Jan/Fev/Mar 2011

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greenpeace.org.br

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Revista

Marcas da catรกstrofe


© Greenpeace/Lunaé Parracho

sumário 4 5 6 8 10 11 14 15 16 18 19

Eles ganharam um tempo Fora de ordem Renovação da lei Legado maldito Entrevista: Steve Sawyer Marcas da catástrofe Entre o virtual e o real Volta com cheiro de derrota Pipoca com o Greenpeace Bye, bye, Tweety A tragédia é negra

O anúncio ao lado foi feito por leoporto, vencedor de uma competição promovida pelo Greenpeace e pela Zooppa.

© Greenpeace/Rodrigo Baleia

carta aos colaboradores

Revista

greenpeace.org.br

Marcas da catástrofe

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capa

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tragédia no Japão invadiu nossas vidas no fechamento desta edição. Eu não poderia deixar de falar sobre o agravamento do sofrimento da população japonesa com o risco nuclear. Mais uma vez, somos lembrados de que podemos fazer opções energéticas limpas, renováveis e seguras, mas para isso necessitamos de vontade política e visão. É o que mostra o entrevistado desta edição, um de nossos mais antigos defensores das energias renováveis, Steve Sawyer, que relata suas experiências de quase três décadas com o Greenpeace e fala de seu atual papel como líder do setor eólico internacional. Os sinais de que algo de ruim acontece com o clima estão cada vez mais frequentes. A intensidade das chuvas e secas cresce ano a ano e 2011, por enquanto, vai apenas confirmando essa tendência, que nos obriga a lidar com eventos climáticos cada vez mais extremos. Janeiro começou com seca forte no Sul do país e terminou com uma das chuvas mais intensas que sem tem notícia nas cidades serranas do Estado do Rio. As enchentes na serra deixaram um rastro de quase mil mortos, milhares de desabrigados e a agricultura da região – que abastece o Rio de Janeiro com hortaliças – devastada. No Sul, a seca também arrasou as safras dos produtores rurais. Juliana Tinoco contas essa duas histórias na nossa reportagem de capa. Completando a história, Bernardo Câmara escreve sobre um estudo mostrando que a seca do ano passado no rio Negro produziu recordes de emissão de carbono na atmosfera, elas apontam para um quadro sombrio no futuro. As perspectivas se agravam ainda mais quando se leva em consideração a ofensiva que a bancada ruralista toca contra o Código Florestal, fundamental para a proteção de nossas florestas. Pela proposta dos ruralistas, o desmatamento no Brasil, um anacronismo que o país começou a combater de maneira mais séria nos últimos anos, voltará a crescer. Diante do que anda acontecendo, a discussão em torno da suavização do código – como querem os ruralistas – é completamente fora de propósito. Na verdade, a questão que se coloca para o país é como acabar de vez com o desmatamento. O Brasil precisa de suas árvores para proteger tanto a biodiversidade como para garantir a sustentabilidade da atividade humana em seu território. De quebra, ele é o caminho mais rápido para nos tirar do ranking de quarto maior emissor de gases do efeito estufa, uma posição a que chegamos graças a nosso histórico de devastação florestal. Essa edição da revista mexe também com a memória do Greenpeace. Ana Galli conta as façanhas do Tweety, um helicóptero que prestou relevantes serviços à organização e que caiu na costa da Nova Zelândia. Boa leitura.

Marcelo Furtado Diretor Executivo Greenpeace Brasil

O Greenpeace é uma organização global e independente que promove campanhas para defender o meio ambiente e a paz, inspirando as pessoas a mudarem atitudes e comportamentos. Nós investigamos, expomos e confrontamos os responsáveis por danos ambientais. Também defendemos soluções ambientalmente seguras e socialmente justas, que ofereçam esperança para esta e para as futuras gerações e inspiramos pessoas a se tornarem responsáveis pelo planeta. O Greenpeace não aceita dinheiro de governos, partidos ou empresas. Ele existe graças às contribuições de milhões de colaboradores em todo o mundo. São eles que garantem a nossa independência. |3


© Greenpeace

Orangotangos foram severamente ameaçados pelo desmatamento na Indonésia.

Estudo indica que secas intensas na Amazônia geram toneladas de emissões de gases-estufa. A saída, apesar de refutada pelos ruralistas, é clara: zerar o desmatamento.

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Eles ganharam um tempo Bernardo Camara

Após campanha do Greenpeace, Sinar Mas anuncia plano para que sua produção de óleo de dendê não destrua mais florestas da Indonésia. Foi um passo. Mas ainda falta muito até o fim da devastação que ameaça a fauna.

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pós anos de promessas vazias e um combate aberto contra o Greenpeace, a Sinar Mas, maior fornecedora de óleo de dendê da Indonésia, deu um passo para esverdear o seu currículo, em que pontificam vastas áreas de florestas devastadas. Pressionada pelo Greenpeace a rever suas práticas – a partir de denúncias feitas desde 2007 – a empresa divulgou, no início de fevereiro, algumas medidas para deixar sua cadeia de produção mais limpa. O passo não é mal. Só é tímido. O anúncio foi feito em uma coletiva de imprensa pela Golden Agri, braço produtor de óleo de dendê da Sinar Mas na Indonésia. A companhia se compromete a não desmatar mais as florestas de turfa, áreas de grande capacidade de armazenamento de carbono e com alto valor para a conservação. A partir de agora, prometem botar suas máquinas para converter solo de floresta em plantações de palma só em áreas que já tenham elevado grau de degradação. A Golden Agri contratou uma

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auditoria independente – a organização The Forest Trust (TFT) – para acompanhar o trabalho. No papel, ele é ambicioso. O plano foi recebido com uma alegria cautelosa pelas organizações ambientalistas. “Os novos compromissos são essenciais para dar fim ao envolvimento da companhia com o desmatamento. Se eles implantarem as mudanças, grandes áreas de floresta serão salvas”, diz Bustar Maitar, que coordena a campanha do Greenpeace no país. “Vamos acompanhar para ter a certeza de que isso está acontecendo.” O governo indonésio é que segue vacilante quando o assunto são as florestas. O presidente Susilo Bambang Yudhoyono preparou um projeto de moratória do desmatamento no país. O plano é modesto. O Greenpeace teve acesso ao documento e comprovou que a proposta vai muito pouco além do que a legislação do país reza sobre suas florestas. Quarenta e cinco milhões de hectares, algo como duas GrãBretanhas e que abrigam hábitats de

orangotangos, tigres e outras espécies à beira da extinção, vão continuar desprotegidas. Nos últimos anos, o desmatamento na Indonésia colocou o país no terceiro lugar dentre as nações que mais emitem gases-estufa. Conforme o Greenpeace mostrou em relatórios e documentações de campo, a Sinar Mas teve um papel de peso nessa conta, sendo classificada como uma das piores destruidoras de florestas na Indonésia. Com as denúncias, empresas que comercializavam com a Sinar Mas – como Nestlé e Unilever – quebraram seus contratos. Mas nem assim ela aprendeu. No fim de janeiro, pouco antes de a Golden Agri divulgar seu plano de produção sustentável, a Asia Pulp and Paper (APP) – gigante na produção de celulose e papel e outro braço da Sinar Mas – ganhava do Greenpeace o prêmio Motosserra de Ouro, por insistir numa produção que devasta a floresta. O caminho da Sinar Mas rumo à sustentabilidade, portanto, está só começando.

Leito seco do Rio Negro, nas proximidades de Manaus, em 2010.

penas cinco anos depois de uma seca dramática, a população do Amazonas assistiu ao Rio Negro baixar a um nível recorde no fim de 2010. Não foi apenas na redução do volume de água do Negro que a seca que assolou a região cortada pelo rio bateu marcas históricas. De acordo com um artigo publicado em fevereiro pela revista “Science”, ela também provocou uma emissão furiosa de CO2, um dos gases responsáveis pelo aquecimento global. Foram 8 bilhões de toneladas de carbono, mais do que os Estados Unidos emitem em um ano inteiro. Segundo o estudo, tocado por cientistas brasileiros e ingleses, a cada seca intensa um número enorme de árvores morre, liberando altos estoques de carbono e comprometendo o papel fundamental que a floresta tem de capturar e, mais ainda, reter esses gases. Projeções mostram que quanto mais o mundo esquenta, mais secas devem ocorrer por ali. Com a nova pesquisa, fica mais claro que a Amazônia pode perder sua função como grande “esponja” de carbono para se tornar uma região com altíssimo potencial de emissões. Para evitar essa reviravolta, o caminho está traçado: “O desmatamento está umbilicalmente ligado ao aquecimento global, que provoca as mudanças climáticas. E, num contexto assim, eventos extremos como essas secas acontecerão com frequência cada vez maior”, diz Paulo Adario, diretor da Campanha

Amazônia do Greenpeace. “Zerar o desmatamento, portanto, é fundamental, pois é o jeito mais rápido para frear o aquecimento global.” Na última década, a intensidade com que chegaram as estações da seca e da cheia na Amazônia sinalizou que alguma coisa está fora da ordem. Além de ter visto um dos maiores rios do mundo dar lugar a imensos bancos de areia, em 2008 e 2009 o Estado do Amazonas também enfrentou duas cheias acima da média. E, com a previsão de que as chuvas caiam pelo menos 45% acima do volume normal nos próximos meses, novas enchentes podem estar em curso. Porém, enquanto os rios amazônicos sobem e descem e a comunidade científica dá os alertas, no Congresso, a bancada ruralista parece não enxergar as claras associações entre clima, florestas e produção. E tentam, desde 2009, empurrar goela abaixo um projeto de lei que pretende desfigurar o Código Florestal. O objetivo deles é reduzir as áreas protegidas para que possam expandir a produção do agronegócio para cima de mais floresta. “A idéia dos ruralistas continua sendo votar o projeto a toque de caixa, sem dar ouvidos à sociedade e à comunidade científica, que já se posicionaram contra as mudanças propostas”, afirma Marcio Astrini, da campanha Amazônia do Greenpeace. “Se for aprovado, todos os esforços que levaram à queda do desmatamento nos últimos anos poderão ir por água abaixo.” B.C.

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© Greenpeace/Rodrigo Baleia

amazônia

Fora da ordem


© Greenpeace/Felipe Barra

energia

Ativistas resistem pacificamente à tentativa de retirada feita pelos seguranças.

Renovação da lei Laura Fuser

Aprovar a Lei de Renováveis é apenas o começo do longo caminho a percorrer pelas energias limpas no Brasil.

© Greenpeace/Felipe Barra

Greenpeace realiza protesto no Congresso em 23 de fevereiro.

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ense um pouco sobre o seguinte dado: o crescimento da demanda de energia no Brasil será de três a quatro vezes a atual nos próximos 40 anos, de acordo com a Empresa de Pesquisas Energéticas e a Agência Internacional de Energia. Não é difícil chegar à conclusão que montar um plano energético responsável, sustentável e economicamente viável é fundamental para que o país cresça e apareça. A tendência mundial de geração de energia é ampliar a participação das fontes renováveis, como vento e Sol. Com oferta infinita e não-

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poluente, ela é a melhor alternativa para ajudar a controlar o aumento da temperatura da Terra, decorrente da queima de combustíveis fósseis. Porém, o maior investimento da antiga e da atual administrações federais está justamente no petróleo, mais especificamente no pré-sal, em detrimento da indústria de energia renovável. O país perde uma liderança que deveria ser natural, tendo em vista quanto vento e quanta luz há no país para serem aproveitados. Ainda dá tempo. É preciso redesenhar a matriz brasileira e projetar seu crescimento limpo. Se o go-

verno não quiser montar um plano próprio, pode se basear no proposto pelo Greenpeace, publicado no ano passado no relatório “Revolução Energética”. Um ponto importante a ser considerado no plano energético é uma coordenação da iniciativa privada e dos incentivos públicos, para criar condições de mercado para a energia limpa. É justamente essa uma das propostas da Lei de Renováveis (PL 603/03), está parada no Congresso. A proposta espera sua votação há mais de um ano e só depende da vontade dos parlamentares

e do governo para andar. Para ela não ser esquecida numa gaveta, o Greenpeace foi ao Congresso em fevereiro e, no teto do prédio, realizou uma manifestação pacífica lembrando os parlamentares, novos e antigos, da importância do texto. Infelizmente, os seguranças não foram tão pacíficos quanto os ativistas – houve armas apontadas e esclarecimento na delegacia.

O TEXTO O projeto de lei 603/03 amplia a quantidade de energia leiloada,

incentiva o aproveitamento de fontes diversas, como eólica e biomassa, e abre caminho para a geração descentralizada. Os efeitos são ganho em escala e tecnologias superiores, produzindo energia mais barata. Há décadas, fontes com grande impacto ambiental, como termelétricas, grandes hidrelétricas e nucleares, recebem incentivos governamentais, quando não tiveram os juros de seus investimentos já pagos pelos consumidores. A consequência desse histórico é a difícil ampliação dos investimentos em parques eólicos, termelétricas movidas a biomassa e usinas de energia solar, que em longo prazo produzem energia mais barata e mais limpa. O sistema de leilões de produção de energia renovável, com o qual o Brasil já conta, apresenta vários problemas. Sua realização não é regular nem obrigatória. O montante negociado é muito inferior ao potencial do país e, dentre as fontes negociadas, a geração solar não entra. Justo no país onde o sol brilha o ano todo. A Lei de Renováveis avançaria não só por incluir outras fontes nos leilões mas também ao propor a dedução de impostos na compra de equipamentos de geração renovável. Sugere também um fundo de incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento dessa indústria, o que colocaria o Brasil entre o seleto grupo de

fornecedores de tecnologia. Outro ponto importante é produção descentralizada, com mais unidades gerando menores quantidades de energia, porém instaladas próximas aos locais de consumo. Esse modelo se opõe ao atual: grandes usinas instaladas em locais isolados, fazendo com que a energia atravesse enormes distâncias até o consumidor final. O modelo descentralizado traz economia e eficiência, pois quanto menor a distância de transmissão, menores são as perdas. Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica dizem que 16% da eletricidade produzida no Brasil se perde durante sua transmissão e distribuição. Descentralizar também permite levar energia a locais remotos. Comunidades distantes de grandes centros urbanos hoje ficam à mercê de geradores movidos a diesel, que além de poluentes precisam constantemente ser reabastecidos – imagine os problemas para populações que não têm dinheiro ou estão muito isoladas. Sistemas solares ou hídricos, de menor impacto ambiental, não apresentariam os mesmos problemas. Leia a última edição do relatório Revolução Energética em www.greenpeace.org.br/revista, e veja vídeo e fotos do protesto realizado no Congresso em fevereiro pela aprovação da lei.

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Chernobyl: terra arrasada

Legado maldito

© Greenpeace/Daniel Beltra

Ana Galli

Na primeira ação do Greenpeace no Brasil, em 1992, protesto em frente à usina de Angra I, lembra Chernobyl.

A explosão de Chernobyl, que marcou uma geração ao expor a faceta mortal do uso da energia nuclear, completa 25 anos; efeitos do acidente são sentidos até hoje

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ra um dia como outro qualquer. A pacata cidade ucraniana de pouco mais de 100 mil habitantes teria seguido o curso normal de seu dia-a-dia se não fosse o inesperado. Sem aviso prévio, na madrugada do dia 26 de abril de 1986, tudo parou. Em poucos segundos, destruição total. Ficou apenas o silêncio seguido de desespero. Mais tarde veio a explicação. A causa que culminou no cenário de guerra era a explosão de um dos reatores da usina nuclear de Chernobyl, considerado até os dias de hoje o pior acidente nuclear civil da história da humanidade. Até o terceiro dia após o vazamento do material radioativo, a exUnião Soviética não divulgou ao

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mundo nenhuma informação sobre o acidente. Em vez de buscar ajuda internacional, os soviéticos criaram um plano de emergência que não incluía esclarecimentos às possíveis vítimas. Demorou quase um mês para o governo determinar a evacuação dos moradores da região. Em seguida enviou quase 600 mil pessoas, entre bombeiros, civis e soldados, para a construção de um sarcófago para fechar o reator danificado. Não se sabe ao certo quantos morreram, mas mesmo as estimativas conservadoras são assustadoras. Os números oficiais indicam que quase 10 mil pessoas perderam suas vidas nos dias que sucederam a explosão. Outros estudos, como o produzido

pelo Greenpeace em 2006, mostram que o número de vítimas pode chegar a 90 mil em decorrência de problemas causados pela radiação. O acidente foi tão devastador que os resquícios dele são sentidos até hoje. A cidade, que na década de 1980 era uma das mais importantes produtoras de alimentos da antiga União Soviética, hoje tem boa parte de seu território cercado por arame farpado. O solo está contaminado e obviamente impróprio para plantio ou criação de animais. Os problemas vão além de Chernobyl, que foi evacuada após o acidente e hoje vive às moscas, num cenário de total abandono. Vilarejos a um raio de 30 quilômetros também sofrem dos mes-

mil mortos

• 350 mil pessoas foram deslocadas © Greenpeace/Steve Morgan

energia

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Sapatos de crianças abandonados na cidade de Pripyat após o desastre.

mos problemas. Passados 25 anos, a região não conseguiu se reeguer econômica ou socialmente. “O acidente é um exemplo prático de todos os impactos da energia nuclear: tanto fauna e flora quanto as pessoas afetadas e seus descendentes e os efeitos econômicos consequentes desses danos”, afirma o coordenador da campanha de energia do Greenpeace Brasil, Ricardo Baitelo. “O pior de tudo é que alguns desses impactos e custos perduram até hoje. Isso nos lembra que esse legado maldito demora milhares ou até centenas de milhares de anos para ser dissipados.” Dados do Greenpeace Rússia revelam que moradores de regiões próximas à área afetada pelo vazamento vivem menos que a média da população russa. Especialistas estimam que a mortalidade em terras contaminadas é até 3% maior que a de áreas não afetadas pela radiação. “As autoridades tentam esconder Chernobyl da memória do povo dizendo que a tragédia acabou. Isso não é verdade, a catástrofe não teve fim, pelo contrário, ela continua. Temos de mostrar que muitas pessoas ainda têm de viver perto da radiação”, afirma o coordenador da campanha de energia nuclear do Greenpeace Rússia, Vladimir Tchouprov. Ao longo deste ano, a organi-

zação vai promover ações para mostrar às novas gerações os efeitos catastróficos que a energia nuclear pode causar e as alternativas que existem, mais seguras e eficazes. “A lembrança do acidente de Chernobyl, além de uma homenagem às milhares de vítimas, traz à tona uma mensagem de paz para os jovens que não sabem muito sobre o fato, por não terem vivenciado o momento”, diz Tchouprov.

BRASIL NA CONTRAMÃO Apesar da moratória de um ano que sucedeu o acidente, governos de diversos países ignoraram o alerta vindo de Chernobyl e continuaram investindo na construção de usinas nucleares. O Brasil está entre as nações que fecharam os olhos para o perigo. Foi a recessão econômica – e não a precaução – que protelou a construção da usina Angra 2 da década de 1980 para 1990. Em 2000 a planta foi finalizada. “O governo brasileiro desconsidera tanto o acidente quanto o histórico mais recente da indústria nuclear, o custo imprevisível de usinas e a falta de conhecimento de processos seguros de armazenamento de rejeitos radioativos”, afirma o coordenador da campanha de energia no Brasil. A outra planta hoje em operação

• 784 mil hectares de terras agrícolas passaram a ser zonas proibidas para o cultivo • 700 mil hectares tiveram vetada a produção de madeira

no Brasil é Angra 1, considerada por especialistas um verdadeiro desastre técnico. A usina começou a funcionar um ano antes do acidente na Ucrânia, em 1985. Durante 25 anos, poucas foram as vezes que a planta funcionou com todo seu potencial. O rendimento de Angra 1 está muito abaixo da média internacional de funcionamento de uma usina nuclear, que gira entre 80% e 90%. “Teve ano que a média da usina foi de 15%, até 5% já chegou. Tanto que o apelido dela é vagalume. É sem dúvida uma das piores relações custo-benefício da história”, afirma Baitelo. Angra 3 promete seguir os mesmos passos tanto de Angra 1 quando de Angra 2, que poucas vezes funcionou com sua capacidade total. Os componentes da usina, que está em construção, são considerados de tecnologia ultrapassada e não mais reconhecida pela Agência Internacional de Energia Atômica. “O Brasil não só ignora isso como também mantém planos de construir de quatro a oito usinas nos próximos dez anos. É inadmissível que um dos países com maior potencial de uso de energias renováveis ignore o acidente de Chernobyl, que causou tantas mortes, e cogite apostar em uma energia tão insegura do ponto de vista ambiental e econômico.”

Em www.greenpeace.org.br/revista, veja uma galeria de fotos de protestos históricos do Greenpeace contra a energia nuclear e leia o relatório sobre o verdadeiro número de mortos no acidente

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entrevista

Histórias de dinossauro Juliana Tinoco

Revista do Greenpeace Como começou sua história no Greenpeace? Steve Swwyer Quando o Greenpeace surgiu, eu tinha 14 anos e só pensava em Woodstock. Em 1978 amigos me falaram dessa ONG que tinha acabado de abrir um escritório em Boston. Vi uma foto do navio recém-comprado, o Rainbow Warrior. Aí pensei: “eu posso fazer isso”. Dois dias depois era voluntário. Qual foi seu momento inesquecível nessa longa história? Em 1985 partimos para uma expedição antinuclear pelo Pacífico, que incluía a remoção de moradores de ilhas expostas a testes com radiação. Estávamos na Nova Zelândia, nos preparando para ir ao Atol de Mururoa, quando o governo francês decidiu explodir o navio. Era o dia do meu aniversário de 29 anos. Esse episódio mudou tudo. Por quê? Até então tinha sido quase uma aventura, algo bom de fazer, mas não necessariamente pelo resto da vida. Quando um dos mais poderosos governos do mundo decide matar você, a perspectiva muda. Ou eu ia embora e virava fazendeiro, ou me comprometia de verdade. Foi o que eu fiz. Em 1995 voltei a Mururoa, quando Jacques 10

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Chirac avisou que recomeçaria os testes nucleares. De onde veio seu interesse por energia? Meu pai morreu quando eu tinha 16 anos. Nossa família tinha pouco dinheiro, eu trabalhava como distribuidor de jornal e ganhava um salário bom para um adolescente. Foi quando veio a crise do petróleo e os preços atingiram seu pico. Minha renda caiu pela metade. Pessoas morreram de frio sem dinheiro para pagar o aquecimento a óleo. Aquilo teve um efeito profundo em mim. Era preciso pensar em formas de não ser tão dependente de petróleo. Entendi como era fundamental o uso e o preço da energia para a economia. Quando surgiu o tema mudanças climáticas? Em 1988 juntamos um dossiê da recente produção científica sobre o clima e sentamos em uma sala fechada todo um dia analisando o material. Era julho de um verão muito quente, milhares morreram nos Estados Unidos por exposição ao calor, mesma época em que James Hanson, famoso cientista da Nasa, fazia seu primeiro discurso no Congresso americano sobre clima. Surgia aí a campanha do Greenpeace contra mudanças climáticas.

© Greenpeace/Daniel Beltra

O que mudou de lá para cá? Alguns modelos e entendimentos, mas a mensagem continua a mesma. Regular o carbono na atmosfera é essencial para manter a média da temperatura equilibrada o suficiente e garantir a presença humana na Terra. É possível continuarmos nesse ritmo por mais uns cem anos, até que a civilização, assim como a conhecemos, desapareça. Gosto de pensar que seremos mais inteligentes que isto. O petróleo será usado por muitos anos para produzir plásticos e derivados – computador, celular, tudo aquilo que torna a sociedade moderna confortável. Quanto antes fizermos a transição para uma matriz energética renovável, mais cedo podemos parar de queimar óleo.

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Deslizamentos de terra na serra fluminense mataram quase mil pessoas em 2011.

Marcas da catástrofe Juliana Tinoco

Brasil vive período de eventos climáticos extremos que trazem prejuízos à agricultura e à pecuária. A solução passa por preservar nossas matas.

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aneiro de 2011, município de Pinheiro Machado, ao sul de Porto Alegre. José Antônio Duarte, prefeito e chefe da Defesa Civil, diante do auge de uma seca que assolava a região há meses, previu: “O Rio Grande do Sul vai virar Nordeste”. A 2 mil quilômetros dali, na serra do Rio de Janeiro, William Vieira, também chefe da Defesa

Civil, se prepara para sair na busca de desaparecidos na tempestade seguida de deslizamentos generalizados que devastou a região em apenas uma noite. Dois retratos de um país que paga caro por tragédias climáticas quando poderia economizar investindo na preservação de suas florestas. Cientistas alertam que chuvas ex-

tremas e secas prolongadas vão se tornar mais frequentes e intensas, à medida que o aquecimento global piore. A participação brasileira neste processo é patente: graças ao desmatamento e às queimadas, somos o quarto maior emissor de gás carbônico do mundo, principal causador das mudanças climáticas. A devastação de nossas matas corresponde a

Quem está na frente nessa corrida? A Dinamarca é campeã em tecnologia: em 2050 tirará 50% de sua energia do vento. A China é líder de mercado hoje, de longe. Abu Dhabi, no meio do deserto, investe na primeira cidade sem emissão de CO2, ou carbono-zero. Arábia Saudita e Qatar, entre outros produtores de petróleo, estão começando a reconhecer que isso vai acabar. Eles querem continuar no setor de energia, mas o setor de energia do futuro não vai tirar óleo e gás da terra.

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© Greenpeace/Lunaé Parracho

Em termos de Greenpeace, o americano Steve Sawyer , 55 anos, é um dinossauro. A vida de ambos se cruzou em 1978, quando Sawyer apresentou-se como voluntário da organização no escritório de Boston, nos Estados Unidos. Ele estava com 22 anos. O Greenpeace tinha apenas 7 anos de idade. Juntos, os dois viveram momentos históricos. Sawyer estava no primeiro Rainbow Warrior, que foi a pique em 1985, na Nova Zelândia, vítima de bombas colocadas em seu casco por mergulhadores da marinha francesa. Suas digitais também estão gravadas na memória da campanha do Clima do Greenpeace. Sawyer foi um dos seus fundadores – acabou se envolvendo com energias renováveis e nunca mais largou o assunto. Aliás, é por causa dele que Sawyer partiu do Greenpeace e assumiu a chefia do Conselho Global de Energia Eólica (GWEC).


D. Loirinha observa a plantação de morangos devastada. Mais de 6 mil produtores foram diretamente atingidos pela tempestade na serra.

Motosserra em punho

© Greenpeace/Lunaé Parracho

© Greenpeace/Lunaé Parracho

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O Rio Grande do Sul sofreu uma estiagem de 5 meses, com impactos econômicos que serão sentidos pelos próximos 3 anos.

60% de todos os gases de efeito estufa que emitimos, apesar de termos potencial de sobra para reverter essa realidade e liderar a corrida contra o aquecimento global. “A floresta amazônica é um imenso estoque de carbono, tanto na terra, quanto na madeira. Queimadas e desmatamento para uso do solo liberam grandes quantidades deste carbono na atmosfera”, explica Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa). Por outro lado, se preservada, faz o caminho inverso, absorvendo o CO2 do ar para benefício próprio – sua cobertura vegetal é capaz de estocar entre 80 e 120 bilhões de toneladas de carbono. “Com o aquecimento global, a temperatura dos oceanos aumenta, o que propicia mais evaporação de água, que cai em forma de chuva”, explica Fearnside. Segundo projeções do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as regiões Sul e Sudeste do país terão entre 10% e 30% de aumento de intensidade de temporais semelhantes aos que ocorreram no Rio de Janeiro

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nos próximos 40 anos. Já no Norte e Nordeste o efeito será o oposto, com estiagens mais extremas. “O Brasil é um dos países que têm mais a perder com catástrofes ambientais e é também o que tem melhores chances de reduzir significativamente suas emissões diminuindo o desmatamento. Preservar a mata é nossa opção mais fácil, barata e rápida”, afirma Fearnside. A faceta real da ciência está em dona Loirinha, de Nova Friburgo (RJ). Ela observa o amontoado de lixo e lama a que se resumiu o que antes era sua roça e sustento. Sua família perdeu todas as verduras e frutas que produziam em uma tempestade na noite de 12 de janeiro. A uma equipe do Greenpeace que esteve na região documentando os impactos, ela resume o problema: “A gente depende do clima para sobreviver. Sol ou chuva demais prejudicam nossa atividade. De uns anos para cá a coisa só fez piorar. Eu esperava umas chuvas grandes ao longo do mês, agora cai tudo em algumas horas, ou então fica um tem-

pão sem chover nada. Muita gente está saindo do campo para a cidade porque a agricultura ficou impossível”, diz. Na região serrana do Rio de Janeiro, choveu em algumas horas daquela madrugada o que era esperado para metade do mês, um dos mais chuvosos do ano. Lá, a combinação da tempestade com o solo fino e muitas declividades fez com que em 95% dos morros houvesse deslizamento. Somado à ocupação irregular de terrenos que deveriam ser áreas de preservação permanente, como encostas de morro e margens de rios, o resultado foi de quase mil mortes, desaparecidos e prejuízos econômicos.

ÁGUA DE MENOS Enquanto isto, no Rio Grande do Sul, no mesmo mês de janeiro a paisagem era de aridez total. Uma das piores estiagens da história do Estado deixou municípios do sudeste do Estado a seco por cinco meses. A produção de leite, base da economia local, caiu em 50%, o gado

morreu de sede e a procriação foi afetada. “O prejuízo desta estiagem vai se refletir por pelo menos três anos, porque não vamos conseguir repor o rebanho”, diz José Duarte, prefeito de Pinheiro Machado, um dos municípios mais afetados. A estiagem coincide com o fenômeno climático chamado La Niña, que gera o resfriamento das águas do Pacífico. Este tipo de oscilação, antes sazonal, vem acontecendo em espaços de tempo cada vez menores. “Tivemos problemas parecidos em 2005, 2009 e no fim de 2010 novamente”, diz Tânia Sausen, especialista em desastres naturais do Inpe. “O Sul não tem cultura para enfrentar estas grandes estiagens. Notamos o aumento da magnitude dos desastres naturais, mas não há política de prevenção e adaptação às mudanças do clima”, afirma Sausen. Em comum, as tragédias climáticas deste janeiro afetaram principalmente a produção de alimentos. Nicole Oliveira, da campanha de Clima do Greenpeace, esteve nas regiões atingidas e narra

cenários de destruição completa nas zonas rurais. “Do solo ressecado, ao inundado, o resultado da ação do homem sobre o clima é, no final das contas, de prejuízo para o próprio homem”, diz. “Os impactos na agricultura geram perdas para quem está no campo e também na cidade, com o aumento dos preços e a falta de produtos.” Antônio Nobre, pesquisador sênior do Inpa e do Inpe, é categórico: “Não podemos mais tapar o sol com a peneira. É preciso encarar as mudanças climáticas com rapidez e responsabilidade, pois as tragédias vão se intensificar. Isso não deveria gerar pânico, sim reação”, alerta. Nobre vê na preservação e recuperação das matas a resposta para frear esse avanço. “Preservar a floresta não é um desejo romântico de quem gosta do ambiente. As matas são importantes reguladores do clima, do qual depende a nossa produção de alimentos. É para manter o negócio. Precisamos de produção sim, mas de conservação também, mais do que nunca”, garante.

Enquanto os eventos climáticos extremos deixam populações vulneráveis e mostram como o Brasil precisa de mais, não menos, árvores, no Congresso Nacional um grupo de políticos se articula para enfraquecer o Código Florestal e reduzir a proteção das matas brasileiras. Mal entrou 2011 e um polêmico projeto de lei, escrito pelo ex-comunista, hoje amigo de latifundiários, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), começou a ser empurrado por ruralistas para a pauta de votação da Câmara. Um movimento orquestrado pela bancada do agronegócio quer aprovar o texto na casa a toque de caixa – ou melhor, a toque de trator – sem permitir um debate adequado com a sociedade. O interesse ruralista não é gratuito. Vários são os absurdos defendidos pelo relatório: anistia a desmatadores e diminuição da área de proteção em beira de rios estão entre os pontos mais polêmicos. A falta de consenso sobre o texto é tamanha que o governo decidiu intervir e criar uma proposta paralela, conduzida pelo Ministério do Meio Ambiente, como substitutivo ao texto proposto por Aldo Rebelo. Ana Galli

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O universo é virtual, mas os impactos são reais: o superciberativista, aquele que participa ativamente de ações on-line, mostra que o poder de mudança está próximo de qualquer pessoa.

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nquanto pensadores da internet questionam a relevância dos relacionamentos na rede, criam teorias e argumentações, o Greenpeace mostra na prática como eles funcionam. Uma série de mobilizações on-line, criada para intervir em decisões políticas e corporativas, traz em seu cerne pessoas que mostram o comprometimento com o planeta a partir de seus computadores. Os ciberativistas são peças fundamentais no trabalho do Greenpeace. Eles formam uma rede em que a ação individual ganha força. O desenvolvimento das ferramentas de participação amplifica a força desse grupo e permite o surgimento do que chamamos de “superciberativista”. É o caso de Junior Warne, produtor visual e ciberativista desde 2006, quando abriu sua conta no Orkut. Ele participa de todas as ações virtuais estimuladas pela organização – e vai além. Em 2008, também se tornou voluntário e colaborador. Hoje, ele comenta notícias publicadas no site do Greenpeace, divulga os chamados 14

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de atuação on-line e até responde dúvidas de outros ciberativistas.

Revista do Greenpeace Como você vê as ações on-line do Greenpeace? Junior Warne Os ativistas, os voluntários e os colaboradores estão cada vez mais presentes nas redes sociais. Por isso, as ações on-line são imprescindíveis. No mundo virtual a informação circula de uma forma que não se propagaria no mundo real. Por meio dele, podemos fazer parte da solução, mesmo à distância.

Qual é o impacto das redes sociais no agrupamento em torno de um tema, como as ações do Greenpeace? As redes divulgam e organizam a informação de diferentes formas.

O Orkut, mesmo dependente do tipo de moderação que se faz, ainda se mostra muito eficiente para organizar debates. Ele tem a vantagem de manter os tópicos em discussão por meses, até anos, dando destaque às últimas inserções. Já o Facebook, por exemplo, traz a informação em tempo real, que

acredito ser a chave do enorme sucesso que está fazendo no Brasil. De qualquer forma, comunidades e perfis como os do Greenpeace Brasil promovem uma troca especialmente importante quando se trata de desafios acima dos limites entre países, como os ambientais. Há dois perfis majoritários de ciberativista, aquele mais ligado às redes sociais e quem prefere e-mails. Como você vê essa diferença? Muitos querem participar mais, porém não podem se dedicar por falta de tempo, dinheiro ou permissão de acesso às redes no local de trabalho. O ciberativista frequente nas redes tem um leque muito maior de opções de participar, já que cada rede permite atuações diferenciadas. Aqueles que usam apenas e-mails, além de não terem a informação em tempo real, em geral são direcionados a um site ou rede para atuar mais – com a vantagem de poderem ler e divulgar as notícias a qualquer momento, em casa, por exemplo, e sem tanta restrição onde trabalham.

Protesto em frente à frota baleeira japonesa em 2008.

A equipe de Diálogo Direto e os voluntários do Greenpeace foram às praias do litoral paulista no mês de janeiro para mostrar como o ambiente está presente em nosso dia-a-dia e como o Greenpeace cria e produz ações práticas em sua defesa. A já conhecida Kombi da organização passou pelas cidades de Ubatuba e Guarujá. Quem visitou os locais de atividade conheceu a exposição fotográfica “Defendendo nossos oceanos”, que conta com belas imagens do litoral brasileiro e destaca a biodiversidade marinha e ações do Greenpeace em locais como o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos. As crianças se divertiram e aprenderam com o grupo de teatro dos voluntários de São Paulo. Peixe, tartaruga e polvo contaram a história “O mar tem de estar para peixe”, que aborda a preservação em um contexto infantil.

Volta com cheiro de derrota Bernardo Camara

Frota japonesa retorna mais cedo de sua temporada de caça a baleias no Atlântico Sul, sinalizando que a indústria baleeira está perdendo a força no país.

C

om quatro navios, 180 pessoas a bordo e 170 baleias Minke capturadas, a frota baleeira japonesa voltou para casa um mês antes de terminar sua temporada de caça na Antártida. A notícia rodou o mundo e pode ser um sinal do que o Greenpeace já havia anunciado: a indústria de caça a baleias no Japão está a caminho da falência. Historicamente subsidiada com dinheiro público, a atividade começou a dar sinais de decadência nos últimos anos. Hoje, há quase 6 mil toneladas de carne de baleia encalhadas nos estoques japoneses, aguardando consumidores. O volume desmoraliza os subsídios que o governo japonês dá aos baleeiros, pois nem com eles ela consegue se manter economicamente atraente. Numa pesquisa feita pelo Greenpeace em 2008, 70% da população do país afirma que não quer mais seu dinheiro empregado nessa indústria. Não é, portanto, por um mero capricho que a frota, que já havia partido com dois navios a menos, voltou mais cedo para casa. A in-

dústria da baleia está sumindo no Japão. “O governo japonês precisa encarar os fatos. Não existe mais espaço para a caça de baleias no século 21”, diz Leandra Gonçalves, bióloga do Greenpeace. “Ela não representa o interesse da maioria da população japonesa, não traz ganhos econômicos e ainda causa impactos imensuráveis em uma área remota e sensível como a Antártida, que deveria ser destinada à paz e a investigação científica não-letal.” A pressão sobre os baleeiros japoneses já dura três décadas e foi iniciada pelo Greenpeace, que começou a perseguir e interferir nas operações de caça no Atlântico Sul com seus navios e botes. Em 2008, dois ativistas da organização no Japão foram acusados judicialmente de roubo de carne de baleia. Era coisa que poderia lhes render alguns anos de cana. O Greenpeace decidiu trabalhar para que o processo servisse para levar a discussão sobre a caça da baleia para dentro do Japão. Os ativistas foram condenados com pena suspensa e estão apelando.

© Greenpeace

Laura Fuser

Tem Greenpeace na sua praia

© Greenpeace

© Greenpeace/Kate Davison

Entre o virtual e o real

© Greenpeace/Danielle Bambace

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Júnior Warne, ciberativista, durante trabalho voluntário na Feira da Vila Madalena de 2010.

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A arte imita a vida Confira os filmes que lembraram o Greenpeace em seus roteiros

A hora do trailer Sabe aquele momento quase sempre chato, antes de o filme começar? Fique de olho - redes de cinemas de todo o Brasil já veiculam a nova campanha publicitária “Tem Greenpeace no seu dia”, e deixam este momento mais leve. Vale conferir!

Fotos: SXC

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Para quem quer voltar às origens da organização, a dica é assistir “Os guerreiros do Greenpeace”, no qual fundadores da organização recordam suas vidas de ativismo, e “Sabotagem Internacional” (The Rainbow Warrior, no título original), lançado em 1992, que conta a história do ataque do navio-símbolo da organização, em 1984. Já quem admira o ativismo precisa conferir a produção “A Time Comes”, do Greenpeace do Reino Unido (apesar de não ter chegado às telonas, está disponível no site do escritório regional, em inglês). Recheado de cenas por trás das câmeras, o vídeo conta a história dos seis ativistas que bloquearam uma usina de carvão, em 2008. Indiciados pelo prejuízo causado, todos foram absolvidos por defenderem uma causa de interesse coletivo: o controle do aquecimento global.

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Greenpeace não larga mão do cinema. Os escritórios da organização espalhados pelo mundo, dentro da filosofia de testemunhar os fatos e expô-los ao público, produzem um volume grande de imagens, editadas na forma de curtas-metragens, filmes publicitários e até documentários. “Petropolis”, produzido pelo Greenpeace Canadá em 2009, é um exemplo. O filme denuncia a exploração do betume no país, que geram

Petropolis Direção: Peter Metler Ano: 2009 Duração: 43min

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cinco vezes mais emissões do que a extração comum de petróleo. O betume, uma mistura escura de areia e petróleo, é retirado das encostas e processado dia e noite, contaminando a água com compostos químicos, desmatando a floresta boreal e impactando a saúde dos moradores da região. A extensão do problema é tal que só mesmo uma visão aérea para se ter noção do estrago: toda a captação de imagens foi realizada com

Os guerreiros do Greenpeace (The Rainbow Warriors of Waiheke Island) Direção: Suzanne Raes Ano: 2009 Duração: 87min

The End of the line Direção: Rupert Murray Ano: 2009 Duração: 86min

uma câmera especial de última geração, acoplada a um helicóptero. O documentário, dirigido por Peter Mettler, ganhou prêmios em festivais internacionais como o Festival dei Popoli (Itália) e Visions du Réel (francês).

DO CÉU AOS MARES Outra produção que contou com o trabalho de pesquisa e orientação do Greenpeace foi “The End of the line”, de Charles Clover, reconhecido jornalista especializado em causas ambientais. Inspirado em seu livro de mesmo nome, o filme aborda a sobrepesca ao redor do mundo, em especial do ameaçado atum azul.

Sabotagem Internacional (The Rainbow Warrior) Direção: Michael Tuchner Ano: 1992 Duração: 90min

A Time Comes Direção: Michael Tuchner Ano: 1992 Duração: 90min

Soja - em nome do progresso Ano: 2005 Duração: 39min

Mudanças de clima, mudanças de vidas Direção: Todd Southgate Ano: 2007 Duração: 51min

FILMES NACIONAIS Nos quase 19 anos de Greenpeace Brasil, muitas foram as produções, que, apesar não serem longas-metragens, tiveram grande impacto e difusão. “Soja – em nome do progresso” denunciou os impactos da expansão da soja na Amazônia e foi projetado, em 2006, em Santarém, zona de maior conflito do tema abordado. “Mudanças de clima, mudanças de vida” explica em linguagem fácil os impactos do aquecimento global no país. Escolas, instituições, canais de televisão abertos e pagos veiculam ainda hoje a produção, realizada em 2006. Mais recentemente, “O Mar é Nosso”, realizado em parceria com o Canal Azul, leva o espectador por uma viagem pelos mares brasileiros e os problemas causados pela ação do homem.

O Mar é nosso Direção: Lawrence Wahba Ano: 2008 Duração: 26min

Amargeddon EUA, 1998 Bruce Willis joga golfe tranquilamente em uma plataforma de petróleo, enquanto o navio Rainbow Warrior aparece lotado de ativistas protestando contra a exploração em alto-mar.

Hancock EUA, 2008 O super-herói salva uma baleia jubarte de maneira inusitada, mas não muito ecológica. Ele diz não se lembrar do episódio, mas seu assessor comenta: o Greenpeace lembraria!

Jurassic Park 3 EUA, 2001 Uma equipe de pesquisa é enviada à ilha Nublar, morada dos dinossauros. E é claro que a organização precisava fazer parte dessa aventura. Nick Van Owen, fotógrafo e ativista do Greenpeace, cumpre a árdua tarefa.

Veja em www.greenpeace.org.br/revista cenas de filmes em que o Greenpeace aparece.

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cartas

Teste de vôo no Mar da China.

Sobre o Japão

Ana Galli

Ilustre ativista aposentado, helicóptero que serviu ao Greenpeace cai no mar e leva para o fundo uma história de investigações de crimes ambientais.

Leia depoimento do piloto Hughie Balfour e veja imagens do Tweety em www.greenpeace.org.br/revista.

Luciano Ricardo Falcão, Na área de colaboradores do site Você também pode mandar seu

As aventuras no Greenpeace Mais experiente que muito ativista, o helicóptero fez parte de várias ações históricas do Greenpeace. Confira aqui algumas das aventuras ao redor do mundo. Em 2001 um time do Greenpeace achou evidências de poluição ambiental em uma base militar americana desativada na Groenlândia. Entre os integrantes da equipe estava Tweety, que sobrevoou a área conhecida como Marraq, onde foram encontrados milhares de barris com material industrial apodrecendo. O helicóptero participou de muitas das ações contra a caça de baleias no Japão, entre elas a realizada em 2005, quando Tweety, carregando uma faixa onde se lia “pare”, perseguiu um navio baleeiro japonês no Oceano Antártico.

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Este periódico foi impresso em papel reciclado em processo livre de cloro. Tiragem: 30 mil exemplares. www.greenpeace.org.br

Tweety também esteve em terras brasileiras. Em 2006, durante o tour do navio Arctic Sunrise - que percorreu milhares de quilômetros e visitou sete cidades, entre elas Porto Alegre, Recife e Manaus – o helicóptero acompanhou a expedição, que teve como objetivo apresentar propostas para proteção da Amazônia.

O selo FSC garante que este produto foi impresso em papel FSC.

ATENDIMENTO telefone 11 3035 1151

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e-mail

relacionamento@greenpeace.org

A tragédia é negra Era julho de 2010. O bombeiro Han Xiaoxiong foi surpreendido em um grave vazamento de petróleo no porto de Dalian, na China. Um colega tentou resgatá-lo, mas o bombeiro não resistiu e morreu. A cena de horror foi captada pela equipe do Greenpeace no país, que ainda constatou más condições de segurança das instalações, mesmo depois do acidente e da morte. A sequência de imagens rendeu ao fotógrafo Lu Chang o terceiro lugar no prestigiado World Press Photo deste ano, que premia os melhores trabalhos em fotojornalismo do mundo. A documentação e a exposição feitas pelo Greenpeace, como neste caso, é um dos pilares usados para denunciar práticas danosas ao ambiente. Apesar do reconhecimento da competência da equipe, é acima de tudo uma terrível lembrança de uma morte que poderia ser evitada.

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© Lu Guang/Greenpeace

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o final do ano passado o Greenpeace deu adeus a um de seus mais notáveis ex-integrantes. Carinhosamente chamado de Tweety – ou Piu-Piu, nome em inglês do canarinho do desenho animado – o pequeno helicóptero que por 25 anos prestou grandes serviços à organização caiu em outubro no litoral da Nova Zelândia. O helicóptero havia sido vendido pelo Greenpeace em 2008. Felizmente o piloto Robert Cotton, da companhia Snowline Safaris, que comprou o Tweety, saiu ileso da queda. De vital importância em tours de navio e expedições, o Tweety era rápido, preciso e amado pelos fotógrafos do Greenpeace. Juntos, fizeram imagens que foram divulgadas em todo o mundo. O Tweety sobrevoou os trópicos da Indonésia e da Amazônia, e enfrentou temperaturas abaixo de zero no Alasca e na Antártida. Com frequência Tweety ajudou ativistas nas mais duras condições de trabalho, até o limite de sua capacidade. “Ele podia voar em todos os tipos de condições e graças a isso fomos capazes de nos aventurarmos em locais nunca antes visitados”, afirma com saudade o último a pilotá-lo para o Greenpeace, Hughie Balfour. “Tweety foi levado a praticamente todas as linhas de latitude capturando imagens e documentando assuntos atuais locais e internacionais.”

© Greenpeace/Jiri Rezac

perfil

Bye, bye, Tweety

Nesse lamentável momento mundial (a tragédia que abateu o Japão), me sinto feliz de ser membro de uma instituição séria como o Greenpeace. Muitas pessoas não levam essas denúncias a sério, dizendo que tudo é um grande exagero, que a energia nuclear é segura e que nós somos ecofanáticos que vivemos no mundo da Lua. Como diz o ditado, "porta arrombada, tranca de ferro".


© Michael Nagle / Greenpeace

ARCTIC SUNRISE

ESPERANZA

Susto em alto-mar O Arctic Sunrise começou março atracado no porto de St. Johns, em Newfoundland, Canadá, após deixar os Estados Unidos e viajar pelo Oceano Atlântico. A parada foi necessária após um container se soltar no porão do navio, em meio a violentas tempestades, e provocar avarias. A situação é considerada séria, mas foi contornada sem ninguém se ferir. Após os reparos, o navio segue para a Holanda.

RAINBOW WARRIOR

Em defesa dos oceanos Em Taiwan, o Rainbow Warrior se juntou a grupos locais para chamar a atenção para as últimas reservas de atum no mundo e assim estimular o governo taiwanês a apoiar ações focadas na conservação da espécie. Em tour pela Ásia Oriental, a organização divulga a necessidade de proteger a vida marinha do Pacífico contra a pesca industrial e faz campanha pela criação de reservas marinhas, áreas protegidas da pesca predatória.

Para acompanhar o paradeiro dos navios em imagens ao vivo acesse: http://www.greenpeace.org/international/photosvideos/ship-webcams

A esperança é verde Dizem que o verde é a cor da esperança, então nada mais justo do que pintar o Esperanza desta cor, depois de quase nove anos na cor azul. Além de agora seguir a mesma identidade visual dos outros dois navios, ele passou por uma complexa manutenção no Porto de Las Palmas, nas Ilhas Canárias. As melhorias são uma preparação para o trabalho árduo previsto para 2011: denunciar a pesca ilegal no Mar Mediterrâneo e voltar ao Ártico para pesquisar os impactos das mudanças climáticas nos ecossistemas da região.

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© Paul Hilton / Greenpeace

© Nick Cobbing / Greenpeace


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