Ago - Set - Out | 2007
Revista TransgĂŞnicos
Perigoso jogo de dados Roberto Waack Baleias
BarbĂĄrie congelada
greenpeace.org.br
Entrevista
diário de bordo
Há um clima desconfortável de insegurança no Brasil. Setores cruciais ao desenvolvimento sustentável do país foram abalados recentemente por decisões equivocadas do governo, colocando em xeque o bem-estar da população e a própria economia brasileira. Tivemos a confirmação da retomada das obras da usina nuclear de Angra 3, a constatação do desmatamento da floresta amazônica provocado por assentamentos da reforma agrária e a liberação comercial de variedades geneticamente modificadas de milho, além da demora do governo em implementar um plano nacional de combate ao aquecimento global. São fatos que em nada contribuem para o futuro do país e só reforçam a necessida-
Nossa capa: © Greenpeace / Rodrigo Baleia
de de continuarmos a luta que iniciamos 15 anos atrás. Em julho, comemoramos o aniversário de um ano da moratória da soja na Amazônia, que só foi conquistada graças a sua ajuda. Contamos
04 Amazônia Assentamentos de papel, madeira sem lei
Devagar com o andor
07 Baleias Barbárie congelada 08 Transgênicos Perigoso jogo de dados
Frank Guggenheim Diretor executivo Greenpeace Brasil
© Greenpeace / Rodrigo Baleia
com você para garantir mais conquistas nas próximas campanhas.
10 Entrevista Roberto Waack 12 Clima Cronicamente inviável 13 Institucional Abre o olho Brasil 14 Energia Quem canta a febre espanta
Cartas / Expediente
O Greenpeace é uma organização independente que faz campanhas utilizando confrontos não-violentos para expor os problemas ambientais globais e alcançar soluções que são essenciais a um futuro verde e pacífico. Nossa missão é proteger a biodiversidade em todas as suas formas, evitar a poluição e o esgotamento do solo, oceanos, água e ar, acabar com as ameaças nucleares e promover a paz. Não aceitamos doações financeiras de governos, partidos políticos e empresas como forma de garantir nossa independência.
Assentamentos de papel,
a ma zônia
madeira sem lei dência de Santarém. Parte desses assentamentos atendem ao pleito legítimo de pequenos agricultores que têm direito à terra, principalmente nas áreas habitadas de várzea. Mas, em dezenas de casos, os assentamentos foram criados em áreas de floresta primária, onde historicamente não existe presença humana e as condições para a vida são muito adversas. Os lugares são de difícil acesso e alguns sequer têm água potável. Mas isso não chegou a
© Greenpeace / ?
O relatório ‘Assentamentos de papel, madeira de lei’, lançado no final de agosto pelo Greenpeace, expôs uma parceria devastadora entre empresas madeireiras, associações de assentados e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para extrair madeira da Amazônia. O relatório, resultado de oito meses de investigação, demonstra que esse esquema está consumindo rapidamente os últimos estoques de madeira do oeste do Pará.
Madeireiras fazem acordos com os assentados, fornecendo infra-estrutura como escolas, casas e saneamento básico (que por lei é obrigação do Incra), em troca do direito de explorar exclusivamente a madeira existente na área.
Desde 2005, o Incra criou mais de 140 assentamentos para trabalhadores rurais sem-terra na área de atuação da Superinten-
representar um problema, pois estes assentamentos não foram criados a pedido de trabalhadores, e sim de madeireiros que
atuam ilegalmente na região há anos. Nessas áreas, o que se destaca é o ruído das motosserras e o vaivém dos caminhões que levam toras para serrarias instaladas no meio da mata. O Incra tem afirmado não ter recursos suficientes para realizar a reforma agrária adequadamente. Nesse contexto, o órgão vem estimulando o estabelecimento de acordos entre madeireiras e supostas associações de assentados em um esquema que prejudica a floresta e milhares de famílias de trabalhadores rurais sem-terra. Por essa parceria, as empresas forneceriam infra-estrutura para os assentamentos, incluindo casas, escolas, igrejas e saneamento básico – que, por lei, seriam de responsabilidade do Incra. Em
© Greenpeace / Alberto César
Dezenas de assentamentos criados pelo Incra na região de Santarém, no Pará, estão em áreas de floresta primária, onde as condições de vida são muito adversas. Só as madeireiras saem ganhando.
troca, teriam o direito de explorar exclusivamente a madeira existente na área. Infelizmente, a parceria entre Incra-madeireiros-associações de assentados parece servir para revestir com um verniz de legalidade a atividade madeireira predatória no oeste do Pará, além de ajudar o Incra a “inflacionar” o número total de famílias supostamente assentadas em 2006. Das 136 mil famílias assentadas no ano passado, 25% estão na região de Santarém. Mas, na realidade, assentamentos são criados às pressas e sem respeitar os procedimentos previstos pelo próprio Incra. As
listas de moradores apresentadas pelo órgão para alguns desses assentamentos são de pessoas recrutadas aleatoriamente nas cidades da região, muitas das quais não têm o perfil de clientes da reforma agrária. As associações de assentados, que têm autorização para vender produtos dos assentamentos, são presididas por testas-de-ferro dos madeireiros. E a infra-estrutura instalada nas áreas se resume a estradas, pátios de madeira, serrarias, barracões e casas de funcionários das madeireiras. Vários assentamentos não têm sequer licenças ambientais e a operação das empresas nestas
áreas é completamente ilegal. Por isso, também em agosto, o Ministério Público Federal em Altamira e Santarém pediu o cancelamento de 99 assentamentos irregulares criados na região. O Greenpeace apóia organizações da sociedade civil empenhadas na realização de uma reforma agrária socialmente justa e ambientalmente sustentável. Por isso, acreditamos que assentamentos para fins de reforma agrária em áreas florestadas devem ser proibidos. Nessas regiões, devem ser garantidas a regularização fundiária que beneficie as populações locais e apoio governamental para atividades sustentáveis.
a ma zônia
Devagar com
o andor
Dose dupla
A inconveniente verdade do aquecimento global está desde maio nas lojas de DVD em dose dupla. Os documentários Mudanças do Clima, Mudanças de Vida, do Greenpeace, e Uma Verdade Inconveniente, vencedor do Oscar de Melhor documentário e apresentado pelo ex-
No dia 10 de agosto, o governo federal divulgou que o desmatamento na Amazônia caiu pelo segundo ano consecutivo. Entre agosto de 2005 e julho de 2006, foram desmatados 14.039 quilômetros quadrados, 25,3% menos que o período anterior. De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a perspectiva de queda continuará entre o segundo semestre do ano passado e o primeiro de 2007. A estimativa é que a área desmatada seja de 9,6 mil quilômetros quadrados. Com isso, o Brasil, quarto maior poluidor mundial graças às queimadas que ocorrem principalmente na Amazônia, tem contribuído menos com as emissões de gás carbônico. Mas a pergunta é: até quando? Apesar da tendência positiva, o preço da carne aumentou, o da soja também (e bem às vésperas
da safra de setembro), a febre aftosa não é mais uma ameaça à criação de gado e o ‘boom’ dos agrocombustíveis são fatores que, juntos, podem resultar em aumento de pressão sobre as terras disponíveis na Amazônia. Isso significa que os fatores econômicos que contribuíram para a queda no desmatamento estão voltando a mostrar suas garras. “O governo deve aproveitar o momento favorável para aprofundar o programa de combate ao desmatamento e fortalecer as medidas estruturantes que permitam, num futuro razoável, acabar com a destruição da floresta”, disse Paulo Adário, coordenador da campanha da Amazônia. “Caso contrário, o Brasil continuará encabeçando o ranking dos países que mais contribuem para o aquecimento global”.
vice-presidente dos EUA, Al Gore,estão sendo vendidos em conjunto reforçando a mensagem de que temos que tomar medidas urgentes para combater os problemas ambientais do planeta. O documentário do Greenpeace foi filmado no Brasil e revela como a alteração no clima provoca vítimas, doenças e prejuízos econômicos no país.
Brasil amigo da Amazônia
A equipe do programa Cidade Amiga da Amazônia (CAA) aproveitou que o Congresso Nacional está revisando a lei sobre licitações e contratações do poder público e emplacou nela um artigo a favor da floresta. A proposta de mudança à lei 8.666 é que os governos (federal, estaduais e municipais) utilizem em todos os tipos de obras e serviços que contratarem apenas madeira de plano de manejo sustentável ou reflorestamento com comprovação de origem. Ou seja, madeira proveniente de desmatamento – autorizado ou não – estará eliminada das compras públicas. O poder público é um dos maiores consumidores de madeira extraída ilegalmente das florestas brasileiras – o Ministério do Meio Ambiente estima que pelo menos 63% da madeira produzida na Amazônia seja criminosa. Evitar isto, fazendo com que todos os órgãos públicos no país exijam a comprovação de legalidade da madeira e não consumam mais madeira de desmatamento é a tarefa do programa Cidade Amiga da Amazônia (CAA). O desmatamento e as queimadas são a principal contribuição do Brasil às mudanças climáticas, colocando o país na incômoda posição de quarto maior poluidor global. Atualmente 37 cidades, incluindo capitais como São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza e Manaus participam do programa, juntamente com o governo do Estado de São Paulo.
ba leia s
Barbárie congelada Sonho que sonha junto vira realidade, já dizia o poeta. Numa grande mobilização das forças conservacionistas, principalmente na América Latina, e com a abstenção de países tradicionalmente aliados do Japão, a retomada da caça comercial das baleias foi rejeitada pela Comissão Internacional Baleeira (CIB) em reunião realizada em Anchorage, Alasca (EUA), no final de maio. E mais: faltou muito pouco para que a proposta de um Santuário de Baleias no Atlântico Sul fosse aprovada – foram 39 votos a favor, 29 contra e três abstenções. Eram necessários 53 votos (75% do total). “Faltou muito pouco. A proposta do Santuário está ganhando força dentro da Comissão”, avaliou Leandra Gonçalves, coordenadora da campanha de Baleias do Greenpeace. Além da manutenção da moratória à caça, os conservacionistas conseguiram ainda apresentar em Anchorage o turismo de observação como alternativa socioeconômica e científica para exploração das baleias. Em junho, o Japão sofreu nova derrota durante a 14ª reunião da Cites (Convenção Internacional do Comércio de Espécies Selvagens Ameaçadas da Fauna e Flora), realizada na Holanda. Sua proposta de reabertura do comércio de baleias foi também rejeita-
da por ampla maioria - 54 votos contrários (67,5%), 26 favoráveis (32,5%) e 13 abstenções. O desenhista Maurício de Souza e sua agitada Turma da Mônica agora O fato também estão na campanha do Greenpeace em defesa das baleias. é que a preservação A campanha também foi um das baleias ganha cada vez mais sucesso por meio de nossa comudefensores e o Brasil tem tido panidade online. Pelo site I-Go do pel fundamental nisso, com papel Greenpeace, milhares de interde destaque na coordenação da integração dos países latino-ame- nautas do mundo inteiro declararam seu apoio à preservação e ricanos para contrapor ao pesado externaram toda sua indignação lobby dos países baleeiros – sob em defesa das baleias. Quem se liderança do Japão. cadastrou no site foi incentivado As baleias são um ícone da a criar suas próprias campanhas conservação marinha e por isso pró-baleias e a passar adiante a vitória obtida no Alasca foi uma a mensagem. Vídeos, textos, das mais importantes nos últimos fotos, desenhos, a criatividade tempos e conquistada graças à não tiveram limites para defender mobilização não só política mas as “gorduchinhas”. também popular. Às vésperas Com a derrota no Alasca, a da reunião, o Greenpeace reuniu barbárie defendida pelos baleeiros milhares de pessoas e entidades foi congelada. Em 2008, novo da sociedade civil em mais de 50 round na CIB, desta vez em Sancidades para pedir o voto contra a tiago do Chile, em território latino. volta da caça comercial da baleia. Juntaremos forças novamente A Marcha Azul foi um sucesso e em defesa das baleias, contra a países que antes eram aliados do matança indiscriminada! Japão ou estavam em cima do muro, como o Equador, sentiram a pressão e declararam seu voto contra a matança. No Brasil, a marcha aconteceu em Salvador, reunindo cerca de 700 pessoas pelas ruas da cidade.
JSaiba mais: www.greenpeace.org/brasil/oceanos/
O milho é um dos principais alimentos básicos no Brasil e o país, por sua vez, é um dos principais centros de diversidade genética da planta no mundo. Um cenário mais do que suficiente para exigir todo cuidado possível. A destruição desse patrimônio pode gerar problemas sem fim ao meio ambiente e à atividade agrícola brasileira. No entanto, o governo brasileiro e alguns cientistas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) insistem jogar dados com nossa biossegurança, forçando a liberação do plantio e comercialização dos transgênicos no Brasil (em especial o milho), apesar da falta de estudos conclusivos sobre a segurança desses organismos geneticamente modificados (OGMs) tanto para o meio ambiente como para a saúde humana, e de protestos de entidades da sociedade civil, agricultores e muitos cientistas. Em maio deste ano, o pesadelo se tornou realidade: a CTNBio aprovou o milho Liberty Link, da Bayer, sem o cumprimento de diversas normas previstas em lei como a entrega da declaração de conflito de interesse por parte dos membros da Comissão e desconsiderou argumentos contrários
apresentados durante audiência pública realizada dias antes. No dia 16 de agosto, mais um milho transgênico aprovado, desta vez da Monsanto. “A CTNBio afronta a Justiça e, mais uma vez, comprova que é uma guardiã da bio-insegurança”, afirmou Gabriela Vuolo, coordenadora da campanha de engenharia genética do Greenpeace. A Justiça do Paraná exigiu em junho, por meio de liminar, que a Comissão só deliberasse sobre liberações comerciais de milhos transgênicos depois de criar normas de coexistência e monitoramento. Em seguida à decisão judicial, o Ibama e a Anvisa também puseram o pé na porteira que se escancarava, argumentando que faltam estudos ambientais e normas de monitoramento e coexistência do milho da Bayer com variedades orgânicas, ecológicas e convencionais. A possibilidade de contaminação de plantações de milho por variedades transgênicas é um desastre que o Brasil não pode arcar sem prejuízos sérios à atividade agrícola. Se com a soja e o algodão, a contaminação está rolando solta no Paraná, imagina o que pode acontecer com o milho, que é muito mais sensível a cruzamentos de espécies? Uma das características mais
importantes do ser humano é ter a capacidade de aprender com seus próprios erros. Sendo assim, a experiência espanhola com milhos transgênicos serve como um grande alerta para o Brasil. Lá, os OGMs são plantados desde 1998 e hoje cerca de 10% de todo milho espanhol é transgênico. Estima-se que a área plantada atualmente no país é de pouco mais de 60 mil hectares. E os problemas se acumulam. Ester Casas, agricultora do povoado de Mura, na Catalunha, teve sua plantação de milho contaminada este ano com OGMs e por isso perdeu uma certificação que lhe garantia um preço melhor do que o pago pelos transgênicos. “O grande problema do milho transgênico é que você não tem como colocá-lo dentro de uma jaula, e por isso não é possível contê-lo e evitar a contaminação”, afirmou Ester. “É absurda a quantidade de investimentos em variedades transgênicas que ninguém pediu e a falta de investimentos em pesquisas voltadas para a agroecologia, que cansamos de pedir”, afirma Gerard Batalla, representante de agricultores da Catalunha e co-autor do relatório Coexistência Impossível, que relata a
© Greenpeace / ? © Greenpeace / Patrícia Cruz
tra ns gênico
Perigoso jogo de dados
Segundo o relatório Contaminação Transgênica 2006, do Greenpeace, quase metade dos casos de contaminação referemse ao cultivo do milho. Um dos aspectos mais preocupantes é o crescente número de incidentes de contaminação nos estoques de sementes em todo o mundo. Uma ameaça inaceitável à biodiversidade desse alimento fundamental ao ser humano. No que depender do Greenpeace, o pé continuará firme e forte atravancando a porteira para garantir a biossegurança e o espaço de alimentos não transgênicos no Brasil. JSaiba mais: Relatório Registros de Contaminação Transgênica 2006 http://www.greenpeace.org/brasil/documentos/transgenicos Principais casos de contaminação de sementes de milho em 2006 http://www.greenpeace.org/brasil/transgenicos/noticias/os-principais-casos-de-contami
Justiça do Paraná suspendeu a liberação do milho transgênico da Bayer
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impossibilidade do convívio do milho convencional, orgânico ou ecológico com as variedades transgênicas. As muitas histórias em terras espanholas não são casos isolados. Em todo o mundo, as lavouras transgênicas têm causado problemas de contaminação e as ocorrências vêm aumentando assustadoramente desde 1996, quando a tecnologia começou a ser implantada – de 3 em 1997 para 24 em 2006. Isso inclui apenas os casos oficiais, devidamente documentados. Muitos outros não fazem parte dessa triste relação por vários motivos: medo de agricultores em se expor para seus consumidores, falta de monitoramento adequado por parte dos órgãos fiscalizadores governamentais, pressão da indústria de biotecnologia, que ameaça possíveis safras contaminadas com processos de cobrança de royalties, entre outros.
Sem carro, com saúde Se você está preocupado com a saúde do planeta, se incomoda com a poluição do ar e com o barulho, e vive se estressando no trânsito, então está mais do que pronto para participar do Dia Mundial Sem Carro, que acontecerá em São Paulo no próximo dia 22 de setembro, com apoio do Greenpeace e outras entidades. A idéia é simples: deixar o carro na garagem e circular pela cidade a pé, de táxi, ônibus, trem, metrô e bicicleta, como queira. A iniciativa, que começou em 1997 na França e desde 2005 vem sendo realizada em São Paulo, sob coordenação da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, que discutir uma nova relação da população com a cidade. A capital paulista, por exemplo, detém a triste marca de segunda maior frota de veículos do mundo – só perde para Tóquio –, com 5 milhões de carros atravancando nossa qualidade de vida e contribuindo decisivamente para a poluição do ar que respiramos – 40% dela é produzida pelos transportes. Convidamos você a fazer a sua parte no sábado, dia 22. Quem sabe, num futuro próximo, não possamos ter a Semana Sem Carro, quiça o Mês Sem Carro. Não é tão difícil. No final das contas, somos todos pedestres e – mais ainda – cidadãos, com direito a mobilidade com segurança e saúde.
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© Greenpeace / ?
Governo desafinado A moratória da soja na Amazônia está completando um ano e o saldo até o momento é positivo, mesmo com o governo desafinando na parte que lhe cabe no Grupo de Trabalho da Soja montado para discutir problemas e propor soluções à proteção da floresta. A avaliação é do biólogo Roberto Waack, 47 anos, sócio-diretor da Amata, empresa especializada em gerenciamento de manejo florestal sustentável e plantações de florestas. “Empresas e entidades da sociedade civil estão conseguindo resultados
além do esperado. O governo é o elo mais fraco”, diz Waack, responsável pela articulação do GTS. Ele vem acompanhando de perto as reuniões do grupo e diz que a sustentabilidade deve ser perseguida com ou sem o apoio do governo. Membro do board do Conselho de Manejo Florestal (FSC, na sigla em inglês), Waack conversou com a Revista do Greenpeace sobre o primeiro aniversário da moratória da soja e nos explicou porque está tão otimista com a iniciativa. Confira a seguir:
Um ano da moratória da soja na Amazônia GP – Como você avalia o primeiro ano da moratória da soja na Amazônia? Roberto Waack – Os primeiros momentos de um processo como esse são sempre superficiais, mas no caso da moratória da soja temos mais conquistas do que o previsto. O ponto mais importante foi o estabelecimento de um diálogo sério e comprometido entre a indústria e a sociedade civil. Esse diálogo foi consolidado por meio do Grupo de Trabalho da Soja (GTS) e começa a render. Já temos uma rotina de diálogo, uma agenda. Nesse primeiro ano de trabalho, o grupo já conseguiu ir além, entrando na fase de dis-
cussão de questões difíceis. Todos vão ter que ceder um pouco. Foram identificados os principais eixos da moratória e para cada um deles foi definido um programa de trabalho muito objetivo. Alguns deles já avançaram significativamente, como por exemplo o programa de educação, que gerou uma apostila a ser utilizada no campo. Esse manual educativo, sobre boas práticas de produção, está sendo distribuído para produtores da região da Amazônia Legal. Uma segunda etapa seria o monitoramento e mapeamento da região amazônica. A complexidade disso é muito grande. O problema é a falta de informação crônica
conservação e de desenvolvimento é boa para a própria gestão da Amazônia. Teremos interlocutores mais racionais e menos difusos.
por parte do governo no que se refere aos mapas da região, as fronteiras agrícolas.
GP – A divisão do Ibama pode atrapalhar o processo? Roberto Waack – É claro que essa divisao causa mais um período de imobilidade no governo, complicando toda a história do monitoramento das ações no campo, mas não é por isso que o processo todo tem que parar. Na minha opinião, a divisão do Ibama vai ser até positiva. Houve falhas no processo, na forma como foi feita a divisão, mas penso que a separação das atividades de fiscalização e controle das de
GP – O governo anunciou que o desmatamento da Amazônia caiu em 25% em relação ao ano passado. A moratória da soja ajudou nessa queda? Roberto Waack- A diminuição do desmatamento não tem um pai
GP – Qual a importância do papel do consumidor brasileiro para a moratória? Roberto Waack – Acredito que
© Greenpeace / Daniel Beltrá
GP – E o governo tem correspondido? Roberto Waack – Não. O governo é o elo mais fraco dessa história toda. O problema principal de toda a questão do desmatamento está ligado à ausência de uma política consistente sobre a ocupação e o desenvolvimento da Amazônia. Essa pra mim é a maior fragilidade de todo esse contexto da agricultura e da atividade florestal no país. Temos uma grande conquista, que é a pressão que a sociedade civil e as empresas estão fazendo sobre o governo para que ele cumpra o seu papel de maestro do processo. É preciso principalmente que o governo tenha coerência em suas ações. E também que a sociedade civil e as empresas tomem ações independentemente do governo. O que não pode acontecer é ficar esperando o governo.
efeito de finalização, para que não fossem abertas novas áreas de desmatamento, desestimulando o fazendeiro a abrir novos campos de plantação de soja na região amazônica – já que não terá para quem vender.
Plantações de soja às margens da floresta amazônica: o primeiro ano da moratória conseguiu um importante comprometimento da indústria em promover boas práticas de produção da região.
só, e isso é muito bom. Tem a ver com ações de governo (especificamente do Ministério do Meio Ambiente), mas também com a pressão internacional sobre a atividade predatória na Amazônia, além da conscientização e do compromisso do setor empresarial com a sustentabilidade. A moratória não ajudou diretamente na redução do desmatamento, mas pode ajudar muito no futuro. Diria que a moratória teve um
num futuro próximo sua importância será maior – e até crucial – mas isso não é uma realidade hoje. Atualmente, são as empresas consumidoras de soja (como lojas de fast-food) e a sociedade civil que têm um papel mais forte de pressão. Foi o caso do McDonald’s, que se antecipou e decidiu não comprar soja plantada na Amazônia. Isso teve um peso muito grande e ajudou a consolidar a moratória. 11
N uclea r clima
Cronicamente inviável
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Era uma vez um grande país que, para continuar crescendo, precisava investir em projetos energéticos. O dinheiro era escasso, Protesto em Brasília reuniu centenas de pessoas para lembrar o 62o aniversário do ataque nuclear às cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki e 20o aniversário do acidente com o césio-137 em Goiânia. mas com fartura de sol, vento e recursos hídricos, esse país estava direção às fontes renováveis. comissão de manifestantes foi pronto para se desenvolver de Senão, vejamos: a União Eurecebida por parlamentares na forma sustentável, sem ter que ropéia se comprometeu recenterampa do Palácio do Planalto e apelar a fontes sujas. Mas eis que mente a aumentar em 20% a parprotocolou uma carta de repúdio à seus governantes decidem aposticipação de fontes renováveis em retomada da aventura nuclear. tar no que há de mais atrasado: sua matriz até 2020; o Congresso A insegurança que instalações uma usina nuclear. americano aprovou este mês uma nucleares trazem a um país pode lei que retira US$ 16 bilhões em ser medida pelo que aconteceu Triste fábula, não? Mas o ruim subsídios da indústria petrolífera no Japão em julho. A maior usina dessa história é que ela é real. O e os transfere para projetos de daquele país pegou fogo depois Brasil decidiu em junho retomar energia alternativa e prograde um terremoto e causou o seu programa nuclear (da ditamas de eficiência; e o mercado vazamento de litros de material dura...) e a ponta-de-lança será a global de energias renováveis radioativo no mar. “No Japão, e construção de Angra 3, a um custo movimentou US$ 38 bilhões em em qualquer lugar aonde houver de mais de R$ 7 bilhões. A nova 2006, 26% a mais do que no ano um reator atômico ativo, há um anterior. Estamos ou não dando risco real de sérios acidentes que um senhor passo atrás? podem ocorrer por causa de desastres naturais, ataques terroristas ou diversos outros motivos”, Memória adverte Guilherme Leonardi, da No 62o aniversário do ataque campanha de energia nuclear do nuclear às cidades japonesas de Greenpeace Brasil. Hiroshima e Nagasaki e às véspeUma história que o Brasil, defiras do 20o aniversário do acidente nitivamente, não precisa viver para com o Césio-137 em Goiânia, saber que o final é sempre triste. mais de 200 pessoas foram a Brasília protestar contra Angra 3 JSaiba mais: e a retomada do programa nuclear Campanha Nuclear: www.greusina pouco ou nada acrescenta em brasileiro. O ato público foi lideenpeace.org/brasil/nuclear/ termos de geração de energia e faz rado pelo Greenpeace, SOS Mata Ciberação contra Angra 3: www. o país dar as costas ao movimento Atlântica e WWF-Brasil, e contou greenpeace.org/brasil/participe/ cada vez mais forte do mundo em com o apoio de várias ONGs. Uma ciberativismo 12
institu c i o n a l
Abre o olho, Brasil dias antes o seu Plano Nacional de Combate ao Aquecimento Global, prevendo inclusive a desaceleração de seu crescimento econômico. A China abriu o olho, implantou uma política nacional e demonstrou abertura para discutir metas de redução de suas emissões. Mas o Brasil ainda não. Somos o quarto maior poluidor do mundo, graças principalmente à derrubada de florestas, e não temos um plano para mudar essa situação. O investimento brasileiro é grande na aceleração do crescimento, mas não há medidas para impedir a repetição do predatório modelo chinês. Anunciou-se com toda pompa e circunstância o PAC, com dinheiro aos borbotões para projetos de infra-estrutura, mas sem uma política de sustentabilidade. Um bom exemplo de como a vontade política pode chacoalhar o imobilismo foi o lançamento da Política Estadual de Mudanças Climáticas pelo governo do Amazonas. É a primeira do Brasil - e outros estados já es© Greenpeace / Alberto César Araújo
O crescimento acelerado da China, que vem assombrando o mundo nos últimos tempos, enfim cobrou seu preço. Em junho deste ano, o país ultrapassou os Estados Unidos como o maior poluidor do mundo, emitindo 8% a mais de CO2 na atmosfera em 2006 do que os americanos, segundo relatório da Agência de Avaliação Ambiental da Holanda. Desvela-se assim a face cruel do tão decantado crescimento chinês: poluição, destruição do meio ambiente e piora da qualidade de vida das pessoas. Talvez antevendo o desastre, o governo chinês anunciou
tão tomando iniciativas semelhantes, num contraponto à letargia do governo federal.
Semana do Meio Ambiente Para promover ações individuais e cobrar maior vontade política do governo, o Greenpeace organizou no início de junho a Volta pelo Clima em cinco capitais brasileiras – Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Manaus. Mesmo debaixo de muita chuva, cerca de 2 mil pessoas foram às ruas se mexer. “O objetivo é mostrar que, com pequenos gestos e mudança de atitudes, cada um de nós pode contribuir no combate às mudanças climáticas: apagar a luz, trocar lâmpadas e usar mais o transporte coletivo são alguns exemplos do que podemos fazer”, diz Luis Piva, da campanha de Clima do Greenpeace. JSaiba mais: Amazonas sai na frente na luta contra as mudanças climáticas: www.greenpeace.org/brasil/amazonia/noticias/amazonas-sai-nafrente-na-luta Para ver o filme da campanha Mexa-se da Semana do Meio Ambiente: www.greenpeace.org/ brasil/participe/divulgacao/tv
Volta pelo Clima em Manaus reuniu cerca de 500 pessoas para uma caminhada de 5 km pela Estrada da Ponta Negra para divulgar meios alternativos de transporte como forma de combate ao aquecimento global.
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cartas & e-mails
Quem canta energia
a febre espanta global e pela adoção no Brasil de uma Política Nacional de Mudança Climática, que combata o desmatamento e defenda energias limpas e renováveis”, afirma Rico Cordelli, produtor oficial dos shows. O manifesto poderá ser assinado no local ou online (ver quadro). O evento será todo sustentável, com sua produção atenta ao cálculo da emissão e mitigação de © Greenpeace / Rodrigo Baleia
Ok, a situação está crítica, o mundo está aquecendo mais do que gostaríamos e somos os principais responsáveis por isso. Os duros impactos das mudanças climáticas estão para chegar, mas ninguém vai ficar sentado esperando o pior, certo? O jeito é ir à luta, pôr a cabeça para pensar, arregaçar as mangas e agir, economizar. E cantar! Entre os dias 31 de outubro e 16 de
Olá! Recebi uma correspondência de vocês sobre a adoção de uma Política Nacional de Mudanças Climáticas. Concordo com a posição do Greenpeace. Estamos diante de um fato consumado, sobre o qual vocês e vários outros têm buscado conscientizar os povos da Terra. Tudo isso para evitar as conseqüências das atividades predatórias. Acabei de ganhar uma netinha e quero que o futuro seja, para ela e os de sua geração, de esperança. Que a fauna, a flora, a justiça econômica e social sejam para eles uma realidade. E não fotos de um livro ou roteiro de um filme. Um grande abraço para todos. Lúcia M Cavalcanti Calábria Você também pode mandar seu comentário, dúvida ou sugestão. Participe! Para nos contatar: REVISTA DO GREENPEACE Rua Alvarenga, 2331 Cep: 05509 006 São Paulo SP
ASSOCIAÇÃO CIVIL GREENPEACE Conselho diretor Presidente Marcelo Sodré Conselheiros Eduardo M. Ehlers Marcelo Takaoka Pedro Leitão Raquel Biderman Furriela Samyra Crespo Diretor executivo Frank Guggenheim Diretor de campanhas Marcelo Furtado Diretor de campanha da Amazônia Paulo Adário Diretora de comunicação Gladis Éboli Diretora de marketing e captação de recursos Clélia Maury Diretor de políticas públicas Sérgio Leitão
O engajamento público é fundamental para o sucesso da campanha de proteção ao clima promovida pelo Greenpeace.
novembro, você terá a chance de espantar todos os males na série de shows programados para São Paulo dentro do Greenpeace Manifesto em Defesa do Clima, com artistas nacionais e internacionais como Earth, Wind & Fire, The Mission e Snoop Dogg. “Todos – público e artistas – serão convidados a aderir ao Manifesto contra o aquecimento 14
carbono, uso de papel reciclado, coleta e destinação de resíduos, e produção de artigos de vestuário com algodão orgânico. Produtos com o selo do Manifesto (camisas, CDs e DVDs) serão vendidos no Espaço Greenpeace, no Shopping Frei Caneca, piso térreo. JSaiba mais: www.greenpeacemanifesto. org.br/
REVISTA DO GREENPEACE É uma publicação trimestral do Greenpeace Editor Redatores Designer gráfico Impressão
Jorge Henrique Cordeiro (mtb 15251/97) Tica Minami Gabriela Michelotti Carol Patitucci TypeBrasil
Esse periódico foi impresso em papel reciclado em processo livre de cloro. Tiragem: 30.000 www.greenpeace.org.br
ATENDIMENTO telefone 11 3035 1151 e-mail relacionamento @br. greenpeace .org
Centenas de voluntários do Greenpeace formaram uma escultura viva num glacial dos alpes suíços para as lentes do fotógrafo americano Spencer Tunick. Eles ficaram nus para simbolizar a fragilidade e vulnerabilidade das geleiras do mundo perante às
© Greenpeace / Spencer Tunick
mudanças climáticas.