Trilhas da mineração no seridó paraibano

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Trilhas da Mineração no Seridó

TRILHAS DA MINERAÇÃO NO SERIDÓ

José Aderaldo de Medeiros Ferreira

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José Aderaldo de Medeiros Ferreira

Aderaldo Ferreira, Geólogo e Gemólogo, mesmo já aposentado, continua um Minerador, um Garimpeiro como ele mesmo se identifica, atuante e com experiência bastante para escrever Trilhas da Mineração no Seridó que narra uma parte da trajetória de sua vida de Geólogo e Minerador apaixonado pela profissão e pela lida nos garimpos e minas dessa vasta e rica região do Brasil – rica em minérios, gemas, tradição e força de seus habitantes nativos. Formado no Recife, em 1962, dedicou quase toda sua vida profissional a Geologia Econômica, Mineralogia e Gemologia, tendo escrito e publicado trabalhos técnicos nesses campos da Geociências; elaborado e coordenado Projetos e Programas, com participação efetiva em todos eles, inclusive com Missões Estrangeiras, como a “Missão Geológica Alemã”. Esses trabalhos foram realizados nos anos que trabalhou para a SUDENE (1963-1976), mapeando áreas e executando Projetos de Pesquisas Regionais; na UFPB (1977-1992), depois que recebeu o convite do Reitor Lynaldo Cavalcante para coordenar o Projeto de Criação do Curso de Engenharia de Minas em Campina Grande, no qual lecionou, ajudando a formar as primeiras turmas. Com o apoio dos sucessivos Reitores da UFPB, e principalmente, da SUDENE, projetou e organizou a instalação do Centro Gemológico do Nordeste, assim como do Programa Gemas Nordeste – GENOR, com ramificações na Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco, Estados onde foram instalados cursos de Lapidação de Gemas e Artesanato Mineral, em vários Municípios; na CDRM, em dois períodos (1991-1995) e (2002-2008), quando atuou como Diretor Presidente daquela Empresa Estatal, em ações de Pesquisas Minerais; co-responsabilidade com a instalação de grandes grupos do setor de rochas ornamentais e, principalmente, nas atividades de fomento à Pequena Mineração. Pela sua profunda ligação com as coisas do campo – pecuária, clima, agricultura e história – escreveu em 1999, Tradições Ruralistas, livro que discorre sobre estes temas e aprofunda estudos sobre a Heráldica Ruralista e as “Experiências” dos nordestinos ligados a vida no campo, nas suas tentativas de previsões de chuva ou seca. Sua ligação com a literatura veio naturalmente através do hábito de ler e da necessidade de escrever e publicar trabalhos técnicos, influenciando-o a escrever livros de cunho histórico – sociológico, sem esquecer totalmente a essência técnicocientífica dos temas abordados.

Ana Cláudia M. Ferreira 2


A Geologia e a Mineração se unem como gêmeas siamesas, quando exercem uma função econômico-social de subsistência, pela explotação dos recursos minerais de forma o mais possível integral e sustentável. Embaralham-se e se chocam de maneira incompreensível, quando aplicam seus conceitos técnicocientíficos para, por feições seletivas e ambiciosas, depredarem a crosta no processo contínuo de destruição do meio-ambiente. Afastam-se de modo irremediável, quando a primeira defende o preceito utópico de preservação incondicional. (17)


José Aderaldo de Medeiros Ferreira

TRILHAS DA MINERAÇÃO NO SERIDÓ

Novembro, 2011


Trilhas da Mineração no Seridó

2011, SEBRAE/PB - Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas da Paraíba Mário Antonio Pereira Borba Presidente do Conselho Estadual

Júlio Rafael Jardelino da Costa Diretor Superintendente

Luiz Alberto Gonçalves de Amorim Diretor Técnico

Ricardo Jorge Castro Madruga

Diretor de Administração e Finanças

TRILHAS DA MINERAÇÃO NO SERIDÓ Texto e Ilustrações

Aderaldo Ferreira Ferreira, José Aderaldo de Medeiros

Foto Capa

Aderaldo Ferreira José Ferreira

Editoração

Virgínia Medeiros (Dida)

Tiragem

1000 exemplares

S443p. FERREIRA, José Aderaldo de Medeiros Trilhas da Mineração no Seridó / José Aderaldo de Medeiros Ferreira. – Campina Grande.SEBRAE, 2011 236p.; il.; 24cm 1.Mineração

CDU 622

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José Aderaldo de Medeiros Ferreira

SUMÁRIO agradecimentos

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apresentação

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prefácios

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Prefácio I

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Prefácio II

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PARTE I introdução

Prólogo Recursos Naturais Uma Dependência Histórica

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A Região Limites do Seridó Fisiografia Ciclos de Povoação

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a importância dos depósitos minerais

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29 31 39 46

Jazimentos Minerais do Seridó Competição

47 50

Gênese das Jazidas do Seridó Ciclo do Ouro Ciclo da Scheelita e de Outros Metálicos Ciclo das Rochas e dos Minerais Industriais-RMI Ciclo das Gemas Água-marinha Turmalina Euclásio Apatita Espessartita Gahnita Quartzo

53 59 63 69 75 75 76 78 79 80 80 82


Trilhas da Mineração no Seridó

Granada Almandina Tapuianita Ciclo das Rochas Ornamentais Quartzitos Granitos Mármores conceitos

Minérios sociais Harmonia cromática Cone de Cores

82 82 89 89 89 89 94 95 97 98

PARTE II pedaços da história

O Garimpeiro A Mina Escola A Mina do Príncipe Um Ninho de Cobra Preta A Singular Paragênese de um Bolsão Um Fogão de Fluorita O Golpe de Raimundo A Mina da Pedra Bonita Um Eixo de Braúna Zezinho e a Pirita A Volta Olímpica É Sete Bi, Doutor! Joãzinho e as Gemas A Mina de Ouro do Piancó A Descoberta Custódio e o Ouro de São Vicente Mineração Itajubatiba Conclusão A Incoveniência de Caçote Colóquio Sobre os Granitos e o Embasamento do Nordeste

100 101 109 115 121 125 131 137 143 153 159 167 175 179 183 183 185 188 191 193 199

epílogo

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referências bibliográficas

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José Aderaldo de Medeiros Ferreira

AGRADECIMENTOS

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xtensivos às pessoas que participaram, mesmo sem saber, da elaboração deste livro. Os que ajudaram a construí-lo e os que se associaram, como coadjuvantes, às histórias e aos fatos narrados - Mineradores, Garimpeiros, Pedristas, Técnicos ligados a mineração - pessoas que vivenciaram intensamente essa época, iniciada há mais de um século e que ainda não terminou. À minha mulher, Carmen Regina, aos meus filhos Ana Cláudia, Adriana e José Ferreira pelo apoio e incentivo que sempre me deram, especialmente, a Ana Cláudia e Zé Ferreira, os filhos que decidiram trilhar os caminhos do pai! Ambos, Engenheiros de Minas e Gemólogos, que me acompanham nos passos da mineração desde a infância, quando comigo percorriam as minas e garimpos do Seridó e hoje oferecem uma contribuição inestimável na montagem do texto, nas fotografias selecionadas e na organização final dessa obra de referência. Ao SEBRAE e a SUDENE pela concordância da publicação, mesmo antes de tomar conhecimento do teor exato da matéria, e isso traduz confiança! Especialmente aos meus amigos Carlos Almiro, Luiz Alberto Amorim e Marcos Magalhães o qual concordou em prefaciar o texto, juntamente com Roberto Braga, de quem sou amigo e admirador. Inteligentes, trabalhadores, competentes em tudo que fazem, decididos e leais. Com eles muito aprendi. A Samara, dedicada e leal auxiliar, foi, com sua competência e inteligência, por longo período o meu eficiente computador. Teve a paciência de digitar parte

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deste livro, chegando ao ponto de, muitas vezes, traduzir minha caligrafia rabiscada, em trechos que nem mais eu sabia o significado! A Carminha que também colaborou na digitação de alguns textos de “Pedaços da História”, e a Fernando designer da CDRM, com muitas fotos no texto, que fizemos juntos. A meus netos Letícia, João Víctor, Amanda e Carlinhos, quando muitas vezes iam alegrar meus momentos de isolamento no escritório, por eles já denominado de “Casa dos Anõezinhos”, não para tirar minha concentração, mas, ao contrário, me dar inspiração. A Mário Ferreira, meu irmão mais velho, do tempo que foi Minerador e muito me incentivou na escolha da profissão! Além de transmitir-me informações exatas sobre algumas das histórias narradas, das quais ele participou. A Marcos Santos, meu amigo de muitos anos, com as narrações pertinentes a fatos ocorridos em Itajubatiba. E por fim também expresso minha gratidão a Virgínia Medeiros, “Dida”, minha prima, que trabalha nas artes gráficas do SEBRAE Paraíba e gentilmente, com muita competência profissional, recebeu de Ana Cláudia, minha filha, o texto com as gravuras, (desenhos e fotos) nas cores tendentes para o original e fez a diagramação final do livro, adaptando tudo às exigências formais. A todos vocês a minha gratidão, não só pelo já feito, mas também pela certeza de que juntos haveremos de continuar a procura de passos perdidos da história, de forma o mais possível exata e fiel. Aderaldo Ferreira

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Pe莽as de artesanato mineral em citrino e 么nix confeccionadas por Luiz Froeder.


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APRESENTAÇÃO

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O O

SEBRAE Paraíba, entidade com missão de promover a competitividade e o desenvolvimento sustentável de Micro e Pequenas Empresas e fomentar o empreendedorismo, está voltado à concepção e execução de iniciativas de apoio aos pequenos negócios com a geração de emprego e renda. Atuando assim, procura colaborar com as ações e projetos de consolidação desses modelos – conhecimento, crédito, tecnologia e capacitação – para todos que queiram investir em setores produtivos, fortalecendo vocações econômicas, promovendo crescimento e apoiando iniciativas culturais. O SEBRAE Paraíba atua no setor mineral em dois projetos. O primeiro é o “APL de Minerais do Seridó Paraibano” voltado à vocação econômica e resultado da parceria entre órgãos dos governos municipal, estadual e federal, com atendimento a mais de 300 garimpeiros de quatro cooperativas em 17 Municípios do Curimataú, Seridó e Sabugi. O segundo projeto é denominado “APL Gemas do Seridó”, voltado à vocação tecnológico-educativo e fruto da parceria com a SUDENE com treinamentos em lapidação, artesanato mineral e design de jóias, de 80 jovens, com a instalação e/ou melhoramento de três escolas de lapidação de gemas em Santa Luzia, Pedra Lavrada e Picuí; além de realizar um diagnóstico do setor gemológico no Brasil. A temática está presente na publicação “Trilhas da Mineração no Seridó”. Mais do que um conjunto de dados e citações, este livro entrelaça informações e histórias em um ambiente de potencialidades e mudanças econômicas impulsionadas por pioneiros, conhecimentos científicos e dados que poucos conhecem da Paraíba e do Rio Grande do Norte em uma linguagem clara e de fácil leitura. Exemplo destas histórias é a extração de toneladas de ouro em Catingueira/PB na década de 40, do século passado, instalação de mina e investimentos de descendentes da Família Real em uma jazida no Nordeste brasileiro. O livro apresenta ainda, minérios e rochas extraídos do subsolo paraibano, suas características, ciclos de produção e a pujança econômica gerada com o seu aproveitamento. Histórias de minas, garimpos e

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empreendedores que extraíram do subsolo riquezas, geraram empregos e negócios rentáveis, a partir da exploração mineral. Pessoas simples, presentes no cotidiano de pequenas cidades e que encontram no segmento: prosperidade, dificuldades e tiveram suas vidas marcadas pela atividade. De caráter também técnico, a publicação aprofunda o conhecimento do setor em seus aspectos científicos, históricos e cotidianos. A mineração representa um dos grandes potenciais econômicos da região do Seridó - Paraíba e Rio Grande do Norte - com a presença de Empresas, Cooperativas e Garimpeiros. Nos últimos anos, a construção civil desencadeou o aumento do consumo de substâncias minerais industriais e rochas ornamentais, em um ciclo de desenvolvimento que busca sua sustentabilidade. O SEBRAE quer ainda, na “Rota das Gemas”, criar um Programa permanente de Turismo Mineral. Atualmente o setor aponta para novos conceitos e inter-relações para o aproveitamento integral da cadeia produtiva, interligadas por elos que se encaixam e buscam a questão da sustentabilidade e formalização de áreas para exploração. Este livro contribui para este caminho e une conhecimento, vivência e história, buscando servir de apoio a novas intervenções. Sebrae Paraíba


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EMPRESA DE MINERAÇÃO E CONSULTORIA FERREIRA & TAVARES LTDA. A Empresa de Mineração e Consultoria Ferreira & Tavares Ltdª é sediada em Campina Grande, Paraíba. Foi criada para atender serviços e projetos nas áreas de ciências geológicas e em mineração desde requerimentos de áreas a acompanhamentos das exigências no DNPM, IBAMA e órgãos ambientais estaduais, resguardando os direitos dos clientes nas tramitações exigidas nos diversos estágios dos Processos. É uma sociedade empresarial limitada, administrada pelo sócio José Ferreira Tavares, formado em Engenharia de Minas, com mestrado em lavra. É advogado da Órdem (OAB), especializado em Direitos Minerário e Ambiental. Esta sociedade tem como objetivo social atuar como Empresa de Mineração, prestadora de serviços em mineração, geologia, meio ambiente e consultoria. Suas principais atividades econômicas estão relacionadas a estudos geológicos em todo o território nacional, em escalas regional e de detalhe, visando primordialmente, a explotação dos seus recursos de modo sustentável, como detalhado a seguir: Extração de substâncias minerais industriais, minerais metálicos e gemas, por métodos corretos, procurando evitar desperdícios e visando um aproveitamento integral e racional; Prestação de serviços a Empresas nacionais e multinacionais nas áreas de lavra mineral em rochas ornamentais, em pegmatitos e em outras rochas portadoras desses recursos; Apoio a Empresas nas tramitações legais de seus processos, com acompanhamento competente, junto aos órgãos ambientais; Serviços de consultoria em todas as atividades ligadas à mineração e geologia. A Empresa de Mineração e Consultoria Ferreira & Tavares Ltdª, desde sua criação em 2009, tem sido bastante solicitada, principalmente pela competência demonstrada em todos os campos que atua, inclusive preenchendo uma lacuna que existia na região de sua maior abrangência.

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PREFテ,IOS

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PREFÁCIO I

Q Q

uando fui convidado pelo Governador Cássio Cunha Lima para ocupar a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo do seu segundo governo, havia uma preocupação a menos: escolher o Presidente da CDRM - Companhia de Desenvolvimento dos Recursos Minerais. Não conhecia o Professor Aderaldo Ferreira, pessoalmente, mas de há muito já sabia de sua competência e conhecimento em geologia. Conhecemos-nos, portanto, numa mesma missão pública, eu como Secretário de Governo e ele com Presidente da CDRM, e fomos parceiros em defesa da mineração paraibana. A pecuária de leite e seus desdobramentos e a mineração constituem-se, de há muito tempo, a única saída para o desenvolvimento harmonioso da Paraíba. Viajamos muito pelo interior do estado e, sobretudo, pelo Seridó. Sorvia conhecimentos extraordinários, como uma aula teórico-prática ao longo de nossas jornadas. Pude comprovar que o Professor Aderaldo está certo quando afirma que o principal esteio, nestes quase três séculos de colonização do Seridó nordestino, deve-se ao sertanejo, pelo imperativo de ter que lutar pela sobrevivência, o que o põe em posição de destaque como protagonista principal da questão mineral. É inimaginável a vida sem a exploração mineral o que fortalece, a cada dia, a cumplicidade indissolúvel do homem com o reino mineral, como prova no seu livro o autor. Ao abordar a geografia física do Seridó o autor é pródigo no conteúdo, descrevendo a fauna, a flora, e o clima de maneira extasiante, tudo complementado com os nanquins, do próprio autor, de forma que o leitor terá a oportunidade de entender melhor e fruir de toda a fisiografia daquela região, permitindo um aprofundado conhecimento de sua realidade. A oportunidade de estar no governo permitiu-me presenciar, “in loco”, muito daquilo que o Professor Aderaldo detalhou e, portanto, considero-me um privilegiado, não para contar histórias de sucesso daquela região, mas para entender melhor como os ciclos econômicos, que o autor descreve, se estabeleceram, e como o poder público não soube tirar proveito deles

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para estabelecer políticas que pudessem consolidar o desenvolvimento da região. Afinal, a história daquela região é uma história de negligências. O autor ainda nos presenteia com um conjunto de fatos e estórias que fazem parte do folclore da região e que agora estarão perpetuadas neste livro, para que a posteridade possa se orgulhar e se deleitar e, desta forma o Professor Aderaldo contribuí, de maneira relevante, para a cultura brasileira. Roberto Braga Empresário

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PREFÁCIO II

F F

oi com surpresa que recebi o convite do grande amigo Aderaldo para fazer a apresentação do seu livro “Trilhas da Mineração no Seridó”. Aderaldo é um daqueles que, como brasileiro, não desiste nunca. Principalmente se o que estiver à sua frente for um grande desafio, como foi escrever este livro. A leitura do livro “Trilhas da Mineração no Seridó”, é um misto de memória e documento, que merece ser detidamente ‘lapidado’ por uma competente leitura. A obra descreve com muita riqueza e detalhes a história de uma região incrustada numa das áreas mais sofridas do nosso Estado – o Seridó, a partir do seu povoamento e da descoberta de suas riquezas naturais: a geologia, a flora e a fauna. O próprio autor reconhece: “É assim o Seridó, seco, sofrido, árido, difícil de ter sobrevivência fácil! Mas, querido e amado por todos os que por lá nasceram e até pelos descendentes das famílias que desbravaram suas terras, adaptaram-se ao seu clima, exploraram suas terras, suas riquezas minerais, com trabalho, competência e muito sacrifício, souberam conviver com secas e dificuldades, geraram mentes fortes de uma cultura pujante e extremamente arraigados aos seus costumes, sempre cantando e exaltando sua história, com seus hábitos, seu bairrismo, mesmo que pouco decantado pelo seu retraimento natural, seu entrelaçamento familiar, como que formando uma imensa teia, e sua inabalável crença na força daquela terra”. Esta obra é um verdadeiro aprendizado e coloca o leitor diante de uma realidade econômica e social ainda de muitos desconhecida, a partir da exploração mineral em pleno coração do Seridó brasileiro. É nesta rica e sofrida região, onde instituições governamentais e não governamentais estão apoiando um importante contingente social que tem nas riquezas encontradas no subsolo o meio de sua sobrevivência.

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Formado em Geologia pela UFPE, sendo ele um dos entusiastas e um dos primeiros alunos deste curso, Aderaldo Ferreira é um apaixonado pelo que faz e uma autoridade quando o assunto é Geologia ou mineração. Como descendente de família desta região da Paraíba e pela sua formação, não conheço ninguém melhor do que Aderaldo para descrever e escrever esta obra que relata a trajetória e a cumplicidade indissolúvel dos homens do Seridó. Além de trazer informações sérias, técnicas e até científicas, Aderaldo também aproveita esta obra para contar histórias e estórias que envolvem personagens famosas e pessoas anônimas, mineradores ou não. Tem até história de um ninho de cobra preta, também conhecida como Muçurana. Trilhas da Mineração no Seridó também conta muitas histórias extravagantes de exploradores de jazidas, dos chamados “Noveau Riche”, como o caso de Custódio. Aderaldo usa e abusa do verbo e de forma descontraída puxa pela memória para lembrar também de “causos”de malandragens que vitimaram pessoas menos experientes como “Joãozinho” que comprou “pedras de fazer bijuterias” pensando serem algo de valor. Este livro, pela habilidade e conhecimento do seu autor, consegue contar a história da mineração e de seus mineradores em forma de prosa, o mais próximo do real. Mas, no momento em que escrevo esta apresentação, enxergo no livro de Aderaldo uma oportunidade ímpar de reflexão sobre a potencialidade mineral existente na região do Seridó paraibano e a necessidade urgente de uma ação governamental para ampliar as condições de sobrevivência das comunidades ali residentes. É com orgulho, portanto, que apresento a obra Trilhas da Mineração no Seridó que o velho e guerreiro Aderaldo nos presenteia a todos. Por isso, caro leitor, se delicie com a leitura. Marcos Magalhães Consultor do Sebrae Paraíba

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Estatueta de macaco confeccionada em turmalina verde azulada de São José da Batalha, PB. Coleção Ferreira & Tavares.

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INTRODUÇÃO

PARTE I


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PRÓLOGO

A A

Parodiando o célebre fabulista Phaedrus, nascido na Tessália, região da antiga Grécia, localizada entre a Trácia e a Macedônia, no seu “Prologus Liber Primus” (11), quando disse: “Eu cinzelei em versos cenários as Fábulas que Aesophus inventou”, aqui também estou tentando ordenar em prosa, a história que eles protagonizam! Alguns fatos ocorridos e vividos por personagens épicos que ajudaram a fazer a mineração nessa região, diversos citados no texto, alguns apenas lembrados no Epílogo deste livro e a maioria, esquecidos.

geologia regional Pré-cambriana ajustada da maneira que foi feito pela Natureza no Seridó, disponibilizando depósitos minerais metálicos, tais como os tactitos e os pegmatitos, aflorantes à “flor da terra”, sem coberturas significativas de superfícies de alterações, e jazimentos de substâncias minerais, ligadas ou não a minerais minérios, é um forte motivo para que se processe o crescimento de forma contínua dessa economia. Muitas vezes a própria rocha é constituída, toda ela, de um minério rico industrial, pronto a ser aplicado em produtos cerâmicos, ornamentais, fertilizantes ou até veiculares de outros produtos úteis! Sem duvida, levando em conta todo este conjunto de condições propícias, a potencialidade mineral torna-se parte fundamental do sustentáculo desta atividade econômica do Seridó. O clima seco e quente, quase árido, por pouco não impossibilitando a instalação de culturas agrícolas econômicas, passíveis de manejos racionais e planejados dos produtos alimentares, mesmo que sejam culturas de sequeiro, até facilitou e incentivou o desenvolvimento da atividade mineira na região; A própria participação governamental, que vem acontecendo de maneira contínua, em fases de maior ou menor intensidade, sob a forma de execução de mapeamentos geológicos, de etapas de pesquisas minerais, de

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cadastramentos dos jazimentos, de incentivos à produção e da celebração de contratos e convênios com missões estrangeiras, têm muito contribuído para o processo de crescimento da mineração seridoense e de forma mais abrangente, de todo o Brasil. Mas, na realidade, o principal responsável, a base precípua, tem sido o próprio homem, com a sua capacidade de trabalho, sua intuição, sua curiosidade, sua formação rígida fundamentada na necessidade de sobrevivência, em quase três séculos de colonização desta terra semi-árida. Isto sim foi na realidade o principal esteio para o desenvolvimento extraordinário do setor produtivo primário do compartimento nordestino deste Seridó geológico, mineiro e útil. Daí estarem descritas suas potencialidades, mesmo que de forma sucinta, seus ciclos produtivos responsáveis pela conquista da terra, suas histórias evocando etapas do seu desenvolvimento, avanços do progresso, tudo contribuindo para a divulgação, em um anedotário rico, trazendo à lembrança Epopéias e até fazendo Folclore, diante do inusitado de alguns fatos pretensamente vividos! O próprio tempo, até pelo fato de não ter havido um arquivamento correto da memória mineira do povo nordestino, encarrega-se de fazer a distinção exata, daquilo que é fato ou que é apenas lenda.

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RECURSOS NATURAIS

A A

caça e a pesca são atividades primitivas, que, juntamente com a colheita dos frutos silvestres e do mel, alimentaram a humanidade quando do alvorecer da civilização. Paralelamente, aqueles primeiros seres humanos passaram a utilizar os recursos florestais, como fonte de energia, como matéria prima para móveis e habitações rústicas, na construção de embarcações toscas e se utilizaram também, dos primeiros minerais que eram usados em adorno, em ligas metálicas, na confecção de armas grosseiras e como a mais primitiva das habitações, as cavernas, assegurando garantia às suas sobrevivências. Do hábito e da necessidade de caçar, colher, pescar, desmatar, garimpar, surgiram e se desenvolveram as atividades agrícolas, criatórias, minerárias e apícolas. Naquela fase primitiva, como fonte vital o homem aprendeu a explorar os recursos das águas dos mares, dos rios, dos lagos e das fontes, a princípio, apenas, para saciar a sede, depois para asseio corporal, como via de transporte, irrigação e fonte de energia. Deste hábito vital nasceram as ciências que controlam os recursos hídricos, climáticos, marítimos e pesqueiros. Com a exploração dos primeiros minerais - lascas de pedras, gemas, argilas e ligas metálicas – foram formulados os princípios básicos das ciências geológicas, as teorias sobre a origem dos bens minerais, as técnicas para suas explorações, as tecnologias de beneficiamento, as múltiplas formas de utilização com suas transformações industriais. Com a crescente demanda pela multiplicidade do uso, surgiram as primeiras exaustões. E o homem enxergou que tudo aquilo um dia poderia acabar! Sem, entretanto, procurar os meios corretos para evitar um desfecho catastrófico. Só recentemente, séculos depois de desperdícios contínuos e ações perdulárias, em todos os setores da economia dos bens primários é que surgiram as idéias, seguidas de atos concretos, para o estabelecimento dos modelos de Desenvolvimento Sustentável. 24


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Peças neolíticas encontradas no Seridó: pontas de lanças em quartzo hialino e diabásio; contas de colares em ônix vermelho, amazonita e calcedônia, além de outros artefatos e adornos. Coleção Ferreira & Tavares. Nanquim do autor sobre foto de Marcelo Lerner.

Caverna habitada por pessoas primitivas, que já utilizavam o fogo, vestiam-se de forma rústica e obedeciam a uma hierarquia tribal. Nanquim do Autor.

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UMA DEPENDÊNCIA HISTÓRICA

“No início utilizou o barro modelando a cerâmica primitiva, uma das primeiras idéias inteligentes! Estava começando a dependência, a sua indissolúvel ligação com os bens minerais. E aí aquela concepção racional do uso da pedra foi atirada pelo homem paleolítico para um futuro histórico, ainda totalmente desconhecido.”

Aderaldo Ferreira

Representação de uma mão de homem primitivo, atirando um machado neolítico para um futuro desconhecido e imprevisível. Nanquim do Autor.

Das primitivas ações para o uso dos bens minerais, a partir do Pleistoceno inferior (2.000.000 anos atrás), até chegar ao estágio alcançado pelo “homo sapiens” (100.000 a 10.000 anos a.C), período no qual começou a utilizar a cerâmica rústica, o homem conseguiu fundir as primeiras ligas de cobre (bronze e latão), fabricar os primeiros utensílios de ouro e prata e vislumbrar a beleza das primeiras pedras como gemas, alimentando aquela vaidade congênita já despertada no seu cérebro de ser racional. Muito tempo se passou, até que, finalmente, chegasse ao estágio mais importante desta cadeia precursora, o do uso do ferro (1.200 a. C). Esta trajetória longa e difícil foi necessária para a sua própria formação mental, para o aprendizado responsável pelo desenvolvimento da sua inteligência.

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Aquela cumplicidade indissolúvel, do homem com o reino mineral, foi crescendo assustadoramente com a ampliação do uso das pedras, ficando absolutamente impossível imaginar uma forma de subsistência da humanidade, sem a descoberta da cerâmica, das ligas metálicas, do vidro, do aço, do ferro-ligas, dos revestimentos, dos pigmentos, dos isolantes, dos condutores elétricos, das gemas – suprindo e alimentando a vaidade humana, ilimitada e atávica – e entre tantos outros produtos, dos combustíveis fósseis, propulsores do nosso maior desenvolvimento. E todo este complexo de aprendizagem, de sinergia plena entre a humanidade e a terra, de uso permanente dos recursos minerais, aplicados em habitações, em outras obras civis, em linhas transmissoras, na fabricação e propulsão de veículos (pelo uso de petróleo, carvão e gás), em máquinas e utensílios, em equipamentos fabris, óticos, hospitalares, agro-mecânicos, encurralou a humanidade nesta teia de dependência, que não admite interrupções no processo, por menor que se possa imaginar! Sempre tende a se tornar mais complexa e mais sujeita. Sua interrupção vista no nosso imaginário, destruiria a humanidade, como o faria um descomunal Tsunami!

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A REGIテグ

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LIMITES DO SERIDÓ

O O

s balizamentos da geologia e como conseqüência da mineração, são amplos e muitas vezes indefinidos, chegando a correlações intercontinentais! Não tem como restringiremse a divisões político-geográficas, totalmente controladas e delimitadas pelo homem, abstraindo até feições da própria geografia física, já com seus controles rígidos – geomorfológicos, climáticos, vegetalinos, hidrográficos e edáficos - limitados, ainda por altitudes e por sistemas erosivos comandados pelos cursos d’água. Dessa forma, Seridó, como aqui definido, inclui toda aquela área demarcada em 1748, quando da criação da freguesia da gloriosa Santana do Seridó, com um território de forma pentagonal, com 14.000 km2, conforme afirma Olavo Medeiros (13) alcançando seus limites uma extensão de terras que inclui Municípios dos Estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte, destacando-se entre eles, pela produção mineral: Currais Novos, Frei Martinho, Acari, Parelhas, Carnaúba dos Dantas, Jardim do Seridó, Ouro Branco, Várzea, São Mamede, Santa Luzia, São José do Sabugi, Junco do Seridó, adentrando o Cariri e alcançando os Municípios de Picuí, Nova Palmeira, Pedra Lavrada, São Vicente, Cubati, Juazeirinho, Assunção e Salgadinho. Seus limites para sudoeste expandiram-se para Princesa Isabel e Catingueira; para leste chegaram a outras regiões dos Cariris e dos Curimataús, incluindo Municípios como Pocinhos e Soledade na Paraíba e avançando para o oeste alcançaram outros Municípios do Rio Grande do Norte e da Paraíba, como Jucurutu, Florânia, Jardim de Piranhas, Timbaúba dos Batistas, Brejo do Cruz e Belém. Todo este território está incluído, politicamente, na Mesorregião do Seridó! Tentáculos que se estenderam, que se espalharam, que alcançaram terras do domínio de uma geologia com seus jazimentos minerais, peculiares àqueles do Seridó original! Um Seridó geológico com identidade mineira, que não respeitando fronteiras tem no grupo Seridó formações e rochas que se estende a toda essa vasta região nordestina.

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Sabiá-laranjeira, a ave símbolo do Brasil, pousado em um galho de Pau D’arco (Ipê) amarelo, na época da floração, árvore que também é representativa do nosso país. Nanquim do Autor.

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FISIOGRAFIA

O O

Seridó, como região fisiográfica identificada, mesmo sem expor com precisão uma distinção exata de suas particularidades, como apresentam aquelas com as quais se limitam - a do Cariri, com a qual se confunde pelo leste e a do Sertão pelo lado oeste – tem características intermediárias com as circundantes, um clima quase de Sertão, quente e seco e uma aparência de Cariri pela baixa pluviosidade, maiores altitudes nas confrontações do Planalto da Borborema, temperaturas mais amenas nos meses de outono e principalmente nos de inverno. A vegetação é bem típica, com umbuzeiros, facheiros e mandacarus, herança do Cariri; faveleiras, oiticicas, cumarus, paus d’arco e algumas outras árvores de grande porte, herança mais do Sertão; cactáceas típicas do seu clima como: chique-chique, macambira e coroa de frade, outras espécies vegetais comuns a todas estas regiões, como são a umburana, o mororó ou mão-de-vaca, nas quebradas de serras; o angico, a baraúna, a craibeira, o pereiro, o juazeiro, a quixabeira, a catingueira, o bugi, o mofumbo, a timbaúba, o tambor, a maniçoba, o jucá, a aroeira, o mulungu, a jurema, o marmeleiro, a malva, a jaramatalha, o velame e o muçambê; plantas medicinais como xanana, mangirioba, alfazema-braba, quebra-pedra, fedegoso e papaconha, além das gramíneas – mimoso, milhã, carrapicho, com o domínio absoluto do capim panasco, esta sim, uma espécie autêntica do Seridó, dominando os campos mais abertos, quando dos períodos chuvosos, dando a eles uma aparência de Pampas! Na fauna nativa e diversificada, são encontrados, com relativa abundância, os casais de pebas em suas tocas características, abertas em terrenos arenosos; “verdadeiros” de rara incidência nos troncos de serras,; preás nas baixas, mocós em locas de pedras, sempre ariscos; raposas, ticacas, gatos-do-mato, vermelhos e “muriscos”; periquitos em bandos fazendo alarido; rolinhas - caboclas, brancas, caldos-de-feijão e cascavelinhas construindo seus ninhos em pés de muçambês; corujas, principalmente os bocas-moles, com seus piados agourentos nos caminhos; arribaçãs que só aparecem nas épocas das sementes de favela, cumprindo seus ciclos 32


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migratórios; asas-brancas, juritis, só vistas nas bebidas; raros craúnas e anuns (brancos e pretos), galos-de-campina em bandos, concrizes; beijaflores, cancões, raros sabiás-laranjeiras; tetéus, marrecos e flexa-peixes margeando ou esvoaçando os açudes; gaviões touronas e especialmente os carcarás, cumprindo aquela obrigação de limpeza natural, juntamente com os urubus; pequenos passarinhos, como golados, papa-capins, cabocolinhos e pintassilgos; sem falar no canário da terra, quase desaparecido, sariemas aos pares com seu canto chamando chuva; tejuaçus, camaleões, cascavéis, corre-campos, muçuranas, mais conhecidas por cobras-pretas e jararacas, geralmente encontradas nos paús de grandes cheias. Raramente onçasvermelhas ou suçuaranas, as conhecidas onças-de-bode, cruzando as serras mais ermas; tamanduás só raramente vistos nos picos e quebradas e guaxinins ainda avistados em vazantes e aguadas mais isoladas. Até início do século passado rebanhos de emas ainda eram enxergados por vaqueiros, nos troncos das serras mais afastadas das fazendas, quando nos campeios de apartação. O clima seco semi-árido, com temperaturas variando entre “350C à sombra”, como dizia Zezé Medeiros, prognosticando chuvas! Nos períodos mais quentes, próximo de chover e 210C nos meses mais frios, geralmente entre junho e julho (São João e Santana). As chuvas, quase sempre raras, acontecem no período entre dezembro e maio, com maior intensidade de fevereiro a abril, com médias pluviométricas que variam entre 500 mm/ano a 650mm/ano.

Mostra um bando de arribaçãs em atitude de vôo migratório para o Seridó, fato que sucede anualmente, entre os meses de maio e junho, época das sementes de favela. Nanquim do Autor.

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As altitudes, naqueles pediplanos dissecados por erosão regressiva, oscilam de 200m a 350m, podendo atingir até mais de 600m nos montes que despontam de formas isoladas, como “Inselbergs”, em toda aquela região recortada e peneplanizada pelas ações erosivas de rios como o Seridó, o Sabugi, o Quipauá, o Acauã e o Espinharas, todos formadores do Piranhas. Destaque se dê a alguns picos e serras, como Picotes, Rajada, Yayú, Raposa, Cabaço, Serra Branca, Salgadinho, Redonda, Viola, Preacas e tantos outros, todos em situação de isolada imponência, como ilhas de rochas cristalinas Pré-cambrianas - granitos, gnaisses, migmatitos e até biotitaxistos - resistentes aos processos erosivos, responsáveis pelo retalhamento do relevo daquela região.

Galo-de-campina, pássaro comum no Seridó, vive em pequenos bandos, geralmente em território demarcado. Nanquim do Autor

Cancão, pássaro que não é encontrado facilmente. Vive em pares e o seu canto é muito apreciado. Ainda hoje é encontrado em cativeiro. Nanquim do Autor.

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Guimarães Duque (19) ressalta como Seridó, uma região de “vegetação baixa, muito espaçada com capim de permeio”, um solo proveniente de gnaisses, granitos e micaxistos, “muito erudido, arenoso e seco”, com seixos rolados por toda parte. “Quando bem coberto de capins, com árvores e arbustos largamente distanciados e topografia quase plana, o Seridó é uma Savana.” Sol abrasador durante o dia, vento fresco à noite. Tornou-se “habitat” natural do algodão Mocó de fibra longa que comandou a economia seridoense por mais de um século! Nas colinas, praticamente, não existe solo, os terrenos para culturas são encontrados às margens de rios, nos chamados baixios, ou à montante dos açudes, que “constituem o meio mais prático de guardar água”.

Desenho de uma Tourona, de grande tamanho, que foi criada em cativeiro, por Jeová Batista, no pátio do Museu de Santa Luzia, por ele organizado. É uma ave de rapina só encontrada em serras isoladas e distantes de povoações, em anos de bons invernos. Nanquim do Autor.

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Região sujeita as secas periódicas, prejudiciais ao cultivo de subsistência, ao criatório e até as populações que muitas vezes emigram para outras terras à procura de sobrevivência, como disse Patativa do Assaré em “A Triste Partida”: ... “Meu Deus, que é de nós Em um caminhão Ele joga a famia Chegou o triste dia Já vai viajar.”

Flexa-peixe, um pássaro que habita aguadas, como Açudes e Lagoas, sempre à espreita de peixes para sua alimentação. Nanquim do Autor.

O Beija-flor é um pequeno pássaro que se alimenta do néctar das flores. É capaz de parar no ar, com o movimento rápido das suas asas. É comum no Seridó, vivendo inclusive em jardins, onde muitas vezes são encontrados seus ninhos. Nanquim do Autor.

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Canário-da-terra, quase que totalmente desaparecido da região, pela ação predatória dos pardais e dos Passarinheiros. É ainda encontrado em raríssimas fazendas, quando os proprietários demonstram respeito à sua preservação. Nanquim do Autor.

Ema desgarrada de rebanho. Essas aves eram encontradas na região, por Vaqueiros, nos troncos das serras mais distantes, até os anos vinte do século passado. Nanquim do Autor.

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Tejuaçú, réptil muito comum, no Seridó. Quando aparece nos caminhos, nos descampados e nos pátios de fazendas, com certeza está adivinhando chuva, segundo a crença dos nordestinos do campo. Gravura tirada do livro “Tradições Ruralistas”, do Autor.

É assim o Seridó, seco, sofrido, árido, difícil de ter sobrevivência fácil! Mas, querido e amado por todos os que por lá nasceram e até pelos descendentes das famílias que desbravaram suas terras, adaptaram-se ao seu clima, exploraram suas terras, suas riquezas minerais, com trabalho, competência e muito sacrifício, souberam conviver com secas e dificuldades, geraram mentes fortes de uma cultura pujante e extremamente arraigados aos seus costumes, sempre cantando e exaltando sua história, com seus hábitos, seu bairrismo, mesmo que pouco decantado pelo seu retraimento natural, seu entrelaçamento familiar, como que formando uma imensa teia, e sua inabalável crença na força daquela terra.

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“Pico do Yayú” serra que simboliza o relevo do Sabugi, localizado na divisa dos Municípios de Santa Luzia e São Mamede, na Paraíba.

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CICLOS DE POVOAÇÃO

A A

colonização do Nordeste se deu pela influência de alguns Ciclos Econômicos, iniciando-se pelo “Ciclo do Couro”, quando o território foi mais intensamente ocupado por rebanhos bovinos, tangidos das faixas costeiras pelos criadores, culminando, poucas décadas depois de iniciado o processo das “entradas”, pela força de “Cartas Régias”, datadas de 1698 e 1701! Assim, partiram dos Estados da Bahia e de Pernambuco para os Sertões, motivados, principalmente, pelas constantes disputas entre Pecuaristas e Agricultores da cana de açúcar, cultura já florescente naquela região, responsável pelo Ciclo de maior povoamento da costa nordestina. “O contraste entre o padrão da colônia portuguesa no Brasil e o da Espanha em outras partes do Novo Mundo é bastante interessante. Enquanto a atração para a mineração expandia os domínios de Castela, pelos desertos do norte do México e pela íngreme região Andina, a agricultura comercial mantinha os portugueses na orla marítima, ao alcance fácil da comunicação oceânica...” (35) Como estes últimos, os agricultores, tiveram o apoio da Coroa, portanto, do Rei de Portugal, os Fazendeiros foram forçados a desbravarem o interior nordestino, através do médio São Francisco, chegando primeiro ao Maranhão, aqueles que vinham da Bahia e logo a seguir às terras do Piauí, pelos rios Piaui, Poty e Canindé, os provindos de Pernambuco, fundando por lá a primeira fazenda de gado, a “Poções de Baixo” e logo a seguir, trinta e uma ou até mesmo cinqüenta fazendas segundo outros historiadores, com currais e mangas para criação extensiva, nos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. “A fazenda de gado fixou a população no interior de todo o Nordeste Brasileiro”. (08). No Piauí, já encontraram as marcas deixadas pelo Bandeirante paulista, um dos colonizadores da região, Domingos Jorge Velho. (18)

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Seguiram-se a estas conquistas as instalações de criatórios no Ceará, no Rio Grande do Norte e na Paraíba, com as ações de Sertanistas da estirpe dos irmãos Oliveira Ledo, Constantino e Teodósio; dos Albuquerque Maranhão, de Manuel de Araujo de Carvalho e dos Ferreira Neves, estes provenientes de Mamanguape e com ações localizadas no Sabugi. “No Rio Grande do Norte, a pecuária é a própria história econômica até os primeiros anos do Sec. XX. Quase todos os seus Municípios nasceram nos pátios das fazendas de criar”. (08) Elpídio de Almeida (02), cita que em 1694, morreu Constantino de Oliveira Ledo, assumindo seu posto de Capitão-Mor das fronteiras dos Piranhas, Cariris e Piancós, por determinação do Governador Geral, D. João de Lencaster, seu irmão Teodósio de Oliveira Ledo, o qual “muito concorreu para o povoamento da Paraíba”. Com eles veio também sua irmã, Ana de Oliveira Ledo, já casada e com filhos, estabelecendo-se com uma fazenda em terras situadas entre os atuais Municípios de Soledade e Juazeirinho na bacia do Riacho Cuxudi, perpetuando seu nome - ainda hoje aquele local é conhecido por Ana de Oliveira, que equivocadamente, está sendo indicado por placas na BR-230, como Ana das Oliveira, como se fosse um apelido de Ana! Sobre Teodósio, que entre outras cidades da Paraíba, fundou Campina Grande em 1696, diz José Permínio Waderley (41) “muitas vezes, dispensando as montadas, varava os ínvios sertões para socorrer companheiros sitiados”. Por eles foram pacificados os sertões do Pajeú, do Piancó, do Piranhas e do Sabugi/Seridó, depois de acirradas lutas com os índios das tribos Ariús, Tapuias e Cariris, da raça Tupi, que forçados pelas secas transformaram aqueles campos em memoráveis morticínios de bois! Olavo Medeiros, em “Cronologia Seridoense” (13) afirma que no período entre 1686 e 1695, fase crucial do chamado “Levante do Gentio Tapuio”, depois de acalmados os ânimos, foi retomado o curso da ocupação territorial, pela intensificação da criação extensiva dos rebanhos. Em particular o Seridó/Sabugi foi colonizado por Geraldo Ferreira Neves Sobrinho, o qual concluiu em 1773 a capela da Vila de Santa Luzia,

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cuja construção fora iniciada por seu tio, algumas décadas antes. Seu pai, “Pedro Velho” casara com uma índia, que depois de batizada passou a chamar-se Custódia de Amorim Valcácer, a seu chamado, veio, já viúvo para o Sabugi, trazendo consigo uma filha, de nome Antônia, a qual se casou com o Sertanista, sitiante naquela região, de nome Manuel Fernandes Freire. Aquele casal fixou morada na Fazenda Cacimba da Velha, onde gerou dez filhos, sendo três homens e sete mulheres, as conhecidas “sete irmãs da Cacimba da Velha”. (30) Casaram-se seis, duas delas, Antônia de Morais Valcácer e Apolônia Barbosa, com os irmãos Medeiros Sebastião e Rodrigo. Os seis casais deram origem a, praticamente, todas as famílias conhecidas hoje naquele território com características tão próprias! Abstraindo agora as genealogias das famílias seridoenses e as lutas para a conquista do Seridó, é interessante frisar a importância que teve o couro naquele início de colonização do Nordeste, quando não se tinha acesso fácil, sequer aos tecidos mais rústicos de algodão, por serem raros e difíceis de aquisição, naqueles sertões ermos! A fiação da fibra era feita nas vilas e fazendas de forma rústica, trabalhosa, com produção de tecidos grosseiros, em teares de madeira a qual era lavrada com machados e enxós, e eram quase tão rústicos como os da idade da pedra, mas tudo feito com muita competência. Aquela tradição de fiação gerada mais pela necessidade, ficou preservada em algumas comunidades, que cresceram e transformaram-se em grandes centros produtores de redes, cobertas, mantas e outras peças de tecidos, como são hoje as cidades de São Bento, Jardim de Piranhas e Timbaúba dos Batistas. A história do algodão é muito antiga... “Em 1271 Marco Polo (o viajante mais notável da Idade Média), custeou a sua famosa viajem, com o dinheiro das firmas venezianas da seda e do algodão, obtendo o êxito desejado: além de estudar na China a cultura do algodoeiro, foi o primeiro viajante que conseguiu trazer à Europa grandes carregamentos de tecidos de algodão...” (43) A importância desta fibra, que complementou o uso do linho e da seda, no vestiário de todos os povos em todos os continentes, foi tão grande

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que incentivou o tráfico de escravos da África para as Américas, atividade patrocinada pelos ingleses, objetivando, principalmente a supremacia da GrãBretanha no uso desta fibra... “O algodão do México, das Índias Ocidentais, do Brasil e do Panamá, atraia os habitantes dessas zonas para as plantações, importavam-se escravos...” conforme se vê em: Zischka Anton. (43) A supremacia inglesa na tecelagem mecanizada do algodão dominou o mundo, com fortes reflexos no Nordeste brasileiro, ao ponto de, no período áureo de predomínio do algodão de fibra longa, entre 1920 e 1950, ter sido pactuada aquela certeza entre os nordestinos “primeiro Liverpool e segundo Campina Grande”. Mas naquele início cheio de dificuldades, restava como opção principal a pele animal! Primitivamente originária da caça e logo a seguir dos animais domésticos, de pequeno porte e principalmente do boi. Como narra Gustavo Barroso (05): “Couro de arrasto para mover a terra e carregar a pedra; couro de pisar para reduzir o tabaco a rapé; couro de curtir para apurar o sal; couro de bainha para os facões, facas e quicés; couro de tranças para cordas, cabrestos, chicotes e arreios; couro cru para atilhos, atacas e peias; couro surrado para bruacas, mochilas, borrachas d’água, alforjes e surrões; couro pregueado nas malas e baús, cadeiras e

Peças de couro, gravura tirada de “Tradições Ruralistas”, um Livro do Autor, mostrando as indumentárias e peças de uso dos Vaqueiros nordestinos.

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tamboretes; couro espichado nas portas e janelas das moradias, nos catres usados para as doenças e partos; enfim, o couro curtido para a roupa do vaqueiro que lhe permitia varar os carrascais espinhentos na veloz carreira dos seus árdegos cavalos de campo”. Seguiu-se a este, pela própria necessidade ou sobrevivência daquelas populações originais, o Ciclo da Agricultura de Subsistência, o qual se notabilizou pelo cultivo do algodão Mocó, prevalecendo na região por quase dois séculos! Este último é que veio, definitivamente, fixar o homem à terra. O começo da exploração das potencialidades minerais do Nordeste ocorreu de uma forma bem distinta, sem maiores influências na colonização. Quando foi iniciada, o homem já estava definitivamente fixado na região.

Reprodução em Nanquim, pelo autor, de uma foto de tear primitivo, do livro “A Guerra Secreta pelo Algodão”. Já era conhecido pelo homem primitivo e ainda hoje é usado, com poucas alterações, nas fabriquetas de redes e cobertas do Seridó.

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Na realidade o chamado Ciclo da Mineração, principalmente no Seridó e Sertão, foi integrado por uma sequência de estágios ou fases, nos quais houve o predomínio da produção de certos bens primários, determinados por motivos econômicos ou até por descobertas aleatórias! Casos do ouro, do berilo, da tantalita, da scheelita, de outros minerais de pegmatitos e de tactitos, das gemas, dos materiais cerâmicos e mais recentemente das rochas ornamentais.

Representação de uma “Viagem a cavalo” entre Natal e Acari, realizada por Juvenal Lamartine de Faria e José Augusto Bezerra de Medeiros, em 1907. Nanquim do Autor.

Oswaldo Lamartine (21), comentando este tema, narra um diálogo que aconteceu no transcorrer do estirão de uma longa viagem, da qual participavam dois personagens que, alguns anos depois se tornariam dos mais ilustres do Rio Grande do Norte! E que, resumidamente, aconteceu como narrado a seguir: Em 1907, José Augusto Bezerra de Medeiros, ainda jovem, recém formado em Direito, viajava de Natal para Acari, na companhia de Juvenal Lamartine de Faria, maior conhecedor dos problemas do Seridó. No acalanto do galope das burras, discutiam o futuro econômico daquela região, da qual eram nativos, e que havia sido, em parte, colonizada por seus ascendentes! Juvenal Lamartine defendia a tese de que a técnica garantiria a estabilidade de uma riqueza agropecuária e José Augusto mais pessimista advertia: “só acredito que esta terra venha a ser rica, quando suas pedras derem dinheiro...! Paulo Bezerra, grande escritor seridoense, natural de Acari, acupando hoje na Academia Norte-rio-grandense de Letras, a cadeira deixada por Oswaldo Lamartine, comenta de outra forma, no seu último livro “Novas

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Cartas dos Sertões do Seridó” este mesmo tema quando diz: “A Criação abarrotou este Seridó de pedra tanta que Zé Augusto, um dos nossos cabras de melhor feitura, suspirou por elas sendo trocadas por dinheiro.” (45) O futuro mostrou que os dois ilustres viageiros, no transcorrer daquela histórica travessia, tiveram razões de sobra a respeito daqueles prognósticos, exaustivamente comentados e discutidos. O melhoramento pecuário chegou a desenvolver-se de forma assustadora, com uma seleção genética extraordinária, tanto de rebanhos leiteiros quanto de corte, apesar das grandes estiagens e da brusca queda do ciclo do algodão, gerando animais de alta linhagem! Também as pedras deram dinheiro... O Seridó é hoje uma região que sobrevive, basicamente, dos seus produtos minerais, gerando riqueza, propiciando emprego e garantindo a renda necessária para a grande maioria dos seus habitantes.

Extraordinária novilha da raça Gir, de nome Buana, selecionada no Seridó, nos anos setenta do século passado. Matriz do rebanho da Fazenda Quixabeira, São Mamede, PB. Nanquim do Autor.

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A IMPORTÂNCIA DOS DEPÓSITOS MINERAIS

Tactito de Umbuzeiro Doce, Santa Luzia/PB

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JAZIMENTOS MINERAIS DO SERIDÓ

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Seridó é uma região de clima seco, com características fisiográficas próprias, encravada no interior dos Estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba, hoje reconhecida pelo Governo Federal como uma Mesorregião que precisa ser desenvolvida com a ajuda governamental. De certa forma, a própria natureza tornou-se cúmplice daquele território peculiar, quando “sem ninguém pedir” espalhou no seu substrato cristalino uma generosa cota de recursos minerais concentrados em pontos anômalos, escondidos propositadamente, para deleite e aproveitamento das pessoas mais aficionadas e para, principalmente, a garantia de sobrevivência de um contingente social respeitável, que, nos últimos setenta anos, tem explorado o seu subsolo, com uma eficiência, é bem verdade, desordenada, mas de forma efetiva e até necessária às suas conveniências, diante dos parcos recursos técnicos e materiais dos quais dispõem. Com mais de 90% do seu território dominado por rochas Précambrianas, dos ciclos Brasiliano e Caririano - migmatitos, gnaisses, granitos, quartzitos, biotita-xistos, mármores, filitos, tactitos e pegmatitos - o Seridó se apresenta como um imenso mostruário natural, de luxo até, representativo do que há de melhor, de mais variado e de mais rico no Nordeste, em suas múltiplas feições geológicas, na diversidade de suas rochas, especialmente daquelas que se prestam para revestimento e ornamentação; na beleza de suas pedras preciosas, sutil e aleatoriamente escondidas no feiúme camuflado dos pegmatitos, dos biotita-xistos e dos tactitos, disputando espaços, em um perfeito equilíbrio geoquímico com minerais metálicos, com substâncias minerais formadoras destas rochas, como ocorre por exemplo, com as turmalinas “Paraíba” escondidas nos pegmatitos de São José da Batalha, em verdadeiros nichos de quartzo, caulim e mica; com outras turmalinas multicoloridas, todas exibindo beleza ímpar: verdes e azuis do Alto Quixaba; azuis safiras e verdes esmeraldas do Alto Zé Juzino; azuis, verdes e bicolores róseo/azul, uma combinação pouco comum em quaisquer outras regiões do país, do Alto Serra Branca; róseas do Alto São Miguel; verdes-folha de uma

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transparência e limpidez inconfundíveis do Alto Catolé além de rubelitas e bicolores do Alto do Cabeço, tendo, todo este conjunto de jazimentos a força da representatividade para credenciar as turmalinas como as mais extraordinárias das Pedras Preciosas do Seridó.

Cristal de água-marinha em matriz de quartzo branco, refletindo uma cor azul extraordinária, procedente do Alto Canoas, Acari, RN. Coleção Andrea Bartorelli.

Ocorrências de águas-marinhas, em tonalidades azuis diversificadas, algumas com cores intensas, distintas na harmonia cromática exibida, como as encontradas na Raposa, em Tenente Ananias, em Canoas ou em Pitombeiras; com as belíssimas espessartitas de cor laranja e as gahnitas de côr verdegrama, do Alto Mirador, única fonte natural destas gemas no Brasil; com as raríssimas simpsonitas de côr amarelo-ouro algumas transparentes e vívidas do Alto do Giz; ou com aqueles pegmatitos enriquecidos com euclásios de tons azuis, intrudidos nos quartzitos da formação Equador, naquele trecho entre Parelhas e Junco do Seridó; com as vezuvianitas violetas regionalmente já sendo chamadas de tapuianitas, concentradas por um desejo impulsivo da criação, em uma mancha anômala de não mais de 5m de extensão, onde a gênese mineral naturalmente exibida resultou de uma modificação imposta por soluções ígneo-metamórficas, ricas em Cu, Mo, Bi e Fe, processando uma mudança de certa forma extemporânea, de toda aquela associação genética do tactito dominante em Umbuzeiro Doce; ou ainda, com os pegmatitos do Gamen, prolíficos em bolsões com belíssimas drusas de childrenitas raras. Coroando esse imenso tesouro natural, como que por encanto,

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passe de magia até, surge no Alto dos Amâncios em Equador, belíssimos cristais terminados, artisticamente corroídos por soluções ácidas lançadas em emanações epitermais tardias, na medida certa, pelas mãos hábeis da natureza, concluindo, em uma derradeira fase, absolutamente especial, a qual deixou suas marcas sob a forma de uma película superficial, que tingiu de iridescências as superfícies dos cristais, especialmente dos berilos-ouro, dos quartzos e das colombitas, constituindo um conjunto paragenético atípico; com as granadas almandino-espessartitas, de formas romboédricas perfeitas, encrustadas em granitos, tipicamente formadas por substituição metassomática, grunadas em aplito-granitos ocorrentes na região de Paucaído, Município de Carnaúba dos Dantas. E tudo isso, somente foi descoberto pela persistência de homens

Agregado de turmalinas bicolores róseo/azul, uma combinação rara, ocorrente no Alto Serra Branca, Pedra Lavrada, PB. Coleção Ferreira & Tavares.

obstinados, confiantes e firmes nas suas crenças cegas no desconhecido! O desdobramento destes eventos, associados às atividades mineiras, vem acontecendo em sucessivas fases, marcadas por ações exploratórias crescentes, focadas em produtos minerais, que se sucederam em função de componentes econômicos, sempre exigidos pelos mercados – carências industriais, evolução tecnológica, variações na moda joalheira, “marketing”,

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conflitos internacionais, descobertas de novas reservas em função da crescente atividade de pesquisas mineiras, “boom” das explotações e conceitos modernos e racionais de uma nova consciência - quando o comando autoritário cedeu lugar à liderança participativa e o mercado de trabalho está se adaptando a novo paradigma onde prevalecem a produtividade, a competitividade, e a lucratividade.

Um perfeito cristal hexagonal de simpsonita, terminação pinacoidal, pesando 111 gramas, procedente do Alto do Giz, Equador, RN. Talvez o maior encontrado no NE. Coleção Ferreira & Tavares.

Com a visão de desenvolvimento garantindo a inserção das populações alijadas do processo de produção e consumo, o que se verifica é um direcionamento cada vez mais forte à formação e valorização dos Arranjos Produtivos Locais, pela sua importância como instrumento de geração de Pólos de Crescimento e de concentração industrial. Com isto promovendo a adaptação dos processos gerenciais e produtivos, a novos métodos de gestão e qualificação de mão de obra, servindo-se dos valores culturais e das habilidades pessoais das comunidades afetadas pelo processo.

COMPETIÇÃO O campo de atuação produtivo, dos recursos minerais no Seridó precisa, urgentemente, criar competência, principal responsável pela sustentabilidade de um setor, para alcançar níveis de desenvolvimento econômico - mais investimentos, maior incorporação de mão de obra e 51


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ganhos de produtividade - compatíveis com o desenvolvimento dos Arranjos Produtivos Locais - APLs. Para atingir este patamar é necessário um grau de capacitação bem mais aprimorado, muita força de trabalho, sem a qual pouco se consegue; vontade para conduzir as tarefas de modo permanente; organização, base fundamental de sistemas associativos, dos tipos cooperativismo e “sindicato”, a exemplo do mundialmente famoso “Sindicato dos Diamantes” e “marketing” dos produtos, para melhor divulgar as opções do sistema. Frases como: “the diamond is forever”, fizeram história! A congregação de tudo isto deve influenciar positivamente o comércio, aprimorando o mercado, que tende a se tornar mais permanente, mais presente e mais organizado. O apelo aos governos e as criticas, quase sempre inconseqüentes, aos intermediários ou atravessadores, muitas vezes são necessários, mas não fundamentais! O setor tem que agir com autonomia e autossustentabilidade para sobreviver de forma permanente e independente. A ajuda governamental é sempre bem vinda, mas não deve ser entendida como fundamental e obrigatória. As investidas do atravessador podem até ser encaradas como necessárias, para a comercialização da maioria dos produtos! Com o aprimoramento da capacitação e maior conhecimento dos recursos - metálicos, gemas, amostras minerais, rochas ornamentais, substâncias minerais, materiais cerâmicos e seus usos - consegue-se eliminar as características lesivas da intermediação, ainda assim, fator essencial à consolidação do mercado. Expressão de efeito duvidoso, como “eliminar a figura do intermediário” é utopia! Impossível de ser realizada, por ser até irracional. Esse sistema prevalece no mundo inteiro, desde quando a humanidade passou a ser organizada. Muitas atividades produtivas até se ressentem de um comportamento mais atuante desse modelo internacional de comércio! O campo de ação é que deve estar preparado para um enfrentamento mais equilibrado e mais consciente das técnicas mercadológicas, propulsoras dos sistemas econômico produtivos.

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A certeza de serem os minerais produtos naturais não renováveis nos dá a consciência de que a safra é somente uma e deve ser utilizada com base nos atuais conceitos do Desenvolvimento Sustentável - “satisfazendo as necessidades econômicas, sociais e políticas presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprirem as suas próprias!”.

Dois cristais de espessartita do Alto Mirador. O maior totalmente opaco, cor laranja, pesando 115gramas e o menor transparente, 100% gema, cor vermelholaranja, pesando 11g, procedente da mesma jazida. Coleção Ferreira & Tavares

Parcimônia no uso, manejo adequado, proteção e valorização dos Recursos Minerais! Explotação com sustentabilidade. Foi nesse ambiente de geologia Pré-cambriana, subordinado a processos sucessivos e violentos de transformações - altas temperaturas, grandes profundidades, ações do metamorfismo, aportes de magmas, refusões migmáticas, anatexia, processos ígneos-metamórficos, emanações pegmatíticas, alterações e enriquecimentos hidrotermais, levantamentos epirogenéticos, ciclos sucessivos de processos erosivos, concentrações de metais e de gemas em depósitos aluvionares, convergências anômalas de minerais - que o homem nordestino, especificamente os habitantes das regiões do Seridó, Curimataú e Cariri atualmente reunidas na Mesorregião do Seridó, foram lentamente se adaptando ao trabalho árduo e cheio de surpresas, decepções e esperanças renovadas, na exploração obstinada daquele subsolo, à cata de minérios, de substâncias minerais industriais, de gemas, de barro para fabricar tijolos e telhas, de outras argilas mais nobres, como as bentonitas, de pedras de cantaria, de areia para a construção civil, de calcários e mármores, de granitos e outras rochas afins para aplicação em revestimentos, criando um elo muito forte entre o homem e a terra, aquela união atávica que o subconsciente já sabe ser o desfecho final de ligações que se misturam que se homogenizam e que são indissolúveis. 53


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GÊNESE DAS JAZIDAS DO SERIDÓ As gemas brutas, as melhores amostras minerais, os mineraisminérios e as substâncias minerais, encontradas nestas rochas cristalinas, estão associadas a ambiências geológicas bem definidas, quando classificadas segundo os conceitos de depósitos minerais primários e depósitos minerais secundários. A segregação magmática nas suas fases mais tardias, de líquidos residuais já enriquecidos em sílica, são responsáveis pela formação e consolidação das rochas graníticas mais comuns da região, muitas formando veios, injetados no substrato pré-Cambriano regional. A estas rochas estão ligadas as granadas almandinas e as almandina-esperssartitas exploradas nos municípios de Acari, Picuí e Carnaúba dos Dantas, onde as mais belas amostras foram encontradas, no local conhecido por Pau-caído. Muitos cristais euhedrais são transparentes e outros exibem formas romboédricas perfeitas em tamanhos que podem atingir até 8cm de diâmetro, tipicamente formados por substituição metassomática, onde os metacristais cortam as estruturas originais da rocha hospedeira, de forma discordante. Os processos ígneos metamórficos, ou pirometassomáticos, responsáveis pela formação dos tactitos, a partir de calcários impuros, recristalizados pelo contato de intrusões ígneas e aportes de soluções mineralizantes, atuaram fortemente em toda a Mesorregião do Seridó, durante os ciclos brasiliano e caririano, dando origem, em conseqüência daquelas atividades, aos jazimentos de scheelita, nos quais avultam belíssimas amostras com granadas grossulárias e andraditas, epídotos, vesuvianitas, wolastonitas, calcitas com hábitos variados e interessantes, fluoritas, sendo muitos daqueles cristais transparentes; scheelita, muitas vezes bem formada, molibdenita, não raro pirita, calcopirita e bornita, além de alguns zeólitos como chabasita, apofilita e stilbita, somente encontrados em drusas e bolsões preenchidos nas últimas fases do processo, já com fortes influências das ações hidrotermais.

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Os corpos pegmatíticos cortam discordantemente os biotita-xistos e os quartzitos das formações Seridó e Equador. Os quartzitos por serem rochas extremamente porosas e permeáveis, geralmente fraturadas, principalmente nas zonas de virgamento das estruturas, permitem com facilidade, a percolação de soluções, geralmente hidrotermais, muitas vezes enriquecidas com Na, Li, Cs, Be, contendo SiO2 remanescente do processo de cristalização, sem contar com outros elementos químicos, alguns cromatógenos (Cr, Cu, Fe), acarretando a formação das zonas de enriquecimento, com grandes massas de albita, muita lepdolita e quartzo residual, formando extraordinários “ore shoots” e trazendo no bojo, turmalinas elbaíticas, berilos alcalinos como as goshenitas, as morganitas, os heliodoros, os berilos-ouro e, o que é mais comum, uma variedade especial de água-marinha, que alguns conhecem como “maxixe” e outros como morganita zul, por conta da alcalinidade. Sem falar, evidentemente, nas verdadeiras águas-marinhas que se desenvolveram durante a formação dos corpos pegmatíticos originais. Estas afetações posteriores à formação dos pegmatitos são responsáveis também pelo surgimento de um número muito grande de outros minerais como: topázios, childrenitas/eosphoritas, kunzitas, hiddenitas, euclásios, apatitas multicoloridas, herderitas, quartzos em cores diversas -amarelos, róseos, violetas, fumês, incolores - espessartitas, gahnitas e bertranditas, todo o conjunto compondo associações paragenéticas múltiplas, variadas e belas, dando origem às melhores, mais raras e interessantes amostras minerais da região. Entre os processos primários merecem ainda destaque os bolsões preenchidos por soluções hidrotermais, ocasiões nas quais se processaram múltiplas substituições, preenchimentos de cavidades, formações pseudomórficas, incompatibilidades físico-químicas marcantes, preservações de estruturas pré-existentes, aparecimento de múltiplos cristais biterminados e deposições coloidais, com formação de opalas, calcedônias e crisocolas. Marcas de corrosão principalmente em berilos muitas vezes embelezam os cristais. Nos últimos eventos deposições de películas iridescentes foram identificadas, atingindo, principalmente alguns berilos, tantalitas e quartzos. Todas estas manifestações são observadas tanto em tactitos como principalmente nos pegmatitos e em veios preenchidos por emanações

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fluidas. Um destes veios conhecidos, na região de Brejo do Cruz, tem idade Terciária! É formado por uma barita cristalina transparente, com drusas de ametistas incrustadas nos arenitos da formação Serra Martins. Os processos secundários que atuaram na formação das jazidas, nestes Estados, foram principalmente o metamofismo regional, de alto grau, dando origem à formação de granadas bem formadas, de tamanho pequeno e cordieritas gemas, as melhores do Brasil. A principal área de sua ocorrência está localizada nos municípios de Picuí, Nova Palmeira e São Vicente, na Paraíba e no de Parelhas no Rio Grande do Norte. O metamorfismo de contato foi responsável, por exemplo, pela formação de estaurolitas em cristais bem formados, euhedrais ocorrentes na auréola de um grande corpo intrusivo de granito alcalino, no contato com filitos regionais da formação Cachoeirinha, local onde está situada a cidade de Catingueira na Paraíba. Muitas outras incidências de minerais com mesma formação são conhecidas, mas, inexpressivas quanto ao seu aproveitamento como amostras. Poucas formações minerais indicam ligações com processos de oxidação e segregação residual. Algumas incidências de malaquitas e azuritas, recobrindo faixas em pegmatitos, criando finas películas de cobertura nos cristais preexistentes, nas zonas de alteração. Psilomelanos/piroluzitas algumas vezes são encontrados preenchendo cavidades, juntamente com argilas provenientes da superfície. Mais comuns são as incidências de “placers”, nos quais, normalmente concentram-se metálicos como scheelita e colombita, gemas de maior densidade que a da média das rochas circundantes e de grande resistência às alterações da meteorização. Todas as grandes jazidas minerais e outras de menor porte, conhecidas do Nordeste - As de ouro em Itajubatiba e Caifáz; as de scheelita em Brejuí, Barra Verde, Boca de Laje, Quixaba, São Nicolau e Quixeré; as de turmalinas, como as róseas roladas de São Miguel; as azuis dos Altos Zé Jusino e Quixaba;

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as famosas azuis néon, conhecidas por “Paraíba”, descobertas em São José da Batalha, Município de Salgadinho; as de água-marinha e outros berilos, como aquelas existentes em Tenente Ananias, Lajes Pintada, Equador e São José do Sabugi; a de espessartita e gahnita do Alto Mirador; bem como as curiosas “tapuianitas” de Umbuzeiro Doce e tantos outros exemplos de ocorrências - somente foram descobertas e desenvolvidas depois de terem sido explorados os seus desagregados mecânicos, concentrados nos “placers” dos alúvios e elúvios formados pelos cursos d`água que recortam essa vasta região nordestina. De forma sucinta, esta concepção gráfica ao lado, adaptada de Gübelin (42), representa um resumo sobre as teorias de formação dos depósitos e a gênese dos minerais constituintes destes jazimentos. Aquela aventura iniciada com o ouro de Princesa Isabel em meados do Sec. XIX e que perdura de uma forma cada vez mais intensa nos tempos atuais, vem sendo marcada por Ciclos, alguns intermitentes, outros que se repetem depois de longos períodos de paralisação, e alguns menos duradouros, de componentes minerais, úteis às conveniências e à própria sobrevivência da humanidade.

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58 E.Gubelin, 1943

ADAPTAÇÃO DE REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DA GÊNESE DOS DEPÓSITOS E GÊNESE DOS MINERAIS

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Pepita de ouro procedente da “Mina de Ouro do Piancó”.

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CICLO DO OURO

Três moedas de ouro cunhadas para venda como ativo financeiro. O “Krugerrand” da África do Sul, com 31.103g de ouro fino; a “Maple leaf” do Canadá com 31.103g de ouro 999,9/1.000 e a “Liberty” dos Estados Unidos com 31,103g de ouro fino.

É o metal precioso de uso mais difundido no mundo. “As antigas civilizações valorizavam o ouro por sua beleza e durabilidade...” (17). Sua aplicação em joalheria teve início há mais de 2.500 anos a.C! Essa tendência perdura até hoje, sem previsão de qualquer modificação ou substituição deste, por outro metal nobre. Para se ter uma idéia da sua importância na economia mundial, é interessante ressaltar seu uso como reserva de valor, tanto no campo privado como no oficial, além de ser considerado como moeda internacional de pagamento, pela sua imensa liquidez. “Paga-se com ouro!” (34). “A cunhagem de moedas de ouro... tem como principal mercado a demanda para fins de entesouramento pelos particulares”. (34) Muitos países, principalmente os mais ricos, adotaram vender moedas de ouro ao setor privado, com a garantia da titulação, dispensando análises. O “Krugerrand” da África do Sul, com peso de ouro-fino de 31.103g – uma libra-peso – tem sido, desde 1967 a mais difundida destas moedas. No período entre 1970 e 1980, utilizou 107,1t de ouro para este propósito. Outros países seguiram esta tendência e no mesmo período, o Reino Unido

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beneficiou 59,9t para a cunhagem de sua Libra Esterlina; o Canadá cunhou 42,8t em moedas de ouro, uma das únicas do mundo fundidas em ourofino, as famosas “Maple leaf”, de US$ 50,00 com titulação de 999,9/1.000; os Estados Unidos utilizaram mais de 1.800t em peças para o setor privado, incluindo jóias, barras e moedas, inclusive a conhecida “Liberty” de uma libra peso de ouro-fino. Muitos outros países usaram a mesma estratégia, entre eles: México, Chile, Rússia, Itália, Irã, Áustria, Suíça, Holanda, Austrália, França e em escala bem mais reduzida o Brasil, com a sua moeda de trezentos cruzeiros de 1972, única de ouro do país, que pode utilizar o preço de cotação nas “Commodities”. No Brasil a colonização se desenvolveu com o ouro, principalmente no Estado de Minas Gerais. Carlos Pietro referindo-se ao período colonial 1700-1801 - diz: “Nunca se conseguirá calcular a quantidade de ouro e de diamantes extraídos do Brasil... as remessas feitas por Minas Gerais para Portugal tiveram uma repercussão internacional profunda!” (35) Era abundante a quantidade de ouro brasileiro que circulava na Europa, ao ponto de “... outra autoridade de renome Werner Senbart afirmar que sem a descoberta do ouro no Brasil, o desenvolvimento econômico do homem moderno teria sofrido atrasos”. (35) Somente alguns anos depois de assentados, já com o território dividido em Estados e Municípios, é que teve início o grande Ciclo da Mineração, na Paraíba começando exatamente com o ouro, em Princesa Isabel, nos aluviões do rio das Bruscas, descoberto no século XVIII, por portugueses e holandeses que habitavam Pernambuco. Em 1864 foram realizados os primeiros trabalhos de lavra, sem a devida competência profissional, que se fazia necessária para o sucesso do empreendimento, como atesta antiga galeria, na entrada da qual foi gravada aquela data. Ainda hoje se produz ouro nos Municípios de Princesa Isabel, Tavares e Juru. Por lá o mercado é livre, o produto geralmente vendido nas feiras regionais para: Ourives, Joalheiros, e outros compradores, incluindo, no contexto, os intermediários. Em 1941 foi descoberto por Vicente Lau, em terras de Manoel Ferreira de Oliveira, aquele metal precioso que tanto notabilizou a conhecida “Mina de Ouro do Piancó”, antiga São Vicente e posteriormente chamada de

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Itajubatiba. “O grande chamariz dessa ocorrência foram as grandes pepitas encontradas nos coluviões dos tabuleiros, com algumas alcançando até mais de dois quilos”. (25) Naquele local, situado no sopé da Serra dos Doidos, hoje Município paraibano de Catingueira chegaram a trabalhar, entre os anos de 1941 e 1943, cerca de 3.000 homens produzindo mais de dez toneladas de ouro! Se for feita uma comparação com Serra Pelada, de tanta notoriedade no Brasil, onde, aproximadamente, 25.000 homens produziram oito toneladas em um ano, verifica-se uma forte semelhança em nível de grandiosidade entre esses dois jazimentos. Esta última, com certeza, é a mais difundida do Brasil, de conhecimento popular. A idéia corrente é de que teria sido descoberta nos anos sessenta do século passado, mas, sua divulgação já era mais antiga! “Data da ocasião: abril de 1938... trabalha doze dias depois vai para Serra Pelada. O lugar é rico... os curumins... pedem: Me dexa varrê o seu tapiri? ... juntam areia e acham três, quatro gramas de ouro por dia.” (51) A mina foi famosa tanto por histórias hilárias e extravagantes, como aquela de Custódio que chegou a acender charuto com nota de “conto de réis”, na festa de Nossa Senhora da Guia, padroeira de Patos como por “booms” de produção igual ao ocorrido no famoso “veeiro dos nove”, quando alguns sócios fizeram fortuna enquanto outros perderam o que tinham.

Pepita de ouro pesando 9.08 gramas, procedente da “Mina de Ouro do Piancó”. Esta peça pertenceu a meu pai, José Ferreira Tavares Jr., do tempo que por lá garimpou, como “dono de trecho”, nos idos de 1941/43. Coleção Ferreira & Tavares.

Este foi sem dúvida o maior e mais famoso garimpo de ouro do Nordeste Oriental.

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Posteriormente, nas décadas de sessenta e setenta do século passado ocorreram descobertas de ouro nos Municípios de Caicó e Currais Novos, no Seridó do Rio Grande do Norte - Cabelo, São Francisco, Ponta da Serra, Amarante, Roça, Boa Vista, Alto do Meio/Caifás - todas com pequenas produções, mas de certa forma suscitando estórias! Coronel Clidenor militar aposentado da Polícia do Rio Grande do Norte, temido na região pela sua fama de valente, morava em sua fazenda Caifás situada próximo à Vila de Barra de Santana, entre Caicó e Jucurutu. Comprava semanalmente a pequena produção de ouro proveniente dos alúvios da sua propriedade, a alguns poucos Faiscadores, que recebiam dele autorização para garimpar. O resultado da compra de anos de produção era armazenado em litros de vidro incolor, mantidos na sala de jantar da fazenda em cima da cristaleira. Muitas vezes visitei aquele velho Fazendeiro nos anos de 1964/65 quando trabalhava a serviço da SUDENE, no mapeamento geológico da quadrícula de Caicó, e vi aqueles quase três litros de ouro em pó, mais de vinte quilos estocados, seguramente guardados no “atagé” da sala de jantar, como que decorando aquele velho móvel, sem que ninguém tenha ao menos pensado em assaltá-lo!

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CICLO DA SCHEELITA E DE OUTROS METÁLICOS

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o início do Séc. XX foram descobertas as primeiras ocorrências de minério de tungstênio do Brasil. A primeira reconhecida, de wolframita, foi a de Encruzilhada no Rio Grande do Sul, seguida por outras duas, uma em Jundiaí, São Paulo e outra em Novo Trento, Santa Catarina. A produção era pequena, em 1918 segundo Aimé Cotogne (1924) foi apenas de 150 t de concentrado. Em 1942, em curso a II Guerra Mundial, foi descoberta a primeira jazida de scheelita do Nordeste, no local denominado Riacho de Fora, Município de São João do Sabugi, no Estado do Rio Grande do Norte. Na seqüência outras foram surgindo, em quase todos os Municípios do Seridó, destacando-se entre as mais conhecidas e mais promissoras: Carnaubinha em Acari; Malhada dos Angicos em Parelhas; Brejuí e Barra Verde em Currais Novos; Bodó, Cafuca e Baixio em Cerro Corá; Quixeré em São João do Sabugi; Quixaba, Juá e Pitombeiras em Várzea; Emas em Belém do Brejo do Cruz; Cacimbas, Viola, Carnaúba e Farias em Santa Luzia; Malhada Vermelha em São José do Sabugi; São Nicolau, Gatos, Malhadinha e Papagaio em São Mamede e tantas outras como Pindoba/Marzagão, Água Fria, Viúva ... De tal forma que em pouco tempo mais de quinhentas ocorrências conhecidas já estavam em produção, a grande maioria sob a forma de explotação garimpeira. A lavra constante dos tactitos scheelitíferos na região da província do Seridó, persistindo os preços do minério estáveis, apenas com variações toleráveis pelo mercado produtor, foi mantida sem grandes alterações por um período de pelo menos 40 anos! É bom ressaltar que os piques de altas de preço ocorreram sempre nos períodos de grandes guerras, por conta de um maior consumo de tungstênio e de suas ligas, na fabricação de filamentos e aparatos bélicos - II Guerra Mundial (1938-1945); Guerra da Coréia (19501953); Guerra do Vietnã (1965-1975). A produção gerada, 22.756 t de WO3 contido, no período de 19431972, garantiu emprego certo para milhares de Mineradores, em uma 64


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área de abrangência de, aproximadamente, 24.000km2 assegurando com estas variáveis: constância de produção e conseqüentemente de serviço; abrangência territorial muito grande; geração de empregos fora dos padrões normais da região; manutenção de preço do mineral-minério, compatível com as condições sociais dos Pequenos Mineradores e um período longo de produção ininterrupta, entre os anos de 1942 e 1980, transformando a scheelita no principal e mais ativo “Minério Social” do Nordeste, naquele período. O Minério Social como definido (17) “é aquele que tem uma abrangência territorial muito grande, propicia trabalho a muitas pessoas, não depende de grandes empresas para subsistir, transparece um nítido predomínio da ação e do trabalho dos Pequenos Mineradores, isoladamente ou em pequenos grupos, assegura uma demanda equilibrada dos produtos, por extensos períodos, consolidando pela confiança, um ritmo produtivo suficiente para manter a estabilidade do sistema”. Para se ter uma idéia da força do garimpo, em 1970, ano de grande seca na região, foi lavrada 19.141t de scheelita sendo que deste total, 50% foi de responsabilidade dos Garimpeiros, impulsionados pela coragem, pela intuição nata, com a força do seu trabalho, mas principalmente motivados pela necessidade de sobrevivência, em mais de 500 garimpos espalhados em toda a região da Província Scheelitífera da Borborema! É bom lembrar que o Seridó naquele período tinha como base de sua economia o algodão Mocó, o agave e a scheelita. A queda deste tripé que coincidentemente se deu por volta dos anos oitenta do século XX, provocou o empobrecimento e o declínio da economia regional que atualmente vem tentando se reequilibrar com a pecuária, a fruticultura e com produtos primários, provenientes da explotação dos pegmatitos e de outras rochas, incluindo algumas substâncias minerais, as pedras ornamentais e as gemas, às custas de muito sacrifício e de muito esforço. Grande parte das histórias aqui contadas aconteceu naquele período áureo de produção de scheelita, tanto envolvendo personalidades que se destacavam na economia regional, como o Desembargador Tomaz Salustino, dono da Mina Brejui, como comprometendo também pequenos produtores, garimpeiros do tipo de “Chico de Gorgonho”, daqueles que

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ainda novo já demonstrava familiaridade e profissionalismo, ao ponto de usar “cuspe”, com sucesso, como “Mineraligh” na identificação da scheelita no minério! Pois bem, no final dos anos quarenta do século passado o nosso herói foi flagrado por Pedro Bota, dono de garimpo em São José do Sabugi, traquinando com sua irmã Julia Bota já balsaqueana, no fundo de uma galeria da Mina Malhada Vermelha. Chico coitado quando ouviu Pedro Bota chamar a irmã: “Julia, qui tá fazendo com esse moleque no fundo da banqueta nesse escuro danado!” Não teve outra escolha fugiu pelos escuros levantando as calças em atitude vexatória, caindo por cima dos entulhos, debaixo do pipocar de um 38, que com o efeito do eco na galeria parecia mais os disparos de uma metralhadora! E Julia teve que curtir os muchicões e os despautérios do irmão indignado, enfurecido pelo flagra do ato, mesmo sabendo que a mana gostava de namorar. Na década de trinta, do século passado, foi descoberto um jazimento de tantalita/cassiterita, principais minerais-minérios de estanho e tântalo, em um pegmatito na Fazenda Seridozinho, situada no Distrito de Juazeirinho, do então Município de Ibiapinólopis, hoje Soledade, pelo Sr. José Carlos de Araujo. A pedra por ele encontrada, escura e muito pesada, pareceu-lhe estranha! Levou a seu patrão, Sr. Claudino Nóbrega que a enviou para “exames”, em Campina Grande. Com a descoberta da tantalita, iniciou-se a garimpagem naquela jazida que subsistiu até fins dos anos setenta. Naquela época, início da deflagração da II Guerra Mundial, pela necessidade de novas fontes de nióbio e tântalo, o governo americano mandou ao Brasil uma Missão Técnica do “U.S. Geological Survey”, chefiada por W.D. Johnston, Jr., o qual iniciou, com técnicos do DNPM, os trabalhos de pesquisa na região, contribuindo muito para a exploração em grande escala, dos pegmatitos do Seridó. No distrito de Seridozinho, no qual foram encontrados muitos outros corpos pegmatíticos produtores, mais de cem no total, sobressaíram-se pela produção de cassiterita, tantalita, minerais de lítio e berilo, além de Seridozinho, também Tara e Pedras Pretas, como cita Afrânio Carneiro. (09)

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Com uma produção relativamente grande, estas jazidas de Juazeirinho, viabilizaram a instalação na Mina principal, entre 1954 e 1957, de um Forno a Carvão para a redução da cassiterita e obtenção do estanho metálico, com recuperação aceitável. Nos anos de 1941 a 1962, o DNPM com seus projetos, através de sua Divisão de Fomento da Produção Mineral e a SUDENE entre 1960 e 1970, com a programação da sua Divisão de Geologia, executaram pesquisas objetivando conhecer as reservas de columbita, tantalita e cassiterita no “trend” de Seridozinho. Naquela fase inicial, logo depois da descoberta, trabalhou por lá Antônio Ferreira, na época noivo de Diva, filha de Claudino. Era jovem, forte e muito trabalhador, aprendendo com facilidade a usar, no tratamento do minério, tela e bateia. Poucos anos depois, em 1942, foi descoberto scheelita na Quixaba, Município de Santa Luzia. Pelo espírito aventureiro que tinha, deixou o estanho e partiu em busca do tungstênio.

Antiga torre para dar acesso ao “shaft” principal da Mina da Quixaba, resistindo ao tempo de abandono, depois de paralisada a lavra de scheelita no Sabugi.

Resolvera mesmo ir para Quixaba! Lá, conseguiu um trecho, uma banqueta, em um local de sua escolha, onde logo iniciou trabalhos de lavra. Naquela época, a garimpeirada do Seridó, muito inexperiente, obtinha a scheelita por catação, forma muito artesanal, responsável por grandes desperdícios. Antônio Ferreira, muito esperto e inteligente, com a introdução do uso da bateia e da tela não só obteve um maior aproveitamento do

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produto de sua banqueta, como comprou os rejeitos de outros donos de trechos e até beneficiou a produção de companheiros, cobrando para isso uma taxa percentual, para beneficiar as produções dos outros banqueteiros. O sucesso apesar de muito grande, foi passageiro, todos aprenderam e passaram a usar a bateia. Este fato por ele esperado, não evitou que nas primeiras semanas ganhasse bastante dinheiro! Ficou famoso e respeitado com a implantação do seu Engenho! Terminou por casar com uma das filhas do Dono da Mina, Adélia de Seu Chico Pergentino. Hoje estão envolvidos com a produção dos metálicos ocorrentes nos pegmatitos, principalmente niobatos e tantalatos, aproximadamente cinco mil garimpeiros que trabalham de uma forma intermitente, 30% deles já sobrevivendo exclusivamente de mineração. Entre tantos “Altos” produtores daquela Província, todos relevantes, incluem-se: Feio, Malhada de Areia, Fortuna, Porfírio, Cágado, Damião, Besouro, Quixaba, Chagas, Esperas, Favela, Sossego, Patrimônio, Onça, Tanquinhos, Brennand, Giz, Mina Nova, Amâncio, São Miguel, Trigueiro, Massaranduba, da Cruz, Bico d’Arara, Saco do Boi, Cumaru, Tibiri e muitos outros.

Garimpeiros com Engenheiro de Minas, em atividade de pesquisa, na ocorrência anômala de Umbuzeiro Doce, Santa Luzia, PB.

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Cristal de berilo-ouro gema, procedente do Alto do Camelo.

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CICLO DAS ROCHAS E DOS MINERAIS INDUSTRIAIS-RMI

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o elenco de considerações para definir o RMI da região é importante salientar que estes Recursos Minerais Industriais, são matérias primas utilizadas pelo homem, nas suas múltiplas aplicações, com base nas propriedades físicas, químicas e ornamentais, sem recorrer ao emprego de tratamentos metalúrgicos, somente utilizados na obtenção de componentes metálicos. Estas matérias primas, chamadas do “Terceiro Milenio” (32), incluem componentes básicos da construção civil (areia, massame, tijolo, telha, cimento, outras argamassas e cal), material cerâmico (pisos, revestimentos, louças, colorifícios e esmaltes), fertilizantes, abrasivos, isolantes, fibras-óticas, vidros, colas-adesivas, redutores, produtos químicos e farmacológicos, entre muitos outros não especificados. Nas intrínsecas interações do homem com os minerais, surgem situações as mais diversas, alguns produtos tanto podem ser considerados como minerais minérios, quando deles pretende-se obter elementos metálicos; quanto como substâncias minerais, quando o mesmo é empregado pelas propriedades físicas, químicas ou ornamentais que apresentam. Um exemplo elucidativo e bem conhecido é o berilo! Tanto serve para a obtenção de berílio metálico, um metal leve usado, por exemplo, em reatores, quanto para sua utilização como gema (água-marinha, esmeralda, berilo-ouro, heliodoro e goshenita) e dessa maneira muitos outros minerais e rochas são incluídos. Atualmente, em todos os países desenvolvidos ou em desenvolvimento do mundo, a produção de RMI, supera em valor, à produção dos minerais metálicos. Como minerais industriais no Seridó, destacam-se: caulim, feldspato (sódico e potássico), quartzo, apatita, barita, fluorita, espodumênio, ambligonita, micas, granadas, talco, asbesto e as gemas já relacionadas.

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Entre as rochas, salientam-se as argilas, principalmente as bentonitas, os calcários e dolomitos metamórficos ou mármores; além das rochas ornamentais, comentadas em capítulo específico. O processo de exploração desses bens minerais, principalmente originários dos pegmatitos, foi iniciado nas décadas de trinta e quarenta do século passado, com a lavra, pela Empresa pernambucana Brennand, explorando jazimentos de caulins, ocorrentes nos Municípios de Junco e Equador, quando da instalação de uma indústria cerâmica no Recife, a primeira do Nordeste. Hoje já desponta uma atividade exploratória em cadeia produtiva, deste mineral, representada por um número muito grande de Empresas, situadas na região, com a multiplicação de Decantadores de Caulim, em Municípios como Junco, Equador, Tenório, Assunção, Juazeirinho e Salgadinho. No início do processo de desmonte dos corpos pegmatíticos da Província Seridó-Borborema, os principais alvos dos Mineradores eram os minerais metálicos como a cassiterita, encontrada primeiro em Seridozinho; os nióbio-tantalatos, e os berilos, encontrados em toda a região do antigo Município de Picuí, que incluía Pedra Lavrada e Nova Palmeira, na Paraíba, Parelhas e Carnaúba dos Dantas no Rio Grande do Norte; minerais radioativos, com explotação restrita ao Governo Federal e até alguns minerais de lítio, como espodumênio e ambligonita.

Amostra de uraninita, pesando 2165g, com 70% das faces e com uma cobertura superficial de alteração formada por sodyita e gummita, procedente do Alto do Trigueiro, Município de Nova Palmeira, PB. Coleção Ferreira & Tavares.

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Com a intensificação das ações de lavra garimpeira, nos corpos da Província e com o avanço tecnológico no país, exigindo o suprimento cada vez mais intenso de substâncias minerais industriais, principalmente daqueles produtos considerados cerâmicos, foi paulatinamente, ocorrendo o aproveitamento dos feldspatos, das micas e do “prego”, termo usado pelos Garimpeiros para definir os granitos gráficos “graphic Granit may gradually grade into pure feldspar and then into pure quartz” (42). Acrescentando-se a este as variedades de quartzo, pouco irá restar de rejeitos nos pegmatitos da província em exploração! Chegando ao ponto de acontecer aquilo que nunca fora esperado, minerais metálicos, gemas e amostras minerais, passarem às condições de produtos secundários, nos trabalhos mineiros em execução! Evidentemente que “Ore shoots” metálicos, bolsões com gemas e boas amostras, quando encontrados, são sempre uma garantia de lucros extras, que podem muitas vezes, reverter a situação econômica de Mineradores, quando premiados com estas dádivas da Natureza! E o que antes eram apenas entulhos, rejeitos sem utilização previsível, hoje com a noção e a consciência do conceito de Aproveitamento Integral dos Pegmatitos, passaram à condição de matéria prima que garante a permanência por maior tempo, dos Pequenos Mineradores nas lavras e dão uma maior estabilidade ao setor produtivo regional. Uma das representações do intercrescimento gráfico (graphic granit) ocorrente nos maciços intrusivos daquela região, entre Barra de Santana e Jucurutu, ponto de parada do “Colóquio Internacional de Granitos do Nordeste”, realizado em 1967. Nanquim do Autor.

Os feldspatos extraídos dos pegmatitos da região estão contidos em reservas pouco conhecidas. A produção é grande e considerada de

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boa qualidade, com teores elevados de álcalis e baixos de óxido de ferro, adequados para uso na indústria cerâmica. O mercado, com demandas crescentes está, basicamente, sujeito a indústrias cerâmicas como a Elizabeth, que com o desenvolvimento do processo de produção do porcelanato, consolidou uma duradoura estabilidade comercial. As micas são comercializadas em forma de folhas, geralmente já cortadas, segundo uma classificação em dois tipos: HS-superior e RSinferior. Os tamanhos variam do 1 ao 5, onde o modelo 1, tem mais de 22cm; o modelo 2, entre 22cm e 16cm; o modelo 3, entre 16cm e 14cm; o modelo 4, entre 14cm e 11cm e o modelo 5 entre 11cm e 7cm. O preço é sempre função das dimensões. Atualmente observa-se demanda crescente para uso das micas de granulometrias menores, ditas finas, empregadas em pigmentos de tintas, cosméticos, colorifícos e plásticos. Até o material que era antes rejeitado, está sendo vendido como mica-lixo para indústrias de tinta. Entre as de maior reserva e grande produção, releva-se o Alto Poço Soares, no Município de São Vicente do Seridó.

Micas muscovita, cortadas segundo escala comercial, do tipo HS-especial, nos tamanhos padrões adotados. Produto de uma pequena indústria instalada em Carnaúba dos Dantas.

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Os quartzos estão sendo comercializados pelo menos em dois padrões distintos: um, o branco leitoso, para as indústrias cerâmicas e outro o quartzo róseo, para artesanato utilitário revestimento e decoração. Tipos especiais, transparentes, como: citrinos, ametistas, fumês e os translúcidos corados, como os róseos (sabonete), são utilizados como gemas, hoje bastante difundidas, até em joalheria fina de empresas como H. Stern e Amsterdam Sauer. O “prego” ou granito gráfico, intercrescimento entre o quartzo e a microclina, formando textura gráfica, comum nos pegmatitos do Seridó, é um tipo especial de feldspato associado a quartzo, de difícil separação! Mesmo assim tem seu comércio garantido nas indústrias cerâmicas, especialmente quando utilizado na fabricação do grês porcelanato. O preço é inferior ao de outros produtos similares, mas, já tem garantia no mercado. As bentonitas, variedades de argilas montmorilloníticas, ocorrem nos Municípios de Cubati e Olivedos, regiões de Campos Novos e Campinhos (Nereu). Estão sendo lavradas há mais de cinco anos por empresas de Mineração, com uma produção razoavelmente grande. Nessa mesma região de Campos Novos, destaca-se uma mancha basáltica, com incidência muito grande de concreções de calcedônia, semelhante as existentes em Soledade, no Rio Grande do Sul. É interessante que seja feito um estudo tecnológico (corte e polimento), objetivando um aproveitamento industrial.

Amostras de gemas brutas de quartzo - citrino, ametista, fumê, hialino e róseo – todas do Seridó. Coleção Ferreira & Tavares.

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De certa forma todos os pegmatitos do Seridó são produtores de não metálicos. Alguns “Altos” conhecidos na região distinguem-se pela produção ou até pela tradição conquistada nas dezenas de anos como fornecedores dessas matérias primas. Entre eles, incluem-se: Brennand, São Miguel, Manoel Baldoino, Carneira, Grotas, Noruega, Feio, Cabeça de Vaca, Tanquinhos, Cruzeiro, Patrimônio, Espera, Serra Branca, Bezouro, Serrote da Onça, Morcego, Damião, Seridozinho, Tara, Pedras Pretas, Redondo, Malacacheta e “Carcária”.

Amostras de gemas brutas de berilo - água-marinha, beriloouro, morganita, goshenita e esmeralda – com exceção desta última, todas do Seridó. Coleção Ferreira & Tavares.

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CICLO DAS GEMAS

A A

mineração no Brasil começou logo depois do descobrimento, com a procura das pedras preciosas, especialmente do diamante, no Tejugo; do ouro, na serra do Jaraguá-SP e só depois, final do Sec. XVII, em Tripuí, região de Ouro Preto-MG, por Garimpeiros, misto de Pesquisadores, Aventureiros e Jogadores. “Graças ao ouro e o diamante que brotavam da terra... No auge da sua prosperidade Vila Rica chegou a ser a maior cidade do Brasil, com 100.000 habitantes”. (46) O primeiro grande destaque entre as pedras preciosas foi para o diamante. O Brasil chegou a ser o maior produtor mundial desta gema nos séculos XVIII e XIX, e ainda é considerado um grande exportador. No apogeu da exploração, “Tejugo, atual Diamantina, tinha 40.000 pessoas na época de Chica da Silva...” (46) A água-marinha, tida como a pedra preciosa símbolo do Brasil, tornou conhecida a região Nordeste, como produtora de gemas. Sua descoberta de forma isolada se deu em Santa Luzia, onde foram encontradas as primeiras da região, em 1932, no Alto conhecido por São Sebastião. Este fato até motivou a construção no local, de uma Capela, ainda hoje reverenciada pela população, a cada dia 20 de janeiro, data dedicada ao Santo. A partir daquele fato isolado, foram surgindo em profusão outros pegmatitos produtores. No antigo Município de Picuí; em São Tomé no Alto Gameleira; em Lajes Pintada; em Canoas, Município de Acari; em Tenente Ananias, local de maior expressão da produtividade nordestina desta gema e em muitos outros Municípios como: Malta, Taperoá, São Mamede, São José do Sabugi e Junco. Como em todas as atividades empreendedoras registradas na história, também nesta, foram notórias a persistência, o arrojo e a coragem de homens como Zé Silvestre, Calixto, João Silvestre e Chico do Bar,

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propagadores de um mercado restrito que tornaram conhecidas, em todo o Brasil, as águas-marinhas azuis de Tenente Ananias. Cristal terminado de águamarinha, do Alto São Sebastião, em Santa Luzia, pesando 38g, das primeiras encontradas e identificadas no Nordeste. Fez parte da Coleção de Mário Ferreira, hoje na Coleção Ferreira & Tavares.

Merece destaque no Nordeste a produção de outras variedades de berilos-gemas, como: morganita, berilo-ouro, heliodoro, goshenita e principalmente esmeralda em Carnaíba e Socotó na Bahia, esta última já muito distante dos limites do Seridó. A maturidade para o reconhecimento das turmalinas como gemas de primeira grandeza na região, confirmou-se com a descoberta da jazida de São José da Batalha, em 1981, logo no início da execução do Programa “Cadastramento de ocorrências de Minerais Gemas do Nordeste” executado pelo Centro Gemológico do Nordeste, em parceria com a SUDENE.

Cristal completo de beriloouro gema, com terminações pinacoidais, pesando 122g, procedente do Alto do Camelo. Coleção Ferreira & Tavares

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Aquela descoberta despertou um interesse muito grande de pedristas, pequenos mineradores e gemólogos, com destaque para Heitor Barbosa, José Silvestre, Ranieri Adário, Dep. Levy Olímpio, Edilson Gambarra, Zezinho de Equador, Marcos Procópio, Teodimar Gambarra e Mário Leitão, entre outros, responsáveis pela divulgação e comercialização daquela que se tornaria a Pedra Preciosa mais cobiçada do mundo, a turmalina azul-Paraíba, de singular beleza, de alta brilhância e intensa vividez.

Amostra de turmalina “azul-Paraiba”, de São José da Batalha, exibindo mais a beleza de cor do que propriamente a qualidade da gema. Coleção Ferreira & Tavares.

Outras turmalinas elbaíticas, igualmente belas e raras, surgiram, ou passaram a sobressaírem-se com exuberância no Nordeste – rubelita sangue-de-pombo e bicolores em Quixeramobim/CE, principalmente na lavra do Zequinha, no Distrito do Condado; “azul Paraíba” em Boqueirãozinho e Mina do Alemão, Parelhas/RN; indicolitas de cor azul safira no Alto Zé Jusino, Equador/RN; verde-folha no Alto Catolé, Juazeirinho/PB; verde grama no Alto Quixaba em Frei Martinho/PB; verde-pavão no Alto Pitombeira, Equador/ RN; vermelhas exóticas em Bom Jesus, Junco/PB; azuis brilhantes vívidas e multicoloridas no Alto Serra Branca, Pedra Lavrada/PB – em uma sucessão de descobertas que tornaram as Províncias pegmatito-gemológicas da Borborema e de Quixaramobim, como das mais promissoras e conhecidas do mundo.

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Extraordinário cristal-gema completo, de uma turmalina azul do Alto Serra Branca, pesando 24g, mostrando poucos defeitos. Uma típica indicolita com cor de topo. O Alto localiza-se no Município de Pedra Lavrada na Paraíba. Amostra ainda nas mãos do Garimpeiro que a encontrou.

Outras gemas notáveis, pela beleza e raridade, são encontradas nos pegmatitos, tactitos e biotita-xistos da região. Euclásio – Mineral raro, identificado no Nordeste em 1960, por Rilson Rodrigues, que afirmou: “Os Engenheiros de Minas e Geólogos nacionais e estrangeiros que durante longo tempo trabalharam na região da Borborema, não assinalaram em suas publicações a existência de euclásio naquela região do país”. (40) Ocorrem predominantemente nos Municípios de Junco, Equador e Parelhas, com destaque para os Altos: Santino, Mamões, Antônio Trindade, Aroeiras, Pitombeiras, Jacu, Brennand e São Miguel. Em 2008, foram encontradas amostras de grande tamanho, cravejadas de euclásios transparentes, pesando até 5 kg, no local que os garimpeiros chamam de “Rabo da Carcária!” Uma alusão ao Alto conhecido como da Carcária. Normalmente são pequenos cristais, muitos biterminados, incolores a azuis, alguns transparentes.

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Raríssima gema lapidada de euclásio bicolor (azul e róseo) com peso de 4,7 qt, procedente de Equador. Coleção Ferreira & Tavares

O Alto Santino foi o único que produziu peças maiores. Peças opacas com até 300g e outras totalmente transparentes e incolores, biterminadas uma delas pesando 188g.

Raríssimo cristal incolor de euclásio, com 90% de aproveitamento como gema, pesando 188g, sem jaças, talvez o maior já encontrado no Nordeste, com estas qualidades, procedente de um Alto no Município de Equador. Coleção Ferreira & Tavares.

Apatita - em cristais multicoloridos, verdes, azuis e bicolores descobertos, principalmente em bolsões no Alto Feio em Pedra Lavrada; nos Altos do Cabeço e Boqueirãozinho em Parelhas e no Alto Assis Morais em Santa Luzia. Alguns cristais raros, como as childrenitas/eosphoritas do Alto Redondo, localizado entre as cidades de Parelhas e Pedra Lavrada; as herderitas transparentes e biterminadas com até quarenta gramas de peso! Descobertas em Pedra Lavrada, difíceis de serem achadas em quaisquer outras regiões do Brasil; belíssimas manganotantalitas vermelhas, muitas

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transparentes, simpsonitas amarelas, algumas em cristais biterminados, poucas transparentes, como as que ocorrem no Alto do Giz, Município de Equador. Entre as manganotantalitas vermelhas, em belíssimos cristais, maior destaque para as provenientes do Alto Cajazeiras, Município paraibano de Assunção.

Cristais biterminados, vermelhos, de manganotantalita, procedentes do Alto Cajazeiras, Município paraibano de Assunção. Coleção Ferreira & Tavares.

Espessartita - de cor laranja, em matizes que variam entre o laranja amarelado e o laranja avermelhado, tidas como das granadas mais difíceis de serem encontradas na Natureza, principalmente quando gemas e estão sempre ligadas a rochas pegmatíticas. Ocorre na Província, no Alto da Pedra Bonita ou Mirador, Distrito do Ermo o qual está localizado, exatamente na divisa dos Estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte, entre os Municípios de Carnaúba dos Dantas e Frei Martinho. São encontradas, principalmente, em bolsões de zonas de enriquecimento, na presença de albita e lepdolita, sempre associadas a outra gema bem mais rara que ela, a gahnita, um espinélio de Zn de côr verde inconfundível, de certa forma comum quando opaca.

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Belíssima amostra que ressalta um cristal de espessartita com 2 cm de diâmetro, de cor laranja avermelhado, em matriz com micas muscovita e lepdolita. Coleção Ana Cláudia Ferreira.

Esta gahnita foi primeiro identificada no Rio Grande do Norte, em um lote de minerais verdes, encontrado por Otávio Santiago “que coletou diversos cristais octaédricos nos pegmatitos explorados pela firma Mineração Bico d’Arara, nos Municípios de Acarí ( jazida Maracujá) e Carnaúba dos Dantas ( jazida Pihaui)”. (39). As granadas laranjas, procedentes do Mirador, estão relacionadas entre as mais belas do Mundo pela sua cristalinidade, alcançando, as mais puras, composições com até 94% de espessartita! As gahnitas verdes transparentes, da mesma paragênese, quase todas com qualidades gemológicas, em cristais límpidos sem jaças, chegam a pesar até 10g. Normalmente são pequenos grãos e correspondem, em peso, proporcional a, aproximadamente, 5% do total das gemas, incluindo granadas e espinélios verdes.

Desenho a nanquim, feito pelo autor, de uma amostra de espessartita e gahnita em matriz de albita, procedente do Alto da Pedra Bonita, em Mirador

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Entre outras gemas de destaque na região, estão envolvidas as variedades transparentes e translúcidas de quartzo - ametista, citrino, fumê, hialino e róseo - encontradas nos pegmatitos da região, em quase todos os Municípios; amazonita, variedade verde de microclina, em alguns corpos pegmatíticos, nos Municípios de Taperoá e Santa Luzia; cordieritas, conhecidas também como safiras d’água, pela cor azul arroxeado que apresentam com seus efeitos tricoicos, como parte composicional dos biotita-xistos de alto grau de metamorfismo. São encontrados nos Municípios de Parelhas, Picuí, Nova Palmeira e São Vicente do Seridó. Ocorrem ainda no Seridó, granadas almandinas em Acari e Picuí, associadas à aplito-granitos; almandino-espessartitas em Pau-caído, Município de Carnaúba dos Dantas; glossulárias, tendentes para hessonitas, em tactitos na região do Brandão, Município de Santa Luzia e raríssimas vezuvianitas de côr lilás, com forte pleocroismo, variando entre o azul e o vermelho, encontradas em um pequeno tactito scheelitífero no local denominado de Umbuzeiro Dôce, em Santa Luzia, talvez única ocorrência desta gema rara conhecida no mundo a qual está sendo chamada de tapuianita, uma alusão aos índios Tapuyas que habitavam aquela região até início do Século. XIX.

Cristal de granada almandino-espessartita, com 5 cm de diâmetro, semitransparente, com todas as faces preservadas, incrustado na matriz de aplito-granito, ocorrente em Pau-caído, Carnaúba dos Dantas, RN. Coleção Ana Cláudia Ferreira.

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Amostra de “tapuianita” com calcita azul, uma variedade recém-descoberta de vezuvianita de cor azul-violeta, com cristais terminados, muitos com qualidades gemológicas. É a única conhecida no Brasil e procede de um tactito especial, anômalo, no local Umbuzeiro Doce, Santa Luzia, PB. Coleção Ferreira &Tavares.

Scheelitas incolores e transparentes, nunca antes encontradas no Brasil, foram descobertas associadas a um corpo feldspático, no local Barra da Canoa, Município de Pedra Lavrada. Os cristais estavam distribuídos em um bolsão de lama, todos corroídos, todos transparentes, o conjunto pesando em torno de 800g, o maior dos cristais com 40g! Uma rara curiosidadade das tantas que notabilizam o Seridó como região produtora de gemas e de amostras minerais de inconfundível beleza.

Cristais corroídos, incolores, transparentes e sem jaças, de scheelita, provenientes de um “bolsão de lama” encontrado em um corpo de feldspatito, no local Barra de Canoa, Pedra Lavrada, PB, o maior deles pesando 40g. Coleção Ferreira & Tavares.

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Edilson Gambarra, Político, Pecuarista e apaixonado por pedras, no início da década de oitenta do século passado, encontrou, garimpando, no local Poço da Pedra, Município de Santa luzia, limitando-se com o de Junco do Seridó, um bolsão raríssimo de águas-marinhas e goshenitas, todas como que emaladas, em local que ele chama de “Canoa”, no encosto de um grande paredão de feldspato, a pequena profundidade, não mais que 1,5 m da superfície, com cristais terminados, alguns com biterminação, completos, sem jaças, tamanhos médios de palma de mão, alguns maiores, de cor azul celeste a ligeiramente esverdeados, os quais ressaltavam uma característica única e singular - transparentes e límpidos na base ou no topo, mostrando na outra extremidade uma faixa bem dividida com inclusões do tipo “pluma de algodão” - transmitindo a eles uma beleza ímpar, talvez nunca encontrado, com tamanha profusão, em nenhuma outra região do Planeta! Foram retirados daquela “canoa” cerca de 300 kg de cristais, dos quais 20 kg de pedras azuis bem cristalizadas, de qualidade superior.

Pequeno cristal de águamarinha, pesando 36 g, com inclusões do tipo algodão, de um bolsão encontrado em Poço da Pedra, Santa Luzia, PB, por volta de 1982, conhecido como “Fogão de Edilson”. Coleção Ferreira & Tavares.

Manteve aquele lote por alguns meses em seu poder, terminando por negociá-lo com os conhecidos compradores de Tenente Ananias, Zé Silvestre e Chico do Bar. Apurou no final o que corresponderia hoje a R$ 1.200.000,00, dinheiro que foi suficiente para fazer sua campanha a Prefeito do Junco, derrotando, naquela ocasião, tradicionais políticos da região.

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Apesar de ter sido excelente negócio, dificilmente o valor da transação correspondeu ao preço que poderia ser considerado justo, se existisse naquela época, 1981/82, uma maior conscientização e conhecimento do mercado! Basta citar que Zé Silvestre, vendeu para um empresário alemão, as sete melhores peças do bolsão, por um preço superior ao que seria hoje R$ 2.000.000,00! Produtos como aquele de Poço da Pedra, vêem sendo exibidos, em um processo intermitente, em todo o Seridó, sem que haja um aproveitamento racional e verticalizado! Ainda baseado em conceitos errados, anteriormente estabelecidos, movido por ações isoladas, imediatistas e prejudiciais ao desenvolvimento setorial da região.

Água-marinha lapidada, em forma de gota, de cor azul celeste, sem defeitos pesando 12,8 qt, procedente de um garimpo localizado na região da Malhada, Município de Junco, Estado da Paraíba. Coleção Ferreira & Tavares.

Mudanças devem ser adotadas, focadas em uma nova percepção das Políticas Minerais e de gestão, devendo começar com o estudo e o estabelecimento das cadeias produtivas, interligadas por fortes elos, entre as fases da produção, seleção e classificação dos materiais; comercialização das pedras brutas, utilizando procedimentos tecnológicos e mercadológicos, como exigência de uma modernização profissional. Além disso, e principalmente, uma lapidação melhorada, aperfeiçoada e competitiva, um “design” diferenciado, uma joalheria arrojada, fugindo do tradicional!

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Reprodução de um Projeto de Jóias ,com ônix preto e vermelho (ouro branco, 750), autoria de Ana Cláudia Ferreira, filha do autor.

Para isto deve-se ter em mente: O reconhecimento e a conscientização de ser o Brasil, incluindo o Seridó, um dos maiores produtores de gemas do mundo; A necessidade de racionalizar os métodos de Pesquisa e Lavra, dirigidos à pequena mineração de Pedras Coradas; Um maior equilíbrio, maior compreensão e uma distribuição mais racional e justa das permissões, pelos órgãos responsáveis pelos controles e fiscalizações do setor - DNPM, IBAMA e congêneres estaduais; Uma formação de pessoal em gemologia a níveis de iniciação e especialização, conduzida com competência e vontade, pelas instituições de ensino credenciadas;

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A criação de Centros de Treinamento de Lapidários, de Artes Glípticas, de Design de jóias e de Joalheria, com cursos profissionalizantes, para público alvo que queira realmente se dedicar a estas atividades por ofício; O estabelecimento de programas com linhas de crédito, para financiamentos subsidiados aos pequenos Mineradores, Lapidários e Joalheiros; Mudanças nas leis que facilitam a exportação de produtos primários pela concessão de isenções tributárias, inibidores dos processos de verticalização do setor. É pertinente lembrar o que disse Limaverde: “verifica-se, portanto, que as gemas compreende a forma mais concentrada de capital e o meio mais discreto de se acumular riqueza”. (23)

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Água Marinha corroida dando aparencia de Buda. (amostra temática)

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CICLO DAS ROCHAS ORNAMENTAIS

N N

o Seridó as rochas classificadas como ornamentais estão divididas em pelo menos três tipos principais. O primeiro constituído, essencialmente, pelos quartzitos, produtos considerados rústicos, submetidos, no processo industrial, apenas a cortes de serra, sem polimento. Surpreendentemente, estes materiais veem alcançando preços, que muitas vezes se igualam aos dos mármores e granitos “de combate”! O segundo tem como base as rochas intrusivas plutônicas diferenciadas e metamórficas, como granitos, migmatitos, gnaisses e pegmatitos, todas classificadas comercialmente como “granitos”. Os processos de lavra utilizados para os desmontes destas rochas devem ser mais bem planejados pela grande complexidade da execução, exigindo uma maior competência profissional por parte das empresas produtoras. Os blocos, necessariamente têm que ter tamanhos mínimos, por exigências já estabelecidas pelos mercados. Na maioria dos casos ainda são exportados em estado bruto, mas uma parte já vem sendo serrada em chapas, nos teares de Parques de Beneficiamentos Industriais onde posteriormente são polidas. Neste estágio de desenvolvimento industrial, parte do material é exportada e outra parcela é negociada com Marmorarias nacionais. O terceiro é formado pelos mármores - calcários e dolomitos metamórficos - que passam pelos mesmos processos de tratamento industrial que o anterior, facilitado, entretanto, pela dureza baixa que exibem, barateando os custos e encurtando o tempo de processamento. As ações para aproveitamento dessas rochas iniciaram-se no começo do século passado, quando os quartzitos, geralmente cortados manualmente em formas hexagonais, eram utilizados em pisos rústicos residenciais. O processo tomou maior impulso nas décadas de sessenta e setenta do Sec. XX, explorados por Pequenos Empresários em Junco, Parelhas e Ouro Branco. Na sequência o sistema se desenvolveu, até que foi criado em

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Várzea, em 1993, um Distrito Industrial, com a utilização de bancadas de serras, instaladas em galpões, para pequenas empresas. Atualmente, com a criação de Cooperativas, conscientização e organização dos Empresários e legalização das áreas de lavra, o sistema societário já caminha para uma estabilidade produtiva e comercial, na dependência ainda do mercado interno.

“Trend” de quartzitos, entre Ouro Branco e Várzea, área de maior produção de chapas desta rocha ornamental no Nordeste.

As explorações de granitos e mármores foram impulsionadas de uma forma lenta, as primeiras investidas, aconteceram entre as décadas de sessenta e setenta do Séc. XX. A NORMISA, empresa pernambucana requereu as primeiras áreas para lavra de mármore entre 1967/71, nos Municípios de Santa Luzia, São Mamede e São João do Sabugi; a MONTANO instalou-se em Campina Grande, com teares de corte e polimento de mármores, ainda nos anos sessenta do século passado, operando até os anos noventa; a SINWAL, empresa de artesanato utilitário, instalada em Fortaleza, nos anos setenta

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do século passado, utilizou com sucesso o mármore ônix, amarelo gema da jazida Fervedeira, Município de Santana do Matos. A Empresa usava a etiqueta “Ônix Ouro”, que ficou famosa.

Peças de Artesanato Utilitário, confeccionadas pela SINWAL, na década de setenta do século passado, mostrando a marca “ONIX OURO”. Coleção Ferreira & Tavares.

O interesse pela lavra e beneficiamento dos granitos, teve início em 1980, quando a CDRM requereu e lavrou o azul Sucuru até os últimos anos do século passado. Naquele mesmo período, com incentivos da SUDENE, foram instaladas em Campina Grande, as Empresas POLIGRAN (atualmente GRANFUJI) e FUJI, precursoras deste empreendimento na Paraíba. Já nos primeiros anos deste século o setor cresceu assustadoramente, com mais de quinze empresas atuando na lavra de granitos, só na Paraíba! O “boom” ocorreu pela súbita procura de rochas exóticas - migmatitos, pegmatitos, e até biotito xistos - prolíficos no Estado. Atualmente, com a crise internacional provocada, principalmente, pelo arrefecimento da construção civil nos U.S.A., a produção caiu, muitas

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empresas suspenderam suas ações e o setor se ressente de um comércio mais arrojado e ativo.

Pedreira de granito da FUJI, produtora do “Verde-Brasil” localizada em Belém do Brejo do Cruz, PB. Foto cedida pela empresa.

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Vezuvianita violeta com calcita azul. Umbuzeiro Doce, Santa Luzia, PB.

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CONCEITOS Poluição causada pelo beneficiamento indiscriminado do caulin, na região do Junco/PB e Equador/RN.

No transcorrer da apresentação das matérias contidas neste livro, foram utilizados alguns termos pouco usuais, principalmente para as pessoas não familiarizadas com a mineração, as gemas e suas cores, as suas origens, de tal forma que optamos por adicionar este capítulo.


José Aderaldo de Medeiros Ferreira

MINÉRIOS SOCIAIS “São todos aqueles agrupamentos de recursos minerais, formados por pequenos jazimentos economicamente exploráveis, cuja abrangência territorial seja muito grande, propiciando trabalho a um grande contingente de pequenos mineradores. Suas explotações não dependem das ações de grandes empresas para subsistirem, manifestando um nítido predomínio das atividades dos garimpeiros, isoladamente ou em pequenos grupos, com isso afiançando uma demanda equilibrada e duradoura. Com a garantia de preços estáveis, variando em faixas toleráveis, por longo período, asseguram um comércio sólido e de grande permanência, asseverando com isso, a confiança necessária para manter a estabilidade econômico-social dos sistemas. O maior exemplo no Seridó foi a scheelita, em um espaço de tempo que perdurou de 1942, quando foi descoberta, até o inicio dos anos oitenta do século XX”. Aderaldo Ferreira

Amostra de um “feldspatito” com scheelita, proveniente de Canoas, Pedra Lavrada/ PB, focando a amostra bruta ao natural e na luz UV, para mostrar a fluorescência da scheelita.

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Turmalinas rosas, Alto São Miguel, Junco do Seridó/PB

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HARMONIA CROMÁTICA O estudo e análise dos lotes de gemas brutas provenientes de bolsões e de zonas de enriquecimento dos pegmatitos do Nordeste revelam uma característica que ajuda a individualizar, dentro das Províncias Gemológicas cada ocorrência produtora de gemas. É a harmonia cromática exibida pelas pedras preciosas de uma jazida, de uma província ou até de uma região. Em função dessa constatação, podemos até afirmar que: As gemas alocromáticas, de uma mesma espécie mineral, provenientes de uma mesma jazida ou até de um grupo de jazidas com mesmas características genéticas e, portanto, com colorações semelhantes, tendem a formar conjuntos nos quais prevalece uma correlação harmoniosa das cores, onde todas as peças se encaixam em perfeita consonância, mesmo apresentando-se em matizes e graus de luminosidade diversos. A semelhança, quando não identificada pelo matiz se faz pelo grau de saturação (vividez) que, normalmente, é inconfundível.

Lote de turmalina verde e rosa do Alto Balanço, Parelhas/RN, com um cristal em destaque, de cor verde claro, proveniente do Alto Pitombeira, Equador/RN, na mesma Província Gemológica.

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Lote de turmalina “verde garrafa” do Alto Quixaba, Frei Martinho/PB, com três turmalinas “verdes folha” em destaque, provenientes do Alto Catolé, Assunção/PB.


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CONE DE CORES O “cone de cores” foi idealizado por Webster (1947), para definir o matiz (tonalidade), a intensidade (grau de saturação) e o esplendor (grau de luminosidade) em gemas, em um enquadramento gráfico, em torno de dois cones, ligados pelas bases, mas sem fazer nenhuma referência cromática, utilizando uma representatividade em preto, que dá uma idéia visual distorcida do sistema. Assim procuramos representar no cone, o matiz, com as cores: verde, azul, violeta, vermelho, laranja e amarelo; a intensidade, com uma variação que vai da cor mais viva ao cinza; e o esplendor, com uma variação da cor branca ou incolor ao preto, como explícito em, Ferreira (17). Para melhorar o visual e dar maior clareza a esta extraordinária representação do autor citado, idealizamos utilizar a representação gráfica, com o uso das próprias cores e suas respectivas variações, apresentado no gráfico ao lado. Modificado de Webster (1947), por Aderaldo Ferreira e Samara.

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Concrís - Pássaro canoro... “é das aves mais decorativas da região”. Em cativeiro “...afeiçoa-se muito às pessoas com quem convive” (52). Nanquim do Autor.

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PARTE II

PEDAÇOS DA HISTÓRIA

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O GARIMPEIRO

A

singular figura humana do Garimpeiro foi cantada e decantada até por Trovadores Medievais, em suas caminhadas de andarilhos percorrendo cidades e vilarejos, exaltando em trovas, seus Heróis, e denegrindo aqueles, propositadamente, escolhidos para Vilões. Também no Brasil foi lembrado pelo nosso Trovador contemporâneo, Luiz Gonzaga, um remanescente legítimo dos Menestréis Gauleses. As músicas que em parceria compunha com outros autores, ou que escolhia para interpretar traduzem, claramente, o pensamento e a maneira que nortearam aquela antiga tendência de enaltecer figuras que se destacavam nas suas aventuras e nas suas singularidades. Cantou em todos os recantos deste País por onde passou os fatos, as lendas, a fauna nativa, a flora resistente e sofrida dos sertões nordestinos secos, os efeitos climáticos, o folclore e, principalmente, os tipos humanos mais característicos que habitam no Brasil. José Nobre de Medeiros, estudioso de Luiz Gonzaga, disse que este, em uma de suas antigas trovas, Garimpeiro Sonhador, homenageou o Pequeno Minerador, singular e anônimo, que jamais poderia ter sido esquecido no seu vasto repertório. Esse tipo muito especial e personalizado tomou parte em todo o desenvolvimento histórico, não só do Brasil, mas de todos os países do Mundo, com evidências de sua participação, até em períodos remotos. Temse notícia de que o primeiro Garimpeiro conhecido tenha sido um romano, que viveu no Egito, conhecido por “Philemon o Procurador” – descobriu as minas de peridoto, próximas do Mar Vermelho, em Zabargad, 300 anos a.C. Como “Mineur”, “Prospector”, “Problador”, “Gambusino”, Faiscador ou Garimpeiro, participou bravamente de todos os grandes eventos mineiros, desde a pré-história aos dias atuais, ressaltando, entre tantos eventos notáveis: o descobrimento das minas de cobre do Vale da Luz, no deserto de Atacama no Chile; a descoberta das minas de esmeraldas de El Chivor

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e Muzo, nas cordilheiras andinas da Colômbia; e a explotação da famosa “Montanha de Prata” do Potosi, no antigo Peru. Deixou suas marcas em “Laurium”, província de Attica, na Grécia; como também nos Montes Urais, na Rússia, hoje uma das regiões mineiras mais ricas do Mundo; encontrou nos “cliffs” da “Cornwall”, no oeste da Inglaterra, minas de estanho e de cobre; participou, com a figura de um ex-fazendeiro norueguês, de nome Grosvold, no século XVII, da descoberta das minas de prata de Kongsberg e deparou-se com jazidas de ouro na Transilvânia, região da Romênia. Nos famosos kinberlitos da África do Sul, na mina de Kimberley, encontrou o primeiro grande “bambúrrio” de diamantes da face da Terra, seguindo-se logo a descoberta, próximo a Pretória, Capital do Transvaal, da mina Premier, na qual foi encontrado o maior diamante do Mundo, o Kullinam, em 1905. Com as substâncias minerais cerâmicas, não foi diferente “... um Sacerdote francês... enviou amostras de caulim a Europa, por volta de 1700, destacando que era fundamental para a manufatura da porcelana. Em pouco tempo, Garimpeiros acharam depósitos semelhantes de caulim na Alemanha, na França e na Inglaterra”. (50) Fez história na colonização do Oeste americano, com o achado de minas de ouro e, em conseqüência de suas ações nem sempre pacíficas, ajudou a aniquilar Nações Indígenas – é bastante conhecida a lenda de Jerônimo, famoso chefe Apache. Foi épica a corrida ao ouro no rio “Klondike” no território canadense de “Yukon” , em fins do século XIX! Travessia difícil entre o Alaska e a nova região aurífera! Filas enormes de homens determinados, cortando as infindáveis geleiras, deixando um rastro de mortes, provocadas por avalanches, fome, frio e toda sorte de adversidades, naquele ermo imenso, desolado e solitário. Somente a fé, a esperança e a obstinação do Garimpeiro, entre todos os mortais, poderia tomar parte naquela aventura. Dessa forma, se projetou, se individualizou no tempo, em quaisquer que fossem as regiões da Terra, as mais remotas até, desde que pudesse cavocar, prospectar, garimpar, tirar preciosidades do subsolo. Sem nenhuma dúvida, uma “rara e complexa espécie de homens que misturavam intuição com ciência, técnica, perseverança, imaginação e cautela. Homens decididos, corajosos, moderados e pacientes na adversidade, fortes e generosos no sucesso e sempre apaixonados pela profissão”. (17)

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Preservou sempre a sua individualidade, o seu espírito aventureiro e solitário, a sua persistência e a sua fé inabalável no produto que só a terra poderia lhe ofertar o minério. No Brasil, incluindo o Nordeste, continua trabalhando na cata, na faiscação e na garimpagem, designação esta que, segundo Joaquim Felício dos Santos, (36) em “Memórias do Distrito Diamantino”- “... era a mineração furtiva, clandestina do diamante e o Garimpeiro, aquele que a exercia... o audaz, intrépido e ambicioso aventureiro que ia buscar fortuna nessa vida cheia de riscos, perigos e emoções”. Ainda “... não se confunda o Garimpeiro com bandido... só vivia do trabalho do garimpo... respeitava a vida, os direitos, a propriedade dos seus concidadãos... amante que é da liberdade, da família, da solidariedade e da ordem...”. “De centenares de processos que temos presentes, não encontramos um só onde eles tenham sido acusados de um rapto, de um roubo, ou de qualquer outro atentado criminoso”. (36) Esse tipo singular que vem sendo forjado no nosso país, desde o tempo das Bandeiras, marcou presença nas aventuras para a descoberta das minas de esmeraldas; também esteve no Tejugo à cata de diamantes, ou na procura incessante de ouro. “Sem a descoberta de ouro no Brasil, o desenvolvimento econômico do homem moderno teria sofrido atrasos”. (27) Na lenda do El-Dorado, terra de riquezas minerais fabulosas; na busca da prata de Sabarabuçu - “André de Leão, não encontrou a prata. Fernão Dias, não encontrou as esmeraldas. Mas, Borba Gato e Garcia Paes, vão encontrar o ouro.” (37) Já no século passado, em nossos dias nas lavras de gemas das Minas Gerais, ou nos Altos pegmatíticos do Seridó nordestino, como nas corridas às esmeraldas das serras de Carnaíba e Socotó; ou aos barrancos de Santa Terezinha e de Itabira e, ademais, às grupiaras auríferas de Grota Rica em Serra Pelada, sempre se fez presente este tipo brioso de trabalhador que, quase alijado dessa sociedade organizada em padrões bem definidos, mantém-se inalterado na sua singularidade, na confiança quase divina que tem no fruto escondido na terra e que somente esta terra é capaz de lhe dar; no quase total isolamento social, como um altista, fechado em seu mutismo impenetrável, “... alguém forjado no trabalho nômade e aventureiro, pacato no seu relacionamento, porém valente, audacioso, aventureiro e destemido na perseguição do seu ideal de encontrar riquezas escondidas na terra”. (24) 104


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O Código de Mineração define: “Art.71 - Ao trabalhador que extrai substâncias minerais úteis, por processo rudimentar e individual de mineração, garimpagem, faiscação ou cata, denomina-se genericamente, Garimpeiro. Art. 72 - Caracteriza-se a garimpagem, a faiscação e a cata: I. - pela forma rudimentar de mineração; II. - pela natureza dos depósitos trabalhados e, III. - pelo caráter individual do trabalho, sempre por conta própria”. (26) A ação do Garimpeiro culmina com a descoberta, geralmente, feita por acaso. Um acaso que é, de alguma forma, projetado, programado e ansiosamente esperado com muita fé, fé de jogador é bem verdade, já que este como o outro, é um sonhador que vai às últimas conseqüências, utilizando todo o seu vigor, todo o seu dinheiro, toda sua força, sua crença inabalável no sucesso do seu empreendimento, na certeza de que aquilo que procura irá encontrar, cavando freneticamente a rocha bruta da qual, tem a certeza, um dia haverá de surgir o tão esperado “bambúrrio”, prêmio maior do seu esforço, da sua persistência, revelado pelos tesouros de metais preciosos, de gemas ou de outros minerais minérios, concentrados em anomalias, aleatoriamente distribuídas em “pedras brutas” como os pegmatitos, os veios hidrotermais, os tactitos ou os “placers”, encontrados, quase sempre, em regiões desoladas e inóspitas. Como resultado de uma descoberta súbita, esperada com aquela mesma ânsia de um noivo, que prostrado ao pé do altar, outra coisa não vê, senão a entrada pela porta principal do templo, da sua amada, solenemente conduzida pela figura, mesmo que momentaneamente austera do pai, simbolizando no ato a rocha bruta, feia até, mas que naquele instante, lhe faz a entrega do tão desejado e esperado troféu, que surge à sua frente – o diamante de brilho ofuscante; a turmalina de um azul deslumbrante; a água-marinha sem jaça, de cor inimaginável, mesmo que mergulhada em um fogão de lama; a drusa de belas amostras com seus cristais lapidados pela natureza; a pepita de ouro camuflada no pedregulho aparentemente estéril; a concentração anômala do “minério preto”, muitas vezes com manganotantalitas vermelhas, deslumbrantes na

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visão insuspeita de um perfeito conhecedor. “Mas o Garimpeiro sabe que de uma hora para outra... Com isso persevera e vence, muitas vezes”. (27) De tudo aquilo que ele sabe apreciar e principalmente avaliar, já que a sua distinção nem sempre é feita com os olhos de um colecionador apaixonado ou de um especialista conhecedor, mas, normalmente com os de um “Capangueiro”, que apenas vê o seu tesouro, mentalmente transformado em dinheiro, ressaltando-lhe à vista, à sua mente, tudo o que poderá fazer com a utilização do resgate de sua recompensa – a própria subsistência; o deleite nas bancas dos bares, nas rodas de jogo, nos terreiros de samba, no quarto do bordel; nos pneus de tala larga de um carro novo, ou no grosso cordão de ouro que sonha, enfeitando o seu pescoço - se de repente tudo acabar, não importa! A vida continua, o local do garimpo não mudou, está lá, no mesmo trecho ou até que seja em outro! É só recomeçar a trabalhar, com ânimo redobrado. Tristão de Ataíde alude à descuidosa imprevidência do Garimpeiro com esta frase – “O minerador é imprevidente por índole. Muitos enriquecem e ficam pobres da noite para o dia”. Outro “bambúrrio” haverá de surgir, quem sabe, até mais rico que o anterior, mais pujante, com promessa de riqueza certa. Na sua imaginação, no seu modo de pensar, “da próxima vez serei mais cauteloso!”. Também pudera! Naquela situação na qual se encontra, com sua euforia reduzida a nada, já surgem outros pensamentos, outras idéias – uma casa pra família; educação pros filhos; uma terrinha pra criar; um “Jeep” velho recuperado, pra uso no garimpo; a dispensa cheia - nada mais de aventura! Aquela fase já passou. Cabeça no lugar! Agora vai saber se comportar! Alguns até voltam a “chiripar” e quando isto acontece, a história geralmente se repete. Esquecem tudo que pensaram na adversidade e a lembrança volta aos tempos de fausto, da fartura, da riqueza fácil. “Não podem resistir à sedução atávica. Quase sempre volta para a terra o dinheiro que de lá saiu”. (27) A maioria sequer tem outra chance, é a volta melancólica ao trabalho de aluguel. Trabalho duro, perigoso, com alimentação grosseira e muitas vezes regrada! Apesar de tudo, o Garimpeiro prossegue naquela rotina cheia de atropelos com altos e baixos, mas, sem jamais perder a fé na sorte,

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sempre com muito ânimo, sem nunca pedir favores e, principalmente, com aquele senso de liberdade e independência que caracterizam a sua personalidade. Poucas vezes é conduzido a dono de trecho, muitas vezes é rebaixado a trabalhador braçal, a peão. Mudando de “status” conforme a sua competência ou até mesmo ao acaso, aquele tipo de sorte na qual ele acredita, pelo seu próprio espírito de jogador e que, raramente, tenta modificá-lo, quer através de um apelo racional à lógica, quer ao Livre Arbítrio. Sempre persegue aquele ideal de ser independente, de trabalhar por seus próprios meios. O vocabulário que utiliza no seu dia-a-dia, é diferente, é particularizado e exclusivo da sua atividade produtiva. Os equipamentos e ferramentas de trabalho são chamados de: Marrão, Ponteira, Pixote, Cunha, Manjarra, Batéia; Caixa, composta de Bica, Estopa, Concentrador e Garfo; Tela e Peneira; os produtos que da terra extrai são: Carvão, Cristal, Piramba, Chapa, Bloco, Murrão, Prego, Minério-Preto, Mangano, Mangano-amarela, Rubim, Papagaio, Cipodumeno, Canga-rosa, Chicória, Chifre-de-veado, Esterco-detrovão, Dente-de-cão, Fígado-de-galinha, Canudinho, Ouro-dos-trouxas, Polme, Pepita, Tubo, Coleção, Lote, Casqueira, Chibiu, Ponto, Grão, Bila, Mostra, Malacacheta, Carcária, Sabonete... Até no glossário técnico peculiar se observam destaques: Veio, Pesquisa, Conga, Cavocagem, Capangueiro, Cavoqueiro, Bambúrrio, Chiripa, Fogão, Fogo, Derrame, Trecho, Banqueta, Alto e/ou Lavra, Quixotar, Piçarro, Sal, Borra, Ureinha, Cabeça-de-Filão, Cabeça-Rica, Cata... Na ótica de sua visão malandra, são arrolados outros termos: Salgar trecho estéril; colar; tinturar; banhar com óleo... Como abrigo, Barraca, Rancho ou, como se diz na Amazônia, ... “Tapiri de Garimpeiro.” (51) Apesar de toda a sua aparente pacificidade o Garimpeiro muda de atitude quando sente ameaçado o seu quinhão ou o que ele julga sê-lo. Principalmente, quando de direito, sua área foi “legalmente registrada no DNPM!” A gema que encontra com dificuldade; a pepita que concentra no fundo da sua bateia, o fogão de amostras com cristais terminados; o diamante que de repente ofusca sua visão, escondido no cascalho; ou mesmo uma ameaça de invasão do seu trecho. Ele pode até se transformar em Bandoleiro, em fora da lei! “Refugiado neste modo de vida, ele se enclausura dentro de si mesmo, ... no temor de ser roubado ou enganado.” (51) São comuns os casos de crimes cometidos nos garimpos. Aliás, em todos os setores das

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atividades humanas existe a ambição, a inveja e toda a sorte de atos ilícitos. Não é uma regra, nem para os que vivem da mineração, nem para os demais componentes da sociedade, será sempre a exceção! Por segurança e cautela, melhor que os deixem retirar o seu fogão, sem atropelos. Finalmente, é preciso esclarecer que o Garimpeiro, não vem deixando estáticos os seus modelos de exploração. Ele também progride, aperfeiçoa métodos, usa equipamentos cada vez mais sofisticados, procura conhecer melhor o produto que resulta do seu trabalho. Já sabe até comercializar seu lote, sem ser enganado! Enfim, depois de séculos de história, está sendo promovido à Pequeno Minerador.

Local de onde foi retirado um bolsão de rubelitas e turmalinas bicolores, no Alto do Cabeço, Município de Parelhas. A operação foi realizada em 2002 e todo o material pesou 15 kg!

Lote de rubelitas e turmalinas bicolores, com baixo teor de aproveitamento gemológico, pesando 15 kg. Foi classificado, pelo Engenheiro de Minas José Ferreira Tavares e pertence ao Dr. Cláudio Holanda, concessionário da área.

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Garimpeiro do Ermo, Assis Macedo, mostrando, na bateia, a espessartita concentrada, depois de ter o material sido telado. Minério procedente do Alto Mirador.

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A MINA ESCOLA

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concepção e o Projeto para a fundação de uma Mina Escola foi uma das primeiras idéias surgidas nas reuniões do pequeno grupo de professores da UFPB, contratados para organizar o Curso de Engenharia de Minas, ligado ao CCT (Centro de Ciências e Tecnologia) da Universidade Federal da Paraíba. Inicialmente foi criado o Departamento de Química e Geociência e logo a seguir o curso de Minas, tendo o primeiro vestibular sido realizado em 1977. O ambiente de trabalho do grupo pioneiro era uma pequena sala cedida pelo Departamento de Engenharia Civil, no bloco C do CCT. Eram seis ou oito pessoas entre elas, Eliezer Braz, Jorge Cabral, Marcos Amaral, Osires, René Barron e este Autor. Da idéia para a efetivação, implantação e funcionamento, muitos projetos foram feitos, muito trabalho desenvolvido, muita confiança exigida, muitos atropelos, dificuldades e uma obstinação inabalável de toda a equipe que conseguiu por em prática aquela idéia, levando o projeto à sua execução. Ainda nesta fase inicial, complementaram o grupo o professor “Zezé” Marques, com seu trabalho, sua grande experiência administrativa, seus conhecimentos práticos, sua intimidade com os escalões superiores da Universidade, do Estado e do próprio DNPM, onde trabalhou no Laboratório da Produção Mineral de Campina Grande por quase duas décadas, o professor “Zé” Nobre, com toda sua experiência de capatazia em mineração, nos trabalhos de pré-pesquisa, realizados pela SUDENE/CONESP no Nordeste, além dos professores recém-formados em Engenharia de Minas, Aarão e Belarmino.

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Detalhe do Engenho de Beneficiamento de Minérios da Mina Escola, totalmente abandonado. Pertence à Universidade Federal de Campina Grande. Foto feita em 2009 por professores do IFPB (Instituto Federal da Paraíba).

A primeira tarefa efetiva da equipe, depois de traçados os planos, foi a elaboração de um projeto para a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), que apesar de aprovado a nível técnico, foi negado pelo setor financeiro, com alegação da falta de recursos orçamentários para uma finalidade não disponibilizada no QDD. Este fato exigiu dos participantes, mais trabalho e empenho, contando sempre, com a colaboração permanente do então Reitor, Professor Lynaldo Cavalcante de Albuquerque peça chave na consecução dos primeiros objetivos. Algumas tentativas foram feitas para a seleção de uma área na região do Seridó onde está situada a Província Scheelitífera da Borborema. Foram analisadas tecnicamente e logo descartadas as ocorrências de Cacimbas e Malhada Vermelha. Ficou previamente determinado que o local seria no Seridó, teria que ter minério e o mineral minério teria que ser scheelita, por ser considerado o mais social dos minérios de todo o Nordeste. Foi o que mais deu emprego por um maior período, tendo, por quase meio século complementado a remuneração de um contingente muito grande de Agricultores/Garimpeiros, principalmente nos anos de crises provocadas pelas grandes estiagens. Teria que estar próximo a uma cidade e próximo de uma estrada vicinal, teria que ter minério! Teria, ainda, que prevalecer um bom relacionamento com o proprietário da terra, na qual estivesse localizada a jazida. Selecionamos então a ocorrência de Carnaubinha, Município de

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Santa Luzia, em terras de Fernando Escarião da Nóbrega, àquela época requerida para pesquisa, por Sebastião Campos. Santa Luzia era o centro polarizador de uma região tradicionalmente produtora de tungstênio. Sebastião Campos teve a magnitude e o desprendimento de ceder a concessão à UFPB. Os passos seguintes foram as criações do Departamento de Mineração e Geologia, individualizando a área de mineração e do Núcleo de Desenvolvimento de Tecnologia Mineral, através dos quais, todas as ações e projetos deveriam ser executados e desenvolvidos. Durante o período inicial para a criação da Mina Escola, ficamos na chefia do Departamento, tendo como sucessor o professor Marcos Amaral, enquanto, Zezé Marques chefiou o Núcleo. Selecionada a área, elaboramos juntamente com o professor Marcos Amaral, o pedido para pesquisa de scheelita o qual foi encaminhado ao DNPM em Brasília. Naquela fase surgiu o primeiro impasse: quem seria o requerente? A Universidade, seu Departamento ou o Núcleo! Nenhum destes com atribuições para arcarem com aquela cláusula de responsabilidade fiscal. Novas reuniões e finalmente com a anuência e compreensível colaboração dos Diretores da ATECEL - Nilson Feitosa, José Jordão e Moita, foi criada a ATECEL MINERAÇÃO S.A - ATEMISA, posteriormente transformada em Ltda. Naquela fase contamos com a assessoria segura, dos Professores. Lopes de Andrade e Evaldo Cruz, na elaboração dos estatutos e na constituição legal da Empresa. Com toda a documentação pronta, seguiu o Professor Zezé Marques para Brasília, onde permaneceu por mais de trinta dias, percorrendo os corredores palacianos e ministeriais, especialmente do MME, do DNPM e do MEC, contactando autoridades, vencendo dificuldades e de lá trazendo o problema solucionado e a documentação da Mina Escola legalizada, com o

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respectivo Alvará de Pesquisa. Uma nova etapa do processo foi a compra da terra onde se localizava a ocorrência objeto do Pedido de Pesquisa e onde foram, logo a seguir, instalados os engenhos, as oficinas, alojamentos, o refeitório, as dependências administrativas e didáticas, paióis para explosivos e executada a pesquisa projetada no Plano, resultando no final, em um verdadeiro laboratório de pesquisa e de lavra para extração de scheelita. O então proprietário, Sr. Fernando Escarião da Nóbrega, não opôs resistência e vendeu o imóvel rural a UFPB. Como forma de reconhecimento e até de recompensa pelo seu ato de cooperação, foi-lhe assegurado um contrato de trabalho, tendo o mesmo sido incluído como um dos novos empregados da Mina Escola. Posteriormente, com a lei do enquadramento de 1988, passou a funcionário estável da UFPB, hoje já aposentado. Foram feitas gestões junto à Secretaria de Planejamento do Estado, sendo seu titular na época, o Dr. Geraldo Medeiros, o qual, através de convênio, eletrificou o novo campus avançado da Universidade, como uma importante colaboração do Governo da Paraíba. O Magnífico Reitor, professor Lynaldo Cavalcante, sempre pronto a apoiar todas as iniciativas do grupo, destinou recursos, já no final do seu reitorado, para as primeiras construções civis já mencionadas. Projetos elaborados pela Prefeitura Universitária e trabalhos executados pela ATECEL. Entre todas, a maior invenção de Campina Grande! Houve a mudança de reitores. Primeiro o Professor Milton Paiva, que no seu curto período à frente da UFPB, visitou as instalações da Mina Escola, prestigiando e apoiando a iniciativa de criação da que seria a primeira Mina Escola do Brasil. Para completar o seu mandato, bruscamente interrompido, foi nomeado reitor o Professor Berilo Ramos Borba. Naquela fase de fixação de metas, de consolidação de programas, duas outras entidades surgiram de forma bastante positiva, marcante e decisiva - a SUDENE e sua subsidiária a CONESP e o Banco do Brasil, através do FIPEC. 113


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As ações destes importantes órgãos governamentais foram demonstradas pelo apoio financeiro, eficaz e entusiástico, alocando os recursos necessários para os trabalhos subterrâneos e instalação do Engenho de Tratamento; o empenho do professor Berilo Borba e o trabalho consciente da equipe formalizaram o aval representativo de garantias para o sucesso de criação da Mina Escola, uma das poucas que se tem notícia no Mundo! Ainda na fase de consolidação, conseguimos com a CONESP, equipamentos importantes utilizados em pesquisa e principalmente em lavra, tais como: compressores, britadores, rebritadores, decauvilles, torres para içar material em “shafts”, guinchos com motores a diesel, martelos pneumáticos, unidade móvel de britagem, enfim, todos os equipamentos utilizados pela SUDENE/CONESP, no projeto pré-Pesquisa, desenvolvido pela Divisão de Geologia, no período entre 1969 e 1976. Lamentavelmente, as lideranças da UFPB, hoje UFCG, do próprio DMG, deixaram que fosse apagada aquela chama de entusiasmo que mantinha aceso e vibrante um projeto que poderia ter dado maior credibilidade, não só ao curso de Engenharia de Minas, mas a toda a instituição. A Mina Escola está praticamente desativada. Nada mais foi acrescentado ao ambicioso projeto que demonstrou tanto vigor e tanta pujança, com ações públicas tão positivas nos primeiros anos, logo após a sua criação, exatamente entre 1977 e 1990. O descaso tem sido tamanho que, até um assalto de proporções alarmantes foi praticado por bandidos, os quais invadiram o Campus, em dois caminhões trucados, na noite do dia 27 de janeiro de 1999 de lá levando, impunemente, os mais importantes equipamentos, dentre aqueles cedidos pela CONESP/FIPEC/PETROBRÁS, sem que houvesse qualquer reação eficaz para coibir tal ação criminosa. A Universidade quando foi tomar providências, cinco ou seis dias depois do fato ocorrido, nada mais achou, nada mais descobriu, nada mais fez. Uma verdadeira lástima, um sinal evidente do descaso para com a Mina Escola e seu acervo tão carinhosamente cedido e tão arduamente conseguido.

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Quem passa por Santa Luzia cortando o sertão pela BR-230 com destino a Patos, ainda lê as placas de Mina Escola, ainda avista suas dependências, suas oficinas, seu engenho de tratamento e a entrada da galeria principal, como se em atividade plena estivesse! Seus funcionários, já envelhecidos pelo tempo de ociosidade imposta pelo abandono, mesmo assim comparecem rigorosamente ao expediente, sempre à espera de estudantes de Engenharia, de Geologia, de Técnicos em Mineração, carentes das aulas práticas em suas dependências, mas, já tão descrentes que sequer falam ou reclamam de sua falta! Mais de dezesseis anos praticamente desativada. Uma pena para as futuras gerações estudantis, para turmas sucessivas sem práticas de campo. Às vezes uma visita para conhecer, como quem desfila pelos salões de um Museu estático, daqueles que mesmo como Museu, já é considerado ultrapassado pela falta de modernidade e dinamismo necessários a um funcionamento didático adequado. Uma apatia generalizada do próprio corpo docente, uma falta de sensibilidade e até de conhecimento das lideranças superiores! Um prejuízo incalculável para os futuros profissionais que sequer desconfiam, pelo total alheiamente ao problema, da falta que irão sentir desse gigantesco laboratório natural, carinhosamente preparado, ainda vivo, disponível, mas estático, inoperante! Criado pela competência e abnegação de um grupo de professores, técnicos e funcionários, infelizmente, já quase todos afastados das suas funções didáticas, administrativas e empreendedoras, pela imposição das suas aposentadorias. E todos eles, mesmo de fora, ainda têm esperanças de uma reviravolta, um despertar dessa letargia onde os atores do processo, inconscientes do mau que estão causando, talvez até pela falta de uma percepção realística do problema, concorrem para destruir o conceito do próprio curso de Engenharia de Minas da Universidade Federal de Campina Grande, o qual já teve reconhecimento nacional. Graças à compreensão e espírito público do Magnífico Reitor da UFCG, Thompson Mariz, já está sendo negociado, com o prefeito de Santa Luzia, Dr. Ademir Moraes, a cessão por comodato, das instalações físicas da Mina Escola, local onde em breve será instalada a Escola de Lapidação e Joalheria, um marco no aprimoramento educativo-profissional de jovens talentosos da região.

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A MINA DO PRÍNCIPE

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garimpagem é uma atividade de tal modo arraigada aos hábitos e costumes do povo calejado e sofrido dos sertões nordestinos, que até mesmo por afinidade, proveniente de uma amizade afetiva com um sertanejo, sucedeu de um Príncipe garimpar no Seridó! Jáder Medeiros com seu carisma extraordinário e seu poder de comunicação, tornou-se amigo daquele “Príncipe”. Sua capacidade nata de convencer as pessoas, até pela confiança que tinha em seus propósitos, induziu, no início dos anos cinqüenta, do século passado lá no Rio de Janeiro, a um dos herdeiros da dinastia dos Orleanos e Bragança, “D. João” bisneto de D.Pedro II e a um capitalista austríaco Dr. Brody a aplicarem dinheiro na exploração de uma jazida de scheelita do Nordeste, a qual lhes foi apresentada como “Buenos Ayres” um nome diferente de todos os outros conhecidos na região, mas assim rebatizada, pelo próprio Jáder, como forma de melhor impressionar pessoas ilustres, possuidoras de capital suficiente para investirem nos seus sonhos, na sua inabalável obstinação de levar para o Sabugi desenvolvimento, riqueza, emprego e estabilidade econômica para seus conterrâneos. É bom lembrar a afinidade que sempre existiu entre os descendentes de D. Pedro II, com a mineralogia e a indústria mineira no Brasil Império. Seu neto D. Pedro Augusto, filho da Princesa Leopoldina, o Príncipe Mineralogista, teve um seu primeiro trabalho, apresentado por ele na “Academia de Ciências de Paris”, com o título: “Presença de albita em cristais, assim como de apatita e scheelita, nos veios auríferos de Morro Velho”, além de outros destaques como: “Breves considerações sobre Mineralogia, Geologia e Indústria Mineira no Brasil”. Com a Proclamação da República em 1889 e a fuga da Família Imperial, seu extraordinário acervo mineralógico foi dilapidado, uma lamentável perda para as gerações futuras do país. (48) Em Santa Luzia terra natal de Jader, ele confabulou com os Garimpeiros, seus vizinhos no “Albino” e lhes falou do plano de trazer dinheiro do Sul para empregar na pesquisa de tungstênio, ocorrente nos tactitos do antigo Grotão, àquela altura, “Buenos Ayres” um nome de “marketing”, dado por ele como referência aos futuros sócios.

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Jader Medeiros, retoque em nanquim, pelo Autor, a partir de uma foto antiga.

Na realidade, Jáder não era nenhum neófito em empreendimentos mineiros! Que se saiba, já havia “explorado” um corpo pegmatítico no Alto São Sebastião, no lado poente da capela deste mesmo santo, localizado em Santa Luzia, de onde retirou as primeiras águas-marinhas que se teve notícia no Seridó, no início da década de trinta no século passado e participou também da corrida ao ouro em Piancó, quando da descoberta da mina de São Vicente na década de quarenta, como sócio de um dos veeiros promissores. Com certeza Jader Medeiros foi requerente de uma das áreas da antiga Mina de Ouro do Piancó, ao DNPM, que àquela época era ligado ao Ministério da Agricultura. Fechado o acordo com aqueles Mineradores improvisados, nenhum entendia bem daquela atividade produtiva - partiu Jáder para o Rio com uma proposta a ser apresentada e negociada com os empresários. “E por que não?” Pensara, um resultado promissor das pesquisas poderia transformar aquela, numa grande “Mina” como já o era a de Quixaba e principalmente a de Brejuí, que impulsionara o crescimento meteórico de Currais Novos no vizinho Estado do Rio Grande do Norte.

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A deliberação final daquele grupo de homens esperançosos, após tantas conversas e tantas reuniões bem planejadas, culminou com a chegada do dinheiro e o início dos trabalhos prospectivos. O garimpo na sua fase inicial chegara a render bastante. Não havia porque, de um momento para outro, parar de produzir! A confiança dos Pequenos Mineradores, mais em Jáder do que propriamente na Mina, a qual já conheciam, era tanta e a vontade de transformarem suas banquetas em fontes de riquezas maior ainda, que, “inocentemente” e por pura precaução “só para impressionar à realeza”, apoiaram e aceitaram que Manoel Varela, um sócio de Jáder, “salgasse” as pequenas galerias do Grotão, com o mineral - minério trazido da Quixaba. Aquele inocente mais providencial artifício convenceria mais facilmente ao Príncipe e a Dr. Brody dos reais atrativos do jazimento por ocasião da visita que os mesmos fariam à região, àquela altura já programada para fins de 1953. Esta expressão aqui usada, não é nova, no início da década de trinta, do Seculo XX, portanto, a bastante tempo, Thomas Daring, em: APROVEITADORES DA NATUREZA, narrando uma das suas aventuras pelo mundo, como ele próprio diz... “da minha vida de aventureiro e buscador de tesouros”, assim se expressou... “Minas Salgadas? São Minas que não contêm aquilo que as amostras de terra dão indício, Minas que iludem os melhores Geólogos e Químicos... Inspeciona-se a Mina, compra-se uma opção, as provas são tentadoras - está-se ludibriado, pois, a Mina é Salgada!” (12) O resultado não poderia ter sido outro. D. João e seu sócio, com a visão proporcionada pelo “mineralight”, nas paredes “salgadas” das galerias, empolgados abriram os cofres e despejaram dinheiro. De imediato constituíram uma Empresa de Mineração-SOMINEST - Sociedade das Minas do Nordeste e autorizaram Manoel Varela a contratar um Engenheiro de Minas, igualzinho como fizera, poucos anos antes, o povo da Quixaba, que já tinha Dr. Onofre! Só que aquele de Varela era bem mais importante, nisso ele caprichou! Dr. Popov um profissional de nacionalidade polaca! Enquanto que Onofre era Engenheiro de Minas sim, só que brasileiro formado ali nas Alterosas, em Ouro Preto.

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A partir da implantação dos planos prospectivos, algumas surpresas foram desfilando. Boas e ruins. Para parte da equipe que trabalhava na mineração, aquela que não tomara parte na armação planejada, sequer desconfiava dela, a pesquisa era um sucesso, com bateadas de até l/2Kg de scheelita! Dr. Popov, o Engenheiro de Minas responsável pelos trabalhos subterrâneos, começou a se destacar não só como um competente profissional, mas também como um fino beberrão, que de tanto tomar porre, muitas vezes esquecia até a mulher, “uma loiraça” de tipo ariano, alta, bonita e nova, que muitas vezes ficava aos cuidados do chefe do almoxarifado, “Mederim”, até a lhe aplicar injeções nas nádegas, todas as vezes que tinha um resfriado. D. João, de tão entusiasmado, percorreu toda aquela região de serras e carrascos secos, naquele período de quinze dias que por lá ficou, empoleirado na carroceria de um velho caminhão Chevrolet “Cara de Sapo”, levantando poeira pelas estradas mau conservadas e esburacadas de São Gonçalo e Albino, sem ao menos se queixar do desconforto do transporte que lhe fora oferecido, tanto era o seu entusiasmo pelo empreendimento mineiro. Por outro lado, a satisfação de receberem a visita ilustre de um Príncipe, mesmo sem coroa, em convivência de permanente intimidade com os da terra, foi tão grande que um dos Garimpeiros, João Zumba, encarregado de serviços, depois de pessoalmente cumprimentá-lo, confessou: “Dr. Jáder, eu juro, nunca mais lavo minha mão!”. Passada a fase de euforia para os parceiros do Rio de Janeiro, sem que houvesse explicações lógicas, as paredes das galerias já não mostravam aquela extraordinária fluorescência ao mineralight, como no início! A pesquisa, de repente, deixou de dar respostas positivas. Àquela altura, Dom João e Dr. Brody, desconfiados de Manuel Varela, o afastaram da mina e acertaram com Mário Ferreira, responsável pelos serviços topográficos, para que o mesmo assumisse até o final, a chefia geral dos trabalhos e apresentasse relatórios confidenciais periódicos, sobre os resultados que fossem sendo obtidos. Dessa forma teriam uma noção exata do que realmente estava ocorrendo. A pesquisa foi plenamente realizada, Dr. Popov comandou e conduziu a parte técnica, apesar das carraspanas, com sua equipe na execução dos trabalhos mineiros. Diante dos dados técnicos obtidos foi redigido um

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relatório final, concluindo pela insuficiência de minério que recomendasse o investimento projetado. Na realidade era uma pequena jazida, econômica apenas para funcionar como garimpo. Um resultado de certa forma já esperado, por alguns que conheciam de perto a ocorrência e um malogro de conseqüências indesejadas para os desapontados investidores. À sua Alteza e ao Dr. Brody, restou somente a satisfação de terem conhecido o Seridó e o prejuízo do capital empregado, com a dilapidação de uma parcela dos seus patrimônios, em benefício daqueles “pobres e laboriosos Garimpeiros do Albino”. Mário Ferreira cumpriu sua missão com tanta eficiência que até foi convidado por Dr. Brody para ir com ele trabalhar em uma grande empresa de mineração no Peru, proposta que não foi aceita por motivos familiares. Jáder Medeiros no racionalismo dos seus objetivos achou que fora cumprida sua missão, fizera a tentativa, conseguira os recursos para investir na área em uma pesquisa conduzida corretamente. Já sabia dos riscos de empreendimentos mineiros! Estava justificado o seu esforço. O nome pomposo restou para a posteridade e ainda hoje, “Grotão” ou Buenos Ayres, como queiram, é conhecida como a Mina do Príncipe.

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UM NINHO DE COBRA PRETA

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o transcorrer do ano de 1979, foi incessantemente perseguido o objetivo principal daquele grupo de professores formado por Geólogos, Engenheiros de Minas e Químicos, contratados para compor o quadro do mais novo curso de graduação criado na Universidade Federal da Paraíba, o de Engenharia de Minas. Encontrar uma jazida que melhor satisfizesse as condições técnicas para instalar uma Mina Escola, que produzisse um minério social, com todas as qualidades e exigências que atendessem determinadas condições – longo tempo de explotação; abundância de grandes e pequenos jazimentos; trabalho accessível a Pequenos Mineradores; abrangência em uma grande área geográfica; proximidade de uma cidade e de uma rodovia, para facilitar o acesso; facilidade de negociação com o proprietário da terra e o mais importante, que fosse uma área livre no DNPM, para requerimento da pesquisa e estivesse localizada no Estado da Paraíba. Este assunto foi inclusive, discutido com o Prof. Joaquim Maia, decano da área de lavra da Escola de Ouro Preto, a mais antiga e conceituada Escola de Minas do Brasil, por ocasião de uma sua visita oficial, indicado que fora pelo MEC, para inspecionar as instalações e as condições de funcionamento do mais novo curso de Engenharia de Minas do país. A comissão indicada como responsável pela seleção da área, com todos aqueles requisitos e características, atendendo à primeira prerrogativa, escolheu como mineral-minério a scheelita. Na época, ainda era destaque especial como minério social! Depois visitou algumas antigas jazidas, todas temporariamente abandonadas, como as de: Malhada Vermelha, Cacimbas, Pitombeira e Carnaubinha. Esta última, após muitas investigações e pesquisas, foi selecionada, escolhida para abrigar aquela que seria a primeira Mina Escola do Brasil, por atender quase todas as condições exigidas, com exceção, ainda, da última, sem a qual não haveria possibilidade de realizar o intento.

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Fomos a Currais Novos, conversar com Sebastião Campos titular da área, minerador dos mais conhecidos do Seridó, dos mais conceituados do Nordeste, nosso amigo de longas datas e dele conseguimos a liberação da concessão que lhe fora outorgada pelo DNPM há poucos meses. Marcamos uma data para uma primeira visita oficial de reconhecimento técnico, ocasião na qual percorremos todo o trecho palmilhado de banquetas antigas já abandonadas, colhemos amostras, informações sobre produção, condições de trabalho, disponibilidade de água e fizemos uma rápida pesquisa com uso de “mineralight”, principalmente, nos antigos poços e galerias abandonados. Encontramo-nos em Santa Luzia, Marcos Amaral, Sebastião Campos, Fernando Escarião e eu. De lá nos dirigimos à jazida, distante daquela cidade, aproximadamente, 3 km. Munidos de corda, lâmpada a carbureto, martelo, bússola e “mineralight”, iniciamos o reconhecimento do trecho, nas banquetas entrincheiradas na aba norte da Serra da Carnaúba. Em uma delas, talvez a que mais produziu scheelita, resolvemos fazer uma exploração mais detalhada. Havia um poço, com aproximadamente 10 m de profundidade, altura com a qual foi atingido o tactito, rocha portadora do minério. A partir daquele ponto os Garimpeiros abriram galerias, acompanhando a lente mineralizada, as quais se estreitavam quase ao ponto de se fecharem ou alargavam-se, conforme fosse a disposição da mineralização em estrutura reconhecida como rosário ou “boudinage”. O Pequeno Minerador, por suas próprias condições financeiras, não abre galerias ou quaisquer outros tipos de escavações mineiras, com medidas constantes, previamente projetadas, como tecnicamente recomendáveis! A “pancada do bombo” é quem comanda o ritmo da explotação. Amarramos a corda no tronco de uma velha jurema e descemos até o fundo do poço. Muito entulho, muita lama ressecada, carcaças de pequenos animais, tudo misturado com restos de madeira, acumulados durante os últimos anos pela paralisação da garimpagem. E o que mais incomodava, era a revoada e o cheiro forte das dezenas de morcegos, sempre presentes em escavações mineiras abandonadas. Procuramos a entrada da principal galeria, a do Nascente e mergulhamos para o desconhecido à procura dos vestígios do minério. Lâmpada de carbureto acesa, conduzida à frente por Fernando, nosso guia, proprietário da terra e responsável por aquela antiga explotação. Alguns 123


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metros à frente de um daqueles brutais estreitamentos, a galeria descambou para um poço secundário, com pouco mais de um metro de queda na vertical, forçando nossa entrada por aquela passagem apertada, difícil de ser ultrapassada pelos mais gordos do grupo, Campos e Marcos Amaral. Vencido aquele primeiro obstáculo, nos deparamos com um grande salão, no interior do qual conseguíamos nos movimentar livremente. Ali havia sido receptáculo de um magnífico “ore shoot”, do qual foram retiradas algumas centenas de quilos de scheelita. Produção para mais de 120 kg/ semana, durante alguns meses! Mesmo nos escombros, nos deslumbramos ainda com a forte luminescência produzida pelo “mineralight” em cima da scheelita remanescente, visível nas paredes da grande cavidade. Um verdadeiro espetáculo da Natureza, para os olhos atentos e precursores de todos quantos admiram a natureza complexa dos conjuntos e agregados minerais. Cobra-preta ou Muçurana, ofídio inofensivo que se alimenta de animais como: ratos, punarés, outras cobras, inclusive venenosas. Muitas vezes habitam telhados de casas de fazendas, onde recebem proteção dos moradores. Gravura tirada de “Tradições Ruralistas”, livro do Autor.

Com aquela concentração mental, alheamento até, de quaisquer outras ocorrências que não fossem ligadas à mineralização observada, nada nos distraia, nada mudava o foco da nossa atenção. De repente e para espanto de todos, Fernando quase toca em uma Muçurana com a lâmpada de carbureto! Avistou em tempo, pulou para trás e calmamente nos advertiu do perigo, apontando apenas, sem falar, para não despertar o ofídio, para o que seria um ninho de cobras-pretas. Quantas, não sabemos, todas enroladas, com as duas maiores se destacando das demais. No primeiro momento paramos para ver, a curiosidade venceu o medo. Logo depois nos olhamos espantados, como que planejando a fuga. Tratamos logo de procurar aquele local, abaixo da passagem apertada, para

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fugir daquilo que momentaneamente, nos pareceu uma séria ameaça, uma verdadeira situação de perigo. Eu e Fernando, os mais magros do grupo, passamos rápidos e sem dificuldade. Marcos Amaral, mais volumoso já deu certo trabalho! A rapidez, inimiga da perfeição, atrapalhou seus movimentos, mais conseguiu se safar. Sebastião Campos, muito gordo, foi o último a tentar sair, com a pressa enganchou-se no buraco da passagem, ficando “quiném” rolha em boca de garrafa! Com muito esforço e a ajuda dos que já estavam do outro lado, conseguiu, finalmente, sair da jaula. O retorno à galeria principal foi comemorado pelos quatro como uma grande vitória! Aliviados do susto ainda voltamos à passagem para observar a reação das supostas feras incomodadas no seu retiro pelos intrusos. Não haviam se mexido no ninho! Continuavam nos seus sonos hibernais, como se nada tivesse acontecido.

Entrada principal da galeria de nível da Mina Escola, que dá acesso ao minério de tungstênio, um tactito scheelitífero. Foto feita por Ana Cláudia, professora do IFPB, em uma visita, em 2009, às ruínas daquele laboratório natural, único no Brasil.

Este fato foi contado por cada um dos protagonistas da aventura de forma particular e pessoal. Teve gente falando em cobra de até cinco metros! Eu arrisquei dizer que a maior delas tinha “pegando” três metros de comprimento! Dois Fernando? Você era o mais experiente, tinha mais intimidade com bicho do mato! Pois tá bom, dois metros já era de bom tamanho, era serpente capaz de assustar qualquer cristão! E convenhamos, ainda está pra nascer cobra-preta que chegue a alcançar todos aqueles comprimentos imaginados e sugeridos!

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A SINGULAR PARAGÊNESE DE UM BOLSÃO

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s surpresas que a natureza apronta são fantásticas e caprichosamente distribuídas, muitas vezes de formas aleatórias, nunca se prevendo com aquela antevisão matemática das ciências exatas, o que se poderá encontrar quando, por exemplo, é explorada uma jazida mineral, especialmente daquelas mais complexas, ocorrentes em rochas das quais se conhecem somente, suas exposições superficiais, uma face apenas de um corpo, que poderá até ser pequeno, mas, muitas vezes surpreende pela desproporcional dimensão que termina exibindo apesar de todo ele escondido e protegido pelas múltiplas facetas rochosas da crosta, à semelhança de uma fêmea que protege no útero seu feto, um corpo ainda desconhecido e em formação, mas já querido e desejado pelos que o cercam. Poderá conter grande potencialidade de determinado componente metálico, com “ore shoots”, como até decepcionar o prospector pela quase ausência do mineral-minério que indicava ocultar no seu bojo, com as tantas evidências demonstradas na sua complexa formação geológica. Apesar do desenvolvimento já alcançado com o aperfeiçoamento da prospecção mineral, da aplicação de métodos sofisticados de pesquisa, do extraordinário progresso da geologia estrutural, mesmo assim persistem fortes tendências ao acaso, ao fator surpresa, agradável ou decepcionante, despertando e acentuando no Minerador aquele espírito aventureiro, aquela ânsia, expectativa de sucesso, semelhante ao de um jogador determinado que arrisca o último centavo no palpite. Mesmo quando muito bem planejada, pelos mais competentes grupos empresariais, ainda assim persiste a consciência do risco, que em todos os empreendimentos mineiros é sempre muito forte, variável, conforme o tipo de concentração mineral, mas, sempre muito alto! Em se tratando de pegmatito então, o sucesso é sempre uma incerteza, especialmente quando dirigido para focos específicos – metálicos, gemas, amostras minerais – tanto, que todos que conhecem o problema recomendam, insistentemente, um modelo de lavra integral, com todo o corpo sendo considerado minério! No

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consciente do Minerador capaz, existe a certeza, aquela ponta de barganha, de que alguns dos produtos constituintes lhe garantirão, pelo menos, a custa do investimento. Essa diferença o distanciando bastante do jogador, cuja única certeza consciente (ou inconsciente!) que tem é a da perda total do seu dinheiro. E é essa diferença que torna a atividade mineira uma prática econômica racional, mesmo diante de grandes riscos! Existe no Município de Equador, Estado do Rio Grande do Norte, nas cabeceiras do rio Seridó, no trecho mais profundo do vale, um desses extraordinários pegmatitos conhecido por Alto dos Amâncios, na região conhecida por Quintos de Cima. Em 1976, Zé Amâncio iniciou os trabalhos de extração desse mineral naquela jazida, para atender um contrato de fornecimento que Zé Jusino havia firmado com uma empresa do Pará. Pequenas escavações já testemunhavam uma fase de garimpagem anterior. Como nos demais pegmatitos espalhados na região, a lavra ainda hoje se desenvolve de forma intermitente, sempre objetivando a retirada de alguns constituintes das suas complexas formações geológico-estruturais. Essa atividade, ao longo desses quase trinta anos, tem se comportado como uma fonte provedora econômica, usada pelos “Amâncios” para a manutenção honrosa de suas famílias. A produção de tantalita, de berilo e do conjunto de minerais formadores, entre eles o feldspato e o quartzo róseo, vem mantendo ao longo destes anos, no limite da tolerância, a complementação das suas necessidades básicas de subsistência. Esporadicamente, a descoberta de bolsões enriquecidos propicia um alívio temporário de orçamentos comedidos, sempre bem administrados pelos autores do processo. Essas raras oportunidades transparecem quando da compra de um carro, de uma moto, da remodelação de uma casa, da construção de um açude, da aquisição de mais um pedaço de terra, ou da extravagância de alguns excessos etílicos em noitadas comedidas e até em rodadas de Pacará! Sem exageros. Na história desse jazimento, três bolsões de lama, em zonas de enriquecimento, evidenciaram-se sobre os demais, surgidos ao longo destes anos. O primeiro, muito grande, tinha quase dois metros de altura, muito pouco produziu pelo menos daquilo que mais interessava na época da sua descoberta. As evidências de sucesso, entretanto, foram tantas, que Tico

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Ageu, comprador de minério de Carnaúba dos Dantas financiou todo o seu desmonte, sem arredar pé do garimpo, e sem muito conseguir de proveitoso! Coisas da mineração em pegmatitos. Os outros dois notabilizaram-se pela produção de belíssimos cristais de heliodoro e berilo-ouro. No primeiro, descoberto em 1983, aqueles minerais eram transparentes e bem formados, os cristais tinham faces preservadas e terminações pinacoidais; no segundo, encontrado em 2003, as faces mostravam-se corroídas, denotando uma ação hidrotermal tardia, rica em líquidos ácidos, os quais destruíram integral ou parcialmente as faces das terminações. Apesar de guardarem semelhanças, diferenciaram-se por certas particularidades, incluindo estas acima mencionadas. Nos dois últimos eventos, fomos atores dos processos, como Geólogo emitindo opiniões; como cliente adquirindo belíssimas amostras, algumas no acervo de nossa coleção. O primeiro dos “fogões” por nós testemunhado era de pequeno tamanho. Foi encontrado em uma massa de feldspato potássico bordejado por quartzo róseo e grandes cristais de berilo, em local sem bons sinais indicativos da presença de uma zona de enriquecimento, a não ser pela existência no local, de cristais de albita. Na rotina diária de trabalho para a retirada de feldspatos, de periódicas e aleatórias concentrações de tantalita e de berilo... De repente, sem ninguém esperar, surgia o sinal da presença do bolsão – a ferramenta escorregava macia na lama - estava identificado o fogão. De lá eram retirados cristais perfeitos de heliodoro, e de berilo-ouro, os melhores espécimes com formas alongadas, prismáticas, terminações basais planas, boa cristalização, alguns tendo pesado até mais de 1kg. Quase toda a produção, naquele ano de 1983, foi adquirida por Marcos Procópio, que na época trabalhava com seu sogro e sócio, Raimundo Pimenta comprando “minério-preto”, scheelita e gemas, maior especialidade de Marcos, que chegou a dominar o comércio destes bens minerais nobres naquela região. Adquirimos dele alguns bons cristais, um dos quais, pesando 218g, o qual nos custou, ainda me lembro, a importância de Cr$ 100.000,00, em moeda da época. Outras amostras compramos ao próprio Zé Amâncio na “boca da mina”, ocasiões nas quais conhecemos melhor a jazida e até sugerimos procedimentos de lavra garimpeira, tecnicamente

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mais adequados para o jazimento. Por conta daqueles contatos, nos quais transparecia o interesse mútuo, relação entre comprador e vendedor, foi gerado um vínculo de amizade e confiança que até hoje perdura. Vinte anos depois, em setembro de 2003, encontramos um lote de colombotantalita com preservação de suas formas cristalinas, exibindo faces iridescentes, de raríssima incidência, somente encontradas na região, em alguns cristais de manganotantalita do Alto Quixaba, Município de Frei Martinho. Adquirimos de “Novinho”, Capangueiro de Parelhas, o lote que pesava pouco mais de 1kg. Nas semanas seguintes obtivemos outras amostras do material e no meio dos tantalatos, surgiu o primeiro cristal de berilo-ouro, biterminado, completo, com as faces corroídas, de uma beleza sem jaças, indescritível. Pagamos pela amostra R$ 500,00! Logo a seguir mais três cristais do mesmo berilo-ouro, com as mesmas características, dois deles exibindo iridescência nas faces corroídas, de uma beleza excludente, incompatível com os padrões conhecidos na literatura especializada e foi exatamente essa característica que transformou aquela paragênese em um bolsão singular! Pelos três cristais pagamos pouco mais de R$ 1.000,00, preço considerado alto por conta até do inusitado “furta-cor” exibido nas faces. O “furta-cor”, denominação dada pelos garimpeiros à iridescência, estava sendo considerado como uma característica depreciativa das amostras, com isto, reduzindo, a princípio seus preços! A partir daí passamos a admitir a existência de uma nova associação paragenética, ligada a algum bolsão descoberto em um dos pegmatitos da região. Apesar da procura, não conseguimos uma informação correta do roteiro. O vendedor dificilmente daria a informação confiável! Já sabíamos ser no Município de Equador. Mais dois cristais irisados de berilo-ouro compramos a “Novinho”, juntamente com algumas gramas de tantalita irisada e os primeiros cristais de quartzo fumê, igualmente cobertos pela iridescência, o maior deles pesando mais de 10 quilos. Resolvemos descobrir o jazimento. Nosso maior interesse era, na realidade, conhecer aquele extraordinário e esquisito bolsão, onde jaziam juntos: berilo-ouro, tantalita e quartzo, ligados pelo estranho fenômeno,

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que refletia as cores do arco-íris em suas superfícies. Procuramos Zezinho, em Equador, nosso amigo, nosso parceiro comercial de muitos anos e através dele, pelas informações que lhe passamos, chegamos, primeiro a Libardi, Graniteiro radicado na cidade, também negociante de amostras minerais. Tinha comprado ao Garimpeiro produtor, duas peças de berilo ouro iridescentes, mas que já as havia vendido. Descobrimos depois que foram aquelas últimas adquiridas a Novinho. Finalmente Zezinho descobriu o nome de tão procurado Minerador, do Alto produtor daquelas raridades. Aderval Amâncio! Chegamos a ele que apesar de muito desconfiado no início, foi nos conhecendo melhor, adquirindo confiança e até fazendo amizade. Por sinal é um dos filhos de Zé Amâncio, já nosso velho conhecido de outras datas.

Cristais completos corroídos de berilo-ouro, um deles iridescente, procedente do Alto dos Amâncios, Município de Equador, Rio Grande do Norte. Coleção Ferreira & Tavares

Com o tempo desenvolvemos uma relação de confiança e passamos a lhe comprar toda a produção do extraordinário bolsão do Alto dos Amâncios, aquela mesma lavra nossa conhecida desde os idos de 1983! Foi esse o segundo fogão. Também produtor de heliodoro e principalmente de berilo-ouro, de colombotantalita e de quartzo, todos exibindo cristais iridescentes. Durante quase três anos mantivemos contato com Aderval, a cada quinze dias, recebendo dele toda a produção de minerais que exibiam o fenômeno. Por conta dessa nova amizade, tivemos a oportunidade de visitar novamente o jazimento. Imediatamente, reconhecemos a ocorrência, localizada em baixo, no vale. Já muito depredada pela lavra ambiciosa, conduzida de modo predatório, não só pela falta de condições econômicas,

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como até pelo desconhecimento de métodos corretos de lavra garimpeira tecnicamente planejada. Não há como proceder as desobstruções, retirar rejeitos para locais apropriados ou escavar galerias mais amplas, quando estes trabalhos são executados por Garimpeiros, os quais já trabalham no limite que as suas condições econômico-financeiras geralmente o permitem. Para dar uma idéia do valor das peças, a venda de dois cristais extras de berilo-ouro iridescentes pesando 137g e 73g além de um extraordinário cristal de quartzo fumê, com todas as faces iridescentes, completo e sem jaças, pesando 84g, os quais ele guardava para uma emergência, renderam a Aderval o suficiente para a compra de um carrinho Fiat usado e uma moto para seu filho, que com ele já trabalha no garimpo, quando das folgas da Escola. Amostra com cristais de quartzo intercruzados, completos, totalmente cobertos por uma película iridescente, nunca vista em qualquer outra região, com essa intensidade e beleza. É procedente do Alto dos Amâncios, onde foi encontrado juntamente com cristais de berilo-ouro iridescentes, igualmente raros. Coleção Ferreira & Tavares.

O bolsão foi totalmente retirado, resta dele a lembrança e os frutos que o mesmo rendeu. O trabalho rotineiro para a lavra de feldspato e berilo continua. Existe somente a esperança de um novo bambúrrio, com outros minerais raros, outros “ore shoots” e se tudo foi bem projetado pela natureza, novamente o fausto e a prosperidade. Ultimamente, têm surgido cristais, alguns de heliodoro, sem maiores atrativos e até um belíssimo cristal de água-marinha, submetido ao mesmo processo de corrosão, por ações hidrotermais, com 11cm de altura e 3,5cm de diâmetro. Talvez seja a evidência de um novo “fogão”, trazendo novas esperanças para Aderval ou “Neguinho” como é conhecido naquela região.

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UM “FOGÃO” DE FLUORITA

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mais intensa sensação de prazer e de deslumbramento que acomete quem trabalha em mineração, especialmente quando a tarefa é executada de uma forma rústica e artesanal como na garimpagem, é a descoberta, seguida do desmonte cuidadoso e completo de um “fogão”, como que saboreando o próprio ato! Se este “fogão” contiver gemas com raros e belos cristais bem formados, isolados ou em drusas, somente encontrados nestes “bolsões”, a satisfação, então, se torna indescritível. Nenhuma outra beleza que a Natureza possa nos oferecer, até mesmo tendo sido descoberta em recônditos inimagináveis – nas profundezas oceânicas, onde até fósseis vivos como os Coelacantos, que até hoje persistem em sobreviver; em picos dos mais altos montes, refúgio de condores e de águias que ainda lá fazem seus ninhos; nas areias escaldantes de desertos aparentemente imprestáveis devido à extrema aridez e mesmo assim habitadas! Os Tuaregs há milênios, conseguem nelas sobreviver! Na escuridão de extensas cavernas que abrigam com proteção uma flora e uma fauna exóticas, perfeitamente adaptáveis àquelas condições extremas de sobrevivência; na gélida monotonia das intermináveis geleiras, mesmo assim habitadas por Esquimós que se aquecem em Iglus, habitações construídas com o próprio gelo!. No processo criativo, que, da fecundação ao desabrochar de uma flor, termina por criar o fruto que germinará uma nova planta, naquela tarefa constante de preservar as espécies; no próprio desenvolvimento de um feto, que cresce protegido no interior de um útero, única forma de perpetuar a vida animal; tudo isto é maravilhoso, mas nada, nada mesmo se compara, aos olhos de um Minerador apaixonado, ao “destapamento” de um “bolsão” recém descoberto! O surgimento de uma beleza gerada há alguns milhões ou até bilhões de anos e mesmo assim preservada com todo o seu esplendor, no interior de uma rocha bruta, que pouco se preocupa, na sua trajetória ascensional até à superfície da crosta de explicitá-la aos olhos curiosos de quaisquer exploradores, como que desafiando: “quem for bom ou tiver sorte me descubra!” É uma sensação simplesmente espantosa.

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Mário Leitão, ainda menino e Inácio Bernardino, seu tio, com um lampião, admirando o grande bolsão de fluorita, retirado por eles em 1946. Nanquim do Autor.

Mário Leitão, que ainda hoje vive da comercialização de minérios, era ainda menino, com pouco mais de doze anos, quando foi com seu tio, Inácio Bernardino, trabalhar na Mina de fluorita do Salgadinho, localizada no antigo Município paraibano de Santa Luzia do Sabugi. Aquela sim era verdadeiramente uma Mina! Um “Manifesto de Lavra”, concedido pela “Produção Mineral”, a Zezé Medeiros, ainda na década de quarenta, mas apesar disso, lavrada por métodos garimpeiros. Naquele período que por lá trabalhou, aprendeu a batear e a telar com habilidade, chegando a concentrar fluorita, um mineral que tem densidade pouco superior a três, apenas um pouco mais alta que a do “material” da jazida. Naquele ano de 1945, logo depois que a II Guerra Mundial acabou e com a volta ao Estado de Direito, pelo fim da “Ditadura Vargas”, surgiu a luz para os produtores de fluorita. O governo empossado proibira a sua importação. Naquela época o maior produtor do país era Salgadinho! “Seu Zezé”, muito religioso e eufórico com as reais perspectivas da mina, construiu uma Capela, que tinha como Santo Padroeiro, São José, nome do santo em quem depositava muita fé e devoção, e ao qual seu pai Quinca Berto homenageou, lhe batizando com aquele mesmo nome! Num certo dia, dois de fevereiro de 1946, dedicado a Nossa Senhora da Luz, João Medeiros, administrador da Mina, filho do dono e também muito religioso, pediu a todos os trabalhadores - garimpeiros que lavravam em regime de parceria - para que aquele dia, considerado por ele como

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“santo”, fosse “guardado”, ninguém trabalhasse. O sertanejo, com toda sua crença e toda sua fé nos santos, não poderia deixar de acatar aquela determinação. E naquele dia, de fato, ninguém trabalhou. Nossa Senhora da Candeia, ou da Luz como chama a maioria, era santa poderosa, haveria de lhes dar em dobro o que deixassem de produzir, por conta do feriado. À tardinha daquela mesma data, impaciente com o paradeiro, sem entender muito o porquê da paralisação, Mário Leitão chamou seu tio, para ir olhar uma estranha mancha que em um ponto da galeria, há dias vinha bulindo com sua cabeça, “tio Inácio, eu desconfio que alguma coisa se esconde por trás daquela coisa!” Foram lá e ele, Mário, bateu com o bico do ponteiro no local, distinguindo um som um tanto “fofo”, abafado. Eram já 5h30 da tarde. “Escute tio Inácio, vou bater de novo!” E com mais força percutiu o local com a ferramenta e com aquele esforço redobrado, arrancou um tampo da pedra! Naquele exato momento, abriu-se um vazio e olhando com certa apreensão, medo até, avistou um grande buraco, fundo e escuro, descomunal e amedrontador. Teve até medo de nele cair, já estava escuro, não conseguiam mais divisar o que continha no seu interior. Olhou assustado e nervoso para o companheiro e disse: “Tio Bernardino, vá buscar uma lanterna pra gente espiar o que tem dentro, eu fico aqui vigiando!” Esperou impaciente que o mesmo voltasse, pegou a “pilha” e focou. Espantou-se com a beleza que vira e alucinado exclamou: “Meu tio, se o Céu que seu João Medeiros fala for bonito como este salão que agora estou vendo aqui dentro, eu juro, tio Inácio, o céu só pode ser bonito demais!” Bernardino também olhou, concordando com ele depois de espiar tamanha maravilha. Chamou-o para um aceiro do barranco, entre a galeria e o buraco e lhe disse: “Vamos deixar prá amanhã de manhã cedo, tá tarde e hoje não se trabaia, prometemo a seu João”. A muito custo dormiram naquela noite, apreensivos e curiosos com tudo que imaginariam encontrar. Sequer pensaram em cristais bonitos, em amostras para colecionadores, nada que naquele tempo não se falava. Só “imaginavam” nas centenas de quilos de pura fluorita transparente “quinem” vidro, que com certeza iriam retirar; sem sequer cavar, telar ou batear, só pura catação manual. Produção prá mais de mês!

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No dia seguinte às 5h00, com o sol começando a raiar no Nascente, já lá estavam no pé do “Fogão”. Levaram uma corda e Mário como era menino, mais ligeiro e mais franzino, entrou na boca da gruta, tendo a corda amarrada à cintura, segurada na extremidade pelo braço firme e forte de Inácio. Em pouco menos de um minuto desceu, pisando em chão firme, em cima de uma pedra grande pontuda escorregadia e de cor verde, grudada no piso do enorme “bolsão”. Naquela ocasião até quis se assombrar com o tamanho e a beleza daquela e de muitas outras que se enfileiravam no interior do fogão. Somente aquela, depois de quebrada e retirada pesou 82 kg! Levaram alguns dias trabalhando no desmonte integral daquela drusa monumental. Produção igual à de alguns meses de trabalho penoso. Segundo afirmação do próprio Mário Leitão, apesar de já passados tantos anos, 56 t de mais pura fluorita! Grande parte em cristais, transparentes verdes, violetas, bicolores, sem que se tenha poupado um só; tudo foi quebrado e amontoado para venda. Para seus objetivos da época não importava que saíssem cristais completos, bem formados, policoloridos e transparentes! O pagamento do minério era feito pelo peso, pouco interessando que cristais fossem quebrados ou não! De todo aquele imenso tesouro, moldado com paciência e tempo pela Natureza, quase nada restou, tudo destruído por puro desconhecimento, até mesmo de João Medeiros! A não ser uma amostra muito bonita, com cerca de quinze quilos, presenteada por Inácio Bernardino, ao dono da Mina, que por ser católico fervoroso, mandou colocá-la em um pequeno oratório de madeira, mandado construir especialmente para aquela finalidade, por trás do altar da Capela de São José, lá permanecendo quase 40 anos! É interessante notar, como os caminhos muitas vezes se cruzam, eu participei como um dos coadjuvantes diretos do Epílogo desta história. Conheci a Mina de Fluorita quando menino era parente do dono! Fui lá várias vezes, inclusive anos depois, como Geólogo, tendo, posteriormente, feito uma reavaliação das suas reservas, já com a participação de um sobrinho, bisneto de Zezé Medeiros, Zé Mário, o novo requerente da área e de uma filha, Ana Cláudia, Engenheira de Minas, à época recém formada, responsável técnica pela pesquisa.

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Pois bem, naquele ano de 1989 revi a famosa amostra e desejei tê-la em nossa coleção. Mandei oferecer ao padre da paróquia de Santa Luzia, a quem a Capela estava subordinada, uma vaca parida pelo cobiçado troféu. Não carece dizer que a proposta levada por Adamastor, um amigo comum, meu e do padre, foi rejeitada, sequer Padre Luiz considerou! Anos antes, ainda na década de cinqüenta, Valdemar Trindade, um grande colecionador de minerais, residente em Parelhas, propôs comprála oferecendo cinqüenta contos de réis para tê-la entre suas amostras preferidas. Não obteve resposta! Naquela época, Zezé Medeiros, sentiu-se até ofendido com tamanha heresia, “a pedra não é minha, Valdemar, é do Santo”. Algum tempo depois, encontrei “Luquinha”, o novo proprietário da fazenda Salgadinho e por curiosidade, ainda com a esperança de adquirir o cobiçado troféu, perguntei: - “Luquinha, e a amostra de Fluorita da Capela?” - “Roubaram doutor, arrombaram a Capela por trás e levaram a pedra, só restando o oratório! Sequer desconfio de quem foi!” “Luquinha, Luquinha (que Deus o tenha!) o que foi feito mesmo daquela pedra!”

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Caminhão-tôco, carregado de berilos

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O GOLPE DE RAIMUNDO

A A

província pegmatítica do Nordeste que se estende entre o Cariri e o Seridó, e cobre grande parte dos Estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte, vem produzindo berilo e “minériopreto” desde, pelo menos o ano de 1932, muito antes até de iniciarem-se as primeiras rusgas para a deflagração da II Guerra Mundial. Naquela época, já nos anos quarenta, Dr. Corálio Soares havia iniciado sua atividade de Minerador, principalmente na compra de substâncias minerais industriais. Os “Altos” produtores vinham sendo descobertos, em uma sucessão espantosa - Feio, Tanquinhos, Onça, Damião, Urubu, Patrimônio, Salgadinho, Boqueirão de Parelhas, Capoeira, Tibiri, Alagamar, dos Chagas, Mamões, Maracujá, Seridozinho, Marimbondo, Caracará, Redondo, Bela Vista, Cristais, São Sebastião, Salgadinho, Fazenda Velha, Joana, Morcego... E por aí seguindo em uma lista que, entre grandes e pequenos, contavam-se mais de quinhentos. Só no antigo Município de Picuí existiam cadastrados duzentos e dez, até 1945. Corálio Soares gostava do ofício, apesar de não ser um profissional do ramo. Era Advogado e exercia sua profissão regularmente. Conheceu Raimundo Pimenta em Soledade, em uma época que Campina Grande era o maior centro comercial de minérios do Nordeste. Raimundo era homem novo de boa aparência, muito sério, mas ocultava por trás daquela aparente sisudez, um espírito brincalhão. Gostava de trabalhar e já tinha prática de negociar, apesar de nada conhecer daquela atividade, que fugia completamente aos seus padrões de comercialização. Também não conhecia o Seridó. Era um caririzeiro arraigado àquela terra seca mais de um clima ameno, frio até, em determinados meses do ano. Garimpara em Seridozinho em 1936, lavrando cassiterita, iniciando o seu trabalho de “cata”.

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Caminhão-tôco, carregado de berilos, nas estradas poeirentas do Seridó, nas décadas de quarenta e cinqüenta, com destino a Campina Grande. Nanquim do Autor.

Em 1948 foi trabalhar com Dr. Corálio, exatamente naquela região para ele desconhecida, em uma atividade quase totalmente nova. Em pouco tempo já era, juntamente com Zé Joaquim, um dos seus compradores oficiais, de mercadorias como: micas, ambligonita, cassiterita, columbita e principalmente, berilo, “minério que os americanos mais apreciavam”. Compravam os lotes em diversos pontos - era muito extensa a área produtora - uma tonelada em Picuí, um lote maior em Carnaúba dos Dantas, outro em Acari, alguns quilos em Parelhas e dessa maneira conseguiam formar as “partidas de minério”, que eram organizadas em cargas. Completava um caminhão, geralmente l0t a 12t e despachavam para Campina. Os caminhões tinham pequena capacidade de carga, não operavam ainda na região, os chamados “trucados”. As próprias estradas, estreitas cheias de curvas e mal conservadas, não ofereciam condições para extravagância. O jeito era utilizar o “Tôco”. Estabelecida a rotina, já conseguira até um bom conhecimento dos minérios que comprava, sem que permanecessem dúvidas - “berilos secos”, sextavados, esverdeados ou levemente azulados; alguns rolados, sujos e amarelados pelo intemperismo; um “peso” que não permitia, por exemplo, confundi-lo com “cristal verde”, igual àquele que existia em Seridozinho, ou com barita, este bem mais “pesado”. Tudo na sua cabeça perfeitamente equacionado, dentro dos parâmetros que já aprendera a utilizar. Não havia

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erro! Prosseguiu naquela rotina, até que, numa certa ocasião, na qual teve de por à prova sua experiência apareceu-lhe um Garimpeiro, conhecido por Melado, com aparência, de muito esperto - já aprendera também, a distinguir os vendedores, aquele era inconfundível - trazia um pequeno lote proveniente do Alto da Pedra, localizado em Jardim do Seridó, pouco mais de cem quilos, de um minério diferente, procurando de toda forma passá-lo por berilo de boa qualidade, quando ele, Raimundo, suspeitava que não era! As peças até que eram bonitas, mas, bastante diferentes das que compunham as partidas que estava acostumado a comprar. O vendedor jurava ser berilo. Ele, cá, pra nos, tinha lá suas dúvidas! “Sei não, essa beleza toda pode ser enganação”. A mercadoria já havia sido rejeitada por outros compradores; inclusive por Zé Marcelino o mais forte comprador daquele compartimento da Borborema, isso ele sabia! De qualquer forma elaborou seu plano, como quem estava a dizer: “vou arriscar. Vou tentar dar um golpe nesse trouxa “posudo” e ganhar alguns trocados extras”. Comprou a mercadoria por um preço baixo, bem inferior ao que normalmente pagava pelo quilo do que considerava puro berilo. Na verdade, nem ele, nem “Melado” conheciam aquele tipo de minério. A cor azul um tanto carregada, quase celeste, aqueles olhos enormes de um material “espelhando feito vidro”, distribuídos em lascas, deixavam dúvidas em ambos, comprador e vendedor. Depois da transação, sozinho no quarto da pensão onde normalmente se hospedava, pensou: “Será que é mesmo berilo? Esse tipo de minério novo vai passar na inspeção do Doutor?”

Simulação de um saco de berilos, mostrando a cristalização, tal qual foi observada por Raimundo Pimenta, quando iniciava suas atividades como comprador de minérios no Seridó.

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De qualquer forma já comprara. Por segurança e na dúvida, mandou colocar o lote na parte mais baixa, distribuído no fundo dos sacos, quando do carregamento do caminhão, escondendo assim, o fruto daquela traquinagem. Depois de alguns dias de espera e de dúvida cruel, sem que tivesse ocorrido qualquer tipo de reclamação, tranqüilizou-se. A mercadoria passara sem que ninguém notasse, mesmo porque poderia realmente ser berilo! Dessa forma adquiriu muitos lotes a Melado, em uma cumplicidade, onde um vendia todo o seu produto garantindo a feira e o outro ganhava com o preço reduzido. Quando anos depois, início da década de sessenta, veio, a saber, já com o conhecimento que tivera, através de Zé Silvestre, das gemas de Tenente Ananias, que aquele produto de sua esperteza, nada mais era do que água-marinha! O “Vidro Azul” era a mais pura pedra preciosa, aí sim teve um acesso de ira, mesmo que retardado, tão grande que passou dias capiongo, completamente desnorteado... Poderia àquela época, ter feito seu pé de meia e até ajudado o esperto Garimpeiro a melhorar de vida. Foi naquele momento de reflexão, de lembranças, que tomou consciência, teve a exata convicção de que muitos e muitos daqueles lotes de pura preciosidade, foram despachados para os Estados Unidos e países desenvolvidos da Europa, a preço de berilo industrial, fazendo a fortuna de muitos importadores e ainda hoje alimentando a vaidade de muitas mulheres, por esse Mundo a fora! Não que água-marinha nunca tivesse sido encontrada no Nordeste, muito menos que o seu desconhecimento fosse total! Já fora encontrada no “Alto São Sebastião”, em Santa Luzia, e em outras localidades, como no antigo Município de Picuí. Mais para o conhecimento da época, era um mineral pequeno, no máximo algumas dezenas de gramas, sempre se apresentando em cristais azuis “sextavados” e totalmente transparentes! Daquela forma em lascas, não! Muitos, dos que operavam no ramo, a maioria, não sabiam sequer que água-marinha, era berilo!

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Essa história, o próprio Raimundo nos contou, em certa ocasião, nas constantes e rotineiras reuniões de “papo”, que mantínhamos em Parelhas, na casa de Hernandes Cordeiro, sempre acompanhados por sucessivas rodadas do gostoso café servido por Dona Isaura. Terá realmente acontecido? Ou foi contada por Raimundo, como uma anedota, ilustrativa para fatos tantas vezes ocorridos, de forma idêntica, nas regiões garimpeiras do Seridó, do Cariri, de Quixeramobim e até de Minas Gerais, quando da descoberta das primeiras “lavras”? O desconhecimento das coisas tem nos levado a cometer asneiras hilárias como esta, provocando o acúmulo de enormes prejuízos. As armadilhas são muitas para quem se aventura a comercializar o que não conhece. Comprando ou vendendo!

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Cristal de espessartita encravado na cleavelandita, Alto Mirador.

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A MINA DA PEDRA BONITA Em 1919, início do século XX, o Nordeste atravessava uma das piores secas já registradas pela sua população sofrida e calejada com a incidência de tantas estiagens. Os mais velhos mantinham na lembrança o terrível flagelo de setenta e sete, quando até couro de “murrinha” serviu de alimento aos menos favorecidos. A fé que tinham no Criador e uma forte resignação religiosa lhes davam o conformismo com a adversidade, justificando, no seu entendimento, aquilo que seria um castigo de Deus que eles haveriam de suportar. O amparo do Governo, muitas vezes vinha, mas quando chegava já era tarde, a seca havia passado! Os mais fracos, principalmente velhos e crianças de famílias menos arremediadas, quase sempre morriam, os adultos, mais fortes, muitas vezes se mudavam, deixando para trás seus sonhos, seus amigos, suas famílias, suas terras, tudo aquilo que já foi cantado e decantado em famosa toada de “Patativa do Assaré” interpretada por Luiz Gonzaga, intitulada “Triste Partida”. O processo das retiradas, a princípio para o Norte, motivado pelas notícias que chegavam da extração da borracha, já havia iniciado e a cidade de São Paulo começava a despertar o interesse de muitos nordestinos, pela intensa prosperidade e em função disso pela esperança de emprego fácil, relatados em cartas por aqueles que já haviam emigrado. Foi naquele cenário que alguns queimadores de xique-xique, moradores no Ermo, um pequeno lugarejo formado por um aglomerado residencial habitado por fazendeiros, criadores de gado e plantadores de algodão, pertencente ao Município norte-rio-grandense de Carnaúba dos Dantas, depararam-se com aquelas que anos depois, ficaram conhecidas como “Pedras Bonitas”. Os homens, uns quatro ou cinco, à serviço do Cel. José Basílio Dantas (Zé Azevedo), encontraram, nas trilhas do gado, pequenas pedras alaranjadas, talhadas pela natureza, destacadas das demais pela beleza, pelo “vidro” que apresentavam, com formas diferentes e bem características, sem

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semelhanças aparentes com qualquer outra coisa que eles já haviam visto. O aparecimento constante daqueles verdadeiros talismãs de brilho ofuscante, sempre em cores que variavam entre laranja e vermelho alaranjado fez com que os mais curiosos e mais ativos, as procurassem também nos leitos secos dos riachos que desciam da serra do Mirador. Em poucos dias, já com uma quantidade razoável de “pedras”, aqueles improvisados Garimpeiros entregaram um primeiro lote a “Zé Azevedo”, narrando-lhe como haviam encontrado aquilo que talvez fosse um tesouro assim como indicaram o exato local do jazimento. Alguns anos antes, em 1900, último do século XIX havia sido descoberta no serrote do Trigueiro, a ocorrência de cobre de Pedra Branca, pelo engenheiro da “Great Western”, Dr. Joseph Gomes Neto. A nova localidade mineira, nos limites do distrito de Nova Palmeira, Município de Picuí na Paraíba com o Município de Parelhas no Rio Grande do Norte, naquele período entre 1918 e 1920, estava sendo pesquisada pelos Mineradores Manoel Francisco Monteiro e Joaquim Lustosa, este último um Engenheiro, qualificação profissional ainda difícil de ser encontrada na região. Em 1920, ao receber de Monteiro as primeiras amostras do minério para análise, o diretor do DFPM, Departamento com sede no Rio de Janeiro, mandou à região o renomado Engenheiro Dr. Euzébio de Oliveira, para um primeiro contato. Logo depois, em 1922, a jazida foi visitada pelo Geólogo Luciano Jacques de Moraes, sem que nenhum deles conseguisse demonstrar evidências de interesse econômico pela ocorrência. “Zé Azevedo” tinha conhecimento da presença daquele Sr. Monteiro na região. Montado no seu burro de sela, com fama de estradeiro, galopou até a vila de Nova Palmeira onde foi procurá-lo, levando consigo o lote de pedras laranjas. Encantado com o minério, Monteiro fez, juntamente com o fazendeiro, várias visitas ao local conhecido como Mirador, de lá trazendo, a cada visita, pequenos sacos cheios de pedras, catadas por ele e pelos trabalhadores que haviam feito a descoberta. Remunerava-os sempre, com o que considerava justo. Aquelas minúsculas preciosidades foram logo identificadas como granadas. O resultado daquele primeiro contato ficou, definitivamente,

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esquecido no tempo. O filho de “Zé Azevedo”, herdeiro da fazenda, não soube dizer se houve, por parte de Monteiro, qualquer tipo de correspondência a seu pai, a respeito do resultado daquela pesquisa. Afinal que pedras eram? Qual seu valor? As que Monteiro levou foram vendidas? Nada se soube além do que aqui já foi narrado. Da “Pedra Bonita” ficou o nome, ainda hoje conhecido pelos mais velhos e seus descendentes. Vinte e quatro anos depois, já em 1943, o Sr. Severino Gomes, que alguns anos depois seria prefeito de Picuí, residente naquela cidade, em parceria com Manoel Correia e com a autorização do proprietário, José Semeão Dantas, também conhecido por “Zé Azevedo”, apelido herdado do

Cristais com características gemológicas, de espessartita e gahnita, provenientes do Alto Mirador. Coleção Ferreira & Tavares.

seu pai, escavaram pela primeira vez o corpo pegmatítico, de lá retirando bastante granadas, identificadas por alguns como axinitas, por outros como hessonitas. Associadas a estas de côr laranja foram encontradas algumas pedras verdes, bastante duras e tenazes, logo apelidadas de granadas verdes. Muito material foi retirado neste curto espaço de tempo que durou até o ano seguinte. Um novo período de paralisação, de total esquecimento, se estendeu até o ano de 1972, época na qual, o Dr. Luizélio Barreto descobriu que “Zé Marcelino”, seu amigo e sogro do seu irmão, um dos grandes comerciantes de minérios da região, fazendeiro e político - era prefeito de Equador – conduzia no dedo um anel, com belíssima pedra laranja, que dizia ser “axinita”. Luizélio teve a curiosidade de saber a origem daquela

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gema! Apaixonado pelas pedras preciosas da região terminou por entrar em contato com “Zé Azevedo”, que apesar de muito desconfiado, tornouse seu amigo, fazendo com ele um contrato de comodato de 10 anos, para que procedesse uma pesquisa no Mirador. Pelo profundo conhecimento que tinha de Mineralogia, mesmo sendo um Agrônomo, logo descobriu que as granadas laranjas eram espessartitas e as pedrinhas verdes, octaédricas, eram gahnitas. Talvez as únicas de qualidade gema existentes no Brasil e porque não dizer no mundo? Luizélio requereu, ao DNPM, a área do sítio Mirador para pesquisa, iniciando os trabalhos com meia dúzia de Garimpeiros. Alguns poços e trincheiras, um aprofundamento maior da galeria a céu aberto já existente, tendo encontrado alguns bolsões com belíssimas amostras de espessartitas e gahnitas, associadas a cleavelanditas. Descobriu os primeiros euclásios róseos do Brasil e os primeiros cristais de bertranditas. Lançou no mercado americano, onde residia na época, as primeiras gemas lapidadas da “Granada Imperial” do Mirador, sem ter divulgado a sua origem. Uma atitude que julgou inteligente e até necessária para não despertar curiosidades. Não tinha nenhum interesse científico, seu objetivo era mais comercial. Falando novamente de Zé Marcelino, aquele homem muito conhecido por todos que tinham ligação com a mineração na região do Seridó, nós, os primeiros Geólogos do Nordeste, principalmente os ligados à SUDENE e ao DNPM, fazíamos por costume, paradas obrigatórias na sua residência. Era homem hospitaleiro de fina educação, com conhecimento sobre a produção mineral daquela região, sobre Garimpeiros, e sobre locais de jazimentos, fruto da grande experiência que conseguira acumular pelo longo período de atividade na mineração. Afora sua inteligência sábia, gostava realmente de conversar sobre aqueles assuntos que tomaram quase toda a sua vida, existia, evidentemente, a política, sua maior paixão. Nas várias visitas que fiz a Zé Marcelino, muitas vezes acompanhado de Zé Nobre e Júlio Siqueira sempre observei aquele seu anel de pedra laranja do qual não se apartava e como Luizélio, foi através dele, cuja pedra continuava a dizer ser uma axinita, que também me aproximei do Mirador, alguns anos depois de Barreto! Em 1979, fomos eu, Zé Alves, “Bahiano” e Alfredo pessoas que participavam conosco, do recém iniciado projeto de “Cadastramento dos

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Recursos Minerais Gemas do Nordeste”, conversar com o proprietário, residente em Carnaúba dos Dantas, aquele “Zé Azevedo” anteriormente citado. Já idoso, muito forte, daqueles que ainda tinham um respeito quase divino pela palavra dada, nos ouviu com muita atenção e paciência, até entendeu nossas ponderações, mas foi logo dizendo: “O contrato que fiz com o Dr. Luizélio está no fim, mas restam três anos! Infelizmente não posso permitir qualquer tipo de pesquisa”. A grande custa nos acompanhou em uma visita para conhecermos a jazida. Ruínas de um rancho abandonado, restos de minério, ferramentas de trabalho exatamente nos locais deixados pelo seu sócio! Ninguém bulia em nada! Até o carro de mão, emborcado na boca da banqueta principal, lá permanecia como fora deixado! Umas poucas amostras ele ainda permitiu que retirássemos. Aquele primeiro contato realmente nos marcou. A beleza das espessartitas, principalmente expostas nas paredes da galeria, o clima agradável do local, no topo da suave serra do Mirador, dominada por aquela aridez ainda inviolada, o vale profundo moldado nos quartzitos, os umbuzeiros seculares... Tudo aquilo nos impressionou profundamente e naquele momento da minha vida, tive a certeza que um dia, aquele anfiteatro seria por mim administrado, não sabia como! Muitas vezes voltei ao Mirador, sempre acompanhado de Alfredo, escondido de “Zé Azevedo”, isso eu confesso! Aquele velho turrão não conseguira vencer a minha resistência, a minha obstinada atração. Lembro ainda de como encorajei “Zé Galego” Garimpeiro novo e Luiz Cruz seu pai para que fizessem garimpagem no Mirador, aproveitando os finais de semana, porque nos dias úteis, estavam por lá trabalhando, Zé Lourenço, um filho do velho, Antonio Boca Rica e Melado. Em uma época, já depois da morte de seu pai “Zé Azevedo”, pois, quando ainda vivo, continuara respeitando o contrato com o seu amigo Luizélio. A caduquice era tanta que hai de quem tentasse mexer no garimpo! Mensalmente eu costumava ir, acompanhado do meu filho Zé Ferreira, ainda menino, a Carnaúba, comprar a Zé Galego o produto do seu trabalho árduo e

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honesto, mas, mesmo assim, feito às escondidas de modo clandestino, com medo de ser flagrado pelo filho de “Zé Azevedo”. José Lourenço, também conhecido por “Zé Azevedo”, o terceiro daquele ramo familiar, o mais carrancudo e valentão deles, que sabedor das traquinagens da dupla, falava sempre em um dia agarrá-los com a mão na botija! E nesse dia sabe Deus o que poderia acontecer! Santa ignorância que assegura a uns a convicção de um erro, o qual na verdade não é tão grande como a sua certeza de culpa, pelo menos tanto quanto imaginam que seja e a outros a firme persuasão íntima de um direito que também não é tão de direito! Afinal o subsolo pertence à nação e é administrado pelo governo através do DNPM a quem cabe conceder permissão ao primeiro que solicita. O fruto da garimpagem, legalmente estabelecida, produto do trabalho do Pequeno Minerador, a ele pertence! Devendo ao proprietário do solo um percentual geralmente negociado, de no máximo 10%. A área de “Pedra Bonita” havia sido requerida, mas a pesquisa não fora executada e muito menos redigido o Relatório Final, mesmo tendo sido ultrapassado de muito, o prazo legal de três anos, tempo previsto no Código de Mineração para que seja oficializada a suspensão de concessões. Neste confuso relacionamento de trabalho, onde quase todos atuam ilegalmente, destaca-se a participação de alguns intermediários, geralmente muito espertos, os quais se julgam muitas vezes, donos dos trechos e vivem da exploração dos humildes Garimpeiros em troca de pequenos favores como financiamentos para o custeio da feira. “Mode quem alimenta menino com bombom!” No momento em que narramos estes fatos, está acontecendo a quarta fase de exploração da jazida, iniciada em 1979 com o trabalho de “Zé Galego”, perdurando até os dias atuais. Com a morte de “Zé Azevedo”, os filhos resolveram vender a propriedade Mirador. Juntamente com alguns companheiros, adquirimos a terra a Antônio Azevedo, também conhecido por “Lebre” e a partir daí iniciamos algumas pesquisas preliminares e o aproveitamento do “tailling”. Todos os rejeitos foram telados e bateados por “Boca Rica”, um conhecido beneficiador de minérios, operando com os métodos mais simples de processamento. Uma quantidade razoável de espessartitas e gahnitas foi concentrada, sem resultados compensadores para os sócios donos da terra.

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Tempos depois tomamos conhecimento de pedras vendidas por “Boca Rica” nosso homem de confiança, em feiras como as de Jardim do Seridó, Acari e Parelhas. Para haver uma compreensão razoável da demonstração do otimismo exagerado que procuramos transmitir neste relato, abrimos aqui um parêntese, enumerando algumas propriedades e fatos históricos desta família das granadas, quando a mesma se apresenta como gema. A espessartita quando preciosa é uma gema de grande densidade (4,3), de relativa alta dureza (7,25) tem um índice de refração alto, no limite máximo da escala dos refratômetros (1,810) e em função disto transmite uma excepcional brilhância, propriedade que dá, por exemplo, aos diamantes maior valor, além de estar relacionada entre as mais raras da natureza.

Amostra de espessartita na matriz, procedente do Alto Mirador, localizado no Ermo, entre os Municípios de Carnaúba dos Dantas e Frei Martinho. Coleção Ferreira & Tavares

Foi descoberta por volta de 1800, em Spessart na Bavaria, Alemanha, e logo em seguida em um corpo pegmatítico em Rutherford, Amélia, na Virgínia. Alguns anos depois, em 1903 foi encontrada nas localidades de Little Three e Hércules, em Ramona, San Diego, Califórnia. Possivelmente a descoberta seguinte ocorreu no Brasil, em 1919, exatamente o achado da “Pedra Bonita” do Mirador. Alguns anos se passaram até que em 1991/94, foi encontrada, no noroeste da Namíbia, a mina do rio

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Aspecto do “rancho” no Alto Mirador, quando do desenvolvimento da pesquisa mineral, objetivando quantificar as reservas.

Kunene, com pedras preciosas de cor laranja que na ocasião foram chamadas de hollandine. Produziu durante uns três anos, pedras de boa qualidade, algumas de grande tamanho. Durante o período de declínio da produção da jazida da Namíbia, outra grande descoberta revolucionou o mercado de pedras coradas na Europa e nos Estados Unidos. Desta feita uma famosa jazida no sudoeste da Nigéria, em Ibaden, Estado de Benin. A produção muito grande inundou os mercados internacionais com gemas de excelente qualidade, em grande quantidade, tamanhos colossais e oferta fácil. Com uma cor amarelo laranja predominante, derrubou o preço das espessartitas no mundo inteiro. Estas duas últimas descobertas, pela qualidade e quantidade das pedras, colocaram a granada imperial, definitivamente, no mapa das gemas industriais. Apesar de considerada ainda muito rara, a espessartita já tem o seu lugar assegurado no mercado joalheiro internacional dos países mais ricos do mundo.

Gemas finas de espessartita e gahnita do Alto Mirador, única jazida com estes minerais, classificados como gemas, ocorrentes no Brasil. Coleção Ferreira & Tavares.

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Hoje são conhecidas jazidas nos Estados Unidos, principalmente as já citadas nos Estados de Virgínia e Califórnia; no Sri-Lanka, em Pelmadolla, Ratnapura; em Birma; na Ilha de Madagascar, em Bekily e Aujanabonoina; na Austrália, em Broken Hill; no Kênia, na Tanzânia, na Namíbia, na Nigéria e no Brasil. Apesar das semelhanças e de constituirem uma mesma família de granadas, lotes de gemas procedentes de cada uma destas diversas fontes, exibem multi-colorações em harmonia cromática, com perfeita concordância de cores nos graus de luminosidade e saturação, que as distinguem uma das outras. Talvez nestes dois últimos países citados, Nigéria e Brasil, estejam concentrados os maiores potenciais e as mais puras espessartitas, como as do Mirador que têm até 4,41% de MnO, representada pela fórmula: Sps 89,3Alm 6,7-3,0 Pir 3,3-2,0. 94,0 Acompanhávamos sempre, junto ao DNPM, a situação de titularidade daquela área, até que a mesma fora colocada em disponibilidade. Estava ali a oportunidade que há muitos anos esperávamos! Imediatamente requeremos 200 ha, cobrindo a jazida, para dar início ao que seria a primeira pesquisa mineral a ser feita, envolvendo o pegmatito do Mirador - trincheiras, poços, shafts e galerias - além de trabalhos de infra-estrutura, compreendendo recuperação de estradas, desmatamentos e construção de um modesto rancho com paredes de pau a pique para abrigo nosso e dos trabalhadores. Durante aquele ano de 1998, muitas e muitas noites dormimos no alto da serra, esperando o milagre de um bambúrrio. O alvará no 8933, foi emitido em 30/10/1998. Procuramos uma parceria para realizarmos a pesquisa. Acidentalmente, através de um amigo comum, mantivemos um primeiro contato com dois Geólogos americanos Brian Cook e Deen Weber, os quais já mantinham negócios em Currais Novos e com eles celebramos um contrato, no qual, em troca do investimento na pesquisa, caberia-lhes por direito 50% do produto mineral que fosse extraído. Durante todo o ano trabalhamos diariamente na execução da pesquisa. Por sorte, logo nas primeiras semanas, quando da abertura do shaft nº 1, foi encontrado um bolsão de grandes proporções do qual foram retiradas boas amostras e finas gemas de espessartita e gahnita, numa quantidade razoável. Este fato incentivou os quatro sócios a prosseguirem na pesquisa. Os sinais paragenéticos da presença do minério estavam sempre presentes em todas as etapas realizadas. O minério nunca faltou! Como 152


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não foi possível apurar informações técnicas suficientes para um Relatório Final conclusivo depois de expirado os prazos da concessão deixamos a licença caducar e novamente requeremos a área. No momento a pesquisa foi concluída, o relatório final entregue ao DNPM e já aprovado, com as exigências de praxe satisfeitas. Estão sendo providenciadas as ações para a criação de uma Empresa de Mineração, à qual deverá ser concedida a Portaria de Lavra. A sociedade com nossos parceiros e amigos americanos continua firme. A confiança mútua que existe entre as partes tem sido a principal razão para o prosseguimento cada vez mais perseverante dos objetivos almejados. Todos nós confiamos na mina da Pedra Bonita, todos estamos hipnotizados pelo fascínio e pela beleza daquela que hoje já é chamada internacionalmente de “granada imperial”, por conta dos seus matizes laranja, aquela cor que mais que qualquer outra, simboliza as mudanças, a alegria de vida, a individualidade e o espírito de aventura. É ainda a cor símbolo das pessoas extrovertidas. Pela absoluta preferência das classes asiáticas mais abastadas, pessoas pertencentes a castas superiores, pelos tons alaranjados, principalmente utilizados em peças de vestiário, atoalhados e cortinados, ficou ao mesmo tempo conhecida como “granada Mandarim”, uma alusão aos altos funcionários públicos da antiga China, os “Hsien-Chang-Fu”, conselheiros dos reis, por conta dos matizes laranja dos quimonos que usavam.

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UM EIXO DE BRAÚNA

O O

ano de 1953 destacou-se no Sabugi, por muitos eventos marcantes. Encerrava-se um dos piores ciclos de sêcas que atingiram o Nordeste. Podiam-se ver os batalhões de “Caçacos” nas frentes de emergência, enfileirados, empurrando carros de mão, que recebiam as cargas nas saibreiras, escavadas por outros companheiros, com o uso de pás e picaretas, na tarefa contínua de transportar material para a imensa estrada que se descortinava na paisagem árida entre Santa Luzia e Patos. A terraplanagem já estava em fase de acabamento e aquele amontoado de trabalhadores sequer se preocupava com os privilegiados donos de trechos, felizardos apadrinhados por pessoas de influência política e econômica, constantemente atarefados com o serviço árduo de preencher folhas e mais folhas de presença, contendo os nomes dos cadastrados que estavam trabalhando e de centenas de outros fictícios, os quais realmente compunham as suas partes no saque, propiciando o crescimento de uma nova classe enriquecida de modo fraudulento. A ligação desses ratos com políticos corruptos estabelecia uma parceria para desviar os recursos governamentais das “Emergências”. Estava também em curso um dos ciclos da mineração no Nordeste. A mina da Quixaba, a maior jazida de scheelita do Sabugi, vinha produzindo minério desde 1942, ano em que foi descoberta por Raimundo Preá. A produção durante aquele período foi sempre muito grande, 150 t só nos dois primeiros anos. Depois caiu e manteve-se em torno de 30 t anuais, mesmo assim, excelente! Mário Pergentino, da Mina da Quixaba, nos anos cinqüenta, época áurea de produção. Retoque a nanquim, do Autor, sobre uma foto antiga.

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Efraim Brito e Mário Pergentino eram os responsáveis pela produção, funcionamento e comercialização do minério. Um por ser genro e outro por ser filho de “Seu Chico da Quixaba”, concessionário da Mina. Aquele grupo familiar chegou a ganhar muito dinheiro, ficou rico para os padrões nordestinos daquela época. Mário, ou “Marão” como era chamado, por ser mais jovem, mais comunicativo, mais gastador e ter muito carisma, tornou-se um ídolo na região, um mito até. Seus gestos, suas atitudes, seu comportamento, seus passeios turísticos e até sua maneira de andar, eram imitados por um grande número de admiradores e bajuladores. Nas mesas dos bares, nos salões de samba, pavimentados com piso de barro batido, nas festas da Padroeira, as despesas era ele quem pagava. “Saluto ou viño verde!”. Era sua saudação na entrada, “salud por tudo ou salud pela metad?”, perguntava e todos respondiam: “salud por tudo!” Era o tintim prá virar a doze. No final acontecia o que já todos esperavam, “não receba compadre Temisto, deixe o botequim comigo, nessa noite pago tudo!” Com esse mote, até costumeiros goderas, acordavam dos seus letárgicos sonos de conveniência, para as despedidas finais.

Cristais de scheelita, um deles com formas perfeitas, isolado, e outro, também conformado cristalograficamente, associado a um cristal também completo de granada grossulária, procedente da Mina Quixaba, Município de Várzea. Pertenceu à coleção de Mário Ferreira, hoje na Coleção Ferreira & Tavares.

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Contam, que num daqueles dias de forrobodó, no terreiro de Ermínio, localizado na Pitombeira, Mário, já de porre se exalta, levanta-se, bate com força na mesa e solta um palavrão -“Pooomba!” Ermínio escuta e fica amuado. Não gostara do desrespeito do compadre e amigo, afinal de contas era sua casa, onde criava seus filhos. Volta-se para a mulher e diz: “Chica, tira nega Bela do Samba, Seu Maro tá chamando Pomba!”. Bela era a mais bonita, fogosa e faceira mulata da festa, sem ela acabou-se a graça! A rapaziada entristecida com o sumiço da nêga corre para contar a Mário o sucedido. “Ermínio, o que foi isso home! A pomba que eu chamei, foi aquela de voar!” “Ah, bom! Seu Maro num fala? Chica! Chama Bela pro Samba, a Pomba qui seu Maro chamou num foi aquela qui nós pensamo, foi a Pomba de voar!” Tudo isso, dito no mesmo tom em que o outro chamou o desconchavo. Bela retorna ao terreiro, com todo a sua denquice e sua ginga, mais fogosa e mais faceira, quiném uma potranca no cio e a festa prosseguiu madrugada à dentro até romper o dia. Decorriam assim as fases festivas e folclóricas daquela época do Ciclo da Mineração no Sabugi, durante o apogeu da produção de tungstênio. Semana de trabalho duro na mina e nos garimpos; venda do minério produzido na semana, nas sextas à noite, com direito a pagamento “cash” em dinheiro, feito no sábado em Santa Luzia; bebedeira e arrasta-pé nos terreiros, das noites dos sábados até as manhãs dos domingos. Em terra “festeira, só o que não podia faltar era samba!” Foi naquele ambiente de trabalho, dinheiro e festa, no final do ano de 1954 que a mina da Quixaba foi vendida à BRASIMET, multinacional que já operava no Brasil, na lavra de garnierita em Niquelândia. Na época falavam em vinte milhões de cruzeiros, ou, como ainda de uso, em moeda velha, vinte mil contos de réis! Dinheiro demais para uma região de poucos recursos. A nova equipe de técnicos que assumiu os trabalhos de lavra era chefiada por “Mister Lang” e tinha, como Engenheiro Mecânico, “Dr. Cut”, que de início providenciou a montagem dos equipamentos de um engenho moderno de beneficiamento, composto por uma secção de cominuição (britagem e moagem) e outra de concentração com jigues e mesas.

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Como auxiliar direto de “Cut”, foi contratado um competente Artífice da região, muito inteligente e engenhoso, conhecido por “Toinho Mecânico”. Não existia energia elétrica na zona rural. Até nas cidades era precária. Luz de “motor”, só disponível das 18:00 h às 21:00 h. Com o grito de “soltaram a onça!” Todos corriam para se deitar. Para acionar aquele complexo sistema de tratamento de minério e mais os compressores e martelos usados na lavra, além da iluminação elétrica das residências e do escritório, foi instalado um grupo gerador com motor elétrico de grande potência. Pela insuficiência de força, comprovada nos primeiros dias de funcionamento do conjunto, a BRASIMET, comprou da BREJUÍ, em dezembro de 1954, outro motor elétrico de 1200 HP, para reforçar o sistema que assim passaria a funcionar normalmente. Teoricamente o problema estaria resolvido, mas na prática, a realidade foi outra! Acontecia que as partidas, com muitas máquinas ligadas ao sistema, eram muito violentas e sucedia de partirem-se, constantemente, eixos do motor complementar que acionava os geradores, por não suportarem as torques violentas das partidas. Danaram-se a quebrar eixos! Mandavam buscar novos eixos, fabricados com aço especial, vindo da Alemanha. “Só servir eixa fabricada com tecnologia alemanha!”, dizia “Cut”. Mas, o problema continuava. No espaço de menos de um ano, seis eixos partiram-se, causando prejuízos, não só pelo preço do aço importado, como, principalmente, pelo tempo de paralisação parcial do engenho, cada vez que o sistema pifava, já que somente o motor primário permanecia funcionando. Antônio Quintino era um técnico em mineração, autodidata, muito competente nos trabalhos subterrâneos e tinha a função de comandar as equipes de lavra e a de serviço. Trabalhavam com ele, como seus auxiliares mais diretos, Mário Leitão, um seu sobrinho e Antônio Laurindo, na casa de forças, além de “Toinho Mecânico” na oficina de manutenção das máquinas. O problema das constantes quebras de eixos do motor foi muitas vezes, discutido por “Dr. Cut”, com aquele grupo de auxiliares. “O que nós vai fazer?” perguntava Cut. As respostas a esta pergunta eram sempre evasivas e duvidosas, ninguém se arriscava a dar uma sugestão com a firmeza necessária para merecer a credibilidade da equipe. Até que em certa ocasião, Toinho 157


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que já vinha matutando o problema, se atreveu e disse: “Dr. Cut, dê-me uma caminhonete que ainda hoje eu vou com Mário Leitão buscar essa peça. Não vai custar nada para a firma além das despesas da viagem”. “Você só pode estar louca rapaz! Onde ir trazer essa eixa tão bão e precisa a uma custa muito baixa!” Respondeu Cut. “Na serra do Tronco Dr. Cut, nas terras de Bossuet Wanderley, entre Patos e Serra Negra, lá eu consigo a dita peça”. Pela sua competência já comprovada, sua seriedade no serviço, Antônio Quintino achou que podiam confiar nele, já desconfiava do que seria, mas calou-se e convenceu “Cut” a autorizar a solicitação, para aquele técnico alemão, muito estranha, de Toinho. Partiram da Quixaba depois do café e foram almoçar na fazenda Flores, na companhia dos Wanderley. Lá contaram sua história – aquela da quebra do eixo do motor - pediram e receberam do fazendeiro, autorização para cortar uma braúna, no pé da serra do Tronco, para dela retirarem uma vergonta com 1,50m de comprimento, por 0,30m de diâmetro, linheira, madura, sem rachaduras e sem nós e com miolo vermelho. Conseguiram o barrote e no retorno da mata, cansados pela execução da tarefa, repousaram um pouco na Fazenda, agradeceram e retornaram com pressa à Quixaba, chegando tarde da noite do mesmo dia. “Pronto Dr. Cut, taqui a peça!” Disse Toinho mostrando-lhe a vergonta de braúna. “Não, ser brincadeira!... Nada eu tenha a dizer, resolva problema! Essa aventura rapaz pode custar sua emprega!”. Disse isso e saiu bufando, sem se conter de tanta raiva. Então, quando se lembrava daquele tronco bruto de madeira, só tinha mesmo era vontade de esbravejar. Toinho apenas ria com a cena quixotesca do chefe. Tinha consciência do que iria fazer! Já tinha visto aquele tipo de eixo funcionando em manjaras de moendas de cana-de-açúcar, nos engenhos movidos à tração animal, em fazendas do sertão. Na carpintaria mandou desbastar o tronco, até ficar com um diâmetro com pouco mais de quatro polegadas e um comprimento de 1,20m. A seguir colocou aquela peça, de puro miolo de braúna, em uma calha com as laterais fechadas, feita de chapas de ferro, imersa totalmente em óleo lubrificante. 158


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Utilizando uma forja, pós a peça a cozinhar em “Banho Maria” por 24 horas ininterruptas. Naquela tarefa penosa de atiçar a forja, utilizou o trabalho de três homens, revezando-se de tal forma, a permitir que o fogo permanecesse sempre aceso e atiçado. Mário Leitão, Antônio Laurindo e Severino Estevam, executaram a tarefa. O óleo à medida que evaporava, era completado para que a peça permanecesse sempre, totalmente imersa. Concluído o cozimento, a vergonta de braúna foi retirada do óleo e posta para esfriar. O acabamento final de torneamento do eixo foi executado por um exímio Carpinteiro, chamado “Zé Guilherme”, com todos os detalhes e medidas exatas da transmissão original, feita do famoso aço alemão. A peça foi colocada no motor, na presença de “Dr. Cut”, de “Mister Lang” e de Antônio Quintino, àquela altura todos curiosos e temerosos com um inesperado desfecho. Concluídos os ajustes, o motor foi ligado com a ajuda de uma manivela e o funcionamento perfeito. Um verdadeiro sucesso. O miolo de braúna, como se sabe é muito forte, depois do cozinhamento ficou com a resistência de uma fibra sintética, disse Mário Leitão, o contador dessa história. Além do que a madeira suportava, sem problemas, a torção imposta pelas sucessivas partidas do motor, devido à sua elasticidade, coisa que a rigidez das peças de aço alemão não tinham! Motivo das constantes quebras. Durante todo o restante do tempo que o grupo BRASIMET trabalhou em Quixaba, aproximadamente cinco anos, a transmissão de braúna agüentou firme, zombando, na sua simplicidade, na sua rusticidade, no seu primitivismo, do moderno e famoso aço alemão, infelizmente não adequadamente dimensionado para aquele tipo de ação. Em 1962 fiz o meu trabalho de graduação, do curso de Geologia da Universidade Federal de Pernambuco, naquela jazida. Os equipamentos já estavam sendo vendidas, as casas totalmente desabitadas e já dando mostras de seu abandono. O tempo não poupa, não respeita desleixo! Permanecia lá um vigilante, Manoelsinho Hermógenes, recém casado espiando o que restou daquilo que fora uma opulência – de produção, de trabalho, de riqueza, de festas, e até de tragédias, curriqueiros em grandes minas.

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ZEZINHO E A PIRITA

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exploração de gemas no Seridó e de uma forma mais abrangente no Nordeste, somente se firmou nos anos sessenta do século passado, depois que foram descobertas as jazidas de água-marinha em Tenente Ananias, Lajes Pintada e Canoas, no Rio Grande do Norte, de opala em Pedro II no Piauí; de rubelita em Quixeramobim, no Ceará. Durante um período relativamente grande, que se estendeu até os anos oitenta, a exploração e comercialização dessa Pedra Preciosa predominaram nessas regiões citadas. No mercado de gemas, só existia como certo, o comércio daquele berilo azul transparente, tido até como a Pedra Preciosa, símbolo do Brasil. Até presente de uma belíssima jóia com essa pedra foi ofertado por Assis Chateaubriand à Rainha da Inglaterra, quando embaixador naquele país, fazendo um tremendo sucesso. A água-marinha era, realmente, a pedra nacional! Nenhuma outra conseguia sobressair-se à sua beleza, popularidade e até abundância, especialmente as de cor azul intenso deslumbrante. No cenário econômico do setor no Nordeste, sequer se comentava! Só se vendia ou comprava água-marinha, sendo que as pedras mais procuradas eram aquelas produzidas em Tenente Ananias. Mesmo as rubelitas da lavra do Zequinha, no Ceará, de uma cor rara, vermelho sangue-de-pombo, ou as opalas do Piauí, concorrentes das australianas, não tiveram influência marcante no mercado regional. Só depois, com a descoberta das turmalinas azuis em São José da Batalha, que ficaram conhecidas como “Paraíbas” é que houve realmente, uma mudança brusca no foco comercial de gemas nordestinas, com influência marcante em todo o Brasil. As populares águas marinhas de Zé Silvestre e Calixto foram ofuscadas, bruscamente, pelas “Azuis Paraíba” de Heitor Barbosa. Por conta daquela descoberta de repercussão internacional, muitas outras turmalinas de cores diversas, passaram a ter valor como gemas, no Nordeste. Antes

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ignoradas, valorizaram-se de tal forma que na região só se vendia e comprava turmalinas.

Água-marinha corroída por dissolução, procedente de um bolsão, retirado por “Pedroca” aparentando a figura de um Buda, na imaginação dos garimpeiros. Alto da Favela, Município de Equador, RN. Coleção Ferreira & Tavares.

Os famosos lotes daquelas gemas de uma cor azul celeste com matizes invariáveis, de Calixto, de João e Zé Silvestre; as amostras raríssimas de fogões como os de Edílson, encontrado próximo ao Junco, com cristais biterminados, mostrando no topo transparência límpida e na base inclusões raras do tipo “algodão doce”; ou aquele de “Pedroca”, descoberto no Alto da Favela, em Equador, com peças até “batizadas” pela raridade curiosa das formas - Igreja, Capelinha, Buda, Castelo – ou raríssimos cristais como aquele de “Pacífico”, encontrado no Município de Parelhas, limpo, boa cor, terminação em cunha e tamanho considerável e ainda muitos outros retirados de pegmatitos conhecidos na literatura geológica regional, como Mamões em Equador, Canoas em Acari, nada disso, mais nada mesmo daquilo que foi uma opulência, resistiu ao choque provocado pelas “Paraibas” de Salgadinho! Foi tão forte na região o impacto e o sucesso alcançados, com reflexos extremamente positivos em todo o “Brasil das Gemas” e até em países de tradição como Alemanha, Japão e Estados Unidos, que o mundo todo, afinal, reconheceu o inusitado da beleza e o valor das turmalinas, como pedras preciosas de primeira grandeza, atingindo os patamares hierárquicos de diamantes, esmeraldas, rubis e safiras, quando do confronto direto com as azuis de São José da Batalha, as famosas “Paraíbas”.

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Mário Leitão, Heitor Barbosa e outros parceiros, negociando um lote de turmalinas elbaíticas “Paraiba”, no ano de 1990, procedente de São José da Batalha. Foto cedida por Mário Leitão.

O impacto positivo na região foi de tal forma, que em pouco tempo, entre 1981, ano da descoberta e 1997/98, época da estabilização, que uma série de descobertas ou reativações de “Altos” produtores de turmalinas teve sequência: azuis e verdes de Zé Jusino, em Equador; verdes e azuis de Quixaba, em Frei Martinho; verdes, azuis e bicolores de Serra Branca, em Pedra Lavrada; bicolores, azuis e verdes de Boqueirão e Boqueiraozinho em Parelhas; róseas do Alto São Miguel, em Junco; multicoloridas dessaturadas de Manuel Félix, em Parelhas..., e sucedeu de passar um longo tempo, sem que sequer se ouvisse falar em água-marinha! Naquele clima de opulência, de dinheiro fácil, sobressaiu-se uma classe muito forte, dividida em tipos de castas, formadas pelos novos compradores, os quais de forma espontânea estabeleceram uma sistemática de comercialização, na qual, um grupo grande de Capangueiros marcava presença na Vila da Batalha, na expectativa de adquirirem lotes de pedras que escapavam da fiscalização. Como que esperando as sobras, feito hienas em carniça de leões! Às vezes eram lotes de bom tamanho, com pedras até de qualidade superior; outro grupo formado pelos Pedristas que faziam a ponte entre o garimpo e cidades como Junco, Santa Luzia, Juazeirinho, Equador e Parelhas e por último a casta de Compradores, formada pelos comerciantes-capitalistas, geralmente estabelecidos em Governador Valadares, Teófilo Othoni, Belo Horizonte ou São Paulo, os quais demarcaram as rotas finais para o mercado internacional das “Paraíbas”. Estes, quando visitavam o garimpo iam a convite dos “Donos”. As compras eram diretas, sem a presença dos atravessadores intermediários, aos quais, na moita, também compravam. Neste tipo de comércio, onde até os classificados como Donos, são astutos e matreiros, na realidade não

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há nenhum respeito às regras, leva quem melhor oferta, aproveitando as oportunidades. Estrangeiros também eram e ainda são vistos no trecho, em disputa livre, onde sempre quem manda é o dinheiro. Naquela época de sucesso e euforia máximos, entre 1987 e 1998, o Deputado Levy Olinto interessou-se pelas turmalinas “Paraíba” e aportou com sua tropa de choque em São José da Batalha. Muito respeitado pela fama de brabo que já trazia de Pombal, terminou por adquirir um trecho na Serra, a princípio acompanhando os passos de Zé Silvestre e de Heitor, únicos concessionários de áreas, um por ter feito um requerimento de pesquisa, outro por ter conseguido no DNPM uma PLG para sua Cooperativa. Este era Heitor que viria a se tornar o maior produtor daquela pedra azul a qual revolucionou o mundo das Pedras Preciosas. Mas Levy conseguiu contar sua própria história, começando por conseguir em Brasília, uma concessão. Como é natural em todo garimpo rico do mundo - Carnaíba na Bahia, Santa Terezinha em Goiás, grota rica em Serra Pelada, Ratnapura na Índia, El Chivor na Colômbia... - os compradores e aventureiros chegam sempre à procura de riqueza fácil, muitas vezes arriscando a própria vida, pois, o que não falta neste tipo de ambiente é briga, disputa, golpe e esperteza. Confiança, lealdade e segurança são atitudes que ninguém espere. Alguns se dão bem! Mas, a maioria vai à falência. Zezinho de Equador é um Pedrista dos melhores e mais competentes! Muito conhecido na região, confiável, bom pagador, excelente conhecedor das Turmalinas da Batalha, um verdadeiro especialista prático, de olho clínico extraordinário. Costumava como ainda faz hoje, só analisar lotes de pedras na luz do sol, pra não confundir as cores, mesmo assim com todos estes predicados, sempre joga utilizando-se das regras estabelecidas. Com ele ninguém pode dar bobeira. Era tido naquela época como rico, para os padrões da região. Bom transporte, boa casa, dinheiro na mala do carro para pagamento “cash”! Nada de cheque nem mercadoria em consignação, estratégia que dá mais confiança aos vendedores. Um tipo calado, pedra dele não se sabe de quem foi, quanto custou, de onde veio! Isso para quem compra é uma segurança. Desfruta de alta confiabilidade tem muito jogo de cintura para escapar da fiscalização dos Concessionários. Começou cedo a negociar “Paraíba”, meados dos anos 80 do século passado - ainda hoje negocia “Batalha”!

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Lote de turmalinas “Paraíba”, multicoloridas, adquirido em São José da Batalha e comercializado por Zezinho no tempo áureo da produção

Certa feita, Zé Filho, garimpeiro muito conhecido na Serra tirou um fogão com cerca de 300 g de pedras boas, no trecho de Levy. Na moita vendeu a um Zezinho. Levy soube através de Heitor e ficou uma fera. Encontrou “Zezinho de Equador” no Junco, no Posto de João Galo. Cercou o carro com dez capangas armados e interpelou o suspeito ameaçando acabar com a vida dele. “Zezinho, você comprou as pedras de Zé Filho?” “Não deputado, não comprei” “mas você retirou no Banco do Brasil em Santa Luzia R$ 200.000,00 hoje!” “É verdade!” Abriu a tampa da mala do carro e mostrou: “taqui o dinheiro! Mas não comprei suas pedras.” Nisso João Galo e Jussier, que sabiam do fato, interferiram na peleja defendendo Zezinho. “Deputado não foi ele quem comprou as pedras foi Zezinho do Tenório!” Levy, mesmo irado aceitou as explicações e Zezinho escapou nas últimas. Apesar disso, foi advertido pelos capangas, que se diziam seus amigos: “Zezinho, não vá mais à Serra, o Deputado ainda está desconfiado pode até te arrebentar de cacete.” Eram assim as relações comerciais na Mina da Batalha. Alguns ganhavam bastante dinheiro, mas, os perigos e as emboscadas eram muitos. Qualquer bobeira tinha possibilidade de ser transformada em tragédia. Certa ocasião, com Levy ainda vivo, Zezinho teve uma palestra com um cigano, conhecido por “Pau Ferro”, homem da confiança do Deputado, mesmo assim, atreveu-se a fazer-lhe uma proposta, insinuando negócio: “Cigano Pau Ferro, quando aparecer uma pedrinha azul me procure, negócio 164


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limpo, dinheiro na hora...” ouviu como resposta: “Amigo, não mexo com coisa que não conheço, e vou lhe dar um conselho: não mexa com coisa que você não conhece que só lhe dá prejuízo, eu mesmo só conheço espingarda velha, revolver de dois tiros e burro manco e só com essas mercadorias negocio”. Passou-se o tempo, alguns anos depois daquela conversa com “Pau Ferro”. Levy já havia morrido, Zezinho atravessava uma fase muito ruim, estava literalmente quebrado, depois de uma seqüência de maus negócios, quando entre 1998/99 apareceu em Equador, um americano com muito dinheiro e disposição para comprar amostras minerais, “coleção” como chama os Garimpeiros, de qualquer tipo que fosse, não tinha preferência – berilo no quartzo, mangano vermelha, granada no epídoto, euclásio - quaisquer que fossem, boas, ruins, tudo tinha seu preço e tudo “Mr. David” comprava o que variava era o preço, de qualquer forma ele pagava bem. Uma verdadeira garapa, um prato cheio para os Capangueiros e Pedristas da região. Não importava que aquele comércio fosse de lavagem de dinheiro do gringo, como alguns insinuavam. Até escritório de compra ele montou na cidade, de sociedade com outro americano. Uma coisa de assombrar e deixar todo mundo doido. Zezinho não entendia do ramo de “Coleção”, não era seu negócio, mas na emergência associou-se a seu rival no mercado de pedras, de nome Jurandir e partiram para Pedra Lavrada para comprar um lote de cristais de quartzo, coisa que a seu ver não tinha futuro. Por sorte chegando lá, compraram também uma belíssima amostra de berilo. Pelo valor pago já se pode até imaginar a qualidade, R$ 5.000,00! Sem direito a rateamento de preço. No mesmo dia em Pedra Lavrada tiveram a notícia de uma botija de ouro, pelo que foi dito, uma só peça, muito grande para aquele metal, de encher “palma de mão”. Havia sido retirada por um velho fazendeiro, lá no Trigueiro onde existe uma jazida muito grande de cobre. Era meio dia, quando resolveram voltar e subir a Serra das Flechas à procura do felizardo dono da botija. Lá chegando deslumbraram-se com a visão da peça e pagaram por ela o que lhes restava, cerca de R$ 15.000,00, pagamento em dinheiro. Às vezes por desconhecimento e ambição a vista cresce! Eles já voltaram fazendo os cálculos de quanto iriam ganhar. Somente ao se

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aproximarem de Pedra Lavrada lembraram-se que tinham de mandar tocar o Ouro, ninguém ali sabia. Foram a Carnaúba dos Dantas, onde muitos Garimpeiros lavram ouro em Princesa Isabel. Lá conseguiram executar a operação do toque, no Laboratório improvisado de Manoel Lázaro. Uma tremenda decepção ao ouvir do prático: “Zezinho, isso é uma Pirita!”. Desesperado voltou, levando consigo seu amigo Neném de Joca, uma vez que Jurandir recusara-se a voltar. Também pudera, a grana tinha sido toda de Zezinho! Já tarde da noite chegou ao destino procurando pelo velho, só encontrando a casa por volta de meia noite. Bateu à porta e esperou que o fazendeiro abrisse. Contou-lhe a história do teste feito, do seu engano, do malogro da operação, elogiando muito a confiança e honestidade do homem, até que por sorte e depois de muita conversa recebeu o que restara do dinheiro. O homem já havia pago umas contas e feito uma feira muito grande com parte da grana, mesmo assim ainda considerou um grande negócio o simples fato de ter conseguido devolver a tal botija, mesmo com a perda de um percentual do seu capital. De volta a Carnaúba dos Dantas, madrugada adentro, confabulou com Neném de Joca o que lhe veio à lembrança, o conselho do Cigano “Pau Ferro”... “Amigo nunca mexa com coisa que não conhece”! O fato ocorrido serviu de lição, Zezinho retornou ao comércio de “turmalinas Paraíbas” do qual nunca mais se afastou, ainda a tempo de recuperar, não só a reputação que tinha de bom negociante, como o dinheiro que investira à toa.

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Acampamento do Quixeré

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A VOLTA OLÍMPICA

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m 1941 estava em curso a II Guerra Mundial, a participação do Brasil, indefinida no conflito, ainda não havia se concretizado, mas, a procura no país, por minerais minérios estratégicos tantalita, scheelita e berilo - se configurava como uma opção de sucesso, para a solução do conflito entre as nações - um dos fatores essenciais dos países aliados contra as forças do Eixo comandadas por Hitler. Os pegmatitos berilo-tantalíferos já estavam em produção quando foi descoberta em terras de José Cunegundes, em Riacho de Fora no ano de 1941, Município de São João do Sabugi, a primeira ocorrência de scheelita da província do Seridó. Aquele primeiro achado, que pouco produziu, foi seqüenciado por outros, como Quixeré, no mesmo Município, acompanhado por uma série de novas descobertas, quase que interminável – Quixaba, em Santa Luzia; Brejuí e Barra Verde, em Currais Novos; Bodó e Cefuca, em Cerro Cora; Papaguaio, Gatos, São Nicolau, em São Mamede... De tal forma que entre 1942 e 1945, atingiu um número superior a 600 jazimentos! A maioria dessas descobertas se deu de uma forma aleatória, sem qualquer tipo de programação, geralmente por pessoas curiosas, por Garimpeiros e até por adolescentes, como foi o caso de Quixeré. Naquele sítio, em agosto de 1942, Marieta filha de João Ursulino e de Dona Francisca, achou umas pedrinhas brancas, pesadas, parecidas com as que descobriram no Riacho de Fora. Curiosa levou-as consigo para mostrar a João Galvão que já tivera contato com scheelita. Depois de examinar as pedras olhou para a menina e disse: “Marieta você achou uma Mina, cadê seu pai?”. Naquela época João “Úrsulo”, como era conhecido, trabalhava na construção de açudes com uma tropa de burros equipada, em companhia de seus filhos mais velhos. Estava longe, no Brejo paraibano, quando, por carta de sua esposa soube da notícia.

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A área foi então requerida ao antigo DFPM, do Ministério da Agricultura, naquele mesmo ano e a concessão publicada no Diário Oficial em 20.12.1942. A mina foi bem desenvolvida, apesar dos métodos precários utilizados, mudando completamente, a situação financeira de toda a família. João “Ùrsulo” contou com o apoio de Dr. Medeiros, Médico e Minerador de Jardim do Seridó, seu sócio nos primeiros anos de atividades produtivas, tendo conduzido, com sucesso, os trabalhos de malocagem nas banquetas, tornando-se um mixto de Tropeiro e Garimpeiro como bem disse em versos um seu amigo Violeiro conhecido por “Barra Mina”: “Meus amigos vou dizer, Vou falar de Garimpeiro, Nessa Mina Quixeré Tem até cabra tropeiro, Quem não é Bateador Trabalho de Maloqueiro.” (28) Passada a guerra, inicia-se a fase de Oscar Piquet, Minerador já conhecido na região, que arrendou Quixeré. Mecanizou os trabalhos de lavra, melhorou o tratamento e por lá permaneceu em atividade produtiva até o final da Guerra da Coréia em 1955, quando o preço do minério despencou. O concessionário ainda manteve parceria com Joaquim Alves sem muito sucesso. Estima-se que no período entre a descoberta e o ano de 1955 a mina produziu mais de 600t de concentrado de scheelita. Algum tempo depois, entre 1969 e 1972 a SUDENE, em parceria com a Missão Geológica Alemã, procedeu uma pesquisa promissora no jazimento, constando basicamente, da perfuração de dez furos de sonda, num total superior a 300m; abertura de dois “shatfs” e de uma galeria, obtendo como resultado daqueles trabalhos a descoberta de um extraordinário “ore shoot”, contendo minério de alto teor de tungstênio, ajudando naquela ocasião de forma positiva os Garimpeiros da família, sob o comando de João Ursulino Filho. A pesquisa por mim projetada, como Geólogo da Divisão de Geologia da SUDENE foi chefiada, inicialmente, por Afrânio Carneiro. Com a sua saída

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para a CPRM, assumimos o controle técnico da equipe de especialistas brasileiros, que participou daquele grupo de trabalho, juntamente com os Geólogos da Missão Alemã. Os trabalhos prospectivos foram executados pela CONESP, uma subsidiária da SUDENE, que dispunha de um escritório de apoio logístico em Juazeirinho, contava com um corpo de profissionais competentes além de uma equipe de trabalhadores experientes – motoristas, compressoristas, marteletistas e braçais. Aquele grupo tinha como chefe de campo Zé Nobre, como Geólogo responsável pela pesquisa, João Ramos e como Chefe do Escritório Júlio Siqueira. Naquela mesma década das descobertas de ocorrências dos tactitos scheelitíferos no Seridó, foi também encontrada a jazida de Pitombeira, localizada no antigo Município paraibano de Santa Luzia, hoje Várzea, como resultado de um desmembramento territorial. Uma mina mais modesta que a outra, mesmo assim, produtora do concentrado metálico que viria a tornar-se o primeiro “minério-social” do Nordeste! Trabalhavam nela os moradores daquela comunidade, que todos do Sabugi consideravam um antigo Quilombo, hoje reconhecido como tal pelo Governo Federal, com muito orgulho dos seus habitantes. O responsável pela produção e comercialização da scheelita era Otacílio Ricarte. Naquele mesmo período crítico, fim da Guerra da Coréia, portanto, pelos mesmos motivos econômicos, ocorreu a paralisação dos trabalhos – queda no preço do concentrado e falta de condições financeiras para prosseguir com uma lavra anti-econômica – resultou no ato de caducidade da mina pelo DNPM. Posteriormente, início dos anos oitenta do século passado, a área foi novamente requerida para pesquisa por Sebastião Campos, Minerador de reconhecida competência. O resultado, por vários motivos foi desanimador. Até hoje os trabalhos produtivos estão paralisados. Estas duas minas estão sendo aqui citadas por algumas evidências que as ligam de forma muito apropriada à narração dos fatos desta história. Em primeiro lugar os laços familiares, Dona Francisca esposa de João Ursulino, era originária da Pitombeira, nascera naquela comunidade e fora criada em Santa Luzia. Segundo, o próprio fato da existência do mesmo minério em ambas as minas e em terceiro, o gosto exagerado demonstrado pelos moradores das duas comunidades mineiras pelo Futebol. O “Pitombeira

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Sport Club” tinha como técnico e presumível craque, Otacílio que também liderava o garimpo. Era quem ali mais conhecia scheelita – trabalhara na mina da Quixaba e lá aprendera, com Dr. Onofre Chaves, as melhores técnicas de mineração, segundo sua própria convicção. Quixeré também tinha seu “time” e como técnico e melhor atacante, Chagas filho de seu João. No período que por lá a SUDENE passou, todas as tardes, depois do trabalho e nos finais de semana, ocorriam disputas entre o Quixeré e o Santa Cruz de “Souza”, formado pelos trabalhadores e funcionários da SUDENE/ Missão Alemã. Souza era motorista da SUDENE à disposição dos técnicos responsáveis pelo programa de pré-pesquisas, um fanático torcedor do Santa Cruz do Recife e, evidentemente, apaixonado por peladas. Só jogava paramentado com o terno do tricolor do Arruda, chuteiras e “bola oficial”, enquanto que os demais atletas disputavam as partidas com os “pés descalços”! Como dono da bola e principal organizador das disputas nos domingos, já que os sábados eram dias de feiras, ele não gostava de ver o seu “Santa” derrotado.

Acampamento do Quixeré, na hora do rancho, com “Cícero Môco” e outros garimpeiros. Nanquim do Autor.

Sempre arranjava um jeitinho de ganhar as disputas. Nos domingos tinha jogo oficial, com direito a terno “meia sola” para todos, patrocinado por Souza. O time, um mixto formado por jogadores do Quixeré e outros do grupo de Souza, não poderia ter outro nome, tinha mesmo que ser o Santa Cruz do Quixeré.

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Como resultado daquele intercâmbio nas pesquisas houve uma aproximação entre os Garimpeiros de São João do Sabugi e os de Várzea, que terminou com um convite para a disputa de uma partida “oficial” de futebol, entre os times das duas minas – Quixeré e Pitombeira. Acertada a data, no dia marcado, Dona Francisca, muito hospitaleira preparou um almoço para receber os seus parentes, em clima de festa. À tarde, depois de muita comida e muita cachaça, o jogo foi iniciado.

Estacionamento do acampamento da Mina Quixeré, na época de execução, pela SUDENE/ CONESP do projeto prépesquisas, nos idos de 1971.

Já no segundo tempo, com a partida empatada em 2 x 2, faltando apenas dez minutos para o final, Souza insinua para o juiz a ocorrência de um “penalty” e diz no seu ouvido: “Ricarte, beque do Pitombeira acertou a canela de Chagas, artilheiro do Santa”. O juiz não vê outra saída a não ser marcar a penalidade máxima - “o Negão era o dono da bola!” Estava resolvido o problema, o Santa venceria o jogo. Chagas, como craque e artilheiro tinha um chute forte, foi o escolhido para bater, era uma certa! Pensara o Negão. Colocada a bola, o artilheiro toma distância e atira forte, a bola sobe, passando com muita força sobre o travessão. Souza não se agüenta. Acaba o jogo, “atirando pra cima”, retira a pelota de campo e sai esbravejando com vontade de esganar o artilheiro. Já no acampamento, ainda irado, põe a bola entre os joelhos, pega seu revolver e com muita raiva atira nela duas vezes, quase acertando o dedão do pé.

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O jogo não terminou, mas o juiz oficializou o empate. Foi o suficiente pro Negão adoecer. Enxaqueca com mau humor, das pesadas. Esperaria a oportunidade para uma revanche, no campo da Pitombeira, quando Otacílio já passando dos cinqüenta, projetava encerrar sua carreira. Dito e feito, ele já havia até programado em segredo, uma festa que no seu imaginário ficaria para a história. O jogo foi acertado para um domingo, lá mesmo onde Souza planejou, no campo da Pitombeira. Alguns reforços do Sabugy foram providenciados, craques conhecidos como: Miguelzinho, Zezé, Poréu e A. Belo, inclusive com “cachê” que seria pago por Otacílio. Logo por quem, Otacílio Ricarte, conhecido por não gostar de pagar nem promessa a Santo! Mas, desta vez não teve como escapulir, o pagamento foi exigido adiantado, pelos craques daquele time de Santa Luzia, o de maior tradição na região do Seridó, os quais reforçariam o seu time. Uma verdadeira seleção foi formada. O adversário convidado não poderia ter sido outro, inclusive pelo clima de revanche, o Santa Cruz do Quixeré, aquele mesmo mixto protagonista do empate que deixou Souza possesso. Seria uma partida inesquecível. Pouco antes daquela data, em 1970, Pelé havia marcado o seu milésimo gol contra o Vasco em São Januário e programara uma volta olímpica, quando deixaria o Futebol. Otacílio filou a idéia e naquele dia do jogo entre o seu time e o Santa Cruz do Quixeré daria sua volta olímpica no campo da Pitombeira para em seguida deixar, definitivamente “os gramados”. Muitos convidados entre eles, Marão da Quixaba, Lourival Morais da Viola, os participantes da Missão Geológica Alemã, os dirigentes do Sabugi, os Ursulinos do Quixeré, Arlindo e Inácio Bento, políticos da região e uma galera inteira de torcedores, todos ansiosos com o desenrolar do evento. Com o primeiro tempo encerrado, ainda registrando um empate, logo no início do segundo, Otacílio para o jogo, segura a bola e com pose de craque, parte em marcha batida para o que seria a sua volta memorável, com os demais jogadores perfilados, esperando o desfecho. De repente começa uma algazarra, a cana subira à cabeça de alguns torcedores comandados por Enilson, motorista da SUDENE, que costumava beber cachaça com “o copo 173


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passado à palheta”. Completamente louco sai bagunçando a festa toma a direção do carro da SUDENE e corta o campo fazendo piruetas, a seguir dirige-se a Santa Luzia, onde, provavelmente, continuaria com o seu “show”, sofrendo ameaça de ser preso, ocasião na qual poderia até levar algumas bordoadas. Imediatamente, solicitamos a Zé Nobre, chefe da equipe, tomarlhe o carro, o que foi feito, sem que ele esboçasse qualquer reação. Otacílio, de índole mansa, pacífica, diante daquela inesperada confusão, não pensou duas vezes, no lugar da gloriosa volta olímpica ganhou o mato seguido por alguns companheiros dos dois times em campo. Souza, com seus problemas cardíacos, quase desmaiou, com uma súbita alta de pressão deixando Zé Nobre, que naquele momento estava alheio ao jogo, ao mesmo tempo em que louco com a precariedade da saúde do Negão, restou também furioso pelo desvario do seu outro subordinado. E a festa, tão esperada pela apoteose do feito, por conta daquele ato insensato, foi encerrada. O “Pitombeira” continuou suas peladas, sem a participação do astro principal, e o Santa Cruz do Quixeré, encerrou definitivamente suas participações ditas oficiais, por total alheamento do seu líder, tão perturbado e desgostoso ficara com a baderna provocada, naquele dia da tão esperada revanche, pelo seu amigo e colega de trabalho.

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Pedreira de granito da FUJI

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É SETE BI DOUTOR!

A A

tividades mineiro-industriais, utilizando rochas para revestimentos, têm crescido no Brasil e particularmente na Paraíba, de uma forma que não admite retrocesso no processo produtivo. Tanto as pedras mais rústicas, como os quartzitos, quanto as mais nobres, comercialmente conhecidas como “granitos”, vêm exigindo processamentos industriais cada vez mais sofisticados – serragem, polimento, telagem, colagem – com a adoção de novas técnicas de melhoramento nos seus produtos finais. O setor cresceu nos últimos vinte anos principalmente depois da descoberta, no Estado, de jazidas das rochas ditas exóticas – migmatitos, gnaisses, skarnitos, biotita-xistos e pegmatitos – além, evidentemente, dos verdadeiros granitos. Muitas empresas de mineração foram constituídas na Paraíba e em outros Estados do Nordeste, para explotar “granitos”. Os empresários, normalmente farejam oportunidades, alguns se sobressaíram na competência, entre eles: Fernando Holanda, Valdeci, Roberto Braga, Gilvandro e Manoel Gonçalves, entre outros. Com a crise na construção civil americana, a partir de 2007, provocando queda nas Bolsas e fechamento de bancos, refletindo negativamente em todos os países do mundo, alguns desses empresários abandonaram suas atividades no setor, como quem dá um tempo! Outros conseguiram suportar o tombo, direcionando o foco dos seus negócios para o mercado interno, diante da brusca despencada das exportações. Merece destaque na Paraíba, Fernando Holanda, um empresário nato, atuante em quaisquer que sejam os ramos de atividades, sempre com sucesso garantido – pecuária, agricultura, irrigação, construção civil ou mineração. Tem o hábito compulsivo de trabalhar! Muito competente e inteligente, é um homem que acumula vitórias. Tem como sócio seu irmão Farias, com as mesmas qualidades. Os dois se completam, mantendo as individualidades que podem aflorar em cada um deles.

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Nos anos noventa do século passado, surgiu para eles aquela oportunidade nova, em um setor econômico ainda desconhecido, o mineral. Ouviam falar, pela abrangência dos produtos, mas nunca se interessaram. O negócio dizia respeito às rochas ornamentais. Adquiriu de Nisabro Fujita e do seu irmão, o Capitão Fujita, dono da transportadora Estrela, do Ceará, os direitos da Fuji S.A., na época sendo instalada em Campina Grande, resultado de um Projeto arrojado, aprovado no Conselho deliberativo da SUDENE, quando Cássio Cunha Lima era o Superintendente. Trabalhar com pedras, com produto mineral, foi realmente um desafio. “Que diabo é isso gente? Mas, é bom negócio... vamos lá!” Organizou com Farias a empresa, concluindo as instalações, contratando uma equipe competente, ao seu estilo, e começando a requerer áreas para pesquisa, além de assumir a responsabilidade de legalizar as já existentes. Logo a seguir iniciou os processos de lavra, ainda sem entender muito bem as diferenças entre Pesquisa e Lavra, concessão e obrigações com o DNPM e com órgãos ambientais como IBAMA e SUDEMA, maior dor de cabeça dos mineradores naqueles anos, hoje já tendendo à normalidade. O principal objetivo foi logo estabelecido - a exploração e exportação de rochas ornamentais graníticas. Um mercado maior e mais lucrativo que o interno. Os blocos eram vendidos em estado bruto ou beneficiados na própria indústria, em chapas serradas e polidas. Entre os primeiros clientes, interessados no “verde Fuji”, cartão de visitas da empresa, destacou-se um grupo americano, a CACTUS, de Fenix, Arizona, comandado na ocasião por Mister Kirk Butler, homem tarimbado, muito sério e formal, conhecedor profundo do grupo de rochas comercialmente conhecido como “granitos” e até com conhecimento sólido sobre geologia. Era o que se podia notar pelas demonstrações constantes que costumava expor. A CACTUS tinha como representante no Brasil, a Dra Selma da STL, a qual assumiu a condição de intérprete, já que nem Fernando nem Antônio Augusto, falavam inglês. Depois das visitas de praxe, da análise pormenorizada das chapas

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disponíveis do Verde Fuji - material já serrado e polido - e da escolha das peças a serem adquiridas, foi programada uma reunião para, enfim, ser discutido o negócio. Na tentativa de melhor impressionar a clientela ilustre, Antônio Augusto, um dos responsáveis na Fuji pelo setor comercial, achou que no transcorrer da reunião já podia discorrer um pouco sobre a geologia Précambriana do Nordeste. Já vinha estudando o assunto há alguns meses, tinha domínio da matéria! Até trabalhos do Dr. Benjamin Bley, uma das maiores autoridades em geologia cristalina do Brasil, havia lido e pelo que entendera, podia até se aventurar em cálculos de datação, durante a discussão. Entusiasmado com o desenrolar das conversas, a certa altura, foi dizendo: “Esta rocha, Mister Kirk, até pelo número de dobras que apresenta, veja aqui, são sete! Isso indica uma idade de sete bilhões de anos. É sete bi, Doutor! Pra ficar bonita assim, com todas essas movimentações que a tornaram uma pedra exótica, leva tempo! Só aqui na Paraíba pode ser encontrada”. Ao que Mister Kirk respondeu com um certo ar de espanto, demonstrando até aborrecimento: “Mas a Terra Dr. Antônio só ter cinco bilhões de anos! Como que uma rocha já consolidada poder ter essa idade? Quem fazer datação e qual o método adotado?” Na ocasião, a intérprete, Dra. Selma, ficou um tanto assustada pela indignação demonstrada por Mister Kirk. Foi quando Fernando Holanda, notando a segurança do gringo, quanto à idade das rochas do nosso Planeta, resolveu interferir com muita seriedade, interrompendo a conversa e até mesmo o entusiasmo do seu companheiro de equipe, retrucando: “Vamos deixar isso pra lá Mister Kirk, na Paraíba não se briga por uma bagatela de apenas um bilhão de anos! É coisa pequena!”. Naquele instante, com todos apreensivos, alguém do grupo riu e tudo terminou em gostosa gargalhada dos presentes a reunião. O primeiro negócio foi realizado e a Empresa americana CACTUS, liderada na ocasião pelo especialista em datações e em geologia de modo geral, tornou-se dos bons clientes da Fuji S/A. A descontração da gostosa gargalhada, amenizando o clima, até certo ponto tenso, estabeleceu as condições que estavam faltando para que fosse criado um clima de amizade, camaradagem e confiança, hoje já consolidados. Assim, mais uma vez, prevaleceu aquele velho ditado popular: “Rir é o melhor remédio!”.

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Velha caldeira usada por Empresa anglo-belga, no início do século passado, nas pesquisas de ouro da mina do Farias, possivelmente ainda por lá abandonada. Foto de Benjamin Bley.

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JOÃOZINHO E AS GEMAS

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oãozinho é o apelido familiar de João Bezerra Filho, formado em Administração e Empresário de sucesso na área da Construção Civil em João Pessoa. Nos anos setenta do século passado foi a Theófilo Othoni para, como muitos nordestinos, aventurar alguma opção de meio de vida no Sul. Por lá morava um parente, um tio, irmão do seu pai, que todos chamavam “Tigé”. Na fase dos preparativos da viagem, entre outros pertences, comprou um relógio Rolex a João Leal, empresário que naquela época já atuava em mineração produzindo matéria prima para a indústria cerâmica. No final das contas fez um levantamento e verificou que lhe restava o dinheiro contado para a viagem de ônibus - passagem, dormida e alimentação. Como homem econômico, já nasceu com esse dom, calculou que dava, pois, sabia poupar até nas refeições. Na chegada ao trevo de Jequié na Bahia pararam para almoçar no restaurante de Clovis Xavier, paraibano de Patos, um ponto obrigatório de todos os ônibus que faziam as linhas de ligação entre o Sul e o Nordeste. Durante o tempo reservado para a refeição, decidiu economizar um pouco o seu dinheiro e naquele dia não almoçou. Enquanto esperava, dele se aproximou um cidadão de aparência simples e muito simpático, deu bom dia e fez algumas perguntas típicas de quem quer fazer amizade. Vira no ônibus a placa de Campina Grande e perguntou “O Senhor é da Paraíba?” “Sou, estou indo para Theofilo Othoni”. “Você deve conhecer os Gadelhas de Souza, por sinal ainda são meus parentes!” “Conheço demais! Votei em Marcondes para Deputado Federal!” “Homem de bem, inteligente e muito preparado”, retrucou o desconhecido. E assim transcorria a conversa, naquele tom de amenidades quando dele se aproximou uma senhora demonstrando angústia e pedindo dinheiro. Tinha necessidade de viajar para o Pará, sua terra natal, demonstrando na voz muito desespero. Joãozinho disse que não tinha uma prata, o amigo dos 180


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Gadelhas, respondeu mais rispidamente: “Saia daqui Senhora eu também não tenho nada para lhe dar”. A mulher foi embora e imediatamente o novo amigo de Joãozinho contou-lhe uma estória. “O Senhor viu falar naquele roubo de pedras preciosas que aconteceu há poucos meses em Teófilo Othoni?” “Não, eu não soube nada, meu conhecimento é muito pouco com as coisas daquela terra.” “Pois, esta mulher, meu amigo, foi a tal que fugiu levando todas as pedras roubadas naquele assalto, eu sei porque conheço o caso de perto, não tenho dúvida, é ela mesma! Ainda deve ter muita coisa”. Os olhos de Joãozinho cresceram. Estava ali uma oportunidade de ganhar um bom dinheiro com pedras, coisa que ele não conhecia, sabia da existência de minérios por ter sido criado no Albino, terra que seu pai comprou a Nezinho Cavalcante e a Catão e que fora palco da famosa mina de scheelita do Príncipe. Sabia que era bom negócio, poderia ganhar uns trocados extras. Nisso voltou a mulher, insistindo com o pedido de dinheiro. O companheiro de Joãozinho perguntou “e as pedras, a Senhora ainda tem?” “que pedras meu senhor, eu não sei que história é essa”. “Besteira, comadre, eu lhe conheço, traga as pedras que o cidadão pode até comprar um lote!” E chamando Joãozinho para um canto lhe disse: “compre esse lote amigo! Do jeito que ela está necessitada, vende por pouco mais ou nada e o Senhor faz um bom negócio”. Nisso ela saiu e logo voltou trazendo um saquinho, o novo amigo parente dos “Gadelhas”, olhou as lapidadas e sem arrodeio, comprou aquele primeiro lote. De imediato saiu apressado dizendo a Joãozinho na moita: “vou buscar mais dinheiro companheiro, não esperava que fossem tão boas!” Joãozinho “vechou-se” com a saída do outro, juntou uns trocados que restava para concluir a viagem, até o Rolex de João Leal entrou no bolo, tudo feito antes que o suposto Gadelha voltasse. Olhou atento todo o outro lote, trazido pela mulher que naquele momento mariscou na sua vista, brilhando à luz do sol de uma forma extraordinária. Não pensou duas vezes, arriscou tudo no negócio, a atitude do novo amigo lhe tirou todas as dúvidas, estava certo de que iria acertar na loteria, era uma oportunidade rara que poucas vezes aparece na vida de uma pessoa.

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Dito e feito pagou pelo lote, depois de muito pechinchar, a exata quantia que conseguira juntar, sobrando apenas uns trocados para uma emergência. Pegou o pacote, enrolou ligeiro os envelopes com medo de ser roubado e mais que depressa guardou-o no bolso. Despediu-se da mulher, mandou lembranças para o amigo, tomou o ônibus e saiu estrada afora. Ficou aliviado com a partida e certo de ter feito uma excelente transação. Venderia a mercadoria em Theófilo Othoni e assim garantiria uma boa poupança para os primeiros tempos. Até pensou em conseguir um dinheiro extra com “Tigé”, mesmo emprestado, voltaria e compraria o resto das pedras que ainda ficara com aquela desconhecida! Enquanto estava matutando com seus pensamentos, resolveu se aproximar do Motorista. A fome já estava danada e a estrada parecia sem fim, o dinheiro acabou-se com o pagamento das pedras! Sem delongas perguntou: “amigo, daqui prá Theófilo Othoni é muito longe? Que tempo leva até chegar lá?” O motorista respondeu: “um esticão dos bãos rapaz, ainda resta umas nove, dez horas de viagem!” Joãozinho acalmou-se, tinha mesmo era que agüentar, também pudera o sucesso do negócio que fizera até que compensava o desconforto! Naquela ocasião resolveu fazer outra pergunta essa mais objetiva: “me diga cidadão, o Senhor sabe se entre os passageiros deste ônibus tem algum que conheça o negócio de pedras preciosas?” O motorista imediatamente indicou um casal, “ele está vestido com calça “coringa”, camisa listrada e tem na cabeça um chapéu Prada. Aquele cidadão é de Governador Valadares, da família Froeder, gente que conhece muito do ramo”. O nosso personagem agradeceu a informação e dirigiu-se para um assento que estava vazio por traz da cadeira do especialista.

Vidro azul, de cor extraordinária, imitação, para possível adulteração de uma gema extra. Fato comum que ocorre, principalmente, entre Teófilo Othoni e Governador Valadares-MG. Coleção Ferreira & Tavares.

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Em um primeiro impulso quis mostrar o lote todo ao cidadão, para ter noção de qual seria o valor do seu produto precioso, mas acautelou-se, tirou apenas uma das pedras, interrompeu a conversa dos dois à sua frente e arriscou um pedido de avaliação. “Companheiro, o Senhor que entende do ramo, me diga quanto vale essa pedrinha?” O desconhecido olhou a pedra e com indiferença devolveu-a dizendo: “não vale nada é dessas pedrinhas que se usa para fazer bijouterias”. Joãozinho já foi ficando nervoso, tirou o resto do pacote, mostrou ao companheiro de viagem e ouviu como resposta: “São todas iguais meu camarada, não valem nada!”. Naquele exato momento é que se deu conta do logro. Aquele novo amigo de Jequié e a tal mulher do roubo das gemas, formavam, na realidade, um casal de malandros que se aproximavam das pessoas incautas, desavisadas, para aplicar golpes – o famoso conto da Pedra Preciosa – engoliu em seco e teve que amargar aquele primeiro prejuízo causado por vigaristas, muito comum naquele trecho da Rio/Bahia, entre Jequié e Governador Valadares. Joãozinho coitado cumpriu sua sina e pelo resto da viagem, entre aquele trecho na Bahia e Theófilo Othoni, em Minas Gerais teve que comer bolacha, comprada no Hotel da Divisa, com o pouco dinheiro que restara.

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A MINA DE OURO DO PIANCÓ A DESCOBERTA A história do ouro na Paraíba teve início, quando da sua descoberta nos alúvios do Alto Rio das Bruscas, no Município de Princesa Isabel, ainda no Século XVIII, época do Brasil Colonial! Os primeiros vestígios de tentativas de pesquisas foram encontrados na entrada de antiga galeria, ainda preservada no ano de 1981, quando foi fotografada por equipes técnicas da CDRM, em trabalhos prospectivos. Na entrada daquela galeria se via a data - 1864! Da mina que ficou conhecida como do Farias e fora descoberta por José Jácomo Tasso naquele ano. Posteriormente, já no século passado, uma empresa AngloBelga, estabeleceu-se na região, deixando como marco de sua presença, entre outros equipamentos desgastados pelo tempo, uma velha Caldeira, possivelmente ainda por lá abandonada. Recebi do eminente Geólogo e amigo, meu colega de turma, Dr. Benjamim Bley, a foto que identificou a peça, feita por ele, quando em uma de suas excursões de campo à procura de desvendar nossa geologia Pré-cambriana. Aquele grupo empresarial, como outros que tentaram algum sucesso na lavra racional de ouro naquela região, não demonstrou a capacidade técnico-administrativa necessária, para iniciar um processo econômico de lavra, com base em resultados de pesquisas conclusivas. Ainda hoje nos arredores de Princesa Isabel, Garimpeiros extraem ouro de maneira artesanal, com uma competência e coragem muito acima dos limites da racionalidade, com aberturas de “shafts” até profundidades superiores a 100m, produzindo o necessário para manter acesa a esperança do surgimento de uma grande jazida. Em 10 de julho de 1941 foi descoberto Ouro em Piancó, na Fazenda Riacho do Meio, depois São Vicente do Ouro e hoje Itajubatiba, “em terrenos eluvionares nos flancos da Serra de Santa Catarina”, como disse o Dr. Joaquim Maia em seu Relatório de Pesquisa (25). Aliás, a história da existência de ouro no Município de Piancó, é antiga, em 1929 Luiz Caetano Ferraz já fazia citação a este fato no “Compêndio dos Minerais do Brasil”.

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Aquelas terras pertenciam ao Sr. Manoel Ferreira de Oliveira que naquela ocasião mandara Vicente Láu, trabalhador da fazenda, levantar uma cerca dividindo terras apropriadas para o plantio do algodão Mocó e um cercado para criação extensiva, uma “manga de gado”. Na escavação de um dos buracos de estacas, deparou-se com uma espécie de panela natural, repleta de pepitas de ouro, algumas de grande tamanho. Histórica pepita de ouro, pesando 9.08g, procedente da “Mina de Ouro do Piancó”, e bloco de minério do “greenstone belt”, com ouro fino incrustado, que pertenceram ao pai do Autor, José Ferreira Tavares Jr. quando por lá atuou, na grande corrida de 1941/43. Coleção Ferreira & Tavares.

A notícia rapidamente se espalhou e em poucos dias três mil homens já faiscavam no “bambúrrio”, com o consentimento do proprietário, em banquetas demarcadas, com dimensões pré-estabelecidas de (10 x 10) m, em superfície. No espaço de quatro anos conseguiram retirar da terra, aproximadamente, 10 t de ouro nativo! Cinco toneladas na avaliação do Professor Joaquim Maia. Uma grande parcela daquela produção em pepitas pesando até 2 kg! E naquele lugar, longe da civilização, teve início a formação de uma corrutela de moradias toscas, para abrigar aquela população de Garimpeiros improvisados.

Frasquinho de “estrato” com ouro do garimpo do tipo que Mário Leitão usava na Mina de Emas e periodicamente, quando enchia o seu Picuá improvisado, levava a Santa Luzia para vender a Chico Bilinha.

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CUSTÓDIO E O OURO DE SÃO VICENTE Manoel Oliveira, homem de boa índole, natural da cidade de Pombal, era um Fazendeiro, como outros dos sertões nordestinos, preocupado com o plantio do algodão, culturas de subsistência e a criação de gado, de repente viu-se transformado em rico produtor de ouro! Casara uma de suas filhas com um caboclo, conhecido por Custódio, homem ativo, trabalhador, muito esperto, exercendo uma forte liderança sobre os outros da família. Rapidamente assumiu, juntamente com seu cunhado, Pedro Agostinho, depois que entraram no garimpo, o controle da mina. Eram sócios do famoso “Veeiro dos Nove”, trecho mais rico do jazimento. Além da produção própria ainda recebiam dos demais Faiscadores, todos banqueteiros cadastrados, a conga que não era pequena, devida a seu Manoel Oliveira, por ser o proprietário das terras e principal requerente das áreas ao DNPM. Custódio tornou-se, do dia para a noite, um Minerador de muitas posses e de muito poder! Naquela fase da vida nunca passou pela sua cabeça que aquilo um dia pudesse acabar, considerava aquela uma situação irreversível. Instalara-se nele o espírito aventureiro de todo Garimpeiro que se presa - farrista, esbanjador, pabuloso e jogador. Tudo que justificava o seu “status” de “Novo Rico”, aquele choque violento que, quase sempre, desestrutura as pessoas. Demonstrações de opulência, de fausto, de exibicionismo vaidoso, vontade de fazer o que nunca pode, chegando a extremos hilários! Muitas vezes viajava ao Pernambuco, para fazer farras nos Cabarés do Recife Velho, perto do Porto! E naquelas noitadas, no salão onde estivesse bebendo, tudo ele pagava, já ficara conhecido dos costumeiros freqüentadores da “Zona”. Quando sabia que na região alguém comprara um carro novo, procurava “peitar” aquela pessoa para adquirir dele o Automóvel. “Cumpade qui má pregunto qua’lé o preço do carrim?” - se o valor, por exemplo, fossem vinte contos de réis, facilmente ele chegava aos quarenta! Contanto que 186


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comprasse o carro. E desta forma foi sendo dilapidado o que poderia ter-se tornado uma fortuna sólida. Exageros como estes, com histórias conhecidas, são comuns e ocorrem em todas as frentes ricas de lavra, até mesmo nos rincões mais ermos da terra - nas florestas bolivianas, onde há mais de quatrocentos anos foram descobertas as melhores Esmeraldas do Mundo em Muzo e El Chivor, hoje reduto inexpugnável de Guerrilheiros; nas serras de Carnaíba e Socotó, nos sertões baianos, onde nos anos setenta e oitenta do século passado, mais de vinte mil homens, alguns ostentando pesados cordões de ouro, traspassavam a crosta terra adentro, partindo de estreitos “shafts” abertos, por justificada precaução, nas salas de suas moradias à procura das famosas gemas verdes; no conhecido garimpo de Raul Capitão, jazimento riquíssimo em scheelita localizado em Recanto de Lajes no Rio Grande do Norte, que transformou de repente, aquele homem simples e humilde que muitas vezes não tinha o dinheiro necessário para saldar o débito de uma “feira”, em um esbanjador, fanfarrão, chegando ao ponto de cometer um crime, por conta de uma conquista amorosa e pelo qual foi condenado, sofrendo humilhações degradantes em um Presídio de Natal! Em São José da Batalha, conhecido internacionalmente por produzir as mais belas turmalinas azuis jamais vistas na face da terra e onde também, por disputas e por cobiça muitos crimes foram praticados. Estes e muitos outros são exemplos de fatos corriqueiros que se sucedem onde o dinheiro flui com mais facilidade e menor controle. Pois bem, o nosso caboclo de São Vicente aprontou muitas, durante aquele curto período que teve de vida fácil, época na qual, paralelamente se travara a sangrenta Segunda Guerra Mundial. Na mesma época que aconteceram estes fatos, estava sendo concluída a edificação da Catedral de Nossa Senhora da Guia, padroeira de Patos. Por ser o maior centro populacional e comercial da região, para lá fluíam todos os emergentes do sertão. O vigário da Paróquia, Padre Zacarias e outras autoridades eclesiásticas conhecidas, - Padre Vieira, diretor do Ginásio Diocesano, Padre Acácio, Reitor do Seminário Menor e Padre Assis – projetavam mandar confeccionar em ouro, por artista da terra, famoso ourives conhecido em toda aquela região, uma Custódia para abrigar o Santíssimo Sacramento, a ser colocada com toda a sua exuberância, no

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Altar-Mor da imponente Igreja Matriz. Decidiram criar, no mês de setembro, durante a festa que homenageava a Santa, o dia do Minerador, classe que na época transparecia maior vigor desenvolvimentista, e convocaram para uma reunião, os mais prósperos Garimpeiros da Mina recém descoberta na Fazenda Riacho do Meio, alguns deles sócios do famoso “Veeiro dos Nove”, entre eles: Custódio, Pedro Agostinho, Oscar Xavier, Saturnino Roberto, Jader Medeiros, Norberto Baracuhy, Noé Trajano, Sancho Leite e Antonio Luiz, para que juntos patrocinassem a rica peça de proteção do Divino. Na reunião realizada na casa paroquial, explicitaram para os presentes o projeto, que traduzia o compromisso assumido por eles com a Paróquia. Na explanação do plano, o representante do grupo de padres falou no nome Custódia. Imediatamente levantou-se um entre os presentes e disse: “Seu vigário eu pago sozinho essa tão falada peça de guarnição da hóstia de Cristo!” Os demais se entreolharam perplexos e voltaram-se para aquele voluntário, o qual não era outro senão o próprio Custódio que entendera, na sua percepção simplista, na sua ignorância de homem rude, de repente transformado, por um capricho da natureza em “Noveau Riche”, que aquele pleito à sua pessoa, jamais poderia ter outra forma de ser saldado, a não ser por ele próprio, o afortunado homenageado! Extravagâncias de Garimpeiro bem sucedido. De outra feita, na mesma festa da Padroeira de Patos, com os pavilhões repletos, ofertas de pratos nos tradicionais leilões, geralmente galinha assada, coxão de porco, queijo de manteiga, pastéis, doce seco e outras iguarias, ofertadas às quermesses pelas senhoras da Freguesia. Os lances se sucediam, alcançando preços às vezes mais altos que os valores dos pratos doados. Muitas das ofertas eram feitas no calor de uma conquista, um começo de namoro; em demonstrações de amizade e consideração e, o que era mais comum, em verdadeiras disputas que externavam manifestações de poder - “quinhentos contos de reis pra Custódio não comer a galinha!” Dissera um Minerador endinheirado. Foi o suficiente para provocar o fato inusitado, que naquela noite todos que estavam presentes viram, Custódio levantou-se, com uma imponência estudada, tirou da carteira uma nota de conto de reis, enrolou-a no dedo, acendeu a chama do seu isqueiro Rinso, uma das novidades da época da

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guerra, tocou fogo na nota e com a tocha acendeu o seu Cezário, o melhor charuto que se vendia nas mercearias do Sertão! Ato contínuo cobriu o lance daquele seu companheiro arrogante, e a seguir convidou-o para que juntos tomassem cerveja “friinha do pé do pote”, tendo como tira gosto à famosa galinha arrematada no leilão. A MINERAÇÃO ITAJUBATIBA Em 1946 São Vicente do Ouro já estava em crise, os sucessivos desacertos com as concessões das áreas, aliados às conseqüências de uma garimpagem desregrada, o natural esgotamento do minério de mais fácil explotação e a total ausência de pesquisas nas áreas da mina, logo aquela que era considerada a maior exigência do DNPM! No final da Ditadura Vargas, ocorreu o que ninguém esperava “... foram anulados os Decretos de Concessão de Pesquisa e declarada área de faiscação, a região em apreço, em exposição aprovada pelo Sr. Presidente da República, em 16 de abril de 1944...” Posteriormente, Getúlio revogou a decisão anterior, por ter-se mostrado inócua e renovou as autorizações aos senhores Manoel Ferreira de Oliveira e Antônio Washington Telha de Mendonça, devendo ambos, apresentar provas de capacidade financeira para a realização das pesquisas. Ficou proibida a garimpagem naquela área! O Sr. Washington Telha foi eliminado por comprovada incapacidade financeira, restando Manoel Oliveira como único titular das áreas. Custódio assumiu a responsabilidade de conduzir os trabalhos prospectivos, tendo sido contratado, responsável técnico o renomado Engenheiro de Minas, Dr. Joaquim Maia. As custas daquelas obrigações, tornaram-se altíssimas e a família, até por conta dos desperdícios anteriores, não teria mais condições de prosseguir, a não ser tomando dinheiro emprestado! Foi o que fez Manoel Oliveira, que àquela altura já confiava na força do ouro, pelo que vira nos anos anteriores. Procurou um seu conhecido, amigo até, o sisudo Pedro Caetano, homem rico, muito econômico, morador na cidade de Patos, conhecido por emprestar dinheiro.

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Naquela fase de transição, entre o fausto e o desperdício, Mário Leitão, meu amigo de longas datas, contou-me que ainda muito jovem, por lá trabalhou na companhia do seu tio Antônio Quintino, um prático em mineração de grande reputação no Seridó. Desta forma, entre os anos de 1947 e 1948 faiscou ouro na área de Emas, que fazia parte do “trend”. Muito esperto, já nascera com aquele dom, juntava disfarçadamente as pequenas pepitas que conseguia esconder da fiscalização, em um frasquinho de “estrato!”. Quando enchia o seu Picuá improvisado, corria até Santa Luzia e lá vendia o produto a “Chico de Bilinha”, protético por demais conhecido no Sabugi. Naquela época era costume fazer chapas com dentes de ouro incrustados e dessa forma o jovem Mário conseguiu juntar um bom dinheiro. Certo dia, no rancho do garimpo, em tarde chuvosa, 1947 foi ano de grande inverno em todo Sertão, estava distraído olhando a chuva, quando observou que a goteira fina de uma determinada telha, começara a descobrir um material amarelado, quase brilhoso! Não quis acreditar que fosse ouro, a chapa que se formava era muito grande! Por precaução chamou “Zé Pesquisa”, Garimpeiro tarimbado, vindo das bandas de Currais Novos, lugar de minério e mostrou-lhe o seu achado. Com sua experiência o velho Faiscador examinou apressado, foi apanhar uma alavanca e do local apontado retirou uma pepita com mais de quilo de peso! Logo cedo do dia seguinte correu e foi vender o seu achado na vila de Catingueira. De volta ao garimpo gratificou Mário muito bem, como parte da conga que lhe era devida, o que foi para aquele uma verdadeira fortuna. Sequer especulou se o pagamento foi justo. Depois disso “Zé Pesquisa” desapareceu de Emas e não mais se teve notícias dele praquelas bandas! Assim decorria a vida no garimpo, com histórias como esta de sucesso e com outras de total desilusão. Voltando à história da Pesquisa, depois da contratação do Engenheiro. Aquela fase necessária continuou sem interrupção durante alguns meses, tempo interminável para quem trabalhava com dinheiro emprestado! O débito passando a atingir proporções alarmantes. Era “juro em cima de juro”. Muito dinheiro, mesmo para quem tinha tirado tanto ouro! Naquela situação, depois de concluída a exigência do DNPM, sem contar com o ouro esperado, o concessionário foi a Patos procurar Pedro Caetano e tentar negociar o débito.

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Propôs pagar o montante da dívida com a Fazenda Riacho do Meio, incluindo a Mina de São Vicente. A proposta não foi aceita. O credor concordaria, mas em troca da Fazenda Pilões, localizada pertinho de Patos. Depois de muita negociação ficou acertado que Pedro Caetano receberia pelo débito, a Fazenda Riacho do Meio com a Mina e parte da Fazenda Pilões. Realizada a transação, imediatamente foi constituída a Mineração Itajubatiba Ltda., sob a responsabilidade de Dr. Massilon Caetano, filho de Pedro, tendo como sócios: Pedro Caetano, majoritário, Massilon Caetano, Zózimo Gurgel e Alberto Santos, pai de Marcos Santos que depois assumiria a responsabilidade pela cota que de direito pertencia a seu pai. Durante aquela fase, que perdurou até o final dos anos oitenta do século passado, muitas empresas demonstraram interesse na mina: 1. Mineração “Wachang”, com trabalhos subterrâneos realizados na década de cinqüenta; 2. PROSPEC, nos anos sessenta, executando um Projeto para o Ministério das Minas e Energia, “Projeto Ouro Piancó”, sem que tenha concluído ou recomendado etapas futuras; 3. Empresa Mineração Serras do Sul, na década de setenta, realizou mapeamentos geológicos precisos, definindo estruturas, mas também nada concluindo; 4. Mineração Sertaneja, última a tentar pesquisar a mina, sem sucesso! Em 1980, assumimos o compromisso com o Dr. Massilon Caetano, juntamente com os Engenheiros de Minas Francisco Vasconcelos e Luiz Gonzaga, de estudar a jazida e propor uma reavaliação das suas reservas, em um plano de pesquisa que seria executado pelo grupo. O Relatório Final, com opiniões técnicas sobre os trabalhos anteriormente executados, foi concluído - “Apreciação crítica sobre trabalhos de Pesquisa Desenvolvidos na Mina de Ouro de Itajubatiba - Paraíba”, entregue a Massilon e a Marcos Santos, acompanhado de um “Plano de Pesquisa para reavaliação de reservas ref. Decreto de Lavra nº 36189 de 17.09.1954”.

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CONCLUSÃO Entre os sócios remanescentes da Empresa, apenas Marcos Santos, que conhecia melhor o jazimento, já tinha experiência em lavra e beneficiamento e vontade de pesquisar, até por acreditar no potencial de “São Vicente”, foi o único que demonstrou interesse e confiança na execução do Plano! Nada foi realizado e a velha Mina do Piancó continua por lá, guardando, no seu bojo, os recursos minerais ainda totalmente desconhecidos! Esperando que alguém tenha as devidas: coragem, competência e recursos, para finalmente, definir seus intrincados arranjos geológicos, fundamentados em um “greenstone belt”, com zonas típicas de enriquecimento e concentrações auríferas em zona de oxidação, ainda desconhecidos! Custódio depois da falência foi residir em Campina Grande, onde trabalhou como modesto motorista de taxi, naquela época ainda chamado “Carro de Praça”. Morreu em João Pessoa, pobre mais com dignidade. Marcos Santos contou-me que por volta de 1955 conheceu o nosso personagem principal, vendendo côco verde nas praias de Tambaú e Gonçalo. É aquele velho ditado popular... “de onde se tira e não se bota!” O resultado tende a ser desastroso.

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Antiga entrada de uma galeria de exploração, localizada no Farias, Princesa Isabel, PB, mostrando data gravada na época que foi aberta - 1864!

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A INCONVENIÊNCIA DE CAÇOTE

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s Minas Brejuí, Barra Verde ou Acauã, Boca de Lajes e Zangarelhas, formam um único jazimento de scheelita, o maior e mais produtivo do Nordeste e também do Brasil. No período entre 1943, ano da descoberta da Brejuí, por José Dias e 1982, ano da redução drástica da produção, estas minas juntas produziram 36.544t de concentrado, com teor médio de 73% de WO3. A última a fechar, a mina Brejuí, encerrou sua produção em 1997, reiniciando as atividades, em menor escala, em 2005. A primeira delas e mais conhecida, inclusive internacionalmente, pertencia à família Gomes de Melo e tinha como concessionário o Desembargador Tomás Salustino que, juntamente com seus filhos, genros e netos, fez história no Rio Grande do Norte. Aquela descoberta foi responsável pela manutenção do ritmo de produção de scheelita no Brasil, antes mantido pelos pequenos jazimentos de Encruzilhada do Sul e Jundiaí. Naquele espaço de tempo - 1942 a 1982 - período de produção contínua de scheelita, o Nordeste chegou a ser responsável por até 98%/ano da produção nacional, conforme atesta Carlos Schobbenhaus. (38) De todos os filhos de Dr. Tomáz, por muitos méritos, destacou-se a figura do Dr. Sílvio Bezerra de Melo, entre outros motivos pelo seu trabalho à frente da Mineração Tomáz Salustino S.A, inclusive com a instalação, em 1953, sob a responsabilidade técnica do Engenheiro de Minas Dr. Sandoval Carneiro, de um beneficiamento moderno, importado dos Estados Unidos, fabricado pela “Denver Corporation”. É sabido por todos que conheceram mais de perto a trajetória da mineração de scheelita, minério-social de maior destaque na região do Seridó, que o Desembargador não gostava de gastar dinheiro à toa, era um homem muito econômico, “amarrado”, como se diz na gíria nordestina,

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mas generoso, empreendedor e grande benfeitor, como demonstram suas ações em proveito do seu povo e da sua terra de adoção, Currais Novos. Mário Moacyr Porto (07), diz: “Construiu com dinheiro seu um Grupo Escolar... Levantou uma Vila Operária. Edificou uma Igreja... Construiu um Hotel (Tungstênio Hotel de Currais Novos), instalou em prédio próprio uma Emissora... ergueu um posto de puericultura... construiu um cinema...”

Extraordinário cristal tetragonal de scheelita, com terminação bi-piramidal, procedente da Mina Brejuí, pesando 225g. Coleção Ferreira & Tavares.

Essas considerações foram necessárias para que se tenha uma noção da importância que teve a Mina Brejuí no processo que desencadeou a mineração no Nordeste. Com isso voltamos ao tema das estórias. Certa ocasião, em Currais Novos, final dos anos quarenta do século passado, um Engraxate conhecido na cidade, limpando os sapatos de Dr. Tomáz, recebeu como pagamento uma moeda de duzentos réis, dois tostões como era chamada. Achou pouco o valor pago e como era muito franco e até irreverente, lhe disse: “O senhor é muito pão duro! Seu filho Silvio Bezerra, também meu freguês, sempre que engraxo seus sapatos, me paga, todas às vezes, com uma moeda de dez tostões!” como era conhecido o mil réis de bronze-alumínio. Ao que Tomáz Salustino retrucou, levando o caso na brincadeira: “Meu rapaz, Silvio faz isso porque ele é filho de rico! Meu pai era homem pobre, lá de Picuí, ligado a atividades do campo, nunca me deu condições para praticar certas extravagâncias, como essa que você está dizendo que Silvio fez!”

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Outra estória ao seu respeito, narrou-me “Nego Boca”, um conhecido contador de casos, meu conterrâneo. Esta última está ligada a um velho Garimpeiro de nome Zé Antônio, conhecido por “Caçote”, muito popular em Currais Novos. Trabalhava na Mina Brejuí e tornara-se muito amigo, exatamente, daquele jovem operário, que viera de Santa Luzia, para assumir emprego de apontador na Mina Acauã. “Nego Boca”, o narrador da estória, afeiçoou-se a “Caçote”, por conta da cachaça que ambos gostavam de tomar. Nos finais de semana em Currais Novos, estavam sempre juntos nos botecos, bebendo e proseando, motivo suficiente para a consolidação daquela amizade. Caçote, minerador veterano, já havia trabalhado em outras minas, como Bodó, em Cerro-corá, Quixaba, em Várzea, “Wachang”, no trend de Brejuí, em Currais Novos e até em inúmeros garimpos de scheelita, espalhados pelo Seridó, em atividade garimpeira, sempre que surgia uma oportunidade de trabalhar por conta própria; correndo riscos, é verdade, mas também, no seu modo de entender as coisas, procurando sua independência econômica.

“Nego Boca”, hoje aposentado, mais ainda procurando “encosto de minério” para ser fotografado. Velho Garimpeiro da Mina Acauã, em Currais Novos, no tempo que tinha como companheiro de farra, o velho “Caçote”. Foto do Autor.

“Nego Boca” sempre dizia que quando o companheiro começava a beber, sua imaginação ficava fértil, narrava suas aventuras, contava seus causos – salvamentos de companheiros em situação de perigo nas banquetas das minas; aventuras amorosas com puladas de muros repentinas, nas fugas

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das casas de amantes e na realidade “Bôca” nunca acreditava no que ouvia! Era apenas um pretexto para beber. Também pudera, o físico de Caçote era pouco previlegiado, muito pequeno e fransino, tinha uns pés muito grandes para o seu porte e até o seu poder de sedução era duvidoso! Decididamente não era o tipo que agradava às mulheres. Um olho baixo, vesgo, a boca ficava torta quando falava, o nariz chato, um par de orelhas de abano, careca e já passando dos sessenta! “Não, decididamente o Velho Caçote, meu amigo do peito, não tem como ser um conquistador!”. Quando embriagado, já no ponto, dizia sempre: “Caçote vèio hoje vai dá seus pulos!”. Pois bem, por conta daquele permanente estado de embriagues, ninguém dava mais carona a Zé Antônio e toda segunda feira ele voltava pra mina, andando a pé, curtindo a sua ressaca. Dr. Sílvio, um verdadeiro Deus Pequeno em Currais Novos, todos os dias passava com destino à Mina ou à Fazenda e sempre cruzava com “Caçote”. Por algum motivo começou a lhe dar carona, toda segunda feira leva-o até a Brejuí, terminando por estabelecer-se entre os dois, certa camaradagem, muitas vezes com trocas de confidências. “Caçote, conquistador velho de guerra”! Dizia-lhe Dr. Silvio, ao que o mesmo respondia: ”Eh, dotô! Isso fica pro Senhor, rico, boa pinta, boêmio, bossista, um tremendo picarão, carrão carregado de muié bonita!” Dizia isso todas as vezes que encontrava no carro do Doutor aquelas criaturas bonitas, sempre preparadas para noitadas na fazendo. Ao que Dr. Sílvio respondia: “Que nada Zé Antônio, já estou ficando velho, tenho muitos compromissos e quanto a essas meninas, são todas minhas primas que vieram da Paraíba visitar a família”. E caia na risada, o mesmo fazendo “Caçote”, naquela cumplicidade que só eles entendiam. Passou a ser um segredo dos dois. Quase toda segunda-feira aquela situação se repetia. Numa certa ocasião, o Doutor viajava da cidade para a Mina e daquela vez, iam consigo suas netas, que vieram de Belo Horizonte, onde a família morava. Aproveitou a ocasião e levou-as até a Mina Brejuí, para um passeio. No ponto costumeiro já lá estava o velho “Caçote”, cheio de porre... Não tinha como não levá-lo! O velho Garimpeiro bêbado feito um gambá, mal se agüentava em pé. Ficou apreensivo, tanto que no caminho repetiu

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muitas vezes para o outro: “Olha Zé Antônio (não quis nem chamar Caçote!). Estas meninas são minhas netas!” como quem queria dizer: “Não confunda com aquelas rameiras de costume!”. Os elogios costumeiros e as exaltações aos seus familiares, à memória do seu pai, o Desembargador, toda aquela lenga-lenga de tradição, riqueza, importância, tudo aquilo enfim, que até gostava de ouvir! Babadas que buliam com o seu ego vaidoso. Mas o velho “Caçote” era sempre imprevisível e inconveniente, e já nas despedidas, antes de descer do carro, disparou: “agora Dotô o senhor acertou na mosca, essas menina são munto mais nova e munto mais bonita do que aquelas outra rapariga que o senhor chama de prima! Té outra vista Dotô Silvo”. Foi um “vechame”, ninguém disse nada, ficaria pior, mas, para “Caçote”, infelizmente aquela foi a última carona dada a ele pelo Doutor.

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Cristal de água-marinha corroído

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COLÓQUIO SOBRE OS GRANITOS E O EMBASAMENTO DO NORDESTE

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SUDENE, autarquia desenvolvimentista criada no Governo do Presidente Juscelino Kubischek de Oliveira, teve como o seu primeiro Superintendente o Dr. Celso Furtado, paraibano, nascido em Pombal, profundo conhecedor dos problemas do Nordeste, principalmente daqueles ligados às secas e às eternas incertezas dessa situação de caráter intermitente. Nos seus primeiros anos, teve uma atuação tão importante na região, que o seu exemplo, mudou toda a sistemática de planejamento não só na região de sua abrangência como em todo o Brasil. O planejamento de resultados passou a comandar as ações governamentais, inclusive com a criação do Ministério do Planejamento e das Secretarias congêneres nos Estados. Um dos setores de maior sucesso nos quinze primeiros anos da SUDENE foi o Mineral. No seu Departamento de Recursos Naturais, foram criadas as Divisões de Geologia e de Hidrogeologia que juntamente com a de Cartografia foram responsáveis pelos mapeamentos geológicos e pedológicos do Nordeste em escalas de 1:50.000, ainda hoje consultados por todos que pretendam, por exemplo, estudar o Nordeste do ponto de vista de seus Recursos Naturais. Naquele primeiro período, mais de cem geólogos trabalhando em regime de tempo integral, palmilharam toda a região, do Maranhão ao Norte de Minas Gerais, principalmente, os Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Bahia e Ceará por serem os mais ricos em minerais-minérios e em substâncias minerais industriais. Foram publicadas entre outras, cartas geológicas das Províncias scheelitífera e pegmatítica da Borborema, como as das quadrículas de Caicó, Crato, Assu, Jutaí, Barra do Mendes, Ouricuri, São João do Cariri, Alto Seridó, Paratinga, Chapada Diamantina, Castelo, Riacho de Santana, Serra do Espinhaço, Ouricuri de Ouro; trabalhos mais abrangentes como: Sinopse de Geologia da Folha Seridó; Catálogo de Ocorrências de scheelita do Nordeste; o Tungstênio e sua Economia; Estudo 200


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dos Pegmatitos do Rio Grande do Norte e Paraíba; Ultrabasitos Niquelíferos de Catingueira; Estudo preliminar dos depósitos de Ferro do Rio Peixe Bravo e da região ferrífera de São José do Belmonte; Geologia e Depósito de Asbesto do Baixo São Francisco, além de Boletins Técnicos com informações mais resumidas. No que se refere à Hidrogeologia foi concluído todo o Inventário Hidrogeológico Básico do Nordeste, em dezoito publicações com cartas geológicas na escala 1:500.000, cobrindo uma área de 72.000km2. Estes trabalhos conteem informações importantes que “contemplam levantamento dos pontos de água de cada área inventariada, avaliação dos sistemas aqüíferos, volume de recarga, vazões de escoamento natural e, quando possível, o estabelecimento do balanço hídrico”. (33) Além dos Geólogos, Técnicos em Mineração e pessoal de apoio, este amplo programa de geologia, talvez o maior e mais completo já realizado no Brasil, contou com a colaboração e o apoio de algumas Missões Estrangeiras as quais muito contribuíram para o sucesso do empreendimento – a Missão Francesa do BRGM, com Geólogos renomados como Dottin, Roy e Madon; a Missão Geológica Alemã, com trabalhos em Patamuté na Bahia, objetivando pesquisa do cobre; em Santa Luzia, objetivando levantar o potencial scheelitífero do Seridó e um grupo especial daquela Missão estudando os recursos hidrogeológicos da região de Petrolina. Entre os Geólogos desta importante missão destaque se faça aos Drs. Andritzky, Rasemberger, Busch e Krauss. Nesse clima de muito trabalho, período áureo da SUDENE, do qual participamos tanto em trabalhos individuais como em grupos, principalmente com a MGA no Seridó, ou na companhia do renomado geólogo francês André Robert Meunier, com o qual trabalhamos durante todo o ano de 1965, indicado que formos pela nossa diretoria, para acompanhá-lo em tempo integral. E como aquela experiência de campo com o nosso antigo professor de Geologia Geral nos foi proveitosa! Culminou com a publicação da Carta Geológica da Província Scheelitífera da Borborema, na escala de 1:250.000, hoje quarenta e dois anos depois, ainda sendo consultada! Uma Nova Estratigrafia para o Seridó, trabalho publicado na Revista Engenharia Mineração e Metalurgia, nº 265 e “Succession Stratigraphique e Passage

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Latereaus du Métamorphisme dans la série Ceará. Antecabrien du Nord-Est Bresilien”, publicado na C.R. Academie de Sciences - Paris. Vale a pena lembrar a importância que teve a Divisão de Cartografia da SUDENE, com a impressão das cartas topográficas do Nordeste, em curvas de nível, na Escala 1:100.000, tendo como apoio os levantamentos aero-fotogramétricos e um acompanhamento criterioso de campo. Até os dias atuais servem de base para todos os pedidos de pesquisa mineral solicitados ao DNPM, na região! São consideradas das mais importantes do Brasil! Estas informações foram necessárias, não só para lembrar o que foi a SUDENE, como para o relato do que foi o Colóquio Internacional dos Granitos do Nordeste, realizado no ano de 1967. O Professor Fernando Flávio Marques de Almeida juntamente com o Prof. Otávio Barbosa, foram responsáveis pela organização do Congresso. Solicitaram colaboração da SUDENE para os trabalhos preparatórios, incluindo a escolha do roteiro, a seleção dos pontos a serem visitados e os trabalhos a serem apresentados. Fomos indicados pelo Diretor do DRN juntamente com o colega Edilton José dos Santos para acompanhá-los naquele período entre 15 de junho a 15 de agosto daquele ano. Percorremos toda a área que seria visitada incluindo Santa Luzia, Ouro Branco, Salgadinho, Jardim do Seridó, Acari, Caicó, Barra de Santana, Patos, Junco do Seridó e Serra Talhada. Ficou estabelecido que apresentaríamos: -- Mapa Geológico da Quadrícula de Santa Luzia - Escala 1:100.000; -- Mapa Geológico da Quadrícula de Caicó – Escala 1:150.000; -- Carta Geológica Preliminar da Folha Jaguaribe – Escala de 1:1.000.000; -- Considerações sobre uma nova Estratigrafia para o Seridó.

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Em 28 de junho de 1967, recebemos o convite da UNESCO e da União Internacional das Ciências Geológicas, convite feito através do Diretor de Divisão de Geologia e Mineralogia do DNPM, Dr. Evaristo Penna Scorza para participar do Colóquio, acompanhado de uma lista completa dos participantes. A solenidade de instalação ocorreu no Auditório do Conselho Deliberativo da SUDENE, em 03 de outubro de 1967. No dia seguinte teve início a excursão de campo, pelo interior dos Estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Tanto os participantes estrangeiros, como os brasileiros que desconheciam o Nordeste, todos ficaram bastante impressionados com as exposições dos granitos visitados e também com o estágio de desenvolvimento da região, excedendo, de muito, a expectativa dos coloquistas. Nossos trabalhos, os quais foram apresentados em locais previamente escolhidos, tiveram boa aceitação e foram bastante solicitados. Maior destaque às belas exposições de rochas graníticas das regiões de Santa Luzia na Paraíba e Caicó no Rio Grande do Norte. Em um determinado afloramento em Barra de Santana, na quadrícula de Caicó, local onde se sobressaíram extraordinárias exposições de granitos pórfiros, desenvolvidos em processos de anatexia nos gnaisses da formação Jucurutu, durante uma exposição feita pelo Prof. Fernando Flávio, todos ouviram do Professor Raguin, Geólogo francês, maior autoridade em granitos do mundo, a afirmação de ser aquela a mais bela ocorrência de um granito, que já vira em toda sua vida. Aquela expressão de mais pura sinceridade nos deixou envaidecidos pelo acerto da escolha. Participantes do “Colóquio dos Granitos do Nordeste”, destacando-se: Fernando Flávio Marques de Almeida, Heinz Ebert, V. Marmo, C. Karunakaran e Raguin Arquivos do Autor.

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Participantes do “Colóquio dos Granitos do Nordeste”, destacando-se: A. Tugarinov, V. Marmo, este Autor e pessoas da comunidade de Catingueira, PB. Arquivos do Autor.

Mas o Colóquio não foi só ciência, houve momentos de descontração e de brincadeiras, até mesmo por conta da camaradagem que se fez, de forma espontânea entre toda a equipe. No hotel de Serra Talhada, um forró improvisado, expôs os dotes sambistas de alguns partícipes, destacando-se o Professor Otávio Barbosa, com todo o seu requebro desinibido, contagiando os demais, bem como no almoço que nos foi oferecido em Catingueira, nas dependências de uma Escola Pública onde os Geólogos estrangeiros fizeram um sucesso tremendo junto aos moradores da cidade, especialmente o Dr. Tugarinov de Moscou, com a sua simpatia, distribuindo selos russos com populares presentes. O encerramento oficial da excussão se deu no topo do Alto dos Tanquinhos, Município de Pedra Lavrada, pelo Professor Fernando, à noitinha do dia 15 de outubro de 1967, uma sexta-feira. Destaque especial aos participantes, entre eles os Professores: Marmo, finlandês: Bogdanov, russo e Raguin, francês, pelos conhecimentos demonstrados durante a excursão e ao Dr. Tugarinov pela simpatia e espírito comunicativo. Entre os brasileiros o Professor Grossi Saad, da Escola de Minas de Ouro Preto; Othon Leonardos e Valença do DNPM do Rio de Janeiro; Professor Picada da Escola de Geologia de Porto Alegre, Edilton Santos, nosso companheiro da SUDENE, pela camaradagem, entrosamento e amizade que fizemos; ao Professor Otavio Barbosa pelo carisma, seu jeito brincalhão, mas, sério e competente quando se fez necessário, e especialmente ao Professor 205


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Fernando que soube dirigir aquele evento, tanto na fase preliminar de seleção do roteiro e distribuição de atribuições, como durante a realização de tão esperado Colóquio. Para mim, Geólogo novo, com apenas cinco anos de formado, foi uma deferência muito grande, ter sido convidado e ainda mais por ter tido a honra de ser escolhido para apresentar trabalhos técnicos àquele grupo seleto de cientistas nacionais e estrangeiros, reunidos naquele conclave internacional, itinerante, pelos caminhos áridos, nas pegadas de uma geologia rica e exposta, do nosso Seridó mineiro.

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Cristal de quartzo fumĂŞ

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EPÍLOGO

Turmalina “azul Paraíba”, São José da Batalha

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EPÍLOGO

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ste texto foi todo ele elaborado, de tal maneira a conduzir a história, ou as suas trilhas, de acordo com o título, em forma de prosa, como citado no Prólogo, sem retórica, o mais possível real, falando de fatos ocorridos, tendo como protagonistas heróis anônimos, com seus sucessos, seus fracassos, suas fases de euforia, suas dificuldades, como acontece em todas as atividades das quais o ser humano participa. “Quase sempre julgando tudo, o melhor possível!” Da forma como diz velho ditado oriental: “O otimismo é uma disposição alegre, que permite um bule de chá assobiar, mesmo estando com água quente até o nariz”. Assim é o minerador, mesmo nas fases mais adversas, mantém o ânimo em alta, seu astral só arrefece com as ameaças de punição à sua atividade honesta, mediante a presença daqueles que vêem para punir, para descobrir irregularidades, “dá carão!” Quase nunca instruir ou educar, etapa necessária à regulamentação do setor. É impressionante essa mentalidade policialesca e ditatorial! Não só dos órgãos competentes, mas, ultimamente, até de ONGS - “Os donos da verdade”! Abstrairemos de comentar os grandes Mineradores, responsáveis maiores, pelo sucesso econômico do setor. Personalidades como o Desembargador Tomaz Salustino, Dr. Mário Moacir Porto e Dr. Sílvio Bezerra de Melo, da Mina Brejuí; Mário Pergentino, “Mr. Lang” e seu Chico Pergentino, da Mina Quixaba; Zé Marcelino e Severino seu irmão, do Alto do Giz; Zezé Medeiros e João Medeiros da Mina Salgadinho; Zé Ginane de Malhada dos Angicos; Orelana, Devanil, Bedoia e tantos outros grandes técnicos que atuaram em Currais Novos; Zé Dantas, Ximenes, Sebastião Campos, todos empresários de sucesso durante o Ciclo da Scheelita; Fernando Holanda, Tuca Toledo, Cláudio Holanda e Marcos Amaral, entre os mais operantes no Ciclo das Rochas Ornamentais; Zé Nilson Crispim, “Piau”, Antonio Florentino, Manoel Gonçalves, Cassiano Pereira e Libânio, na explotação de corretivos e produtos cerâmicos, além de Empresários do setor de gemas, como Luizélio Barreto ( já falecido) e Heitor Barbosa.

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Mesmo com este alheamento é impossível fazer citação a todos, até por não termos esse conhecimento! Escolhi alguns tipos relevantes, muitos lembrados no texto, alguns deles já desaparecidos e outros ainda em plena atividade. Na realidade esse remate foi feito para homenagear uma classe. Raimundo Preá, foi dos primeiros Garimpeiros, talvez o pioneiro na execução de pesquisas minerais no Sabugi, mesmo que por métodos empíricos. Não tinha a formação acadêmica para fazê-lo de outra forma! Morava na então vila de Várzea, que era ligada ao Município de Santa Luzia do Sabugi. Foi o descobridor de grandes jazidas, incluindo entre elas a mina de scheelita da Quixaba, no ano de 1942, a maior e que mais produziu tungstênio no estado da Paraíba e uma mina de barita naquele mesmo Distrito, ainda hoje com reserva considerável. João Anízio iniciou suas atividades como Garimpeiro na recém descoberta mina da Quixaba. Depois foi comerciante em Santa Luzia, sua principal atividade era a venda de produtos alimentícios. Comprava “minério”, na sua Bodega, todos os sábados, dia da feira na cidade – scheelita, minériopreto, água-marinha, barita e até amostras minerais – coisa que no seu tempo era difícil! Gostava de regatear preço, era tido como muito seguro, mas só comprava a dinheiro, nada de cheque, isso facilitava o seu comércio. Mário Leitão, para quem trabalhou, com ele muito aprendeu. Temos em nossa coleção algumas águas-marinhas adquiridas a ele. Chico Abel, foi dono de um dos dois primeiros postos de gasolina de Santa Luzia. Apaixonado por minério, no período áureo da produção de scheelita, principal “minério-social”, no Seridó. Além de comprador dos mais acreditados, foi também Minerador. Mantinha sempre, sob sua responsabilidade, duas a três “banquetas” de scheelita na região, financiando, desde o explosivo à feira, para os que trabalhavam com ele. Muitas vezes deixava Dona Maria no posto e passava dias nas “banquetas”, malocando. Como Geólogo novo, contratado pela SUDENE para, com outros, mapear e pesquisar a Província Geológica do Seridó, eu gostava de trocar idéias com ele, sobre as ocorrências dos tactitos do Sabugi. Era o único assunto que a ele interessava, enquanto viveu!

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Mário Ferreira exerceu a profissão de minerador por diversas vezes. Trabalhou na mina de ouro do Piancó na execução de serviços de topografia. De 1944 a 1946 lavrou fluorita na mina de Salgadinho, que pertencia a seu avô Zezé Medeiros. Na época o preço do produto despencou e ele inteligentemente, estocou sua produção de alguns meses, até que de repente, o Presidente Eurico Dutra proibiu a importação de fluorita, fazendo com que o preço disparasse no mercado interno. Foi o suficiente para que Mário, com a venda do seu estoque, conseguisse juntar o dinheiro necessário para se casar, o que aconteceu em outubro de 1947. Trabalhou por alguns anos na mina do Príncipe, inicialmente como topógrafo, depois a convite de Dr. Brody, como chefe da equipe. Sempre gostou de minerais e tinha uma extraordinária coleção. Mário Leitão é um velho amigo, Minerador já aposentado. Foi Garimpeiro, com passagens pela Mina de Fluorita de Salgadinho, Mina de Ouro de Piancó, Minas de scheelita de Quixaba de Brejuí e de Quixeré em São João do Sabugi. É um dos principais narradores das histórias aqui contadas, todas por ele vivenciadas. Foi comprador de minério-preto e de scheelita, atuou ativamente em São José da Batalha, negociando “Paraíba”. Velho companheiro de muitos anos de estrada, pelos garimpos do Seridó. Olavo de “Cabôco”, já está bem velho, mas, o assunto que ainda gosta de falar é sobre minério. Um misto de Fazendeiro e Garimpeiro, daqueles que costuma ter na região! Nunca quis saber de explorar metálicos, não conhecia e as poucas vezes que tentou, levou repique. Durante quase toda sua vida de Minerador, lavrou e negociou com calcário, argila, barita, cristal, calcedônia, prego... Sempre nessa linha! Especulando a todo tempo, novas utilidades para as substâncias minerais, que no seu imaginário, descobrira e nas quais depositava sempre, muitas esperanças. Na sua casa da cidade ou da fazenda, tem montes desses produtos. Mesmo que se queira com ele colaborar, é difícil, as amostras então! Por mais que se procure uma mais representativa ou mais interessante, é perdido, não vai encontrar. Em 2007 encontrei Bengala em Acari, no antigo restaurante de Zequinha, hoje do seu filho. Mais de vinte anos sem vê-lo! “Bengala, que surpresa encontrá-lo! Pensei até que já tivesse...!” “Pois é Dr. Aderaldo, eu

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também estou surpreso, achava que o Senhor também tivesse...”. Foi uma festa aquele encontro, entre dois amigos, registrado por meu filho Zé Ferreira, depois de tanto tempo. Tenho em nossa coleção duas amostras de wolframita, do tempo que o velho Bengala andou garimpando pras bandas do Norte... Olavo de Araci, muito novo começou a garimpar scheelita nas terras do Quipauá. Tinha faro apurado para aquele minério! Nunca passou batido nas “banquetas” que lavrou. Era desconfiado, gostava de trabalhar sozinho, garfava e bateiava muito bem, e por ser solitário fazia tudo com muita competência. Com a queda da scheelita, resolveu mudar de atividade, pegou um Pau-de-arara e, como muitos nordestinos, seguiu para o sul, onde já vive há mais de vinte anos. Dami, seu irmão, trabalhou com a BRASIMET na Mina da Quixaba. Pela competência demonstrada foi levado pela direção da Empresa multinacional para Morro do Níquel em Minas Gerais, terminando por estabelecer-se, definitivamente, em Niquelândia.

Encontro entre este Autor e “Bengala”, velho Garimpeiro de Acari, depois de vinte anos. Foto José Ferreira Tavares.

Chico Dourado, foi ex-Combatente na II Guerra Mundial. Destacou em Rio Tinto como Praieiro, “perseguindo alemão”, como ele dizia - pessoas da família Lundgren... Contou-me Naugthon Rocha, que na sua volta para Santa Luzia do Sabugy - a terra dos Pracinhas - aventurou-se na garimpagem de scheelita. Final dos anos quarenta do século passado, no auge da produção. Conseguiu um trecho, em área que se dizia promissora. Comprou as ferramentas de

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trabalho e danou-se a cavocar! A banqueta já ia funda e nada do minério aparecer, nenhum sinal! Outro Garimpeiro mais experiente, vendo aquele desperdício de tempo e de trabalho, sugeriu-lhe que abandonasse aquela frente e procurasse outra área com mais indicativo de minério. Chico muito bruto, afobado e teimoso, eram algumas das suas características mais marcantes, retrucou: “Eu só paro quando incrontá xilita... ou então do lado de lá da terra, com a picareta fincada na cabeça dum japonês”. Ainda alimentava o ranço da guerra! Zé de João sempre foi Garimpeiro. Sempre negociou amostras. Trabalhou com granadas almandinas em Carnaúba, depois negociou os primeiros lotes do bambúrrio de granadas de São Valério. Seu filho, Chico de Zé de João, aprendeu com o pai o ofício de Minerador, bandeou-se, como muitos Garimpeiros, para São José da Batalha, onde ainda hoje vive à procura das azuis “neon”. Pacífico era dos Garimpeiros antigos de Parelhas, uma sua amostra de água-marinha, biterminada, de boa cor, sem defeitos visíveis “a olho nu”, foi das amostras, naqueles primeiros anos, que mais me impressionou. Airson, da família de compositores musicais de Carnaúba dos Dantas, é hoje empresário do setor cerâmico e comerciante, teve sua iniciação nos garimpos de sua terra. Dele tenho algumas amostras de scheelita e vezuvianita, adquiridas nos anos setenta do século passado. Somos amigos até hoje! Antônio Florentino, é um líder nato, qualidade conquistada ao longo dos anos, pela força do trabalho, inteligência com sabedoria e muito jogo de cintura! Quase sempre assimila sem contestar, as orientações técnicas pertinazes transmitidas por profissionais confiáveis, e aí aflora sua humildade, outra qualidade de homem sabido... Para ele nada é difícil, principalmente no que diz respeito à lavra garimpeira de pegmatitos, naquela região do Seridó, que tem como centro principal o Município de Pedra Lavrada na Paraíba. Hoje comanda uma grande equipe de garimpeiros que atuam na extração de micas, para a multinacional Von Roll do Brasil, que trabalha com esse grupo de minerais em todo o Nordeste.

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Constituiu uma Empresa - Mineração Florentino Ltda. - a qual já conta com muitas áreas promissoras requeridas, algumas desenvolvendo pesquisa ou já em lavra, dessa forma passando à condição de pequeno Empresário. O novo “status” não tem sido empecilho para, como garimpeiro de fato, manter ainda o seu matolão preparado - rede, coberta, toalha e uma muda de roupa - sempre pronto para, a qualquer hora, em qualquer dia, arranchar em algum garimpo. Ximenes foi Empresário próspero no ciclo da scheelita no Seridó, na época áurea do domínio do tungstênio, como metal de qualidades excepcionais. Ainda hoje, passados quase 40 anos, teima em permanecer ativo, na lavra de pegmatitos, agora como Garimpeiro. Fez o caminho inverso do que normalmente acontece com a maioria. Sequer pensa em deixar a lida... Um exemplo a ser seguido! Alberto, hoje advogado, já garimpou e negociou amostras minerais na região de Soledade. Ainda temos em nossa coleção, um belo cristal de água-marinha biterminado, a ele adquirido. Zé da Quixaba é o Garimpeiro mais conhecido de Frei Martinho. No Alto Quixaba em sua propriedade, deparou-se com um “bambúrrio” de turmalinas verdes e azuis, com bilas de até 12g! Entre os anos de 1992/94 a produção destas gemas foi tão grande, que fez a independência econômica da família. Ana Cláudia, Engenheira de Minas, filha do Autor, fez sua tese de Mestrado em Mineralogia e Gemologia no Alto Quixaba, defendida e publicada no ano de 1998. Lá descobriu um mineral, que chamou à atenção por algumas características peculiares: cor verde folha, alta densidade, brilho adamantino, às vezes transparente, sistema cúbico, hábito quase sempre achatado, arredondados, possivelmente um novo mineral da série isomórfica pirocloro/microlita (48), incrustado na cleavelandita, com alguns poucos cristais bem formados, forma octaédrica, como este que ilustra a foto. É um mineral raro ainda não encontrado em outro pegmatito. Análise química realizada, à época, indicou a possibilidade de ser um novo mineral, da série isomórfica acima indicada. Análises complementares foram solicitadas, sem resultado.

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Raríssimo cristal octoédrico, de um mineral verde-folha, encontrado pela primeira vez, por Ana Cláudia Ferreira no Alto Quixaba, Município de Frei Martinho, PB, em 1997. É um tantalato da série isomórfica microlita-pirocloro, com possibilidade de ser um novo mineral.

Forma mais comum do possível novo mineral da série pirocloro/ microlita. Cristais achatados, arredondados, de cor verde folha, alguns transparentes.

Dudelo, velho Garimpeiro de Carnaúba dos Dantas, ficou cego em conseqüência do uso inadequado de explosivos, em um garimpo, na Bahia. Pela larga experiência que já tinha, não quis deixar a profissão, continua até hoje como Minerador. Depois do acidente trabalhou em Rondônia nas lavras de cassiterita e no Ceará como negociante de gemas. Compra e vende sem aparentar maiores problemas. Usa como armas, já que não tem mais a visão, o faro, o tato e até sugestões psicológicas. Certa ocasião, em 1990, fui com Alfredo ver um lote de rubelitas que ele havia adquirido no Ceará, no Condado, Alto do Zequinha, com fama de serem as de melhor cor no Brasil. Durante a conversa ele retirou do lote a melhor pedra, segurou com dois dedos, apontou para o sol e disse: “Vejo essa pedra, Doutor... mais de cinco gramas de rubelita limpa, vermelho sangue de pombo... não existe por aqui dessa qualidade!” Parecia até que estava vendo, tanto era a convicção. Ao sairmos, com o lote comprado, Alfredo disse: “Só pode ser mandinga ou esse home vê mais do que eu!”. 216


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Toinho Medeiros por muitos anos trabalhou na “Wachang” com Nego de Cera na lavra de scheelita. Colecionador de moedas gostava de “juntar amostras”! Algumas boas peças de tactito consegui com ele, na vila da “Wachang”, onde morava. Valdemar Trindade, antigo comprador de minérios de Parelhas. Tinha uma coleção de minerais famosa, sempre visitada por estudantes de Geologia e de Engenharia de Minas de todo o Nordeste. Conheci-o quando estudante, em 1959, em uma excursão da Cadeira de Mineralogia ministrada pelo Prof. Bhaskara Rao, ocasião na qual visitamos o Alto Boqueirão de Parelhas. A partir daquela data tornou-se meu amigo. Tenho algumas amostras que foram da sua coleção, inclusive este geminado de manganotantalita, raríssimo, que ilustra o texto.

Extraordinária amostra de manganotantalida geminada, procedente da coleção de Valdemar Trindade, pesando 319g, hoje na Coleção Ferreira & Tavares.

Ernandes Cordeiro, sempre trabalhou em mineração, como Garimpeiro, no Alto Redondo, em sua Fazenda e no Alto do Cabeço em Parelhas. Negociava com gemas brutas e amostras minerais. As reuniões em sua casa na cidade de Parelhas eram freqüentes. Sua hospitalidade, sua camaradagem, a todos cativava. Quando pigarreava sucessivas vezes – tinha o hábito de fumar! Estava dando a senha de que naquele dia, vendia seu produto por qualquer preço, era só barganhar! Novinho, iniciou sua atividade garimpeira no bambúrrio de Zé Jusino, em 1988. Sua especialidade como vendedor de amostras minerais são as manganos, como ele diz – terminadas – as turmalinas, os euclásios,

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todos os tipos de berilos transparentes e outras que caiam em suas mãos. Herdou de Irenaldo, o Gato, o mesmo estilo de atuação. Parece até que com ele aprendeu a negociar. Sua característica mais peculiar é sonegar sempre o local dos jazimentos. Essas informações ninguém consegue dele. Se é prás bandas de Equador ele aponta Carnaúba dos Dantas, em tudo mais é pessoa muito confiável e criteriosa. Esse belíssimo cristal de manganotantalita marrom foi adquirido a ele. Não sei o local do jazimento!

Extraordinário cristal de um tipo especial de manganotantalita de cor marrom, com todas as faces, pesando 2990g, adquirida a “Novinho”, originária de um pegmatito da PPB. Coleção Ferreira & Tavares.

Alfredo, velho Garimpeiro aposentado. Trabalhou no “Cadastramento de Ocorrências de Minerais Gemas do Nordeste” entre 1981 e 1987. Grande conhecedor de gemas brutas, especialmente água-marinha, cordierita e turmalina. Com ele aprendi a “martelar”. Preparava um lote como poucos, principalmente usando os martelinhos de cabo comprido. Sempre viveu de mineração com muita competência e profissionalismo.

Amostra rara, com três cristais completos de quartzo e três cristais biterminados de turmalina elbaítica azul, o maior deles com (38 x 7) mm, procedente do Alto Serra Branca, Pedra Lavrada, PB. Coleção Ferreira & Tavares.

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Chico Souza, ainda luta com amostras minerais. Com o produto do garimpo conseguiu educar sua família. Uma das suas filhas é Geóloga, formada em Natal. Seu filho Beira-e-bica especializou-se em turmalinas Paraíba. Ambos Capangueiros, não exercem outras profissões. Quando surge uma oportunidade estão na lavra à procura de gemas e amostras minerais. Ambos meus amigos e companheiros de muitos anos. Cleodon é outro que só sabe minerar. Já trabalhou em muitos Altos, inclusive no Boqueirão de Parelhas, de onde conseguiu retirar muitos bolsões com gemas. Sua especialidade maior é o euclásio. Os maiores do Seridó foram por ele retirados de alguns bolsões encontrados em pegmatitos de Equador e Parelhas. Quando não consegue gemas, trabalha na lavra de feldspatos, quartzo e caulim, sempre com muita competência. Tico Ageu é destaque entre os Garimpeiros de fibra de Carnaúba dos Dantas. Comprador de minérios dos mais credenciados pela sua correção. Seu filho Tião também Minerador é muito trabalhador e muito eficiente naquilo que faz. É um bom comerciante de gemas brutas e de amostras minerais. Em suas mãos sempre aparecem novidades! Para conseguir isso, anda muito pelos caminhos do Seridó – Pedra Lavrada, Parelhas, Equador, Currais Novos... - assim conseguiu tornar-se dos melhores comerciantes da região. A belíssima amostra que ilustra essa página foi adquirida a ele! Vavá, foi um trabalhador do ramo de amostras, dos mais espertos, mas também muito diligente na profissão, tinha a fama de excelente “colador” de amostras, arte que exercia com muita eficiência. Foi o melhor da região, superou até Jurandir de Equador! Na nossa coleção, algumas amostras (não coladas!) foram adquiridas a ele. Manoelzinho, é dos que muito se envolve com turmalinas “Paraiba”. Conhece o mercado das “azuis” quase tanto quanto Zezinho de Equador. Este sim, entre os Capangueiros da terra, o maior e melhor negociante da “Batalha”. Nunca se engana, olhando uma mercadoria à luz do sol! Tanto sabe vender quanto comprar, além do que é confiável.

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Antônio Barbudo jamais garimpou. Entrou no ramo comprando de tudo que lhe era oferecido. Pense num verdadeiro “Mercado Persa” que é o seu depósito, nos fundos de sua casa! Tudo desarrumado, amontoado sem classificação, às vezes, pequenos lotes estocados em saquinhos. De mercadoria dele não se espere coisa extra. Amostras para estudantes! Mas, vale a pena conhecê-lo. Manoel de Zé Lucas ganhou muito dinheiro com as “Paraibas”. Hoje nos seus armazéns, na saída de Carnaúba dos Dantas para Picuí, são encontradas amostras gigantes, com até 500 kg, principalmente de quartzo róseo; montanhas de micas, mármore ônix, calcedônias e, engraçado, tudo ele vende! Pois, de outra forma já teria falido, ou então juntou tanto dinheiro naquela fase áurea das turmalinas azuis de São José da Batalha, que não sabe mesmo o que fazer com a grana que tem. Sivaldo atua em Nova Palmeira e Municípios vizinhos. Desenvolveu um sistema, que foi adotado pelo “Projeto Garimpão” no início dos anos oitenta do século passado, com muito sucesso, e hoje aloca compressores, martelos pneumáticos, caçambas, engenhos móveis e até financia explosivos a grupos de Garimpeiros, geralmente em áreas por ele requeridas (mas não pesquisadas!) e compra deles os produtos minerais! Procedendo desta forma, deixou de ser Garimpeiro, transformandose em empresário de sucesso, muito respeitado na região. Juraci de Zé de Quintino, velho Garimpeiro de Santa Luzia, meu amigo de infância. Especializou-se em água-marinha, sua maior paixão. Duas das melhores que tenho já lapidadas, foram por ele encontradas nos aluviões do Riacho do Farias. Pesquisando na Serra Grande, no Talhado encontrou um grande bolsão de berilos azuis, “olhados” no ano de 2001, com aproveitamento de 30% de puras gemas de qualidade extra! Edilson Gambarra além de um Político de muito prestígio no Junco do Seridó, é Minerador apaixonado e de muito talento. Iniciou suas atividades com a retirada de um bolsão de água-marinha de qualidade singular, pela beleza e raridade das peças. Depois atuou em São José da Batalha, na fase áurea da produção. Tem trabalhado em outros altos

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produtores de turmalinas, como sócio de outro “Garimpeiro apaixonado”, o também Político, ex-Deputado Nilo Feitosa. É aquela história, quem trilha pelos caminhos da mineração dificilmente abandona a nova profissão, também pudera, quando se acerta, o lucro é alto, principalmente no setor de gemas. Seu pai Zé Neco, possivelmente influenciou sua opção. Como ele, foi Minerador desde os tempos que morou em Parelhas. Dele adquiri belas amostras de Euclásio, algumas em nossa coleção. Gilvan Freire e Paulo Freire, seu irmão, são descendentes de uma das famílias mais antigas do Sabugi - Manuel Fernandes Freire e Antônia Valcacer – casal que gerou as “sete irmãs da Cacimba da Velha”. Como ambos são entusiastas da mineração, não sei se até posso chamá-los de “garimpeiros novos”! O fato é que iniciaram uma pesquisa em antiga ocorrência de scheelita, localizada em terras da família, no Município de São Mamede, de onde retiraram um lote de granada grossulária com qualidade gemológica, à época beneficiada por Bahiano. Depois exploraram um grande pegmatito nas imediações de Lajes Pintada, próximo dos limites da Paraíba com o Rio Grande do Norte, onde conseguiram uma expressiva coleção de belíssimos cristais de quartzo, contendo peças dignas de quaisquer museus do mundo! Finalmente foram conquistados pela euforia da “febre chinesa do ferro”, requerendo áreas e partindo para a etapa comercial. Espero que estejam tendo sucesso na iniciativa. Particularmente não acredito, as reservas na Paraíba são inexpressivas! Teodimar Gambarra, primo de Edilson, foi dos mais atuantes Garimpeiros de São José da Batalha, naquele período que por lá também atuou Heitor Barbosa, presidente de uma Cooperativa de Garimpeiros, o que mais turmalinas azuis produziu. Fez fortuna e teve seu nome reconhecido internacionalmente, como o maior produtor de “Paraíbas”. Seu filho Sérgio Barbosa à frente das atividades do pai, ainda vive em São José da Batalha, batalhando por outro bambúrrio das azuis “neon”. Josa, atuava como Garimpeiro em sua terra Juazeirinho gostava de trabalhar em pegmatitos à procura de gemas. Descobriu, em 1978, uma

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ocorrência de turmalinas róseas na saída de Juazeirinho para Gurjão, depois trabalhou comigo na pesquisa e na lavra da jazida do Catolé, conhecida como “Mina de Renato”, a qual produziu as mais limpas turmalinas que conheci! Tinham, predominantemente, uma cor verde folha, com pedras de grande tamanho. Todas as pedras verdes lapidadas deste crucifixo que ilustra o texto foram retiradas por Josa no Catolé.

Turmalinas lapidadas de cor verde-folha a maior pesando 21 qt para confecção de um crucifixo, com uma única rubelita no centro. Com exceção desta, procedente do Condado, todas as outras são originárias do “Alto Catolé”.

Bahiano, chegou ao Seridó no final da década de setenta do século passado. Veio de Campo Formoso, foco das Esmeraldas, para onde nunca mais voltou. Participou com Alfredo e Zé Alves ex-funcionário do Laboratório da Produção Mineral de Campina Grande, do Projeto “Cadastramento de Ocorrências de Minerais Gemas do Nordeste”, com muita eficiência. Como Pequeno Minerador, teve altos e baixos. Uma sua característica – humildade franciscana nas épocas das vacas magras, orgulho de rei nas fases de sucesso - tanto que desconhece os amigos! Geralmente pede cem e vende até por vinte, um vício de bahiano Capangueiro. João Galo, amigo de Zé Alves e seu antigo companheiro de mineração nos anos cinqüenta. Estabeleceu-se no Junco no ramo de combustível, onde ficou e criou sua família. Legou para seu filho Anchieta o amor pelos minérios, principalmente o “ramo” das pedras preciosas –

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turmalinas e águas-marinhas. Veinho, como é conhecido Anchieta, hoje é empresário do setor de caulim, possuindo decantadores e até uma indústria de beneficiamento localizada na Barra, de sociedade com seu cunhado Rui, um mineiro radicado no Seridó, que como outros, veio e ficou. Mendonça é outro que chegou ao Junco nos anos setenta para atuar na produção e venda de quartzitos serrados, atividade que ainda exerce com seu filho. Ajudou a fundar a Cooperativa dos Garimpeiros e foi seu primeiro Presidente. Homem cordato, pacificador, com grande liderança no setor de rochas ornamentais quartzíticas. Osmar Bezerra, conhecido também pelo apelido de “Corró”, é o atual Presidente da Cooperativa dos Garimpeiros do Junco. Sua área de atuação é a do caulim e ele controla alguns altos pegmatíticos produtores deste mineral cerâmico. Homem trabalhador, muito ativo e com liderança sobre boa parte dos seus companheiros. É dono de um Decantador que fornece matéria prima para indústrias instaladas na região. Ranieri, chegou muito novo a Parelhas. É mineiro de família de mineradores. Como todo Garimpeiro é jogador, confia na sorte. Alterna fases de sucesso com outras de decadência. Teve oportunidade de fazer fortuna com as turmalinas azuis de São José. Negociou áreas com grupos alemães, fazendo fortuna. Entrou na política sem muito sucesso e atualmente atravessa uma fase crítica. Para ele isso não conta, confia na sorte! O astral é sempre o mesmo, cordato, educado, ninguém fala mal dele. Walmor Pacher, antigo caminhoneiro catarinense que sempre vinha ao Junco comprar caulim e feldspato para a Empresa GERMER Porcelanas Finas e por lá se estabeleceu. Há mais de trinta anos é Minerador de sucesso no Seridó. Sua empresa “Mineração Pacher” é concessionária de áreas, atua na produção e beneficiamento de caulim e feldspato, vendendo seus produtos, principalmente, para seu Estado Natal, Santa Catarina. Pessoa de fino trato associa sempre trabalho com competência, nos seus empreendimentos. Está normalmente pronto para servir. Procura ajudar

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e orientar aqueles que o consultam. No refeitório de sua Decantação, todos que o visitam, são bem recebidos com direito a gostosa feijoada e excelente “Bonican”, uma especialidade de sua mãe! A foto ilustra um momento de descontração no refeitório.

Refeitório da Mineração Pacher, no pátio do decantador, presentes: Walmor, Roberto Braga, este Autor e Anchieta.

Raimundo Pimenta iniciou-se muito novo como comprador de minérios. Pessoa confiável, extremamente competente, logo se tornou conhecido em todo o Seridó. Por algumas décadas comprou scheelita pra “Wachang”, depois por conta própria. Nunca recebeu uma reclamação, sempre foi muito consultado, é dos mais criteriosos do setor. Logo cedo passou a contar com a companhia de seu genro Marcos Procópio, que teve atuação destacada na produção e comercialização de gemas e amostras minerais. Seu desaparecimento trágico foi muito comentado na região que atuava! Principalmente no trecho entre Equador e São José da Batalha, onde costumava trabalhar. Zé Oliveira foi dos Garimpeiros mais trabalhadores que conheci. Decididamente, como uma exceção à classe, não tinha espírito de jogador! Era seguro de morrer, quase nunca conseguia vender o que tinha. Algumas boas amostras da nossa coleção foram compradas a ele! É bem verdade, tirando sangue de pedra.

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Zé Silvestre fez história em Tenente Ananias, era meu amigo, juntamente com seu irmão João Silvestre e Chico do Bar. Todas as vezes que visitei aquela região fui sempre por eles bem recebido. Toda a produção das jazidas daquela subprovíncia pegmatítica de Souza, e não era pequena! Foi por eles e por Calixto, outro grande comerciante do setor, monopolizada. Os quatro conheciam aquela gema azul derivada do berilo como poucos! Dominaram o seu mercado por mais de vinte anos, durante todo o tempo que perdurou a produção. Já nos anos oitenta e noventa do século XX, Zé Silvestre voltouse para São José da Batalha, onde, juntamente com Heitor Barbosa e o Deputado Levy Olinto monopolizaram a produção e o comércio das turmalinas azuis Paraíba. Só deixou o controle da sua área quando morreu. Zé Parelhas veio de lá, da terra que lhe deu essa alcunha. Há muitos anos sobrevive da produção de calcário, proveniente das grandes jazidas de São Gonçalo, Município de Santa Luzia. Garimpou scheelita em Umbuzeiro Doce, de onde extraiu belas amostras com granadas glossulárias. De parceria com Neném Bentivi e seu filho Gilson, descobriram a ocorrência anômala de vezuvianita, de cor lilás, com uma incidência muito grande de gemas, uma raridade somente encontrada, em todo o Mundo, naquele recanto ermo da Serra do Albino. Pela singularidade da cor e da transparência, foi por nós, que a estudamos e a identificamos, designada de “tapuianita”, alusão aos índios Tapuyas da Nação Tupi, que habitaram aquelas terras até início do século XIX.

Rara amostra de vezuvianita de cor violeta, com qualidade gemológica. Pela singularidade e raridade talvez seja única no mundo. Já está sendo chamada de tapuianita, alusão aos índios Tapuyas, da Nação Tupi, que habitavam aquela região, até inicio do século XIX. Coleção Ferreira & Tavares.

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Aderval é Garimpeiro porque seu pai foi Garimpeiro, seu filho já é Garimpeiro... Aquela história de casta, quem nasce em uma, vai até o fim com ela! Mas é essa atividade que tem garantido o sustento da família Amâncio de Equador! Porque deixar por outra? Atravessam períodos de fausto, com “bolsões” ricos em gemas - água-marinha, heliodoro, beriloouro - e outros de luta pesada só lavrando “prego”, quando muito feldspato de boa qualidade. Essa água-marinha da foto foi tirada por ele no Alto dos Amâncios. Belo cristal de água-marinha, pesando 235g, com sinais de corrosão, procedente do mesmo local de onde foram retirados os berilos-ouro iridescentes, do Alto dos Amâncios. Adquirido a Aderval para a Coleção Ana Cláudia Ferreira.

Zezinho do Tenório foi outro que por muitos anos negociou Paraíba. Durante a fase áurea de produção esteve sempre por lá. É outro apaixonado por minério! Comprou tantalita, negociou amostras e gemas. Era daqueles que tinha faro, sempre conseguia “mercadoria” de boa qualidade. Há algum tempo afastado do setor. Deda é Garimpeiro novo e batalhador. Sua área de atuação se estende entre Junco e Parelhas, mas nada impede que, de repente, se mude para Quixeramobim! Tem sempre boas amostras e bons lotes de gemas. Como todo minerador é confiante, passa por altos e baixos, mas nunca desiste, confia sempre que seu grande dia há de chegar. Temos em nossa coleção boas amostras a ele adquiridas. É pessoa confiável e de bom trato. Este cristal corroído de água-marinha foi comprado a ele.

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Raro cristal de águamarinha corroído de cor azul esverdeado, adquirido de Deda. Coleção Ferreira & Tavares.

Joventino da Brennand, dos pioneiros nas primeiras fases de mineração no Seridó. Trabalhou com os “Brennand”, daí o apelido, depois continuou por conta própria na luta da mineração. A primeira amostra de euclásio que conheci, foi dele, nos anos sessenta do século passado, logo que comecei a trabalhar na SUDENE, como Geólogo. É famoso o Alto São Miguel, localizado em sua propriedade, por ele explorado e que produziu manganotantalitas, turmalinas verdes e as mais belas turmalinas róseas da região. Pedroca atuou em altos de Equador, Junco e Parelhas. Foi famoso um bolsão por ele encontrado, o da Favela, com cristais de água-marinha corroídos, alguns de grande tamanho, aparentando formas estranhas, as quais até receberam “nomes” - Capelinha, Igreja, Buda, Torre – pela semelhança que aparentavam. O “Buda” que ilustra o texto foi originário daquele “bolsão”. Argemiro, Garimpeiro do Tenório, mais conhecido por “Chico Bigodão” é homem forte, novo, trabalhador e normalmente atua nos garimpos da sua região. Em 1996 descobriu em um pegmatito situado no Tenório de Baixo, um bolsão com ametistas, em cristais isolados ou em drusas, algumas de grande tamanho, com até mais de 10 kg, como uma que adquirimos a ele, no local da descoberta, oportunidade na qual em sua companhia conhecemos o jazimento e verificamos ser aquela a primeira ocorrência de ametista em corpos pegmatíticos do Seridó. Normalmente nessa Província a ametista é encontrada em filões de quartzo isolados, de origem hidrotermal.

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Dida, é outro Capangueiro de Junco. Mais sofisticado que Deda, gosta de negociar “Paraíbas” e boas amostras. Seus preços são geralmente altos. Zé Preá foi Prefeito mais de uma vez em Cubati. Nas suas terras alguns pegmatitos produziram gemas e ônix-preto, esta talvez, a única ocorrência deste tipo de calcedônia na região. Sempre trabalhou na compra, venda e produção de minerais. Seus filhos, Orlando e Gilmar, seguiram-lhe os passos e também atuam nos garimpos, principalmente em Carnaúba dos Dantas e Pedra Lavrada. Assis é garimpeiro desde que “se entende por gente”. É dos mais inteligentes e preparados que conheço. Trabalha conosco no Mirador há mais de dez anos, com muita eficiência e lealdade. Tela e bateia como poucos e é uma “fera” em desmonte. João Caboco é outro Garimpeiro que conhece seu oficio. Devido a problemas de saúde se afastou mais das atividades garimpeiras, mas, mesmo assim, continua um pequeno minerador dos bons que conheço. Geraldo Aquino foi pioneiro em Parelhas, na lavra e beneficiamento do quartzito, para uso em pisos e revestimentos, iniciando suas atividades nos anos sessenta do século passado. Sua lavra, na Serra dos Quintos, nos limites do Alto do Cabeço, é avistada à distância, com toda sua imponência, mostrando os cortes profundos que adentraram a pedra bruta, embelezando, na dependência do observador, a paisagem que ocupa, exibindo a prova inequívoca, da presença do homem, desbravando a terra virgem, na sua luta pela sobrevivência. Quem por lá passa e avista o trecho, pensa logo: “Ali tem gente trabalhando, promovendo desenvolvimento, produzindo riqueza!”. Em uma luta hercúlea naquele mundo desolado e hostil, domado por seres determinados, capazes de fazer história naquela região. Hoje seu filho Gean que por lá foi criado, já no signo da mineração, traz no sangue, na sua mente, a consciência de uma saga, tão forte quanto os homens que a protagonizam. E saber que essa história arduamente construída é muitas vezes maculada por pieguices inconseqüentes, irracionais e até permeadas de atitudes cavilosas, francamente, é, de certa forma, desanimador!

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Atualmente Gean já assumiu as atividades do pai. Vive, independentemente, da explotação dos quartzitos, como pequeno minerador, “cavocando” Altos pegmatíticos à procura de minério preto, de feldspatos, de gemas ou até de micas. É trabalhador, inteligente e muito correto. Tem tudo para ter sucesso nas atividades garimpeiras. É amigo e companheiro do meu filho Zé Ferreira, em alguns empreendimentos mineiros, que desenvolvem. João de Solon, Garimpeiro de Pedra Lavrada, trabalhou muitos anos no Alto Feio, extraindo substâncias minerais industriais, principalmente quartzo róseo. Foram notáveis alguns bolsões de apatita-gema que aquele Alto produziu, como um que adquiri dele, há uns vinte anos, com cristais completos, sem defeitos, como esse que ilustra o texto. Seus filhos Nenem e Roberto negociam quartzo-róseo, principalmente com a LEGEP, empresa do Rio Grande do Sul, que trabalha com artesanato utilitário. A relação comercial entre vendedor e comprador, tem sido muito proveitosa. Seu filho Roberto foi por algum tempo, Presidente da Cooperativa de Garimpeiros daquele Município.

Cristal perfeito de apatita cinza azulado, 100% aproveitável como gema, procedente de um “fogão”, retirado por João de Solon, no Alto Feio, Município de Pedra Lavrada. Coleção Ferreira & Tavares.

Otacílio da Pitombeira e Primo foram os principais responsáveis pela descoberta e exploração da Mina da Pitombeira. A produção, na época áurea do tungstênio, era geralmente vendida para a Quixaba, formando aquela parceria, onde o mais forte financiava os explosivos, os equipamentos e até as “feiras” semanais e o menor vendia-lhe a produção, garantindo

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o comércio e o trabalho para os pequenos mineradores das pequenas ocorrências, “satélites” da Mina Principal. Zé Preto em 2004 conseguiu retirar um bolsão com belos cristais de berilo-ouro alojados, quase à flor da terra. Na época trabalhava com Luiz de Dedé, no Alto de Bernardo, localizado nas Flexas, Município de Pedra Lavrada, a meio caminho do pegmatito produtor de belíssimas turmalinas azuis, algumas aparentando “Paraíbas”, conhecido como Alto Serra Branca. Brasil, um Garimpeiro surdo-mudo, muito simpático e muito sabido, trabalha com seus irmãos no Alto Barra de Canoa, único que produziu no Nordeste, um bolsão com cristais corroídos de scheelita incolores e transparentes, verdadeiras gemas, em um corpo feldspatítico, também uma ocorrência singular! Manoel Lázaro, velho Faiscador de Carnaúba dos Dantas, começou trabalhando nos Altos produtores de minério-preto, numa época que não se fazia o aproveitamento integral dos pegmatitos. Os minerais formadores - quartzo, feldspato, “prego” e micas- ficavam nos rejeitos. Nas décadas de 70 e 80 do século passado bandeou-se prá Princesa Isabel à procura de ouro. Especializou-se no ramo e tornou-se dos melhores. Comandava grupos de dez a quinze Faiscadores de Carnaúba nos garimpos de Princesa. Aprendeu a purificar o ouro e fazer o toque com segurança. Adquiriu uma boa estabilidade financeira. Com a velhice, aposentouse, voltou definitivamente para sua terra deixando, para traz, sua vida de Garimpeiro. Chagas, filho de Zé Cordeiro, ambos mineradores, trabalharam nos pegmatitos, naquele trecho entre Equador e Parelhas. Ainda hoje, tenho em nossa coleção, uma amostra de berilo “olhado”, do tipo que foi rejeitado por Raimundo Pimenta, quando iniciava sua atuação como comprador, para Dr. Corálio! Depois comprei a eles amostras de “mangano” vermelhas do Alto do Brennand, todas perfeitas! Lindo, quando Garimpeiro, ainda jovem, foi muito trabalhador. Naquele período do “Cadastramento”, passou seis meses em São José da

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Batalha, entre os anos de 1981 e 1982, pesquisando a jazida, de onde retirou as primeiras turmalinas azuis, pequenos “chibios”, mas já com aquela cor azul, responsável pela fama, posteriormente adquirida, foram as primeiras da famosa “Batalha”. Carlos Henrique muito novo garimpou scheelita na companhia do pai, Sebastião Campos; depois negociou com ouro na região de Princesa Isabel, quando até purificava o metal nobre, e hoje é Militante Político em Várzea, liderando a luta pelos direitos dos garimpeiros e pela organização de suas Cooperativas. Finalizando, quero lembrar Zé da Luz, Garimpeiro de São Vicente do Seridó, que juntamente com Bahiano, Alfredo, Estelo Cassiano, “Lindo” e Zé Alves, trabalharam conosco, no “Projeto Cadastramento de Ocorrências de Minerais Gemas do Nordeste”, palmilhando as ocorrências e jazidas existentes nos Estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Bahia e norte de Minas Gerais, catalogando no final, 1.398 jazimentos com Pedras Preciosas, no período entre 1981 e 1987! Descobrindo novas minas, coletando amostras, para comprovar sua existência, ajudando a traçar o “Mapa das Gemas do Nordeste” e que morreu, como muitos outros companheiros de profissão, de silicose, mau que mais afeta o Minerador. Assim, em seu nome, agradeço e homenageio essa classe de profissionais abnegados, sempre confiantes na força do trabalho e nas dádivas da terra, pelo exemplo de profissionalismo, de confiança cega no seu desempenho sério, honesto e, de certa forma anônimo, sem nunca recorrer, por pouco acreditar, em ajuda governamental. Eles sabem que dependem do seu ofício e por isso mesmo estão sempre confiantes no poder do seu esforço, da sua capacidade de executar tarefas difíceis, cheias de imprevistos e perigos, mas, necessárias às sobrevivências suas e da humanidade.

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REFERÊNCIAS

Mapa da Paraíba ilustrado com algumas das principais gemas que ocorrem no Estado: Água-marinha, Turmalina, Espessartita e Gahnita. (Idealização e montagem: Aderaldo Ferreira e Marcelo Borges)

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