greenpeace.org.br
abril - maio - junho | 2011
Revista
Flo am res ea tas รงa da s
Derretendo
© Greenpeace/Rodrigo Baleia
F am lores ea tas ça da s
Revista
greenpeace.org.br
abril - maio - junho | 2011
Derretendo
Montagem de Karen Francis Foto de © Greenpeace / Rodrigo Baleia
sumário 4 O país quer florestas. Os deputados, não
6 8 9 10 13 14 16 18 19
De volta ao passado Marcados para morrer Olho no futuro Esperanças de um ocaso nuclear Entrevista: Rogério Gomes No compasso da inação Mosaico vivo em perigo Renovável para um futuro limpo Foto oportunidade
O anúncio ao lado foi feito por morvan, vencedor de uma competição promovida pelo Greenpeace e pela Zooppa.
carta aos colaboradores
capa
A
equipe do Greenpeace quebrou a cabeça para decidir a capa desta edição. De um lado, havia o acidente nuclear de Fukushima, tão grave, segundo a Agência Internacional de Energia, quanto o ocorrido há 25 anos em Chernobyl. Do outro, o Código Florestal, transmutado pela Câmara dos Deputados em decálogo para expansão da agropecuária sobre as matas do país. Energia e florestas são muito importantes para o nosso futuro. O potencial da geração renovável brasileira, somada ao tamanho de nossas florestas, permite ao Brasil fazer algo de dar inveja a europeu: garantir a prosperidade de seu povo com energia limpa e conservando matas que abrigam o maior estoque de biodiversidade do mundo. Nuclear ganhou a corrida da capa por uma única razão: ao contrário do Código Florestal, o desastre que afetou milhões de pessoas no Japão rendeu ao menos uma boa notícia. A reação mundial ao acidente de Fukushima foi fulminante e, na maioria dos casos, para o bem. Começou com os japoneses, que suspenderam a construção de novas usinas. Os chineses congelaram seus investimentos em nuclear. A Europa foi mais fundo. Os italianos votaram contra o renascimento da indústria nuclear no país. O governo alemão divulgou plano para desativar todos os reatores até 2022. A Suíça prometeu o mesmo até 2030. O Brasil foi na contramão. Admitiu que a explosão no preço de usinas pós-Fukushima pôs em risco o plano de plantar quatro delas no Nordeste, mas manteve a decisão de seguir adiante com a construção de Angra 3, desviando investimentos da sólida vocação nacional de aproveitamento de energias renováveis. Essas fontes de geração a partir do sol e do vento, segundo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), podem muito bem substituir nossa dependência de combustíveis fósseis até 2050. A história do que aconteceu desde o dia 11 de março no Japão está contada em um trabalho assinado por Juliana Tinoco. Cristina Amorim assina junto com Ana Galli as páginas dessa edição que revelam as ameaças que passaram a rondar nossas florestas com o triunfo da motosserra ruralista na Câmara Federal. A vitória do agronegócio na sessão em que os deputados ratificaram mudanças no Código Florestal foi precedida de um aumento de 500% no desmatamento no Mato Grosso em março e abril. A ela, seguiram-se uma série de assassinatos de líderes extrativistas na Amazônia. Os deputados querem fazer o Brasil andar para trás. Nesse triste cenário, há, no entanto, motivo de sobra para esperança. A maior delas somos nós, brasileiros. Uma pesquisa de opinião tabulada em junho indicou que 75% dos brasileiros são contra o afrouxamento de nossas leis de proteção florestal em favor dos interesses da agropecuária. É essa voz das ruas que nós do Greenpeace queremos reverberar cada vez mais alto. Marcelo Furtado Diretor Executivo Greenpeace Brasil
O Greenpeace é uma organização global e independente que promove campanhas para defender o meio ambiente e a paz, inspirando as pessoas a mudarem atitudes e comportamentos. Nós investigamos, expomos e confrontamos os responsáveis por danos ambientais. Também defendemos soluções ambientalmente seguras e socialmente justas, que ofereçam esperança para esta e para as futuras gerações e inspiramos pessoas a se tornarem responsáveis pelo planeta. O Greenpeace não aceita dinheiro de governos, partidos ou empresas. Ele existe graças às contribuições de milhões de colaboradores em todo o mundo. São eles que garantem a nossa independência. |3
Fonte: Datafolha
amazônia
O que os brasileiros querem
© Greenpeace / Felipe Barra
© Greenpeace / Felipe Barra
• 85% querem uma lei que proteja florestas e rios, mesmo que prejudique a produção agropecuária
O país quer florestas. Os deputados, não Cristina Amorim
Um Código Florestal fraco, que beneficia desmatadores e coloca o patrimônio ambiental brasileiro em xeque: eis o legado que a Câmara Federal quer deixar para os brasileiros.
V
inte e quatro de maio de 2011. Marque essa data. Nesse dia, a Câmara dos Deputados fez duas escolhas que repercutirão na vida dos filhos e netos desta geração. A primeira delas é que o Brasil não precisa de florestas e nem da
4
|
abril - maio - junho 2011
água pura, do solo saudável e do ar limpo que elas nos fornecem. A segunda escolha é a opção por continuar o mesmo modelo de expansão desenfreada da agropecuária sobre nossas matas que marcou os primeiros 500 anos de história do Brasil.
Foi naquele dia que um projeto de lei que enfraquece o Código Florestal, escrito e articulado pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), recebeu 410 votos a favor e apenas 63 contra. Agora ele está no Senado, onde parece que alguns de seus in-
tegrantes já entenderam que, do jeito que passou, a lei jogaria contra os interesses do próprio país. Aos senadores agora cabe a tarefa de reduzir os danos – que são muitos. O texto aprovado joga na lata do lixo sete décadas da mais completa lei ambiental em vigor no mundo. Ele desfigura o Código Florestal a tal ponto que ela deixa de ser uma lei de proteção do ambiente para pavimentar sua destruição. Abre tantos espaços para novos desmatamentos que praticamente qualquer extração de vegetação seria justificada. Perdoa quem já desmatou, passando a régua entre quem de fato precisaria ter seu caso revisto (como os agricultores familiares) e os especuladores, que desmatam para aumentar indiscriminadamente a produção ou arregimentar mais terras. A permissividade está tão enfreada que será difícil revertê-la totalmente. Não à toa o governo federal – que deixou o processo correr solto na Câmara nos últimos dois anos, apesar de o Greenpeace ter denunciado que o tratoraço ruralista se armava – resolveu se movimentar. Uma articulação entre o Executivo e os senadores governistas, ruralistas e não ruralistas, foi formada, para que o tema seja debatido ali por pelo menos seis meses e em três comissões. O cuidado se justifica. Uma pesquisa Datafolha divulgada em junho
mostra claramente que o brasileiro gosta e entende de floresta mais do que seus representantes em Brasília – e nem precisa ser ambientalista ou filiado ao Greenpeace. Para 85% dos entrevistados, a legislação deve priorizar a proteção das florestas e dos rios mesmo que isso prejudique a produção agropecuária (leia mais no quadro ao lado). Mas a verdade é que não é necessário sacrificar o agronegócio para preservar florestas. É necessário sim investir em produtividade e retirar definitivamente a ilegalidade da cadeia de custódia. “Está provado que podemos mais que duplicar nossa produção de alimentos sem derrubar nenhum hectare de floresta. Isso é o que fará do Brasil um país mais forte economicamente e mais competitivo”, afirma Marcio Astrini, coordenador da campanha do Código Florestal no Greenpeace. “Porém, a maioria dos deputados preferiu olhar para o passado e aprovou um texto que premia e incentiva o desmatamento. Caso esse texto vire lei, os principais punidos serão o futuro do país e as próximas gerações.” A presidente Dilma sabe disso e, apesar das alianças com o velho agronegócio brasileiro, prometeu a seus eleitores que não daria anistia, nem permitiria novos desmatamentos em áreas sensíveis. Após a aprovação na Câmara, ela reforçou sua
• 79% são contra o perdão de multas a que desmatou ilegalmente • 5% apenas aceitam a anistia a desmatadores, inclusive de recuperação do passivo ambiental • 91% discorda da emenda 164, que autoriza atividades agropecuárias em áreas de preservação permanente (APPs) • 66% defendem que APPs devam ter apenas culturas que fixam o solo • 25% acham que nenhum cultivo deve ser realizado em APPs • 62% acompanharam a votação da reforma do Código Florestal na Câmara • 77% gostaria que a discussão fosse adiada para que a ciência se manifeste
promessa. Afinal, o Brasil começa a preparar o palco para a Rio +20, quando os olhos do mundo vão se voltar para cá. A Rio +20 comemora as duas décadas da ECO-92, a conferência que lançou duas das principais bases internacionais de discussão ambiental. Ali nasceram a Convenção do Clima e a de Biodiversidade da ONU. “O governo brasileiro sabe que a Rio +20 é um importante evento diplomático da administração Dilma”, diz Astrini. Imagine a vergonha que será ter aprovado um texto tão ruim para a floresta quanto o que saiu da Câmara. “Os senadores e o governo têm a obrigação de evitar que isso aconteça.”
|
5
Fonte: Deter/Inpe
amazônia
Desmatamento em Mato Grosso Março/10 - 26,23 km2 Abril/10 - 37,73 km2 Março/11 - 74,7 km2 Abril/11 - 408,11 km2 km2
Fonte: Deter/Inpe
Desmatamento por Estado maior que 1km2 (55% do total)
UF Tamanho Médio Quantidade Mato Grosso 1,42 513 Tocantins 1,13 8 Pará 0,71 697 Amazonas 0,64 190 Maranhão 0,63 104 Roraima 0,62 13 Rondônia 0,58 343 Acre 0,54 66
© Greenpeace / Rodrigo Baleia
De volta ao passado
M
aio não foi um mês de boas notícias para o Brasil. Apenas uma semana antes da aprovação pelo plenário da Câmara dos Deputados do texto que muda o Código Florestal e expõe as florestas à derrubada, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, teve de fazer um anúncio amargo: a volta do aumento do desmatamento na Amazônia. Após seguidas quedas nas taxas, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) demonstram que 1.848 quilômetros
6
|
abril - maio - junho 2011
quadrados de floresta amazônica foram desmatados entre agosto de 2010 e abril deste ano, um aumento de 27% em relação ao período anterior, quando foram registrados o desmate de 1.455 km2. O impacto se concentrou nos meses de março e abril, quando mais de 590 km2 foram ao chão, num crescimento de 570% em relação aos mesmos meses do ano passado. Do total, cerca de 80% ocorreu no Mato Grosso. As informações são do sistema Deter e dão apenas uma amostra de tendência do que
acontece no campo – os dados oficiais costumam sair no fim do ano. Izabella preferiu não associar os números explosivos ao debate do Código Florestal. Mas para Marcio Astrini, da campanha da Amazônia do Greenpeace, a relação é direta. “Não existe fato novo que justifique tamanho desmatamento na Amazônia, justamente nos meses em que a discussão no plenário da Câmara dos Deputados estava aquecida. As promessas de anistia e de afrouxamento da legislação são um grande incentivador – quem ainda
Pará 492,50; 30%
Rondônia 197,95; 12%
Roraima 8,07; 0% Amazonas 122,30; 7%
Tocantins 9,06; 1% Acre 35,85; 2%
Ana Galli
Após consecutivas baixas, índices de desmatamento na Amazônia disparam graças às promessas de anistia previstas no Código Florestal do deputado Aldo Rebelo
Mato Grosso 730,39; 44%
não havia desmatado, correu para fazê-lo.” Só a ministra fechou os olhos para o óbvio. Até o Ibama assumiu que há sim um elo entre o crescimento do desmate e a revisão da lei ambiental. “Estão desmatando tudo, achando que vão ser anistiados”, disse Jefferson Lobato, da divisão de Controle e Fiscalização do órgão, ao jornal “Folha de S.Paulo”. Como se não bastasse o saldo para lá de negativo, o cenário pode ser ainda pior. Durante o anúncio dos números alarmantes, Izabella afirmou que várias áreas não puderam ser analisadas por causa da grande quantidade de nuvens que impediu o registro dos satélites, entre elas boa parte do Pará. O Estado
que, ao lado do Mato Grosso, registra uma grande área desmatada, quase não entrou na conta. Outro método de detecção do desmatamento, da ONG Imazon, detectou em maio 165 km2 de desmatamento na Amazônia Legal – e o Pará foi o campeão do mês, respondendo por 39% dessa derrubada. Em seguida vêm Mato Grosso, com 25%, e Rondônia, com 21%. A área é 72% maior à registrada em maio de 2010, quando o desmatamento observado pelo Imazon somou 96 km2. Grave e típico Classificada como “grave e atípico” pela ministra, o crescimento do desmatamento fez com que o
Maranhão 65,53; 4%
governo montasse um gabinete de crise para cuidar do assunto. Mas de atípico o movimento não tem nada. Sempre que os ares de Brasília indicam que a lei ambiental será enfraquecida, o trator e a motosserra ganham força no campo. Não à toa o Ibama redirecionou mais de 400 fiscais para a Amazônia, e mais de cem policiais se juntaram a esse contingente. O governo do Mato Grosso colocou em campo 250 funcionários, tudo para tentar conter a derrubada da floresta. “Isso é o mínimo que o governo pode fazer. Mas para conseguir resultados reais, o Estado tem de combater a raiz, o motivador do desmatamento: o texto do Código Florestal aprovado pela Câmara”, diz Astrini.
|
7
Olho no futuro Moratória da soja completa cinco anos com o reconhecimento de importância para conter a devastação da Amazônia. Mas aumento do desmatamento e de “soja suja” aciona alerta.
© Greenpeace
F
Marcados para morrer Ana Galli
Trabalhadores do campo são ameaçados e mortos por madeireiros e carvoeiros. Governo diz que não tem meios de garantir proteção.
N
ovembro de 2010. “Vivo da floresta, protejo a floresta. Vivo com a bala na cabeça. Denuncio os madeireiros, os carvoeiros. Por isso eles acham que eu não posso existir. Querem fazer comigo o mesmo que fizeram com irmã Dorothy. Eu posso estar hoje aqui conversando com vocês. Daqui um mês vocês podem ter a notícia de que eu desapareci.” Maio de 2011. A trágica previsão se confirma. José Cláudio Ribeiro, autor do depoimento acima, é brutalmente assassinado ao lado de sua esposa Maria do Espírito Santo em Nova Ipixuna (PA). Coincidência infeliz, a barbárie aconteceu no mesmo dia em que a Câmara dos Deputados aprovou um novo texto do Código Florestal, que tirará de vez a proteção das florestas caso seja aprovado pelo Senado e sancionado pela presidente Dilma Rousseff. Nos dias que se seguiram outros três trabalhadores do campo foram mortos vítimas do conflito agrário. A violência no campo chocou o Brasil. Mas o que a maioria da população não sabe é que esses assassinatos não são casos isolados. 8
|
abril - maio - junho 2011
Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) revelam que, desde 1996, pelo menos 212 pessoas morreram vítimas do conflito agrário. Outras 1.850 vivem constantemente com ameaças de morte. “Zé Cláudio vivia com ameaças há mais de oito anos. Eu há mais tempo que isso. A vida aqui pode ser um inferno, mas nós não desistimos de proteger a natureza e viver dela”, conta o trabalhador rural Charles Trocate. Assim como Charles, d. Erwin Krautler, bispo do Xingu e conhecido por enfrentar a ira de políticos e a brutalidade de fazendeiros e madeireiros da região, vive sob a doutrina do medo. “Não acreditei que aquilo aconteceria com a irmã Dorothy. Mas nós nos enganamos. A impunidade é o nosso maior flagelo. Tem tanta gente que já foi morta e simplesmente não acontece nada”, desabafa o bispo. Depois de tantas ameaças, vive sob proteção policial, além da divina, desde junho de 2006.
Sem proteção do Estado A série de assassinatos chamou tanta atenção que o governo decidiu se manifestar. Em reunião com ministros, a presidente Dilma Rousseff decidiu intensificar a fiscalização na região para coibir o desmatamento ilegal e evitar mais mortes na região amazônica. Sobre a lista da CPT dos ameaçados de morte, o governo foi reticente. A ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, assumiu não ter meios de garantir proteção a tantos ameaçados. “Seria errôneo e uma ilusão dizer que temos condições para atender a esta lista.” Enquanto o Estado assume publicamente sua omissão, o campo continua a fabricar mártires, como Dorothy, Zé Cláudio e Maria do Espírito Santo. Enquanto o Congresso se compromete com a destruição das florestas (a ponto de deputados vaiarem o anúncio das mortes em plenário), o Brasil continuará a perder vidas.
Veja vídeo sobre a morte de José Cláudio Ribeiro e de Maria do Espírito Santo e a lista de ameaçados na Amazônia divulgada pela Comissão Pastoral da Terra em www.greenpeace.org.br/revista
oi com o intuito de retirar a destruição da Amazônia da sua linha de produção, e aumentar a governança na região, que a indústria da soja aderiu, no dia 24 de julho de 2006, à moratória da soja. O acordo veio com uma demanda clara: toda produção proveniente de áreas desmatadas após aquele ano não poderia ser comercializada. Responsáveis por 90% da comercialização do grão no Brasil, a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Brasileira dos Exportadores de Cereais (Anec) aderiram ao acordo, limparam a cadeia de produção e a imagem do setor nos mercados nacional e internacional. Afinal, nenhum comprador em sã consciência quer a destruição da maior floresta tropical do mundo em sua cadeia produtiva. Cinco anos depois, uma avaliação do acordo mostra que ele tem razão de ser. Os consumidores, nacionais e estrangeiros, querem ficar distantes do desmatamento e os produtores que aderiram encontram as portas do mercado abertas a seus produtos. Porém, o período mostra que ainda há grandes desafios a se-
Linha do tempo 2004
2005
rem resolvidos. O maior deles é o aumento da governança na região. A cada ano, o número de produtores “sujos” de soja, flagrados plantando em áreas desmatadas, sobe. Como as comercializadoras de soja ainda não demandam Cadastro Ambiental Rural (CAR) – o documento oficial que mostra a localização, o perímetro e o uso do solo nas fazendas – como condição mínima para a compra do grão, ainda existe uma boa parte do setor produtivo nas sombras, o que incentiva desmatamentos ilegais e dificulta a punição desses produtores com agilidade. Segundo levantamento feito pelo Greenpeace, que coordena, junto à Abiove, o Grupo de Trabalho da Soja, na safra 2008/2009 doze produtores foram flagrados com plantação em área desmatada. Na safra 2009/2010, o número subiu para 76. O alerta vermelho soou alto em maio, quando dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostraram que 590 quilômetros quadrados de florestas foram derrubadas no bioma amazônico entre março e abril deste ano (leia mais sobre o assunto na página 6).
O Greenpeace divulga relatório em que relaciona a demanda europeia por soja e a devastação da Amazônia; Abiove e Anec assinam a moratória da soja e se comprometem a não comprar o grão oriundo de área desmatada após essa data.
2006
Quase 30 mil km2 de florestas são desmatados na Amazônia, estimulados em grande parte pelo avanço da soja na região.
2007
“O acordo funcionou até agora como um freio que limitou o avanço da soja sobre a Amazônia”, afirma Rafael Cruz, da campanha da Amazônia do Greenpeace. “Mas é preciso ficar alerta, principalmente após a divulgação do desmatamento gigantesco detectado pelo Inpe.” Próximo passo Para evitar que novas áreas de florestas sejam desmatadas para plantio de soja, o Grupo de Trabalho da Soja começa agora a debater novas metas. Uma delas é a exigência para que todos os produtores de soja que fornecem o grão para a indústria tenham o Cadastro Ambiental Rural (CAR) ou outro instrumento público de regularização fundiária e ambiental. Quando o produtor entra no CAR, ele precisa detalhar os limites físicos de sua propriedade num sistema oficial, além de especificar o que há de floresta ali dentro. “Hoje o CAR é desejado pela moratória”, diz Cruz. “Mas para termos um controle eficaz sobre a produção é impreterível que o cadastro se transforme em um critério mínimo para o acordo.” Os consumidores estão de olho. (A.G.)
Doze casos de desrespeito ao acordo são detectados, com quase 1,4 mil hectare de soja plantada em área desmatada; a moratória é renovada por mais um ano, agora com a adesão do governo federal.
2008 A moratória é renovada por mais um ano.
2009
O Brasil se torna o 3º maior exportador de produtos agrícolas do mundo e a moratória é renovada por mais um ano; o Banco do Brasil, maior agente de crédito rural do país, se compromete a não mais financiar plantações de soja em áreas desmatadas após 2006.
2010
Estimativas apontam que a safra 2010/2011 deve bater mais um recorde de produção, com 73,6 milhões de toneladas; em julho o acordo completa cinco anos.
2011
|
9
© Greenpeace / Rodrigo Baleia
amazônia
Zé Cláudio e Maria do Espírito Santo, mortos por denunciarem crimes ambientais.
Esperanças de um ocaso nuclear Juliana Tinoco
Consequências do desastre atômico em Fukushima perdurarão, e provam que não há segurança dessa fonte de energia.
O
ndas gigantes separavam um desastre natural de grande magnitude de uma tragédia humana ainda maior. Naquela madrugada de 11 de março de 2011, nem bem a terra havia parado de tremer no Japão, um tsunami provocado pelo terremoto varreu uma parte do país e causou uma sucessão de acidentes no complexo nuclear da cidade costeira de Fukushima, a 240 quilômetros de Tóquio. Graças ao episódio, junto à sombra radioativa que paira sobre os japoneses, caminham hoje incertezas sobre o futuro da energia nuclear no mundo. A central nuclear de Fukushima Daichii, controlada pela empresa Tokyo Electric Power Company
10
|
abril - maio - junho 2011
(Tepco), funciona a partir de seis reatores de água fervente. A tecnologia, uma das mais antigas para nuclear, demanda, como medida de precaução, que a usina fique próxima às águas geladas do mar, para o caso de superaquecimento nos reatores. Também por segurança a central é protegida por diques de menos de seis metros. No dia da tragédia, quando três dos reatores funcionavam normalmente, o tsunami chegou a dez metros e inundou a central. O noticiário internacional foi invadido por perspectivas tão assustadoras quanto incalculáveis: fusão do núcleo dos reatores, explosões e incêndios em galerias e armazéns,
temperaturas altíssimas nas piscinas de combustível. Ao fim das primeiras 24 horas do acidente, milhares de pessoas já haviam evacuado o perímetro de segurança de 20 km da central nuclear. A extensão do vazamento radioativo, a mais temida das consequências, aumentava a cada dia. As explosões nos reatores feriram mais de 20 funcionários da Tepco e outros dois foram encontrados mortos dias depois. O número de pessoas contaminadas, que sofrerão direta ou indiretamente os efeitos da radiação na saúde e na qualidade de vida, dificilmente poderá ser estimado. “O impacto da liberação de radiação no ambiente não incide
© Francesco Alesi / Greenpeace
Greenpeace pede a italianos que votem contra a energia nuclear às vésperas do referendo
Nuvem de incertezas Nas semanas que se seguiram, choviam críticas quanto aos dados fornecidos pelo governo, pelas agências responsáveis pelo setor nuclear e pela Tepco, que por diversas vezes divergiam. A primeira declaração pública do primeiro-ministro Naoto Kan aconteceu 15 dias depois da data fatídica. O chefe de Estado foi ao ar em cadeia nacional para avisar que a crise seria longa. “Primeiro as autoridades japonesas afirmam que está tudo sob controle. No momento seguinte, as notícias dão conta de que as estratégias de contenção de última hora não são suficientes. Não temos sequer como saber se o reator derreteu ou não, já que a temperatura interna, que é muito alta, não permite que técnicos se aproximem da área afetada”, comentou à época Ricardo Baitelo, também da Campanha de Energia no Brasil. Face ao caos, o Greenpeace começou a agir. Na Alemanha, um cientista ouvido pela organização foi o primeiro a ir a público e garantir que a magnitude do acidente já se igualava ao de Chernobyl, 25 anos antes, na atual Ucrânia – afirmação depois comprovada. No final daquele mês de março, com os reatores ainda em ebulição, água do mar bombeada incessantemente para conter o aquecimento e a loteria de radiação acumulada – uns falavam em césio, outros, plutônio –, a confusão ainda era latente, enquanto o perigo se acumulava. Se a radiação estava 400 vezes acima do limite, mil
vezes, ninguém sabia ao certo. O Greenpeace enviou equipes de monitoramento para realizar uma verificação independente do problema. “Estamos em uma cidadezinha chamada Yonezawa, a 45 km de Fukushima. Ontem estivemos em um abrigo com 500 pessoas, 300 delas refugiadas da radiação. Durante o dia os aparelhos de medição ficam ligados e o alarme soa o tempo todo”, relatou Jacob Namminga, um dos especialistas que acompanhava o grupo. Começou a pressão pelo aumento da área de evacuação. Apareceram os primeiros alimentos contaminados, no leite e no espinafre, seguidos por outros vegetais. A água da torneira, comumente usada para consumo no Japão, foi proibida para ingestão. A análise dos dados revelou que a população era exposta a doses de radiação maiores que o limite estabelecido em 1986, pós-Chernobyl: em horas, o indivíduo ficou exposto à dose considerada segura para um ano. “Uma das amostras encontradas estava tão radioativa que poderia ser classificada como lixo atômico”, afirma Rianne Teule, especialista em radiação que coordenava uma das equipes. “A contaminação do solo está alta, com indicações de césio-137, o mais perigoso e duradouro dos elementos. Isso significa que extensas áreas fora de um perímetro de segurança de 30 km podem ser inutilizadas para agricultura”, seguem os relatos do trabalho de campo. A tragédia aproximava-se então do seu primeiro mês. Os níveis de radiação na água do mar de Fukushima estavam até 4 mil vezes acima do limite legal. Milhares de toneladas de água usada para resfriar os reatores e, portanto, radioativa, foram despejadas no Pacífico – enquanto as tentativas de resfriamento total fracassavam. Alertada pelo Greenpeace, a
© Greenpeace / Christian Aslund
energia
apenas sobre a população que está na área naquele momento. A radioatividade perdura por gerações, tanto em humanos, quanto em terras que já deixam de produzir alimentos ou servir de moradia”, explica Pedro Torres, da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace no Brasil.
Especialista do Greenpeace recolhe vegetais para medir contaminação nos arredores de Fukushima Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) cobrou um aumento o raio de evacuação de 20 para 30 km, que o governo acatou. Passados 30 dias do desastre, a empresa não tinha previsão de quando restabeleceria a temperatura normal da usina. O mundo abre os olhos O acidente em Fukushima fez alguns países mudarem de lado quanto à questão nuclear, ao reacender o debate sobre a segurança das usinas nucleares, começando pelo próprio Japão. O país suspendeu investimentos em novas usinas nucleares e, passada a crise, o complexo de Fukushima será fechado de vez, assim como as usinas da central de Hamaoka, vulneráveis a abalos sísmicos. Não há planos, até o momento, para o restante das usinas, que abastecem 40% do país, mas o governo sinalizou interesse em investir em renováveis. O plano, garante Pedro Torres, é completamente factível. “O Japão tem espaço para investir em energias eólica, biomassa, geotérmica e solar.” A Alemanha foi a primeira grande nação industrializada a decretar o fim do programa nuclear. Após
|
11
Nuclear na terra do ontem
do como um escândalo no mundo atômico: a quantidade de radioatividade liberada no ar foi pelo menos o dobro do que o anunciado pela empresa Tepco, garante relatório do governo lançado em junho. Até o fechamento desta edição, estima-se que a contaminação pelo acidente seja 20% superior ao registro oficial de Chernobyl. Cerca de 8 mil trabalhadores estiveram envolvidos na batalha por estabilizar a temperatura na central nuclear. Um grande número deles, diz o relatório, pode ter extrapolado as doses aceitáveis de contato radioativo. Mais de 100 mil toneladas de água radioativa estão acumuladas nos prédios das centrais. O futuro em Fukushima é incerto. Espera-se agora que o futuro do planeta seja melhor definido.
Juliana Tinoco
© Greenpeace / Nick Cobbing
|
abril - maio - junho 2011
Rogério Gomes é presidente da Associação dos Fiscais de Radioproteção e Segurança da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Ao contrário da maioria dos colegas de setor, Gomes tem visão independente sobre o programa nuclear brasileiro: é antigo, defasado, não inspira segurança e sofre de conflito de interesses. Revista do Greenpeace Por que dizer que Angra 3, antes mesmo de construída, é uma usina defasada? Rogério Gomes A diferença entre a nuclear e outras térmicas é que, quando por alguma razão ela desliga, continua gerando calor. Antes do desastre em Three Mile Island (Estados Unidos, 1979), não se pensava que o núcleo de reatores poderia sofrer fusão por superaquecimento. Cada usina contava com duas bombas de água fria, caso uma falhasse. No acidente americano, falhas aconteceram em cadeia. Nenhuma usina com tecnologia anterior a 1979 previa isto. É o caso de Fukushima, Angras 1 e 2 e do projeto de Angra 3.
Ativistas protestam contra energia nuclear no Japão
12
entrevista
o mesmo caminho e, em referendo popular, eliminou a opção atômica do seu cardápio. Israel e Venezuela, que pretendiam dar início breve aos seus programas nucleares, desistiram da ideia após o caso japonês. “O mundo sinaliza que Fukushima não passará em branco, como Chernobyl e tantos outros”, diz Pedro Torres. “Países dependentes de nuclear dão exemplo quando mudam e escolhem o caminho da segurança. Infelizmente, o Brasil, o país com maior potencial de virar as costas para nuclear sem prejuízo, não tem demonstrado interesse em seguir este caminho.” Os trabalhos de resfriamento dos reatores continuam, mas à medida que o tempo passa as incertezas não se dissolvem. Recentes estimativas reforçam que o caso ficará marca-
Arquivo pessoal
energia
derrota do seu partido nas eleições estaduais em maio, justificada em grande parte pela desaprovação popular de sua política nuclear, a chanceler Angela Merkel anunciou o fim do projeto alemão. Até 2022, garante, o país terá desligado todos os seus 17 reatores, que somados beiram um quarto da produção de energia do país. A troca, promete, será por renováveis: os planos são de ter metade da produção vinda de fontes limpas. Seguido ao anúncio alemão, veio o suíço. Apesar da dependência do país, que conta com 40% de energia nuclear para se abastecer, o projeto de bani-la do território até 2034 passou pelos deputados e vai agora para o Senado. As pesquisas indicam 75% de aprovação popular para a medida. A Itália seguiu
Após 1979, outros países tomaram providências para adequar suas usinas às normas de segurança? Os Estados Unidos, onde o assunto é levado a sério, fizeram reforços para melhorar pontos fracos que poderiam levar à fusão do núcleo. A Europa e o Japão agora se viram forçados a incorporar essas medidas, enquanto a Alemanha preferiu fechar suas usinas de vez. Angra 3, que nem sequer saiu do chão, não consta mais no portfó-
lio da empresa que a projetou, a francesa Areva, que não quer fazer propaganda de algo tão antigo. Você confia no plano de emergência das usinas de Angra dos Reis? O plano é antigo e não contempla questões básicas, então tendo a não acreditar nas mais complexas. Vou dar um exemplo: quando acontece um acidente, nas primeiras semanas, a atmosfera fica contaminada com o iodo 131, que tende a se acumular na tireóide e causar câncer. A ação básica, nestes casos, é distribuir iodo comum para a população, o que evita a contaminação. Em 2004, na Câmara dos Deputados, falei sobre minha preocupação com a logística de distribuição deste iodo em Angra. Foi quando eu descobri que sequer havia o produto para a população. Qual seria a solução? Começar do zero. Eu tenho um problema semântico com o organismo que cuida da segurança, o Sipron, ou Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro. O nome deixa claro que ele não existe para proteger a população, e sim o programa.
Quando criado, em uma época de corrida armamentista com a Argentina, o Sipron tinha função de proteção física das usinas e do conhecimento sobre elas. Com o passar do tempo, assumiu outras funções, mas sempre com uma visão dominante de que o povo é bobo. Há conflito de interesses também na CNEN? A CNEN tem hoje 2.700 funcionários, com uma área de fiscalização e segurança que não conta nem com 200. As suas atribuições vão desde o fomento do programa nuclear brasileiro até a fiscalização de si mesma. A diretoria de segurança fica na mão de quem faz pesquisa. É como colocar a raposa para cuidar das galinhas. Um funcionário (o engenheiro Sidney Luiz Rabello) foi a público falar sobre a defasagem tecnológica de Angra 3, algo que todos sabiam. Sofreu ameaças de demissão e hoje responde a um processo administrativo. Há dois meses, a Presidência da CNEN me negou o uso de um auditório para debatermos a questão nuclear pósFukushima. Pessoas que trabalham ali há 35 anos estão proibidas de discutir o assunto.
|
13
© Greenpeace / Ivo Gonzales
energia
ências de um acidente nuclear, em frente ao Palácio do Planalto. Ao lado, o pedido: “A energia que mata. Dilma, nuclear não”. A manifestação marcou o lançamento de uma petição on-line pedindo à presidente o fim dos investimentos em Angra 3. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) veio em seguida. Marcando o aniversário de 25 anos de Chernobyl, dia 24 de abril, uma “nuvem radioativa” cobriu a sede do banco, no Rio de Janeiro. A fumaça laranja, acionada por sinalizadores disparados por ativistas, simbolizava os perigos de um acidente nuclear e trazia novo apelo: que o BNDES suspendesse o financiamento de 60% do valor da construção do calhambeque atômico. A Alemanha, a esta altura dos acontecimentos, já havia fechado seis de suas usinas mais antigas, contemporâneas das de Angra, por estarem em desacordo com as novas normas de segurança. Parceira do programa nuclear brasileiro desde o seu início, a Alemanha é a responsável pelo crédito ao investimento estrangeiro que erguerá Angra 3. No início de maio, chegava a res-
Greenpeace denuncia em ação na sede do BNDES financiamento da energia nuclear pelo banco
No compasso da inação Juliana Tinoco
M
uitos brasileiros ainda retornavam do feriado de Carnaval naquela manhã de sábado, 12 de março de 2011, quando o noticiário internacional anunciava terremotos e tsunamis no Japão, culminando em um dos maiores acidentes nucleares da história – Fukushima. Os tremores balançaram as certezas sobre o uso desse tipo de energia em todo o mundo. Mas no Brasil, apesar dos apelos da sociedade civil, o descaso do governo está vencendo. O programa nuclear brasileiro data da década de 1970 e lá permanece até hoje. Conta com duas 14
|
abril - maio - junho 2011
usinas em funcionamento, Angra 1 e 2, no município de Angra dos Reis (RJ). Ambas têm tecnologia defasada – muito se aprendeu com outros acidentes nestes 40 anos e nada se aplicou por aqui, fazendo dessas usinas verdadeiros bastiões da insegurança. Neste cenário incluem-se ainda planos de emergência deficientes e a estrutura pouco transparente e recheada de conflitos e interesses dos órgãos responsáveis. O programa contempla ainda uma terceira usina, Angra 3. O projeto chegou a ser limado dos planos brasileiros e retornou à cena em 2007, por decreto do presidente
Lula. Já custou aos cofres do país R$ 1 bilhão e promete prejuízos ainda maiores. Não só o valor aumenta a cada dia – está estimado hoje em R$ 10 bilhões – como o dinheiro internacional, parte essencial do investimento, possivelmente nunca chegará nessa era pós-Fukushima.
© Greenpeace / Felipe Barra
Enquanto o mundo revê seus planos de uso na energia nuclear, o governo brasileiro finge que nada vê, nada ouve e nada fala.
posta do banco. Em carta, ele anunciava que não pretendia suspender seus planos. E mais: caso o aporte internacional de fato não viesse, o montante da construção seria dividido entre BNDES e Eletrobrás. “Se a Alemanha, detentora da tecnologia dos reatores, já admitiu que não a considera segura, por que insistimos em seguir adiante com uma obra de alto risco?”, questiona Ricardo Baitelo, da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace no Brasil. Pouco tempo depois, em 29 de maio, a Alemanha anunciava o fim do seu programa nuclear, com desligamento total das usinas até 2022. Foi a vez da embaixada alemã ser alvo de um pedido do Greenpeace, desta vez por coerência. No dia 8 de junho, manifestantes colaram um cartaz no muro da casa, em Brasília, com os dizeres “Merkel, não dê dinheiro para nuclear no Brasil”, em uma clara mensagem de que o que não é bom para a Alemanha também não pode ser bom para nós. “O governo brasileiro precisa abrir os olhos. Temos alternativas energéticas renováveis, seguras e limpas em abundância. Nuclear não faz sentido no mundo, e menos ainda no Brasil”, conclui Ricardo Baitelo.
Pedidos e avisos Os últimos quatro meses desde Fukushima foram de cobrança por definições claras sobre o futuro nuclear brasileiro. Em Brasília, no dia 18 de março, o Greenpeace estendeu uma faixa com uma foto de Chernobyl, que ilustra as consequ-
Dias depois de anunciar o fim do seu programa nuclear, Alemanha é alvo de protesto na embaixada em Brasília
Crônica de uma bagunça nuclear Uma trama de despreparo das autoridades nucleares brasileiras: após ser impedido pela população de entrar em Caetité (BA), cidade que abriga a maior mina de urânio do país e sofre com os efeitos da contaminação do metal, um comboio de nove caminhões recheados com toneladas de material radioativo vindos de São Paulo terminou estacionado, a céu aberto, na cidade vizinha de Guanambi, interior da Bahia. O carregamento, que por fim comprovou-se ser de urânio, alcançou seu destino seis dias depois, tempo em que expôs o povo ao perigo e ao descaso.
oceanos
Com a prospecção de petróleo em Abrolhos, corais ficarão vulneráveis
© Greenpeace / Alcides Falanghe
Mosaico vivo em perigo Danielle Bambace
Abrolhos, região de maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul, está ameaçada pelo avanço da exploração de petróleo
O
16
|
abril - maio - junho 2011
vou, com o iminente licenciamento de blocos de exploração de petróleo em seu entorno. Uma batalha judicial ocorre hoje entre aqueles que entendem a importância da preservação de Abrolhos e quem deseja colocar lá suas plataformas petrolíferas. Em maio, o Greenpeace promoveu um bate-papo sobre a região e os desafios de preservação entre os
© Greenpeace / Lunaé Parracho
arquipélago de Abrolhos, no litoral da Bahia, faz parte de um banco de recifes de corais com mais de 40 mil quilômetros quadrados. A região tem a maior biodiversidade do Atlântico Sul, com um mosaico de ambientes marinhos e costeiros margeados por remanescentes de Mata Atlântica, incluindo recifes de coral, fundos de algas, manguezais, praias e restingas. Lá podem ser encontradas várias espécies endêmicas (que só existem na região), incluindo o coral-cérebro, crustáceos e moluscos, além de tartarugas e mamíferos marinhos ameaçados, como as baleias jubarte. Toda essa beleza está sob ameaça, pela pesca predatória, pelo aquecimento global e pela carcinicultura. Nos últimos anos, a situação se agra-
Vista de duas das cinco ilhas que fazem parte do complexo do Parque Marinho de Abrolhos
oceanógrafos Frederico Brandini e Paulo Sumida. Ambos são pesquisadores do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e receberam Leandra Gonçalves, coordenadora da Campanha de Clima e Energia no Museu do Instituto Oceanográfico, que abriga aquários, instrumentos e informações sobre a vida marinha.
Riqueza no mar A área hoje delimitada como Parque Nacional Marinho dos Abrolhos abrange apenas 2% do complexo total, deixando a desejar em termos de conservação. Em 1983, ano de criação do parque, a ciência pouco conhecia sobre as dimensões necessárias para a proteção efetiva da região. Hoje sabe-se que a vasta biodiversidade, diferencial da região do parque e de seu entorno, é consequência de um conjunto de fatores singular, explica Brandini. Ela deve-se principalmente a um fenômeno provocado pela rotação da Terra somado ao comportamento das correntes marinhas. Tal combinação provoca o deslocamento de grandes massas de águas tropicais (quentes) para a área, proporcionando maior fluxo de nutrientes e, consequentemente, maior biodiversidade. E mais: abaixo das águas quentes tropicais, existem as chamadas “águas centrais do Atlântico Sul”, frias e ricas em nutrientes. A união dessas duas condições proporciona a situação ideal para a convivência de muitas espécies. Quase 90% da costa brasileira é formada por macroalgas, e não por corais, como costuma-se pensar – e em Abrolhos não é diferente. Macroalgas e algas calcáreas possuem uma complexidade estrutural que permite que outros animais vivam sobre elas, servindo como apoio. São também grandes reservatórios de carbono, e garantem o cumprimento de uma das funções mais relevantes dos oceanos: a absorção de carbono da atmosfera. Em tempos que as emissões de CO2 da atmosfera, provocadas pela atividade humana, só fazem crescer, a ação é fundamental.
© Greenpeace / Lunaé Parracho
Os atobás podem ser diretamente afetados pela exploração de petróleo
dos Abrolhos hoje encontra-se ameaçada pelo aquecimento global e seu principal vetor: a exploração de gás e de óleo. Na primeira semana de junho o Ibama concedeu para a empresa Queiroz Galvão a licença prévia e a licença de operação para perfurar um poço na região de Abrolhos. O poço BM-J-2 fica a apenas três quilômetros da Reserva Extrativista de Canavieiras e qualquer acidente com vazamento de petróleo traria impactos irreversíveis à biodiversidade e à comunidade local. O cenário negativo não é suposição: o Banco dos Abrolhos é margeado por correntes e suas margens possuem vórtices, grandes redemoinhos que geram recirculações de massas d’água. “No caso de um vazamento, o óleo pode recircular indefinidamente”, explica Brandini. Em um eventual acidente, ainda que de proporções bem menores do que o do Golfo do México, a situação seria imprevisível e, muito provavelmente, incontrolável.
Em 2010, o Greenpeace lançou o relatório “Mar, petróleo e biodiversidade – A geografia do conflito”, que mapeia o litoral brasileiro para mostrar como a conservação marinha e o desenvolvimento da indústria de petróleo entraram, de uma vez por todas, em rota de colisão. “É mesmo necessário que a humanidade viva dependente dessa matriz energética nas próximas décadas?”, questiona Brandini. Paulo Sumida não hesitou em apontar que a ocupação desordenada da costa e a destruição de matas ciliares (atividade facilitada no projeto de lei que altera o Código Florestal, em debate hoje no Congresso) também têm um papel devastador, já que se integra à manutenção da biodiversidade marinha. “É imperativo garantir proteção permanente à região de Abrolhos. A sociedade e o governo precisam compreender a existência de áreas intocáveis como essa, que devem ser protegidas como santuários de vida marinha”, afirma Leandra Gonçalves.
Mosaico do mal As ameaças ao arquipélago parecem crescer em progressão geométrica. Se antes os grandes vilões eram a pesca ilegal e a carcinicultura, agora há outro problema, maior e bem mais sujo. A região do Banco
|
17
cartas Ação entre amigos “Neste ano, de tanta dor sofrida pelo povo do Japão, reconheci quão importante é a luta pela preservação da natureza e suas fontes de energia, as quais graciosamente nos foram entregues a título de comodato para podermos utilizá-las e transferi-las às próximas gerações.”
© Steve Morgan / Greenpeace
Arlindo Araújo, Em depoimento em que explica por que pediu, de presente de aniversário, uma doação para o Greenpeace
Renovável para um futuro limpo
A
limentar o mundo com energia renovável é bom, bonito e se torna mais barato a cada dia. Essa é uma das conclusões de um relatório que o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), ligado a ONU, lançou no início de maio. O documento se debruça especificamente no mercado de renováveis, como forma de reduzir as emissões de gases-estufa ao mesmo tempo que alimenta o mundo com energia: apenas 2,5% de todas as fontes renováveis disponíveis no mundo seriam suficientes para suprir 80% da demanda mundial em 2050, e isso com as tecnologias existentes hoje. O relatório, conhecido como SRREN (sigla em inglês para Relatório Especial sobre Fontes Renováveis de Energia), já nasce como o documento-base a ser usado pelos países para nortear decisões de investimento neste setor. Nesse sentido, o IPCC dá um recado: para aproveitamento do potencial, é preciso avançar em políticas energéticas voltadas ao mercado, com retirada de barreiras comerciais que hoje impedem seu crescimento e criação de incentivos financeiros diferenciados. Poucas semanas depois desse lançamento, um anúncio aumentou a importância dos dados do IPCC. Um estudo da Agência Internacional de Energia (AIE) mostrou que os índices globais de emissão de gases-estufa bateram recorde em 2010. No último ano, 30,6 gigatoneladas (Gt) de dióxido de carbono (CO2) foram despejados na atmosfera, oriundos principalmente da queima de combustíveis fósseis – um aumento de 1,6 Gt em relação a 2009, de acordo com a AIE. “Esse é um convite aos governos para começar uma revisão radical de suas políticas e colocar a energia renovável no centro das atenções”, disse Sven Teske, diretor da campanha de Renováveis do Greenpeace Internacional, e um dos principais autores do estudo do IPCC, na época do seu lançamento. O cenário Revolução Energética, produzido pelo Greenpeace em parceria com o Conselho Europeu de Energia Renovável (Erec) e a Agência Espacial Alemã (DLR), foi escolhido como um dos balizadores do SREEN.
Depois de roncar alto em Brasília, a motosserra marcou presença no 21º Fórum da Associação Brasileira de Agricultura (Abag), em São Paulo, no fim de maio. A pauta do encontro foi a reforma do Código Florestal, cujo texto aprovado alguns dias antes na Câmara dos Deputados abre a porteira para mais desmatamentos e anistia crimes ambientais do passado. Os participantes foram recepcionados por ativistas do Greenpeace com uma faixa que rebatizou o evento como “Fórum dos donos da motosserra”.
Você também pode mandar seu comentário, dúvida ou sugestão. REVISTA DO Greenpeace Rua Alvarenga, 2331 Cep: 05509 006 - São Paulo SP
Cristina Amorim
Painel do clima da ONU dá o veredito: energias renováveis podem substituir os combustíveis fósseis; basta querer.
Unidos pela motosserra
ASSOCIAÇÃO CIVIL GREENPEACE Conselho diretor
Presidente Conselheiros
Diretor executivo Diretor de campanhas Diretor de campanha da Amazônia Diretor de comunicação Diretor de marketing e captação de recursos
Rachel Biderman Fabio Feldmann Marcelo Estraviz Marcelo Takaoka Maria Alice Setubal Marcelo Furtado Sérgio Leitão Paulo Adario Manoel F. Brito André Bogsan
REVISTA DO GREENPEACE É uma publicação trimestral do Greenpeace
Editora Editora de fotografia Redatores
Designer gráfico Prepress e impressão
Cristina Amorim (MTb 29391) Danielle Bambace Ana Galli Bernardo Camara Caroline Donatti Danielle Bambace Juliana Tinoco Karen Francis W5 Criação e Design Hawaii Gráfica & Editora
Este periódico foi impresso em papel reciclado em processo livre de cloro. Tiragem: 29 mil exemplares. www.greenpeace.org.br
O selo FSC® garante que este produto foi impresso em papel feito com madeira de reflorestamentos certificados de acordo com rigorosos critérios sociais, ambientais e econômicos estabelecidos pela organização internacional FSC® (FOREST STEWARDSHIP COUNCIL® / Conselho de Manejo Florestal).
ATENDIMENTO
Leia o relatório do IPCC (em inglês) em www.greenpeace.org.br/revista
telefone 11 3035 1151
18
|
abril - maio - junho 2011
relacionamento@greenpeace.org
|
19
© Greenpeace / Otavio Valle
energia
Instalação de usina eólica em Fishburn, interior da Inglaterra.
© Jiri Rezac / Greenpeace
ESPERANZA
RAINBOW WARRIOR
Lupa na radiação O Rainbow Warrior está no Japão, realizando estudos em Fukushima, cidade que enfrenta as consequências de um acidente nuclear em março, quando um terremoto seguido de um tsunami devastaram o país. Resultados preliminares apontam índices preocupantes de radiação em algas – alimento básico na dieta japonesa – e no solo retirado de um parquinho infantil.
© Oliver Tjaden / Greenpeace
ARCTIC SUNRISE
Time reforçado O Esperanza e o Arctic Sunrise estão na Groenlândia para protestar contra a exploração de petróleo no Ártico. A empresa Cairn Energy deu partida a suas operações, apesar dos perigos da perfuração em uma das áreas mais remotas do mundo e sem mostrar um plano de emergência em caso de vazamento. Nossos ativistas ocuparam a plataforma duas vezes em uma mesma semana e, em seguida, o diretor-executivo do Greenpeace internacional também foi lá.
Para acompanhar o paradeiro dos navios em imagens ao vivo acesse: http://www.greenpeace.org/international/photosvideos/ship-webcams
Rainbow Warrior III A construção do novo navio-símbolo da organização está a todo vapor e você pode fazer parte dessa história. Em http://anewwarrior.greenpeace.org/ é possível comprar uma peça que fará parte da embarcação, além de ter o seu nome registrado como doador honorário. Aproveite e veja em tempo real o navio sendo construído na doca seca.
abril - maio - junho 2011
|
20
© Jeremy Sutton-Hibbert / Greenpeace