esfera pública. Os repasses da parcela do prêmio do Seguro DPVAT ao Fundo Nacional de Saúde, para atendimento das vítimas de acidentes de trânsito na rede hospitalar do SUS e ao Denatran, para campanhas de educação e segurança no trânsito, foram de R$ 2,7 bilhões (45% para o SUS e 5% para o Denatran). Com relação à abrangência e relevância das atividades do setor em nossa sociedade, podemos destacar alguns dados do ano passado, que dão a devida dimensão desta atuação, considerando apenas alguns ramos que estão mais diretamente voltados para o dia a dia das pessoas, como o Seguro Saúde, de Veículos e de Vida e Previdência. No Seguro Saúde, as seguradoras especializadas responderam, só no primeiro trimestre de 2009, por quase 20 milhões de consultas médicas, mais de 55 milhões de exames clínicos, cerca de 470 mil internações e 42 milhões de outros procedimentos oferecidos a 57 milhões de segurados, entre titulares e dependentes, o que equivale a 28% da população brasileira. No Ramo Automóvel, cerca de 12 milhões de veículos – 30% da frota nacional – estão cobertos por seguros, tendo sido pagas 2,3 milhões de indenizações, incluindo a reposição de mais de 200 mil veículos. Nos seguros de pessoas, o volume de indenizações pagas pelas seguradoras foi da ordem de R$ 4,3 bilhões e as retiradas pelos segurados de poupanças acumuladas nos produtos com cobertura por sobrevivência do tipo VGBL - Vida Gerador de Benefício Livre montaram a R$ 66 bilhões.
No segmento de previdência complementar aberta, os benefícios pagos totalizaram R$ 966,9 milhões, enquanto as retiradas pelos participantes de poupanças acumuladas nos produtos com cobertura por sobrevivência, tradicionais e do tipo PGBL Plano Gerador de Benefício Livre, alcançaram R$ 6,4 bilhões. Outra forma de avaliar a relevância econômica e social do setor é através de aspectos qualitativos. Ao promover a repartição dos riscos através do conceito do mutualismo e a formação de reservas de longo prazo, conjugadas à adequada gestão dos ativos garantidores dos recursos das provisões técnicas de constituição obrigatória, ganham relevância os papéis econômico e social do setor para a sociedade. Ao longo dos anos, este setor tem se aprimorado em todo o mundo, adaptando procedimentos e técnicas de avaliação e
É importante ressaltar que, em seu sentido mais amplo, as atividades do setor constituem-se em modalidades de solução justa para um dos mais angustiantes problemas dos indivíduos e das empresas: a incerteza quanto ao futuro. Não só quanto a perdas materiais mas, no caso de pessoas, quanto aos riscos de morte, acidentes, doenças graves e outros inerentes ao atendimento à saúde. Nesse campo, o fundamento da atividade seguradora é o mutualismo, resultado da convergência da boa fé e da solidariedade, duas virtudes cardeais da comunidade humana que, permitindo a partilha de riscos, reduz custos e democratiza o acesso. No caso das pessoas, deve-se considerar ainda que, ao comercializar planos de seguros e de previdência complementar aberta, com cobertura por sobrevivência, as companhias de se-
Patricia Cruz/Luz
Ao comercializar planos de seguros e de previdência complementar aberta, com cobertura por sobrevivência, as companhias de seguro promovem a formação de poupanças de caráter previdenciário de longo prazo e contribuem para a criação de condições dignas de sobrevida no período pós-laboral.
gestão de riscos, de forma a acompanhar a crescente complexidade de uma sociedade que aumenta a diversificação de suas atividades, amplia suas relações e oferece maiores oportunidades de educação aos seus cidadãos. A demanda por seguros de todas as naturezas (pessoas, previdência complementar, propriedade, saúde, performance técnica, garantia de crédito e muitos outros) tende a aumentar de acordo com o grau de desenvolvimento do País; e a capacidade do setor para enfrentar os desafios que a crescente demanda impõe aos seus produtores, depende fundamentalmente do ambiente sócio-econômico e regulatório. No caso brasileiro, onde os desafios pertinentes à aceitação básica dos valores de uma economia de mercado são vistos como compatíveis não apenas com a estabilidade macroeconômica mas, também, com uma melhor distribuição de benefícios por todas as camadas da sociedade, é fundamental que haja uma evolução harmônica das relações entre Estado e setor privado, criando condições para o pleno desempenho de suas funções.
guro promovem a formação de poupanças de caráter previdenciário de longo prazo e contribuem para a criação de condições dignas de sobrevida no período pós-laboral. Além disso, atuam em segmentos fundamentais para o modelo de proteção social no Brasil, que compreende o seguro de vida e previdência complementar, seguro saúde e seguro de acidentes do trabalho. Nessas atividades, em particular nos segmentos em que o Estado não consegue atender satisfatoriamente a população em vista de suas limitações, o setor se comporta de forma complementar ao oferecer alternativas eficientes que reduzem a pressão sobre as despesas públicas. 2. Distribuição de Renda e Crescimento do Setor Desenvolvimento econômico e a importância do setor de seguros, previdência complementar aberta e capitalização na economia e no funcionamento da sociedade são associados. É consensual que o consumo dos produtos e serviços ofereci-
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dos pelo setor requer um determinado grau de desenvolvimento social e econômico, pois tanto a cultura de sua utilização, quanto a sua viabilização, a preços razoáveis, no direcionamento e na qualidade adequados em termos de proteção oferecida, requerem que as relações de mercado atinjam um patamar mínimo. Na maioria dos países de economia madura, as empresas do setor, além de estarem presentes em todas as áreas de interesse do cidadão e do sistema produtivo, são, também, os investidores institucionais com o maior valor de ativos sob sua responsabilidade. Essa associação entre nível de desenvolvimento econômico e a importância do setor não é uniforme entre os diversos países, estando sujeita tanto a aspectos culturais e históricos, como a aspectos regulatórios. Além disso, a relação entre seguros e previdência complementar também não é a mesma em todos os países, também refletindo a relevância da diversidade institucional e cultural quando se comparam as diferentes experiências. Diferenças de experiência histórica (tipo de organização econômica e papel do Estado, histórico de instabilidade econômica, estrutura tributária, entre outras) estão igualmente refletidas nos dados que ilustram a expansão do setor ao longo do tempo, associados aos diversos indicadores de tamanho econômico e de nível de desenvolvimento. Pelas mais diversas razões, entre elas o longo processo de instabilidade econômica do passado, o grau de penetração do setor de seguros, previdência complementar aberta e capitalização no Brasil, medida pela participação dos prêmios e contribuições arrecadados no PIB, é menor do que o de outros países de renda per capita comparável, a exemplo do que ocorre em outros países latino-americanos, que também passaram por experiências de alta instabilidade e inflação. Na Tabela 1, apresentam-se dados comparativos para diversos países, para o ano de 2005. No Brasil, o valor da participação dos valores arrecadados (prêmios e contribuições) no PIB é nitidamente baixo nessa comparação internacional, ainda que se leve em conta uma certa heterogeneidade dos dados para os diferentes países, especialmente quanto à inclusão ou não dos valores das contribuições para instituições fechadas de previdência complementar (fundos de pensão). No Brasil, caso fossem considerados também os dados dos segmentos de previdência complementar fechada e capitalização, o grau de penetração (participação da arrecadação no PIB), expressa na Tabela 1, aumentaria para 4,6%. Do ponto de vista da evolução nos anos recentes, pode-se ver que, a partir da redução da inflação, a participação do volume de recursos arrecadados no PIB (considerando os segmentos de seguros, previdência complementar aberta e capitalização) mostra um comportamento ascendente. Ainda assim, os dados mostram que há um longo caminho a ser percorrido à medida que se consolida a estabilização e que o país retoma o processo de crescimento e a modernização econômica. Progressos na regulamentação e no tratamento tributário das atividades do setor podem acelerar esta melhoria, que pode ser diretamente associado ao nível de desenvolvimento humano tal como medido pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) elaborado pela ONU, que compara os países em
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termos de um conjunto de variáveis sócio-econômicas: o PIB "per capita", ajustado pela paridade do poder de compra, a expectativa de vida (que reflete a evolução das variáveis sociais) e níveis de desenvolvimento educacional. De fato, quando se comparam os dados do IDH com a participação dos valores arrecadados (prêmios e contribuições) no PIB, esta relação pode ser mais facilmente ilustrada. O Gráfico 2 mostra, com base em dados de 2007, a posição relativa do País em termos de IDH e a arrecadação de prêmios e contribuições como proporção do PIB. É nítida a divisão em dois grupos, com os países mais desenvolvidos situando-se no quadrante superior direito, ou seja, com um IDH mais elevado, assim como um percentual maior de participação da arrecadação, contrapondose com os demais, onde o Brasil se insere. O Gráfico 3, também relativo a dados de 2007, mostra a relação entre o grau de concentração de renda, medido pelo coeficiente de Gini (cujos valores mais próximos de zero indicam menor concentração de renda), e os volumes arrecadados (prêmios e contribuições), como proporção do PIB. Há uma nítida dicotomia entre os países de alta concentração e baixa penetração da industria securitária de um lado (os da América Latina, constantes da Tabela 1), e os países de distribuição mais igualitária e alta penetração desse setor (os da Europa e América do Norte). Esses resultados, mais uma vez sugerem que a importância do setor aumenta não apenas com a estabilidade e o grau de bem-estar medido pelo IDH mas, também, com o aumento da renda e sua melhor distribuição.
Gráfico 2
Gráfico 3
Por todas essas razões, deve-se esperar que cenários de melhoria do desenvolvimento econômico e social do Brasil nos próximos anos devam ser cenários nos quais poderia aumentar a importância do setor de seguros, previdência complementar aberta e capitalização. Isso significa, como enfatizado em diversas reuniões com dirigentes do setor, que é desejável estar atento para os fatores de natureza institucional, regulatória e impositiva, que afetam sobremaneira o setor e que necessitam ser equacionados nos próximos anos, sem o que seu crescimento será prejudicado.
economia brasileira depois da estabilização é o de maior desenvolvimento do setor financeiro como prestador de serviços de alocação de poupança. Nos primeiros anos após o Plano Real, a instabilidade residual e o nível elevado dos juros nominais, assim como a alta volatilidade de algumas variáveis financeiras (especialmente dos juros reais e das taxas de câmbio) impediram o pleno florescimento da intermediação e certamente atrasaram o desenvolvimento do setor. Mesmo assim, alguns indicadores ilustram o crescimento da importância do setor na intermediação dos recursos dos poupadores. Esta relevância pode ser constatada na Tabela 2, que apresenta o crescimento das reservas (provisões técnicas das seguradoras, empresas de previdência complementar aberta e de capita-
3. Seguro e Poupança para o Crescimento Econômico Sustentado Sendo o setor de seguros, previdência complementar aberta e capitalização uma atividade cujos papéis fundamentais são a formação e administração de poupanças domésticas de longo prazo e uma distribuição mais eficiente dos riscos entre os diferentes indivíduos e instituições da sociedade, sua contribuição é fundamental para a cultura de gestão de riscos. Ao responder às necessidades de proteção da sociedade, para os riscos a que estão sujeitos indivíduos e empresas, o setor exerce, paralelamente, função fundamental, representada pela formação, incremento e gestão de poupança doméstica de longo prazo, componente, inexorável, para o desenvolvimento econômico e social do País. Na administração dessa poupança, valorizada pelo saldo das provisões técnicas de constituição obrigatória, faz-se presente outro relevante papel do setor, qual seja, o da aplicação prudente desses recursos em ativos que ofereçam segurança e liquidez, de sorte a se poder dar pleno e tempestivo atendimento aos compromissos contratuais assumidos com a clientela. A importância dessas atribuições evolui com a expansão do setor, especialmente porque, ao gerenciar um volume crescente de recursos de provisões técnicas, com aplicações caracterizadas por critérios estáveis, voltados para o longo prazo, ele passa a contribuir, cada vez mais, para a estabilidade das fontes de financiamento de investimentos do País, como já comentado na seção anterior. Um dos processos em andamento na
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O Brasil acompanhou, no ano passado, os efeitos benéficos da redução do IPI sobre determinados produtos. Com pequena renúncia fiscal, foi possível manter os níveis de produção e preservar empregos. Por que não adotar comportamento semelhante em outros segmentos? No caso dos seguros, por exemplo, pode-se eliminar, sob determinadas condições, a tributação incidente sobre rendimentos auferidos nos planos de seguros de pessoas com cobertura por sobrevivência, estruturados nas modalidades de contribuição definida e variável, voltados, sobretudo, para atendimento à camada da população de renda mais baixa, não declarante pelo formulário completo de ajuste anual do imposto de renda ou isenta de declaração. Isso não só estimularia a formação de poupança de caráter previdenciário, como ampliaria a proteção a um maior número de brasileiros. É claro que o benefício deverá estar sujeito a determinadas regras, tais como: a) pagamento de prêmios e contribuições destinados ao custeio de coberturas de risco (morte, invalidez etc.), em planos de seguros de pessoas e de benefícios de previdência complementar; b) pagamento de franquias e mensalidades de seguros e de planos de saúde; quitação de contraprestações ou de saldo devedor de financiamentos imobiliários destinados à aquisição de casa própria; pagamento de matrículas e mensalidades escolares relacionadas ao ensino de 1°, 2° e 3° graus, bem como de ensino profissioPa m
Essas questões demandam a atenção das autoridades para que o setor possa desempenhar, no processo de consolidação do crescimento econômico que se projeta para os próximos anos, seu papel de contribuir para a geração e distribuição dos frutos do progresso para um maior número de brasileiros. Há uma série de medidas e propostas que, se colocadas em prática, nos conduzirão a esse objetivo e que, sinteticamente, podem ser assim enunciadas: a) Aumento da proteção e estímulos ao consumidor de seguros, previdência privada e capitalização; b) Melhoria do sistema de segurança pública, um dos mais graves problemas da sociedade hoje e que afeta todos os segmentos econômicos, em particular o setor de seguros. Este tem colaborado com as autoridades através do alinhamento de propósitos e de interesses, em busca da identificação de novas medidas que possam vir a proporcionar o aperfeiçoamento dos mecanismos de combate à criminalidade. c) O marco regulatório do setor, além de cumprir a função específica de harmonizar e estabilizar as relações do mercado, deve estimular a competitividade e aumentar a concorrência entre
4.1. Proteção e Estímulo ao Consumidor de Seguros
o
4. Propostas para o Setor: Questões Gerais e Específicas
as empresas, com estrita observância da higidez e da solvência dos mercados, sem a qual o desenvolvimento do setor não se fará de forma consistente e de acordo com seu potencial. d) Ampliar o espaço de atuação do setor através de mecanismos que permitam estender, a um maior número de cidadãos, benefícios de grande impacto sócio-econômico, especificamente os voltados para a preservação da saúde e a prevenção de acidentes do trabalho. e) Estímulo a segmentos que impactam o desenvolvimento de outros setores da economia, como o seguro rural, o seguro habitacional, o seguro de crédito à exportação, o microsseguro e a capitalização. f) Reforma profunda do sistema previdenciário nacional como forma de ampliar o sistema de proteção social. Algumas dessas propostas serão estendidas a seguir e adicionadas outras de natureza especifica.
Pa ul
lização) como proporção do PIB, que se multiplicou mais de três vezes a partir do Plano Real, enquanto o indicador de penetração do setor aumentou apenas um terço. O setor adquiriu mais peso e relevância depois que a estabilidade monetária ajudou a modelar uma maior organização econômica e social, comportando-se como um instrumento direcionador de uma parte dos fluxos de poupança privada para aplicações de longo prazo. Este papel aumenta na medida em que o próprio processo de alongamento dos prazos dos passivos públicos e privados ocorre como resultado da queda dos juros e da diminuição da volatilidade financeira que atingiu seu auge no período de alta inflação. Dada a importância crescente que os recursos das provisões técnicas (reservas), e respectivos ativos garantidores têm, como fração do estoque total de ativos financeiros e, assim, da poupança nacional, é necessária a devida atenção das autoridades para o pleno desenvolvimento do setor, que reclama, para tanto, um ambiente de estabilidade regulatória, segurança e tratamento fiscal estimulante à aquisição dos produtos, levando-se em consideração o caráter de poupança da maior parte dos prêmios e contribuições arrecadados.
Marcos Peron/Virtual Photo
nalizante; e, ainda, com a obrigação dos recursos fluírem, sem trânsito pelo titular do plano, diretamente da sociedade seguradora ou entidade aberta de previdência complementar para a instituição a ser favorecida, com finalidade específica e declarada. Cabe realçar a pertinência de se estender aos titulares dos planos de seguros de vida resgatáveis, recentemente regulamentados pelo órgão de regulação e fiscalização do setor – e com forte viés de formação de poupanças domésticas, a oportunidade de também poderem optar pelo regime de tributação pelo imposto de renda a alíquotas regressivas, a exemplo do admitido para os participantes e segurados de planos de caráter preAlex Ribeiro/DC videnciário estruturados nas modalidades de contribuição definida e variável, na forma da Lei nº 11.053, de 2004. É necessário, por outro lado, continuar persistindo em maximizar a proteção dos interesses das pessoas e empresas que, abrindo mão de outras alternativas de inversão de recursos, inclusive no consumo, passem a adquirir as diversas modalidades de planos de seguros, de previdência complementar aberta e de capitalização, procurando não só proteger seu negócio, seu patrimônio, a si próprios, a seus familiares, como, também, formar poupanças de longo prazo. Alinhado com esses propósitos, tem sido notório o esforço do Governo em promover e incentivar a oferta de seguros à população de menor poder aquisitivo de nosso País, os denominados seguros populares, estando as seguradoras engajadas e solidárias, pois compreendem que o acesso a produtos de seguros de bens e pessoas traz consigo uma ferramenta de proteção e desenvolvimento social a esta camada da população, que até recentemente teve pouco ou nenhum acesso a este tipo de produto. Para isso, as seguradoras estão se esforçando no desenvolvimento de produtos e canais que efetivamente venham a atingir este segmento de mercado, respeitando suas características e anseios especiais. Nesse contexto, é fundamental, em adição aos mecanismos já existentes, agilizar o atendimento e dar privilégio aos direitos creditórios de segurados, participantes, beneficiários, assistidos e detentores de títulos de capitalização numa eventual "queda" da entidade operadora. Será indispensável, para tanto, o encaminhamento de projeto de lei aperfeiçoando a legislação que dispõe sobre os regimes especiais aplicáveis às sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar e sociedades de capitalização, inclusive com aproveitamento do instituto do
No Ramo Automóvel, cerca de 12 milhões de veículos – 30% da frota nacional – estão cobertos por seguros, tendo sido pagas 2,3 milhões de indenizações, incluindo a reposição de mais de 200 mil veículos. Os repasses da parcela do prêmio do Seguro DPVAT ao Fundo Nacional de Saúde, para atendimento das vítimas de acidentes de trânsito na rede hospitalar do SUS e ao Denatran, para campanhas de educação e segurança no trânsito, foram de R$ 2,7 bilhões (45% para o SUS e 5% para o Denatran).
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patrimônio de afetação, previsto na Lei nº 11.101, 09.02.2005 (Lei de Recuperação de Empresas) ou com a adoção de outros mecanismos de mesmo efeito, com características de equidade e universalidade.
mentar deve ser entendido como aliado imprescindível diante das carências do setor público. Sua característica principal é que, como ramo de seguro, destina-se a prestar ao segurado garantia financeira relativamente à cobertura das despesas médicas e hospitalares em que incorrer, observados os limites 4.2. Segurança Pública contratuais. As seguradoras não prestam diretamente os serviços nem guardam vínculo com profissionais de saúde, hosOs crimes contra o patrimônio, dentre os quais se destacam pitais, laboratórios e serviços de diagnóstico que venham a a extorsão mediante sequestro, o roubo e furto de automóveis atender seus segurados, aos quais reembolsam despesas cone o roubo de cargas, juntamente com as fraudes impetradas forme aqueles limites. Por outro lado, para facilitar o acesso contra a indústria do seguro, constituem um importante eledos segurados aos serviços de saúde, e contribuir para o conmento para financiamento de outras atividades criminosas, trole dos custos assistenciais, as seguradoras buscam manter como a distribuição de drogas e a lavagem de dinheiro. acordos operacionais com profissionais e estabelecimentos Preocupado com a situação, o setor de seguros vem estreide saúde para pagar-lhes diretamente as despesas, por conta tando o seu relacionamento com as autoridades policiais em e ordem dos segurados. todos os níveis, através de convênios para implementar proA falta de uma clara definição de seu papel traz grandes decessos e mecanismos que inibam a criminalidade e, assim, disafios ao setor, na medida em que a regulamentação tem se amminuam os prejuízos que, em última instância, pliado tanto em termos de quantidade como recaem sobre a sociedade e os segurados pelo em relação ao escopo e abrangência das norimpacto que acarretam no preço dos seguros. mas. A regulamentação, ao procurar proteger O transporte de Um dos segmentos mais afetados pela falta os consumidores de supostas falhas de mercade segurança é o de veículos, tanto pelo lado do, vem aumentando a interferência no funciocargas é uma questão dos acidentes de trânsito e o número absurdo namento do setor de saúde suplementar. Cerà parte. Está tão de vítimas, quanto pelos roubos e furtos. O tamente, existem benefícios ao se estabelecer à mercê de roubos transporte de cargas é uma questão à parte. Esregras que venham a harmonizar a convivênpraticados, na tá tão à mercê de roubos praticados, na maioria cia entre os diversos integrantes do setor, mas das vezes, por quadrilhas especializadas que há que se considerar que a ação pública produz maioria das vezes praticamente já nem conta mais com a protecustos (não só monetários, mas também custos por quadrilhas ção de um seguro. de oportunidade) para o sistema que deveriam especializadas, que Ainda com relação à insegurança no trânser ao menos compensados pelos benefícios praticamente já sito e aos crimes contra proprietários de veíque eles objetivam. Essa é a regra de bolso que nem conta mais culos e suas cargas, há uma série de mecanisdeveria nortear as futuras regulamentações. mos que podem contribuir para diminuir o A análise das causas dos problemas atuais com a proteção de problema, tais como: a) estimular a introdupor que passam as seguradoras especializaum seguro. ção de sistemas de identificação de veículos das em saúde indica que devem ser enfrentacom a gravação dos números de chassis e/ou das duas questões principais. Uma, mais gemotor em várias peças e instalação de sisteral, que diz respeito ao modelo de organizamas de checagem eletrônica, visando dificultar fraudes por ção do sistema de saúde suplementar adotado a partir de adulteração e facilitar futuros controles de pagamentos de 1998, que provocou rigidez da oferta de produtos e de outras multas e impostos; b) identificar os agregados (motor, câmgarantias sem considerar as distintas demandas da populabio, carroceria e eixo), fazendo constar os agregados no cação e das empresas que buscam esse benefício, reduzindodastro do RENAVAM, de forma a facilitar o processo de idenlhes o acesso ao sistema privado. A outra questão, mais estificação de veículos furtados/roubados, a fiscalização dos pecífica, relaciona-se à elevação dos custos médicos e hospidesmanches e a comercialização ilegal de peças usadas; c) estalares, que evoluíram a taxas muito superiores às da inflação tabelecer que as oficinas sejam obrigadas a apresentar as nomedida por índices gerais de preços, e aos sub-reajustes das tas fiscais de compra das peças aplicadas nos veículos por mensalidades do seguro-saúde individual, praticados pelo elas reparados, assegurando o controle da origem das peças; poder público, sem considerar os índices de evolução de cusd) regulamentação dos desmanches e do comércio de peças tos demonstrados pelas seguradoras. usadas, providência que abrirá caminho para novas modaParalelamente, outras políticas públicas, entretanto, ainda lidades de seguros populares, já existentes em outros países, carecem de melhor definição. O programa de qualificação da para cobertura de veículos mais antigos. saúde suplementar foi desenvolvido com o objetivo de qualificar o mercado a partir da elaboração e divulgação de ranking. O 4.3. Seguro Saúde problema é que, ao ser desenvolvido pela própria autoridade reguladora, o programa acaba expressando a ótica do próprio reO seguro saúde ainda precisa vencer barreiras e preconceigulador e não as do consumidor, a quem se destina. Nesse caso, tos para ser visto como importante instrumento de promoção o consumidor estará sendo induzido em seu processo de escoda saúde no País. Mais que importante, seu caráter suplelha, distorcendo as condições de concorrência no setor.
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Pablo de Souza/Cia. da Luz
Há necessidade então de duas linhas principais de esforços para a reversão da queda de produção do setor e para a recuperação do seu equilíbrio operacional. A primeira, dirigida à identificação dos sinais e consequências das mudanças de natureza regulamentar ocorridas no atual estágio de organização do sistema, inclusive o equacionamento dos desequilíbrios provocados pelos sub-reajustes de mensalidades do seguro-saúde individual. A segunda, pela criação de instrumentos de controle e incentivos administrativos do Governo, que disciplinem a introdução tecnológica no setor e reduzam a espiral inflacionária dos preços de materiais e medicamentos. A introdução indiscriminada de novas tecnologias tem criado sua própria demanda, muitas vezes desnecessária, que majora o custo na prestação da assistência sem que o benefício esteja comprovado sob o ponto de vista de custoefetividade. A obrigatoriedade de divulgação dos preços cobrados pelos materiais e medicamentos também é um importante instrumento para redução de custos no setor.
Agliberto Lima/AE
4.4. Seguro de Acidentes do Trabalho As estatísticas revelam que o Brasil é um dos países onde mais se registram acidentes do trabalho. O seguro que cobre esses eventos é monopólio estatal e há a convicção entre os profissionais de seguros de que, se a legislação permitir, o setor privado pode contribuir para a melhoria deste serviço, atendendo com eficácia os beneficiários, trabalhadores do setor formal, e ao mesmo tempo desonerando a Previdência. Não se trata de proposta de privatização do SAT e sim de flexibilização, com o novo regime restabelecendo a condição anterior na qual o empregador poderá optar em contratar o seguro em referência com o Regime Geral da Previdência Social - RGPS ou com o setor privado. A proposta não implica, pois, em alijar a Previdência Social, mas, sim, em conviver com agentes do setor privado, substituindo o monopólio pela multiplicidade de oferta. Os trabalhadores serão melhor atendidos em termos de assistência médica, reabilitação e readaptação profissional, inclusive com o restabelecimento das indenizações e os programas efetivos de prevenção que diminuirão os riscos de acidente. Também o Estado se beneficiará, já que poderá transferir para os operadores toda a Assistência Médica hoje prestada pelo SUS, aliviando a demanda de serviços prestados à popu-
O programa de qualificação da saúde suplementar foi desenvolvido com o objetivo de qualificar o mercado a partir da elaboração e divulgação de ranking. O problema é que, ao ser desenvolvido pela própria autoridade reguladora, o programa acaba expressando a ótica do próprio regulador e não as do consumidor.
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Jonne Roriz/AE
No Brasil, o seguro agrícola não chega a cobrir 1% da área plantada, enquanto em países como os Estados Unidos a cobertura se estende a 75% da produção.
lação como um todo, bem como aliviaria a Previdência Social dos custos relativos a Reposição Salarial por Incapacidade Temporária e Invalidez Permanente e ainda propiciaria uma receita adicional pelos encargos recolhidos ao INSS pelas operadoras em nome dos trabalhadores afastados do trabalho. 4.5. Seguros de Segmentos Específicos: o Seguro Rural As companhias seguradoras já colocam à disposição da sociedade e, com alguns estímulos podem colocar de forma muito mais efetiva, determinados seguros que ajudam o desenvolvimento de outros segmentos, como o seguro rural na agricultura, o habitacional na construção civil, o de garantia e o de crédito à exportação, utilizados em diversas atividades empresariais. O seguro rural é instrumento de planejamento e execução da política agrícola, eleito para este fim, juntamente com o crédito rural, a tecnologia, a assistência técnica e extensão rural, pelo artigo 187 da Constituição Federal. Destina-se à proteção de lavouras e rebanhos contra os riscos que lhe são peculiares, mas sua abrangência não se restringe ao campo. Transformou-se em fator primordial, nos países que o adotam na medida necessária, para a fixação de preços de produtos agrícolas exportáveis. No Brasil, o seguro agrícola não chega a cobrir 1% da área plantada, enquanto em países como os Estados Unidos a cobertura se estende a 75% da produção. As propostas e programas em discussão e mesmo as medidas já implantadas ainda são muito tímidas diante da necessidade da agricultura brasileira. O modelo que adotarmos, para cumprir sua finalidade, deve complementar o custo do risco, subsidiando o prêmio a ser suportado pelo produtor, ao mesmo tempo que deve oferecer ao gestor do seguro a garantia de cobertura dos resultados catastróficos e excepcionais.
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4.6. Seguro Habitacional O financiamento da produção imobiliária e dos programas de habitação popular conta tradicionalmente com o seguro habitacional, que cobre os riscos decorrentes de morte ou invalidez permanente do mutuário e danos físicos aos imóveis. Trata-se de um seguro de largo alcance social, uma vez que possibilita à família do mutuário, no caso de morte ou invalidez do seu responsável, a quitação da dívida contraída para a aquisição da casa própria, além de permitir a recuperação do imóvel, em vista da ocorrência de incêndio ou explosão, por qualquer causa, e de inundação, alagamento, destelhamento e desmoronamento, causados por fatores externos. Nos últimos três anos, as operações do seguro habitacional têm gerado recursos da ordem de R$ 2,4 bilhões, que são reinvestidos no mercado financeiro, sobretudo em títulos públicos. Estima-se hoje um déficit habitacional da ordem de 4 milhões de imóveis. Visando contribuir na redução dessa carência, propomos a concessão dos seguintes incentivos, que permitirão o acesso de mais pessoas aos financiamentos imobiliários: a) considerar nula a alíquota do IOF (Imposto sobre operações financeiras) incidente sobre os prêmios dos seguros das apólices habitacionais; b) permitir que os juros que integram as prestações dos financiamentos para aquisição de moradia própria sejam deduzidos do imposto devido, quando da declaração anual de rendimentos por parte dos mutuários, para fins de Imposto de Renda. Tais medidas contribuirão para o incremento do crédito imobiliário, do número de unidades habitacionais construídas, da contratação de mão de obra para a construção civil e da poupança interna, com a constituição pelas seguradoras de reservas de longo prazo. O mercado segurador brasileiro tem desenvolvido produ-
Cristiane Magalhães/Hype
Nos últimos três anos, as operações do seguro habitacional têm gerado recursos da ordem de R$ 2,4 bilhões, que são reinvestidos no mercado financeiro, sobretudo em títulos públicos.
tos voltados a esse segmento, como o seguro habitacional fora do SFH e o seguro imobiliário, para atender ao SFI e as operações de autofinanciamento, estando, portanto, em condições de apoiar o Governo Federal no desenvolvimento de seguros que garantam os novos programas habitacionais que venham a ser concebidos. 4.7. Seguro Garantia O seguro garantia se constitui em eficaz instrumento de garantia e controle das licitações e contratos de fornecimentos, obras, serviços e concessões realizadas pelo Estado, desonerando-o não só do ônus derivado do eventual inadimplemento do contratado, como também da análise prévia de suas condições técnicas, econômico-financeiras e de performance realizadas pela Seguradora para assumir o risco. O seguro garantia pode cobrir, também, na mesma amplitude, obrigações legais e convencionais realizadas com particulares, alcançando ainda obrigações aduaneiras, judiciais, administrativas e outras que afetem onerosamente o credor, na eventualidade do inadimplemento do devedor. Seu alcance econômico, político e social deveria incentivar o Governo a apoiá-lo e desenvolvê-lo, criando condições para que as seguradoras de garantias tenham acesso às garantias disponíveis pela União, através do FGE - Fundo de Garantia à Exportação, integrando-as às operações de garantia às exportações. Com isso, o setor privado terá condições de atender a demanda, sem a menor necessidade de se criar, por exemplo, uma seguradora pública. O seguro de crédito à exportação garante os bens e serviços vendidos para o exterior contra o inadimplemento dos importadores estrangeiros causado pela ocorrência de ris-
cos comerciais, políticos e extraordinários. Constitui um sistema que inclui as Seguradoras que são autorizadas a operar exclusivamente neste ramo e a União que pode assumir riscos políticos por todo o período de vigência dos contratos e riscos comerciais para contratos de mais de 2 (dois) anos, através do Fundo de Garantia à Exportação - FGE gerido pelo BNDES. Representa grande fator de apoio às exportações brasileiras, mas seu desenvolvimento pleno passa pela efetiva integração deste seguro no processo de negócios da exportação. O seguro de crédito à exportação pode ser um importante instrumento para ampliação da exportação das micros e pequenas empresas (MPEs), importante segmento na absorção de mão de obra, que encontra muitas dificuldades de acesso a financiamentos por força da falta de garantias suficientes exigidas pelos financiadores. Tais obstáculos derivam, em muitos casos, do porte e dimensão dos seus negócios. A experiência dos países desenvolvidos e bem sucedidos no apoio a esse segmento, demonstra que devem merecer uma atenção diferenciada e, invariavelmente, o Estado participa no suporte ao financiamento (bancos oficiais) e garantias (seguro de crédito à exportação). Em conclusão, a proposta deste trabalho é o de estimular as autoridades dos setores econômicos do governo e as lideranças dos agentes produtivos privados para que procurem verificar a mais absoluta correlação entre o crescimento do mercado de seguros com o crescimento econômico e o bem estar social, observado em países mais desenvolvidos do que o nosso, e assim entendendo conjugar forças para o desenvolvimento acelerado e organizado do mercado de seguros e da sociedade brasileira com um todo.
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Fotos: Divulgação
João Manoel P. de Mello
Vinícius Carrasco Ambos os autores são doutores em Economia pela Universidade de Stanford (EUA) e professores assistentes do Departamento de Economia da PUC-Rio.
PRÉ-SAL Análise e propostas quanto ao modelo de exploração sugerido pelo governo Lula
Wilton Junior/AE
Alexandre Brum/Ag. O Dia/AE
Uma solução, muito ao gosto do governo Lula, seria criar uma nova empresa – uma Petrosal – cujo único acionista fosse o Tesouro. Nesse caso, seria irrelevante o preço de transferência das áreas adjacentes.
Resumo Este artigo faz uma análise microeconômica do modelo de exploração de petróleo na camada do Pré-sal, conforme proposto pelo governo Lula. Analisaremos os três principais pontos da proposta: a) execução pela Petrobras de todos os poços, ainda que compartilhada em alguns casos; b) cessão das áreas adjacentes a poços da Petrobras à própria empresa, sem licitação; c) troca do modelo de concessão pelo modelo de partilha. Nossas conclusões ressaltam que: (a) A execução obrigatória pela Petrobras de todos os poços, ainda que em alguns deles em parceria com outras empresas, privilegia os direitos de controle relativamente aos direitos sobre fluxo de caixa, o que prejudica os incentivos ao esforço de exploração da própria empresa e das demais companhias envolvidas, e diminui o valor dos poços para as mesmas, o que por sua vez diminuirá os valores dos lances que darão no modelo de concessão ou mesmo no de partilha, sendo assim uma ideia equivocada.
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(b) A cessão automática das áreas adjacentes a poços da Petrobras à própria empresa diminui a competição nos leilões, o que diminuirá a receita do Estado e, portanto, também é outra ideia equivocada. (c) Quanto à escolha da concessão versus o regime de partilha, há bons argumentos em ambos os lados; em particular, o modelo de concessão tenderá a dominar o modelo de partilha se o valor do poço depender bastante do esforço do executor. Como a mudança do sistema é custosa politicamente, e há tempos se arrasta nos meandros do Executivo e do Legislativo, a ambiguidade da dominância de um método em relação ao outro sugere manter o regime de concessão, apesar de algumas vantagens apresentadas para o regime de partilha na Teoria de Leilões. Outra razão é que a capacidade executiva da Petrobras será uma restrição a uma mais rápida exploração do Pré-sal, que ocorreria se essa execução fosse entregue a um maior número de empresas.
Rafael Andrade/Folha Imagem
Os modelos de concessão e de partilha diferem quanto aos direitos sobre os fluxos de caixa gerados pelo projeto.
Introdução
O
termo Pré-sal é usado para denominar a camada de petróleo que no subsolo do oceano foi depositada antes que o sal lhe cobrisse o solo, no sentido cronológico e, em geral, no sentido geológico. O modelo de exploração da parte remanescente da camada do Pré-sal apresentado pelo governo Lula contém três pontos nevrálgicos. Primeiro, há uma mudança no tipo de leilão, de concessão para partilha. Segundo, há a previsão de que a Petrobras seja a empresa executora de todo o Présal. Por fim, há a intenção de entregar à Petrobras, sem necessidade de leilão, as áreas adjacentes aos já encontrados pela empresa. Este artigo analisa estes três pontos à luz de argumentos microeconômicos. A Petrobras como executora de todo o Pré-sal implica numa separação (não total) dos chamados direitos de controle e direitos sobre fluxo de caixa. Direitos de controle se referem à habilidade de decisão operacional sobre o projeto, ou seja, onde e quando furar, quem subcontratar etc. Direitos de caixa constituem a posse do fluxo futuro de caixa, que é o valor presente esperado dos lucros que o projeto dará até o final do período de exploração (ou até a área deixar de ser viável economicamente). Veremos que a separação de direitos de controle e direitos de caixa tem importantes implicações para incentivos de esforço da Petrobras. Em particular, quando não for majoritária nos
poços, ela não internalizará os benefícios de investimentos nesses poços e, portanto, não se "esforçará" o suficiente. Isso diminui o valor dos poços. Antecipando essa diminuição de valor, os concorrentes nos leilões serão menos agressivos nos lances, diminuindo a receita esperada do Tesouro Nacional. Depois analisaremos uma proposta que, aparentemente, parece razoável. A Petrobras já opera em algumas áreas do Pré-sal, onde fez investimentos e, portanto, adquiriu informação sobre viabilidade e potencialidade delas. A geologia tem correlação espacial. Portanto, as áreas adjacentes tendem a ter características similares. Pareceria então lógico que a Petrobras operasse também as áreas adjacentes àquelas que opera atualmente. Argumentaremos que essa lógica, apesar de atraente, pode custar caro ao Tesouro. A não ser que haja um modelo preciso de apreçamento das áreas adjacentes, há uma possibilidade de chegarmos a um valor equivocado. O erro na avaliação do valor das áreas adjacentes é custoso numa direção ou outra. Se a Petrobras pagar demasiadamente caro pelas áreas adjacentes, então os acionistas minoritários se verão prejudicados. Isso afetará a percepção de segurança do mercado de capitais brasileiro, afetando o custo de capital das empresas em geral. Se a Petrobras recebê-los por um valor excessivamente baixo, então há uma transferência indevida de recursos dos contribuintes para os minoritários da Petrobras. Uma solução, muito ao gosto do governo Lula, seria criar uma nova empresa – i.e., uma Petrosal – cujo único acionista
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O erro na avaliação do valor das áreas adjacentes é custoso numa direção ou outra. Se a Petrobras pagar demasiadamente caro pelas áreas adjacentes, então os acionistas minoritários se verão prejudicados. Isso afetará a percepção de segurança do mercado de capitais brasileiro.
fosse o Tesouro. Nesse caso, na mesma linha da argumentação anterior, seria irrelevante o preço de transferência das áreas adjacentes. Contudo, essa solução pode sair ainda mais cara para o contribuinte por duas razões. Primeira, mais uma empresa significa a criação de mais uma estrutura burocrática enorme e custosa. Segunda, e mais importante, o ponto todo de se transferir para a Petrobras as áreas adjacentes é sua vantagem informacional quanto ao potencial dessas áreas. Nada nos leva a crer que a "Petrosal" teria a mesma vantagem informacional Afinal, seriam estruturas diferentes, com pessoas diferentes. Se leiloasse as áreas adjacentes, o governo usaria um mecanismo de mercado para forçar a Petrobras a revelar (mesmo que parcialmente) qual é o valor dessas áreas, minorando, senão resolvendo, os problemas causados por um apreçamento equivocado das mesmas áreas. O custo seria alguma perda de eficiência alocativa. Ao leiloar, seria possível que uma empresa com menos informação ganhe o leilão, quando seria ótimo que a Petrobras vencesse todos os leilões de áreas adjacentes (caso, de fato, ela tenha muita vantagem informacional, e esta seja de fato muito importante). A literatura sugere que esse efeito indesejável do leilão não é empiricamente relevante. Os modelos de concessão e de partilha diferem quanto aos direitos sobre os fluxos de caixa gerados pelo projeto. A grosso modo, no modelo de concessão, há um pagamento fixo upfront, ou seja, antes do começo da exploração. Esse pagamento dá direito total à empresa sobre o fluxo futuro de caixa gerado
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pelo projeto. (1) Comumente usa-se leilões para definir a empresa que explorará as jazidas. No caso mais típico, as empresas dão lance, chamado de bônus de assinatura, que é esse pagamento inicial. Abstraindo de outras dimensões do leilão, ganha a empresa que propõe o maior bônus de assinatura. (2) Em suma, num leilão de concessão, a empresa "compra" o fluxo futuro de caixa pagando um bônus de assinatura. Já no modelo partilha, a empresa e o poder concedente (o governo) são sócios no fluxo futuro de caixa. Por isso o nome partilha. No leilão a empresa dá um lance igual à participação que ela quer no fluxo futuro de caixa. Aquela que der o menor lance ganha o leilão. Como veremos posteriormente, há vantagens e desvantagens em ambos os sistemas. A decisão é caso a caso e deve envolver não só argumentos econômicos, como de viabilidade política e celeridade na exploração. É preciso não menosprezar a importância desse último ponto. A mudança proposta pelo governo envolve uma tramitação difícil no legislativo. Isso atrasará todo o processo de exploração do Pré-sal. Dadas as altas taxas de troca intertemporal da economia brasileira (ver nossas altas taxas de juros reais), esse atraso é certamente muito custoso para o conjunto da sociedade. Há outros aspectos importantes e controvertidos na proposta governamental de que não trataremos. (3) A escolha de temas foi feita tanto por relevância quanto pela possibilidade de darmos uma contribuição significativa ao debate. Nossa vantagem comparativa está na utilização de argumentos microeconômicos para julgar os pontos da propos-
Elza Fiúza/Abr
A proposta do governo prevê que o Estado tenha os direitos de controle, que serão exercidos através da Petrobras, que será a executora. Na foto, a ex-ministra Dilma Rousseff em evento sobre o futuro da exploração do petróleo do Pré-sal.
ta, pois a teoria microeconômica nos ajuda, principalmente, na análise dos três pontos elencados. Devemos enfatizar que solidez microeconômica não é a única métrica para julgar a conveniência das propostas. Fatores políticos e distributivos também são importantes. Por exemplo, somos simpáticos ao argumento de que qualquer mudança nas regras do jogo deve ser capaz de pular um sarrafo alto para ser considerada. A altura do sarrafo se deve a três fatos. Primeiro, o modelo atual de concessão, com participação da iniciativa privada como sócia e também operadora, parece bem sucedido. Afinal, o aumento da produção de petróleo no País nos últimos 10 anos foi impressionante. Claro que sempre se pode argumentar que o contrafactual seria ainda maior, ou seja, que se o modelo fosse outro, o aumento seria ainda maior. No entanto, temos somente a métrica factual, e nela o modelo foi um sucesso. Segundo, mudanças nas regras do jogo dão uma impressão de instabilidade institucional, o que é sempre custoso. Claro, às vezes as mudanças são imperativas. Mas dado o sucesso do modelo anterior, não parece o caso. Por fim, mudanças sempre atrasam o processo. Ou seja, se simplesmente tivéssemos adotado o modelo anterior, já estaríamos um ano adiantados no processo exploratório. Dadas nossas taxas de juros e os riscos inerentes da exploração de combustível, o atraso já é e pode ser ainda mais custoso. Por exemplo, se atrasarmos tanto o processo e, nesse ínterim, uma nova fonte de energia fizer cair o preço do petróleo a tal ponto que o Pré-sal já não teria valor, ou este seria reduzido em grande escala.
Novamente, não negamos que esses fatores são importantes. Apenas não os levaremos em conta na análise porque não constituem nossa vantagem comparativa. Esta é uma análise baseada em solidez microeconômica. Ao fim e ao cabo, poderíamos até concluir que uma mudança tem apoio intelectual em teoria microeconômica, mas não seria desejável por outras razões, como as citadas acima. Por fim, um comentário sobre objetivos ou, como dizem os economistas, a função objetivo. O contribuinte brasileiro é dono do Pré-sal. Implícito em nossa análise está o objetivo de maximizar a receita do Tesouro Nacional, ou seja, a receita para o contribuinte. Na maioria dos casos, estratégias que maximizam o valor do Pré-sal também maximizarão a receita do Tesouro Nacional, mas não sempre. (4) O texto a seguir é organizado em três seções. Na primeira analisaremos a proposta de que a Petrobras seja, obrigatoriamente, a executora de todo o Pré-sal. Na segunda, mostraremos ser equivocada a ideia de ceder sem licitação à Petrobras as áreas adjacentes aos seus poços. Por fim, na terceira seção, discutiremos detalhadamente a proposta de mudança do sistema de concessão para partilha. 1. Direitos de controle: quem executa? Do ponto de vista de geração de receita, um mecanismo que aloque direitos de exploração de blocos do Pré-sal através de participação sobre receitas futuras é bastante justificável do
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É preocupante que as decisões estratégicas de exploração sejam alocadas a um agente econômico que não terá direitos de caixa. Um princípio da teoria econômica de incentivo diz que é desejável alocar direitos sobre receita àqueles que tomam decisões.
ponto de vista econômico. Uma ação é a forma como se adquire direito sobre os fluxos de caixa futuros (dividendos). Como todo instrumento financeiro, em adição a dar direitos de caixa (cash rights), as ações também podem conferir direitos de controle a seus detentores. Uma questão relevante que se coloca é: num ambiente no qual o Estado e a empresa operadora sejam acionistas na exploração de blocos, quem deverá ter (e exercer) direitos de controle e execução? A proposta do governo prevê que o Estado tenha os direitos de controle, que serão exercidos através da Petrobras, que será executora em todo o Pré-sal. Argumentaremos que, a esta proposta, falta embasamento microeconômico por duas razões. Em primeiro lugar, alocar direitos de controle e execução à Petrobras deverá ter efeitos adversos sobre a agressividade nos lances das empresas participantes dos leilões. De fato, ao decidir sobre seu lance, um participante de um leilão deve fazer uma estimativa do valor por ele atribuído ao objeto leiloado. Enquanto em algumas circunstâncias – por exemplo, um leilão de objeto de arte, no qual participantes tenham valorações intrínsecas pelo objeto – é algo trivial fazer esta estimativa, em outras esse exercício pode ser bastante complexo. Um empresa que venha a fazer lances para exploração de um bloco do Pré-sal terá que fazer estimativas quanto: (i) à probabilidade de haver petróleo em tal bloco; (ii) aos custos operacionais de exploração; (iii) às melhores tecnologias de exploração; e (iv) aos preços de petróleo a prevalecerem no
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futuro, entre outras dimensões. Portanto, o problema de estimar o valor de um bloco para um participante do leilão será bastante complexo. Quanto maior a incerteza de um participante quanto ao valor de um objeto leiloado, menor será seu lance. Portanto, sempre que possível, o desenho deve tentar fazer com que o problema de se estimar a valoração do objeto seja facilitado. A decisão de fazer com que a Petrobras execute o Pré-sal vai em direção diametralmente oposta a esta prescrição. De fato, uma empresa fará um lance por um bloco que será comandado por outra empresa. Suas incertezas quanto a, por exemplo, custos operacionais de exploração serão aumentados. Como consequência, cairá sua confiança nos resultados (incertos) de operação e, portanto, isso diminuirá os lances dos participantes. Em segundo lugar, é preocupante que as decisões estratégicas de exploração sejam alocadas a um agente econômico que não terá direitos de caixa. Um princípio da teoria econômica de incentivo é que, sempre que possível, é desejável alocar direitos sobre receita àqueles que tomam decisões. Quando isto ocorre, os custos e benefícios das decisões são internalizados pelas partes que as tomam, o que gera melhores decisões. Como um exemplo, para que a exploração se dê da maneira menos custosa, é necessário fazer com que os que tomam as decisões se beneficiem de reduções de custo. Isto ocorrerá quando o tomador de decisão se apropriar dos lucros da empreitada.
Beto Barata/AE
Ao conceder a exploração à Petrobras, a receita do Estado será zero.
A execução do Pré-sal pela Petrobras separa direitos de controle de direitos de caixa, o que, segundo a teoria econômica, deve implicar piores decisões. Em corporações, a separação entre direitos de caixa (detidos por acionistas) e direitos de controle (gerentes) gera decisões que beneficiam gerentes em detrimento de acionistas. Investimentos em projetos com valores presentes negativos, estabelecimento de salários de executivos incompatíveis com suas produtividades, gastos em perks (jatos corporativos, consumo privado financiado por gastos corporativos, entre outros itens), são exemplos das implicações da separação de direitos de caixa e controle em corporações. Em adição a tais distorções, a execução por parte da Petrobras (cujo acionista majoritário é o Estado) traz a possibilidade de distorções motivadas por várias questões de Economia Política, com decisões políticas interagindo com as econômicas, o que claramente é indesejável. Supondo que, de fato, se decida que a Petrobras deve ser operadora de todo o Pré-sal, faz sentido a imposição de um cronograma mínimo de prospecção em qualquer área, porque isso ajudaria a alinhar os incentivos da Petrobras nessa exploração. (5) Caso a Petrobras não enfrente um cronograma mínimo, ela naturalmente prospectará mais tarde os poços, cujo direito de caixa é de outrem. (6) Ou seja, sem um cronograma mínimo, as empresas participantes anteciparão a "demora" da Petrobras e verão menor valor nos projetos. Portanto, darão lances menos agressivos no leilão, diminuindo a receita esperada do Tesouro.
2. Cessão de poços adjacentes à Petrobras sem necessidade de leilão: outra Ideia equivocada Um dos aspectos de maior relevância no modelo proposto diz respeito à cessão à Petrobras de áreas adjacentes aos poços já operados por ela. Supostamente, a intenção de fazê-lo é aumentar a eficiência pela qual tais poços serão explorados, uma vez que seja possível que, por operar poços próximos, a Petrobras tenha vantagens informacionais e operacionais. Tal argumento ignora por completo os efeitos desta política sobre as receitas a serem obtidas pelo Estado. De fato, se o objetivo é colocar algum peso sobre a receita, permitir que outras empresas participem dos leilões de poços adjacentes àqueles operados pela Petrobras trará benefícios. A ideia é simples: a competição pela operação do poço fará com que ao menos parte do excedente gerado seja transferida da empresa operadora para o Estado. Um exemplo ajuda a firmar tal ponto. Considere uma situação na qual haja uma área adjacente a outra onde a Petrobras já atua. A proximidade faz com que a Petrobras tenha vantagens informacionais e operacionais em explorar tal poço, o que se manifesta em sua valoração pelo poço, que suporemos ser de 4, maior que a valoração da empresa A, que é de 2. Ao conceder a exploração à Petrobras sem licitação, a receita obtida pelo Estado será de zero. Considere, agora, uma situação na qual a exploração do poço seja concedida por meio de um leilão aberto ascendente (conhecido como leilão inglês). Em tal leilão, por ter a maior valoração, em princípio
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Wilton Júnior/AE
Um dos argumentos do governo ao defender o modelo de partilha é a divisão de riscos entre o Estado e as operadoras.
a vencedora seria também a Petrobras, e seu lance será feito de forma a superar pelo menor montante possível a valoração da empresa A. Uma boa aproximação deste lance seria 2,1, superior à valoração da empresa A. Portanto, com um leilão inglês, os ganhos de eficiência associados a alocar o poço para a própria Petrobras (é eficiente alocar o poço a ela, pois, por hipótese, sua valoração é maior que da empresa A) são preservados e aumenta-se a receita. O argumento acima não depende do fato de termos usado um leilão inglês. O fundamental para que haja um incremento de receita é que haja alguma competição na alocação do poço. De fato, como exemplo, leilões de primeiro e segundo preços de envelopes fechados, leilões abertos descendentes (e.g, leilões holandeses) e a maior parte dos mecanismos usados em prática serão tais que, concomitantemente, (i) uma alocação eficiente será obtida (o poço será muito provavelmente também alocado à Petrobras), e (ii) a receita gerada será maior que a obtida pela cessão sem competição. Portanto, mesmo que o objetivo buscado seja majoritariamente o de obter uma alocação eficiente, esta alocação poderá ser obtida com bons resultados em termos de receita. O que é necessário para que isso ocorra é a introdução de competição, via leilões. Um pouco mais surpreendente é o fato que, se o objetivo maior for o de obter a máxima receita possível, muitas vezes será ótimo desenhar mecanismos de alocação de poços adjacentes de tal forma que esses mecanismos sejam desfavoráveis à Petrobras. Mais uma vez, um exemplo ajuda a firmar o ar-
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gumento. Suponha-se, como exemplo extremo, que a valoração da empresa A pelo poço em questão seja zero. Por sua vez, por operar poços adjacentes e, por isso, ter vantagens informacionais e operacionais sobre a empresa A, a valoração da Petrobras seja v, onde 0 < v < _ 1. Suponhamos que tal valoração seja desconhecida pelo agente governamental que estabelece o mecanismo que alocará o poço. Tudo que o agente sabe é que a valoração pode ser qualquer número entre 0 < v < _ 1, com igual probabilidade. No que se segue, suporemos que o objetivo seja maximizar a receita. Pode-se mostrar – de fato, trata-se de um resultado padrão na Teoria de Leilões Ótimos, cuja primeira derivação foi estabelecida por Roger Myerson, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2007 – que o desenho que maximiza a receita (esperada) é o seguinte. O agente estabelece que, a menos que a Petrobras ofereça pagar 0,5, o poço será dado à empresa A. O que se segue é que, sempre que a valoração da Petrobras seja maior ou igual a 0,5 ela pagará o preço exigido e operará o poço. Entretanto, quando a valoração da Petrobras for menor que 0,5, ela não estará disposta a desembolsar o preço requerido. Portanto, nesse caso, a empresa A (cuja valoração pelo poço é zero, no exemplo) operará o poço. Note que o desenho que maximiza a receita esperada envolve um montante razoável de ineficiência. No entanto, se de fato for alocado à Petrobras, a receita será de 0,5, que é maior que a receita obtida, por exemplo, por leilões de primeiro e segundo preço (nos quais a receita seria basicamente de zero).
Marcelo Carnaval/O Globo
No modelo de concessão, as empresas competem pelo direito de operar um bloco submetendo lances de montantes fixos a serem pagos (de antemão) ao Estado em caso de vitória. A empresa vencedora torna-se a única acionista da empreitada e se apropria de toda receita gerada "a posteriori".
A ideia por trás do exemplo acima é simples. Quando a receita é um componente relevante para definir o vencedor, num ambiente no qual um competidor tenha uma vantagem natural sobre outros, muitas vezes vale a pena desenhar mecanismos nos quais sejam dadas vantagens artificiais aos competidores para que a empresa com vantagem natural seja forçada a fazer lances mais agressivos. Este ponto é referendado não só pela teoria microeconômica, mas também por evidência empírica (ver Hendricks e Porter -1988 sobre leilões de áreas adjacentes no Golfo do México). 3. Partilha versus Concessão 3.1. O argumento do governo Lula: aversão ao risco Um dos argumentos usados pelo Governo Lula para defesa do modelo de partilha do Pré-sal diz respeito às suas implicações para a divisão de risco entre o Estado e as operadoras. Nesta seção, argumentamos que, sob hipóteses razoáveis a respeito das propensões ao risco das partes relevantes, a ideia de que o modelo de partilha aloca riscos de maneira eficiente é equivocada. O argumento do governo Lula toma por hipótese que, com o Pré-sal, o risco exploratório diminuiu. Portanto, agora seria melhor que o Estado ficasse com uma porcentagem da receita. Do ponto de vista econômico, este argumento é incorreto. A
diminuição do risco sugere que as empresas deveriam ter mais, e não menos, porcentagem na receita. Há duas forças em jogo. Uma sugere que, de fato, o governo deveria ficar com uma porcentagem da receita, mas há um trade-off ou equilíbrio entre risco e incentivo. Na ausência de problemas de incentivo, isto é, quando não há a necessidade de se estimular o "esforço" de uma das partes numa relação, uma maior fração do risco deve ser alocada para a parte relativamente mais capaz de absorvê-lo. Este é um resultado conhecido da Teoria de Alocação Ótima de Risco, e há razões para acreditar que o Estado esteja mais apto do que as empresas a absorver os riscos específicos à exploração de petróleo. Entre outras razões, pelo fato de ter receitas advindas de outras atividades (e.g., tributação), e bom acesso a mercados de crédito e de seguro. Segue-se, portanto, que, por este mecanismo, uma parcela maior do risco deveria ser alocada ao Estado. Por outro lado, as partes interessadas só serão incentivadas a tomar decisões corretas se os pagamentos que recebem forem variáveis. De fato, imagine que o governo compense a empresa exploradora com um pagamento fixo, sem nenhuma participação no lucro. É evidente que ela não terá estímulo para encontrar petróleo. Para induzir mais esforço, a empresa operadora deve participar do lucro (ou receita). Isto, no entanto, implica que ela fique com algum risco, o que do ponto de vista de alocação ótima de risco, gera um custo. Num desenho ótimo, a importância relativa desses efeitos, quais sejam, divisão de risco e provisão de incentivos, deter-
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O modelo de partilha implica um leilão no qual os lances são feitos através de ações. Por outro lado, o modelo de concessão implica um leilão no qual o pagamento a ser feito não é contingente às realizações de fluxos de caixa futuros.
mina a divisão de risco entre governo e empresa exploradora. Se o risco exploratório diminuiu com o Pré-sal, o peso dado à divisão ótima de risco cai e a importância relativa da provisão de incentivos aumenta. Logo, a participação da empresa no resultado deve aumentar, o que aponta para um sistema mais parecido com a concessão. Portanto, sob a hipótese de que a descoberta do Pré-sal tenha reduzido o risco exploratório, um movimento na direção do modelo de partilha em função de uma melhor alocação de risco não se justifica. Na próxima subseção, apresentaremos argumentos baseados em seu potencial de gerar receita que possam justificar o modelo de partilha. 3.2. Análise do caso em que Fluxos de Caixa Futuros não dependem do esforço do operador Os modelos de concessão e de partilha têm implicações bastante distintas sobre a forma pela qual direitos sobre fluxos de caixa são alocados. No modelo de concessão, as empresas competem pelo direito de operar um bloco submetendo lances de montantes fixos a serem pagos (de antemão) ao Estado em caso de vitória. A empresa vencedora torna-se a única acionista da empreitada e, como consequência, se apropria de toda receita gerada "a posteriori". Portanto, sob um regime de concessão, o Estado não obtém participação sobre receita gerada "ex-post", exceto as já citadas . (7) No modelo de partilha, as empresas competem pelo direito de operação, submetendo lances de
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participação a ser dada ao Estado sobre receitas geradas "a posteriori". Em tal regime, portanto, a empresa operadora remunera o Estado, tornando-o acionista da empreitada. É evidente que um dos objetivos do desenho das regras de exploração do Pré-sal deve ser a obtenção de recursos por parte do Estado. Portanto, é importante entender as implicações da alocação de direitos de fluxo de caixa sobre receita esperada a ser gerada. Em princípio, pode parecer que, no que diz respeito às consequências sobre receita esperada, não há diferenças entre concessão e partilha. De fato, muitos analistas argumentam que não importa a forma pela qual a divisão de receitas "expost" é feita, mas sim o montante esperado a ser oferecido pela empresa vencedora. Segundo este argumento, se, por exemplo, no modelo de partilha, a empresa vencedora está disposta a dar participação de, digamos, 20% ao Estado sobre as receitas a serem geradas, ela (se neutra ao risco e não restrita por crédito) estará disposta a oferecer em antemão um montante esperado equivalente. (8) Embora aparentemente persuasivo, tal argumento é incompleto por ignorar que a agressividade dos participantes de um leilão depende da formal pela qual se dividem os fluxos de caixa "ex-post". De fato, nos últimos anos, leilões de exploração de ativos e projetos, para os quais os fluxos de caixa futuros podem ser usados para determinar o pagamento a ser feito pelos vencedores dos leilões, têm sido extensivamente estudados. Um leilão no qual o pagamento a ser feito pelo vencedor é contingente
Sergio Lima/Folhapress
Aprovação da emenda que divide os royalties da exploração do Pré-sal.
ao fluxo de caixa futuro é um leilão no qual os participantes fazem lances através de instrumentos financeiros ("securities"). Exemplos de instrumentos financeiros são: dívidas, ações e opções. Para definir formalmente esses instrumentos, é conveniente definir z como sendo os lucros (ou fluxos de caixa) futuros associados a um bloco de exploração. Se o detentor da ação tem direito a 0<p<1 dos lucros futuros, uma ação é um instrumento financeiro que promete pagamentos iguais a pz. Por sua vez, um contrato de dívida com valor de face D promete a seu detentor pagamentos iguais ao mínimo entre {D,z}. Isto é, caso o valor de face da dívida, D, seja maior que o lucro gerado, z, um detentor de dívida receberá z (todo o lucro). Caso o valor de face da dívida, D, seja menor que o lucro gerado, z, um detentor de dívida receberá D. Uma opção de compra com preço de exercício k é um instrumento que promete pagamentos iguais ao máximo entre {0,z-k}. Isto é, caso os lucros gerados sejam menores que o preço de exercício k, o detentor do instrumento não exercerá a opção de comprá-lo e, portanto, obterá zero. Caso contrário, o detentor do instrumento exercerá sua opção de compra. Portanto, pagará o preço de exercício k e terá direito sobre todo o lucro. O pagamento que receberá será, portanto, z-k. Num leilão no qual os lances são feitos através de ações, os participantes competem oferecendo frações 0<p<1 dos lucros futuros com a qual ele promete remunerar o leiloeiro (quanto maior o p, mais agressivo o lance). Num leilão no qual os lances são contratos de dívida, os participantes competem através de
valores de face da dívida (quanto maior o D, mais agressivo o lance). Por fim, num leilão no qual os lances são opções de compra, os participantes competem através de preços de exercício k (quanto menor o k, mais agressivo o lance). Como argumentamos, o modelo de partilha implica um leilão no qual os lances são feitos através de ações. Por outro lado, o modelo de concessão implica um leilão no qual o pagamento a ser feito não é contingente às realizações de fluxos de caixa futuros. A questão central tratada nas análises de leilões com instrumentos financeiros é a relação entre a forma pela qual tais instrumentos dividem os fluxos de caixa "ex-post" e a agressividade (competição) dos lances de (entre) competidores. A principal lição a ser aprendida dessas análises é que, se a distribuição de fluxos de caixa independer da forma pela qual as operações são realizadas, leilões com instrumentos financeiros, cujos pagamentos sejam mais sensíveis a (maiores) realizações dos fluxos de caixa futuros, geram maiores receitas esperadas. De maneira alternativa, fazendo uso do jargão adotado pelos teóricos de leilão, se a distribuição de fluxos de caixa for exógena, instrumentos financeiros mais inclinados ("steeper securities") geram maior receita esperada, o que explicaremos a seguir. Alguns exemplos nos ajudam a entender como avaliar se um instrumento é mais inclinado (isto é, gera pagamentos mais sensíveis a maiores realizações de fluxos de caixas) que outro. Ações são mais inclinadas que dívida. De fato, se as realizações de fluxos de caixa futuro são altas, uma dívida
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paga um montante constante ao credor, enquanto o pagamento que um detentor de uma ação recebe irá variar com o a realização do fluxo de caixa. Como outro exemplo, note-se que dívida é mais inclinada que a promessa de um pagamento constante, uma vez que o pagamento que um credor recebe varia com o fluxo de caixa em estados de bancarrota. Por fim, uma opção é mais inclinada do que ação e dívida. De fato, note que uma ação promete pagamentos iguais a pz a seu detentor, enquanto uma opção de compra com preço de exercício k promete pagamentos iguais ao máximo entre {0,z-k}. Note que para valores baixos de z, mais precisamente, sempre que z estiver entre zero e k/(1-p), os pagamentos associados à ação serão maiores que os associados à opção. Para todo valor de z maior ou igual a k/(1-p), os pagamentos associados à opção são maiores que os associados à ação. Portanto, os pagamentos gerados pela opção serão, em relação à ação, mais sensíveis a maiores realizações de fluxos de caixa. Portanto, opções são mais inclinadas que ações. Como ações são mais inclinadas que dívida e as opções são mais inclinadas que ações, opções também serão mais inclinadas de dívida. (9) A Figura 1 mostra os pagamentos de opções, ações, dívida (e o correspondente a um bônus em um modelo de concessão) como função das realizações dos fluxos de caixa de um projeto. Da figura, pode-se notar, por exemplo, que, à esquerda do ponto A, os pagamentos prometidos pela ação são menores que os pagamentos prometidos pela dívida, enquanto, à direi-
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ta, os pagamentos prometidos pela ação são sempre maiores que os prometidos pela dívida. Dizemos, então, que a ação corta "por baixo" a dívida. Note, ainda, que a ação é cortada por baixo pela opção. De fato, à esquerda do ponto B, os pagamentos prometidos pela opção são menores que os pagamentos prometidos pela ação, enquanto, à direita, os pagamentos prometidos pela ação são sempre maiores que os prometidos pela dívida. Por fim, note que o pagamento constante associado a um bônus num regime de concessão é cortado por baixo pela dívida. De fato, à esquerda do ponto C, os pagamentos prometidos pela dívida são menores que os pagamentos prometidos pelo bônus enquanto, à direita, os pagamentos prometidos pela dívida são sempre maiores que os prometidos pelo bônus. Uma forma simples de se estabelecer que um instrumento financeiro X qualquer é mais inclinado que um instrumento Y é verificando se X corta Y por baixo. Notando-se que (i) opção corta ação por baixo, (ii) ação corta dívida por baixo e (iii) dívida corta uma pagamento constante por baixo, podemos, então, estabelecer que a receita esperada de um leilão com opções será maior que receita de um leilão com ações, que, por sua vez, gerará mais receitas que um leilão com dívida. Surpreendentemente, um leilão com pagamentos que não sejam contingentes à realização dos fluxos de caixa gerará a menor receita esperada. A intuição por trás de instrumentos financeiros mais inclinados aumentarem a receita esperada de leilões é simples: eles
André Mourão/O Dia/AE
Protestos contra a emenda que retira do Estado do Rio de Janeiro parte dos royalties do Pré-sal.
fazem com que os participantes do leilão se comportem de maneira mais agressiva. Intuitivamente, ao estabelecer uma relação entre pagamentos e fluxos de caixa futuro (que, em média, são mais bem conhecidos pela operadora que pelo Estado), um leilão com instrumentos financeiros "vincula" os lances dos participantes à informação privativa que eles têm a respeito do objeto leiloado. Isto, por sua vez, reduz a possibilidade de os participantes "encobrirem" suas reais disposições a pagar (suas valorações) pelo (do) objeto. Em estando menos aptos a encobrirem suas valorações, os participantes acabam pagando preços maiores pelo bem, o que aumenta a receita. Um exemplo ajuda a entender tal interpretação. Tomemos leilões abertos ascendentes, em que o direito a operar um projeto seja leiloado. Como já assinalamos, num leilão inglês, o vencedor será a pessoa para qual o projeto tem maior valor. O lance vencedor é feito de maneira a superar pelo menor montante possível a valoração do participante que tenha a segunda maior valoração, pois esse é o maior lance possível de todos os demais participantes. (10) De fato, suponha que haja duas empresas no leilão. A empresa A retiraria 4 de receita do bloco; a empresa B retiraria 3. O custo de exploração é 1. Como num leilão aberto ascendente, a empresa de maior valoração vence e paga algo arbitrariamente próximo da valoração da segunda colocada(11) , na concessão, a empresa A ganha e paga o valor atribuído ao projeto pela empresa B, igual a 2 (receitas menos custo, 2 = 3 - 1). A receita gerada pelo leilão para o Estado será, portanto, 2.
Suponha, agora, que as empresas façam lances que representem ações sobre as receitas do projeto (isto é, percentagem da receita), como no modelo de partilha. A empresa com maior valoração (A) ainda vence e com o lance igual ao valor atribuído pela empresa B. Qual é esse valor? Note que o valor atribuído ao projeto pela empresa B em termos de participação (em outras palavras, a participação que ela está disposta a ofertar) é 2/3, pois 2/3 de 3 = 2. Portanto, a empresa A vence o leilão e cede ao Estado participação de 2/3 sobre as receitas do projeto. A receita esperada será, portanto, 2/3 de 4 = 2,67, que é maior que a obtida com concessão. Note que, no exemplo, as participações prometidas no modelo de partilha atrelam o pagamento à receita da empresa, aumentando a renda do leiloeiro. Alternativamente, embora o lance de 2/3 da empresa perdedora quando medido em termos de suas receitas correspondesse ao quanto tal empresa estaria disposta a pagar no modelo de concessão, quando medido em termos das receitas da empresa vencedora, ele implica uma pagamento maior por parte da empresa A. O modelo de partilha força que a empresa vencedora seja mais agressiva em seu lance. Em geral, quanto mais inclinado o instrumento financeiro (isto é, mais sensível a maiores fluxos de caixa forem suas promessas de pagamento), maior a ligação entre pagamento e receita da empresa. Isso é verdade não só para o leilão inglês, mas também para leilões de primeiro e segundos preços de envelope fechado, leilão aberto descendente (conhecido como lei-
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Evelson de Freitas/AE
Em particular, o modelo de concessão, ao deixar mais direito de caixa para a empresa executora, tende a prover melhores incentivos para esforço. Isso não quer dizer que num modelo de partilha a empresa não terá incentivo a se esforçar. Afinal, ela também é acionista e se apropria dos ganhos advindos do esforço empreendido.
lão holandês), e quaisquer dos mecanismos que observamos na prática. Como ações são mais inclinadas que bônus, o modelo de partilha deve dominar o modelo de concessão em termos de receitas a serem geradas ao Estado. 3.3. Análise do caso em que Fluxos de Caixa Futuros dependem do esforço do operador Pelo discutido acima, quanto mais inclinado um instrumento financeiro através do qual os lances são feitos em leilões, maior (em média) a receita esperada. Como indicado pela Figura 1, opções de compra são mais inclinadas que ações. De fato, quando o governo detém uma opção de compra do bloco a ser explorado, se a receita dele for maior que um "strike price", o governo fica com toda a receita, e não apenas com uma porcentagem. Por isso, dada a análise feita na seção anterior, parece ser o caso que a melhor forma de se leiloar direitos de exploração de blocos do Pré-sal seria através de lances no "strike price" (o menor "strike price" vence) de uma opção sobre os fluxos de caixa a serem realizados. No entanto, a análise da seção anterior toma como dada a distribuição de probabilidade sobre fluxos de caixa futuros. Parece ser mais razoável supor que esforço (medido, por exemplo, em termos de tamanho do investimento em exploração, redução de custos etc.) de quem opera o projeto exercido tem efeitos sobre a possibilidade de bons fluxos de caixa futuro. Para prover incentivos para que a empresa ope-
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radora se esforce, é conveniente que ela se aproprie dos benefícios "ex-post" de seu esforço. A melhor forma de fazer isso é permitir que a empresa também detenha direitos sobre fluxos de caixa futuro. Nesse sentido, ao usar leilões para os quais os lances são preços de exercício (strike prices) de opções de compra, o esforço da operadora pode ficar comprometido. É recomendável que a operadora tenha participação sobre fluxos de caixa futuro. De fato, note que, se ao Estado é dada uma opção de compra sobre os fluxos de caixa futuro, a empresa operadora detém, de fato, uma dívida, cujo valor é o "strike price" da opção de compra do Estado. Como consequência, a empresa operadora pouco se beneficiará da realização de altos valores de caixa futuro e, portanto, terá poucos incentivos a se esforçar. No entanto, se a empresa operadora for acionista da empreitada, ela deterá direitos de caixa para quaisquer realizações dos fluxos futuros, o que gerará incentivos para esforço. Aqui cabe notar que o modelo de partilha faz com que a empresa operadora seja acionista. No modelo de concessão, a empresa (ou consórcio) fica como única acionista. Portanto, seus incentivos ao esforço são maiores porque ela se apropria de todo o fluxo de caixa proveniente do projeto. Portanto, os modelos de partilha e concessão têm vantagens e desvantagens. As circunstâncias específicas determinarão qual modelo é desejável. No modelo de partilha as empresas dão lances em participações acionárias o que aumenta a agressividade dos lances porque usam instrumen-
tos financeiros mais inclinados. Portanto geram receitas esperadas maiores, tomando como dado o nível de esforço por parte das empresas. No entanto, são as próprias empresas que posteriormente escolhem seus níveis de esforço e os dois modelos têm implicações distintas para esforço. Em particular, o modelo de concessão, ao deixar mais direito de caixa para a empresa executora, tende a prover melhores incentivos para esforço. Isso não quer dizer que num modelo de partilha a empresa não terá incentivo a se esforçar. Afinal, ela também é acionista e se apropria dos ganhos advindos do esforço empreendido. No entanto, a apropriação é maior no modelo de concessão. Em suma, quando o valor do projeto depender fortemente do esforço do executor "a posteriori", então o sistema de concessão tenderá a dominar. Caso contrário, partilha é mais desejável. Conclusão No front microeconômico, das três principais propostas de mudança propostas pelo governo Lula, duas são reprovadas. Primeiro não faz sentido que a Petrobras seja operadora de todos os poços; claro, se essa solução emergisse de forma descentralizada, por algum mecanismo de mercado (um leilão, por exemplo), então haveria menos motivo para preocupação. Que isso seja decido autocraticamente, a priori, é equivocado. Segundo, transferir as áreas adjacentes para a Petrobras sem necessidade de licitação também é equivocado; ou não serve aos propósitos do Tesouro, ou não serve aos propósitos do mercado de capitais brasileiro. Muito melhor seria deixar a descoberta do valor dos poços a algum mecanismo de mercado, como um leilão. Por fim, a teoria microeconômica não consegue decidir se o melhor modelo é partilha ou concessão. Há bons argumentos para ambos os lados. Como a tendência é que o valor das reservas do Pré-sal dependa bastante do investimento e do esforço do operador, a tendência seria que o modelo de concessão dominasse. Mas essa é uma questão empírica. Nesse caso, a ambiguidade sugere que se mantenha o sistema atual. Se não por outra razão, celeridade. Por fim, gostaríamos de ressaltar a microeconomia ajuda muito a orientar o debate. Chegaríamos inclusive a afirmar que levá-la a sério é condição necessária para a tomada "educada" ou bem fundamentada de decisão a respeito do modelo de exploração do Pré-sal. No entanto, há outras considerações igualmente importantes. Viabilidade política e celeridade são dois exemplos.
Referências Bibliográficas DeMarzo, Peter, Ilan Kremer e Andzrej Skrzypacz, "Bidding with Securities: Auctions and Security Design," American Economic Review, 95: 936-959, 2005. Hendricks, Kenneth e Robert Porter "An Empirical Study of an Auction with Asymmetric Information," American Economic Review, 78: 865-883, 1988.
Notas (1) Em geral o governo retém participação no fluxo via caixa via tributação direta (Imposto de Renda Pessoa Jurídica), royalties ou, no Brasil, participação especial. (2) Na prática o método de decisão não é tão simples. No Brasil, outras dimensões também importam na definição do vencedor do leilão, como conteúdo nacional. (3) Para citar apenas dois deles, a divisão de royalties entre unidades da federação e o plano de capitalização da Petrobras para levantar fundos que financiem os investimentos do pré-sal. (4) Como veremos no caso da cessão automática dos poços adjacentes para a Petrobras, talvez seja desejável que haja uma probabilidade positiva de uma empresa que não a Petrobras ganhasse o leilão, se realizado. Se, de fato, a Petrobras tem vantagem informacional, então isso seria ineficiente do ponto de vista da alocação de recursos. (5) Prospecção se refere ao investimento feito em tentar achar petróleo na área. O cronograma mínimo de prospecção a ser cumprido pelo vencedor do leilão é um conjunto de datas nas quais certas etapas do processo de prospecção devem ser atingidas, sob pena de perda da concessão. Os cronogramas mínimos de exploração já existem no modelo atual de concessão. (6) O argumento depende de alguma restrição na capacidade de prospecção, fato amplamente reconhecido na industria. (7) Ver nota 1 (8) Discutimos questões relacionadas a risco na seção anterior. Num mundo no qual as potenciais operadoras estão restritas por crédito, o pagamento a ser feito para o direito de operar um bloco deve necessariamente envolver a promessa de participação sobre fluxo de caixa futuro. Isto, no entanto, não é factível num modelo de concessão. Alternativamente, se os lances só puderem ser feitos através de bônus, será baixa a receita gerada quando os participantes são restritos no acesso ao crédito (ou têm um orçamento limitado). De fato, assim como uma restrição orçamentária, a restrição a crédito impõe limites no montante dos lances). (9) Formalmente, a relação de maior inclinação é transitiva. (10) Formalmente, no único equilíbrio (sequencial) de um Leilão aberto ascendente, as estratégias dos participantes são tais que, no instante em que o preço cotado se iguala valoração pelo bem de um participante, este participante se retira do leilão (caso não o fizesse, haveria uma chance dele ganhar o leilão a um preço maior que o quanto o bem lhe vale, o que obviamente é sub-ótimo). Como consequência, o leilão termina quando o preço cotado se iguala à segunda maior valoração entre os participantes. O vencedor, portanto, é o particpante de maior valoração e o preço pago será (arbitrariamente) próximo da segunda maior valoração. (11) Ver nota 8
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Alfer
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PODER JUDICIÁRIO: REFORMA ou RUPTURA? Uma agenda para o próximo presidente
Divulgação
Resumo
Jairo Saddi Jairo Saddi é advogado em São Paulo, doutor em Direito Econômico (USP), pós-doutor pela Universidade de Oxford, professor e coordenador geral do curso de Direito do Insper (ex-Ibmec São Paulo), Árbitro da Câmara de Arbitragem da Anbima Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais e redator-chefe da Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais (Editora Revista dos Tribunais).
Este artigo trata do tema da Reforma do Poder Judiciário, depois do advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, e tenta desenhar uma agenda sobre o tema para o próximo presidente da República. O texto descreve as várias Justiças que compõem o Poder Judiciário e apresenta um breve diagnóstico da sua situação atual. Em seguida, elabora conceitualmente, quanto à visão que defende, uma Justiça para os nossos tempos. Depois, apresenta propostas para aprimorar o desempenho da Justiça, centradas num bom sistema de incentivos e no investimento em gestão. Conclui sintetizando em três itens essas propostas: a) premiar os bons e punir os maus juízes; b) as decisões dos tribunais superiores devem ser vinculantes e obrigatórias a toda magistratura, com punição aos juízes que não seguirem esta regra; e c) o Estado precisa investir em gestão e concentrar seus esforços orçamentários não em prédios ou gabinetes, mas naquilo que fará a justiça melhor: sistemas, procedimentos, transparência, menos burocracia, controles mais racionais e uma carreira que, de fato, incentive os melhores a subirem.
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Introdução
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ão se desconhece que a nossa Carta Magna manda, de forma principiológica, dar a cada um o que é seu e assegurar o direito à ampla defesa como decorrência do princípio do contraditório. Certo, todos concordamos que a Justiça deve ser eficiente e humana, que deve assegurar igualmente a existência de regras claras e legais, em que a legalidade e a segurança jurídica sejam capazes de embasar as relações humanas, uma vez que ambos os princípios, numa democracia e num Estado de Direito, têm o mesmo valor. No entanto, qualquer cidadão que tenha se defrontado com o Judiciário, tem dele a impressão de ser ineficiente, moroso e caro. O que o próximo Presidente precisa – junto com o Judiciário, já que são três os poderes independentes do Estado – é contribuir com ações para operacionalizar o conceito de eficiência com a autonomia do Poder Judiciário, para que este preste um "serviço estatal" melhor. Isso não é nem trivial nem óbvio. Primeiro, em razão da própria independência do Poder Judiciário, que impede qualquer ingerência maior do Executivo no controle e na própria gestão. Segundo, o Executivo é parte (via Fazenda, INSS ou qualquer outra autarquia) em mais de 70% dos processos existentes. Finalmente, não é o Executivo que faz as leis (se bem que a maior parte da iniciativa legal é sua) e, sejam boas, sejam más, em tese, cabe ao Judiciário julgar e interpretá-las, não criá-las. Portanto, prestar um serviço estatal melhor significa algo muito mais complexo nesse contexto. Garantir que a prestação jurisdicional, no âmbito de uma democracia, funcione a contento: eis o desafio do Estado para o próximo Governo. Qual deveria ser o interesse do próximo presidente sobre o assunto? Diz nossa Constituição de 1988 que compete privativamente ao presidente da República propor leis ao Congresso sobre a administração judiciária – e como vamos ver mais adiante, o grande e grave problema do Judiciário é a gestão e a criação dos incentivos corretos para a gestão. E, isto sim, compete ao Poder Executivo (1). Sem pretender esgotar o assunto, este artigo, a partir de um diagnóstico do Poder Judiciário – cujos dados foram extraídos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) –, procura tratar do tema de sistema de incentivos apresentando algumas propostas. A Justiça é lenta e pouco eficiente. No entanto, apesar da percepção generalizada de desconfiança, recente levantamento publicado no jornal Valor Econômico revela que 53% da amostra está satisfeita com a prestação jurisdicional, e 44% acredita que o sistema judiciário melhorou nos últimos cinco anos (2). É curioso uma instituição ser ao mesmo tempo ruim, mas confiável. Se esta dicotomia não bastasse, é corrente entre os magistrados também a ideia de que o Judiciário tem baixa autonomia financeira, já que seus recursos dependem do Poder Executivo, e que a gestão administrativa dos serviços judiciais é deficiente, já que parte relevante do orçamento é consumida com despesas de pessoal. Como resultado, tanto da falta de autonomia e de orçamento, quanto da morosidade, considera-se a prestação jurisdicional falha e o serviço do Estado em matéria de solução de conflitos, no mínimo, desigual.
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Não surpreende, portanto, a pesquisa citada e seus avanços devem ser celebrados, mas é evidente que há, como explicou a matéria jornalística mencionada, discrepâncias pouco estudadas, fazendo referência à dissintonia entre a percepção positiva dos entrevistados e as críticas dos formadores de opinião. Tanto o acesso mais facilitado e expedito à população de baixa renda e de pequenas causas, quanto o combate à corrupção em casos muito localizados indicam que os anseios por um Judiciário equânime pela população, universalmente aprovado, são reais e é esta categoria favorecida que elogia o "novo" Judiciário. Por outro lado, os argumentos a favor do Judiciário versam sobre o tema de que, sim, há excesso de demanda e falta de recursos, e o produto final não deve ser apenas eficiente, como também justo, já que a Justiça é, sobretudo, um valor social maior. A respeito disso, Miguel Reale Jr. afirma que não há pior injustiça do que a eficiente – ou seja, nada mais nocivo de que uma decisão judicial errada e injusta, ainda que rápida (3). Mas, como vamos argumentar, a maior crítica ao Judiciário é mesmo quanto à sua lentidão. A Tabela 1, elaborada de acordo com pesquisa do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (IPESPE), reflete a opinião corrente da população sobre o Poder Judiciário: Por meio dessa pesquisa empírica, fica evidente que a visão e confiança no Judiciário não é tão ruim quanto às características que dizem respeito à honestidade, mas é francamente negativa em termos de agilidade, custos e neutralidade/independência. Claro, a pesquisa segue critérios de amostragem que sempre podem ser questionados, e sempre há argumentos, como o citado acima, do Prof. Miguel Reale Jr., quanto ao seu resultado final. Mas, é preciso pensar não em ruptura dos padrões e da tradição liberal judiciária brasileira, mas em reforma e em gestão. Assim, essa pesquisa de opinião e as demais
Patrícia Cruz/Luz
O Judiciário é uma instituição humana, não uma organização mítica que recebeu a missão divina da distribuição da Justiça.
que avaliam a confiança no Judiciário tendem a refletir com razoável segurança uma opinião comum em torno do assunto. Por que o assunto é importante para o próximo presidente? Recentemente, muitos estudos multidisciplinares têm procurado relacionar o Poder Judiciário com o desenvolvimento econômico depois de longos anos de esquecimento. (4) Há duas premissas que devem ser observadas neste tocante, antes mesmo de aprofundar o tema: primeiro, a garantia essencial de uma democracia de mercado é um Judiciário forte que aplique bem o direito positivo. Qualquer país que tenha um direito positivo modelar, uma lei substantiva extraordinária, mas cuja aplicação dessa lei for débil, estará fadado ao atraso. O respeito às leis e à sua aplicação transcende a simples organização social. Uma instituição como o Judiciário – e sobre este conceito vamos tratar mais adiante – que seja sólida, operante, independente e técnica e que faça com que as leis sejam cumpridas é, empiricamente, um elemento chave para o desenvolvimento econômico. Segundo, o Judiciário é uma instituição humana, não uma organização mítica e intransponível que recebeu a missão divina da distribuição da Justiça. Como toda e qualquer instituição criada pelos homens, ao longo da história, recebeu e recebe a influência de inúmeros fatores sociais, culturais, políticos e econômicos de cada época. O texto a seguir foi estruturado em cinco seções. A Seção 1 apresenta, para situar o tema, uma descrição das várias Justiças existentes no Poder Judiciário. A Seção 2 apresenta um bre-
ve diagnóstico da sua situação atual e a seção seguinte discute qual é a Justiça que se pretende. A Seção 4 contém as propostas que emergem do artigo, que defende um sistema de incentivos e uma ênfase em gestão, não em prédios. A Seção 5 conclui o artigo sintetizando em três as propostas apresentadas. 1. O Poder Judiciário: várias Justiças ao mesmo tempo: Quando se fala em Poder Judiciário, e em sua eficiência, habitualmente, se desconhece que não se trata de um bloco monolítico e único. Ao contrário, além do Judiciário estar dividido por área do Direito (Direito Público, que inclui Direito Penal e Eleitoral, Direito do Trabalho e Privado) com inúmeras concentrações, há também uma divisão federativa (Poder Judiciário Estadual e Federal). Além disso, há as divisões hierárquicas, organizadas em Justiça de primeiro grau e os vários tribunais regionais. Em resumo, há muitos diferentes Judiciários e a classificação dos órgãos judiciários brasileiros, em geral, se dá na seguinte divisão: 1) Quanto ao número de julgadores (órgãos singulares e colegiados). 2) Quanto à matéria (órgãos da Justiça comum e da Justiça especial). 3) Quanto e do ponto de vista federativo (órgãos estaduais e federais).
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Um Tribunal Regional Federal é órgão colegiado, enquanto um Juiz Federal, órgão singular. Na Justiça Estadual, o Tribunal de Justiça de um Estado é órgão colegiado, sendo o Juiz de Direito de primeiro grau um órgão singular. Os Tribunais e juízes estaduais, os Tribunais Regionais Federais e os juízes federais compõem a Justiça comum. Já o Tribunal Superior do Trabalho, o Tribunal Superior Eleitoral e o Superior Tribunal Militar formam a Justiça Especializada, que julga matérias de sua área de competência: Trabalhista, Eleitoral ou Militar, recebendo, respectivamente, recursos dos tribunais inferiores. Na primeira instância, há os juízes monocráticos, já que a decisão é individual e em segundo grau, sempre por órgãos que compõem um colegiado. São considerados Juízes de Direito os juízes monocráticos da Justiça estadual; Juízes Federais, Eleitorais e do Trabalho são os juízes de primeiro grau nas respectivas varas especializadas; Desembargadores, na Justiça Estadual de segundo grau; Juízes Federais de Segunda Instância (nos Tribunais Regionais Federais e no Tribunal Regional do Trabalho) e Ministros do STF e STJ, em última instância. Em resumo, podemos entender o Poder Judiciário por meio de seus vários órgãos funcionais, quais sejam: - Supremo Tribunal Federal; - Conselho Nacional de Justiça (sem função jurisdicional, desempenhando apenas funções administrativas); - Superior Tribunal de Justiça; - Tribunais Regionais Federais e juízes federais; - Tribunais e juízes do Trabalho; - Tribunais e juízes eleitorais; - Tribunais e juízes militares; - Tribunais e juízes dos Estados, do Distrito Federal e dos territórios.
Sergio Lima/Folha Imagem
José Roberto Arruda/ABr
Ora, como visto, não podemos considerar o Judiciário como uma única instituição. Primeiro, parece claro que a natureza e a atividade humana necessitam de coesão e são repletas de conflitos. Pois, por um lado, é preciso organizar-se em sociedade, e, por outro, os conflitos que surgem das relações humanas precisam ser resolvidos de alguma forma. O Brasil é um país federativo e o modo escolhido da organização judiciária está descrito acima. Certo, muito poderia ser feito para racionalizar instâncias e órgãos; no entanto, entendemos que isto deva ser um segundo passo, depois de maximizados recursos e gestão, é que poder-se-ia pensar em novas estruturas. Se aceitarmos a premissa de que a lei é um sofisticado indutor de condutas, sua aplicação deve ser observada por todos (erga omnes) e seu descumprimento punido, estamos aceitando implicitamente que o Judiciário deva ser um constructo humano com certas funções insuperáveis numa sociedade.
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O Judiciário, portanto, se organiza numa teia de órgãos e instâncias, mas deve cumprir um só papel. Pode-se afirmar que o Judiciário tem duas funções básicas numa sociedade: resolver conflitos e punir quem descumpre uma lei, na tradicional e conhecida função denominada de "sanção" legal. (5) Se é assim, há necessidade de uma estrutura desenhada dentro da arquitetura política e social de um Estado, que possa conduzir, como loci adequado, as funções de resolver conflitos e aplicar sanções. Há ainda uma função de natureza preventiva assumida indiretamente pelo Judiciário, mesmo para aqueles que não têm qualquer conflito. Um bom sistema judicial funciona emblematicamente como um porto seguro, sinalizando que se houver conflitos entre os agentes econômicos, ele será adequadamente resolvido. A maior parte dos contratos financeiros do século 19 escolhia a jurisdição inglesa, mais especificamente a da Corte de Londres, já que ela era famosa por sua reputação de neutralidade. (6) Um dos elementos centrais para um bom Judiciário, claro, é a sua independência. Alguns teóricos, como Feld e Voigt, mostram uma estreita inter-relação entre um Judiciário independente (de todos os atores econômicos, inclusive o Estado) e o crescimento econômico. (7) Portanto, como corolário desta observação, o Judiciário, instituição essencial à organização so-
O Judiciário se organiza numa teia de órgãos e instâncias, mas deve cumprir um só papel. Pode-se afirmar que o Judiciário tem duas funções básicas numa sociedade: resolver conflitos e punir quem descumpre uma lei, na tradicional e conhecida função denominada de "sanção" legal.
Fábio Pozzebom/ABr
cial, pode ser considerado como uma das mais importantes instituições de uma democracia. A Justiça também é um princípio da ordem social duradoura – numa sociedade em que não há Justiça, como se afirmou, apenas a revanche pode prevalecer. No entanto, a revanche apenas gera violência quando a parte vencida, não aceitando a ação, inicia uma retaliação. Não por outra razão, a Justiça muitas vezes pode ser vista também como um meio de assegurar a paz social, ao determinar a veracidade dos fatos e apurar o que é "justo" entre os agentes privados e o Estado. O conceito do que é justo é extremamente difícil, como se sabe – mas mais importante que defini-lo é conseguir atingir, por meio das decisões, uma percepção de Justiça, vista aqui no sentido de ser a aplicação da lei independentemente da natureza das partes, servindo inclusive como sinal de maturidade das instituições. (8) Duas são as fontes de injustiças, segundo o Relatório do Banco Mundial, Building Institutions for Markets: a primeira, quando as decisões podem sofrer influências políticas e mesmo do próprio Estado, quando os tribunais não podem fazer com que o Governo obedeça à Lei; a segunda, quando o poder econômico pode influenciar as decisões judiciais. (9) Evidentemente que o Relatório está tratando do tema em teoria – mas, apenas como exemplo, na Rússia do Premiê Putin, não apenas o Estado não obedece à Lei como também os grandes grupos econômicos têm tratamento diferenciado. Isto afeta o desenvolvimento russo e os prêmios pagos aos investidores devem ser maiores. Todos ganham com um Judiciário melhor. Não é apenas uma ou outra parte que sai vencedora no caso concreto individual, mas abrange-se toda a sociedade quando há implantação dos incentivos corretos e adequados de um sistema de solução de conflitos em que todos podem confiar. Na verdade, o argumento do bem maior demonstra que um bom sistema judicial gera ao sistema econômico eco no mesmo princípio de
Monica Zaratini/AE
proteção aos credores nas leis falimentares – não é apenas o credor que ganha com uma boa lei – são todos os potenciais tomadores de crédito que terão, em tese, uma economia no prêmio de risco a ser pago pelo seu crédito. Assim, é emblemático que em toda sociedade que se desenvolve economicamente, desenvolve-se, ao mesmo tempo, um Judiciário forte. (10) A independência do Judiciário – de acordo com o art. 2º da Carta de 1988, que determina que todos os poderes do Estado devem ser "harmônicos e independentes" –, não é apenas jurídica, é sobretudo política na expressão estrita do termo. Diz respeito não apenas ao comportamento dos membros do Judiciário, mas de sua inserção institucional na arena social de um dado país. A razão para isto é evidente quando se compara o Judiciário com a história. Primeiro, enquanto a existência de cortes e juízes é milenar, o Poder Judiciário, como corpo organizado do Estado com prerrogativas próprias e sem qualquer vínculo com o Poder Executivo, é uma instituição relativamente moderna. Por exemplo, na Revolução Francesa, as cortes eram uma instituição do Legislativo, dado que se partia da premissa de que era o povo que deveria julgar conflitos e erros dos demais cidadãos e, por tal razão, a Assembleia ficou encarregada da maior parte das decisões judiciais. Uma parte pequena, técnica e estreita da aplicação das leis da Assembleia era condicionada ao julgamento das cortes. (11) Até hoje, em muitas jurisdições, como a dos Estados Unidos, o mesmo princípio é aplicado. Uma segunda e importante distinção quando se trata do Judiciário é a diferença entre a administração da prestação jurisdicional (ou seja, do processo de declarar e realizar o direito) e o direito material em si. A administração da prestação jurisdicio-
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nal é feita por juízes (desembargadores e ministros das cortes superiores) no âmbito de uma instituição, enquanto o direito positivo, as leis, produto legislativo ou normativo, é o resultado objetivo não de um processo de decisões monocráticas, mas de escolhas públicas, por meio de seu parlamento. (12) Esta distinção é de suma importância, porque traz no seu bojo a noção de que um bom julgamento é melhor que uma boa lei, ou que a lei substantiva e positiva sem um bom juiz vale pouco. Vamos passar agora a um breve diagnóstico da situação atual do Judiciário. 2. Um breve diagnóstico O Brasil possui cerca de 60 milhões de processos judiciais. Evidentemente que muitos estão inativos e muitos simplesmente não estão arquivados por falta de alguma providência. Na Justiça Federal, cerca de 500 mil processos são distribuídos a cada ano para 1.478 juízes. O estoque de processos não julgados do ano anterior são cerca de 713 mil. Em resumo, cada juiz, apenas na Justiça federal, em média, deveria julgar três processos por dia, o que é muito, especialmente se considerarmos a média internacional de cerca de 50 por ano. No segundo grau, o número de processos também tem crescido cerca de 7% ao ano – com volume muito menor, mas ainda expressivo em relação aos demais países –, ou 8.660 processos/magistrados/ano. Na Justiça do Trabalho, 3.145 magistrados julgam 882 mil processos em segunda instância e 3,2 milhões de casos na primeira instância. A taxa de congestionamento é menor, cerca de 25,3% no ano de 2008. Finalmente, na Justiça Estadual, com 11.108 e 216 mil servidores, tramitam cerca de mais de 45 milhões de processos. Um primeiro aspecto, sempre ressaltado em qualquer debate, é o custo do Poder Judiciário, estimado hoje em 0,18% do Pro-
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duto Interno Bruto (PIB) no Judiciário Federal e cerca de 1,0% no conjunto do Judiciário estadual (0,7%) e do Judiciário do Trabalho (0,3%). Enquanto é verdade que sempre faltarão verbas, e apesar de o crescimento proporcional ser pequeno (subiu de 0,15% em 2004 para 0,18% em 2009 na Justiça Federal e cerca de 0,9% para 1,2 nas demais), em valores absolutos, o orçamento do Judiciário, apenas na esfera federal subiu de R$ 3,56 bilhões para R$ 5,25 bilhões, ou seja, um crescimento médio de 14% ao ano. Na Justiça do Trabalho, subiu de R$ 6,47 bilhões em 2004 para R$ 9,26 bilhões em 2008, e nas Justiças estaduais subiu de R$ 53,75 bilhões em 2004 para cerca de R$ 88,77 bilhões em 2008. E o grave problema de desequilíbrio orçamentário com folha aparece na primeira análise – cerca de 92% desse orçamento é gasto com salário, férias, gratificações, passagens, verbas de gabinete e servidores inativos, entre outros dispêndios. Não surpreende que haja poucos recursos para investimento, apesar do crescimento expressivo do orçamento. A Tabela 2 ilustra a evolução dos gastos correntes do Judiciário entre 2004 e 2008, e a Tabela 3 apresenta esses gastos como porcentagem do PIB no mesmo período. Antes de passar a uma comparação internacional de aspectos ligados ao Poder Judiciário, vale assinar que qualquer comparação só seria justa se pudéssemos relacioná-la a países de igual renda ou, ainda, a países da América Latina. Nessa linha, o Gráfico 1 indica a renda per capita (em US$) de vários países da América Latina, que com outros serão utilizados nas comparações internacionais que se seguirão. Os dados são do Banco Mundial e referentes a 2008. Como o Brasil se posiciona diante de certas comparações ligadas a aspectos do Poder Judiciário? A sequência de gráficos a seguir mostra algumas comparações relevantes para entendermos aspectos extragestão desse poder. Gráficos 2 a 7 Esse conjunto de informações relativo à América Latina dá uma ideia de que litigar no Brasil não é fácil e também de que seus custos não são baixos. Como foi visto, os dados do CNJ
mostram um certo congestionamento da oferta da prestação judiciária e um orçamento crescente. Certamente gastar mais não é a solução mais adequada – e os números acima comprovam isso –, primeiro, porque não há uma contrapartida em ser-
viços ou em agilidade; segundo, em razão da discrepância de resultados nas várias instâncias de Justiça. Antes de passar às propostas, cabe investigar um pouco mais sobre o tipo de justiça que pretendemos.
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3. O que se pretende: uma Justiça para o nosso tempo O conceito de Justiça é fluído através do tempo e muito abstrato. Justiça se relaciona com equidade, e é este o sentido que se deve perseguir quando se trata de Judiciário. O conceito de equidade é corrente, mesmo que amplo: dar a alguém aquilo que é seu. E, por essa razão, muitas vezes, é confundido com o conceito de Justiça. Esta tem que ser equânime, mas a equidade pode ser feita sem Justiça. Vamos tomar equidade no sentido mais comum de Justiça, aquele concernente à "distribuição justa" ou "ao que é merecido". Uma injustiça ocorre quando um benefício devido a uma pessoa lhe é negado sem uma boa razão, ou quando algum encargo lhe é imposto indevidamente. Do ponto de vista de equidade judicial, parte-se da concepção de que os iguais devem ser tratados da mesma maneira e cada um deve receber o que é seu. Evidentemente que, em termos de direitos reais (por exemplo, o Direito de Propriedade), isso é relativamente fácil de outorga, mas é óbvio que, na realidade complexa, a equidade é um conceito razoavelmente abstrato. Além de abstrato, é um conceito antigo – não se desconhece a influência do liberalismo do século 19 na ideia central de Justiça – mas é evidente que nos dias de hoje há inúmeros outros fatores que podem influenciar o que é equânime. Por exemplo, a parte que pode arcar com melhores advogados tem comprovadamente um resultado melhor, independentemente de seu direito. Um segundo debate da Justiça de nossos tempos refere-se à necessidade de um Judiciário eficiente. O conceito de eficiência diz respeito aos usos e recursos de um sistema. Pode-se dizer que um dado sistema é mais ou menos profícuo se ele produzir mais ou menos resultados com os mesmos recursos. A eficiência é sempre um meio de se atingir um resultado e inevitavelmente
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se refere ao processo pelo qual isso se realiza. Em outras palavras, eficiência é a quantidade de recursos em comparação aos resultados, ou seja, quanto se gasta para produzir. Se a visão de Justiça como eficiência pode parecer extremada, há muitos críticos do conceito. Como afirmou o Prof. Wald, "cabe, todavia, não exagerar o papel da Economia em relação ao Direito. A análise econômica é importante e a introdução da noção de eficiência no Direito é condição sine qua non do progresso econômico e da boa aplicação da Justiça. O que não se pode fazer é submeter o Direito à Economia. Queremos uma Justiça eficiente, no tempo e na qualidade, mas não uma Justiça que esteja exclusivamente a serviço da economia, sacrificando os direitos individuais ou, em certos casos, afetando até o respeito dos contratos e sua fiel execução. Entendemos que o Direito e a Economia se complementam, pois "o Direito sem o mercado é a imobilidade ou paralisia da sociedade", enquanto "o mercado sem o Direito é o caos" (Alain Minc)." (13) É evidente que este conflito não é nem de longe trivial de ser resolvido. José Eduardo Faria resume as diferenças num paradoxo complexo e quase insolúvel: Na realidade, para neutralizar o risco de crises de governabilidade, não cabe ao sistema judicial "pôr objetivos como disciplina fiscal acima da ordem jurídica. Zelar pela estabilidade monetária é função do sistema econômico. Como o papel do sistema judicial é aplicar o Direito, ele só está preparado para decidir entre o legal e o ilegal. Evidentemente, o sistema judicial não pode ser insensível ao que ocorre no sistema econômico. Mas só pode traduzir essa sensibilidade nos limites de sua capacidade operativa. Quando acionado, o máximo que pode fazer é julgar se decisões econômicas são legalmente váli-
das. Se for além disso, a Justiça exorbitará, justificando retaliasugestões podem ser feitas, mas agora vamos indagar quais ções que ameaçam sua autonomia. Como os juízes poderão presão as propostas possíveis para o próximo presidente. servá-la, se abandonarem os limites da ordem jurídica? Por isso, quando os tribunais incorporam elementos estranhos ao Direito, 4.1. Incentivos: o segredo é colocar em prática um eles rompem sua lógica operativa e comprometem os marcos lebom sistema gais para o funcionamento da própria economia". (14) Além disso, não se pode ignorar que os sistemas jurídico e É conhecida a experiência pavloviana do cão provocado econômico estão umbilicalmente ligados ao sistema político. E o por um sino e a observação de seu comportamento a partir nosso sistema político privilegiou uma certa confusão na área. desse estímulo. O Direito é prescritivo, uma vez que estabePor exemplo, até por considerar os nossos tribunais superiores lece normas de conduta que devem ser seguidas por todos e não como Cortes da federação, com a função de controlar o sisse vale de mecanismos de coação e sanção no seu descumtema constitucional, mas como simples tribunais de Justiça de primento. O que estamos discutindo aqui pode se resumir à terceira ou quarta instância seguinte indagação: se queRodrigo Paiva/Folhapress às partes, o sistema judicial remos eficiência no Poder brasileiro apresenta uma disJudiciário, qual deve ser (se função intrínseca grave. é que há) o padrão de conNum sistema democrático, duta a ser utilizado pelos resolver (e reformar) tal esmagistrados? trutura de solução de confliPosner, já citado antetos é imperativo e urgente. riormente, afirma que o DiInspirado em preceitos reito só é eficiente se tiver do século 19, nossos tribunormas eficientes. Para ele, nais ainda tendem a enteno objetivo do sistema jurídider e interpretar os conflitos co deve ser "maximizar a ride modo arcaico. De acordo queza" ao promover o comcom Wald, precisamos de portamento eficiente dos uma economia de mercado cidadãos, ou seja, uma lei só inspirada com Direito, e um deve ser aplicada quando Direito que considere as reassegurado o efeito eficiengras do mercado, na exata te de sua aplicação. Ou, nas medida em que, "se houver palavras de Gordon Tulloum mercado sem Direito, teck, uma norma ou uma senremos uma selva selvagem. tença somente deve ser ediHá uma visão generalizada de que Se ao contrário, tivermos um tada ou prolatada se "não a Justiça é lenta e pouco eficiente. Direito sem o funcionamenpuder ser modificada sem to do mercado, haverá a paque fiquemos em situação ralisação do País, e não hapior". verá desenvolvimento". Além disso, segundo esse autor, o veHoje, além da eficiência racional, pode-se argumentar que a lho brocardo fiat justitia, pereat mundus [faça justiça ainda que o análise econômica deve contemplar igualmente a distribuição mundo pereça] não pode se sobrepor à custa da existência dos social da riqueza ou mesmo a função do bem-estar na sociedamercados e da economia: "[...] de nada adianta, pois quererde. No entanto, para teóricos como Posner, não sem grande pomos que a Justiça prevaleça para que o mundo sobreviva, se lêmica, o único bem-estar possível é a maximização da riqueza, desenvolva e progrida". (15) ou seja, extrair o maior bem-estar possível. Em as aplicações Em resumo: precisamos de uma Justiça eficiente, mais ecoeconômicas na Justiça, esse autor rejeita o conceito de utilitanômica, que tenha uma olhar claro sobre a modernidade da rismo (preferências individuais) médio ou total na sociedade e economia e possa resolver conflitos de um modo mais ágil. Viadota o conceito de maximização da riqueza, que vem a ser a mos até aqui um diagnóstico mais sombrio sobre as contas do preferência daqueles que detêm os recursos e os incentivos (ou Judiciário e sobre seu papel crucial no desenvolvimento ecoa motivação) concedidos pelo sistema legal. O sistema jurídico nômico. Vimos também a necessidade de solucionar alguns não passaria de um conjunto de convenções que estimula esconflitos do Judiciário no tema da aplicação econômica do Dicolhas pragmáticas de determinadas metas por agentes econôreito e o fato de que é imperioso um magistrado levar em conmicos. Em consequência, para fazer Justiça, os juízes devem sideração aspectos econômicos nas suas decisões. decidir nos tribunais, de acordo com o critério da eficiência do sistema como um todo. Um bom exemplo é a questão dos da4. Propostas nos morais nos contratos bancários. Se o resultado do julgamento aumentar o spread bancário, certamente a decisão, não Passamos agora às propostas e o que pode ser feito para miobstante justa do ponto de vista tradicional, estará gerando tigar algumas dessas questões. É evidente que muitas outras ineficiência no sistema econômico.
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Ronald Dworkin contesta tal visão, alegando que o Direito é pretar a lei e decidir de acordo com a sua convicção e com a antes um meio político em que a comunidade atua e interage prescrição do que o magistrado considera "justo". O segundo de forma a manter coesos todos os princípios sociais; que existe é sobre os incentivos ao comportamento que um determinalivre-arbítrio, igualdade material e igualdade formal na lei, do juiz assume para decidir. Assim, o que se pretende agora que garante, mais do que a maximização da riqueza, a existêné tentar entender as razões de decidir daquela forma e entencia da própria sociedade. Dworkin alega ainda que, muitas veder quais são os incentivos, positivos e negativos, que ele zes, as decisões individuais não se harmonizam necessariatem para julgar assim. mente com os objetivos sociais, e a estrutura legal deve existir O processo decisório implica a escolha entre alternativas, para incentivar comportamentos baseados não apenas na rae, no caso de um juiz, há de se observar a lei, os costumes e a cionalidade econômica, mas também em outros princípios jurisprudência pacificada nos tribunais superiores. Não há não racionais, como a distribuição de renda e objetivos, ou a em nenhum lugar do planeta fronteira absoluta para a livre redução das desigualdades sociais. convicção: um magistrado não pode julgar contra a lei posta O argumento dos ou contra os valores Epitácio Pessoa/AE incentivos ao comestabelecidos, seportamento, entrequer pode julgar tanto, continua muicontra a jurispruto forte. As partes dência predominanpodem ter incentite (já que será reforvos diversos para limada mais adiante tigar: algumas têm pelos tribunais suinteresses a longo periores, represenprazo, outras, a curtando um absoluto to prazo. Há ainda desperdício de temmenor ou maior inpo e dinheiro públiteresse patrimonial co). Ora, uma decino conflito e na sua são eficiente e adapsolução. Paul Rubin tativa encontra esafirma que, se o sisses limites racionais tema jurídico for eficlaros e definidos. ciente, não haverá Mesmo se abstrairincentivo em desamos o fato de um fiar as leis e os procem a g i s t r a d o q u a lNa Justiça Federal, cerca de 500 mil processos são dimentos que o defiquer não poder ter distribuídos a cada ano para 1.478 juízes. nem. Se, por outro relações pessoais lado, as partes se becom as partes – o que neficiarem das inefide imediato deveria ciências – como acontece no Brasil –, tais leis ou normas serão gerar suspeição e impedimento – é necessário nos afastar decontestadas a todo instante. Aqui, os incentivos são reforçados finitivamente da ideia de que um juiz só deve julgar de acordo pelos precedentes, tendo em vista que, quando possível, no com a sua consciência. Certo, é verdade que, quando se julga sistema jurídico racional, os juízes seguem decisões análogas sob incerteza, há resposta com base em valores adquiridos tomadas em casos passados. No entanto, pode-se supor que as preexistentes (culturais, sociais, de formação etc.), – a psicopartes também têm percepções diversas sobre as decisões julogia comportamental explica o atalho da "ancoragem e ajusdiciais precedentes. Por exemplo, se uma empresa em atividatamento", constatando que a âncora dos valores influencia o de contínua está constantemente envolvida em questões de produto final, enviesando e causando efeitos indesejáveis, igual teor (por exemplo, os bancos e o direito do consumidor), assim, qualquer magistrado deve se afastar de âncoras não há um incentivo implícito para que antecedentes jurisprudeninformativas, subjetivas e pessoais para o julgamento. (16) Tal aproximação implica preconceitos e valores morais preconciais sejam observados. Por oposição, o caso isolado de um incebidos, que tanto prejudicam a Justiça deste País. divíduo pode não ser pautado pelo precedente. Portanto, a priMas há ainda outro debate igualmente necessário e immeira recomendação e proposta prática é objetivar e padroniportante: quais são os incentivos ao magistrado ao decidir zar as decisões em casos análogos e já sobejamente conhecidos sobre o que é certo ou errado. E isso é fundamental para ene fazer valer de fato um sistema vinculante às decisões supetender o caso da censura. Se qualquer agente econômico coriores quando se tratar de uma ação repetida. Da mesma formeter um erro é punido, seja pelo mercado, seja por força da ma, juízes que não cumprirem esse preceito devem ser puniação estatal (uma multa do CADE, por abuso de poder de dos. Ou seja, premiar bons juízes e punir os maus. mercado, por exemplo). A punição é um incentivo negativo Dois outros aspectos de alta relevância precisam ser anaao comportamento, já que impede minha conduta numa silisados quanto a qualquer decisão judicial individual. O prituação futura. No caso de uma decisão judicial, isso não ocormeiro diz respeito ao processo decisório dos juízes ao inter-
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Paulo Liebert/AE
re. Se um juiz julgar bem ou mal, nada lhe acontece. Sua carD'Urso. A premissa do repasse é entender a prestação do serreira independe de acertos ou de equívocos. Não há critérios viço público como algo que se possa cobrar (custas judiciais) de avaliação de reformabilidade de decisões judiciais e investir na oferta de serviços. (17) Infelizmente, o que tem acontecido é que a maior parte dos ("bom" seria um juiz que nunca tivesse suas decisões reforinvestimentos do Judiciário tem sido em ativo fixo. Há uma madas pelo Tribunal e "ruim" seria um juiz que tivesse as certa propulsão por sedes, gabinetes maiores e, claro, à medida suas sempre cassadas pelas cortes superiores). Persistem na que a demanda da prestação jurisdicional cresce, mais serviMagistratura brasileira critérios absolutamente improvádores e acomodações para eles. veis como os da antiguidade e eleAqui, é preciso duas críticas. Privado subjetivismo, para não dizer meira, nesta toada, a expansão é influência política, na promoção geométrica. Com o volume de prode juízes. Portanto, promover juícessos que são ajuizados a cada ano, zes significa premiar os bons. em cinco anos o Judiciário terá doAuferir a qualidade de decisões brado de tamanho e, evidentemenjudiciais não é simples, nem pode te, novos prédios serão necessários. ser feito sem uma larga dose de subSegunda crítica, nem sempre o injetivismo. Mas o que não se pode vestimento imobiliário traz o retoradmitir é um magistrado afrontar o no esperado – se cada real investido texto constitucional, gerar custos pelo Estado no Judiciário pudesse de transação para as partes, espanser medido em retorno de eficiência car o sagrado Direito da Liberdade no processo, muito provavelmente e nenhuma sanção (ou mesmo puessas despesas não estariam sendo nição) cair sobre a sua conduta. O realizadas. Como não há medida de resultado de tal risco moral gera retorno, exceto o bem-estar dos funapenas magistrados irresponsácionários e dos juízes, os investiveis e sem qualquer vínculo com o mentos continuam sendo realizaDireito e com o que eles represendos. Para o cidadão comum, repartam numa democracia. Ainda na tições não são nada além de locais fímesma analogia, a suspeição ou sicos que abrigam funcionários impedimento de um juiz, se não for pagos por impostos, que lhes defruto de sua própria consciência, vem prestar serviço. deveria ser matéria urgente da CorAcima de tudo, é necessário inregedoria ou dos esforços de órPrédio do Tribunal Regional do Trabalho vestir em gestão, em processos e rogãos de classe, como o CNJ. na Barra Funda, zona oeste de São Paulo. tinas e em informática. Muitos processos e documentos poderiam ser 4.2. É preciso investir em substituídos por arquivos digitais e gestão, não em prédios! mesmo o processo decisório de um Com o volume de processos que juiz poderia ser muito mais inforFinalmente, vamos tratar do orsão ajuizados a cada ano, em cinco matizado do que é hoje. Aliás, o Juçamento. Como se viu, a cada ano anos o Judiciário terá dobrado diciário se vale dos computadores as verbas para o Judiciário são amde tamanho e, evidentemente, novos apenas como máquinas de escrever. pliadas. Isto não significa necessaprédios serão necessários. Não há sistemas que dêem ao juiz riamente que sejam aplicadas em um resumo do caso concreto, a base investimentos, já que a despesa legal, jurisprudência e, eventualcom folha, como já foi visto, consomente, muitos outros dados – por exemplo, na esfera penal, dame a maior parte dos recursos. Por um lado, há reivindicações dos pessoais sobre o réu, se é reincidente, se tem família etc. para alterar o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, que Finalmente, há de se pensar em conciliação e transformar o Juestabelece em 6% o repasse do Executivo para o Judiciário, diciário em algo caro, quando o objetivo não puder ser atingido alargando esse limite para 8%, por outro, há, em alguns Esde outra forma. Precisamos estimular mecanismos de solução de tados, a crítica de que não há repasse das custas judiciais, coconflito fora do processo judicial. Hoje, como vimos, o processo é mo acontece no Rio de Janeiro. "Todo o dinheiro das custas moroso e qualquer demanda, por simples que seja, pode durar processais fica para a Justiça RJ a ponto de o TJ-RJ emprestar aproximadamente uma década. Se conseguirmos desenvolver dinheiro para o Executivo. O Tribunal fluminense está capimecanismos alternativos de solução de conflitos, que de resto já talizado, tem o seu projeto de informatização concluído e existem, como mecanismos de mediação, conciliação e arbitraqualquer um que advogue no Rio de Janeiro terá o processo, gem, pode-se abreviar esse tempo. Para isso, é preciso ônus rede primeira e segunda instâncias, julgado em um ano e meio cursal, criar entraves para quem quer postergar uma ação e tore em São Paulo, demora sete anos. Isso precisa mudar", conar a ação judicial livre de qualquer aventureiro. mentou certa vez o presidente da OAB Paulista, Luiz Flavio
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Uma proposta para o Judiciário pode seguir muitos outros caminhos, inclusive de ruptura. Por ruptura, se entende modificar as estruturas e os vários judiciários, especialmente com economias relevantes. Para o próximo Presidente, preferimos optar por algo mais simples e que pode ser resumido a três propostas: a) Premiar os bons e punir os maus. Qualquer juiz que tenha suas decisões constantemente reformadas, que leve mais do que um tempo razoável para proferir uma sentença ou mesmo um despacho, deve ser avaliado e monitorado, de forma a
Julian Ward/Folhapress
5. Uma síntese em três propostas
ser demitido, se não apresentar resultados ou melhorar seu desempenho. b) O juiz, seja de primeiro, de segundo ou de terceiro grau, precisa entender que suas decisões têm efeitos na economia e, enquanto deve perseguir o que é justo, precisa se afeiçoar ao interesse mais público e maior da nação. Com isso, as decisões dos tribunais superiores devem ser vinculantes e obrigatórias a toda magistratura. Mais uma vez, juízes que não seguem tais preceitos, devem ser punidos. c) O Estado precisa investir em gestão e concentrar seus esforços orçamentários e não em prédios ou gabinetes, mas naquilo que fará a Justiça melhor: sistemas, procedimentos, transparência, menos burocracia, controles mais racionais e uma carreira que, de fato, incentive os melhores a subirem.
Notas (1) Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias
cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: II - disponham sobre: [...] b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios; (2) "O julgamento do Judiciário". Valor Econômico. Caderno Eu &, p. 8 e ss., 30 abr. 2009. (3) REALE Jr., Miguel. Interpretação e segurança jurídica. Palestra no Ibmec-São Paulo, 17 abr. 2009. (4) De fato, o interesse surgiu há menos de dez anos. MAYER, Colin; SUSSMAN, Oren. "The assessment: Finance, Law and Growth". Oxford Review of Economic Policy, v. 17, n. 4, p. 459, observam: "Probably the most significant institution that is resurrected from irrelevance is the law." ("Provavelmente a instituição mais significativa que ressuscitou da irrelevância é o Direito") (5) Sobre o tema, vide REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1983. (6) A observação é descrita com eloquência por COKE, Edward. The first part of the institutes of the laws of England. New York: Garland, (1979 version). Para algumas explicações e justificativas, vide BURKE, Helen. "The London Merchant and Eighteenth Century British Law". Philological Quarterly, n. 73, 1994. (7) FELS, Lars; VOIGHT, Stefan. "Making judges independent
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- some proposals regarding the Judiciary". Working Paper 1260, Munich, Cesifo (2007, April). (8) GROTE, Rainer. "Rule of Law, Rechtsstaat and 'Etat de Droit'". In: STARK, Christian (Ed.). Constitutionalism, universalism and democracy. A Comparative Analysis. Baden-Baden: Nomos Verlagsgesellschaft, 2009. (9) WORLD BANK. Building Institutions for Markets. Washington, 2002. p. 118. (10) No mesmo relatório citado acima, na nota 10, há notícia de que na China havia cerca de 17 mil litígios comerciais em 1979. Com o crescimento e a abertura da economia, em 2002, já eram 1,5 milhão de novos casos, ou seja, um crescimento de mais de 100 vezes em menos de cinco anos. (11) Vide DAWSON, John P. The oracles of the law. Michigan: University of Michigan Law School, 1968. (12) Para o papel do Parlamento, vide OLIVER, Dawn; DREWRY, Gavin. The Law and Parliament. London: Butterworths, 1998. (13) WALD, Arnoldo. "Prefácio". In: SADDI, Jairo; PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Direito, economia & mercados. São Paulo: Campus, 2005. (14) Idem. "A justiça e os argumentos de ordem fiscal". O Estado de S. Paulo, 29 jun. 2004, p. A-2 (15) Entrevista de Arnoldo WALD ao Informativo IASP, n.º 72, abril/maio 2005, p. 3. (16) Tversky & Kahneman, 1974, citados num interessante artigo de Leandro Tonetto et alli. "O papel das heurísticas no julgamento e na tomada de decisão sob incerteza". Estudos de Psicologia, Campinas, 23(2) 181-189, abr.-jun. 2006. (17) Folha de S.Paulo, 12/1/06.