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Revista

Ativismo pacífico sob ameaça


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Revista

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@ Emma Cassidy / Greenpeace Ativista realiza protesto na famosa prisão de Alcatraz, nos Estados Unidos, em solidariedade aos 30 do Ártico.

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sumário Dois meses de agonia Quem são os 30 do Árctico? “Nasci para ser ativista” Entrevista: Arte é protesto Uma causa de todos Dos polos aos trópicos Quando o frio não é o problema À prova de fatos científicos De onde virá a energia brasileira

© Greenpeace

Ativismo pacífico sob ameaça

carta aos colaboradores

capa

Caro colaborador,

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s últimos meses foram provavelmente os mais difíceis dos 40 anos de história do Greenpeace desde que o primeiro Rainbow Warrior foi afundado em 1985. Um protesto pacífico, como os que o Greenpeace sempre realizou para defender o meio ambiente, foi o estopim para uma exagerada reação das autoridades russas. Fortemente armada, a guarda costeira do país ocupou o navio Arctic Sunrise, que navegava em águas internacionais, e prendeu toda sua tripulação. Vinte e oito ativistas do Greenpeace – incluindo a brasileira Ana Paula Maciel – e dois jornalistas que cobriam o protesto foram levados à prisão, acusados primeiramente de pirataria, depois de vandalismo. Parece óbvio, mas é necessário reafirmar a essência do Greenpeace: não somos vândalos, muito menos piratas. Não agimos por ganhos materiais, mas pela defesa do planeta, do futuro de todos nós. Nossa receita para provocar mudanças e denunciar crimes ambientais é a mesma ensinada por líderes como Mahatma Gandhi: o desobediência civil pacífica. Sim, assumimos riscos, mas não podemos admitir ser acusados injustamente. E se assumimos riscos é porque existe urgência em mudar os rumos do planeta e porque governos e chefes de estado permanecem de braços cruzados. Tentar criminalizar o protesto pacífico é uma atitude desesperada de calar a voz de quem quer ter o direito de discordar. Nas páginas a seguir, você vai conferir o desenrolar desse drama, desde as razões que levaram a tripulação do Arctic Sunrise a protestar contra uma plataforma de petróleo que desrespeita a importância ecológica do Ártico, até a libertação sob fiança de todos. Vai conhecer sobre cada um dos 30 do Ártico e saber um pouco da mobilização para pedir sua liberdade no Brasil e no mundo. Por fim, você também poderá conferir uma emocionante história de reencontro entre a brasileira Ana Paula e sua mãe, Rosangela Maciel, no aeroporto de São Petersburgo. Foram mais de dois meses de muita angústia para todo o Greenpeace. Angústia que só foi amenizada pelo apoio que recebemos de colaboradores, voluntários e simpatizantes. Hoje, nossos ativistas estão fora da prisão graças a você que enviou e-mails para o embaixador russo e para a presidente Dilma, pedindo a ajuda deles. Foram quase 230 mil e-mails enviados pelos brasileiros e, por isso, queremos dizer: “Muito obrigado!”. Mas infelizmente a história ainda não acabou. Até o fechamento desta edição, os 30 do Ártico continuavam sendo investigados por vandalismo e podem pegar até sete anos de prisão. Por isso é fundamental mantermos a pressão. Só ficaremos totalmente felizes quando as acusações forem derrubadas e nossos amigos e amigas puderem voltar para casa.

Greepeace pelo mundo Foto oportunidade Fernando Rossetti

O Greenpeace é uma organização global e independente que promove campanhas para defender o meio ambiente e a paz, inspirando as pessoas a mudarem atitudes e comportamentos. Nós investigamos, expomos e confrontamos os responsáveis por danos ambientais. Também defendemos soluções ambientalmente seguras e socialmente justas, que ofereçam esperança para esta e para as futuras gerações e inspiramos pessoas a se tornarem responsáveis pelo planeta. O Greenpeace não aceita dinheiro de governos, partidos ou empresas. Ele existe graças às contribuições de milhões de colaboradores em todo o mundo. São eles que garantem a nossa independência. |3


© Denis Sinyakov / Greenpeace

ártico

Com armas, guarda costeira russa aborda ativista durante protesto pacífico contra a exploração de petróleo no Ártico

Dois meses de agonia Bernardo Camara

Era para ser apenas mais uma ação pacífica, como todas feitas nos últimos 40 anos de Greenpeace. Mas as autoridades russas não entenderam assim

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ia 18 de setembro, mar de Pechora. O dia amanhecia naquela região do Ártico quando ativistas em botes deixaram o navio Arctic Sunrise, que estava em águas internacionais, rumo à plataforma de petróleo Prirazlomnaya. Com cordas e capacetes, eles escalaram a lateral daquela gigante estrutura, que pertencia à petrolífera russa Gazprom, para abrir uma faixa e chamar a atenção do mundo para os riscos de exploração econômica naquele frágil ecossistema: cientistas alertavam que o gelo do Polo Norte nunca estivera tão escasso. E

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a Gazprom dava de ombros, planejando ser a primeira a extrair petróleo da área. Os ativistas foram recebidos a gritos, tiros e jatos d´água. Diante da recepção violenta, os tripulantes do Greenpeace retornaram ao navio Arctic Sunrise. Dos 30 membros da embarcação, os dois escaladores que tentaram subir na plataforma haviam sido detidos pela Guarda Costeira russa. Foram 24 horas sem notícias deles. E o reencontro veio da pior forma possível. Às 18h do dia seguinte, quando o sol começava a se pôr naquela região gelada do planeta, a

ativista brasileira Ana Paula Maciel terminou de jantar e subiu à ponte de controle da embarcação. Deu de cara com um enorme helicóptero que se aproximava rapidamente em direção ao navio. A tripulação ficou em alerta, e correu para a área externa da embarcação. “Não conseguíamos nem caminhar em direção ao heliporto, porque o vento que as hélices faziam era incrível. O barulho era ensurdecedor, era um helicóptero gigantesco”. Não demorou para que mais de dez guardas armados descessem por cordas, mandando todos ajoelharem


© Denis Sinyakov / Greenpeace

e abaixarem a cabeça. Quem não tinha a sorte de entender os gritos vociferados em russo, era colocado à força na posição ordenada. “A situação era surreal”, diz Ana, ainda com expressão de incredulidade ao lembrar do momento. Alimentada diretamente do navio, a conta do Twitter do Arctic Sunrise dava o tom do que acontecia ali dentro: “Este pode ser nosso último post”. E, de fato, foi. Dali em diante, ninguém sabia com precisão o que se passava. Nem mesmo a tripulação: “Durante os cinco dias que levaram para rebocar o navio até a cidade de Murmansk, ninguém nos deu nenhuma informação sobre o que estava acontecendo, onde estavam nos levando, nada. Estávamos em um cativeiro dentro do nosso próprio navio”, disse Ana. Começou ali uma imensa mobilização em todos os escritórios do Greenpeace do mundo. Parentes de ativistas foram avisados, embaixadas foram acionadas e a imprensa foi informada. A notícia se espalhou como pólvora e, em pouquíssimo tempo, dezenas, centenas, milhares de organizações, políticos, artistas, cidadãos começaram a se manifestar em apoio ao grupo detido. Quando finalmente chegaram a Murmansk, um time de advo-

gados e diplomatas já os aguardava. Souberam aos poucos da decisão de que ficariam presos por pelo menos dois meses, acusados de pirataria. E que, algumas semanas mais tarde, a acusação seria trocada por vandalismo. Com raríssimo contato com o mundo externo, eles recebiam as notícias pelos advogados e diplomatas, os únicos com permissão para visitá-los. “Quando o advogado chegava, ele contava sobre como o caso estava repercutindo e como milhões de pessoas estavam nos apoiando. Aquilo era como ouro para mim”, disse sorridente o ativista sueco Dimitri Litvinov, de 51 anos, já em liberdade provisória. Para a argentina Camila Speziale, 21 anos, as manifestações ao redor do mundo também foram fundamentais para que ela aguentasse os dias na prisão. “Lá de dentro eu não podia ver ou ouvir, mas eu podia sentir o apoio das pessoas. E eu sou muito, muito grata por isso”. Em um longo processo que ainda não terminou, as autoridades russas transferiram o grupo de Murmansk para centros de detenção na cidade de São Petersburgo. E quando o caso completou dois meses, as primeiras pessoas finalmente começaram a ganhar liber-

dade provisória sob fiança, tendo o direito de responder ao processo fora da prisão. Ana Paula foi a primeira a deixar a cadeia, ainda no dia 19 de novembro. O último a receber o benefício foi o australiano Colin Russell, que ganhou as ruas no dia 28 do mesmo mês. Mães, pais, filhos de vários países começaram a chegar à Rússia para visitar seus parentes, já que as autoridades russas não haviam permitido – até o fechamento dessa edição – que o grupo deixasse o país. Dona Rosangela, mãe de Ana Paula, passou quase 20 horas dentro do avião para poder rever a filha. “É muito bom poder abraçá-la de novo e ver que ela continua a minha mesma menina de sempre: forte, guerreira e que me dá muito orgulho”. A história, portanto, continua. “Estou muito feliz, mas ainda não sinto alívio, pois ainda não acabou. Ainda estamos sendo acusados, o Ártico ainda está em perigo e o navio Arctic Sunrise continua detido”, observa Camila. “Queremos garantir nossa liberdade definitiva”, faz coro Ana Paula. “A gente realmente espera que a Rússia perceba que não somos criminosos e retire as acusações. Que eles percebam que somos pacifistas, que sempre somos e sempre seremos”.

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ártico

Quem são os 30 do Ártico? Germano Assad

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A bióloga gaúcha não conseguia conter o sorriso e nem a altivez com a cabeça sempre erguida, ao deixar o presídio em São Petesburgo. Confira seu perfil completo nessa edição.

Andrey Allakhverdov Andrey é um radialista russo que trabalhou em grandes veículos internacionais como a BBC e passou a colaborar com o Greenpeace no ano passado.

Anne Mie Roer Jensen Na primeira audiência pública da dinamarquesa, ela resumiu o sentimento de todos os outros com a seguinte frase: “somos pacíficos, outubro - novembro - dezembro 2013

Natural do País de Gales e com 32 anos, este ambientalista construiu uma carreira acadêmica, mas o que o move são os trabalhos de campo, quando consegue colocar todo seu conhecimento em favor do que acredita.

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea © Denis Sinyakov / Greenpeacea

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea © Paul Hilton / Greenpeacea

Ana Paula Alminhana Maciel

Anthony Perrett

Camillla Speziale A jovem argentina de 21 anos é fotógrafa por hobby e ambientalista voluntária por ideal. Formou o trio de escaladores que foi abordado pela guarda costeira russa ao tentar subir na plataforma.

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea

Filho de enfermeira e bombeiro dedica a vida ao ambientalismo, e pelo menos metade dela ao Greenpeace exercendo diferentes funções. Em 2007, ele passou vários dias preso por uma ação contra um porto para submarinos nucleares na Escócia.

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea © Dmitri Sharomov / Greenpeacea © Dmitri Sharomov / Greenpeacea

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Alexandre Paul

queremos salvar o ártico e estamos aqui para espalhar este desejo e estas palavras. Não tenho nada a esconder e não vou correr”. Estudante, ela tem 26 anos de idade.

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea

Os 27 anos de Alexandra parecem pouco para uma pessoa que trabalha como analista de comunicação digital, é mergulhadora profissional, faz trabalhos voluntários, fotografa e pratica hiking.

Colin Russel O experiente Colin chegou a ser o único dos 30 a ter a fiança negada pela justiça russa, antes de ser libertado. Os motivos nunca ficaram claros, nem mesmo para o próprio navegador e rádio-operador de 59 anos que fez sua primeira viagem com o Greenpeace para o outro lado do mundo, na Antártica, em 1999.

Cristian D’Alessandro Italiano formado em biotecnologia, Cristian entrou na organização como coordenador local de voluntários, em 2010. Esta foi a segunda viagem do jovem de 32 anos com a organização.

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea

Alexandra Harris

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea

primeira vista, eles são diferentes em quase tudo: idade, aparência, profissão e nacionalidade. Em comum, a consciência e o senso de urgência em expor os riscos de uma exploração por petróleo em uma região sensível do planeta como o ártico. E claro, o voluntarismo de colocar-se à frente de uma luta, e correr os riscos por isso. São 22 homens e 8 mulheres, de 18 países. Conheça um pouco sobre cada um deles:

David Haussmann Natural da Nova Zelândia, David é um engenheiro elétrico de 49 anos que fez a quarta viagem ao ártico e já perdeu as contas das tantas outras que fez com o Greenpeace ao longo dos últimos 13 anos.

Denis Sinyakov O fotógrafo russo de 36 anos passou uma década produzindo materiais jornalísticos pelo mundo para veículos como Reuters, NYT e outros, o que lhe rendeu grande reconhecimento profissional.

Dimitri Litvinov Dimitri nasceu na Rússia, e já aos seis anos de idade teve que acompanhar o pai, exilado para trabalhar na mineração pela Sibéria. Cresceu nos Estados Unidos, onde se formou antropólogo e entrou para o Greenpeace.

Ekaterina Zaspa Katya, como é chamada pelos amigos, é uma ambientalista à moda antiga, mais do que apaixonada. Antes de começar a colaborar com o Greenpeace, dedicou boa parte da vida para conscientizar crianças e jovens sobre as questões ambientais pelo interior da Rússia.


Descrito pela família como “excêntrico e nada convencional”, o inglês Iain começou a navegar com o Greenpeace em 2010. Os barcos e o oceano sempre foram sua vida.

Jonathan David Beauchamp Em 51 anos de vida, o neozelandês Jonathan nunca conseguiu viver longe da água. No início dos anos 90, ele comprou o próprio barco, montou um negócio turístico, até que vendeu

Mannes Ubels

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea

Mannes é um homem de ação. Marinheiro experiente, este holandês de 32 anos conhece a mecânica e a história dos navios Greenpeace como poucos.

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea © Dmitri Sharomov / Greenpeacea

Natural da Inglaterra, Kieron é um videomaker experiente, premiado, com passagens por diversos veículos de comunicação renomados como The Times, por exemplo.

Marco é alpinista, treina o time de escaladores do Greenpeace e ama viajar ao

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea

Marco Weber

Argentino natural de Mar del Plata, Miguel se divide entre quatro amores: Boca Juniores, os oceanos, a esposa e a filha que completou um ano de vida justamente no dia de sua prisão.

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea

Miguel Hernan Perez Orsi

Paul Ruzycki Conterrâneo de Alexandre Paul, este canadense de 48 anos vem de uma família de marinheiros. Quebrou tradições ao se voluntariar para usar suas habilidades em favor do planeta. Ferreiro nas horas vagas, ele costuma fazer arte quando não está navegando.

Peter Henry Willcox O americano era também o capitão do Rainbow Warrior quando o navio foi bombardeado pelo serviço secreto francês na Nova Zelândia em 85. O veterano de 60 anos

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea

Gizem é uma jovem turca de 25 anos. Depois de trabalhar com questões humanitárias ela entrou para o Greenpeace como voluntária junto com seu pai e hoje atua em diferentes campanhas.

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea

Gizem Akhan

Kieron Bryan

redor do mundo.

© Alex Yallop / Greenpeacea

Também de origem britânica, Frank possui extensa bagagem em expedições e campanhas pelo Greenpeace. Ele já foi editor de veículos de comunicação na Inglaterra, crítico gastronômico e escritor.

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea

Frank Hewetson

© Denis Sinyakov / Greenpeacea

Francesco Pisano Ativista de longa data, Francesco trabalhava como motorista de ambulância na França quando decidiu se tornar voluntário no Greenpeace. Viajou do Mediterrâneo ao Pacífico em uma campanha de oceanos em 2006 e desde então é marinheiro nas embarcações.

buscou inspiração no pai, que lutou contra a discriminação de estudantes judeus nos Estados Unidos durante a juventude, para dedicar a própria vida ao ativismo.

tudo e mudou para o interior da Austrália. Desde então, ele alia a nova vida com a de membro da tripulação da frota Greenpeace. © Dmitri Sharomov / Greenpeacea

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea © Philip Reynaers / Greenpeacea © Dmitri Sharomov / Greenpeacea © Dmitri Sharomov / Greenpeacea

Cientista política, Faiza trabalha desde 2011 no escritório holandês, seu país de origem. Com 26 anos de idade, ela é também mestre em relações internacionais e um tanto hiperativa, segundo alguns colegas de trabalho.

Iain Rogers

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea

© Dmitri Sharomov / Greenpeacea

Faiza Oulahsen

Phil Ball Phil é um ambientalista comprometido e talentoso operador de câmeras. Baseado em Oxford, na Inglaterra, ele tem participado ativamente de ações do Greenpeace desde 2007.

Roman Dolgov Roman é um linguista nascido em Moscou que trabalhou a vida toda como tradutor para organizações não governamentais. Ajudou muito o Greenpeace trabalhando com questões anti-guerra e pelo desarmamento.

Ruslan Yakushev Ruslan é membro da tripulação do navio. Formado em engenharia de produção, o ucraniano é experiente com expedições e trabalho de campo. Tem mais de uma década de colaborações com a organização.

Sini Saarela Ambientalista e escaladora, a finlandesa de 31 anos é bastante experiente em ambas as atividades. Sini já havia escalado a plataforma Prirazlomnaya em 2012, em protesto anterior contra a mesma empresa, também pela campanha do Ártico.

Tomasz Dziemianczuk Tomasz trabalha com o Greenpeace desde que o escritório da Polônia, seu país de origem, foi aberto. É escalador e piloto de barcos. Quer saber mais? Acesse a página do Greenpeace com informações de cada um deles: www.greenpeace. org/international/en/campaigns/ climate-change/arctic-impacts/ Peace-Dove/Arctic-30/

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© Nick Cobbing / Greenpeace

ártico

Ana Paula instala cordas em bote do navio Esperanza, durante o tour de 2010

“Nasci para ser ativista” Bernardo Camara

Dois meses atrás das grades numa gelada Rússia não mudaram em nada a paixão da gaúcha Ana Paula Maciel por mudar o mundo

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uando ainda era uma pequena guria no Rio Grande do Sul, Ana Paula Maciel já usava suas perninhas curtas para defender minhocas, formigas e qualquer outra forma de vida que cruzasse seu caminho. Hoje, com 31 anos, ela não mudou nada. Formada em Biologia e há quase uma década no Greenpeace, sua paixão pelo meio ambiente fez com que ela encarasse “os dois piores meses” da sua vida: após um protesto pacífico contra a exploração de petróleo no Ártico, ela e outros 27 ativistas, além de dois jornalistas, passaram 60 dias presos na Rússia. Apesar da barra que enfrentou, 8

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Ana não carrega um pingo de arrependimento. “Ninguém me disse que ia ser fácil lutar pelo planeta. Ninguém disse que ia ser fácil mudar o mundo para melhor”, disse ela, na cidade russa de São Petersburgo, em sua primeira semana longe da cadeia. “Existem riscos em tudo que você faz, mas se você deixar que sua vida fique paralisada pelo medo, você nunca vai fazer nada”. “Fazer nada” definitivamente nunca esteve nos planos da gaúcha. Em seu amor pelos seres vivos, guarda uma paixão especial pelos pássaros. E, como eles, voou cedo e voou livre quando, em 2006, o na-

vio Arctic Sunrise aportou em Porto Alegre. Deixou o emprego num hospital veterinário e embarcou como voluntária do Greenpeace para uma viagem que duraria apenas 15 dias. Só voltou depois de cinco meses, algumas ações pacíficas e muitos novos amigos. De lá para cá, continua na missão. E como boa sonhadora, mas sem tirar os pés do chão, acredita no poder que cada pessoa tem de mudar as coisas ao redor. “Ou paramos, mudamos nossa forma de lidar com o planeta e vivemos de forma mais equilibrada, ou não vai ter um planeta para as próximas gerações”


Quando você começou a se interessar pelas questões ambientais? Acho que não poderia ter feito nada diferente da minha vida. Desde muito pequena essa minha paixão pelos outros seres vivos sempre foi muito clara. Sempre os defendi, fosse um tatu bola, uma minhoca... Acho que nasci para ser ativista. O caminho até o Greenpeace, então, foi natural... Foi uma coincidência inevitável, porque de uma maneira ou de outra eu acabaria buscando o Greenpeace mesmo que ele não tivesse vindo até mim, como aconteceu. E como aconteceu? Eu trabalhava num hospital veterinário e gostava muito. Mas me sentia um pouco presa por ter que trabalhar todo dia no mesmo lugar. Precisava estar mais livre. E apareceu a oportunidade de trabalhar para o Greenpeace no Diálogo Direto [o time que angaria colaboradores nas ruas]. Isso me deu a possibilidade de estar em contato com muitas pessoas, de conhecer melhor o Greenpeace, embora já fosse uma organização que eu conhecesse, respeitasse e acreditasse que realmente fazia a diferença. Comecei a trabalhar lá e aí o navio Arctic Sunrise aportou em Porto Alegre, em abril de 2006. Comecei a voluntariar no Arctic

Sunrise e me apaixonei pelo navio. E o navio se apaixonou por mim. Foi um amor recíproco (risos). E você não largou mais o navio... Me convidaram para navegar até Fortaleza, seriam 15 dias de navegação. Chegando lá, me convidaram para ir para a Amazônia – onde teria uma ação bem forte contra o desmatamento que a soja estava provocando na região. Depois me convidaram para ir para o Caribe, onde teve uma atividade durante uma reunião da Comissão Internacional da Baleia. E assim fui ficando no navio. Eu não queria ir embora e eles não queriam me mandar embora. O que era para ser uma viagem de 15 dias, se transformou em cinco meses. Inicialmente era pra eu ir só até Fortaleza e eu acabei indo até a Holanda (risos). Foi uma experiência única.

Como é trabalhar nos navios da organização? Os navios são a alma da organização. O Greenpeace nasceu dentro de um navio e eles personificam o que ela é, porque não existe nenhum outro navio no mundo onde tem um arco-íris e uma pomba da paz na proa. Cada vez que eu navego nos navios do Greenpeace é uma experiência única: sempre diferente, sempre emocionante. Mesmo agora, depois desses dois meses na prisão: isso só me trouxe força, pois realmente pude ver o quanto as pessoas se importam com o planeta e conosco. Mas o trabalho dentro do navio é tão importante quanto o trabalho que se faz nos escritórios, nas ruas. Para que tudo funcione, são necessárias todas essas pequenas peças, que fazem toda a engrenagem funcionar.

© Dmitri Sharomov / Greenpeace

Revista do Greenpeace Nos últimos meses, muita gente falou sobre quem é Ana Paula. Agora queria ouvir isso de você. Ana Paula Sou uma pessoa determinada, que ama muito, que ama incondicionalmente todos os outros seres vivos. Essa vontade de defender quem não pode se defender é o que me move.

Reencontro da ativista com a mãe e a sobrinha, no aeroporto de São Petersburgo.

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Ana deixa o centro de detenção sob pagamento de fiança

tanto amor e dedicação que é um prazer estar nos barcos, fazer as atividades pacíficas. Sempre com essa convicção de que estamos fazendo a diferença.

© Dmitri Sharomov / Greenpeace

Você pensa em fazer outras coisas no futuro? Meu sonho é fazer uma pós-graduação, voltar a estudar e ir trabalhar com pássaros selvagens. Os pássaros são minha paixão.

Com o que você mais se identifica no Greenpeace? Me identifico muito com o pacifismo, com a coragem que tem que ter para mostrar ao mundo o que está acontecendo de errado. A possibilidade de ir a lugares onde ninguém pode ir e ser testemunha do que está acontecendo. Uma outra coisa é a união que envolve as pessoas aqui dentro. Todos parecem ter uma coisa em comum, que é essa vontade de mudar para melhor as coisas. O que te move a agir mesmo sabendo que podem existir alguns riscos, como o de eventualmente ser preso? Ninguém me disse que ia ser fácil lutar pelo planeta. Ninguém disse que ia ser fácil mudar o mun-

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do para melhor. A vida é mais ou menos assim. Encaro os riscos como parte da vida. Existem riscos em tudo que você faz, mas se você deixar que sua vida fique paralisada pelo medo, você nunca vai fazer nada. Pra mudar as coisas, chamar atenção do mundo para os problemas ambientais, é preciso correr riscos. Às vezes você sente desânimo? Sinto desânimo, claro, porque isso também faz parte da vida. E o Greenpeace é feito por pessoas, e pessoas não são perfeitas. Mas é um trabalho que me completa. Eu sou uma daquelas pessoas que têm sorte de fazer o que ama. Então, para mim não parece que é trabalho. É um trabalho que não me dá trabalho (risos). Faço com

Já parou para pensar por que essa paixão pelos pássaros? Acho que é porque eles são tão livres, né?! Podem voar para qualquer lugar, livremente. E para o futuro do planeta, o que você deseja? Há 40 anos, ninguém falava em ecologia. Ninguém falava de sustentabilidade há 10 anos. As pessoas estão percebendo que temos problemas sérios no planeta, que os recursos naturais são finitos. Em poucas gerações, a gente acabou com tantos recursos e com tantos habitats que as pessoas começam a se tocar: ou paramos, mudamos nossa forma de lidar com o planeta e vivemos de forma mais equilibrada, ou não vai ter um planeta para as próximas gerações. Dentro das nossas vidas, cada um de nós pode fazer um pouquinho. E esse pouquinho vai fazer a diferença.


Danielle Bambace

Acervo Pessoal Estúdio Kobra

Eduardo Kobra é o artista plástico que criou o Estúdio Kobra, nome que possivelmente você já viu em muros pela cidade. Iniciou seu trabalhos na periferia de São Paulo e sua arte ganhou o mundo. Os painéis espalhados em grandes centros urbanos tratam de forma realista temas abordados em seus projetos: “Muros da Memória”, “Pinturas 3D” e “Greenpincel”. Nesse último, Kobra mostra o caráter de protesto de suas obras, utilizando os muros para mostrar agressões que o homem pratica ao meio ambiente. Consciente da situação dos ativistas do Greenpeace, Kobra aproveitou sua viagem à Rússia, para fazer um grafite pela causa, mesmo em condições complexas. Acompanhe a entrevista que ele concedeu à Revista do Greenpeace no colorido galpão de seu Estúdio, na Vila Madalena. Revista do Greenpeace Como começou seu trabalho no mundo da Street Art? Eduardo Kobra Comecei aos 12 anos quando morava no Campo Limpo, um bairro da periferia. Durante alguns anos fiquei nesse mundo de pichação e hip-hop. Como eu tinha uma grande influência dessa cultura, havia algo de protesto no meu trabalho, só que era algo envolvido com periferia. Claro que tudo foi se modificando ao longo desses anos, mesmo porque houve um momento em que busquei uma identidade, algo que tivesse mais ligação com o que eu estava vivendo. Como foi seu trabalho na Rússia? Fui convidado pela prefeitura de Moscou para realizar um mural sobre uma bailarina importante para o país. Foi complexo organizar, tivemos uma burocracia gigantesca. Saímos com tudo resolvido e, quando chegamos lá, o espaço foi negado. Ficamos quase uma semana aguardando e decidi voltar para o Brasil, porque achei um absurdo. No dia seguinte de manhã apareceram com outro espaço, mas eu tinha pessoas da

prefeitura me acompanhando o tempo todo. Eu começava a desenhar ou colocar cor, já pediam que eu parasse. Foi realmente muito diferente. Como foi feito o grafite do urso? Eu queria fazer, mas procurava uma forma de realizar isso com o mínimo de risco possível. É uma cultura completamente diferente da nossa e era arriscado, ainda mais envolvendo grafite. Conheci um artista de rua e comentei minha ideia. Ele me falou de um local onde vários artistas pintam e orientou que eu fosse de madrugada. Pensei que seria pior, por isso resolvi fazer à tarde. Naquele dia, falei para as pessoas da prefeitura que estavam comigo que eu não estava me sentindo muito bem e saí para fazer esse desenho. Duas pessoas vigiavam para me proteger enquanto eu pintava. Foram cinco ou seis horas de trabalho: fiz primeiro o desenho do urso, esperei a movimentação e depois escrevi a mensagem “Libertem a Ana”. Arrumei o material e fui embora. De lá fui para São Petersburgo onde fiquei mais dois dias e depois voltei ao Brasil.

entrevista

Arte é protesto

A história dos ativistas presos te sensibilizou para que você pintasse o painel? Quis fazer esse mural justamente pela questão arbitrária da prisão e pela motivação da Ana em fazer tudo isso. Consultando pessoas lá na Rússia, me disseram que ela e o grupo estavam sendo colocados como exemplo, para que ninguém faça nada parecido. Eu achei, dentro que eu já faço, que poderia fazer algo. Foi muito mais simples artisticamente do que eu costumo fazer, mas foi o possível e é a minha colaboração. Existe ainda preconceito associado a street art? Acho que depende do que o artista se propõe a fazer. Se você faz algo simplesmente pela plástica e pela estética, a maior parte das pessoas deve responder positivamente. Se você faz algo como protesto, você divide muito mais opiniões. Mas, de uma forma geral, cidades como São Paulo hoje aceitam muito mais os artistas que estão pintando na rua do que há dez anos. Acho que hoje o preconceito diminuiu muito.

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Porto Alegre, Brasil.

Paris, França.

© Greenpeace / Caio Eugenio

© Greenpeace / Marco Filho

© Nicolas Chauveau / Greenpeace

pelo mundo

São Paulo, Brasil.

Uma causa de todos Luana Lila

A prisão dos “30 do Ártico” mobiliza cidadãos ao redor do globo pedindo proteção a um ecossistema ameaçado e direito ao protesto pacífico reenpeace é apenas uma palavra. As pessoas por trás dela é que são a nossa força”, escreveu o canadense Alexandre Paul, em carta do dia 27 de outubro, aos apoiadores do Greenpeace, pedindo que eles se mobilizassem contra a sua prisão e a de mais 29 colegas na Rússia. E assim aconteceu: em dois meses foram realizados três dias de mobi-

lização global em solidariedade aos presos, reunindo protestos pacíficos em todos os continentes. Por meio da mídia e de informes da própria organização, o mundo pode acompanhar a saga das 30 pessoas de 18 países que foram presas arbitrariamente ao desempenhar papel ativo pela preservação do Ártico. Suas vidas foram alteradas de forma imprevisível por atuarem

pacificamente em prol de uma causa em que acreditam. Nas cartas que escreviam, os ativistas relatavam enorme alegria ao saber das mobilizações pela causa e pela liberdade de todos. “O dia é bom quando consigo encontrar meu advogado e ouvir sobre os protestos que estão acontecendo ao redor do mundo. Você não acredita na diferença que isso faz”, escreveu

Java, Indonésia.

Moscou, Rússia.

Munique, Alemanha.

Viena, Áustria.

© Deden Iman / Greenpeace

© Igor Podgorny / Greenpeace

© Oliver Soulas / Greenpeace

© Moritz Wustinger / Greenpeace

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Barcelona, Espanha.

Berlim, Alemanha.

Sidney, Austrália.

Taiwan, China.

© Mario Gomez / Greenpeace

© Paul Langrock / Greenpeace

© James Alcock / Greenpeace

© Greenpeace

a britânica Alexandra Harris, no dia 10 de outubro. O último protesto global ocorreu no dia 16 de novembro, quando 265 cidades em 43 países expressaram sua solidariedade para marcar os 60 dias de prisão. As manifestações aconteceram em diferentes pontos do planeta, como na Alemanha, México, Indonésia, Índia e até no topo do Monte Everest. No Brasil, durante esse período, foram realizados protestos na embaixada da Rússia em Brasília, em Porto Alegre (cidade natal de Ana Paula Maciel), na praia do Leblon no Rio de Janeiro, e em São Paulo. Nessa ocasião, cerca

de 200 pessoas vestidas de branco ocuparam o vão livre do Masp com gritos de apoio, música e muitas mensagens positivas. Políticos e personalidades também tiveram papel fundamental nesse processo. A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, a chanceler alemã Angela Merkel e 11 vencedores do prêmio Nobel da Paz se pronunciaram sobre o caso. Noventa membros do Parlamento Europeu assinaram uma declaração de solidariedade pedindo a libertação imediata do grupo. Celebridades como a cantora Madonna, os atores Ewan McGregor e Jude Law mandaram mensagens e

o ex-Beatle Paul McCartney escreveu pessoalmente uma carta ao presidente Vladimir Putin, pedindo que os presos pudessem passar o Natal em casa com suas famílias. Os brasileiros Marcos Palmeira, Cristiane Torloni e o artista plástico Eduardo Kobra também manifestaram apoio, entre outros. As boas notícias vieram logo após as manifestações, quando os ativistas receberam o direito de responder o processo em liberdade, sob fiança. Mesmo nessas condições o futuro ainda é incerto e o apoio de cada um continua sendo essencial para garantir um julgamento justo e democrático.

Budapeste, Hungria.

Montreal, Canadá.

Quebec, Canadá.

Dakar, Senegal.

© Bence Jardany / Greenpeace

© Greenpeace

© Greenpeace

© Clint Tardif / Greenpeace

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navio

Dos polos aos trópicos © Nick Cobbing / Greenpeace

Germano Assad

O Arctic Sunrise já navegou de ambos os lados da história ambiental – de petroleiro e pesqueiro a ambientalista. Hoje é o mais versátil dos navios do Greenpeace

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onstruído na década de 70 para uma empresa norueguesa que pretendia lucrar com a caça de focas, o navio Arctic Sunrise já possuía uma estrutura diferenciada quando entrou em atividade, com seus 50 metros de comprimento, 12 de largura e ‘modestas’ 950 toneladas. Mas foram os anos de melhorias e adaptações que o tornaram, décadas depois, o “mais multifuncional” da frota Greenpeace, nas palavras do gerente de operações do Greenpeace Internacional Manuel Pinto. “Já circulou por toda parte, do Congo à Amazônia passando por Ártico e Antártica, defendendo quase todas as campanhas da organização. É um navio forte, com muito espaço para uma embarcação deste tamanho e que também é muito eficiente no uso do combustível”, pontua Manuel. Mas nem sempre foi assim. Projetado para ser um quebra-gelo, capaz de navegar em situações adversas e por regiões de difícil acesso, o navio originalmente batizado de Polarbjorn (urso polar, em tradução livre), atuou por anos em favor de companhias pesqueiras, petrolíferas e de transporte de carga até ser 14

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comprado e rebatizado pela organização em 1995. “Não estive na primeira viagem de campanha contra exploração de petróleo no Mar do Norte pois passei quase dez meses no processo de execução das melhorias que fizemos no navio depois de comprá-lo”, lembra o capitão da embarcação à época, Arne Sorensen. Ele foi o primeiro a conduzir o navio por águas amazônicas em uma expedição que visava expor a situação da exploração madeireira e suas consequências na região. Rússia Foi depois de combater baleeiros, tentar impedir testes de sistemas de defesa com ativos nucleares, a construção de uma pista de pouso na Antártica, inúmeras expedições com fins de pesquisa, registrar os efeitos da mudança climática nas regiões extremas do globo e tantas outras realizações, porém, que o Arctic Sunrise enfrenta a situação mais complicada de sua história. ‘Detido’ em um ancoradouro na chamada capital do Polo Norte Murmansk após o protesto contra a exploração de petróleo no Ártico que acabou com a prisão do

grupo de ativistas e jornalistas do Greenpeace em setembro, o navio vive uma pausa forçada desde então. “Requisitei, oficialmente, o envio de engenheiros para realizar a manutenção necessária, mas o pedido foi negado. Tentamos outras vezes, de outras formas, mas não conseguimos até agora entrar no navio. Estamos recebendo informações contraditórias, que a guarda costeira local está instruída a fazer essa manutenção, mas nada oficial, são possibilidades apenas”, explica Manuel. Mesmo com a grande repercussão do caso e toda a polêmica levantada por especialistas sobre a legitimidade da ação, da prisão dos ativistas e apreensão da embarcação pelo governo russo – que foi parar no Tribunal Internacional da lei do mar – o Arctic Sunrise permanece ‘preso’, aguardando a libertação após a transferência do montante estipulado como fiança pela justiça do país. Quer saber mais? Acesse a página do Greenpeace com todas as informações técnicas e outras histórias do Arctic Sunrise: www.greenpeace.org/brasil/pt/ quemsomos/arctic-sunrise/


mundo green

Quando o frio não é o problema

© Bernd Roemmelt / Greenpeace

Danielle Bambace

Inuíte organiza cães para caça, no Polo Norte

Povos indígenas do Ártico enfrentam o maior desafio de sua existência, que vai muito além das condições naturais da região

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ssumir uma rotina de vida no gelo é certeza de um esforço razoável para os ativistas do Greenpeace: são roupas, estruturas, mantimentos, tudo previamente organizado e separado, para que os dias gelados em expedições ao Ártico passem de maneira mais amena. Mas enquanto alguns precisam despender tamanho esforço para uma temporada no Ártico, há quem tenha essa região única como lar. Em teoria, o povo indígena inuíte ocupa o Polo Norte há 12 mil anos – desde que atravessaram o Estreito de Bering. Essa travessia teria sido realizada devido ao nomadismo, característica determinante em seus hábitos e cultura, que foi modificada a partir da década de 1940 quando iniciou-se o processo de assentamento em campos sazonais (de inverno e verão), especialmente em território canadense. Também chamado popularmente como esquimó, esse povo é tra-

dicionalmente reconhecido por sua simpatia e solidariedade. Caça e pesca são atividades básicas que oferecem, além de alimentação, insumos para resistência ao frio como gordura e peles. As sociedades são patriarcais, poligâmicas e ainda hoje tentam sobreviver com os recursos naturais da região ártica. Mas já há algumas décadas o povo inuíte vem enfrentando um inimigo muito maior do que o frio: interferências humanas têm colocado em xeque toda uma sociedade. O derretimento de calotas polares provocado pelo aquecimento global, a construção de hidrelétricas, a mineração e a pesca predatória vêm empurrando a população indígena cada vez mais para o norte do globo, motivando uma verdadeira batalha pela própria sobrevivência e pela manutenção de seus costumes. Estima-se que o primeiro contato com o homem branco tenha ocorrido por volta do século XV e, desde então, os pro-

blemas e conflitos humanos só se agravaram. Para se ter uma ideia do dilema, boa parte da mão-de-obra de petroleiras e mineradoras que operam no Ártico é formada por inuítes, que hoje apenas complementam a renda com a caça. Assim, famílias inteiras tornam-se dependentes de quem só colabora cada dia mais com a destruição de seus costumes, de seu meio e de todo o planeta. O Greenpeace defende a criação de um santuário no Ártico, que transforme toda a região em áreas unicamente destinadas à pesquisa e preservação. Dessa forma, ficaria garantida a manutenção desse sistema frágil e único, valorizando não só fauna e flora, mas também a existência de povos locais e de seus costumes. Um provérbio inuíte diz que “somente quando o gelo quebrar você saberá quem é seu amigo e quem é seu inimigo” – isso nunca foi tão verdadeiro para esse povo.

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© Greenpeace / Christian Aslund

clima e energia

Protesto em Estocolmo levou gelo do Ártico para as ruas, pedindo atenção às escolhas para o futuro energético global

À prova de fatos científicos Marina Yamaoka

Diante de evidências cada vez mais comprovadas e concretas das mudanças climáticas, COP-19 encerra investindo em ceticismo e vazio de decisões queles que ainda negam e ignoram a realidade das mudanças climáticas deveriam sair de suas confortáveis poltronas. Eu os desafio a ver as ilhas do Pacífico, do Caribe e do Oceano Índico para presenciar os impactos do aumento do nível do mar.” O trecho foi parte do discurso emocionante que Naderev Yeb Saño, chefe da delegação das Filipinas, pronunciou na plenária de abertura da 19ª COP (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima). A fala de Saño seria impactante por si só. E ganhou ainda mais força uma vez que foi feita logo após o desastre causado pelo tufão Haiyan, que impactou a vida de cerca de 11 milhões de filipinos. As mudanças climáticas deixaram de ser um conceito abstrato que apenas cientistas e ambientalistas discutem e se tornaram parte da realidade das vidas de muitas pessoas. Nos últimos anos, os eventos climáticos se tornaram ainda mais extremos: super tempestades, calotas polares derretendo, acidificação 16

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dos oceanos, e isso é apenas uma breve amostra do que vem por aí. Mas nem os ventos de 275 km/h e as ondas de seis metros de altura que atingiram a costa leste filipina – e aparentemente, nem os 10 mil mortos – foram suficientes para sensibilizar os representantes das mais de 200 nações que se reuniram na COP-19. Depois de muitos impasses, os fundamentos básicos que deveriam ser criados para a construção de um novo acordo global não saíram e tampouco foram estabelecidas as ambiciosas metas que são necessárias para a mitigação das mudanças climáticas. “Era para termos visto um aumento de ambição e cortes de emissões, mas o que presenciamos foi o contrário: o Japão baixando suas metas, a Austrália revertendo sua legislação climática e o Brasil anunciando um aumento de 28% no desmatamento na Amazônia. Vimos o completo fracasso dos países ricos em cumprir as promessas existentes quanto ao financiamento de longo prazo, colocando as nações mais vulne-

ráveis ainda mais em risco”, disse Kumi Naidoo, diretor-executivo do Greenpeace Internacional. A ausência de decisão veio após exatos dois meses da publicação do primeiro volume da quinta edição do relatório do IPCC (Painel do Clima da ONU), o principal documento que fornece ao mundo informações sobre a ciência do clima. O agravamento das emissões de CO2 e a ausência de dúvidas sobre a influência humana sobre o clima deveriam servir de alerta para que ações urgentes fossem tomadas para prevenir o mundo das piores consequências do aquecimento global. Diante deste cenário desastroso, vemos um descompasso entre o que o mundo precisa fazer e o que de fato está fazendo. E o Brasil faz parte deste grupo de países irresponsáveis e que, na verdade, poderia contribuir com soluções. Segundo Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil, “se investirmos em energia renováveis e em eficiência energética podemos reduzir em 60% nossas emissões até 2050.”


De onde virá a energia brasileira Marina Yamaoka

Ao promover leilões que privilegiam combustíveis fósseis e tecnologias duvidosas, governo indica quais são as premissas para atender a crescente demanda de energia

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último trimestre de 2013 foi repleto de leilões de energia que, infelizmente, não privilegiaram as fontes renováveis. A economia brasileira pode ter desacelerado – o que explica a queda do Brasil da quinta para a sétima posição no ranking das maiores economias mundiais – mas isso não diminuiu sua necessidade de gerar cada vez mais energia nos

21 de outubro Leilão sem plano de contingência

O Campo de Libra, principal descoberta já feita no Brasil e a maior oferta de um reservatório de petróleo já feita no mundo, foi o primeiro leilão do pré-sal do país. A decisão de explorar estas reservas de petróleo resultará na emissão de até 5 bilhões de toneladas de CO2 pelo Brasil, o equivalente a mais de três anos das emissões totais nacionais de gases de efeito estufa. Apenas um consórcio entre a Petrobras, a anglo-holandesa Shell, a francesa Total e as chinesas CNPC e CNOOC foi consolidado. O leilão forçou a elaboração de um Plano Nacional de Contingência – documento que estabelece as medidas necessárias a serem tomadas em caso de vazamentos – que, na verdade, foi desengavetado às pressas e publicado um dia após o leilão. E foi feito tão rapidamente que o documento aprovado é extremamente vago e não indica quais são os recursos humanos, materiais e os equipamentos complementares para a prevenção, controle e combate da poluição das águas, conteúdo que pela lei 9966 de 2000 deveriam constar no Plano.

próximos anos. A EPE (Empresa de Pesquisa Energética) publicou em outubro o Plano de Expansão Decenal de Energia que é atualizado anualmente e trabalha com as projeções para os rumos energéticos do país para os próximos dez anos, neste caso para até 2022. Para se ter uma ideia, prevê-se que na próxima década a expan-

18 de novembro Leilão sem Sol

O primeiro leilão que incluiu energia solar e que poderia ter significado um avanço para a fonte que mais tem potencial para crescer no país até 2050 apenas provou a necessidade de incentivos para a fonte. Se o Brasil quiser consolidar essa fonte inesgotável e renovável em sua matriz terá que criar políticas que a incentivem. No total, foram inscritos 3 mil MW de energia solar, mas nenhum foi contratado devido ao baixo preço-teto do MW/h. “A excelente decisão do governo de ter permitido pela primeira vez a entrada da energia solar na competição foi neutralizada devido ao preço inviável para a fonte”, concluiu Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil.

são do sistema elétrico para atender a demanda projetada terá que ser de 53%, o equivalente a 1900 MW médios a mais na atual matriz brasileira. Essa ‘fome’ por energia explica a quantidade de leilões de energia realizados em 2013 e também os que estão previstos para os próximos anos. Quer saber quais foram os resultados dos projetos contratados? Leia abaixo:

28 de novembro Leilão sem regulação

Sem regras bem definidas para a exploração e produção de gás de xisto – extraído de rochas de folhelho -, o Brasil realizou seu primeiro leilão de blocos exploratórios voltado para áreas com potencial para gás natural. Dos 240 blocos ofertados pela ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) na 12ª Rodada de Licitação, apenas 72 foram arrematados principalmente nas bacias de Sergipe-Alagoas e do Recôncavo Baiano. A exploração de gás de xisto pode ser extremamente danosa ao meio ambiente e se torna ainda mais arriscada sem ter uma regulação específica. Os lençóis freáticos podem ser contaminados durante o fraturamento hidráulico – técnica que quebra as rochas de folhelho e que permitem a extração do gás – já que são injetadas mais de 600 substâncias químicas no subsolo. Outros possíveis impactos são o uso intensivo de água, que uma vez contaminada deve ser remanejada de forma apropriada, e possíveis tremores de terra.

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cartas Um motivo maior

acontece

Greenpeace pelo mundo

“Esses jovens representam uma nova atitude. O que eles fizeram não foi vandalismo ou pirataria. Eles apenas manifestaram o que está no coração e mente de cidadãos conscientes do mundo todo, erguendo a bandeira da preservação.”

Luana Lila

João Pedro Armondes Neto Colaborador - Palmas/TO

A prisão dos ativistas do Greenpeace na Rússia demandou excepcionais esforços da organização. Ainda assim outros assuntos importantes também fizeram parte da agenda durante esse período. Confira:

Você também pode mandar seu comentário, dúvida ou sugestão. REVISTA DO Greenpeace Rua Alvarenga, 2331 Cep: 05509 006 - São Paulo SP

Greenpeace hasteia bandeira em apoio à mobilização indígena

ASSOCIAÇÃO CIVIL GREENPEACE

© Greenpeace/Tico Fonseca

Durante a primeira visita oficial de Barack Obama a Israel, ativistas do Greenpeace escalaram uma famosa ponte do arquiteto espanhol Calatrava em Jerusalém e estenderam um banner gigante com a mensagem “Obama, pare a perfuração do Ártico”. A ação faz parte de um apelo mundial ao presidente dos Estados Unidos para rever a autorização de exploração de petróleo no Alasca. Oito ativistas foram presos.

Conselho diretor Presidente Laura Valente Conselheiros Leda Machado Vera Frascino Marcos Nisti Marcelo Estraviz Oskar Metsavaht Diretor-executivo Fernando Rossetti Diretora de programa Annette Cotter Diretor de políticas públicas Sérgio Leitão Diretora de mobilização e comunicação Lisa Gunn Diretor de marketing e captação de recursos André Bogsan Diretora do organizacional Karla Battistella REVISTA DO GREENPEACE É uma publicação trimestral do Greenpeace

Desmatamento em alta: floresta ameaçada A tendência de aceleração do desmatamento na Amazônia se confirmou. Em anúncio oficial, a ministra do meio ambiente, Izabella Teixeira, anunciou a perda de 5.843 quilômetros quadrados de floresta entre agosto de 2012 e julho de 2013 - um valor 28% superior ao mesmo período do ano anterior. Trata-se do primeiro aumento após quatro anos consecutivos de queda. Para Marcio Astrini, da campanha Amazônia do Greenpeace, a situação é resultado das concessões que o governo vem fazendo à bancada ruralista no Congresso.

© Johannes Christo / Greenpeace

Cúmplices da destruição da floresta

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O óleo de palma é o maior vetor de desmatamento na Indonésia e coloca em risco os cerca de 400 tigres de Sumatra que habitam as florestas da região. Uma investigação do Greenpeace mostrou que a Wilmar Internacional, maior produtora de óleo de palma da Indonésia, mantém relações comerciais com empresas que usam práticas ilegais de desmatamento. Marcas mundiais consagradas, como a Oreo e a Gillette, conhecidas do público brasileiro, compram óleo de palma da Wilmar e tornam seus consumidores cúmplices involuntários na destruição das florestas. O Greenpeace realizou protestos no sudeste da Ásia pedindo o comprometimento da empresa em prol das florestas.

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Editor Editora de fotografia Redatores

Designer gráfico Prepress e impressão

Danielle Bambace (MTb SRP 049926/2011) Danielle Bambace Bernardo Camara Danielle Bambace Germano Assad Leonardo Medeiros Luana Lila Marina Yamaoka Karen Francis W5 Criação e Design Hawaii Gráfica & Editora

Este periódico foi impresso em papel reciclado em processo livre de cloro. Tiragem: 33 mil exemplares. www.greenpeace.org.br

O selo FSC® garante que este produto foi impresso em papel feito com madeira de reflorestamentos certificados de acordo com rigorosos critérios sociais, ambientais e econômicos estabelecidos pela organização internacional FSC® (FOREST STEWARDSHIP COUNCIL® / Conselho de Manejo Florestal).


Uma vez ativista, sempre ativista

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© Vladimir Baryshev / Greenpeace

Ana Paula Maciel mostrou durante os seus dias na prisão que todo esforço pelo ativismo é válido. Mesmo durante as audiências ela se mostrou firme no propósito de libertação dos 30 e proteção ao Ártico, levando consigo mensagens desenhadas em um caderno improvisado. Sem dúvida, uma grande demonstração de que, mesmo sob vigilância, o protesto pacífico tem sempre sua voz.


Para acompanhar o paradeiro dos navios em imagens ao vivo acesse: www.greenpeace.org/international/en/multimedia/ship-webcams

ARCTIC SUNRISE

RAINBOW WARRIOR

ESPERANZA

Esperanza O maior navio da frota do Greenpeace navegou em águas internacionais durante os últimos dois meses. Mesmo em alto-mar a tripulação mostrou apoio aos ativistas presos na Rússia. As ações incluíram uma foto-oportunidade com um cenário de ativistas “presos” no convés do navio.

© Greenpeace / Amrit Bakshi

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Arctic Sunrise O quebra-gelo permanece sob custódia do governo russo e está atracado no porto de Murmansk, após se envolver em um protesto pacífico contra a exploração de petróleo no Ártico. Confira mais informações nas matérias especiais dessa edição.

© Dmitri Sharomov / Greenpeace

Rainbow Warrior Navegando por águas norte-americanas, a demonstração de suporte da tripulação durante o Dia Global de Ação aconteceu com um concerto realizado em São Francisco, nas proximidades do navio. A embarcação permaneceu aberta à visitação pública entre os dias 8 e 17 de novembro.

© Mathew Sumner / Greenpeace


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