Kiss: 3 anos depois

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QUARTA-FEIRA 27 JANEIRO 2016 ANO 14 Nº 4.212 R$ 1,25

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JEAN PIMENTEL, 7/01/2016

TRÊS ANOS NA VIDA DOS

órfãos da Kiss Eles cresceram sem mãe, sem pai ou sem ambos. Mas, apesar da ausência física, guardam na memória o abraço, o cheiro e as palavras dos pais. No dia em que a maior tragédia do Estado completa três anos, contamos as histórias de seis crianças, como as primas Jenifer e Eduarda (acima), filhas das irmãs Francielle e Cecília, que morreram no incêndio da Kiss Páginas 10 a 14


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QUarta-FEira, 27 dE JanEiro dE 2016

três anos da kiss

Bombeiros testam novo sistema

Homenagens às vítimas começam hoje maiara bersch

Empresa desenvolveu software para PPCI chamado Sisbom, que está em testes e deve substituir o Sigpi Lizie AntoneLLo

login de usuário, por meio do qual, poderá inscrever uma edificação. Na primeira fase, ele será O Sistema de Serviços de testado para Planos SimplificaBombeiro (Sisbom) que vai dos de risco baixo, em que não substituir o criticado Sistema Integrado de Gestão de Prevenção é exigido responsável técnico. Nesse caso, o próprio dono do a Incêndios (Sigpi), do Corpo de prédio faz o cadastro no sisBombeiros, já está em procestema. A pessoa seguirá uma so de implementação em cinco comandos regionais no Estado, espécie de tutorial e fornecerá as características do imóvel e entre eles o de Santa Maria. do proprietário. Com base nos Os sistema, desenvolvido por dados, o sistema informa quais uma empresa de tecnologia lios itens de prevenção citada pelos bombeidevem ser instalados. ros, promete agilizar Na primeira fase, O proprietário execua emissão de alvarás o programa será sem descuidar da se- testado para planos ta a instalação e, com isso, obtém o alvará. gurança. Após o in– É um software, cêndio na boate Kiss, simplificados de que filtra que edificaem janeiro de 2013, o risco baixo, sem Sigpi foi colocado em responsável técnico ções se enquadram em que tipo de plano cheque porque perde prevenção, quais mitia a obtenção de as medidas de segurança que alvarás sem a apresentação de são necessárias,além de orientar plantas e memorais descritivos a pessoa em como proceder dendos imóveis. tro da edificação.É um mecanisA etapa atual do Sisbom éde testes. Responsáveis técnicos, mo diferente (do Sigpi), mais como engenheiros e arquitetos, completo – diz a capitã Lisiane Coelho Garcia do Nascimento, foram convidados a fazer um da Divisão Técnica de Prevenção cadastro no sistema para parde Incêndios do Comando dos ticipar. Só depois de todos os Bombeiros no Estado. ajustes, ele será liberado para o No futuro, o Sisbom deverá público em geral. ser aplicado a planos simplifiFuncionará assim: a pessoa acessará o sistema por um link, cados que exigem responsáveis que ainda não foi disponibilizatécnicos e, posteriormente, aos do, fará o cadastro e criará um PPCIs completos. lizie.antonello@diariosm.com.br

mobilização Grafifeitos começaram a pintar painel e nova frase na fachada da boate. Finalização será hoje à noite

As homenagens às vítimas do incêndio na boate Kiss começam hoje em Santa Maria. Nesta quarta, a maior tragédia gaúcha completa três anos. Por volta das 20h o trânsito na Rua dos Andradas será bloqueado para uma vigília organizada pelo Movimento Santa

Maria do Luto à Luta. Familiares das vítimas devem passar a noite em frente ao prédio que se incendiou em 27 de janeiro de 2013 provocando a morte de 242 pessoas e deixando mais de 600 feridas. O fluxo de veículos deve ficar interrompido no local enquanto houver movimento de

manifestantes, o que pode acontecer até a manhã de quarta. Os ônibus urbanos que têm itinerário pela Andradas desviarão o trajeto pela RuaVale Machado. Ontem à tarde,começou o trabalho de grafite da nova fachada da Kiss, a pedido dos familiares das vítimas.

Será feito o anúncio de que a entidade levará o casodo incêndio na Kiss ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, da Organição das Nações Unidas z 16h – Haverá uma aula pública, na Praça Saldanha Marinho, dos alunos de Geografia da Universidade Federal de Santa Maria. O tema a ser abordado é a falta de espaços públicos para os jovens. Na sequencia,músicos se apresentam na praça em homenagem às 242 vítimas do incêndio z 18h – A Associação Ahh... Muleke! realiza uma caminhada com saída da Gare, subindo a

Avenida Rio Branco até em frente à Catedral Metropolitana. Não estão previstas mudanças no trânsito, segundo a prefeitura z 19h30min – Haverá um culto ecumênico na praça. Um sino tocará quando os nomes das vítimas forem falados. No fim, ele será tocado mais três vezes, em homenagem a pessoas que sofreram violência em Santa Maria. Também haverá participação do cantor gospel Cristiano

ProGrAmAção Terça-feira z 20h – Concentração de familiares de vítimas na tenda da vigília no largo da Praça Saldanha Marinho z 23h – O Movimento Santa Maria do Luto à Luta realiza uma vigília em frente ao prédio da Kiss até as 7h

Quarta-feira z Meio-dia – Entrevista coletiva da Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) na sede da entidade no prédio da antiga reitoria da UFSM, na Rua Floriano Peixoto.

Domingo z 20h – Missa na Catedral Metropolitana a pedido da Associação Ahh...Muleke!

Comando dos Bombeiros pede flexibilização da Lei Kiss ao Estado Paralelamente ao Sisbom, o Comando dos Bombeiros encaminhou ao governo do Estado, no dia 14 de janeiro, uma alteração na Lei Kiss (Lei 14.376/2013), e na sua regulamentação (Decreto 51.803/2014). O objetivo éacelerar ainda mais o processo de emissão de alvarás. Isso porque o efetivo dos bombeiros não cresceu após o incêndio na Kiss,

mas a demanda de encaminhamento de PPCIs e por alvarás aumentou significativamente nesses últimos três anos. Depende de tramitação no executivo estadual e de publicação da regulamentação, que está em processo de construção. – A principal inovação é que donos de edificações com até 200 metros quadrados de área e baixo risco de incêndio poderão

informar, por meio do Sisbom, as características do prédio e os itens de prevenção que já foram instalados, obtendo um Certificado de Licenciamento do Corpo de Bombeiros – explica a capitã Lisiane. O certificado é um documento equivalente a um alvará que atenderá a edificações de até dois pavimentos, com grau de risco de incêndio baixo ou médio,

com até dois botijões de gás,que não sejam de reunião de público e não tenham líquidos inflamáveis, entre outras restrições.Para instalar os itens de prevenção, o proprietário seguirá as orientações e resoluções técnicas que constam no sistema. O alvará seguirá sendo expedido para planos simplificados e para os PPCIs completos. O simplificado segue valendo

para edificações até 750 metros quadrados com baixo e médio risco de incêndio. Os planos completos são exigidos para prédios maiores, com alto risco, que incluem os locais de reunião de público, como bares, boates, casas de espetáculo e etc. Outra mudança é que os planos simplificados não exigirão mais vistoria prévia dos bombeiros para emissão de alvarás.


ESPECIAL 11

QUARTA-FEIRA, 27 DE JANEIRO DE 2016

Três anos depois AdriAnA FrAnciosi, 30/01/2013

a infância sem os pais A tragédia de 27 de janeiro de 2013 deixou pelo menos 21 crianças e adolescentes sem o pai ou sem a mãe ou sem ambos. Como estão hoje os órfãos da Kiss e como viveram nos últimos três anos Lizie AntoneLLo lizie.antonello@diariosm.com.br

M

ulticolorido, com super-heróis e princesas estampados em papéis de parede, em colchas, em bonecas e em carrinhos. É assim o universo infantil, cheio de fantasias e sonhos. Mas, para algumas crianças, a realidade acaba se mostrando bem diferente de um conto de fadas. O incêndio na boate Kiss, que deixou 242 mortos, mais de 600 feridos, pais e mães de vítimas dilacerados pela perda dos filhos, também atingiu em cheio crianças e adolescentes que tiveram arrancados do seu convívio o pai ou a mãe. Ou ambos. Amigos, colegas de aula ou de trabalho, mas, principalmente,familiares das vítimas viveram, nos últimos três anos, mais ou menos intensa-

mente, a ausência daquele que se foi. E encontraram formas de seguir em frente. Mas se é difícil para pais, mães e irmãos, como terá sido para os filhos das vítimas lidarem com o fato de que o principal cuidador não voltou para casa naquela madrugada de 27 de janeiro de 2013? Pelo menos 21 crianças perderam ou o pai ou a mãe ou ambos no incêndio da Kiss.Eles buscaram apoio nos familiares que ficaram. De uma hora para outra, avós voltaram a ser pais. Em alguns casos, o genitor sobrevivente teve de assumir uma responsabilidade que, antes, não tinha ou era dividida. Esse processo, de quem iria cuidar dos pequenos,não foi fácil para nenhuma família.Na maioria,houve discordâncias, e muitos dos casos estão sendo decididos na Justiça. O número de processos não foi reve-

lado pelas duasVaras da Família de Santa Maria. Os casos seguem em segredo de Justiça. No meio de tudo isso, crianças que, à época da tragédia,tinham entre sete meses e 14 anos. E como foram para eles esses últimos três anos? Como eles lidaram com o luto? E como vivem atualmente? O “Diário” localizou as famílias de 10 dessas crianças. Em um dos casos, um menino de seis anos, à época da tragédia, perdeu o pai e a mãe no incêndio. Ele vive com os avós maternos, que viajaram em férias e não foram encontrados. Quatro famílias aceitaram falar com a reportagem, mas, em apenas dois casos, os titulares da guarda das crianças autorizaram a divulgação dos nomes.As histórias você acompanha nas próximas páginas.


ESPECIAL

QUARTA-FEIRA, 27 DE JANEIRO DE 2016

Que sejam umas moças como foram nossas filhas”

F

oi na jovialidade da tia, Camila, 19 anos, e na segurança transmitida pelos avós Iracema e Vlademir Vargas, ambos de 54, que as primas Eduarda, 7, e Jenifer, 9, encontraram o apoio que precisaram para enfrentar a perda das mães. As irmãs Cecília e Francielle estavam juntas na Kiss e não sobreviveram à tragédia. Eduarda ficou sem a mãe, Cecília, e Jenifer, sem Francielle. Depois do incêndio, as meninas passaram a morar com os avós em uma pequena casa de madeira no balneário Parque Pinhal na mesma cidade. Com doações, a família conseguiu construir uma casa nova,de alvenaria, onde moram atualmente. – Depois do que aconteceu, foi um período de muito sofrimento. Mas, não adianta esconder ou mentir. O melhor foi contar. Nos surpreendeu demais a reação delas. Foi normal. No colégio, também. Nunca tiveram problemas de convivência. E sempre que tiver uma atividade que necessite da nossa presença (na escola), a gente vai – disse o avô. A família manteve a rotina das meninas. A tia, Camila, já era quem cuidava delas enquanto as

mães trabalhavam. Isso não mudou. Os aniversários das mães continuam sendo lembrados. E a família conversa sobre elas com as meninas. No início deste mês, quando receberam a reportagem, as meninas trocavam frases entre elas e com Camila, demonstrando a cumplicidade característica da infância. A timidez em frente à câmera desaparecia no exato momento em que as primas ficavam sozinhas. Por um instante, Eduarda, a caçula da família, contou como lembra da mãe, Cecília: – Ela tinha cabelo preto, era alta, gostava de se pintar e de se arrumar. Os avós sabem o quanto é importante manter as mães vivas na memória das filhas e seguir o que elas desejavam para as pequenas. – A gente quer encaminhar para que sejam umas moças como foram nossas filhas.Educadas,respeitadas e amadas.É prioridade nossa que se formem em uma faculdade.As mães delas cobrariam a mesma coisa delas. Somos os avós, não somos as mães. Mas damos o apoio que precisam. Elas vão crescer e vão buscar o futuro delas.Mas sempre terão para onde voltar – disse Vlademir.

jean pimentel, 18/01/2016

jean pimentel, 7/01/2016

O

Ela me ol e a gente chorou j

quarto que um dia foi da mãe agora espera pela filha. No ambiente, objetos de uma e da outra se misturam. O perfume que Andressa Ferreira Flores mais gostava e os brinquedos que ela comprou para a filha antes de morrer. Na parede, fotos das duas eternizam momentos do pouco tempo que tiveram juntas. Foram dois anos que jamais serão esquecidos. Atualmente, a pequena de cinco anos mora com o pai em Aracaju, no nordeste brasileiro. A avó Claúdia Flores,50,vê a menina de duas a três vezes por ano. Os 3,4 mil quilômetros que as separam são uma distância difícil de aguentar para quem não havia se afastado da neta nos primeiros dois anos de vida dela.

Apoio As primas Eduarda e Jenifer encontraram suporte para superar a ausência das mães que morreram no incêndio uma na outra e na família

–E amigu bemo logica Ao prand para na cas que ta vivera incên – pegue nha ( choro Ela ac abraç ela en tar – r Seg


12 E 13

Ela é uma criança sofrida. Ela tem uinhos imaginários,então,não saos até onde ela está abalada psicoamente. o longo do tempo, a avó foi comdo roupas, calçados e brinquedos a neta. Está tudo no quarto dela, asa onde Claúdia mora com o filho, ambém tem cinco anos.Avó e neta am momentos difíceis logo após o ndio. Quando cheguei do cemitério, ei-a no colo. Ela deitou a cabeci(no ombro), só me olhou, e a gente ou juntas. Ela não falou mais nada. cordava à noite chorando, e eu a çava, e não falávamos nada. Mas ntendeu que a mãe não ia mais volrelatou a avó, emocionada. gundo a avó, a menina não enten-

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erder a mãe com seis anos de idade não tirou de Julia o olhar angelical e o jeito tímido e doce característicos de criança. Mas, trouxe dor e revolta ao irmão Vinícius que, à época da tragédia, tinha 13. Hoje, com nove, Julia mora com os avós maternos na casa onde sempre viveu.Vinícius, com a tia paterna, que também é sua madrinha. Letícia, mãe do casal, veio morar com os pais quando ainda estava grávida da caçula.A avó Erci,62,cuidou de Julia desde antes de a pequena nascer. – Ela sempre foi muito ligada a mim.A gente contou para ela que tinha acontecido uma tragédia. Ela chorou. Mas ela me dava força.Eu pensava:não é possível.Imagina perder a mãe...e,às vezes, eu não me continha, começava a chorar, e ela dizia: “Força, vó. Não chora. Estou aqui.” Ela foi um anjo. É incrível. Julia recebeu atendimento psicológico,mas nunca demonstrou nenhum comportamento diferente em função da morte da mãe. Já Vinícius, pediu para ir morar com o pai, assim que

quarto para a neta A avó Cláudia mantém um quarto montado, com roupas e brinquedos, para receber a neta

de por que a mãe não pode voltar. – Ela me disse: vó,eu vi um filme em que um menino voltou do céu. Por que minha mãe não pode voltar também? Ela questiona muito a morte da mãe, porque ela não entende. Não tem como entender.É uma criança. Passados três anos da tragédia, mesmo tendo apenas cinco anos de vida, a pequena já sabe o que aconteceu. – Hoje ela já sabe tudo. Sabe do incêndio na Kiss.Pediu para contar como foi.Eu disse: a vó guardou tudo,quando tu crescer, tu vai ver, ler. Nessas horas, ela diz: eu queria estar com a minha mãe lá. Eu quero ela bem, porque ela perdeu a mãe e isso, para uma criança, acho que é perder toda a estrutura e amparo que ela podia ter durante a vida toda. Avó mãe Mesmo tendo perdido a mãe, Letícia, Julia consegue dar força à avó, Erci, nos momentos difíceis

Andressa morreu. O pai tinha um tumor cerebral e morreu em agosto do ano passado. Atualmente, ele mora com a tia paterna. – Ele se fechou muito.Nunca quis ir ao cemitério. Não quis conversar com um psicólogo – conta o avô materno, Renato Vasconcellos, 66 anos. Na escola, todos deram atenção a Julia, porque sabiam que ela tinha perdido a mãe na tragédia. Segundo a avó,a equipe da escola teve muito cuidado após o incêndio. Quatro meses depois, veio o primeiro Dia das Mães sem Andressa. Julia foi poupada. Ela não participou dos ensaios para a homenagem que ocorreria naquele dia. Como os demais alunos, Julia fez um presente e quem recebeu foi a tia, Vanessa, irmã de Letícia. – Esses tempos, ela estava triste e disse que era de saudade da mãe.Falei para ela: “Pode chorar. A vó também chora quando tem vontade.Isso é normal.” Digo para ela que a mãe está bem porque morreu salvando. Era uma pessoa boa – disse a avó, referindo ao fato de Letícia ter conseguido sair e ter retornado à boate para salvar vítimas. jean pimentel, 14/01/2016

lhou, e juntas”

Ela dizia: força, vó. Não chora. Estou aqui”


QUARTA-FEIRA, 27 DE JANEIRO DE 2016

ESPECIAL 14

Vovô Tono, por que minha mãe virou estrelinha?” Germano rorato, 11/01/2016

difícil fala lar a O avô Ildo Toniolo espera a neta de quatro anos ficar fii um pouco mais velha para contar a ela sobre a morte da mãe Leandra na boate Kiss

a

menina, hoje com 4 anos, era um bebê de um ano e três meses quando a mãe dela, Leandra Fernandes Toniolo, morreu no incêndio da Kiss, aos 23 anos. Leandra foi criada pelo pai, Ildo Toniolo, e pela avó paterna. Foi na casa de Toniolo que Leandra passou o período da gravidez e era com ele que a filha e a neta moravam, em Santa Maria, até o dia 27 de janeiro de 2013. – Ela é extramente parecida com a mãe. É ativa como a mãe. Herdou grande parte da Leandra – atesta o avô materno. Na madrugada da tragédia, a bebê estava com os avós paternos no litoral de Santa Catarina. Como uma repetição da história da mãe, seriam o pai e os avós paternos que passariam a cuidar da criança após o incêndio. O pai da pequena estuda fora do país, e ela mora com os avós em Santa Maria. Sempre que possível, a menina convive com o avô materno, que recebeu o “Diário” em sua casa,no último dia 11. Assim como naquele janeiro de 2013, neste mês, a menina foi com os avós paternos para a praia.Pelo telefone,eles disseram que não queriam falar sobre o assunto. Segundo o vovô Tono,

como a neta chama Toniolo, logo após a tragédia,a menina começou a ser preparada para receber a notícia de que a mãe não voltaria ao seu convívio. Diferentemente de casas de outros pais de vítimas, no lar de Toniolo,não há quadros ou fotos da filha espalhados pelas paredes e estantes. Segundo ele, é para poupar a neta de reviver a saudade da mãe a cada visita. – Para ela, a mãe é uma estrelinha que foi para o céu. Mas, ela não tem consciência do por quê. Em uma ocasião, ela me perguntou: por que minha mãe virou estrelinha? Não sabia o que dizer. Temos um acordo (entre os familiares) de contar (sobre como a mãe morreu) quando ela tiver uns 7 ou 8 anos – explicou Toniolo. Enquanto esse momento não chega, os avós guardam reportagens sobre o incêndio que serão mostradas à menina no futuro. – Ela está bem.Tem os avós que a adoram. Um dia, ela vai ter que saber a verdade, mas para gente falar é complicado. Espero que o dia que ela souber, receba de uma forma amena, que não seja dolorosa. Que a morte da mãe,da forma como ocorreu,não gere nela,e para nenhuma dessas crianças, nenhum trauma – diz Toniolo.

As crianças encontram formas de falar sobre a perda

m

uitas vezes é por meio do desenho, da massinha de modelar ou da brincadeira no pátio que as crianças que sofreram a perda de um familiar expressam o que sentem e pensam.A direfença é que, ao contrário dos adultos, elas não conseguem dar conta do luto sozinhas. – A gente acha que a criança vai ter um luto muito diferente do adulto, mas ela também vai passar por momentos em que vai se sentir mais fragilizada, que vai lembrar da pessoa que perdeu.É importante que os adultos que estão ao redor dela consigam dar conta desse luto junto com ela – explica a psicóloga Manoela Fonseca Lüdtke. Manoela atua no Acolhe Saúde, serviço criado para atender os sobreviventes e familiares de vítimas da tragédia.Ela assistiu a cinco casos de crianças que perderam os pais no incêndio na Kiss. Segundo a profissional, que faz curso de Especialização em Problemas no Desenvolvimento na Infância e na Adolescência, quando os adultos não explicam as coisas para as crianças,elas tendem a fantasiar e criar histórias, por isso, é importante ser verdadeiro. – A criança, muito cedo, se dá conta que não estamos aqui para sempre.E as crianças têm pergun-

tas que nos deixam sem respostas. Então, ajudamos os familiares a encontrar essas respostas para ajudar as crianças. As famílias que conversaram com o“Diário”trataram do assunto de formas diferentes. Aos menores de 4 anos, à época do incêndio, foi utilizado um elemento de associação para explicar a ausência da mãe. – As crianças sabem que “virar uma estrelinha” significa que a pessoa morreu, que não vai mais estar ali. Ter as lembranças, falar do pai ou da mãe é que vai dar conta do luto delas – explica a psicóloga. Para os maiores, os familiares contaram que as mães tinham morrido. De toda forma, a psicóloga defende que a família encontre um modo de falar sobre o assunto e de deixar claro para a criança que a pessoa que se foi não vai voltar. – Às vezes,a gente subestima as crianças. Elas entendem do jeito delas, e temos de tentar explicar do jeito que elas vão entender. Precisamos respeitar o tempo da criança. Quando ela estiver preparada para falar, ela vai falar. Talvez ela entenda que a família não quer falar sobre isso, então, ela também não fala.E está bem.Ela vai seguir a vida,assim como o adulto vai seguir a vida também.

Confira no site um vídeo com os depoimentos das famílias.

ajuda Psicóloga Manoela Lüdtke atendeu crianças que perderam os pais na tragédia e diz que adultos têm de ajudar os pequenos a lidar com o luto

jean pimentel, 18/01/2016

Fique atento aos sinais z Num primeiro momento, os familiares, os amigos, a escola conseguem dar conta de ajudar a criança a lidar com a morte dos pais. Porém, é preciso estar atento para os sinais. Se passado um tempo, a criança começa a apresentar problemas que a família identifica que tenha relação com a morte do pai ou da mãe, é hora de procurar ajuda. z Uma criança que já tenha tirado a fralda, por exemplo, pode voltar a fazer xixi à noite, ou uma criança que já tenha autonomia de brincar, dormir e se alimentar sozinha pode voltar a querer mais a presença do adulto, ter medo do escuro ou de dormir sozinha. Pode ficar mais sensível ou mais irritada. Isso pode aparecer por um período e parar ou pode

durar mais tempo. Nesse caso, um psicólogo pode ajudar a identificar o que está acontecendo. z A terapia com crianças inclui o uso do desenhos, tintas, argilas e brincadeiras, entre outras metodologias. Os materiais são oferecidos, e as crianças escolhem o que querem utilizar para se expressarem. z Não há nada que indique que uma criança lida melhor com a morte do que um adolescente ou viceversa. Mas, conforme Manoela, a adolescência por si já é uma fase difícil em que é preciso lidar com o fim da infância e a mudança do corpo de criança. A morte de um pai ou de uma mãe é um complicador nessa fase, mas as reações são individuais.


https://youtu.be/Cz-3QQ8kxs4


fachada ganha novo painel

QUARTA-FEIRA 27 JANEIRO 2016

MAIARA BERSCH

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VIOLÊNCIA

SÃO SEPÉ

Após roubos, loja não aceitará mais pagamento em dinheiro

Policial civil é baleado ao cumprir mandado

Página 7

Página 7

BAIRRO LORENZI

UMA ESCOLINHA QUE NASCEU DO SONHO DE UMA MORADORA Página 22 MAIARA BERSCH

Hoje tem abraço, culto e caminhada

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Depois da morte da mãe, idealizadora do projeto, Danielli Dominguez, seu pai, duas pedagogas e 11 voluntários tocam a Creche Criança Feliz, que atende 50 crianças

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Como as crianças lidam com o luto


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