50 ANOS
ONTEM, HOJE E AMANHÃ
OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA 14 DE DEZEMBRO DE 2010
UFSM
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UFSM 50 ANOS ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA JEAN PIMENTEL – 1º/07/10
O encontro da comissão que definiu quem seriam os 50 homenageados nos 50 anos da UFSM. A partir da esq., em sentido horário, Fabiana Sparremberger (editoraexecutiva do Diário), José Luis Zasso, Luciana Mielniczuk, Jorge Cunha, Neida Ceccim Morales e Eugenia Mariano da Rocha Barichello
o seu presente
diariosm
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Você também pode homenagear a UFSM. O site do Diário tem o seu primeiro mural fotográfico interativo. Acesse o www.diariosm.com. br e localize na capa do site, à direita ou bem embaixo, o mural “50 anos da UFSM, Orgulho de Santa Maria”. Cada quadradinho é espaço para uma mensagem. Deixe a sua e confira o que outras pessoas contam da ligação que têm ou tiveram com a universidade
expediente Editora-chefe: Andreia Fontana Coordenação e edição: Fabiana Sparremberger Revisão: Andreia Fontana, Thaise Moreira, Marcos Fonseca e Luiz Roese Pesquisa e textos: Andreia Fontana, Carolina Carvalho, Deni Zolin, Fabiana Sparremberger, Fernanda Mallmann, Francisco Dalcol, Homero Pivotto Jr., Jaqueline Silveira, Joanna Ferraz, Lizie Antonello, Lucio Charão, Luiz Roese, Marcos Fonseca, Marilice Daronco, Priscila Abrantes, Ramiro Guimarães, Silvana Silva, Sílvia Medeiros, Tatiana Py Dutra, Thaise Moreira e Vinicius Dias Fotos da capa: Acervo da Casa de Memória Edmundo Cardoso (maio de 1962) e Lauro Alves (19/11/2010) Projeto gráfico: Andreia Fontana Diagramação: Paulo Ricardo Silva e Izaur Monteiro Tratamento de imagens: Douglas Menezes, Gustavo Freitas e Lidiane Marques Fone: (55) 3220-1851
O nosso presente
A
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) é tão ou mais conhecida do que a própria cidade de Santa Maria. E seu meio século merece uma homenagem em grande estilo. Com essa intenção na cabeça e considerando o cinquentenário da universidade como a principal aposta do jornalismo do Diário de Santa Maria em 2010, a Redação começou a planejar o seu presente para a cinquentona que tantas vidas modificou desde seu nascimento, em 14 de dezembro de 1960. Ainda em maio, nossos jornalistas começaram a trabalhar no projeto. O Diário mobilizou toda a sua equipe para trazer aos seus leitores 50 homenageados que fizeram ou fazem parte da história da primeira instituição de Ensino Superior fora das capitais. Para chegar aos nomes, em junho, foi formada uma comissão de representantes da UFSM para escolher quem seriam os retratados. O grupo é formado por representantes da Reitoria, dos estudantes, dos professores, dos servidores, da família do fundador da instituição e por uma especialista na história da Federal. São eles: ✦ Representantes da Reitoria: Jorge Cunha e Luciana Mielniczuk ✦ Representante dos estudantes: José Luis Zasso ✦ Representante dos professores: Rondon de Castro ✦ Representante dos servidores: Eloiz Guimarães Cristino ✦ Representante da família do fundador: Eugenia Mariano da Rocha Barichello ✦ Especialista em história da UFSM: Neida Regina Ceccim Morales Após uma reunião da comissão, de várias conversas telefônicas e trocas de e-mails, o segundo encontro da comissão definiu quem seriam os
50 homenageados. A segunda etapa do trabalho começou no final de julho. Todos os nossos repórteres e editores se envolveram em pesquisas e entrevistas para traçar o perfil dos 50 personagens que preenchem as páginas desta revista. Depois de prontos, todos os textos foram conferidos por um especialista no assunto, por um familiar ou pelo próprio retratado, como um compromisso com a informação que o jornal sempre busca ter – a cobrança é ainda maior em relação a produtos que devem virar fonte de consulta permanente para seus leitores. Em seu trabalho, a equipe contou com a colaboração decisiva e incansável de dois guardiões da história da UFSM: a professora Eugenia Mariano da Rocha Barichello e o professor aposentado Luiz Gongaza Isaia, o primeiro administrador da universidade, que registrou a trajetória da instituição no livro UFSM – Memórias. A eles, nosso muito obrigado pela cooperação. Também à Base Aérea de Santa Maria, que nos propiciou um voo de helicóptero para dois dos nossos fotógrafos registrarem as imagens aéreas da cinquentenária, como a que está publicada na capa desta revista. Foram quase oito meses de muito trabalho, não apenas de nossos jornalistas, mas também de nossas equipes das áreas Administrativa, Comercial e Circulação. Além dos homenageados, esta revista traz a história da universidade, desde o primeiro sonho, do reitor-fundador José Mariano da Rocha Filho, as conquistas do presente recente e as projeções para o futuro, que promete ser de muita prosperidade. Que em alguma linha, de um ou mais destes 50 personagens, você também se sinta homenageado. Afinal, a UFSM faz parte da vida de todos nós, que moramos no coração deste Rio Grande.
UFSM 50 ANOS ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
TERÇA-FEIRA, 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ PÁGINA 3
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UFSM 50 ANOS ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
Meio século de conquistas na educação
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40 mil diplomas têm esse nome
Servidora do DCE há 22 anos
A UFSM fez, faz ou fará parte da vida de cada um dos habitantes do Coração do Rio Grande. E o seu meio século de vida merece ser contado de forma especial. Por meio de 50 personagens que fizeram parte destes primeiros 50 anos de uma bela história, sinta-se também homenageado. Boa leitura.
Cezar Schirmer
16 a 55
50 personagens desta história
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Adão Londero Um dos primeiros motoristas
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Adayr Ilha
De auxiliar de pedreiro a professor doutor
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3
Adelmo Genro Filho Um dos criadores da tradicional Feira do Livro
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O primeiro assessor de imprensa da universidade
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Alberto Londero
Precursor nos estudos em micologia no país
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Deisy Ventura
Ex-aluna e uma das maiores especialistas em direito internacional
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Derblay Galvão
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O reitor da urbanização do campus
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Berenice Corsetti
A primeira presidente da Sedufsm
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14
Armando Vallandro
Reitor que regionalizou o Hospital Universitário
Aluno que cursou duas vezes a mesma graduação
Reitor após dois mandatos como vice-reitor
Antônio Abelin
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Dom Antonio Reis
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Bispo decisivo na criação da universidade
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17
Ernesto de Deus
O primeiro ecônomo do Restaurante Universitário
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Evaldo Behr
Clovis Lima
19
Elizete Coden
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Clodomiro Bertoldo
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Anna e Artur Primavesi
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5 Um casal austríaco de fortes raízes na Agronomia
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A UFSM hoje e amanhã
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O prefeito que teve sua base política na universidade
6 a 11
A UFSM ontem
Cezar Flores
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Um dos quatro doadores da área para construir o campus
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Felipe Müller O atual reitor da UFSM
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Fernanda Taschetto
A primeira funcionária cega da instituição
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Frederico Richter
O fundador da Orquestra Sinfônica de Santa Maria
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Geraldo Maissiat
Diretor-fundador do hoje Centro de Artes e Letras
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Gilberto Benetti O primeiro reitor escolhido pelo voto
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Helios Bernardi Segundo reitor e responsável pela implantação da infraestrutura do campus
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Irmã Consuelo Religiosa que ajudou na criação da universidade
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José Basilio da Rocha Netto Engenheiro que coordenou as obras do campus
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J. Bicca Larré
Jornalista que registrou a luta para criar a universidade
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José Mariano da Rocha Filho
O reitor-fundador recebe a maior das homenagens
38 e 39
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Luiz Gonzaga Isaia Primeiro administrador da universidade e guardião da história
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42
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Odilon Marcuzzo do Canto
O reitor que implantou o Peies
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Criador do Instituto da Fala e fundador do curso de Fonoaudiologia
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Richard Wasicky
Oscar Valdetaro
Arquiteto venceu concurso para projetar o campus
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O sábio de Viena passou pela universidade
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Romeu Beltrão
Paulo Marchiori Buss Ex-aluno que presidiu duas vezes a Fiocruz
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O líder estudantil que virou deputado federal
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Sebastian Benda
Um músico reconhecido no mundo inteiro
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Sérgio Pires
Reinaldo Cóser
Paulo Pimenta
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O zelador da terceira idade na universidade
Um dos fundadores da Apusm
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O único reitor reeleito na história da universidade
Professor Juca
Noli Brum de Lima
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Paulo Sarkis
Luta sem fronteiras pela universidade solidária
Mais de 30 anos de dedicação à Economia
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Professor Bira
Maria Wardereza Schmidt
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Lia Achutti
Fundadora da Escolinha de Artes, projeto inédito no país
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Professor e pesquisador da história e da cultura de Santa Maria e região
50
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Um dos fundadores da Sedufsm
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Silvana Leal Fagundes
Na luta por projetos aos alunos com deficiência visual
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Tabajara Gaúcho da Costa
Reitor que trouxe o supercomputador
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Tarso Dutra
Político decisivo para a instalação da universidade
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Vitor Schuch
As mãos dele levaram a UFSM a outras cidades
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50
Waldir Pereira
Ruy Bessa
Guardião da memória do reitor-fundador
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Referência nacional e internacional na luta contra o câncer
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UFSM 50 ANOS ✦ ONTEM, HOJE E AMANHÃ ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
DEPARTAMENTO DE ARQUIVO GERAL DA UFSM
Nasce a universidade
A foto acima revela a Cidade Universitária da década de 1970. Na página ao lado, uma imagem feita exatamente do mesmo ângulo mostra o quanto a instituição cresceu
I
magine se a região de Camobi não tivesse hoje o campus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Seus 1.837 hectares de terra e toda a área entre a cidade e o campus ainda seriam, talvez, um descampado, com criação de gado ou lavouras. E imagine então Santa Maria sem a Federal. Vá um pouco além e pense nas milhares de pessoas que tiveram suas vidas mudadas graças a tudo o que aprenderam na universidade. Sem a UFSM, o que teria sido delas? Como e onde estariam hoje? Teriam ido para longe para continuar estudando ou teriam interrompido o sonho de fazer faculdade? Realmente, a importância da UFSM para o desenvolvimento de Santa Maria, do Estado e do país vai muito além do espaço físico do campus. Na verdade, o espírito da universidade está presente na vida de pelo menos 60 mil pessoas que passaram por seus
bancos nesses 50 anos de história, festejados hoje. Além disso, a influência da universidade ultrapassa as divisas do Rio Grande do Sul, já que a UFSM foi a pioneira na interiorização do Ensino Superior no Brasil – foi a primeira a ser criada fora de capitais – e influenciou na criação de outras tantas universidades país afora. Mas o que fez o conhecimento e o saber florescerem em Santa Maria? O idealismo de José Mariano da Rocha Filho, conhecido como Marianinho, e o apoio de diversas pessoas que batalharam por essa ideia ou que ajudaram a construir a Federal. A universidade não nasceu por acaso. Na verdade, foi fruto de três décadas de luta, iniciada nos anos 1930. O primeiro curso de Ensino Superior de Santa Maria, o de Farmácia, foi criado em 1931, pela Sociedade de Medicina de Santa Maria, cujo presidente era Francisco Mariano da Rocha, tio do fundador da UFSM.
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dos sonhos de Mariano
FERNANDO RAMOS – 19/11/10
O também médico José Mariano da Rocha (pai de Marianinho) estava entre os fundadores da Faculdade de Farmácia, que era Escola Livre e ficou 14 anos sem pagar os professores. A faculdade não cobrava dos alunos, funcionava em um prédio cedido por Custódio de Moraes Chaves, e os docentes tinham apenas a garantia de que, um dia, receberiam o pagamento pelos serviços prestados. Em 1945, Marianinho assumiu a Faculdade de Farmácia, que estava endividada e tinha só cinco alunos. Foi então que ele pensou na ideia de anexar a instituição à Universidade de Porto Alegre, que era estadual. Em 1947, ele conseguiu que fosse incluído na Constituição Estadual um artigo que transformava a Universidade de Porto Alegre em Universidade do Rio Grande do Sul (URGS), por meio da anexação das faculdades livres de Santa Maria e Pelotas. Havia resistência por
parte da administração da Universidade de Porto Alegre e, em 1948, quando uma Lei Estadual determinou a anexação, o reitor Armando Câmara renunciou. Foram três anos de luta até que as faculdades do Interior conseguiram fazer parte da URGS, federalizada em 1950. Marianinho, como diretor da Faculdade de Farmácia, passou a integrar o Conselho Universitário da URGS, o que foi decisivo para, mais tarde, criar o curso de Medicina em Santa Maria. Em 1949, Marianinho já discursava sobre os planos de criar uma universidade no centro do Estado para interiorizar o ensino: – Devemos assim assentar bases para o futuro, construindo o alicerce sobre o qual surgirão os institutos indispensáveis à formação da futura Universidade de Santa Maria (USM). Não mais profetiza quem vê em nossa cidade a localização futura de um centro universitário – disse Mariano da Rocha Filho.
Megafoto do campus No site do Diário, você pode conferir uma megafoto panorâmica do campus da UFSM, feita do alto do prédio da Reitoria. O internauta consegue localizar, com detalhes, cenários a partir do prédio da Administração Central até o Hospital Universitário (Husm)
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m 14 de março de 1948, foi fundada a Associação SantaMariense Pró-Ensino Superior (Aspes) – que deu origem à Fundae, criada em 1978 –, entidade que reunia as principais lideranças da cidade, como o prefeito e o bispo diocesano. A Aspes foi idealizada pelo próprio Marianinho, que foi seu primeiro presidente. Com era uma entidade apartidária, a Aspes teve mais força e foi fundamental para unir energias em apoio à criação de novas faculdades na cidade e à fundação da UFSM. De 1953 a 1955, a Aspes, dirigida por Marianinho, liderou as iniciativas para a criação da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas, mantida pela Congregação dos Irmãos Maristas, e também da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Imaculada Conceição e da Escola Superior de Enfermagem (FIC/Facem), ambas comandadas pelas irmãs franciscanas. As entidades religiosas aceitaram os pedidos da Aspes e da comunidade para atuarem como mantenedoras dos cursos. Foi nessa época que ocorreram outros fatos emblemáticos na trajetória que culminou com a criação da UFSM. Em 1952, Mariano mostrou uma planta do futuro edifício da Faculdade de Farmácia de Santa Maria (atual prédio da antiga reitoria, na Rua Floriano Peixoto) ao então reitor da URGS, Alexandre Martins da Rosa. O reitor aceitou tocar a obra, mesmo tendo percebido que o prédio era muito grande para abrigar só uma faculdade e de ter notado que Mariano queria erguer um edifício com espaço para criar também a faculdade de Medicina. Além disso, em 1953, Mariano foi indicado para compor a lista tríplice para reitor da URGS, mas renunciou em favor de Elyseu Paglioli, seu ex-professor e amigo. Um ano depois, Paglioli acabou retribuindo Mariano, no episódio que ficou conhecido como o dos excedentes de Medicina da URGS. Como havia cem vagas em Porto Alegre, mas 151 tinham sido aprovados, os 51 excedentes levantaram um movimento pela ampliação do número de vagas. Depois de dias de negociações, o reitor Paglioli rejeitou propostas de curso noturno, mas acabou consentindo com a ideia levantada por Mariano, de criar um curso de Medicina junto à Faculdade de Farmácia de Santa Maria, aproveitando parte dos professores e da estrutura existente. Então, em abril de 1954, com a presença decisiva de Mariano no Conselho Universitário, a URGS aprovou a criação do curso de Medicina no Coração do Rio Grande, para abrigar os aprovados excedentes. Em 19 de maio daquele ano, as aulas começaram. Os esforços de Mariano, com apoio da comunidade, feitos a partir de 1945, deram resultado. Em menos de uma década, o ensino universitário foi ampliado em Santa Maria. Mesmo antes da criação da UFSM, a cidade já era pioneira, com o curso de Medicina tendo instalado o primeiro sistema fechado de TV da América Latina a ser usado para dar aulas de cirurgia aos alunos, além de ter comprado o segundo microscópio eletrônico do país, graças a uma campanha da Aspes junto à comunidade de toda a região. Para completar, em 1959, houve ainda a criação da Faculdade de Direito, também mantida pelos irmãos maristas. Poderia ter parado por aí, mas Mariano, a Aspes e seus companheiros seguiram em frente.
Unidos pelo FOTOS: REPRODUÇÃO DO LIVRO A TERRA, O HOMEM E A EDUCAÇÃO, DE JOSÉ MARIANO DA ROCHA FILHO
1 O lançamento da pedra fundamental da primeira construção da universidade foi em 1952 (foto 1). Em 1957, o professor Mariano apresenta pela primeira vez ao presidente Juscelino seus planos para a universidade (2), acompanhado do reitor da URGS, Elyseu Paglioli. Mariano comemora a criação da UFSM ao descer de avião (3) e, no mesmo ano, lança o marco fundamental da Cidade Universitária (4)
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O grande salto: a UFSM
Ensino Superior 3
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Tudo indicava que a Universidade de Santa Maria (USM) estava prestes a nascer. No final da década de 1950, Mariano e o deputado federal Tarso Dutra articulavam a busca de verbas públicas para construir o Centro Politécnico de Santa Maria, que projetava 13 prédios e se assemelhava à estrutura do atual campus. Mas esse projeto, que era da Aspes e tinha sido aprovado em junho de 1958, previa prédios só para cursos em áreas como eletrotécnica, mecânica, física, hidráulica e arquitetura, e contava já com residências estudantis e planetário. O esboço havia sido feito a partir do que Mariano viu em suas viagens, durante todo o ano de 1953, por renomadas universidades da Europa e dos Estados Unidos, e que serviu de inspiração para a criação da USM. Em 1957, Marianinho apresentou o projeto de criação da universidade ao então presidente da República Juscelino Kubistchek. Em 1959, em uma área doada à Aspes pelas famílias Behr e Tonetto, em Camobi, começou então a obra do Instituto Eletrotécnico, que foi o primeiro prédio do Centro Politécnico. O bloco central (um terço do atual prédio do Centro de Tecnologia) já estava pronto quando a USM foi criada, em dezembro de 1960. A intenção era fundar a universidade ainda no governo do Juscelino, que era favorável e adepto da ideia de interiorizar o Ensino Superior. Porém, havia grande resistência nas universidades federais e de parlamentares do Congresso Nacional. A maneira encontrada por Mariano e seu grande amigo Tarso Dutra foi colocar a criação da Universidade de Santa Maria no mesmo projeto de lei enviado à Câmara dos Deputados que criava a Universidade de Goiás. Como Santa Maria já estava preparada para receber uma universidade, pois tinha várias faculdades, foi a solução possível no contexto da época e teve o apoio fundamental de Tarso Dutra e Juscelino. A emenda à Lei 3.834-C foi feita e aprovada pela Câmara dos Deputados, em 14 de dezembro de 1960. O sonho de Mariano virava realidade. O presidente JK assinou a lei em 18 de dezembro, em Goiânia, na presença de Mariano da Rocha Filho, do prefeito de Santa Maria Miguel Sevi Vieira, dos representantes dos Diretórios Acadêmicos e de outros integrantes da comitiva que saiu do Coração do Rio Grande para o ato. Na prática, a USM teve sua instalação e o início das aulas em 18 de março de 1961, no Cine-Teatro Glória, com diversas solenidades comandadas pelo primeiro reitor José Mariano da Rocha Filho. Durante a festa, até a Esquadrilha da Fumaça escreveu a sigla USM no céu da cidade. – A USM, a nova universidade, centro de estudos das exigências da nação, deve examinar profundamente a estrutura atual do ensino. Não só do ensino universitário, mas do ensino médio e primário que lhe serve de base. A Universidade de Santa Maria será uma alavanca do progresso de sua região e do país – discursou Mariano, durante a instalação da USM, naquele dia histórico para Santa Maria e para o país, com o começo da primeira universidade brasileira fora de capitais.
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UFSM 50 ANOS ✦ ONTEM, HOJE E AMANHÃ ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
A Chegou um momento em que mais de 1,2 mil operários trabalhavam nas obras do campus. Na foto do Departamento de Arquivo Geral da UFSM, de 1964, o início da construção da Biblioteca Central
euforia se misturava à preocupação e aos planos, afinal, havia muito a ser feito. O professor Luiz Gonzaga Isaia, que dirigiu a Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas e foi um dos braços direitos de Mariano na Aspes, lembra que, para erguer cada prédio do campus, era preciso lutar por verbas. – Quando se conseguia o dinheiro, a Aspes doava aquela fração de terra ao governo para erguer o prédio. Chegou um momento em que havia 1,2 mil homens trabalhando nas obras do campus. O volume de brita necessário era tanto que a Aspes teve de comprar uma britadeira e instalá-la em uma área na subida da serra – recorda Isaia, ao comentar que a Aspes também montou uma olaria para fabricar os tijolos e uma marcenaria no campus para construir esquadrias e boa parte dos móveis da universidade. A ampliação foi gerando novos prédios, novos cursos, novos alunos. No início dos anos 70, boa parte dos prédios do campus já estava em pé – nem todos finalizados. Até hoje, o sonho de Mariano não está completo. Alguns edifícios previstos no projeto do campus não foram construídos. Inclusive, o próprio viaduto na avenida principal ficou pela metade, com apenas um
dos lados. Para completar, o projeto original previa um grande lago que passaria por baixo do viaduto e que ficou só nos planos, pois, na época, foi considerado mais importante construir os prédios do que fazer o lago. A parte visível da UFSM inclui prédios com um total de 273 mil metros quadrados de área construída no campus e 22,2 mil metros quadrados na cidade, segundo levantamento de dezembro de 2008 – os edifícios correspondem a uma área coberta de mais de 30 campos de futebol. Mas a UFSM é muito maior que seus prédios. A universidade está presente, por exemplo, nas milhares de vidas salvas pelos médicos, enfermeiros e outros profissionais formados por ela. A UFSM também pode ser vista nas pesquisas e nos trabalhos de extensão que melhoraram as condições de vida – sociais e econômicas – de muitos gaúchos e brasileiros. Afinal, a educação é uma alavanca do desenvolvimento, como dizia Mariano. Hoje, quando a UFSM completa 50 anos, com certeza, muita gente deve parar e aplaudir – em agradecimento – o idealismo de Mariano e a luta de milhares de pessoas que ajudaram a construir o primeiro meio século de história da nova universidade.
A batalha para
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Como surgiu o ideal da UFSM ■ 1931 – Criada a Faculdade de Far- Armando Câmara, renunciar ao cargo mácia, pela Sociedade de Medicina de em janeiro de 1949 Santa Maria ■ 1952 – Mariano da Rocha lança a ■ 1945 – José Mariano da Rocha Filho pedra fundamental da primeira consé eleito diretor da Faculdade de Farmá- trução da UFSM (prédio das Faculcia de Santa Maria e começa luta pela dades de Farmácia e Medicina, atual incorporação da instituição à Universi- Centro de Ciências Sociais e Humanas da UFSM, na Rua Floriano Peixoto) dade do Rio Grande do Sul (URGS) ■ 1948 – Em maio, é criada a Associação Santa-Mariense Pró Ensino Superior, Aspes, sendo José Mariano da Rocha Filho seu primeiro presidente. Em dezembro, por meio de lei sancionada pelo governador Walter Jobim – que era santa-mariense por adoção –, a Faculdade de Farmácia é incorporada à URGS, o que faz o reitor da URGS,
■ 1953 – Mariano viaja para os Estados Unidos e para a Europa, onde visita as principais instituições de Ensino Superior e começa a escrever o livro USM, a Nova Universidade, que contém o projeto fundador
contando com os alunos excedentes da URGS. São autorizadas as criações da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas (mantida pelos irmãos maristas) e da Faculdade de Filosofia (que tinha como mantenedoras as irmãs franciscanas) ■ 1959 – A Aspes consegue autorização para o funcionamento da Faculdade de Direito, dos irmãos maristas
■ 1960 – Em 14 de dezembro, é criada a Universidade de Santa Maria (USM), que passou a se chamar UFSM em 1965. A USM reuniu as faculdades existentes na cidade. Só as faculdades das irmãs franciscanas acabaram, mais tarde, desligan■ 1954 – É autorizado o funcionamento do-se da USM, dando origem ao atual do curso de Medicina em Santa Maria, Centro Universitário Franciscano (Unifra)
erguer o campus
“Para combater as trevas, nada melhor do que acender uma luz. E a Universidade de Santa Maria aí está vitoriosa, ninguém mais poderá destruíla, como um foco brilhante de luz a iluminar o caminho de nossa pátria no sentido da democracia, a única compatível com a dignidade do homem.” José Mariano da Rocha Filho, em agosto de 1962
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50 NOMES QUE MARCARAM A HISTÓRIA DA UFSM ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
FOTO AÉREA DO PLANETÁRIO FEITA NO FINAL DA DÉCADA DE 1980 POR HELMUTH STAGGEMEIER/ACERVO DO ARQUIVO HISTÓRICO DE SANTA MARIA
Após meio século de existência, a UFSM abriga 14 vezes mais alunos nos cursos de graduação, e o número de vagas aumentou oito vezes. Na época da fundação, eram três cursos. Hoje, são cem
É
um salto ainda em andamento. O ponto de partida foi em 1960, mas seus desdobramentos parecem ter efeitos multiplicadores que remetem aos ideais olímpicos – “mais rápido, mais alto, mais forte”. Nem sempre vertiginosos, mas sempre consistentes, os movimentos que fizeram do crescimento da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) um fato podem ser expressos em números. Depois de meio século de vida, a instituição abriga hoje 14 vezes mais alunos em cursos de graduação do que em sua fundação, e o número de vagas cresceu oito vezes desde então. Se eram três os cursos inaugurais, hoje são cem, em oito centros universitários. E o campus de Camobi agora não é o único promotor de formação superior. A UFSM abriu seus braços e implantou campi em Palmeira das Missões, Frederico Westphalen e Silveira Martins. A descentralização da universidade não é ideia recente, modernices de fim do século 20. Nos idos de 1960, enquanto implantava a UFSM, José Mariano da Rocha Filho já acariciava a tese da “Multiversidade” – uma universidade com múltiplos campi. Cada campus seria instalado em um local de importância estratégica para a região, e os cursos nele oferecidos teriam relação com a vocação produtiva do lugar. O aquecimento para essa manobra foi a implantação, nos anos 70, de colégios técnicos em Frederico Westphalen, Alegrete, Jaguari, Iraí, São Borja e São Vicente do Sul. E no desejo de ir mais longe, em 1969, a UFSM instalou um campus avançado em Roraima. Essas iniciativas – a maioria já desativadas
Predestinada – serviram como treinamento para o salto que acompanhamos desde 2008. A adesão ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) promoverá a duplicação da UFSM até 2012. Até agora, R$ 39,3 milhões já foram investidos em obras e equipamentos (em agosto deste ano, a universidade tinha 33 prédios em construção), e o orçamento ainda prevê a chegada de outros R$ 27 milhões. Ao todo, são mais de R$ 60 milhões até 2012. Para termos de comparação, o total do investimento do Plano do Aceleração de Investimento (PAC) em Santa Maria é de R$ 128 milhões. A injeção de recursos permitiu a criação de 34 novos cursos e 2.058 vagas de graduação. Tamanho gigantismo fez com que a instituição realizasse, em 2009, sua primeira seleção de inverno, o vestibular extraordinário e, ao que tudo indica, em maio de 2011 haverá o segundo, para o preenchimento de vagas no campus da Unidade Descentralizada de Educação Superior da UFSM. O aumento no número de cursos gerou uma reação em cadeia nas engrenagens que fazem a roda girar: alavancou o número de bolsas de incentivo à pesquisa nos cursos de pós-graduação e, de quebra, obrigou a instituição a contratar 180 servidores, mediante concurso. O corpo docente da UFSM, que já ultrapassa 1,2 mil professores, também ganhou novos membros. Segundo o vice-reitor Dalvan Reinert, no final do ano de 2012, haverá 326 novos professores permanentes e 290 novos servidores – que, hoje, são 2.651 – ajudando a universidade a concluir o salto.
Muitos planos de expansão Arriscar-se para crescer, mas sem perder o equilíbrio. O reitor Felipe Müller garante que os próximos movimentos da UFSM serão frutos de detalhado planejamento: – Expandiremos de forma controlada, com a garantia de que teremos recursos humanos e financeiros para que essa expansão ocorra com qualidade e tranquilidade. Hoje, estamos na fase de consolidação do processo de expansão em Frederico Westphalen e Palmeira das Missões, com a graduação das turmas de Enfermagem, Administração e Jornalismo, e a finalização das obras e equipamentos necessários para a implantação dos cursos do Reuni, bem como as contratações dos recursos humanos que foram pactuados. Ainda que a meta seja a expansão, a qualificação não foi esquecida. Estão nos planos melhorias na estrutura de pósgraduação e de pesquisa – que na prática, já vêm trazendo louros à universidade. Nos últimos cinco anos, a UFSM consta em terceiro lugar nacional em citações na base ISI (um índice de literatura acadêmica). Isso, para a universidade, já é um troféu.
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Ousadia nas formas de seleção
C
om a flexibilidade de um ginasta, a federal também ousou ao implantar iniciativas corajosas e polêmicas, como o Programa de Ingresso ao Ensino Superior (Peies), que permitiu o ingresso de mais de 6,4 mil alunos na universidade sem passar pelo vestibular. O método de seleção consiste em uma avaliação anual, durante os três anos do Ensino Médio, dos alunos de colégios conveniados ao Peies. Esses competiam por 20% das vagas oferecidas pela instituição. Outra decisão que gerou protestos foi a implantação do sistema de reserva de 35% das vagas para alunos negros, portadores de necessidades especiais e egressos da escola pública, além das vagas criadas especialmente para os indígenas aprovados. O programa de Ações Afirmativas seguirá firme e forte nos primeiros anos da segunda década do século 21. Já o Peies está encerrando sua participação no dia a dia da UFSM. Após 15 anos, ele será substituído, até 2012, pelo vestibular seriado. Também feita em três anos, a modalidade difere do Peies por ser aberta a qualquer estudante, mesmo os que já concluíram o ensino secundário. A prova de estreia do seriado ocorrerá em
A gigante em números
janeiro, e será paralela ao modelo de ingresso tradicional, que, a partir do ano que vem, usará a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no cálculo da nota final do concurso. A nova fórmula do vestibular, definida em julho de 2010, também não foi bemaceita por todos. Na reunião do Conselho de Ensino e Pesquisa e Extensão (Cepe), que definiu a mudança no ingresso à universidade, os opositores da proposta – liderados pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) – conseguiram um empate de 18 a 18 votos. Foi o voto de minerva do reitor Felipe Müller que decidiu pela alteração. Segundo avaliação do reitor, à época, experiências como essa são necessárias e esperadas dentro de uma instituição que se quer cada vez mais democrática. E o futuro gera várias expectativas, pois expandir não é uma tarefa fácil. Recentemente, Müller usou as palavras do ministro da Educação, Fernando Haddad, para definir a angústia que acompanha o desejo de mudança: – Vivemos numa sociedade extremamente conservadora. As pessoas desejam revolução desde que não se toque em nada. Você não tem como mudar a realidade de um país sem mexer com as coisas e assumir riscos.
a crescer
LAURO ALVES – 19/11/10
Matriculados em cursos de graduação* 1960 1970 1980 1990 2000 2010
1.003 3.529 8.062 8.831 11.523 14.762
Número de vagas em cursos de graduação** 1961 1970 1980 1990 2000 2010
550 1.355 1.928 1.938 1.857 4.552
*Cursos presenciais no campus de Santa Maria **Cursos presenciais
Número de servidores e professores* Ano 1960 1970 1980 1990 2000 2010**
Docentes 77 589 1.259 1.338 1.389 1.587
Técnico-administrativos 114 657 1.350 2.673 2.399 2.651
* O quantitativo considera apenas dados informatizados. Nem todas as informações de recursos humanos foram informatizadas **Dados referentes ao mês de julho
Cursos de pós-graduação em 2010 Especialização Mestrado Doutorado Pós-doutorado Residência médica
13 cursos 45 cursos 16 cursos 1 16 áreas
Evolução do total de vagas oferecidas a partir do Reuni 2008 2009 2010 2011 2012 2013
2.826 4.264 4.862 4.872 4.882* 4.884*
*Projeções Fontes: Pró-Reitoria de Recursos Humanos, Pró-Reitoria de Planejamento, Pró-Reitoria de Infraestrutura e Departamento de Controle e Registro Acadêmico (Derca)
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UFSM 50 ANOS ✦ ONTEM, HOJE E AMANHÃ ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
A
o que tudo indica, a Universidade Federal de Santa Maria, assim como sonhou Mariano da Rocha, seguirá crescendo até se tornar gigante. Até porque o Plano Nacional de Educação prevê que as instituições sigam crescendo nos próximos anos. Mas o grande movimento da UFSM, de sua fundação até o além, é marcar a vida de quem faz parte dela – mesmo que o cidadão jamais passe por um vestibular ou mesmo por um banco de escola. Isso porque, a cada mês, mais de 15 mil pessoas cruzam o arco da universidade rumo ao Hospital Universitário de Santa Maria (Husm). E, quem diria, esse gigante da saúde deve começar a encolher. A necessidade de criar um hospital-escola surgiu em 1954, quando foi criado um curso de Medicina em Santa Maria, vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mas sua primeira sede foi o prédio destinado ao Hospital Regional de Tuberculose, na Rua Floriano Peixoto (até hoje conhecido como Antigo Hospital Universitário). A mudança para o campus ocorreu em 1982, determinando um processo de expansão que terminou por fazer do hospital-escola uma referência regional em serviços de alta complexidade em especialidades como traumatologia, cardiologia e neurocirurgia da 4ª e da 10ª Coordenadorias Regionais de Saúde (CRS), totalizando quase 50 municípios da Região Central e Fronteira. Nas áreas de hematologia e oncologia pediátrica, o Husm atrai pacientes de todo o Estado. É no dia a dia que o hospital faz a diferença. Única referência em politraumatismo e outras emergências cirúrgicas em sua área de abrangência – que tem um público potencial de mais de 1 milhão de pessoas – o Pronto-Socorro Regional do Husm é esperança de salvação para quem se equilibra entre a vida e a morte. São 4,6 mil atendimentos de urgência e emergência por mês, em média, além das cerca de 500 consultas mensais aos pacientes que preferem ser atendidos no local. Por ser uma das principais portas de entrada de pacientes da instituição, o PS acaba por expor sua fragilidade. Não raro, a unidade fecha as portas por falta de leitos. São 24 ao todo. Dali, os pacientes são encaminhados para os 303 leitos de internação. Mais de 1,3 mil profissionais – entre médicos, enfermeiros, técnicos e servidores administrativos – trabalham no local. O número de trabalhadores é deficitário em relação ao volume de pacientes que recorrem à unidade de saúde. Tanto que, há cinco anos, leitos chegaram a ser fechados por falta de quem os atendesse, e o Husm teve de recorrer à terceirização para servir a sua clientela. A infraestrutura de prédio e os equipamentos também dão sinais de defasagem, exigindo reestruturação e reformas que a direção do hospital garante que estão por vir. Porém, a cirurgia plástica no gigante deve vir acompanhada de uma mudança em seu estilo de vida. O Husm vai voltar a olhar para si e para sua vocação inicial, a de hospital-escola, dirigido a Ensino, Pesquisa e Extensão. Assim, no futuro, o Husm será um pouco menos hospital e um pouco mais escola.
Aqui se
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UFSM 50 ANOS ✦ ONTEM, HOJE E AMANHÃ ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA LAURO ALVES – 13/10/10
O Husm hoje Área construída
30 mil m2 Leitos
303
Ambulatório
67
Especialidades
38
Fluxo diário de pessoas
5 mil
Funcionários
1.309
médicos
175
enfermeiros
193
outros
941
Contratos via Fatec
140
Professores
152
Terceirizados
364
Residentes médicos
112
Programas de residência médica
25
Internações/mês
1,1 mil
Cirurgias/mês
500
Nascimentos/mês
153
Consultas especializadas/mês
9.575
Consultas pronto-socorro/mês
500
Exames diagnóstico e tratamento/mês
65.687
salvam vidas
Exames laboratório de análises clínicas/mês
43.561
Fontes: 4ª e 10ª CRS
UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA JEAN PIMENTEL – 15/09/10
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Adão Silvino Londero
O motorista do reitor-fundador
Nascido em 7 de março de 1936, Adão Silvino Londero foi um dos primeiros motoristas da universidade e trabalhou, durante quatro anos, com o reitor José Mariano da Rocha Filho. Por 14 anos, chefiou o setor de transportes da UFSM. Morreu no último 21 de novembro
A
trajetória de vida de Adão Silvino Londero, 74 anos, confunde-se com a da UFSM. Londero, que trabalhou 25 anos na universidade, concedeu esta entrevista ao Diário em setembro, e acabou morrendo dois meses depois, no dia 21 de novembro, vítima de complicações na ponte de safena que colocou em 2008. O motorista lembrou com saudade e com os olhos marejados dos tempos da Federal. A história de Londero na instituição começou a ser escrita em janeiro de 1965. Apadrinhado pelo então professor Antônio Abelin, sua primeira função foi a de motorista de caminhão-caçamba. Ele lembrou que a rotina era puxada – a jornada começava às 6h e se estendia até as 21h. À época, os canteiros de obra no campus da Federal ferviam, e a principal tarefa de Londero era levar areia para as construções. Em fevereiro de 1966, um concurso para motorista na UFSM foi a chance de Londero se tornar um servidor concursado. O estudo incessante nas horas de folga – e até nos raros intervalos no trabalho – valeu a pena: ele passou em terceiro lugar geral e, após nomeado, foi designado para trabalhar na Reitoria. Em 1966 e 1967, Londero atuou como motorista no conhecido “garajão”, nos fundos do prédio da Reitoria, com entrada pela Rua Astrogildo de Azevedo. O lugar abrigava, à época, 11 ônibus e 15 caminhonetes. Em 1968, com a saída de um motorista, Londero começou a trabalhar com o reitor José Mariano da Rocha Filho. Já na primeira semana, teve a missão de levar o reitor a Porto Alegre. Ao longo de quatro anos de convivência – trabalhou com o reitor até fevereiro de 1972 –, Londero e Mariano se tornaram grandes amigos. O motorista aposentado lembrou, com orgulho, que conduziu nomes conhecidos, como Luís Fernando Cirne Lima, que foi ministro da Agricultura, e Jarbas Passarinho, que foi ministro da Educação. – Eu levava Mariano a todos os lugares, na hora que precisasse. Na época, ele era o único reitor do Interior. O reitor andava por todas as obras do campus, com um gravador, gravando todas as considerações dele. Tinha muita admiração por ele. Ele sempre me dizia que, mais que o motorista dele, eu era amigo dele e da família – contou Londero. Londero passou 18 anos no setor de transportes da UFSM – 14 deles como chefe do setor, cargo que exerceu até a aposentadoria, em 1990. Ele testemunhou a mudança do “garajão” para o campus, em 1975, e a evolução e o crescimento da Federal.
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UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
Na construção do conhecimento Adayr da Silva Ilha começou a atuar na UFSM como auxiliar de pedreiro na construção do campus. Trabalhou por 10 anos como servidor e, hoje, doutor em Economia, é professor do Departamento de Ciências Econômicas. Nasceu em 25 de maio de 1945
JEAN PIMENTEL – 10/09/10
Q
uantos dos professores que a UFSM possui hoje podem se orgulhar de ter participado, efetivamente, da construção da instituição que, neste ano, completa 50 anos? Adayr da Silva Ilha pode. O professor do Departamento de Ciências Econômicas teve seu primeiro contato com a UFSM em 1961, quando tinha só 15 anos. Recém chegado de Dilermando de Aguiar, Adayr foi chamado pelo pai, Adair Ilha, para trabalhar no grande canteiro de obras que ganhava corpo no Coração do Rio Grande: a UFSM. O garoto, que já tinha experiência como colocador de parquê, passou a atuar como auxiliar de pedreiro. Na época, o hoje doutor em Economia Adayr da Silva Ilha, talvez, nem fizesse ideia da importância que aquela universidade que nascia teria na sua vida. – A gente estava no trabalho e, de repente, chegava o doutor Mariano (fundador da UFSM). Vinha conversar, isso era muito legal. Fazíamos churrasquinhos aos finais de semana, e ele participava. Tudo ainda informal, todo mundo se conhecia na universidade – lembra o professor. Mas Adayr Ilha não atuou muito tempo como pedreiro da UFSM. Já em 1962, foi convidado para ser office-boy da secretaria do curso de Medicina. Três anos depois, após servir ao quartel, participou do primeiro concurso público para técnico-administrativo da UFSM e retornou ao curso de Medicina, dessa vez como atendente. A convivência mais próxima com doutorandos e doutores durou até 1975, quando, recém graduado em Economia pela UFSM, passou no concurso e tornou-se professor. Na época, ele recebia mais como secretário do que como docente. Mas já tinha a visão de que, como professor, teria um futuro melhor. Começava ali uma nova etapa de Adayr da Silva Ilha na UFSM, agora na docência. Em 1982, ele se tornou mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e, em 1988, concluiu o doutorado na Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais. Adayr da Silva Ilha foi chefe do Departamento e coordenador do curso de Ciências Econômicas, além de ter comandado o Mestrado de Integração Latino-Americana (Mila) por cinco anos. Em 2001, mais um desafio: ele concorreu ao cargo de vice-reitor ao lado da professora Nilza Zampieri. A chapa ficou em terceiro lugar na disputa, mas, para Adayr Ilha, essa experiência foi tão enriquecedora quanto todas as outras porque, segundo ele, possibilitou conhecer melhor a UFSM. Como se Adayr Ilha ainda tivesse algo para conhecer da instituição que ajudou a construir ao longo de cinco décadas.
Adayr Ilha
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UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
A
inda faltavam 13 anos para a UFSM nascer. Lá no longínquo 1947, o médico Alberto Thomaz Londero já lecionava nos bancos escolares para os alunos de Zoologia e Parasitologia, da então Faculdade de Farmácia de Santa Maria. Até a criação da UFSM, em 1960, Londero foi professor dos cursos de Farmácia e Medicina. De 1961 a 1970, foi diretor do Instituto de Parasitologia e Micologia da UFSM. Nos três anos seguintes, dedicou-se à missão de professor do mestrado em Biodinâmica e Produtividade do Solo. Isso sem contar os inúmeros cargos e títulos que o médico arrecadou com o decorrer dos anos. Londero, que se formou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é considerado um dos pais em estudos sobre micoses no Brasil. A micologia e a parasitologia eram suas especialidades. A elas, dedicou nada menos que quatro pós-graduações. Estudos esses que o levaram, anos depois, a palestrar em cursos na Costa Rica – durante quatro edições –, promovidos pela Organização Panamericana de Saúde (OPS). O santa-mariense ainda ministrou palestras em outros três países, além de em mais de 40 universidades no Brasil. Por seis anos, foi assessor temporário da Organização Mundial da Saúde (OMS), levando o nome de seus trabalhos e o da UFSM para diversos cantos do mundo. Londero ainda atuou como pediatra por muitos anos, tendo um consultório médico em sua residência, na Avenida Rio Branco. Em Santa Maria, nas dependências do
quinto andar do Hospital Universitário (Husm), o doutor Londero é sempre lembrado como um dos maiores incentivadores da instalação do serviço de pneumologia do hospital, que atende hoje mais de 90 cidades da Região Central. Descendo algumas escadas, no terceiro andar, é possível encontrar o Auditório Dr. Alberto Thomaz Londero. No curso de Medicina, ele é reconhecido pelos estudantes como um dos fundadores do Programa de Residência em Pneumologia da UFSM. – O legado do doutor Londero ultrapassa as fronteiras de Santa Maria. Sempre foi muito reconhecido no país. Convivi com ele por 20 anos, e ele é um orgulho para o Estado – conta o médico José Wellington Alves dos Santos, que é professor do curso de Medicina da UFSM. Descendente de italianos, o médico ainda foi membro de sociedades médicas internacionais de micologia e parasitologia, além de ser professor visitante da Universidade do Kansas, nos EUA, e da Universidade da Costa Rica, na América Latina. Da UFSM, Londero é professor emérito e se aposentou em 1986. Londero deixou a carreira acadêmica em Santa Maria, mas seguiu até 1998 como pesquisador e professor de graduações e mestrados em diferentes universidades no Brasil. Foi um dos fundadores da Academia SulRiograndense de Medicina, dono da cadeira número 5, que antes pertenceu ao doutor Astrogildo de Azevedo, que hoje dá nome ao Hospital de Caridade de Santa Maria. EDUARDO MOOJEN, ARQUIVO PESSOAL
Professor da UFSM por 26 anos, é considerado um dos pais em estudos sobre micologia (doenças causadas por fungos) no Brasil. Foi diretor do Instituto de Parasitologia e Micologia por quase uma década e ajudou a criar o Serviço de Pneumologia do Husm. Alberto Thomaz Londero nasceu em 3 de junho de 1921 e morreu em 26 de agosto de 2003
Alberto Londero
Um idealismo sem fronteiras ACERVO DANIEL HERZ/DIVULGAÇÃO
Pai dos estudos em micologia
Adelmo Genro Filho nasceu em 25 de dezembro de 1951 e morreu, aos 36 anos, em 11 de fevereiro de 1988. Ficou conhecido por seu idealismo durante a graduação em Jornalismo da UFSM. Ajudou a criar a Feira do Livro de Santa Maria e iniciou sua carreira política na cidade
Adelmo Genro Filho
O
descontentamento e o desejo de mudança são características comuns aos jovens. Porém, alguns ficam conhecidos quando acrescentam a esses sentimentos um senso ideológico forte e bem-embasado e a urgência de querer construir um mundo mais justo. Foi por ser um homem com essas atribuições que Adelmo Genro Filho garantiu sua importância na trajetória da UFSM e na história de Santa Maria. Nascido em 25 de dezembro de 1951, em São Borja, fez parte da primeira turma de Jornalismo da instituição, que recebeu o diploma em 1975. Nas aulas, conforme colegas, era uma pessoa que sempre defendeu seu posicionamento com argumentos fortes e convincentes, protagonizando, muitas vezes, discussões acaloradas. Era o indício de seu ativismo político, sempre ligado à esquerda. – Ele acreditava realmente no comunismo. Foi uma das pessoas mais idealistas que eu já conheci, e me fez crescer muito. O Adelminho conseguia discutir, divergir e ser amigo ao mesmo tempo – lembra a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM e filha do reitor-fundador, Eugenia Mariano da Rocha Barichello. Foi nos bancos da faculdade que conheceu a primeira mulher, Letícia Pasqualini. Com ela, teve duas filhas – Júlia e Bruna. Depois, acabou separando-se e casando-se com Márcia Soares, com quem viveu até o fim da vida. Ainda no meio acadêmico, foi um dos idealizadores da 1ª Feira do Livro de Santa Maria, que deu origem ao evento que ocorre
até hoje na Praça Saldanha Marinho. A construção de uma consciência política crítica veio de berço. O pai, Adelmo Genro, foi vice-prefeito de Santa Maria pelo PTB e cassado pelo golpe militar de 64. Sua mãe, Elly, também tinha uma linha ideológica ligada aos movimentos de esquerda. Seu irmão Tarso Genro, primeiro governador do Rio Grande do Sul eleito ainda no primeiro turno, começou cedo na militância. Além de Tarso, teve outros quatro irmãos: Carlos Horácio, Julia, Suzana e Maria Elly. No Coração do Rio Grande, Adelminho, como ficou conhecido, organizou um grupo informal de marxistas no fim da década de 70 que, posteriormente, deu origem a uma das correntes de pensamento do PT. Por aqui, também se elegeu vereador pelo MDB, em 1976. Em 1982, disputou uma vaga a deputado estadual pelo PMDB, mas não se elegeu. Por conta de sua linha de pensamento, foi se afastando do partido. Em 1984, entrou para o PT. Antes, em 1983, foi morar em Florianópolis, onde deu aulas (foto ao lado) no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Por lá, também fez seu mestrado. Sua dissertação, batizada de O Segredo da Pirâmide – Para uma Teoria Marxista do Jornalismo, acabou se tornando o mais conhecido de seus sete livros. Como jornalista, atuou no jornal A Razão, de Santa Maria, no Semanário de Informação Política, de Ijuí, e no Jornal Informação, semanário da imprensa independente, de Porto Alegre. Em 1987, foi para a Capital, onde ajudou a fundar o Centro de Estudos de Filosofia e Política (CeFiP). Morreu em 1988, na capital catarinense.
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UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
Anna e Artur Primavesi
ARQUIVO PESSOAL
Raízes fortes da agronomia
T
oda vez que revira, com suas mãos, a terra do sítio onde mora, em Itaí (SP), a austríaca Anna Maria Primavesi, 90 anos, sente, na textura do solo, algo que defende há mais de 60 anos: é pela raiz que se descobre o que a planta está sentindo. E foi justamente isso que Anna e seu marido, o também austríaco Artur Primavesi, falecido em 1977, fizeram em Santa Maria. Fixaram raízes tão fortes a ponto de sustentar o sonho de criar um curso de Agronomia na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) que primasse pelo uso responsável do solo. Doutora em Agronomia pela Universidade Federal Rural de Viena, Anna encontrou, durante os anos acadêmicos, as duas maiores paixões de sua vida: a profissão e o marido. Juntos, eles construíram uma parceria que resultou em três filhos – todos formados pela UFSM – e em uma árdua luta em defesa do manejo ecológico do solo. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a ocupação russa na Áustria, Anna e Artur não puderam voltar para sua fazenda. O casal resolveu ir viver no Chile. No caminho, passou por São Paulo, onde tinha amigos. Eles convenceram Anna e Artur a ficar no país, e o casal se naturalizou brasileiro. Na década de 60, surgiu o novo desafio. Dar início ao Instituto de Solos e Culturas na Universidade de Santa Maria. O casal chegou à cidade em 1961, a convite
Antônio Abelin
de José Mariano da Rocha Filho. Artur foi diretor do instituto, e Anna, professora. Ela também organizou e dirigiu um campo experimental e o laboratório de solos até 1968, quando criou o Laboratório de Biologia do Solo. Anna fez um filme com desenhos animados sobre a vida do solo que foi registrado como o primeiro filme mundial desse tipo. – Em Viena, onde estudamos, os alunos vinham de todo o Oriente Médio, aprendia-se o universal. Em Santa Maria, ensinávamos o regional, conceitos e práticas que os alunos pudessem levar para as suas comunidades e transformá-las – afirma Anna, com o sotaque carregado, que não perdeu mesmo após mais de 60 anos no Brasil. Em 1971, Artur fundou o curso de Biodinâmica e Produtividade do Solo, a primeira pós-graduação na área de agronomia da UFSM. Em 1974, Anna se aposentou por problemas de visão. Pouco depois, Artur também pediu licença. Ele morreu em 1977, de câncer. Muito engana-se quem pensa que, após tantos anos, Anna resolveu aproveitar a aposentadoria. Ela continua bastante ativa. Além do trabalho em seu sítio, percorre o Brasil e o Exterior dando palestras. Autora de sete livros e com participação em vários outros, ela é uma das maiores especialistas no país em melhoramento do solo e considerada a fundadora da agroecologia. Uma raiz forte que ajudou a alicerçar a UFSM.
O casal chegou em Santa Maria em 1961, a convite de José Mariano da Rocha Filho, para implantar o Instituto de Solos e Culturas, da faculdade de Agronomia. Trouxe para a UFSM o que de mais moderno existia na área na Europa. Ele criou o Departamento de Solos, e ela, dois laboratórios – química e biologia do solo. Artur Primavesi nasceu em 9 de fevereiro de 1918 e morreu em 23 de agosto de 1977. Anna Maria Primavesi nasceu em 3 de outubro de 1920 e hoje vive em Itaí (SP)
A comunicação agradece
JEAN PIMENTEL – 26/07/10
Foi o primeiro asssessor de imprensa da UFSM, o primeiro diretor da Rádio Universidade, o primeiro chefe da divisão de rádio e televisão educativa, o primeiro coordenador do curso de Comunicação Social e o responsável pelo embrião do primeiro canal de TV de Santa Maria. Abelin nasceu em 2 de julho de 1927
S
e os universitários hoje podem praticar as lições aprendidas na disciplina de rádio, é graças a ele. Se os santa-marienses têm uma programação cultural e informativa ao sintonizar a 800 AM e a TV Campus (canal 15 da NET) é graças a ele. Antes disso: se a cidade pode se orgulhar de ter sido a primeira do interior do Estado a ter um curso de Comunicação Social, também é graças ao esforço dele. Humilde, o jornalista Antônio Abelin, 83 anos, faz questão de dizer: não fez nada sozinho. Teve ajuda de colegas e o incentivo e a confiança do reitor-fundador da UFSM, José Mariano da Rocha Filho. Mas se não fosse a coragem de Abelin em aceitar o desafio, quem sabe a história seria bem diferente. – Fui o realizador das vontades do Mariano de ter uma rádio, um curso... Ele chegava e dizia: “Abelin, quero a rádio com urgência”. Se não fosse pelo Mariano, a UFSM seria em outros moldes. Ele era um visionário – relembra o jornalista, ressaltando que contou ainda com a colaboração de vários funcionários da UFSM, inclusive com o engenheiro Wilson Aita. O envolvimento de Abelin com a UFSM começa antes da criação da universidade, em função de seu cargo de presidente da União Santa-Mariense de Estudantes (USE) e da amizade com Mariano da Rocha. A confiança entre os dois levou Abelin à assessoria de imprensa
da Federal na sua criação. Braço direito do reitor Mariano, ele ajudou a elaborar e executar o plano de comunicação. Mas Abelin não participou da inauguração da Rádio Universidade, em 27 de maio de 1968. – O Abelin estava no Exterior, e Tarso Dutra vinha a Santa Maria. O Mariano aproveitou a presença ilustre e marcou a inauguração. Não tínhamos todos os aparelhos, e saí às pressas para conseguir os móveis. O Abelin não voltou a tempo, e fui eu quem fez o discurso oficial. Isso está gravado até hoje – relembra Quintino Oliveira, diretor artístico na época. Com a rádio em funcionamento, os esforços se voltaram ao curso de Comunicação Social. Em 15 de abril de 1971, foi publicado o decreto criando a primeira graduação na área no interior do Estado. E coube a Abelin sua coordenação. O próximo desafio era a televisão educativa. Foram comprados equipamentos, que acabaram não sendo usados para esse fim. Eles foram doados pela Federal para a primeira televisão aberta com programação local da cidade, a TV Imembuí (hoje RBS TV Santa Maria). Abelin se desligou da UFSM em 1974, ao assumir a presidência da Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e Televisão (Agert). Em 1978, foi a Brasília como superintendente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Em 1999, voltou a Santa Maria, onde mora até hoje, com sua mulher, Cora.
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UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
Armando Vallandro
LAURO ALVES – 13/07/10
O reitor da regionalização do Husm Fundador do curso de Medicina Veterinária, ocupou diversos cargos na instituição até chegar à Reitoria, onde atuou de 1981 a 1985. Durante o mandato, regionalizou o Hospital Universitário e criou benefícios para estudantes, funcionários e professores. Vallandro nasceu em 25 de novembro de 1919
O
médico veterinário Armando Vallandro, que se descreve como um curioso e amante da leitura, nasceu em Santa Maria em 1919. Pertencente a uma das mais tradicionais famílias da cidade, Vallandro começou seus estudos no Colégio Fontoura Ilha e, depois, seguiu o aprendizado no Colégio Santa Maria, onde cursou o antigo secundário e o pré-médico (um curso que preparava para a carreira). Eram os primeiros passos rumo ao sonho profissional. Em 1940, fez o vestibular para Medicina Veterinária, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre. As atividades profissionais foram iniciadas como clínico, quando voltou para Santa Maria, em 1945. Mas seria na década de 60 que entraria para a história da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), ao ser convidado pelo amigo José Mariano da Rocha Filho, reitor da instituição, para ajudar na criação das faculdades de Medicina Veterinária e de Agronomia. Tinha início a escalada do santa-mariense até a Reitoria, onde chegou em 1981, ao ser nomeado por João Baptista de Oliveira Figueiredo, o último presidente do regime militar no Brasil. E foi para realizar a sua principal ação no cargo que contou com o apoio do Exército: a transferência do Hospital Universitário (Husm) do antigo prédio na Rua Floriano Peixoto para o campus, em Camobi. Era a regionalização do hospital,
que passava de 80 para 250 leitos. – Foi a minha grande meta como reitor, e consegui realizar – lembra Vallandro. No cargo, ele ainda criou serviços na área da saúde para servidores e professores, como odontologia e o Plano de Assistência Social (PAS). Os quatro anos em que esteve no comando da UFSM foram o único período em que o veterinário se afastou da sala de aula. Foi professor de 1963 até se aposentar, em 1995, aos 76 anos. Da carreira na UFSM, um balanço: – Fiz o que era meu dever. Grande parte do meu sucesso devo aos funcionários da universidade, professores e alunos. Um homem não faz nada sozinho. É uma honra fazer parte desse conjunto de pessoas que dignificam a universidade. A gente vive o passado, o presente e espera que o futuro da UFSM seja cada vez mais promissor – afirma Vallandro. O ex-reitor chegou a participar do cenário político da cidade como presidente do Partido Libertador, extinto em 1964, com o início do regime militar. Foi vereador substituto por 11 anos, candidato a vice-prefeito ao lado de José Marques da Rocha e a deputado estadual. Casou-se pela primeira vez aos 25 anos. A união durou 53 anos. Teve três filhas, todas formadas na UFSM. Ficou viúvo e casou-se de novo com Serena Vallandro, casamento que já dura 12 anos.“Uma vida dedicada ao trabalho e à família”, resume.
UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
atividade acadêmica sempre fez parte da vida da professora Berenice Corsetti. Formada em História e com doutorado e pósdoutorado em Educação, foi nas salas de aula da UFSM, frente aos alunos, que Berenice dedicou grande parte do seu tempo, entre os anos de 1986 e 1998, quando foi professora da universidade. Mas, além dessa tarefa, Berenice também assumiu outro compromisso: o de trabalhar pela carreira docente e por melhorias na universidade. Ela foi a primeira presidente da Seção Sindical dos Docentes da UFSM (Sedusfm), criada em 1990. Até aquele ano, os docentes da universidade eram representados pela Associação dos Professores Universitários de Santa Maria (Apusm). No ano de 1990, por divergência de posições, a Apusm não aceitou ser uma associação de caráter sindical, já que, naquele período, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) – entidade que congrega os professores de Ensino Superior no país –, havia se filiado à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Conforme Berenice, para que os professores da UFSM não ficassem desvinculados ao
movimento sindical, foi criada a Sedufsm. Berenice foi a primeira presidente, ocupando o cargo de 1990 a 1992. O segundo mandato veio na sequência, de 1992 a 1994. Nos quatro anos à frente da seção sindical, a professora lembra do trabalho, sempre baseado em dois eixos principais: a valorização salarial e da carreira docente, assim como a defesa da universidade pública e a conquista de verbas para a instituição. – Em 1991 fizemos greve e ficamos cem dias parados. Mas, em compensação, tivemos conquistas importantes nesses eixos pelos quais sempre lutamos. Ser presidente da Sedusfm foi, sem dúvida, uma das mais expressivas experiências da minha vida. Foi um trabalho que muito me honrou, pela confiança que meus colegas depositaram em mim. Também tive grandes companheiros ao meu lado, que conduziram comigo as nossas lutas históricas – recorda Berenice. Após quatro anos conduzindo a Sedufsm, voltou a se dedicar exclusivamente às atividades como professora e pequisadora. Ela se aposentou na UFSM em 1998. Atualmente, é professora do programa de pós-graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
ARQUIVO PESSOAL
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A primeira comandante da Sedufsm
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Berenice Corsetti Professora da UFSM entre 1986 e 1998, Berenice Corsetti nasceu em 28 de setembro de 1946. Foi a primeira presidente da Sedufsm, criada em 1990. Ocupou o importante cargo por duas gestões: de 1990 a 1992 e de 1992 a 1994
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Cezar Flores
U
m cálculo aproximado dá a dimensão do tempo que Cezar Flores dedicou à UFSM: cerca de 40 mil diplomas de profissionais formados na Federal nos últimos 20 anos têm a sua assinatura. Flores foi diretor do Departamento de Registro e Controle Acadêmico (Derca) por exatos 20 anos e dois dias e, entre outras funções, coube a ele, nesse período, a missão de legitimar o fim da trajetória acadêmica de cerca de 2 mil alunos a cada ano. As duas décadas como diretor do Derca foram apenas parte de seu trabalho na UFSM. Ao todo, ele dedicou 36 anos à universidade, sempre no Derca, o departamento que cuida de toda a vida acadêmica dos estudantes, desde o momento da matrícula até a formatura. Aposentado desde 22 de março de 2010, Flores lembra que a decisão pela UFSM foi um dilema. No mesmo ano de 1974, ele prestou concurso também para o Banco do Brasil. Foi aprovado e chamado para os dois. Como queria estudar, acabou optando pela universidade. O ingresso como servidor foi para o cargo de auxiliar de datilógrafo. – Eu fazia a parte da datilografia. Naquela época, tudo tinha que ser batido à máquina: os atestados de matrículas, as notas... – conta Flo-
res, sobre o cargo já extinto há bastante tempo. Dois anos depois de aprovado no concurso, ele se tornou chefe do setor de Datilografia do Derca. Um pouco mais adiante, uma nova conquista: em 1978, Flores se formou no curso de Ciências Contábeis da Federal. Ao longo dos anos, mais desafios: ele foi ocupando outras chefias até chegar ao cargo máximo dentro do Derca. Passar por vários setores, para Flores, foi decisivo para exercer o trabalho como gestor. Como conhecia bem todas as divisões do departamento, elas lhe deram experiência para conduzir o cargo de diretor nas últimas duas décadas. O reconhecimento a toda essa dedicação veio numa homenagem que Flores guarda com carinho. Em outubro de 2009, ele recebeu a Medalha Mérito Universitário. – Para mim, receber a medalha foi fechar o meu trabalho na universidade com chave de ouro. Passei por vários reitores, por períodos de muita dificuldade para a universidade, por muitas mudanças, como a informatização. Eu vivia, dia e noite, o trabalho. Por isso, a universidade é a minha vida, de certa forma – ressalta Flores, nome presente em diplomas da UFSM espalhados pelo Brasil e pelo mundo afora.
Nome gravado em 40 mil diplomas Nascido em 8 de agosto de 1952, foi servidor da UFSM por 36 anos. Nessas mais de três décadas, sempre trabalhou no Departamento de Registro e Controle Acadêmico (Derca). Por 20 anos e dois dias, permaneceu na direção do Derca, cargo no qual se aposentou este ano LAURO ALVES – 23/08/10
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A base política foi a universidade
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Nascido em 23 de fevereiro de 1952, Cezar Augusto Schirmer foi estudante de Direito e Economia, sendo vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e presidente do Conselho de Diretórios Acadêmicos do DCE. Como deputado federal, destinou recursos à UFSM por meio de várias emendas
CLAUDIO VAZ – 9/09/10
A
vida política do prefeito de Santa Maria Cezar Augusto Schirmer (PMDB) se confunde com a trajetória estudantil na UFSM. Foi na universidade que ele começou a atuar politicamente. Seu primeiro cargo: vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e presidente dos Diretórios Acadêmicos, nos anos 70. Na época, ele cursava Direito e Economia na Federal, dava aulas no Instituto Riachuelo, hoje Colégio Riachuelo, e fazia estágio em um escritório de advocacia. Em 1972, quando tinha apenas 20 anos e ainda sentava nos bancos do curso de Direito – nesse período já tinha desistido da Economia –, Schirmer foi eleito o vereador mais jovem de Santa Maria. Além da atividade política, o peemedebista seguiu a vida acadêmica, conseguindo conciliar as duas funções que lhe roubavam todo o tempo. Dois anos depois, quando estava concluindo o curso de Direito, foi eleito deputado estadual. Elegeu-se em novembro de 1974 e formou-se um mês depois. Na Assembleia Legislativa ou na Câmara dos Deputados, para onde foi eleito em 1998, orgulha-se de ter encontrado outros filhos da UFSM, senadores, vice-governadores, deputados e ministros, que, assim como ele, tiveram a oportunidade de estudar na primeira universidade pública fora das capitais. – A universidade tem toda uma identificação, uma história com a minha vida – diz o prefeito. Mesmo depois de ter deixado a universidade como estudante e líder estudantil, Schirmer não esqueceu onde construiu sua base para quase 40 anos de vida pública. Em Brasília, destinou muitos recursos por meio de emendas para diversos setores da UFSM, como o Pronto-Socorro do Hospital Universitário de Santa Maria (Husm), o Centro de Ciências Sociais e Humanas, o laboratório avícola, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a construção do anexo do Centro de Tecnologia.
Cezar Schirmer
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Nascido em 11 de janeiro de 1917, Clodomiro Bertoldo morreu em 20 de março de 1986. Farmacêutico, foi professor do curso de Farmácia e Bioquímica e um dos responsáveis por implantar a primeira pós-graduação em Farmácia na UFSM, em 1976, da qual foi coordenador e professor
Clodomiro Bertoldo Para ter o diploma, ele fez duas vezes o mesmo curso
F
ilho de imigrantes italianos, Clodomiro Bertoldo nasceu em Nova Palma, então distrito de Cachoeira do Sul, em janeiro de 1917. Apesar de ser natural da região onde se estabeleceram os primeiros europeus no centro do Estado, foi perto dali, em Santa Maria, que Bertoldo se graduou, teve negócios, constituiu família e escreveu seu nome no rol dos mais ilustres catedráticos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A contribuição de Bertoldo à UFSM exigiu sacrifício dobrado do então jovem estudante de Farmácia. Foi necessário cursar duas vezes a mesma faculdade para garantir o diploma que abriria as portas na futura universidade federal. O primeiro diploma, obtido antes de 1942, nem sequer foi guardado por Bertoldo. À época, o curso da Faculdade de Farmácia de Santa Maria não era reconhecido pelo Ministério da Educação. Em 1942, Bertoldo voltou aos bancos da faculdade, onde se formou em 1945 – o curso de Farmácia tinha duração de três anos. Foi uma conquista especial, pois o curso acabara de ser reconhecido pelo MEC, e Bertoldo pôde comemorar a conquista do diploma número 1 da Faculdade de Farmácia de Santa Maria. Foram, ao todo, seis anos de muito estudo. Farmacêutico graduado, junto com
amigos, abriu uma farmácia na Avenida Rio Branco, a Farmácia Brasil. Mais tarde, implantou seu próprio estabelecimento, a Farmácia Moderna, na Rua do Acampamento. Nesse meio tempo, em 1950, Bertoldo se tornou professor da Faculdade de Farmácia. Lecionava as disciplinas de química e farmácia. Cada vez mais apaixonado pela profissão e pelos novos rumos que a universidade tomava, o professor manteve sua farmácia até 1965, quando passou então a se dedicar ao Ensino Superior. Além de ser chefe do Departamento de Biofarmácia, Bertoldo foi decisivo na conquista da primeira pós-graduação na área na UFSM. O curso, do qual foi o primeiro coordenador e professor, era sobre Controle de Medicamentos, criado em 1976. – Meu pai era uma pessoa muito inteligente, que lia bastante e estava sempre bem-informado. Ele contribuiu bastante para a UFSM e fez muitos seguidores, como eu – conta o filho Nilton Gomes Bertoldo, 66 anos, médico e professor do curso de Medicina da UFSM. Casado com Lenir Gomes Bertoldo, o professor Clodomiro Bertoldo teve outros dois filhos, Nelson, que se formou em Engenharia Agrícola na UFSM, e Norton. Bertoldo deu aula até 13 de abril de 1983, quando se aposentou devido à descoberta de um câncer que o levou à morte três anos depois, em março de 1986, aos 69 anos.
Clovis Lima Foram 45 anos de dedicação
D
os 50 anos que a UFSM completa em dezembro deste ano, o professor Clovis Silva Lima, aposentado desde fevereiro deste ano, acompanhou praticamente as cinco décadas. Somente de trabalho dedicado à universidade foram 45 anos. Mas houve ainda o tempo em que ele foi estudante e que viu o fundador da universidade, José Mariano da Rocha Filho, ocupar o cargo de reitor. Caxiense de nascimento, mas santamariense de coração – como ele mesmo se define –, Lima se graduou em Farmácia pela UFSM e fez pós-graduação em Saúde Pública na Universidade de São Paulo (USP). Depois da trajetória como estudante, ele ingressou na universidade como professor, em março de 1965. Era apenas o começo de muitos anos dedicados à sala de aula e a ensinar aos alunos de cursos como Farmácia, Enfermagem, Fonoaudiologia e Fisioterapia, a disciplina de Saúde Pública. O gosto e a vocação para os cargos administrativos não demoraram muito a surgir: em 1972, Lima assumiu a chefia do Departamento de Saúde da Comunidade, dentro do Centro de Ciências da Saúde (CCS). Depois disso, vieram a coordenação do curso de Farmácia, a vice-direção do CCS e a direção do CCS. Mais tarde, duas gestões como vice-reitor (19972005) até chegar a reitor em 2005. O cargo foi entregue oficialmente em janeiro de 2010. Os quatro anos que ficou à frente do posto máximo dentro da univer-
sidade foram uma das maiores experiências de sua vida. O principal aprendizado nesse período, segundo ele, foi buscar a humanização na convivência e no atendimento das necessidades dos servidores. Por outro lado, ele considera que ocupou o cargo num período que coincidiu com a política de expansão das universidades federais, com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), ao qual a UFSM aderiu. Isso permitiu a criação de novas unidades de ensino e a consequente ampliação da área física, do número de cursos, de servidores e de alunos. No seu mandato, ainda, a UFSM construiu, literalmente, 50% da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e o Centro de Educação Superior do Norte do Rio Grande do Sul (Cesnors), em Palmeira das Missões e Frederico Westphalen. Outra obra bastante relevante foi a construção do Centro de Eventos da UFSM, iniciada em 2008 e que deve ser finalizada no ano que vem, o que permitirá, entre outras coisas, a realização de formaturas no salão de atos do local. Lima, que atualmente é secretário adjunto de Saúde de Santa Maria, continuará fazendo parte do Conselho de Curadores da UFSM – tarefa que compete a todos os ex-reitores – pelos próximos quatro anos. Para ele, que permaneceu 45 anos na UFSM cinquentenária, é a oportunidade de continuar bem perto da instituição pela qual trabalhou toda uma vida. LAURO ALVES – 3/09/10
Em mais de quatro décadas na UFSM, Clovis Silva Lima foi professor, chefe de departamento, coordenador do curso de Farmácia, vice-diretor e diretor do Centro de Ciências da Saúde, vice-reitor por dois mandatos e reitor
UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA RENATO PARADA, DIVULGAÇÃO
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Nascida em 2 de setembro de 1967, Deisy de Freitas Lima Ventura foi aluna, professora e pró-reitora da UFSM. É uma das maiores especialistas brasileiras em direito internacional
A ex-aluna que ganhou o mundo
Deisy Ventura
A
os 43 anos, Deisy de Freitas Lima Ventura é uma respeitada especialista em direito internacional. Faz pareceres para organizações internacionais e não governamentais, é consultada e escreve artigos para importantes veículos de comunicação do país e publicou 14 livros. Exemplo de vida acadêmica bem-sucedida, a santa-mariense foi moldada nos bancos da UFSM. Aos 4 anos, aprendeu a ler e escrever e acha que herdou da mãe, a professora Eloah, tal facilidade. A inclinação para o Direito surgiu nos primeiros anos de vida, graças à tia Helena, que cursava a faculdade, e do que ouviu falar do avô Henrique de Freitas Lima, um grande advogado que não chegou a conhecer. Deisy virou professora da UFSM aos 24 anos. Ainda aluna, passou pelas presidên-
cias do Diretório Livre do Direito e do Diretório Central dos Estudantes (DCE), o que pode ter contribuído para levá-la, aos 25 anos, a comandar a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis. Foi quando conheceu o professor Ricardo Seitenfus, doutor em Relações Internacionais, que hoje está no Haiti representando a Organização dos Estados Americanos (OEA). – Foi estar com ele que me levou a me apaixonar pelas questões internacionais – diz Deisy, hoje solteira. Em 2002, ela assumiu a vice-coordenação do Mestrado em Integração Latino-Americana (Mila). Antes de se despedir da UFSM, colaborou, ao lado da professora Jânia Saldanha, na elaboração de projeto das ações afirmativas. Entre outras atividades fora da UFSM, participou do processo nacional de avaliação dos cursos de Direito desen-
volvido pelo Ministério da Educação e foi consultora jurídica da Secretaria do Mercosul, em Montevidéu. Como professora, ainda atuou na Faculdade de Direito de Santa Maria (Fadisma), que ajudou a criar, na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em três universidades uruguaias e duas francesas (incluindo a célebre Sorbonne). A explicação para tanto êxito não poderia estar apenas no sobrenome herdado do pai, Nilson Ventura (sinônimo de boa sorte). Também está na disciplina para os desafios que o ex-goleiro dos tempos áureos de Inter-SM fez refletir na filha. – Deixei para trás muitos preconceitos, certezas e dores. Mas sempre trabalhei muito para cada passo que dei. E trabalho com paixão. É difícil, para mim, separar as duas coisas. Nem sei se consigo ou quero. Deisy é, desde 2008, professora na
Universidade de São Paulo (USP), onde preside a Comissão de Cooperação Internacional do Instituto de Relações Internacionais, vice-diretora do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário e desenvolve dois projetos de pesquisa: Educar para o Mundo (sobre a imigração boliviana em São Paulo) e Idejust (Grupo de Estudos sobre Internacionalização do Direito e Justiça de Transição). Também coordena um concurso nacional de monografias sobre Direitos Humanos. Até 16 de fevereiro de 2011, atuará como professora convidada no Instituto de Altos Estudos Internacionais e do Desenvolvimento da Universidade de Genebra, na Suíça. Mais uma prova de que o nome “Deisy, de Santa Maria”, como ela se apresenta, deve ser muito pronunciado e consultado, para a felicidade (outro sinônimo de ventura) da cidade e da UFSM.
FABIANO COSTA – 20/08/10
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UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
Reitor de 1977 a 1981, participou de momentos fundamentais para o crescimento da UFSM, como a criação do Centro de Ciências Rurais (CCR), a urbanização do campus e a conclusão das obras do Hospital Universitário e do Centro Universitário. Galvão nasceu em 3 de fevereiro de 1928 e vive hoje em Brasília
Ele vive a universidade até hoje
É
provável que pouca gente tenha o privilégio de guardar intactos na memória tantos momentos históricos da UFSM como Derblay Galvão. Aos 82 anos e há 29 morando em Brasília, nem o tempo e a distância foram capazes de apagar as lembranças da época em que contribuiu ativamente na criação do Centro de Ciências Rurais (CCR) e na conclusão das obras do Hospital Universitário de Santa Maria (Husm). Nascido em Montenegro e criado em Cruz Alta, ele se acostumou a conhecer novas cidades cada vez que o pai, funcionário da Cooperativa da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, era transferido. A ligação de Galvão com Santa Maria começou aos 15 anos. Foram dois anos na cidade até mudar-se para Porto Alegre, onde concluiu os estudos e formou-se em Agronomia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1950. De volta ao Coração do Rio Grande em 1959, como engenheiro agrônomo do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), bastaram mais três anos para
Derblay Galvão
seu ingresso na universidade. Os primeiros anos no curso de Agronomia foram como professor. Daquela época, restaram as boas amizades com colegas e alunos. Prova disso é que Galvão foi paraninfo de muitas das primeiras turmas de formandos. – Quando entrei na UFSM, só o bloco central do Centro de Tecnologia estava pronto e, aos poucos, foram se instalando outros cursos. Lembro que saíamos num ônibus até o campus. Na época, não tinha estrada asfaltada, então, quando chovia, o carro atolava, e a gente tinha de descer e empurrar – relembra. Os anos foram de trabalho intenso. No final da década de 60, Galvão participou da implantação da Operação Oswaldo Aranha, no CCR, como professor, coordenador do curso de Agronomia e decano do Centro. Do projeto, em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU), foi possível promover o intercâmbio com instituições internacionais, aumentar o número de mestres e doutores a serviço do CCR e equipar seus laboratórios. Depois de ter sido vice-reitor entre 1975 e 1977, du-
rante o mandato do reitor Hélios Homero Bernardi, Galvão subiu um posto e assumiu a Reitoria de 1977 a 1981, quando encerrou seu ciclo em Santa Maria. Foi um período de importantes conquistas, como o financiamento para o avanço das obras do campus universitário, as conclusões do Husm, do Centro Universitário, do Centro de Ciências da Saúde e do Centro de Estudos Básicos e urbanização do campus. – Logo depois dessas medidas, a universidade cresceu, e só podia crescer mesmo. Muitas pessoas têm trabalhado a favor, e o progresso é notável. Para mim, que sempre vivi a instituição, é um orgulho – comenta o ex-reitor. Com o final do mandato, Derblay Galvão se mudou para Brasília, onde vive até hoje com a mulher, Margarida Odette Galvão, 82 anos. O reconhecimento é tanto que, mesmo aposentado, ele é o representante da universidade na Capital, onde faz o intermédio de questões importantes junto aos ministérios. Seis dos sete filhos do ex-reitor se formaram na UFSM nos cursos de Engenharia Florestal, Odontologia, Engenharia Elétrica e Agronomia.
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Apoio essencial na criação da UFSM
E
ntre as tantas realizações que o bispo dom Antonio Reis promoveu nos seus 29 anos de episcopado está o apoio decisivo para a criação da UFSM. O religioso, que comandou a diocese de Santa Maria de 1931 a 1960, era amigo e paciente do médico José Mariano da Rocha Filho. Celebrou a missa de noivado do reitor-fundador da UFSM com Maria Zulmira Velho Dias, em 1937, e também o casamento, um ano depois, na Igreja Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre. O terceiro bispo da diocese de Santa Maria foi o presidente honorário da Associação Santamariense Pró-Ensino Superior (Aspes), sociedade civil sem fins lucrativos da qual Mariano foi o primeiro presidente. A entidade, criada em 1948, buscava mobilizar a comunidade e institucionalizar o movimento de interiorização do Ensino Superior. A presença de dom Antonio era estratégica, já que, para criar novas faculdades, a Aspes precisava de força política e interlocução com os diferentes estabelecimentos particulares de ensino de Santa Maria para atuar como mantenedores de faculdades, já que a questão financeira era um forte obstáculo à criação de faculdades. Em seu livro UFSM Memórias, Luiz Gonzaga Isaia lembra que todos os ofícios, telegramas, mensagens e documentos da Aspes traziam o nome do bispo como membro do Conselho Deliberativo e/ou como vice-presidente no exercício da presidência. Em dezembro de 1954, foi autorizado o funcionamento da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas e, em 1955, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Imaculada Conceição (FIC). A primeira tinha como mantenedora a Sociedade Meridional de Educação (Some), e a segunda, a Sociedade Caritativa e Literária São Francisco de Assis (Scalifra). A Faculdade de Direito surgiu em 1959, tendo
também como mantenedora a Some. Em fevereiro de 1960, surgiu a Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora Medianeira (Facem), com a força política da Aspes e tendo como mantenedora a Scalifra. Os cursos mantidos por congregações católicas formaram, junto com os cursos de Farmácia e de Medicina, o número necessário de faculdades para a criação da então chamada Universidade de Santa Maria, em 1960. Segundo Eugenia Mariano da Rocha Barichello, filha do reitor-fundador e pesquisadora da história da UFSM, dom Antonio Reis foi uma figura de destaque na construção de laços entre interesses públicos e privados para a criação da universidade. A bênção da pedra fundamental do primeiro edifício construído na Rua Floriano Peixoto, para ampliar as instalações da Faculdade de Farmácia, foi dada pelo bispo em 23 de outubro de 1952. Conhecido como o Bispo da Medianeira e Bispo da Bondade, dom Antonio promoveu a devoção da padroeira gaúcha não só na diocese, mas em todo o Rio Grande do Sul. Foi o iniciador da construção do Santuário da Medianeira, em 1935, e criou 60 novas paróquias, entre tantas outras realizações. Padre Erebany Edu de Padua, o padre Edu, ainda vivo, era chanceler do Bispado de Santa Maria na época de dom Antonio Reis. No livro O Chanceler e o Bispo, ele registrou: “Dom Antonio Reis era de espírito jovial marcado pela acessibilidade em atender a todos”. Foi por influência do bispo que seu sobrinho, Benno Reis, tornou-se religioso. Hoje, aos 87 anos, ele atua na Paróquia Sagrada Família do município gaúcho de Arroio do Tigre. Seu tio, dom Antonio, morreu exatamente três meses antes de ver o sonho pelo qual tanto lutou tornar-se realidade: a fundação, no Coração do Rio Grande do Sul, da primeira universidade do interior do Brasil.
Dom Antonio Reis Bispo da diocese de Santa Maria decisivo na luta para criar a UFSM, ao costurar interesses públicos e privados que acabaram viabilizando a instalação da primeira universidade federal do interior do Brasil. Dom Antonio Reis nasceu em 28 de outubro de 1885 e morreu em 14 de setembro de 1960, três meses antes da fundação da UFSM
MUSEU SACRO DE SANTA MARIA, DIVULGAÇÃO
Elizete Coden CLAUDIO VAZ – 28/07/10
Elizete de Fátima Coden nasceu em 19 de maio de 1963 e trabalha há 22 anos no Diretório Central dos Estudantes (DCE). Durante essas duas décadas, viu nomes hoje importantes passarem pela entidade e presenciou momentos históricos da luta estudantil
A amiga dos universitários
Q
uem foi estudante da UFSM sabe que existem brincadeiras sobre quem seria (ou não) um verdadeiro universitário. Uma delas dá conta de que, para o período nos bancos da instituição ter validade, o aluno tem de ter comido no Restaurante Universitário, ido até o campus em Camobi de ônibus e ter curtido a boate do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Se você foi mesmo na tradicional festa da sexta-feira no subsolo do prédio da Rua Professor Braga ou passou pelos corredores do edifício para fazer sua carteirinha estudantil, é provável que tenha topado com a Zete. Ela está há 22 anos por lá, seja ajudando nas lutas estudantis ou colaborando na limpeza do espaço. Elizete de Fátima Coden nasceu em 19 de maio de 1963. Aos 47 anos, não gosta de ser chamada de senhora ou dona. E o pessoal que passa pelo diretório sabe disso e respeita seu desejo. O começo das atividades profissionais na UFSM foi para ajudar no orçamento. Zete tinha passado para Agronomia e precisava aumentar a renda. Com o tempo, em função das dificuldades, optou por abandonar o curso. Mas admite que se arrepende. Como é funcionária do DCE, exerce suas atividades na sede da entidade, no centro da cidade. Por lá, viu figuras hoje bem conhecidas exercerem a militância estudantil, como professores renomados e políticos influentes. – O DCE não é só boate, é luta – lembra Zete, citando os constantes embates relativos ao transporte coletivo, uma briga antiga do DCE. A rotina de Zete inclui acordar bem cedo, pegar o ônibus no bairro Cerro Azul e chegar ao diretório por volta das 7h. Ali, faz café, ajuda em atividades administrativas e auxilia na limpeza. Como é de se imaginar, manter a higiene do local complica bastante após uma noite de festa na boate. Mesmo assim, ela não tem do que reclamar: – Não consigo envelhecer aqui. Mantenho o espírito sempre jovem com essa gurizada.
REPRODUÇÃO/ARQUIVO PESSOAL
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UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
Ernesto Ferreira Rodrigues de Deus nasceu em 20 de abril de 1930 e morreu em 13 de junho de 1981. Foi o primeiro ecônomo do Restaurante Universitário da UFSM, o RU
O
O primeiro ecônomo do RU
português Ernesto Ferreira Rodrigues de Deus foi o responsável pelas primeiras refeições servidas no Restaurante Universitário (RU),inaugurado em 1963 no prédio de número 1.184 da Rua Floriano Peixoto, onde também funcionava a Reitoria e hoje é a sede do Centro de Ciências Sociais e Humanas (CCSH). Naquela época, os serviços do RU eram terceirizados, e o primeiro ecônomo foi o seu Ernesto, como era conhecido. A empresa dele havia ganho a concorrência aberta em março de 1963. O primeiro contrato foi assinado em maio daquele ano. O início das atividades do RU era fiscalizado por uma comissão nomeada pelo reitor José Mariano da Rocha Filho, composta por cinco representantes dos estudantes e cinco da administração da UFSM. O grupo se reunia uma vez por mês para discutir questões como o peso do bife, que deveria ter, no mínimo, cem gramas. Havia alunos que até levavam balança ao RU, para ver se a quantidade estava correta. Mas isso era encarado com muito bom humor por seu Ernesto. O português foi ecônomo do RU até a déca-
da de 70. Ele também atuou como presidente do Riograndense, clube de futebol santa-mariense pelo qual lutou e torceu. A simpatia dele pela agremiação foi praticamente à primeira vista, já que as cores do time eram as mesmas da bandeira de seu país natal. A gastronomia era a especialidade de seu Ernesto. Antes do RU, ele foi gerente da empresa que explorava vagões-restaurantes em trens da Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Depois de deixar saudade na universidade, o português foi dono de um restaurante que se tornou muito conhecido e apreciado em Santa Maria: o Galo de Ouro, na Avenida Medianeira. E não era incomum ele promover almoços ou jantares nas casas dos amigos, por puro prazer. Em 1984, o RU da UFSM passou a ser administrado pela própria universidade. Mas ficou a memória dos ecônomos que ajudaram a tornar conhecido o restaurante, que hoje conta com mais uma unidade no campus, recentemente ampliada. Ficaram na história pessoas como o seu Ernesto, que nasceu em Coimbra, Portugal, mas descansa para sempre em solo santamariense, no Cemitério Santa Rita de Cássia.
Ernesto de Deus
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O dono das terras onde a UFSM nasceu
O
desenvolvimento de Camobi é o reflexo do ato de a UFSM ter cravado as suas estacas naquele bairro. E isso só foi possível graças à negociação iniciada pelo professor José Mariano da Rocha Filho, o mentor da universidade, com um personagem que teve papel determinante nessa história: Evaldo Behr. Descendente de alemães, Evaldo Behr era um filho de Camobi, distrito naquela época. De caminhoneiro a dono de lotes de terra, Evaldo havia comprado em conjunto com seu irmão Edmar Behr e com Alfredo Tonetto e Arlindo Tonetto, pai e filho, respectivamente, 400 hectares de uma fazenda que pertencia a Estácio Mariense de Lemos, no então distrito de Camobi. José Mariano da Rocha Filho ficou sabendo que as famílias Behr e Tonetto haviam comprado aquela área e, então, resolveu fazer uma visita a Evaldo Behr. Era outubro de 1959 quando aquele que viria a ser o fundador da UFSM foi até a casa de Evaldo, um chalé de madeira em Camobi, para lhe fazer uma proposta: “Venho aqui para uma visita e também para uma orientação. Estamos precisando de uma área de terra de uns 50 hectares para começarmos as obras do Centro Politécnico, e o doutor Tarso Dutra (deputado) me mandou um telegrama avisando que depois de amanhã estará em Santa Maria para tratarmos do local onde construiremos o Centro Politécnico, que será o primeiro grande passo para a nossa universidade”, teria dito Mariano. Evaldo Behr teria respondido que gostaria de falar antes com Edmar, Alfredo e Arlindo para saber o que poderiam vender. Então, Mariano teria perguntado: “Queres dizer doar?” E foi com a promessa de que o restante das terras das famílias Behr e Tonetto iriam se valorizar com a construção de uma universidade em Camobi que o quarteto decidiu doar 40 hectares para a construção do Centro Politécnico, onde hoje fica localizado o Centro de Tecnologia (CT) da UFSM. “Temos interesse em colaborar para que Camobi seja a sede da universidade”, teria afirmado Evaldo, conforme registros da história da fundação da UFSM. Mas Evaldo Behr não fez a doação pensando em ser um dos heróis da história da universidade. Seu ato foi baseado em um negócio, na expectativa de ter lucro com a valorização de suas terras naquela região. Ele era um visionário que acabara de fazer o grande investimento de sua vida, como conta um de seus cinco filhos, o empresário Jair Behr. – Pelo que me consta, o pai queria doar 10% da área porque os outros 90% ficariam mais valorizados com a universidade. A única coisa que o pai não sabia era que ele seria desapropriado do resto da área – diz Jair Behr, lembrando que a doação foi feita no ano de 1960. A desapropriação a que o filho de Evaldo Behr se refere ocorreu em 1964, durante o governo do presidente Humberto de Alencar Castelo Branco. Foram desapropriados os 360 hectares restantes da área, gerando uma disputa judicial que durou anos. Em um acordo após cerca de 15 anos, foram devolvidos a Evaldo Behr 40 hectares de terra e uma quantia em dinheiro que teria sido suficiente apenas para encher o tanque de combustível do carro. O doador das terras morreu aos 69 anos, vítima de enfarte.
REPRODUÇÃO
Nascido em 6 de julho de 1917, Evaldo Behr (acima, na tela de Jonessy) foi um dos quatro doadores de 40 hectares para a construção do Centro Politécnico, onde hoje fica o Centro de Tecnologia da UFSM. Evaldo Behr, em conjunto com o irmão Edmar Behr e com Alfredo e Arlindo Tonetto, era dono de 400 hectares, tendo doado 10% para que a universidade ganhasse corpo e valorizasse Camobi. Ele morreu em 1º de setembro de 1986
Evaldo Behr
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UFSM sempre fez parte da vida do seu atual reitor. E para quem cresceu brincando nos gramados do campus, nas piscinas da Educação Física e nos laboratórios das Ciências Rurais, é um orgulho e tanto ter sido aluno, funcionário, professor e, a partir de 22 de dezembro de 2009, reitor da instituição. – A UFSM é a minha casa. Trabalho 24 horas por dia e me orgulho muito disso, principalmente de ter participado da segunda fase da UFSM, a de expansão e da abertura – afirma Müller. A fase a que o reitor se refere começou a ser construída em 2005, quando ele ainda era vice do então reitor Clovis Lima. Encarregado do projeto de expansão, Müller coordenou a instalação de dois braços da UFSM: o Centro de Educação Superior Norte (Cesnors) – com cursos em Frederico Westphalen e Palmeira das Missões – e a Universidade Federal do Pampa (Unipampa), que já não é mais atrelada à Federal. Mas a relação de Müller com a UFSM começou bem antes, quando suas preocupações eram outras. Aos 10 anos, o filho do professor da Veterinária Pedro Bernardo Müller e da aluna da História Heloisa Helena Müller queria brincar, dar muitas braçadas e competir ao lado da equipe de natação da Federal. Aluno aplicado, em 1983, foi aprovado no pri-
UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA JEAN PIMENTEL – 16/09/10
meiro vestibular que fez para Engenharia Elétrica. No segundo ano de curso, passou no concurso de programador de computador e assumiu uma vaga de funcionário do Centro de Processamento de Dados (CPD). Na função, ajudou a implantar o sistema informatizado do vestibular, que, até então, tinha cartões-resposta computados manualmente. Com o diploma na mão, em 1987, Müller deixou a UFSM para fazer mestrado e doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). De volta do Canadá, onde fez parte do doutorado, Müller prestou concurso para professor e, em 1993, ingressou no curso de Ciência da Computação. Daí em diante, Müller nunca mais se separou da UFSM: em 1999, assumiu a vice-direção do Centro de Tecnologia (CT); em 2003, a direção; e, dois anos depois, a vice-reitoria. Com experiência administrativa e diplomacia, o marido de Gisela e pai de Giovana e Giulia chegou à Reitoria com a maioria (61%) dos votos válidos na eleição realizada em julho de 2009. Há um ano na cadeira de reitor, Müller já promoveu mudanças no vestibular – o fim do Peies, a implementação do concurso seriado e a adoção da nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – e continua fazendo a UFSM crescer. – Somos a maior universidade pública em número de cursos do Estado e vamos crescer mais – promete.
Felipe Müller De aluno a reitor Depois de ser aluno, funcionário e professor da UFSM, Felipe Müller, nascido em 5 de julho de 1966, tornou-se, em 2009, reitor da instituição
CLAUDIO VAZ –21/07/10
UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
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Nascida em 13 de abril de 1977, é funcionária da biblioteca setorial do Centro de Educação e a primeira servidora cega da universidade
Fernanda Taschetto A primeira servidora cega
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oi o ano de 2005 que a UFSM começou a mostrar para Fernanda Taschetto, hoje com 33 anos, que ela era capaz de fazer mais. A cada dia que passa, Fernanda se torna mais confiante no seu potencial. Também pudera. Essa santa-mariense tem uma rotina árdua, que começa na biblioteca setorial do Centro de Educação, continua no trabalho que desempenha em casa, como massoterapeuta, e segue com os estudos à noite, para concluir o curso superior a distância de Tecnologia em Secretariado. Detalhe: Fernanda é cega. Aliás, é a primeira servidora da história da UFSM nessa condição. Ela começou a perder a visão quando tinha 13 anos, devido à retinose pigmentar, uma doença degenerativa da retina. Por vezes, a falta de perspectiva chegou a desanimar Fernanda, em uma época praticamente sem exemplos a seguir de cegos que alcançaram o êxito profissional. Mas esse tempo já passou. O trabalho como massoterapeuta, atividade que desempenha há 12 anos, ajudou Fernanda no processo de superação dos limites. Hoje, na biblioteca setorial do Centro de Educação, ela trabalha com atendimento ao público no empréstimo de livros, prestação de informações e colocação de etiquetas adesivas, que protegem as lombadas dos livros do acervo
(que são os locais onde ficam os códigos de barras). Alguns usuários se surpreendem ao serem atendidos por Fernanda, especialmente depois de serem “avisados” que ela é cega pelo letreiro junto a um simpático sapo de pelúcia que fica em sua mesa. Muitos ficam curiosos em saber como funciona o programa Virtual Vision, que “lê” em voz alta tudo o que está escrito na tela do computador da servidora. Assim como Fernanda, outras pessoas com deficiência tiveram suas vidas transformadas pela UFSM nos últimos anos. Prédios, calçadas e banheiros foram e seguem sendo adaptados. Equipamentos e materiais didáticos voltados para esse público chegaram e continuam se incorporando ao acervo da Federal. Assim, a história pioneira de Fernanda vai se juntando a outras lutas de quem é diferente, mas cheio de capacidade. – Aprendi que sou capaz e me sinto mais confiante. Estou tendo um grande desenvolvimento profissional e pessoal, o que mudou meus pensamentos sobre minhas limitações, já que, na UFSM, várias delas foram superadas. Observo o avanço da instituição quanto às questões de acessibilidade, demonstrando incentivo à inclusão de pessoas com necessidades especiais. Sinto-me honrada em integrar este importante momento na história da UFSM – diz Fernanda.
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UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
Frederico Richter O pai da Orquestra Sinfônica Fundador da Orquestra Sinfônica de Santa Maria em 1966, da qual foi diretor, maestro e diretor artístico, Frederico Richter também foi professor na UFSM. Ele nasceu em 6 de fevereiro de 1932
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m 1966, chegava a Santa Maria um músico que deixaria para a cidade um de seus grandes patrimônios artísticos. Naquele ano, começava a ser escrita a história de sucesso da Orquestra Sinfônica de Santa Maria (OSSM). Comandado pelo maestro Frederico Richter, o grupo de músicos fez sua estreia em 7 de abril. Na época, era chamado Grupo de Câmara. O músico e compositor veio a Santa Maria para dar aulas no curso de Música da UFSM. Chegando aqui, logo resolveu driblar as limitações. Criar uma orquestra sinfônica era algo que parecia praticamente impossível. – Não havia certos instrumentos. E muitos músicos vinham de Porto Alegre – recorda-se Frederico, 78 anos, que hoje vive em Porto Alegre. O maestro nasceu em Novo Hamburgo e, ainda bebê, mudou-
se com a família para Porto Alegre, onde formou-se em música (violino) em 1951. Ele atuou na Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) até começar a dar aulas na UFSM, em 1966. Até 1971, quando se mudou definitivamente com a família para Santa Maria, ficou indo e vindo, de trem, da Capital. – Logo que cheguei, resolvi criar a orquestra. Era tudo difícil. Mas acredito que conseguimos criar uma coisa boa para Santa Maria – lembra Frederico, que também é compositor e tem cerca de 250 obras. No começo, a orquestra contava basicamente com instrumentos de corda e piano. Na medida em que o curso de Música foi ampliado e novos concursos foram feitos, a orquestra conseguiu reunir mais músicos e também adquirir novos instrumentos. Assim, começou a crescer, tendo sua história intimamente ligada à do
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curso de Música. Nos anos 70, Frederico ampliou a orquestra, com a entrada de diversos instrumentos, ficando conhecida como Orquestra Possível. – Fiz um projeto, a Orquestra Possível, em que qualquer instrumento podia participar. E isso propiciou a especialização em Orquestra Sinfônica, em 1989 – conta. Nesse intervalo, houve a transição que passou pela formação da Pequena Orquestra Sinfônica, reforçada com músicos de Porto Alegre. No final dos anos 80, foi criada a Associação dos Amigos da Orquestra Sinfônica, com a ajuda do professor Ênio Guerra. Em 1998, Frederico se aposentou da UFSM e passou a direção e a regência da orquestra para Ênio. Frederico seguiu como diretor artístico e fez regências até 2000, quando mudou-se com a família para Porto Alegre, onde vive hoje com a mulher Ivone.
UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA GENARO JONER – 15/09/10
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Nascido em 16 de julho de 1931, foi diretor-fundador da Escola de Belas Artes, hoje Centro de Artes e Letras. Trouxe para a cidade renomados artistas do cenário musical nacional e internacional, como a família Benda
Geraldo Maissiat Vida de belas escolhas
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uando foi convidado pelo reitor José Mariano da Rocha Filho para organizar o primeiro vestibular da Escola de Belas Artes – que hoje corresponde ao Centro de Artes e Letras da UFSM –, Geraldo Maissiat, nascido em Cachoeira do Sul em 1931, tinha só 31 anos. Jovem, criativo, perspicaz e, acima de tudo, sensível, o pianista formado pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) fez a sua primeira grande escolha como profissional. Antes disso, porém, foi professor de piano no Colégio Sinodal, em São Leopoldo, de 1955 a 1959, e o segundo diretor do Conservatório Municipal de Montenegro, a atual Fundarte – o seu pai, Maurice Jean Maissiat, foi o fundador e o primeiro diretor. Geraldo também foi professor assistente na UFRGS de 1960 a 1962. De 1963, ano em que aceitou o desafio de realizar o primeiro vestibular de Belas Artes, até o fim de 1967, muitos projetos
foram desenvolvidos por Maissiat, que foi nomeado diretor da faculdade em março de 1963. Na aula inaugural do curso, a emoção pelo ato tornou-se ainda mais forte com a apresentação do Coral de Câmara da UFRGS, regido, na época, por Magdelaine Rufier. Ao lado de Maissiat, nesse momento tão importante, estavam as professoras-fundadoras da Escola de Belas Artes Glória de Lourdes Chagas, Débora Kac e Mágali Dorfmann. O diretor-fundador trouxe grandes nomes do cenário musical nacional e internacional para Santa Maria. Entre eles, Roberto Szidon, Flávio Oliveira e a família Benda – Sebastian, Luzia e Dora Benda. Em 1963, iniciaram-se os cursos de graduação em piano, e, no ano seguinte, foi criado o setor de Artes Visuais. Durante os anos em que esteve à frente da direção da faculdade, Maissiat organizou o 1º Concurso Nacional de Piano Heitor Villa-Lobos em Santa Maria, no qual se reuniram muitas personalidades do meio artístico, inclusive a viúva de Villa-Lobos,
Arminda. Na sua gestão, também foi criada a Escolinha de Artes da Faculdade de Belas Artes, a segunda do Brasil – a primeira era do Rio de Janeiro. Em 1964, criou o Coral da Faculdade de Belas Artes, regido por Ana Maria Klieman Mols, e a Orquestra de Câmara, cuja regência foi desempenhada por Jean-Jacques Pagnot. Em novembro de 1967, o pianista teve de fazer outra importante escolha profissional. Viajou para Portugal, com bolsa de estudos na Fundação Calouste Gulbenkian. Ele foi selecionado pela instituição entre 30 candidatos. Maissiat, que deu início aos seus estudos de piano em Santa Maria aos 6 anos, fez belos projetos pela cidade e, hoje, dá oportunidades a milhares de estudantes para seguir os seus passos. – Quem passa pelo Centro de Artes e Letras está usufruindo de toda a minha luta – diz o diretor-fundador. Belas escolhas, bela trajetória – de Maissiat e de outros tantos artistas que seguem o seu caminho pelo Centro de Artes e Letras.
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UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA REPRODUÇÃO/UFSM
O primeiro reitor eleito
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omar as rédeas de uma universidade federal, impor limites quando a sociedade queria se livrar das amarras da ditadura, circular com credibilidade e segurança entre conservadores e esquerdistas, valorizar a ciência, a pesquisa e a educação. Essas foram as missões de Gilberto Aquino Benetti, o primeiro reitor eleito da UFSM. O ano era 1984, e a democracia ainda dava passos cambaleantes pelo país quando o engenheiro civil, que se formou na primeira turma do curso na UFSM e emagreceu cerca de 20 quilos enquanto esperava pela sua nomeação, ocupou a sala da Reitoria e deu início a uma administração que seria considerada um marco, pelas circunstâncias históricas e pela natureza inovadora. O cenário político da época se refletia em uma Reitoria extremamente forte e centralizadora. A primeira grande mudança promovida por Benetti foi dar maior autonomia para os cursos. As solenidades de formatura, por exemplo, deixaram de fazer parte das obrigações da Reitoria e passaram a ser responsabilidade dos centros, que também começaram a receber verba – antes, todo o dinheiro ia para as pró-reitorias. A vontade de suprir os anseios democráticos fizeram com que Benetti – que antes de assumir a dianteira da instituição já havia participado da Fundação de Apoio à Tecnologia e à Ciência (Fatec) e do Centro de Processamento de Dados (CPD) da instituição – proporcionasse à história da UFSM um momento ímpar: a Assembleia Universitária. O episódio ocorreu em 1986 e reuniu milhares de estudantes, professores e funcionários no estádio de futebol do Centro de Educação Física e Desportos (CEFD). Com um microfone em mãos, ligado a um grande aparelho de som, o então reitor expôs as dificuldades de repasse de verba pelas quais passava a Federal. A comunida-
Helios Bernardi
E LETÍCIA BENETTI, ARQUIVO PESSOAL
Gilberto Benetti Gilberto Aquino Benetti nasceu em 7 de março de 1943 e morreu em 20 de abril de 2008. Foi o primeiro reitor eleito, ajudou a criar o catálogo de pesquisas da Fundação de Apoio à Tecnologia e à Ciência (Fatec) e do Centro de Processamento de Dados (CPD) e promoveu a única assembleia universitária da instituição
O segundo reitor da UFSM nasceu em 7 de dezembro de 1912 e morreu em 20 de outubro de 1981. Helios Homero Bernardi comandou a UFSM entre 1973 e 1977, foi o responsável pela implantação da infraestrutura do campus de Camobi, como as instalações do sistema de esgoto e de poços artesianos e das redes de telefonia e elétrica
de universitária decidiu cruzar os braços. A greve durou cerca de 20 dias. Também foi na gestão de Benetti – um homem alto, elegante, carismático e para lá de bem-humorado – que foi criado o primeiro catálogo de pesquisas, que conferia mais transparência aos trabalhos científicos. Benetti lutou por melhores salários dos professores. No primeiro semestre à frente da UFSM, fez questão de seguir em sala de aula, formando novos engenheiros, e enfrentou protestos de estudantes que tomaram a Reitoria inúmeras vezes, exigindo cada vez mais liberdade. – O Benetti tinha uma capacidade notável de trabalhar em equipe. Todos nós, próreitores, tínhamos uma relação de lealdade com a equipe, inspirados pelo jeito de ser do nosso reitor – lembra o professor de departamento de Filosofia da UFSM Ronai Pires da Rocha, que foi pró-reitor de Graduação na gestão de Benetti. Em 1988, Benetti deixou a Reitoria. Depois, mudou-se para Brasília, onde foi um dos presidentes do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, além de coordenar o Programa de Modernização e Consolidação da Infraestrutura das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes). No Ministério da Educação (MEC), fez assessoria para a Secretaria de Ensino Superior e ocupou os cargos de secretário-executivo do Conselho Nacional de Educação e de coordenador-geral de Desenvolvimento de Projetos de Fomento às Ifes. O ex-reitor também prestou consultoria para a Federação Nacional da Indústria e foi consultor do Ministério da Ciência e Tecnologia e gerente executivo de Educação empresarial no Instituto Euvaldo Lodi. Benetti morreu na madrugada de 20 de abril de 2008, aos 65 anos, vítima de um enfarte. Ele era casado com Sônia Maria, pai de Georgia e Letícia e avô de Gabriela, Giovana e Luísa.
Legado deixado sob a terra
m política, é comum dizer que obras de saneamento não trazem votos. Afinal, todo o investimento fica escondido sob a terra. Helios Homero Bernardi não era político, mas tinha receio que o seu legado à frente da UFSM caísse no esquecimento das gerações futuras. Farmacêutico e professor de História Natural e Ciências, o segundo reitor da Federal foi o responsável pela implantação de toda a infraestrutura do campus da universidade, incluindo a rede elétrica subterrânea e a de telefonia, além do sistema de esgotos e de poços artesianos. Os serviços foram implantados durante sua gestão, que sucedeu à do fundador da Federal, José Mariano da Rocha Filho. Helios Bernardi comandou a primeira universidade federal em uma cidade do Interior no período de 16 de novembro de 1973 a 10 de dezembro de 1977. “Como me dediquei a fazer obras subterrâneas, redes de telefone, luz e água, não serei lembrado, porque são obras que ficam escondidas”, confidenciou, certa vez, ao amigo James Pizarro, hoje professor aposentado da UFSM e morador de Florianópolis (SC). Mas a justiça está sendo feita. Foi devido à infraestrutura que Helios Bernardi legou às futuras gerações que hoje, quase quatro décadas depois, as milhares de pessoas que trabalham,
estudam e até moram na Cidade Universitária têm garantido o conforto e a saúde. Entre as honrarias recebidas pelo ex-reitor por suas façanhas, algumas até hoje orgulham a família. Entre elas, está a nomeação como presidente honorário do Conselho Nacional de Farmácia, lembra o filho Leonardo de Almeida Bernardi, engenheiro civil e morador em Porto Alegre. Antes de ser nomeado para o cargo máximo da UFSM, Helios Bernardi também foi diretor do Centro de Ciências Rurais e da Faculdade de Farmácia e vice-reitor de Mariano da Rocha. Aliás, para se formar farmacêutico, o jovem neto de imigrante italiano que era dono de uma farmácia em Alegrete – terra natal do ex-reitor – enfrentou longas viagens de navio a vapor para estudar na Faculdade Nacional de Ciências Médicas no Rio de Janeiro. O ano letivo começava em março e só terminava em dezembro. Sua vida foi muito ligada à UFSM. Além de ser o braço direito de Mariano da Rocha durante os primeiros anos de implantação da instituição de Ensino Superior no Coração do Rio Grande, o segundo reitor da Federal era pai de Selene Bernardi Parreira, que dirigiu a biblioteca da universidade. Depois dele, a Reitoria foi assumida por Derblay Galvão. Ele foi casado com Angelina de Almeida Bernardi, já falecida. Morreu em outubro de 1981.
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U
m grande movimento tomou conta de Santa Maria pedindo a criação da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas, entre as décadas de 40 e 50. Mas conseguir o feito não era nada fácil. Em março de 1953, a Associação Santamariense Pró-Ensino Superior (Aspes) se reuniu para tratar do assunto. Foi então que José Mariano da Rocha Filho surpreendeu a todos ao olhar para Carmen Silveira Netto, representante das irmãs franciscanas, e sugerir que elas criassem uma faculdade de Filosofia. Naquele momento, irmã Consuelo, como é conhecida a religiosa, entendeu a importância e as dificuldades da missão que ela e sua irmã, Maria Augusta Silveira Netto, a irmã Felicidade, tinham pela frente. Mas as religiosas, nascidas em uma família de nove irmãos, aprenderam cedo a batalhar pelo que acreditavam. Não foi por menos que, mesmo tendo nascido no interior do Estado, irmã Consuelo se graduou em Letras Neolatinas, na Pontifícia Universidade Católica, em Porto Alegre, e fez especialização no Instituto Santa Úrsula, no Rio de Janeiro. Irmã Consuelo pediu a aprovação da Sociedade Caritativa e Literária São Francisco de Assis, mantenedora da área educacional das irmãs franciscanas, para levar adiante o projeto. Assim que teve a liberação, ainda em dezembro de 1953, começou a visitar pessoalmente pessoas influentes e
governantes da capital do país, naquela época, o Rio de Janeiro. Em 1955, veio o retorno: o Conselho Nacional de Educação autorizou o primeiro processo seletivo para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Imaculada Conceição (FIC). A instalação oficial da faculdade aconteceu em 27 de abril daquele ano, com 41 alunos nos cursos de Pedagogia e Letras. A faculdade se tornou embrião para a sonhada UFSM. Quando a Universidade Federal foi criada, em 1960, uma lei federal determinou que a FIC passasse a integrá-la. Mais tarde, a FIC também deu origem ao Centro Universitário Franciscano (Unifra). Mas a atuação de irmã Consuelo não parou por aí. Em 1968, quando foi aberta a Faculdade Interamericana de Educação pela UFSM, por meio de um convênio com a Organização dos Estados Americanos (OEA), ela se tornou sua diretora. Passaram por essa pós-graduação, entre 1970 e 1977, sete turmas com vários estudantes procedentes de Colômbia, Chile, Guatemala, Uruguai, Panamá, Paraguai, Bolívia e República Dominicana. A religiosa se aposentou da UFSM em 1982. Hoje, aos 96 anos, vive no Convento São Francisco de Assis, na Avenida Medianeira, e já recebeu várias distinções pelos trabalhos realizados. Mas a maior de todas as recompensas é o fato de ver formados, todos os anos, centenas de alunos, graças à luta que um dia travou em prol da educação.
SCALIFRA, DIVULGAÇÃO
Fé na educação Carmen Silveira Netto, nascida em 16 de março de 1914, lutou pela criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Imaculada Conceição (FIC), que integrou a UFSM quando ela foi criada, em 1960. A FIC ainda tornou-se embrião das Faculdades Franciscanas (Fafra), que deram origem ao Centro Universitário Franciscano (Unifra)
Irmã Consuelo
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C
ada tijolo assentado nos prédios erguidos no campus da UFSM na década de 60 tem um pouco da história do engenheiro civil José Basilio da Rocha Netto, hoje com 75 anos. Há mais de 40 anos, José Basilio – formado, na época, há pouco mais de um ano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – recebeu um convite um tanto desafiador. O fundador da UFSM, José Mariano da Rocha Filho, queria a ajuda dele para tornar realidade a primeira instituição pública de Ensino Superior do interior do país: a UFSM. Filho de amigos de Mariano da Rocha, o engenheiro aceitou o convite para “essa empreitada” e deixou Porto Alegre. Era a volta para a terra natal, em nome de um projeto maior. José Basilio recebeu do fundador da universidade um Plano Diretor, com muitas obras ousadas e modernas, projetadas em um escritório de arquitetura no Rio de Janeiro. Tratava-se do campus da instituição de ensino. Encarregado de coordenar o canteiro de obras, o engenheiro colocou a mão na massa com a ajuda de mais cinco profissionais e de centenas de operários, buscados, inclusive, em cidades vizinhas a Santa Maria para suprir a falta de operários num primeiro momento. Então, dos dois lados da Avenida Roraima, começaram a nascer os primeiros prédios. O campus nascia em um ritmo acelerado, uma vez que o fundador tinha pressa de instalar os cursos que estavam sendo criados. Na medida em que as salas iam sendo construídas, a UFSM ganhava vida. Engenheiros e operários erguiam os prédios empolgados ao ver o trabalho render frutos em benefício do ensino. À frente da empreitada, José Basilio se deslocava até a estação ferroviária para esperar pelo trem que trazia um dos vagões carregados de cimento para erguer a estrutura dos prédios. Por volta de 1962, o engenheiro assumiu mais uma missão na UFSM. Foi para a sala de aula. Durante o dia, José Basilio era responsável pelas obras no campus. À noite, assumia o papel de professor do curso de Engenharia Civil. A dupla jornada se prolongaria por pelo mais três décadas. Depois de ajudar a universidade a nascer, permaneceu na construção das obras e continuou em sala de aula. Em 1991, aposentou-se do cargo de engenheiro. Cerca de dois anos depois, foi a vez de fechar os livros e guardar o giz. A UFSM, detentora de grande parte da sua história como profissional, passa a integrar parte de seu passado. Para sempre lembrado e celebrado.
UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA JEAN PIMENTEL – 2/08/10
Engenheiro civil nascido em 26 de setembro de 1935, coordenou as obras de fundação do campus da UFSM e foi professor da instituição
José Basilio da Rocha Netto O engenheiro que ajudou o campus a nascer
UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
LAURO ALVES – 11/08/10
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ue a imprensa foi fundamental para a criação da UFSM, ninguém que conheça um pouco da história da instituição desconfia. José Bicca Larré, 81 anos, vai além. Para ele, a UFSM foi toda construída dentro da redação de A Razão. Jornalista desde os 14 anos, na Gazeta do Alegrete, José Bicca Larré chegou a Santa Maria em dezembro de 1950, quando aceitou convite para integrar o jornal da cadeia Diários e Emissoras Associados. Foi lá que conheceu o xará José Mariano da Rocha Filho. Larré atendia o futuro fundador quase todas as noites. O alegretense tratou do maior sonho de Santa Maria à época. Ele conta que não havia um pensamento, uma ação que não fosse divulgada lá. Minucioso, Mariano conferia tudo. No dia seguinte às publicações, juntava a reportagem aos seus arquivos e a mostrava às autoridades. – Desde a primeira vez, quando passou a divulgar a luta em prol da universidade, ele falava como se ela já existisse. Uma crença inarredável – lembra o jornalista sobre o médico pelo qual nutria grande amizade. Uma produção jornalística em especial teria sido fundamental para a criação da faculdade de Medicina. O jornalista fez uma série de oito reportagens sobre a unidade ambulante do Serviço Nacional de Tuberculose, ligado ao Ministério da Saúde, que esteve em Santa Maria. Recebeu, em primeira mão, relatório que apontava Santa Maria como maior foco da doença no Estado. Larré ainda enviou os jornais ao então deputado federal Fernando Ferrari, que conseguiu aprovar a construção de um hospital regional de tuberculose para a cidade. Mariano, que integrava a Sociedade de Medicina, convenceu o Ministério da Saúde a transferir a obra ao Ministério da Educação. O hospital aberto na Rua Floriano Peixoto garantiu a oficialização do curso de Medicina, que já estava no quarto ou quinto ano, sob a tutela da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Era a origem da UFSM. Bicca Larré não foi aluno, professor ou servidor da instituição que o distinguiu com a Medalha de Mérito Universitário. Mas é homem de vasta cultura, de tanto ler e conviver com variadas pessoas, como os amigos João Goulart e Pedro Simon. Sobrevivente de uma infância de fome, trabalhou em diversos jornais e até fundou um – Panorama, em Caxias do Sul. Na Serra, perdeu a primeira mulher, Zeny Dornelles Larré, com quem teve quatro filhos (Maria Cristina, José Bicca Larré Filho, Marcos Eugênio e Rosa Helena). Viúvo, casou-se com a professora e escritora Ruth Farias Larré, com quem teve Ludwig, Flavio e Gustavo. Foi preso político por duas vezes, acusado de ação subversiva. O espiritismo e a maçonaria o ajudaram a superar a morte de José Filho, por esclerose múltipla, e de Flavio, em um acidente de trânsito, aos 3 meses. Hoje, Larré é funcionário federal aposentado, escritor e cronista da revista MIX, do Diário de Santa Maria. Uma de suas crônicas impulsionou um abaixo-assinado que pretende colocar o nome de Mariano da Rocha na entrada do campus. Tem seis livros publicados e dois sendo escritos, além de 17 publicações de produção coletiva da Associação Santa-Mariense de Letras. Foi patrono das Feiras do Livro de São Sepé e Santa Maria, ocupa a cadeira número 4 da Academia Santa-Mariense de Letras e é, desde 2009, Cidadão Benemérito Santa-Mariense.
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A luta pela UFSM passou por estas mãos
Jornalista que registrou todos os passos da luta de Mariano da Rocha pela criação da instituição e fez uma série de reportagens que culminaram na criação do hospital que deu origem à UFSM. José Bicca Larré nasceu em 25 de novembro de 1929
J. Bicca Larré
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UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
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ão raras as pessoas que, na sua vida, conseguem obter um grande feito, fazendo algo que ajude a mudar a história de uma cidade e de um país. São pessoas iluminadas ou talvez predestinadas. Ou simplesmente brilhantes, sonhadoras, determinadas. Na verdade, adjetivos como esses são indicados para definir pessoas como o idealizador, fundador e primeiro reitor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O certo é que o santa-mariense José Mariano da Rocha Filho (1915-1998) não foi uma pessoa comum. Ele foi um visionário, pois enxergava bem à frente dos demais. E não só sonhava alto como corria atrás para realizar suas grandes ideias, como a própria universidade, criada em 1960. Além disso, tinha uma grande preocupação em ajudar os outros e sabia que a educação era uma essencial ferramenta para fazer isso. – O pai sempre dizia: “A educação é o único caminho”. E ele ainda fazia questão de reforçar: “E não existe outro” – lembra uma das filhas, a professora Eugenia Mariano da Rocha Barichello. Já em 13 de abril de 1933, aos 18 anos, Marianinho, como ficou conhecido, escrevia uma carta para sua mãe, Maria Clara Marques da Cunha, dizendo que não esperava que sua vida fosse em vão.“Agora quero dar-vos um abraço e pedir a bênção para que este vosso filho seja um homem que produza alguma coisa à humanidade”, escreveu. E foi justamente na educação que ele fez seu grande ato pela humanidade. Mariano abdicou de muito em prol de sua Nova Universidade. Recusou propostas para trabalhar em Porto Alegre como professor da universidade, deixou em segundo plano a carreira de médico e perdeu muitas noites de sono. Mas tudo isso valeu a pena, pois conseguiu concretizar seu sonho maior: a criação da UFSM. Porém, nada foi por acaso. Marianinho seguiu os passos de seu pai. A ligação dos Mariano da Rocha com Santa Maria começou a ser construída antes de Marianinho nascer. A família de seu pai era de Taquari e Pelotas. Seu pai, o também médico José Mariano da Rocha, havia estudado Medicina na Bahia na década de 1890 e, ao retornar ao Rio Grande do Sul, resolveu ir trabalhar na promissora Santa Maria, onde conheceu e casou com a santa-mariense Maria Clara. Já percebia, na época, que o mundo era bem maior que o Brasil e, de 1904 a 1906, especializou-se na Europa, em Viena, Berlim e Paris. Médico renomado, tinha uma visão de mundo que serviu de inspiração à família. José Mariano da Rocha Filho nasceu em 1915 e era o oitavo dos 10 filhos de José e Maria Clara. O espírito de liderança de Marianinho aflorou já na adolescência, no Colégio Santa
Maria, e se confirmou quando o jovem foi estudar Medicina em Porto Alegre. Em 1934, com a criação da Universidade de Porto Alegre (UPA) por Flores da Cunha, ele fundou a Federação dos Estudantes Universitários de Porto Alegre (Feupa), responsável pela criação da primeira Casa do Estudante no Estado. Em 1938, Marianinho fez questão de voltar para Santa Maria, onde passou a lecionar na Faculdade de Farmácia, a primeira da cidade, que havia sido fundada por seu pai e seu tio, Francisco. É quando a história de Mariano começa a se confundir com a trajetória de criação da UFSM. Além de assumir a direção da Faculdade de Farmácia e de batalhar e conseguir a anexação dela à URGS, Marianinho fundou a Associação Santamariense Pró-Ensino Superior (Aspes), em 1948, que propiciou a criação de novas faculdades. Mas foi em 1953, em sua viagem a renomadas universidades da Europa e dos Estados Unidos, que ele amadureceu o seu projeto de criar a UFSM. As observações feitas por Mariano nos principais centros de Ensino Superior do mundo serviram de inspiração para a sua universidade. Tanto é verdade que foi nessa época que Mariano começou a escrever o livro USM, a Nova Universidade, no qual definiu como deveriam ser as novas instituições de Ensino Superior: – A Nova Universidade não admite mais muros ou outras barreiras que a separem dos grandes problemas do país. – Mariano era um visionário. Às vezes, não se conseguia acompanhá-lo – lembra o professor aposentado Luiz Gonzaga Isaia, que foi um dos braços direitos de Mariano na construção da UFSM.
Ele merece a maior das homenagens
Nascido em 12 de fevereiro de 1915, José Mariano da Rocha Filho fundou a UFSM em 14 de dezembro de 1960. Morreu em 15 de fevereiro de 1998
MUSEU GAMA D’EÇA, DIVULGAÇÃO
José Mariano da Rocha Filho
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MUSEU GAMA D’EÇA, DIVULGAÇÃO
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Educação para todos
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preocupação com o social e com o acesso das pessoas pobres ao Ensino Superior é outra marca de Mariano. Desde 1954, ele já havia começado as tratativas para construir a Casa do Estudante na Rua Professor Braga. A UFSM acabou se transformando na universidade brasileira com a maior política de assistência estudantil. Mariano também foi considerado pioneiro no Brasil por instituir bolsas de ensino aos estudantes ainda na década de 1950. No início da USM (cujo nome passou para UFSM em 1965), a universidade tinha seus próprios ônibus para levar os alunos ao campus. Mariano dizia que, enquanto fosse reitor, o transporte seria de graça. Outro grande feito dele foi a criação de extensões da UFSM, nos anos 1960, em 14 cidades gaúchas, com a instalação de cursos universitários com professores da UFSM e apoio de prefeituras e da comunidade. Em 1972, a universidade tinha 22 cursos fora de sede, na chamada área geoeducacional de abrangência da Federal. Além de democratizar o Ensino Superior, essa iniciativa acabou dando origem a universidades como Unisc, Urcamp, URI e Unicruz. Como integrante do Conselho Federal de Educação, foi responsável pelo parecer que permitia às universidades manter cursos fora de sua cidade-sede – o que ele denominava de Multiversidade. Como conselheiro do Projeto Rondon, propôs a criação do primeiro campus avançado de uma universidade para levar desenvolvimento à Amazônia e atuar com ações continuadas, e não esporádicas. Com isso, a UFSM criou um campus avançado em Boa Vista, capital de Roraima, para onde os alunos e professores de Santa Maria iam para ajudar as comunidades pobres – a iniciativa ajudou na criação da Universidade Federal de Roraima. São exemplos como esse que mostram que Mariano enxergava à frente de seu tempo. – Um dia, estávamos parados no posto de combustível que tinha no caminho até
Do mundo para Santa Maria
A história ■ 1915 – No dia 12 de fevereiro nasce, em Santa Maria, o oitavo filho do médico José Mariano da Rocha e de Maria Clara Marques da Rocha ■ 1934 – O estudante da Faculdade de Medicina da Universidade de Porto Alegre funda a Federação dos Estudantes Universitários de Porto Alegre (Feupa), que cria a primeira Casa do Estudante no Estado ■ 1938 – Inicia as atividades como professor da Faculdade de Farmácia de Santa Maria, um ano depois da formatura. Em agosto, casa-se com Maria Zulmira Velho Dias na Igreja Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre
Reitor-fundador foi escolhido um dos 20 gaúchos que marcaram o século 20
■ 1951 – Funda a Associação Médica do Rio Grande do Sul (Amrigs)
o campus. Era tudo estrada de chão, um descampado. O dono do posto não acreditava que a universidade iria virar realidade. Já o Mariano dizia: “Amanhã ou depois, isso aqui vai estar cheio de casas”. E ele estava certo – lembra Luiz Gongaza Isaia. Em 1973, quando deixou o cargo de reitor, Mariano já tinha boa parte do campus construído. Nesse mesmo ano, o Conselho Universitário da UFSM deu seu nome ao campus, o que está registrado em uma placa de bronze abaixo do arco de entrada da universidade e registra “Cidade Universitária Prof. Dr. José Mariano da Rocha Filho”. Mariano seguiu atuando como médico e teve frustrada sua tentativa de seguir uma carreira política, não tendo sido eleito para senador, em 1978, e para deputado federal, em 1982. Em 1989, voltou para a UFSM, a convite do reitor Tabajara Gaúcho da Costa, para ocupar o cargo de assessor de Assuntos Internacionais. Ele seguiu atuando em
Finalmente, quando conseguiu ver seu sonho realizado, com a criação da UFSM, em 14 de dezembro de 1960, Mariano passou a trabalhar em ritmo ainda mais frenético. Afinal, havia uma universidade inteira para ser construída. Como resultado, acabou tendo um enfarte em 15 de maio de 1962. O susto serviu de lição, e ele passou a se cuidar mais, indo almoçar sempre em casa. À noite, jantava e, depois, ia para a biblioteca ouvir música clássica enquanto resolvia os últimos assuntos pendentes do dia – as músicas preferidas eram as Bachianas Brasileiras, de Heitor Villa-Lobos. Além disso, sempre que podia, ia ao cinema com a mulher e os filhos. – Como havia duas sessões na noite, ele não se importava em
entidades de educação da região e integrou o Conselho Estadual de Educação e o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul. Como reconhecimento, recebeu o título de cidadão honorário de várias cidades gaúchas e de outros Estados brasileiros beneficiados por suas obras. Em 1991, recebeu o título de Santa-Mariense do Século. E 1999, após sua morte, foi eleito, com mais de 90 mil votos, na lista dos 20 Gaúchos que Marcaram o Século 20, uma promoção da RBS TV. O fundador da UFSM continuou ocupando sua sala, de reitor agregado, no quinto andar do prédio da Reitoria, no campus, até um dia antes de morrer, em 15 de fevereiro de 1998. De bengala, Mariano passava pelos corredores e elevadores e via jovens de 17, 18, 20 anos começando sua aventura pela universidade que ele sonhou e viu nascer e crescer. Mariano partiu com a certeza de que a sua Nova Universidade seguiria viva em busca de seu ideal de defesa da educação.
chegar na metade do filme. Ele só pedia para a gente gravar em que cena havia começado a ver o filme. Assistia até o final e, quando começava a segunda sessão, via o resto – lembra a filha Eugenia, ao comentar a técnica de Mariano para aproveitar o tempo ao máximo, não precisando ficar até o final da última sessão. Com facilidade para aprender línguas, Mariano sabia falar inglês, francês, espanhol, alemão e italiano, o que facilitou os contatos dele com o Exterior. Em suas viagens, convidou professores renomados para vir lecionar em Santa Maria, como os austríacos Robert Joachimovitz e Richard Wasicky, que chegaram à cidade em 1958 – Wasicky ficou conhecido como o Sábio de Viena e foi quem apresentou a Mariano os professores
Artur e Anna Primavesi, também austríacos, em 1960. Mariano também fez convênios de cooperação e intercâmbio com várias universidades alemãs, além de ter conseguido uma grande quantidade de doações de equipamentos para a UFSM. O fundador também conseguiu convênio com entidades como a Organização das Nações Unidas (ONU) para desenvolver projetos de fomento à produção agropecuária no Estado. Foi pioneiro também em montar o primeiro curso de mestrado em Educação para professores de toda a América Latina, pois defendia que a educação seria uma forma de integrar os países. O curso funcionava no prédio da Faculdade Interamericana, construído em frente ao Hospital Universitário.
■ 1957 – O educador apresenta ao presidente Juscelino os planos para a criação da Universidade de Santa Maria ■ 1958 – O médico introduz a televisão em circuito fechado no ensino de cirurgia na América do Sul. Consegue adquirir o segundo microscópio eletrônico instalado em uma universidade latino-americana ■ 1960 – No dia 14 de dezembro, o sonho do educador é concretizado com a criação da Universidade de Santa Maria. A lei 3834-C foi sancionada por Juscelino Kubitschek ■ 1963 – O reitor propõe a fundação do Fórum de Reitores das Universidades Brasileiras e apresenta as reivindicações de todos os reitores brasileiros ao presidente João Goulart ■ 1973 – O reitor fundador é homenageado pelo Conselho Universitário da UFSM que denomina o campus com o seu nome ■ 1978 – Concorre ao Senado pela Arena ■ 1982 – Disputa uma vaga na Câmara Federal ■ 1991 – Recebe o título de Cidadão Santa-Mariense do Século, concedido pela Câmara de Indústria de Santa Maria (Cacism) e pela Câmara dos Vereadores ■ 1998 – No dia 15 de fevereiro, Mariano morre no Hospital de Caridade ■ 1999 – Em julho, Mariano da Rocha é eleito, com mais de 90 mil votos, na lista dos 20 Gaúchos que Marcaram o Século 20, uma promoção da RBS TV
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Fundadora da Escolhinha de Artes da UFSM, projeto inédito no país, Lia Maria Cechella Achutti atuou como professora e coordenadora das Artes Plásticas, chefe do departamento de Artes Visuais e diretora do Centro de Artes e Letras. Nasceu em 22 de julho de 1928 LAURO ALVES – 28/07/08
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Uma vida entrelaçada com as artes
trajetória dela e a história do Centro de Artes e Letras da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) andam de mãos dadas. Descendente de italianos e libaneses, Lia Maria Cechella Achutti, 82 anos, já viajou o mundo apreciando e expondo obras de arte. A vida da artista plástica se entrelaçou com a UFSM em 1966. O então reitor Mariano da Rocha convidou Lia para criar um plano de ensino, estruturar e coordenar o curso de Desenho e Plástica. Ela não hesitou. E, após receber a difícil tarefa, foi professora, chefe do departamento de Artes Visuais, dirigiu o Centro de Artes e Letras (CAL) e viu, de perto, por 25 anos, a UFSM crescer. Em 1992, Lia se aposentou. Mas a dedicação à arte, que lhe permitiu conhecer mais de 15 países, não a afastou dos bancos escolares. Aposentada apenas no papel, a artista plástica ministra, há oito anos, cursos de bordado e pintura em quadros em seu ateliê. Sentada na sala de sua casa, envolta em quadros e fotografias – quase todos de sua autoria –, a artista não esconde o sorriso ao saber que, para muitas pessoas, ela faz parte da história artística e cultural da maior universidade do Centro do Estado. – A UFSM me enriqueceu como pessoa e como profissional. A educação, o ensino e os conheci-
mentos que adquiri lá irão valer para toda a minha vida. Compreender melhor o ser humano, fazer com que crianças e jovens se interessem pelas artes, enfim, a universidade me propiciou tudo isso – ressalta. Lia é santa-mariense, lecionou nas escolas estaduais Maria Rocha e Olavo Bilac e participou de projetos inéditos da Federal. Foi fundadora da Escolhinha de Artes da UFSM, que, à época, tratava-se de um trabalho pioneiro que se propunha a inserir crianças no mundo das artes. Em 1970, ela criou, com apoio de colegas do CAL, um programa semanal ao vivo – que durou três anos – que era transmitido para todo o Estado pela TV Imembuí, hoje RBS TV Santa Maria. Todas às quartas-feiras à tarde, o Escolhinha TV Educativa fazia oficinas de pintura, teatro e outras atividades lúdicas que interagiam com os pequenos artistas. Todo o apreço pelas artes vem de berço. Ela admite, orgulhosa, que herdou a sensibilidade artística do pai e da mãe. Ensinando crianças, adolescentes e adultos sobre a importância da arte na vida das pessoas, Lia formou e estudou com centenas de artistas que passaram pelos corredores do CAL. – Foram vários anos de troca de experiências e trabalhos em conjunto. Muita dedicação e encantamento pelo que se fazia – afirma, emocionada com a homenagem recebida nos 50 anos da UFSM.
Lia Achutti
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Luiz Gonzaga Isaia nasceu em 4 de janeiro de 1927. Participou da fundação da UFSM, dos cursos de Direito e Ciências Contábeis e foi o primeiro diretor da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas. Foi um dos fundadores da Associação Santamariense PróEnsino Superior (Aspes) e o primeiro a assumir a administração central da universidade
CLAUDIO VAZ – 27/09/10
Luiz Gonzaga Isaia
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m 382 páginas, o santa-mariense Luiz Gonzaga Isaia, 83 anos, conta como foi a fundação da UFSM. O livro UFSM – Memórias traz relatos, ilustrações, fotos e recortes de jornal que narram a participação do autor, ao lado do professor José Mariano da Rocha Filho, na criação da instituição, no período de 1931 a 1974. Uma das imagens mais raras é a da capa, que mostra o momento em que o presidente Juscelino Kubitschek assina a Lei nº 3.834-C, criando a UFSM. Mas as memórias do professor Isaia são mais remotas. Remetem à infância, na casa onde nasceu, na Avenida Rio Branco, onde hoje fica o Edifício Mauá. O mais jovem de sete filhos homens também teve cinco irmãs. Os pais, José e Clara Isaia, eram imigrantes italianos. Desde criança, Luiz Gonzaga Isaia estudou no antigo Colégio São Luiz, após no Colégio Santa Maria, onde também fez o curso de contador. Mas o envolvimento com a educação veio antes da conclusão do curso. O estudante e os colegas tiveram a ideia de fundar uma faculdade de ciências políticas e econômicas. A iniciativa vinha da vontade de seguir os estudos em Santa Maria, que só dispunha da Facul-
Guardião da memória e primeiro administrador dade de Farmácia. O movimento iniciado no começo da década de 40 ganhou força com a Associação Santamariense Pró-Ensino Supeiror (Aspes), fundada em 1948. Segundo Isaia, a entidade foi responsável por promover o Ensino Superior na cidade, sob a presidência do professor José Mariano da Rocha Filho. Enquanto isso, Isaia fez o curso de Ciências Políticas e Econômicas na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Para custear os estudos e as despesas das viagens de trem à capital gaúcha, ele trabalhava nas lojas de calçados da família. Primeiro como vendedor e, depois, na administração. Formou-se em 1951 e, no ano seguinte, presidiu o Sindicato dos Contabilistas de Santa Maria, promovendo uma campanha para a criação da faculdade da área na cidade.
– Depois que conheci o doutor Mariano, passei a ter um ideal mais forte. Éramos amigos a toda prova – declara. O sonho da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas só virou realidade em dezembro de 1953. Isaia foi o primeiro diretor do curso, aos 26 anos. Participou da fundação da UFSM, em dezembro de 1960. A convite do Reitor Mariano da Rocha, assumiu a administração central da universidade. O compromisso, no setor administrativo, durou 10 anos. Isaia também foi um dos fundadores da Faculdade de Direito e de Ciências Contábeis. Foi o primeiro diretor do Centro de Ciências Jurídicas, Econômicas e Administrativas, atual Centro de Ciências Sociais e Humanas. Ainda atuou como diretor do curso de Economia. Na área pedagógica, lecionou 35 anos em oito cursos. Aposentou-se em 1991.
– A universidade me ocupava todo o dia e a noite, às vezes, os finais de semana também. Foi uma dedicação total. Sou homem de fé e acredito que tivemos uma proteção de Deus e de Nossa Senhora Medianeira muito grande – acredita. Atualmente, além de colaborar na área social e fazer palestras, gosta de passar as horas de lazer lendo, ouvindo música erudita ou na sua chácara, em Itaara. A mulher, Lygia, ele conheceu em 1953. Casou-se com ela um ano depois, teve dois filhos e uma neta. – Mariano dizia: “nós somos simplesmente a cinta que enfeixou os ramos para que ele se tornasse mais forte. Sozinhos não somos nada, somos fortes unidos. A universidade é um milagre, sim, mas é uma força dada por milagre aos que tiveram a ventura de participar dos primeiros momentos até hoje” – comenta.
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Maria Wardereza Schmidt
M Trajetória
JEAN PIMENTEL – 2/09/10
entre os números
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ensibilidade social e romantismo sempre fizeram parte da vida do professor aposentado Noli Brum de Lima, 71 anos. Atualmente, esse sentimento se expressa na sua rotina em Paris, onde vive desde 1997. Admirador das artes plásticas e da literatura, costuma frequentar teatros, museus, cinemas, ler bons livros e fazer viagens culturais pela Europa. No passado, ele dedicou toda sua paixão e seu envolvimento à UFSM. Além de sua dedicação de 28 anos ao curso de Filosofia, tempo em que ajudou a formar competentes profissionais, Lima também contribuiu com as lutas dos professores. Junto com outros colegas, ele foi um dos fundadores da Associação dos Professores Universitários de Santa Maria (Apusm), um mecanismo de valorização da profissão que serviu como embrião para a sindicalização. Mais do que isso, coube a Lima o cargo de primeiro presidente da Apusm, em 1967: – Tenho muito orgulho. A Apusm foi o resultado de um sonho coletivo. Esta antiga realidade acabou se tornando maior do que os maiores sonhos dos fundadores. A Apusm foi, sem dúvida, o ponto culminante de minhas atividades
Uma das primeiras professoras mulheres na graduação de Economia, em 1960, quando o curso ainda nem fazia parte das opções oferecidas pela UFSM. Maria Wardereza Cezimbra Schmidt ajudou a criar e coordenou, por muitos anos, o Instituto de Estudos e Pesquisas Econômicas (IEP). Nasceu em 9 de julho de 1937
aria Wardereza Cezimbra Schmidt viveu mais de 30 anos entre os números, sendo 20 deles na UFSM. Economista formada pela Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas, da Sociedade Meridional de Educação (Some), na segunda turma do curso, em 1959, dividiu com o marido, Fernando Adão Schmidt, conhecido como Schmidtão, a paixão pela economia. O radialista, voz familiar aos santa-marienses, formou-se na mesma faculdade, em 1958. Apenas um ano depois de diplomada, Maria Wardereza foi chamada para dar aula na instituição na qual havia se formado – à época, faltavam professores. A disciplina era estatística. No final de 1960, o curso passou a fazer
como professor e cidadão comprometido com o Ensino Superior. Lima nasceu em Santa Rosa, no noroeste gaúcho, em 1939, onde cursou o primário e o ginasial. Os estudos foram concluídos em Porto Alegre, onde fez o científico, antes de ingressar no Ensino Superior no Coração do Rio Grande. Foi na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Imaculada Conceição (FIC) que ele se formou em Filosofia. Em 1966, um ano antes da fundação da Apusm, Lima foi contratado pela UFSM, como auxiliar de ensino no curso de Filosofia. Com o passar do tempo, vieram os cargos de chefe de departamento, por cerca de 20 anos, onde organizou o projeto para a implantação do curso de mestrado em Filosofia, em 1973, e participou de comissões para tratar da reforma para a instalação do Centro de Estudos Básicos. Além disso, lecionou diferentes disciplinas nas áreas de Filosofia, Sociologia e Psicologia. A aposentadoria veio no ano de 1994. Divorciado, Noli Brum de Lima é pai de três filhos: Marcelo, Rodrigo e Paula. Os dois últimos são formados, respectivamente, nos cursos de Fisioterapia e Engenharia Florestal pela UFSM.
parte das chamadas Escolas Agregadas da recém fundada Universidade de Santa Maria (USM), depois rebatizada de UFSM. Em meados do mesmo ano, Maria Wardereza ajudou a criar o Instituto de Estudos e Pesquisas Econômicas (IEP). Ela se dividia entre a sala de aula e a coordenação do grupo. Em 1970, o curso passou a ser, oficialmente, uma graduação da Federal. À época, Maria Wardereza e Schmidtão estavam voltando de uma temporada de dois anos nos Estados Unidos, após a conclusão do mestrado dela, na Michigan State University. Mal retornou à cidade, e a economista foi convidada para assumir a Pró-Reitoria de Planejamento. No cargo, ela ficou até 1982, quando se aposentou da UFSM. – Ela era extremamente devotada à universidade, a dedicação era exclusiva.
Passava noite e dia lá, se fosse preciso. A tensão era constante. Ela pegou uma época difícil, com a inflação altíssima e o dinheiro curto – lembra o marido. Depois da aposentadoria, vieram outras atividades. Ela se afastou da academia, mas não dos números. Foi secretária municipal de Finanças, durante o mandato de Evandro Behr à frente da prefeitura, e continuou a assessorar entidades. Agora, Maria Wardereza se recupera de problemas de saúde. Ela busca força na família – ela e o marido tem três filhos e quatro netos – para seguir em frente. Questionada sobre sua trajetória na UFSM, não esconde o orgulho de ter ajudado a construir a, atualmente, maior universidade pública do Estado. – Sinto prazer em ver aonde a universidade chegou – afirma.
Primeiro presidente da Apusm Noli Brum de Lima nasceu em 11 de setembro de 1939. Professor de Filosofia aposentado da UFSM, foi chefe de departamento do curso por cerca de 20 anos e ainda lecionou no curso de Psicologia. Em 1967, foi um dos fundadores e primeiro presidente da Associação dos Professores Universitários de Santa Maria (Apusm)
Noli Brum de Lima
DIVULGAÇÃO APUSM
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O reitor do famoso Peies
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Odilon do Canto Odilon Antonio Marcuzzo do Canto nasceu em 24 de novembro de 1944. Ex-chefe do Departamento de Física e diretor do Centro de Ciências Naturais e Exatas, foi reitor da UFSM de 1993 a 1997. Atuou ainda como presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), presidente da Fundação de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (Cientec) e presidente da Associação dos Reitores das Universidades Públicas do Brasil (Andifes)
dilon Marcuzzo do Canto ri ao lembrar da forma inusitada como entrou na UFSM. Ou melhor, como retornou à instituição, na qual havia se graduado em Engenharia Civil em 1968. O convite para lecionar, feito pelo professor Júlio Menegassi, surgiu enquanto Odilon trocava o pneu do seu antigo Fusca na Rua Venâncio Aires, no centro de Santa Maria. E foi assim, meio sem querer e, até então, sem nunca ter colocado a carreira acadêmica como prioridade profissional, que ele deu o pontapé inicial na sua trajetória como professor universitário, em abril de 1971. Ao longo de quase 30 anos na UFSM, Odilon lecionou disciplinas relacionadas ao uso de tecnologias nucleares em vários cursos de graduação e pos-graduação. Porém, foi fora da sala de aula e dos laboratórios que o engenheiro e professor escreveu o seu nome na história da universidade como o reitor que conciliou qualidade de ensino com compromisso social da universidade. – Em um país já desenvolvido, a universidade é um espaço de produção e reprodução do conhecimento. Já em um país em desenvolvimento, a universidade não pode perder de vista a sua excelência científica, mas ela tem também um papel mais amplo, de ajudar a construir esse tecido social, que não pode ser ignorado – compara o ex-reitor. O primeiro cargo de chefia ocupado por Odilon do Canto na UFSM foi no Departamento de Física, em 1984, logo após retornar do doutorado em Energia Nuclear nos Estados Unidos. E não por acaso. Foram quatro anos de permanência na Universidade de Berkeley, na Califórnia, considerada a melhor universidade pública do país e berço de vários ganhadores do Prêmio Nobel. O ambiente de contestação política de Berkeley, de certa forma, influenciou Odilon que, na sua volta a Santa Maria, acabou assumindo, em sequência, o Departamento de Física, o Centro de Ciências Naturais e Exatas, até chegar à Reitoria, em 1993 (no ano de 1989, ele havia disputado a eleição como vice na chapa de Érico Lopes Henn, mas foi derrotado por Tabajara Gaúcho da Costa). No cargo mais importante da UFSM, o aprendizado da época nos Estados Unidos foi aproveitado mais uma vez. Inspirado nos testes de aptidão aplicados nas escolas norte-americanas como forma de seleção ao ensino universitário, Odilon chegou à conclusão que era preciso criar uma alternativa de processo seletivo que fosse mais acessível aos alunos do Ensino Médio do que o vestibular. Convocou uma equipe de professores para trabalhar em cima de um projeto no Brasil. Assim, em 1995, surgiu o Programa de Ingresso ao Ensino Superior, o famoso Peies. Ao final de cada ano, os alunos de colégios gaúchos e de outras partes do Brasil realizam provas que valem como um sistema de vestibular seriado para o qual são reservadas 20% das vagas oferecidas pelos cursos da UFSM. – Um aluno que vem do interior de Santiago e fica acampado em uma barraca no campus durante a semana do vestibular não está tendo as mesmas condições de acesso do que um aluno que mora em Santa Maria ou que pode ficar hospedado em um hotel durante o vestibular na sua cidade, nas acomodações da sua escola e tendo acesso ao mesmo conteúdo do aluno que está aqui em Santa Maria – explica Odilon do Canto. Após deixar a Reitoria, em dezembro de 1997, Odilon do Canto foi chamado para ocupar cargos de chefia na Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), na Fundação de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (Cientec) e na Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), ligada ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Atualmente, divide-se entre as funções de secretário-geral da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), presidente da Seção LatinoAmericana da American Nuclear Society (LAS/ANS), presidente do Comitê Brasileiro de Metrologia e do Conselho da Sociedade Brasileira de Metrologia. Sempre com o mesmo desafio: aliar qualidade com o compromisso social das instituições.
O arquiteto que desenhou o campus
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primeiro ano da década de 1960 foi muito marcante na vida profissional do arquiteto Oscar Valdetaro de Torres e Mello. Na época, ele venceu um concurso para projetar uma cidade universitária e abriu uma champanhe para comemorar tão importante conquista. Ex-desenhista e estagiário do famoso arquiteto Oscar Niemeyer, Valdetaro, como era conhecido, teve seu sonho realizado no Coração do Rio Grande. Ele é o arquiteto que assina o projeto do campus da primeira instituição pública de Ensino Superior do interior do país, a UFSM. Depois de ter vivido parte da infância na cidade onde seu pai serviu como militar, Valdetaro, que é natural de Minas Gerais, restabelecia os laços com Santa Maria por meio de um projeto educacional, o qual considerava a “menina dos seus olhos”. O desenho do campus foi feito bem longe do centro do Rio Grande do Sul. Inspirado pelas belas paisagens do Rio de Janeiro, o arquiteto projetou prédios modernos e ousados para o campus da UFSM. Era na Cidade Maravilhosa que funcionava o escritório de Valdetaro, que contava também com outros arquitetos. Enquanto dava forma ao campus, Valdetaro recebia frequentes visitas do fundador, José Mariano da Rocha Filho.
Ele costumava conferir de perto o andamento do projeto. A aproximação rendeu uma amizade entre ambos, que, até o concurso da escolha do arquiteto, não se conheciam. Com o desenho pronto, era hora de tirar as obras do papel. Uma vez por mês, Valdetaro deixava o Rio de Janeiro rumo a Santa Maria para acompanhar o seu trabalho se transformar em prédios pelo campus. Depois de a universidade ganhar vida, o arquiteto contemplou sua criação, e uma em especial saltou aos olhos: a biblioteca, considerada por ele como a mais bela obra do campus. Com o campus erguido, encerrava a missão de Valdetaro na universidade. De marcantes, ficavam o nome do arquiteto na história da instituição e o prêmio na Bienal de São Paulo conquistado por causa do projeto de Santa Maria. Mas Valdetaro não queria se desligar em definitivo da UFSM. Foi então que encontrou outra forma de manter os laços com a universidade e a cidade, onde fez muitos amigos. O novo projeto também era audacioso: convencer o filho João Valdetaro de Amorim e Mello Neto a sair do Rio de Janeiro para fazer Medicina em Santa Maria. Não foi muito fácil, mas ele conseguiu. Motivos não faltam para a UFSM fazer parte da história de Valdetaro, que morreu em 5 de agosto de 1976, ao 51 anos. REPRODUÇÃO/ARQUIVO PESSOAL
Nascido em 2 de outubro de 1924, o arquiteto Oscar Valdetaro de Torres e Mello projetou o campus da UFSM depois de ter vencido um concurso feito para escolher o profissional que desenharia a Cidade Universitária. Ele morreu em 5 de agosto de 1976
Oscar Valdetaro
REPRODUÇÃO/ARQUIVO PESSOAL
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UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
Paulo Marchiori Foi aluno do curso de Medicina da UFSM e alcançou importantes cargos no âmbito da saúde nacional, entre eles, o de presidente, por duas gestões, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Nasceu em 24 de abril de 1949
Buss
Ex-aluno referência na saúde
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oi na UFSM que Paulo Marchiori Buss começou sua trajetória na Medicina. Nos bancos da faculdade, de 1967 a 1972, o então estudante, nascido em Jaguari, teve contato com aquela que seria uma carreira promissora e de relevância para a saúde nacional. Dois anos depois da formatura, Buss fazia residência médica no Rio de Janeiro (RJ), com planos de voltar para o Coração do Rio Grande. Mas as oportunidades fizeram com que o médico fixasse raízes na capital fluminense. Só o que não mudou, em todos esses anos, é a recordação carinhosa que ele guarda da instituição: – Eu sou muito grato à universidade. Tive a chance de ingressar em uma instituição de muita qualidade. Isso foi fundamental para a construção da minha carreira. Por isso, sou muito agradecido. Em 1974, Buss fez residência médica em pediatria, no Hospital dos Servidores do Estado, no Rio de Janeiro. Mas mantinha vínculos com a UFSM por meio de projetos e publicações científicas. Um ano depois, tornou-se especialista em pediatria pela Sociedade Brasileira de Pediatria e em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública. Em 1976, quando pensava em juntar mala e cuia e regressar ao pampa, surgiu a oportunidade de fazer o mestrado em Medicina Social, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). O curso foi concluído em 1980, mas foi quando o mestrado ainda estava começando que Buss ingressou na Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). De 2001 a 2008, o egresso da Federal foi presidente da Fiocruz. Hoje, é diretor do Centro de Relações Internacionais da entidade. Desde que deixou a universidade, Buss criou até um canal de TV voltado à saúde, além de ocupar diversos cargos de bastante relevância no país. Até o ano que vem, Buss será representante do Brasil no Conselho Executivo da Organização Mundial da Saúde, por indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Autor de centenas de publicações, Buss também já recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais. Entre eles, estão o título de Cidadão Carioca e a Menção Honrosa de Jaguari. O filho da nossa região e pai do biólogo Daniel Buss, 34 anos, espera pela chance de ser avô e mantém, ainda, um vínculo com a UFSM, para continuar fazendo parte de sua história. É um projeto de criação de um Centro de Saúde Humana, Animal e Ecossistema, para estudar doenças como a gripe A, também conhecida como gripe suína, que surgiu da transmissão de vírus entre pessoas e animais. Para Buss, a sua universidade tem um bom Centro de Ciências Rurais, capaz de proporcionar, a ele e à ciência, mais um grande feito.
De líder estudantil a deputado federal
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as lembranças mais marcantes da juventude do deputado federal Paulo Pimenta está a UFSM. Foi dentro do arco da universidade que ele começou a construir a sua carreira política e a ser conhecido por liderar movimentos contra uma ditadura desgastada. Ainda guri, com 13 anos, Pimenta entrou na instituição para fazer o antigo segundo grau no Colégio Agrícola. Foi lá que a vocação política do santamariense começou a despertar. Em 1980, passou a presidir o Grêmio Estudantil. Da época, ficaram em sua memória o comando do time de futebol, como capitão, e a participação nas Olimpíadas da UFSM. Passados os três anos no Colégio Agrícola, de onde saiu como técnico, Pimenta ingressou no curso de Agronomia. Em 1984, ano em que o país clamava por eleições diretas para presidente, o então estudante comandava o Diretório Acadêmico do curso. Pichando um muro na esquina das ruas Professor Braga e Pinheiro Machado com a frase “Diretas urgentes para reitor e presidente” – os estudantes também reivindicavam que o reitor fosse escolhido por eleição –, Pimenta levou um tiro na perna. Ficou meses no hospital, mas o disparo não atingiu seus objetivos. No ano seguinte, foi eleito presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e tomou posse junto com o primeiro reitor eleito pela comunidade universitária, Gilberto Aquino Benetti. Como líder estudantil, ajudou a mobilizar acadêmicos, funcionários e professores a paralisar as atividades como repúdio à ameaça de privatização das universidades. Após um mês de greve, veio a notícia de que, ao invés da temida privatização, seria construída a Casa do Estudante e ampliado o Restaurante Uni-
CLAUDIO VAZ – 26/07/10
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Como presidente do Diretório Acadêmico de Agronomia, Paulo Roberto Severo Pimenta lutou por eleições diretas para reitor. No DCE, o político, nascido em 19 de março de 1965, liderou o movimento contra a privatização das universidades públicas e atuou na conquista da construção da Casa do Estudante, na ampliação do Restaurante Universitário e na meia-passagem para os estudantes
versitário. A conquista foi comemorada com uma passeata pela cidade. A luta pela meia-passagem para estudantes rendeu a Pimenta uma prisão. Foi ele quem liderou o movimento que acabou em quebra-quebra na prefeitura, exigindo o direito dos estudantes de pagarem metade da tarifa do transporte. Em 1988, Pimenta trocou a Agronomia pelo Direito. Mas, ainda não era o que ele queria. Dois anos depois, já como vereador de Santa Maria, passou para Jornalismo e formou-se em 1994. Como deputado, Pimenta propôs uma homenagem à UFSM e um selo comemorativo aos 50 anos da instituição. O ex-reitor Gilberto Benetti, com quem Pimenta tanto brigou quando estudante, agora será homenageado por ele dando nome à Faixa Nova de Camobi. Além disso, o deputado, que foi reeleito à Câmara na eleições de outubro, tem destinado recursos por meio de emendas para a universidade. – Tudo o que eu sou devo à universidade. Por isso, tenho um carinho e uma atenção muito grande pela UFSM – diz.
Paulo Pimenta
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O único reitor reeleito
RONALD MENDES, ESPECIAL – 11/08/10
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aulo Jorge Sarkis viu o campus da UFSM ser criado ainda quando era estudante. Entrou na universidade em 1963, na segunda turma de Engenharia Civil. – Foi a primeira turma a ter aulas no campus durante todo o curso – recorda. Nos tempos de estudante, também se iniciou na política estudantil tendo sido presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFSM em 1965. – Na UFSM, não se sentiu tanta pressão do regime militar. E nossas disputas no DCE eram dentro da universidade, sempre buscando melhores condições para os estudantes. Na época, uma luta grande foi a manutenção do transporte gratuito para o campus por parte da UFSM – recorda. Depois de atuar como professor da Federal, Sarkis foi diretor do Centro de Tecnologia (CT) da UFSM no começo dos anos 90, tendo participado da implantação do curso de Arquitetura e da ampliação e da modernização do CT. Candidatou-se a reitor, mas perdeu. Nas eleições seguintes, tornou-se reitor, em 1997, sendo reeleito em 2001. Em 1996, como diretor do Laboratório de Ciências Espaciais de Santa Maria, participou do planejamento das obras do Centro Regional Sul de Pesquisas Espaciais (CRS) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Como reitor, viabilizou as construções do Inpe no campus da UFSM e em São Martinho da Serra. Sarkis também buscou unir os centros, incentivando projetos interdisciplinares entre os cursos. As marcas da gestão de Sarkis, que terminou no ano de 2005, foram a diminuição da evasão estudantil e o aumento dos alunos vindos das escolas públicas. – Quando assumi, a evasão na UFSM era de 39%. Conseguimos reduzir para 17%, com aumento para mais de 65% de alunos provenientes de escolas públicas – diz. Sarkis conta que esse número foi reduzido por uma série de ações, especialmente pelos investimentos em assistência estudantil. – O estudante carente chegava e não conseguia ficar uma semana por falta de dinheiro. Por isso, melhoramos o espaço da União Estudantil para que os estudantes pudessem ter um lugar para ficar enquanto aguardavam a seleção para vaga na Casa do Estudante. Nesse tempo, o Restaurante Universitário se tornou padrão no país – conta. A ação para diminuir a evasão também contou com projetos para aproximar os jovens da universidade, como a Feira das Profissões, evento em que alunos de escolas de todo o Estado vinham a Santa Maria conhecer os cursos e as suas instalações. O Programa de Ingresso ao Ensino Superior (Peies), implantado na gestão anterior de Sarkis, também foi reformulado e aumentado para ajudar na diminuição da evasão. – Com o Peies, que era conhecido como ingresso alternativo, criamos iniciativas e atividades nas escolas, aproximando estudantes e universidade. E a área de abrangência do Peies alcançou 80% do Estado – conta. Além disso, Sarkis investiu em cursos de línguas, informática e assistência social, religiosa e psicológica para os estudantes. Foi na administração do ex-reitor que foi assinado o contrato entre a Fundação de Apoio à Tecnologia e Ciência (Fatec) e o Detran para a realização dos testes de habilitação. O contrato foi alvo de investigação da Operação Rodin e rendeu um processo criminal, no qual Sarkis é um dos réus. Conforme o ex-reitor,“todas as ilações do Ministério Público Federal estão desmentidas pelas provas”.
Reitor da UFSM por duas vezes, entre 1997 e 2001 e 2001 e 2005, Paulo Jorge Sarkis criou vários projetos e iniciativas que culminaram na diminuição da evasão estudantil. Nasceu em 29 de junho de 1944
Paulo Sarkis
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Ubiratan Tupinambá da Costa nasceu em 23 de abril de 1946. Em 1977, tornou-se diretor do campus da UFSM em Rondônia, cargo que ocupou até 1983. Desenvolveu ações que ajudaram os universitários a adquirir experiência, e os moradores do norte do país, a ter uma vida melhor. Também coordenou o Projeto Universidade Solidária e, desde 2005, comanda o projeto Rondon. É hoje o próreitor adjunto de Assuntos Estudantis da UFSM
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heio de orgulho e com sorriso fácil. É assim que o pró-reitor adjunto de Assuntos Estudantis da UFSM, Ubiratan Tupinambá da Costa, fica ao falar sobre os índios. Não é para menos, o homem que leva nome indígena e é bonachão a ponto de ser mais conhecido pelo apelido, Bira, já dormiu em rede de aldeia, andou de canoa e sabe distinguir os traços de artesanato de cada nação indígena com detalhes. Lições que aprendeu em atividades que levam os conhecimentos da UFSM a lugares distantes, como o projeto Rondon, que coordena há 33 anos. A relação do santa-mariense – nascido pelas mãos de uma parteira na Rua Silva Jardim – com a UFSM começou em 1968, quando fez vestibular para Odontologia, a mesma profissão de um dos irmãos com quem pretendia trabalhar. Em 1976, Bira resolveu tentar integrar o quadro de professores da UFSM. Sem ter experiência ou nome conhecido para ser convidado – naquela época, não havia concurso – trabalhou um ano de graça no projeto Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária (Crutac), indo com estudantes de diferentes cursos desenvolver trabalhos na área de saúde em cidades da região. Para sustentar a família, fazia jornada dupla: de dia, o estágio gratuito e, à noite, os serões no consultório odontológico. Em 1977, surgiu a tão esperada vaga para a qual foi nome-
ado em 1º de fevereiro. No dia 12 de março, Bira já alcançava outro cargo, o de diretor do campus avançado em Roraima. Seu desafio como diretor era ficar em Roraima durante um ano. Acabou permanecendo o dobro. Mas não foram só experiência e amigos que ele adquiriu em uma região que era tão carente. Acabou doente: teve dengue e malária. Mas não desanimou e só voltou para Santa Maria para tentar uma pós-graduação. Quando não conseguiu o apoio que julgava merecer, não teve dúvidas: voltou para Roraima e ficou por lá outros seis anos em cargos na Fundação Nacional do Índio (Funai) e na Secretaria de Educação do Estado. Em 1989, Bira voltou às salas de aula do curso de Odontologia em Santa Maria. De 1997 a 2004, coordenou o Universidade Solidária, com ações semelhantes ao extinto projeto Rondon. Em 2005, quando o Rondon foi retomado, Bira assumiu sua coordenação. Desde então, já atuou em 10 cidades que receberam ações de acadêmicos da UFSM em diferentes áreas. O resultado não é só experiência, mas também uma sensibilidade única, capaz de arrancar lágrimas ao ver um nascer do sol no Rio Nhamundá, na Amazônia, durante o projeto Rondon.“Um homem com coração de menino”, é assim que estudantes que trabalharam com Bira o definem. Para ele, esse carinho é a prova de que a luta de tantos anos valeu realmente a pena.
JEAN PIMENTEL – 24/09/10
Por uma universidade solidária
Professor Bira
LAURO ALVES – 3/08/10
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Em nome da terceira idade
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Professor do Centro de Educação Física e Desportos (CEFD) da UFSM desde 1979, José Francisco Silva Dias é hoje pró-reitor de Assuntos Estudantis. Nascido em 7 de novembro de 1947, foi o introdutor da temática atividade física na terceira idade na universidade, criando, de forma pioneira no país, o Núcleo Integrado de Estudos e Apoio à Terceira Idade (Nieati) da UFSM
os 15 anos, o menino foi passar férias em Porto Alegre e acabou ajudando a cuidar da sua madrinha que havia sofrido um AVC (Acidente Vascular Cerebral). Mal sabia ele que essa atitude desencadearia uma postura marcante em sua vida. Foi esse gesto que despertou em José Francisco Silva Dias, hoje conhecido como professor Juca, o gosto por cuidar dos “mais velhos”, a preocupação com o envelhecimento humano e a obstinação com os assuntos da terceira idade. Formado em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1972, o professor Juca se mudou para Santa Maria em 1973. E foi no curso de especialização em Natação, na UFSM, que ele começou a escrever a sua trajetória de ligação com o esporte na universidade, em 1976. Nessa época, Juca montou uma equipe de natação na universidade, oficializada em 1977 e que foi pentacampeã do interior do Estado. Em 1979, Juca começou a carreira de professor no Centro de Educação Física e Desportos (CEFD) da UFSM, dando aulas de natação. Mas, em 1982, um tema ganhou força em sua história: o envelhecimento humano. Inspirado na primeira assembleia mundial sobre o assunto, na Áustria, o professor Juca fez uma reflexão. – Eu, como professor de Educação Física, comecei a me perguntar como poderia ajudar na questão do envelhecimento – conta o professor, que fez mestrado e doutorado nessa área. Então, em 1984, Juca criou o Núcleo Integrado de Estudos e Apoio à Terceira Idade (Nieati), pioneiro no gênero no país e uma referência até os dias de hoje, levando os idosos para dentro da universidade. Entre tantos projetos, o Nieati oferece à terceira idade aulas de natação e de hidroginástica, dança e até atendimento odontológico e de reabilitação para pessoas com alguma sequela decorrente de doença ou acidente, tudo numa parceria com outros cursos da UFSM, como Odontologia e Fisioterapia. É por meio do projeto Aluno Especial 2, do Nieati, que pessoas a partir de 55 anos e sem exigência de nível escolar podem cursar disciplinas na UFSM. O Nieati deu origem ao que hoje é o Conselho Municipal do Idoso (Comid) na cidade. E tudo com o dedo do professor Juca, que ajudou a escrever o texto do Estatuto do Idoso. O professor, que também foi vice-diretor do CEFD de 1987 a 1990, coordenou o Nieati até 2005, quando assumiu como pró-reitor de Assuntos Estudantis, função desempenhada por ele até os dias de hoje. Atualmente, além de ser pró-reitor, ele coordena o projeto Aluno Especial 2, do Nieati, dá aulas na graduação e na pós-graduação, sendo responsável pela disciplina Atividade Física na Terceira Idade, uma Atividade Complementar de Graduação (ACG). – Ainda está longe do ideal, mas a visão da velhice mudou muito para melhor. As pessoas têm de entender que a velhice não é uma questão de passado, mas de futuro – ensina. O professor Juca editou o primeiro livro no país sobre a atividade física na terceira idade, em 1989, intitulado Atividade Física na Terceira Idade. Em 2004, lançou Os Novos Tempos da Velhice.
Professor Juca
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O sábio de Viena no Coração do Rio Grande
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criação do laboratório de Química da UFSM, que plantou as raízes do programa de pós-graduação – o qual obteve a nota máxima na avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação este ano –, passou pelas mãos do professor Richard Wasicky. O austríaco conhecido como o “sábio de Viena” deixou o seu país em 1939 para instalar-se em São Paulo. A convite do então diretor das Faculdades de Farmácia e Medicina, professor José Mariano da Rocha Filho, veio para Santa Maria em 1958, para lecionar e dirigir o Instituto de Pesquisas Bioquímicas dos dois primeiros cursos da UFSM. Médico e farmacêutico, ex-diretor da faculdade de Farmácia, Wasicky se aposentou da Universidade de Viena, na Áustria. Veio para o Brasil com a mulher Marianne, que era farmacêutica, e com o cunhado Robert Joachimmovitz, que também deu aulas nos cursos de Medicina e Farmácia e foi diretor do Instituto de Farmacologia. Com fama de pesquisador exemplar, o professor era muito respeitado pelo conhecimento que trouxe de Viena e muito ajudou no início da primeira universidade pública no interior do país. O casal Wasicky estudava principalmente o poder medicinal das plantas, em especial da coronilha (popularmente conhecida como espinho-de-Cristo) e do quitoco, que têm o efeito de fazer baixar a pressão arterial. – Ele influenciou os mais novos, que se valeram do conhecimento dele, das técnicas e dos aparelhos que ele conhecia e indicava para a universidade comprar. Ele me auxiliou muito no início da minha carreira – conta a microbiologista Terezinha Bolli Mota, que teve o professor Wasicky como seu orientador na dissertação de mestrado.
REPRODUÇÃO
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Richard Wasicky foi um dos responsáveis pela criação do laboratório de Química da UFSM e professor dos cursos de Medicina e Farmácia na década de 60. Morreu em São Paulo, em 1970 Além de cuidar do laboratório e lecionar para as turmas de graduação de Farmácia e Medicina, o professor Wasicky orientou muitos mestres formados na UFSM na época. Também é creditada a ele a vinda de muitos pesquisadores austríacos e alemães para Santa Maria, como o casal Anna e Artur Primavesi. Na gestão como diretor do Instituto de Pesquisas Bioquímicas, o professor Wasicky teve a grande missão de ser o guardião do primeiro microscópio eletrônico da universidade, capaz de aumentar de 10 mil a 100 mil vezes os micro-organismos. O aparelho foi comprado após uma grande campanha em Santa Maria e cidades do interior do Estado, que doaram recursos para comprar o equipamento. A campanha mobilizou o Rio Grande e foi notícia na imprensa brasileira por se tratar da aquisição do primeiro microscópio eletrônico da América Latina. Wasicky e a mulher, Marianne, moraram no antigo Hotel Piraju, na esquina da Avenida Rio Branco com a Silva Jardim, nos cerca de 10 anos que fizeram parte da universidade. O professor de bioquímica e farmacognosia deixou a UFSM em meados de 1968 para voltar a trabalhar na Universidade de São Paulo (USP). Seu filho Robert formou e também deu aulas na USP, onde foi dirse etor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas. Wasicky morreu em São Paulo, em 1970.
REPRODUÇÃO
Reinaldo Fernando Cóser (ao lado, tela de Eduardo Trevisan) nasceu em 14 de novembro de 1923 e morreu em 18 de abril de 1974. Criou o Instituto da Fala, transformado mais tarde em Departamento da Fala. Também foi o fundador do curso de Fonoaudiologia da UFSM, o primeiro na área oficializado no país
Reinaldo Cóser
Richard Wasicky
Pelo ato de falar
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oi no fim da década de 50 que Reinaldo Fernando Cóser começou a estreitar os seus laços com a cidade e com a UFSM. Antes disso, saiu de sua cidade natal, Guaporé, para estudar em Porto Alegre, onde formou-se em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). De lá, como otorrinolaringologista e oftalmologista, retornou ao norte do Estado: resolveu começar a sua carreira em Espumoso, onde vivia a sua família. A convite de José Mariano da Rocha Filho, após apresentar trabalhos em um congresso de Medicina em Pelotas, Cóser veio para a região central do Estado em 1957. Em Santa Maria, dava aulas no curso de Medicina da UFSM, realizava cirurgias plásticas de nariz, lábios leporinos, garganta e foi o precursor da estapedectomia (cirurgia para a surdez) no Brasil. Antes mesmo de ser criada a universidade, o médico já havia proposto a Mariano da Rocha a criação do Instituto da Fala. Em 1962, cinco anos depois de ter chegado a Santa Maria e dois anos após a formatura da primeira turma de Medicina, Cóser (retratado ao lado numa pintura de Eduardo Trevisan) fundou o Instituto da Fala, cuja sede passou a funcionar nos fundos da Casa de Saúde. Além do instituto, o médico criou o símbolo da instituição. Era apaixonado não só pela
sua profissão, mas também por arquitetura, desenho e música: tocava violão e acordeão, hobby que tornava as reuniões familiares sempre muito animadas. No início dos anos 1960, junto ao Instituto da Fala, começava também a funcionar o curso de formação de professores especializados na educação de surdos. Em 1966, o instituto foi transformado no Departamento da Fala, instituição instalada nas dependências do Hospital Universitário de Santa Maria (Husm), na época ainda em construção. O curso de Fonoaudiologia da UFSM foi o primeiro oficializado no país, e as suas atividades se iniciaram em 1972. Tudo por meio da dedicação de Reinaldo Fernando Cóser. O médico morreu em 1974, por causa de um ataque cardíaco. Era casado com Ophélia Carmen Cóser e tinha seis filhos: Pedro Luis, Virgínia Maria, Francisco José, Marcelo Salvador, Paulo e Reinaldo Fernando. Hoje, a família é formada por mais 14 netos e dois bisnetos. – Ele morreu no auge de sua carreira – diz Virgínia Maria Cóser, médica geneticista. Nos dois dias após a sua morte, a Rádio Universidade só tocou música clássica – uma homenagem póstuma ao médico de Guaporé – que também foi feita pelo nome dado à Escola de Educação Especial Doutor Reinaldo Fernando Cóser, fundada em 2001.
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Uma vida de pesquisas ACERVO ROMEU BELTRÃO, ARQUIVO PESSOAL
Nascido em 26 de junho de 1913, foi professor da UFSM e diretor do Centro de Ciências Naturais. Além disso, desenvolveu inúmeros trabalhos de pesquisa sobre a história e a cultura de Santa Maria e região. Morreu em 15 de novembro de 1977
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ersonalidade forte e dedicação às pesquisas históricas e culturais sempre foram características reconhecidas em Romeu Beltrão. Segundo um de seus filhos, o médico Aécio César Beltrão, 65 anos, o pai nunca foi muito sociável. Porém, se alguém o procurasse para fazer pesquisas ou conversar sobre cultura, ele dava toda a atenção. – O pai sempre foi uma pessoa voltada às atividades intelectuais – lembra Aécio. A trajetória de Romeu Beltrão começou em Santa Maria, onde nasceu em 26 de junho de 1913. Ele se afastou da cidade em 1929, quando foi para a Capital estudar Medicina na Universidade de Porto Alegre. Ficou lá até terminar a graduação, em 1934. Logo que acabou o curso, clinicou em São Pedro do Sul por dois anos. Por lá, já dava mostras de seu gosto pela escrita publicando textos no jornal O Commércio. Esse período foi o único em que esteve afastado da terra natal. Em 28 de setembro de 1935, casou-se com Nilza Niederauer Beltrão, que esteve a seu lado durante toda a vida. Com ela, teve, além de Aécio, Apio Claudio Beltrão. De volta ao Coração do Rio Grande, Beltrão se
especializou em Oftalmologia e Otorrinolaringologia. Em 1938, teve início a sua ligação com a universidade: passou a lecionar Botânica na antiga Faculdade de Farmácia, o embrião da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Na instituição, também lecionava José Mariano da Rocha Filho, que, no futuro, seria o responsável pela implantação da primeira universidade pública do país fora do eixo das capitais. Em 1962, já com a universidade funcionando, Beltrão assumiu o cargo de diretor do Instituto de Ciências Naturais. Durante toda a sua trajetória, foi reconhecido como brilhante pesquisador multidisciplinar e ainda encontrou tempo para exercer atividades como jornalista e escritor. Teve dois livros publicados: Cronologia Histórica de Santa Maria e do Extinto Município de São Martinho 1787-1930, publicação que registra informações importantes sobre a cidade e os arredores, e Vanguardeiro do Itororó, que traz artigos publicados sobre o Coronel João Niederauer Sobrinho no jornal A Razão, entre 1968-1969. Sempre lembrado quando o assunto é a história de Santa Maria, o pesquisador morreu em 15 de novembro de 1977, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC). JEAN PIMENTEL –30/08/10
Pela memória do reitor-fundador
O Ruy Bessa Funcionário aposentado da UFSM, Ruy Sady da Rocha Bessa nasceu em 3 de agosto de 1934. Foi tesoureiro da Aspes, entre 1966 e 1978, e começou uma campanha para que o nome do fundador da instituição seja gravado no arco de entrada do campus
Romeu Beltrão
escritório de Ruy Sady da Rocha Bessa, 76 anos, guarda relíquias de um tempo em que a UFSM apenas engatinhava, mas já se preparava para o crescimento. Na peça que fica em um estacionamento rotativo, no centro de Santa Maria, ao qual o funcionário aposentado da UFSM se dedica nos últimos anos, há livros, fotos e documentos das primeiras décadas da instituição. Além de possuir parte de uma história fundamental para o desenvolvimento do Coração do Rio Grande, o acervo ainda conta com papéis que podem ajudar a definir o futuro da UFSM. São listas de abaixo-assinados de uma campanha que pretende gravar o nome do fundador José Mariano da Rocha Filho no arco de entrada do campus. É uma ideia que Bessa teve ao ler uma crônica do jornalista José Bicca Larré, na revista MIX do Diário de Santa Maria, em agosto do ano passado, sobre a importância de manter o nome do primeiro reitor em evidência. Foi o que bastou para que o aposentado começasse a percorrer várias cidades em busca de assinaturas (já são mais de 2 mil). A expectativa é que, até o fim do ano, o Conselho Universitário aprove a medida: – Julgo o trabalho do professor Mariano tão grandioso que merece ter seu nome lembrado por todos. É uma maneira de eternizar o nome dele e fazer sua trajetória reconhecida. Bessa guarda até hoje a recordação dos momentos que passou com aquele de quem se considera o mais fiel dos amigos. Para ele, a admiração por Mariano é explicada pelas ações do homem que impulsionou a criação da
primeira universidade no interior de um Estado brasileiro. Um exemplo foram as medidas que o primeiro reitor tomou, como a disponibilização de transporte gratuito para alunos e professores e o encaminhamento das obras do restaurante do campus e da Casa do Estudante. Natural de Santa Maria, Bessa se dedicou à propriedade rural no distrito de Boca do Monte até 1962, quando ingressou na UFSM na chefia do Arquivo Geral. Foram pouco mais de 30 anos a serviço da instituição que ama até hoje. Mas a principal contribuição que considera ter dado foi como tesoureiro da Associação Santamariense Pró-Ensino Superior (Aspes), de 1966 a 1978. Na entidade que uniu forças para incentivar a criação e a expansão do campus, ele destaca o trabalho desempenhado pelo setor industrial. Das olarias, da marcenaria, da serralheria e da seção de pintura da Aspes saíram tijolos, cadeiras, mesas, móveis e janelas usados para construir novas salas e equipá-las. Encarregado pelo pagamento dos funcionários, Bessa lembra do bom relacionamento que tinha com aqueles que considera guerreiros que deram sua contribuição para o avanço da Federal. Aposentado em meados dos anos 90, Bessa passou a dividir as suas atenções entre a propriedade no distrito de Boca do Monte e um estacionamento na cidade. Há pouco mais de um ano, ganhou mais uma ocupação, desta vez em homenagem ao homem que tanto admirou. Casado atualmente com Katia Medianeira Bassan Pereira, Bessa viu as duas filhas do primeiro casamento se formarem na UFSM: Luciane em Pedagogia e Lisiane em Farmácia.
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Jean Sebastian Benda nasceu em 8 de abril de 1926 e morreu em 20 de fevereiro de 2003. Como professor do Centro de Artes e Letras, estimulou jovens talentos e ajudou a realizar grandes projetos no departamento, como concertos e concursos nacionais
Sebastian Benda
Sérgio Pires REPRODUÇÃO ACERVO UFSM
descendente de uma conhecida família de músicos do século 18, o pianista e compositor suíço Jean Sebastian Benda, ainda criança já impressionava grandes nomes da música internacional, como Arthur Honegger e Frank Martin, artista com o qual estudou composição desde os 11 anos. O primeiro reconhecimento importante não demorou a chegar para o jovem talento. Aos 18 anos, Benda recebeu o famoso Prix de Virtuosité, a mais alta distinção do Conservatório de Música de Genebra. A promissora carreira de Benda o levou a 40 países de Europa, Ásia e América. Nesses continentes, ele realizava apresentações como recitalista e em inúmeras orquestras sinfônicas. Tocou como solista em outros importantes grupos, a exemplo de Orchestre de la Suisse Romande, Philarmonie George Enescu Bucarest e Osaka Philarmonic Orchestra. No Brasil, onde residiu dos anos de 1952 a 1981, ajudou a disseminar a cultura erudita. Também se apresentou ao lado dos músicos da Orquestra Sinfônica Brasileira e da Orquestra Sinfônica de São Paulo. Na década de 60, a convite do professor Geraldo Maissiat, diretor-fundador da Faculdade de Belas Artes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Benda veio até a região central do Estado para ser professor. Antes disso, porém, já havia conhecido a sua mulher, a pianista baiana Luzia Dias. Com ela, teve cinco filhos, hoje considerados músicos renomados internacionalmente: Christian (violoncelista), François (clarinetista), Nancy (violinista), Denise (pianista) e Angela (professora de Educação Musical). Na UFSM, Benda lecionou para alunos que vinham de diversos Estados para estudar em Santa Maria. Com dedicação e paciência, atendia e incentivava os jovens talentos. Junto com os professores da Faculdade de Belas Artes, como Geraldo Maissiat, o pianista suíço colaborou com o crescimento do cenário musical na cidade. Foi conquistado o piano Steinway, inaugurado por Benda no antigo Cinema Glória, e organizado o 1º Concurso Nacional de Piano Heitor Villa-Lobos em Santa Maria, entre outros feitos. Além de atuar na UFSM, Benda também dividiu experiências com os alunos da Universidade Federal da Bahia. Em reconhecimento ao seu empenho no país, o pianista recebeu do governo brasileiro a Medalha Villa-Lobos. Em 1981, voltou a residir na Europa. Na Áustria, onde a sua família mora atualmente, foi reitor e professor na Universidade de Graz. Em seus últimos anos de vida, dedicou-se a atividades musicais em família, compondo e gravando CDs. Sebastian Benda morreu em 2003.
REPRODUÇÃO ACERVO APUSM
Reconhecimento sinfônico internacional
Sérgio José da Fonseca Pires presidiu a Associação dos Professores Universitários de Santa Maria (Apusm) de 1977 a 1979 e foi um dos fundadores da Seção Sindical dos Docentes da UFSM (Sedufsm). Nasceu em 15 de abril de 1946 e morreu em 30 de setembro de 1990
Professor de muitas lições
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impossível falar em política e defesa dos direitos dos professores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e não lembrar de Sérgio José da Fonseca Pires. Ele foi um dos primeiros presidentes da Associação dos Professores Universitários de Santa Maria (Apusm) e um dos fundadores da Seção Sindical dos Docentes da UFSM (Sedufsm). Em reconhecimento ao seu trabalho, o auditório do prédio 17 do campus, em Camobi, leva o seu nome. Na década de 70, Pires protagonizou a primeira greve dos professores da instituição. Mas sua militância começou bem antes, na adolescência, quando estudava no Colégio Estadual Cristóvão Pereira, em Santiago, sua cidade natal. Foi no município que o professor conheceu e começou a namorar sua mulher, Cecília Maria Pinto Pires, com quem teve quatro filhos. Em 1966, o jovem casal veio para a cidade Coração do Rio Grande para cursar a faculdade. À época, já eram companheiros, ativistas políticos e defensores dos mesmos ideais contrários ao regime militar, instituído em 1964. Ambos ingressaram no curso de Filosofia na UFSM. Ele ainda cursou, paralelamente, Engenharia Elétrica. – Nossa relação política começou antes da nossa relação emotiva – conta Cecília. Durante a faculdade, Sérgio Pires foi uma das lideranças do Movimento Universitário de Santa Maria. Um ano após a formatura, em 1971 – mesmo ano do casamento com Cecília –, Pires
foi contratado para o cargo de professor do Departamento de Matemática da UFSM. De 1977 a 1979, presidiu a Apusm, quando se organizava um novo momento na entidade, que deixava de ser apenas social para ganhar um viés mais político. Na sua gestão, começou a ser discutida a criação de um plano de carreira para a categoria. Entre as reivindicações também estava o pedido de 12% de recursos do orçamento para a educação. Defendendo esses ideais, Pires esteve à frente da primeira greve dos professores universitários do país. – Era uma época em que fazer greve não era apenas um protesto, era um risco. Sérgio era um homem visionário e um líder, de diálogo e de pensamento – lembra o amigo advogado Máximo Trevisan. Em 1989, diante da negativa da Apusm de se ligar à Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes), o professor deixou a entidade e participou da criação da Sedufsm, esta, sim, vinculada à Andes. Em 1990, foi convidado a coordenar o processo de criação da estatuinte universitária. O professor não conseguiu concluir o trabalho, morreu no mesmo ano, aos 44 anos, vítima de um enfarte. Nas palavras da mulher, o professor, que era filiado ao PMDB, era uma pessoa coerente, de princípios éticos, que nunca esteve à venda nem por cargos nem por honras. Talvez por isso não agradasse a todos. Excelente pai e companheiro fiel, de um despojamento único, sempre pronto para ajudar os outros.
JEAN PIMENTEL – 29/07/10
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UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA
Nascida em 25 de janeiro de 1978, a universitária foi pioneira ao dar o pontapé inicial para a implantação de projetos na universidade voltados a pessoas com deficiência visual, como o de voluntários que gravam textos falados aos alunos
Uma aluna que faz a diferença
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star prestes a se formar no curso de Educação Especial na UFSM, em 15 de janeiro do ano que vem, é mais uma das tantas vitórias que Silvana Leal Fagundes vem conquistando na vida, sempre com um sorriso no rosto, a sua marca registrada. Em 2001, Silvana travou uma batalha contra a cegueira, causada pelo diabetes, descoberto ainda na infância. À época, a jovem havia completado quatro semestres de Engenharia Florestal na UFSM, curso no qual havia ingressado em 1999. Depois de três cirurgias, sem sucesso, Silvana acabou desistindo do curso. Em virtude da gravidade do quadro e em consequência de a retina já estar lesionada, os procedimentos não obtiveram resultado satisfatório. Ela tinha certeza que ia conseguir recuperar a visão. Em julho de 2001, foi a Porto Alegre e fez as cirurgias, que não deram certo. Procurou médicos em outros Estados, também sem resultado. Então, trancou o curso, mas sem perder o vínculo com a universidade. Foi ao ingressar na Associação de Cegos e Deficientes Visuais de Santa Maria, em 2003, ano da fundação da entidade, que a vontade de retornar ao campus cresceu. Na entidade, ela começou a aprender braile, andar com a ajuda de uma bengala e ter contato com a atuação das educadoras especiais. – Na associação, comecei a ter contato com essas profissionais, e nasceu a vontade de fazer Educação Especial. No segundo semestre de 2006, depois de três tentativas, consegui a transferência interna – relembra. Silvana admite que o começo na Educação Especial não foi fácil. A aluna diz que tanto a universidade quanto ela tiveram de ceder e fazer algumas adaptações. A universitária tem uma monitora, que a auxilia, e, por conta própria, começou a registrar as aulas em áudio. Em 2008, o professor Paulo de Tarso Andrade Aukar gravava em áudio para Silvana textos que eram trabalhados em aula. A iniciativa deu origem, no ano seguinte, a um projeto da universidade no qual voluntários gravam textos falados para os alunos com deficiência visual. A formanda também tem um notebook, emprestado pela UFSM, que possui o programa de voz que dita ao usuário o que está aparecendo no monitor. Quanto ao que pretende fazer no futuro, Silvana ainda não sabe. Confessa que, ultimamente, sua cabeça está um “turbilhão de ideias”. – Depois de todas as coisas que aconteceram comigo, eu não planejo mais nada. Simplesmente vou vivendo.
Silvana Leal Fagundes
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Funcionário, professor e reitor, com orgulho
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uase 40 anos de dedicação à UFSM. Trata-se de uma trajetória acadêmica, voltada para a área de microbiologia, que se mistura ao nascimento e à evolução da principal universidade pública do centro do Estado. Tabajara Gaúcho da Costa, 72 anos, esmerou-se por 38 anos pelo crescimento da UFSM como funcionário, professor e reitor. Formado em Odontologia pela Faculdade de Farmácia e Odontologia de Santa Catarina, hoje Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ele voltou ao Coração do Rio Grande após receber o diploma. Em 1961, trabalhou por um ano no recém criado departamento de microbiologia da UFSM. Em março de 1962, enfim, foi contratado pela universidade. Passaram-se quatro anos, e Tabajara voou mais alto, graças à universidade. Em
FERNANDO RAMOS – 28/09/10
Tabajara Gaúcho da Costa 1966, embarcou rumo aos Estados Unidos da América para estudar, pesquisar e levar o nome da UFSM para o país mais rico do mundo. Na Harvard University, especializou-se em microbiologia oral e voltou mestre da Terra do Tio Sam. Após um ano e meio convivendo com alunos do curso de Medicina da renomada Harvard, chegou em Santa Maria querendo mais. E conseguiu. Em 1969, defendeu sua tese de doutorado em odontologia na UFSM. Por causa da ditadura militar, a década de 70 foi, segundo o próprio doutor, parada. Estagnada até por ali, já que Tabajara se desdobrava para lecionar nos cursos de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Medicina e Odontologia. – Bastou a democracia começar a fomentar a sociedade que, em 1980, a universidade já demonstrava seu ímpeto em eleger um reitor por meio da democra-
cia. Eu nunca tinha concorrido a cargos administrativos – revela. Na primeira tentativa, concorrendo com três candidatos, Tabajara ficou em segundo lugar nas eleições ao cargo máximo da UFSM. Perdeu para o professor Gilberto Benetti. Na segunda vez que buscou a cadeira de reitor, foi eleito e empossado, em 13 de dezembro de 1989. Conquistas nas áreas de tecnologia, ciência e saúde marcaram sua gestão. Ele comprou um supercomputador de uma empresa norte-americana, que custou US$ 500 mil. Como a União não queria dar garantia do pagamento, ele próprio fez isso. – Achas que eu tinha 500 mil dólares no bolso? Claro que não. Mas assinei aquele papel e contraí a dívida. Era um bem pelo desenvolvimento da universidade. Após, o MEC assumiu o pagamento – conta. Após três anos de sua gestão, Tabajara
53 Nascido em 24 de fevereiro de 1938, Tabajara Gaúcho da Costa foi funcionário, professor e reitor da UFSM. Trouxe à UFSM um supercomputador norteamericano e, em sua gestão, foram criados o Centro de Transplante de Medula Óssea e o Conselho Regional de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (Corede)
conseguiu que o computador chegasse a Camobi. A partir da chegada do equipamento, a universidade passou a ter contato com o mundo inteiro. Além da compra e da renovação do maquinário da UFSM, no seu mandato, a universidade ganhou o segundo Centro de Transplante de Medula Óssea do sul do país. E foi em uma assembleia, no campus, que surgiu a ideia de organizar regionalmente o Estado a partir do Conselho Regional de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (Corede). Amigo de José Mariano da Rocha Filho, Tabajara destinou uma sala ao fundador da UFSM e o nomeou Reitor Agregado. Além disso, firmou parcerias, que existem até hoje, com universidades públicas do Uruguai e da Argentina. – Minha vida é de um sentimento de amor e reconhecimento pela universidade – finaliza, emocionado.
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Diplomacia a serviço do ensino
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alco de atividades didáticas desenvolvidas pelos alunos do curso de Educação Física, de jogos de competições amadoras e escolares e, eventualmente, até de treinos dos elencos profissionais de Inter-SM e Riograndense, o estádio do Centro de Educação Física e Desportos (CEFD) da UFSM tem o nome de Tarso Dutra. Uma justa e merecida homenagem a um dos personagens mais importantes na instalação da Universidade de Santa Maria (USM), que, em 1965, passaria a se chamar Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Não é exagero afirmar que, não fosse pela intervenção do advogado e político porto-alegrense, a UFSM não seria criada, pelo menos não em dezembro de 1960. Foi o então deputado federal do Partido Social Democrático (PSD) que incluiu no texto da Lei 3.834-C, da criação da Universidade Federal de Goiás, os cinco artigos que acabaram dando origem também à Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A emenda proposta pelo parlamentar gaúcho foi aprovada no Congresso Nacional no dia 14 de dezembro e, quatro dias depois, em 18 de dezembro, foi sancionada pelo presidente Juscelino Kubitschek. Estava criada a UFSM. Porém, a participação de Tarso Dutra no surgimento da instituição não se resumiu a esse capítulo. Amigo de José Mariano da Rocha Filho, a quem conheceu na época em que cursava o ginásio do Colégio Santa Maria, o político foi responsável por inúmeras intervenções estratégicas junto aos governos estaduais e federais em prol da UFSM. Já em 1947, como deputado estadual, Tarso Dutra trabalhou para que a Faculdade de Farmácia, o embrião do que viria a se tornar a Universidade de Santa Maria, fosse incorporada à Universidade de Porto Alegre, que depois se tornaria Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). Também foi por intermédio dele que a universidade de Santa Maria recebeu recursos para a construção do primeiro prédio do Centro Politécnico, atualmente Centro de Tecnologia. Em 1951, Tarso Dutra foi eleito deputado federal, reelegendo-se quatro vezes. Foi também senador, cargo que exercia em 1983, quando faleceu. Além da atuação como parlamentar, Tarso Dutra foi ministro da Educação em 1967, no governo de Artur da Costa e Silva e na Junta Militar de 1969. Presença constante e ativa em todos os encontros para discutir os rumos da recém criada primeira universidade pública fora de uma capital de Estado, Tarso Dutra recebeu uma homenagem na formatura da primeira turma de Medicina da Faculdade de Medicina de Santa Maria. No dia 4 de janeiro de 1960, no churrasco oferecido pela Associação Santamariense Pró-Ensino Superior (Aspes), em um discurso emocionado, José Mariano da Rocha Filho manifestou toda a sua gratidão em elogios ao amigo parlamentar. – Ao redor destas mesas reúnem-se homens (...) santa-marienses de nascimento ou de coração para homenagear o maior de todos os filhos desta terra, o ilustre, incansável e extraordinário deputado Tarso Dutra. Quando as palmas cessaram, Tarso Dutra agradeceu, sem perder a sua humildade de sempre: – Ousaria agradecer tudo isso? Com que palavras poderia traduzir a intensidade de tantos sentimentos? Que importam mesmo as palavras, se Santa Maria vai continuar, vai prosseguir, vai prosperar, vai desabrochar em novos e vertiginosos impactos de riqueza e progresso surpreendendo o Rio Grande e o Brasil? Tarso Dutra tinha certeza absoluta de que isso iria acontecer. Graças a uma grande contribuição sua.
Vitor Schuch REPRODUÇÃO/ARQUIVO PESSOAL
Nascido em 9 de novembro de 1920, Vitor Francisco Schuch foi o responsável pela implantação das primeiras extensões da UFSM fora da cidade. Também participou ativamente na criação do curso de Administração e do Mestrado em Educação. Morreu em 9 de dezembro de 2005, aos 85 anos
Tarso Dutra
AGENCIA RBS
Tarso de Moraes Dutra nasceu em 15 de maio de 1914 e morreu em 5 de maio de 1983. Como deputado federal, teve participação decisiva para a instalação da UFSM em dezembro de 1960. Foi responsável por inúmeras intervenções junto aos governos estaduais e federais em prol da universidade
Pelas mãos dele, a UFSM chegou a outras cidades
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o deixar Porto Alegre e adotar Santa Maria como morada, nos anos 40, o jovem Vitor Francisco Schuch tinha como meta ajudar nos negócios da família. Formado em Economia na PUCRS, ele pretendia aplicar seus conhecimentos para administrar o comércio ao lado da mãe, Maria Becker Schuch. Mas o destino reservaria um grande e importante trabalho para Schuch, que, entre outras colaborações, implantou as primeiras extensões fora de Santa Maria da futura universidade federal. Ele e a mãe foram donos da Casa Primavera, um dos estabelecimentos comerciais mais tradicionais de Santa Maria. A loja, localizada na Rua Doutor Bozano, bem no Centro, era referência na venda de artigos de bazar e brinquedos. Como economista, Schuch decidiu se dedicar também à docência, tornando-se professor e vice-diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Imaculada Conceição (FIC). Anos depois, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras foi integrada à UFSM. Na Federal, Schuch liderou o movimento para criar o curso superior em Administração, cujas tratativas se deram em reuniões na sua própria casa, que ficava nos fundos da Casa Primavera. Criado o curso, virou professor. – Sua dedicação ao ensino o afastou dos negócios. Quem assumiu sua parte foi minha mãe, Lucy Indruziak Schuch – conta o filho Vitor Francisco Schuch Júnior, que foi aluno do pai e formou-se na primeira turma de Administração, em 1970. Com o diploma na mão, o filho virou um colabora-
dor do pai ao tornar-se, também, professor do curso. Uma das dificuldades, na época, era formar o quadro de docentes. A maioria dos mestres era da Capital e precisava viajar, de trem, para dar aulas em Santa Maria. O legado de Schuch à educação e à UFSM é amplo. Ele criou um curso preparatório para professores leigos e o Mestrado em Educação, apoiado pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Também participou ativamente da criação de extensões da UFSM fora de Santa Maria. Uma das principais foi o campus avançado em Boa Vista, Roraima, do qual foi fundador e primeiro coordenador. Em 1989, o campus se transformou na Universidade Federal de Roraima (UFRR). Foi pelas mãos de Schuch que surgiram, ainda, as unidades da Federal em Alegrete e Frederico Westphalen. Vitor Francisco Schuch teve 12 filhos. Por influência do pai, dois deles – Vitor Francisco Schuch Júnior e Luiz Alexandre Schuch – hoje são professores da UFSM. Um terceiro, Nelson Jorge Schuch, atua na unidade do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), instalada no campus de Camobi. – No total, o pai influenciou muito na educação da família, e hoje nove filhos estudaram e muitos têm doutorado – afirma Vitor Francisco Schuch Júnior, acrescentando que a própria mãe, Lucy, que se formou em Pedagogia, foi aluna dele. – A grande dificuldade da vida do meu pai foi conciliar a vida acadêmica e os negócios. E quem perdeu foram os negócios – completa o filho que carrega o nome do pai.
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UFSM 50 ANOS ✦ OS PERSONAGENS DESTA HISTÓRIA ✦ 14 DE DEZEMBRO DE 2010 ✦ DIÁRIO DE SANTA MARIA LAURO ALVES – 13/09/10
Fundou o Serviço de Hemato-Oncologia do Hospital Universitário (Husm), participou da criação do Centro de Transplante de Medula Óssea e implantou o Centro de Tratamento da Criança e do Adolescente com Câncer do Husm (CTCriaC). Waldir Veiga Pereira nasceu em 4 de fevereiro de 1939
Pioneirismo na luta pela saúde
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ão é só a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) que tem muito a agradecer ao médico Waldir Veiga Pereira. O aluno, que saiu de Arroio Grande, no sul do Estado, para ingressar na instituição, em 1960, transformou-se em uma referência nacional e até internacional quando o assunto é o tratamento do câncer, em especial, da leucemia. Depois de participar de inúmeros cursos de especialização e de dedicar-se à pesquisa em São Paulo, no Rio de Janeiro e em hospitais para lá de renomados dos Estados Unidos, Pereira organizou um grupo de estudos sobre leucemia aguda, reunindo profissionais brasileiros respeitados na área. A finalidade: alcançar índices de cura cada vez maiores, principalmente entre as crianças, para uma doença considerada incurável até então. Hoje, segundo o médico, 80% dos pacientes podem ser salvos. Alguns tipos de leucemia, até então sem cura, podiam ser tratados com o transplante de medula óssea. Junto com o irmão, também médico, Dalnei Veiga Pereira, Waldir trouxe para dentro do Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) o primeiro Centro de Transplante de Medula Óssea do Estado, o quarto do país, em 1994. Hoje, o médico que fundou o Serviço de Hemato-Oncologia do Hospital Universitário (Husm) na década de 60 lidera um centro que se tornou referência no país e um verdadeiro símbolo da saúde em Santa Maria: o Centro de Tratamento da Criança e do Adolescente com Câncer do Hospital Universitário de Santa Maria, o CTCriaC. A instituição tem como braço social a Turma do Ique, uma iniciativa que mantém inúmeros projetos voltados aos pequenos pacientes e suas famílias. No local, o médico atua na orientação, no atendimento e na pesquisa. Conferencista de eventos pelo país e no Exterior e autor de incontáveis trabalhos publicados, Waldir Pereira conquistou a admiração como profissional. Por duas vezes, seu nome esteve incluído no anuário brasileiro Análise Saúde – Os Mais Admirados da Medicina. Pereira é membro da Academia Riograndense de Medicina, foi presidente das sociedades brasileiras de Oncologia e Oncologia Pediátrica e conselheiro das sociedades brasileiras de Hematologia e Oncologia Pediátrica. Além de tanto reconhecimento profissional, o médico conquistou uma importância ainda mais grandiosa no coração de tantas famílias que conviveram e venceram o câncer.
Waldir Pereira
PÁGINA 56 ✦ TERÇA-FEIRA, 14 DE DEZEMBRO DE 2010
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