2 minute read

O QUINTAL DO MEU AVÔ

Next Article
Sidney Sheldon

Sidney Sheldon

Elda Moscogliato

O que tinha de modesta a moradia avultava em grandeza o imenso quintal. Era a humilde casa de nossos avós paternos. Uns doze metros se tanto, de frente, por uma riquíssima área que ia, da frente aos fundos, por um inteiro quarteirão. A cada estação das chuvas aumentava-se-lhe, naturalmente, o limite pela cheia do Lavapés procurando vazão para suas águas, em demanda do moinho do Salgueiro. Algum leitor lembra-se ainda disso?

Advertisement

Assegurado o direito de propriedade alargava-se, a cada ano, o plantio do quintal. Aliás, todos os demais que lhe eram vizinhos ou afins, tinham a mesma riquíssima característica : hortas e pomares primorosamente cultivados assegurando na economia do lar a pureza dos produtos, a riqueza alimentícia, a poupança nos orçamentos.

Nosso quintal abastecia um clã já desdobrado em várias famílias. Lá, dava de tudo. Só não deu tâmara, porque ainda no Brasil, não se fizera a experiência do transplante. O horticultor era o vovô. Homem simples, trabalhador incansável, dado ao carinhoso trato da terra. Das suas benditas mãos calosas, do seu arfar suarento, da sua faina de manhã à tarde, vinha-nos a fonte maravilhosa da feliz infância.

O ano inteiro, consoante o calendário do horticultor, era o eterno trabalho do remanejar, do afofamento dos canteiros, da adubagem, dos alinhamentos, do levantamento das sebes, da arrumação e fortalecimento das estacas. Da semeadura, do transplante, da rega, da poda.

Havia três quintais num só. Divididos por cerca de guarantã, com porteirinha de trinco. No quintal de cima, estava o forno de barro batido, para o pão semanal. Cada fornada, de duas a três dúzias. No outro canto, distante, o galinheiro espaçoso : patos, galinhas, frangos, e o enorme galo vermelho. Bravo. Arisco. Ali era o reino da nona. Nosso linguajar foi sempre bilíngue : vovô, para eles. Nona, para elas.

O pão grande, redondo, polpudo. Cheirava o cheiro bom da massa preparada e sovada no punho, com água, sal, farinha da boa, gordura e ovos. Ovos fresquinhos, colhidos diariamente. Depois, na vasta sala de jantar, modesta e simples, ao redor da mesa grande, as canequinhas de folha de flandres luzentes como prata, uma para cada neto, o café fumegante e a fatia gorda, do pão quentinho.

No quintal do meio, a horta. Horta e pomar separado em duas vastas alas, por uma só latada. As parreiras continuavam destacadas apenas, na vindima, pelo tamanho, pela cor e pelo olorante perfume das mais variadas espécies de uva.

O zum-zum das abelhas, a sombra folhuda do imenso parreiral davam ao imenso corredor perfumado a idílica imagem dos vergeis virgilianos. O vinho era fabricado no porão espaçoso que conservou, por anos a fio, o bafio suculento da borra dos tonéis ali acantonados.

No fundo do quintal, ficavam as bananeiras. E o bambual, onde, no dizer dos adultos – para refrear a traquinagem moleque dos netos – havia cobras jararacas que atraiam as crianças e os passarinhos.

No estio, quando as cigarras estridulavam nos galhos, o passaredo recolhia-se nos ninhos, os sapos coaxavam no brejo e o João de barro gazilava bem no alto do abacateiro, era gostoso ouvir lá embaixo, o doce marulhar do ribeirão enquanto as sombras da noite caiam, de mansinho, acobertando num manto macio e refrescante o trabalho do dia.

Lá no alto da cidade, a torre da velha Matriz anunciava a Ave-Maria Então, nosso avô recolhia-se a casa para o banho refrescante, a camisa de riscadão macia e o jantar frugal. Depois, cachimbo à boca, sorvido às baforadas, sentava-se à cabeceira da mesa. E punha-se a ler o seu Dante.

This article is from: