AUSÊNCIA
^ Ausencia
Vicente A. de Carvalho
Ausencia ^
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~ Sao Paulo ~ Edicao do Autor 201 4
Ele partiu... ^ Passei a ouvir a musica da ausencia
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~ Do cheiro nao me lembro, nem sei se cheguei a sentir. Era um homem alto, inteligente, olhos claros, como era claro o seu amor por mim. Foi o que me disseram.
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Vi as fotos, ora serio, ora sorrindo e nelas estamos juntos. Como era sua voz? Aguda como a do ~ tenor, ou grave como a do baritono? Nao sei, isso ~ nao me disseram.
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Sei que curava os olhos dos outros enquanto ou~ previa musica classica. E os meus olhos, que nao ~ cisavam de cura, quase nao o enxergaram.
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Cinquenta anos depois, adquiri uma especie rara de estrabismo que me permite ver tudo nitido, so ele na neblina.
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NEBLINA ~ Do cheiro eu nao me lembro, nem sei se cheguei a sentir. Era um homem alto, inteligente, olhos claros, como era claro o seu amor por mim. Foi o que me disseram.
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Brincava de pega-pega, corria atras dos moveis e sempre me deixava encontra-lo. Mas eu nunca peguei. Nunca tive seu corpo junto ao meu. Sera ~ que tive? Nao sei.
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Vi as fotos, ora serio, ora sorrindo, e nelas estavamos juntos. Como era sua voz? Aguda como a ~ do tenor, ou seria grave como a do baritono ? Nao ~ sei, isso nao me disseram.
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Contaram que tinha bom humor, as vezes enxaque` ca. Por isso nao gostava ~ de ovo. O lugar onde viviamos era outro, tinha montanhas e um ar muito puro. Disso ele gostava. Foi o que me contaram. Sei que curava os olhos dos outros enquanto ou~ via musica classica. E os meus olhos, que nao ~ precisavam de cura, quase nao o enxergaram.
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Cinquenta anos depois, adquiri uma especie rara de estrabismo que me permite ver tudo nitido, so ele na neblina.
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Sera que ele me acordava pela manha com a mama~ ~ deira? Nao sei, isso nao me contaram. Talvez fosse preguicoso como eu e gostasse de acordar tarde. Talvez.
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~ pude ir a escola. Ele Um dia tive caxumba e nao ficou ao meu lado e passamos a tarde vendo pela
janela um grupo de teatro~ que se apresentava na rua. Nao sei se me lembro disso de verdade ou me disseram. Sera que esta ~ registrado em alguma fotografia? Uma vez ´ tivemos ´que arrombar a porta para entrar em casa. Eu me lembro desse dia. Sera que lembro? Talvez tenham me contado. Ele tocava ´ violino, isso eu tenho certeza. O violino esta comigo ate hoje. Sera que tocou para mim? Sera que ele tocaria violino para uma menina de cinco anos?
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Antes dos seis ele´ partiu ´ e as cordas do violino arrebentaram. Passei a ouvir a musica da ausencia. Como teria sido a vida com ele?
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Nao sei, isso tambem nao me contaram. Hoje sou observadora de meu passado. Nos ~ ~ primeiros cinco anos esteve comigo. ´ ele Sera que esteve? Ou me contaram? ´ Lidia Izecson
Agradecimentos Ao desenvolver esse projeto muitas pessoas foram lembradas, umas presentes, outras há muito ausentes. Às ausentes, algumas das quais conheci, outras apenas resgatadas em fotos de mais de um século, dirijo os pensamentos que foram por elas despertados. À Lidia, companheira de tantos anos e de tantas andanças, que tem me dado suporte fundamental, além da inspiração, origem desse projeto, meu reconhecimento e amor. Ao André e Rodrigo meu carinho pelo estímulo sempre presente e pelas imagens das crianças que foram. À Paula Marina, Cecília Calazans e Beatriz Ricardo pela inestimável ajuda na diagramação deste trabalho. Aos meus companheiros de fotografia, testemunhas da construção desse livro. E ao Marcelo Greco que tem se empenhado com toda a paciência em transmitir seu saber e fazer aflorar da alma conteúdos insuspeitados.
Ficha Técnica Fotografias antigas de acervo familiar. Fotografias atuais de Vicente A. de Carvalho. Textos extraídos do conto “Neblina” de Lidia Izecson, publicado no livro “Não Somos Nós” (EditoraDobra, São Paulo, SP, 2014).