Marilice Daronco
O NOSSO CINEMA ERA
SUPER
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
D224n Daronco, Marilice Amábile Pedrolo. O nosso cinema era super / Marilice Amábile Pedrolo Daronco. – 1ª. ed – Santa Maria : Câmara de Vereadores, 2014. ISBN 978-85-66758-02-3 236 p. 1. Cinema Gaúcho. 2. Curta - metragem. 3. Movimento super-8 I. Título. CDU 791.43(816.5)(091) Elaborada pela Bibliotecária Fernanda da Silva Santos CRB10/2189
Publicação da Câmara Municipal de Vereadores de Santa Maria que promove a cultura local por meio de publicações anuais, através do Projeto Lei do Livro, que incentiva a divulgação de temas relevantes relacionados à cultura e história santa-mariense. De acordo com a Resolução Legislativa nº 22/2004, a obra foi selecionada por uma comissão integrada pelo Conselho de Cultura do Município, Academia Santa-Mariense de Letras e Casa do Poeta de Santa Maria. Ela será distribuída gratuitamente para a comunidade, escolas, bibliotecas, instituições culturais, educacionais e de pesquisa. MESA DIRETORA – GESTÃO 2014 Presidente: Ver. Werner Rempel (PPL) 1º Vice - presidente: Verª. Dra. Deili Silva (PTB) 2º Vice - presidente: Ver. Dr. Ovídio (PTB) 1º Secretário: Ver. Manoel Badke (DEM) 2º Secretário: Ver. Dr. Tavores (DEM) 1º Suplente: Ver. Admar Pozzobom (PSDB) 2º Suplente: Ver. Paulo Airton Denardin (PP) Direitos de reprodução reservados à Câmara de Vereadores de Santa Maria, RS. COMISSÃO JULGADORA Conselho Municipal de Cultura – Carlos Rangel Academia Santa-mariense de Letras – João Marcos Adede y Castro Casa do Poeta – Odemir Paim Peres Júnior
Marilice Daronco
O NOSSO CINEMA ERA SUPER UM RESGATE HISTÓRICO DO MOVIMENTO SUPEROITISTA EM SANTA MARIA NOS ANOS 70
Santa Maria 2014
“Por que decaiu a arte de contar histórias? Talvez porque tenha decaído a arte de trocar experiências. A experiência que passa de boca em boca e que o mundo da técnica desorienta. A guerra, a burocracia, a tecnologia desmentem a cada dia o bom senso do cidadão: ele se espanta com a magia negra, mas cala-se porque lhe é difícil explicar um todo irracional.” ECLEA BOSI O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Prefácio
Em 2011, quando ministrei a disciplina Introdução à História do Cinema Brasileiro e Gaúcho, no curso de Especialização em Cinema da Unifra, havia entre os alunos um ex-realizador de super-8, Luiz Carlos Grassi, que no último dia de aula trouxe para nós o curta-metragem Super-70, de Luiz Alberto Cassol. O filme resgata um pouco da história daqueles já longínquos anos 70, através de materiais produzidos bem ali, em Santa Maria. O filme foi uma novidade para mim, que desconhecia aquela história do Super-8. Para os demais colegas de Grassi, porém, ele foi uma revelação. Puderam ver imagens de uma verve cinematográfica criativa e irreverente, produzida por jovens antenados com as novidades do seu tempo. Havia inovação, havia histórias de superação de dificuldades, algo que acompanha a trajetória do nosso cinema brasileiro. Foi, então, com muita satisfação que, um ano depois, aceitei orientar o trabalho de Marilice Daronco, que pretendia resgatar aquele período histórico do cinema gaúcho. O tempo para a realização da pesquisa era curto, apenas um semestre, mas a capacidade de pesquisa de Marilice me surpreendeu e motivou. Em alguns poucos meses, ela fez um extenso panorama do cinema super-8 brasileiro, resgatando histórias, bibliografias, contatando pesquisadores os mais diversos e espalhados no País. Trouxe mais histórias que eu desconhecia, mas que precisei cortar do texto final que estava ficando muito longo! Afinal, precisávamos dar foco naquilo que agora já era “o nosso” objeto de pesquisa: o cinema super-8 em Santa Maria. E se Marilice foi incansável buscando reunir histórias do super-8 em outras paragens, mais ainda o foi quando se concentrou no cinema santa-mariense. Volta e meia conversávamos (telefone, skype, e-mails, presencialmente em Porto Alegre, onde moro) e ela me contava das maravilhas que estava encontrando: nas pesquisas em jornais, nas entrevistas, nos materiais resgatados. Era tanto material que dava para fazer mais de uma pesquisa e ainda levar adiante um projeto de restauração de filmes e de um museu próprio, abrigado em alguma instituição da cidade, pois que as memórias não devem se perder. Elas fazem parte da tessitura do nosso presente. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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O levantamento feito por Marilice resgata o trabalho individual e coletivo de um grupo de amigos que, entre 1969 e 1974, produziu oito filmes, revezando-se nas funções técnicas e artísticas. São nomes como o do falecido Sérgio Assis Brasil (um pioneiro daquele cinema), Luiz Carlos Grassi (um agitador cultural, que se tornou a principal memória daquele feito), Roberto Bisogno, Reinaldo Pedroso, que são também entrevistados desta pesquisa. Ao lado desse trabalho coletivo que rendeu diferentes propostas artísticas, há ainda a atividade solitária do realizador de animação gaúcho Joel Saldanha, cuja perícia e criatividade em superar a falta de equipamentos levou-o a criar novas técnicas de colorização e composição de cenários. Sozinho, fez mais três animações no período. Além das entrevistas e do resgate histórico sobre o processo de produção do super-8 ficcional e em animação, em Santa Maria, a pesquisa de Marilice Daronco ainda aborda a história daquele que provavelmente foi o primeiro festival de exibição de filmes da bitola nanica no Estado: o I Festival Regional do Filme Super-8, ocorrido em outubro de 1975. A história deste festival, ainda não registrado nos livros história do cinema gaúcho ou brasileiro, demonstra a importância daquela efervescência criativa na cidade. Realizado pelo DCE, da Universidade Federal de Santa Maria, ele atraiu participantes de todo o Brasil, sendo noticiado em jornais do centro do país. Nada dessa história, porém, seria lembrada se não fosse a persistência da pesquisadora que, apesar das dificuldades e dos percalços (afinal, esses sempre existem e são muitos), se interessa em jogar luz nas sombras que envolvem os eventos históricos. É por isso, e por outros motivos, que fui uma grande incentivadora da publicação deste livro, pois ele estabelece novos pontos de luz para se pensar o passado ainda nebuloso da história do cinema feito neste Estado. Ele nos permite alargar as fronteiras do Super-8 gaúcho e incluir na lista de realizadores novos nomes que antes desconhecíamos. Tenho certeza de que os leitores terão muito prazer em participar dessa aventura, feita de peripécias e vitórias. MIRIAM DE SOUZA ROSSINI Professora do Programa de Pós-graduação de Comunicação e Informação e do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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Agradecimentos
O projetor é ligado. Um barulho, que lembra o de uma moviola, toma conta da sala. O filme começa a ser exibido. Ele tem as cores dos anos 70. Qual o nome desse curta-metragem? Desta vez, não importa. O que vale é a certeza de que houve uma geração que fez cinema, nos idos dos anos 70 na cidade. É a esses realizadores que quero dedicar o meu agradecimento especial. Luiz Carlos Grassi, Roberto Bisogno, Clenio Faccin, Modesto Wielewicki (em memória), Joel Saldanha, Reinaldo Pedroso, Luiz Alberto Cassol, muito obrigada por terem ajudado a compreender o movimento do qual fizeram parte, a decifrar essas cores com as quais vocês ajudaram a pintar os anos 70. Lembro que foi em uma das aulas da Pós-Graduação em Cinema, no Centro Universitário Franciscano, ministrada pela professora Miriam de Souza Rossini, que fui “fisgada” pela história do movimento superoitista. Obrigada à Miriam, que, além de orientadora, foi uma grande inspiração, com sua paixão pela historia do cinema. Em 2002, ainda era aluna do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria quando recebi o convite do professor Rondon de Castro para participar do curta Última Trincheira. Ao Rondon, o meu agradecimento por ter feito com que me apaixonasse pela prática do cinema. Também lembro do Sérgio de Assis Brasil falando sobre como, nos anos 70, eles tinham feito produções na cidade. Eis que entro em uma da pós-graduação em Cinema do Centro Universitário Franciscano, curso criado graças ao empenho da professora Kitta Tonetto, e descubro que tenho como colega Luiz Carlos Grassi, “o cara” do Super-8 do qual o Sérgio tanto falava. Obrigada Grassi, pelo carinho durante pesquisa que deu origem a este livro. A Luiz Roese, quero agradecer o olhar atento na revisão de cada página. A Bruna Bulegon, Byron Andrew, Diego Borges e Douglas Menezes devo a dedicação e empenho no projeto gráfico e capa desta edição. E, aos cinco, a paciência e carinho que tiveram de me ouvir contar sem parar sobre as descobertas desta pesquisa. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Aos jornais Diário de Santa Maria e A Razão e à Casa de Memória Edmundo Cardoso, agradeço a disponibilização de seus acervos para a consulta. Finalmente, obrigada à Câmara de Vereadores de Santa Maria, cuja Lei do Livro possibilitou a publicação desta obra. Dedico este livro ao meu saudoso pai, à minha doce mãe, que me ensinaram a sonhar e me deram raízes para que um dia meu trabalho pudesse florescer, à minha irmã Iveti, que foi quem me levou ao cinema pela primeira vez, e à toda geração superoitista da Santa Maria dos anos 70. Para mim, vocês são super!
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“Na metade da década de 60, a película Super-8 começava a ser descoberta. Vários realizadores e apaixonados por cinema começavam a fazer os seus primeiros filmes usando o Super-8. Mas certamente foi nos anos 70 que o Super-8 ganhou grande impulso através das pequenas moviolas que transformavam os seus fotogramas em histórias. Histórias ficcionais e documentais, hoje raras, hoje únicas. E, desde então, essa película pequena e fascinante é usada e reverenciada por muitos apaixonados por cinema. A Década de 70 ganhou pelo Super-8 uma cor, uma tonalidade própria, talvez uma alma.” (SUPER-70, 2005, DE LUIZ ALBERTO CASSOL) O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Lista de ilustrações
Figura 1 Cerimônias e Festa da Igreja em S. Maria – Estado R. G. do S..................................... 58 Figura 2 Sérgio de Assis Brasil em ação nos anos 70............................................................ 65 Figura 3 Cena da peça Onde Não Houver Inimigo, Urge Criar Um........................................... 69 Figura 4 O Inimigo com Clenio Faccin e Reinaldo Pedroso.................................................. 70 Figura 5 Cena de perseguição de O Inimigo............................................................................. 71 Figura 6 Cena de O Inimigo no Morro da Antena.................................................................. 72 Figura 7 Bisogno, Chiarelli e Weigert na gravação de O Caminhãozinho............................. 75 Figura 8 A atriz Pingo, durante gravação de O Caminhãozinho............................................. 76 Figura 9 Gravações de O Caminhãozinho.................................................................................. 76 Figura 10 Claquete de O Herói, de Pedro Freire Júnior........................................................... 77
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Figura 11 Roberto Bisogno filmando em Super-8................................................................... 79 Figura 12 Cena de O Velório do Vicente Silveira.......................................................................... 82 Figura 13 O cantor Cerejinha em O Velório do Vicente Silveira................................................ 82 Figura 14 Luiz Carlos Grassi em O Velório do Vicente Silveira................................................. 83 Figura 15 Clenio Faccin em O Velório do Vicente Silveira.......................................................... 83 Figura 16 Figurantes de O Velório do Vicente Silveira................................................................. 84 Figura 17 Paulo Roberto Pithan, câmera de O Velório do Vicente Silveira.............................. 85 Figura 18 Modesto Wielewicki posando para reportagem na década de 70........................ 86 Figura 19 Marca que Joel Saldanha usava na apresentação de seus filmes........................... 88 Figura 20 Saldanha fazendo um desenho em acetato............................................................. 89 Figura 21 Estiva criada por Saldanha para filmar quadro a quadro...................................... 89 Figura 22 Cenário vazado criado por Joel Saldanha................................................................ 90 Figura 23 Exemplo de cenário sobreposto criado por Joel Saldanha................................... 91 Figura 24 Cenário desenhado por Joel Saldanha com tinta têmpera.................................... 91
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Figura 25 Joel Saldanha pintando os cenários.......................................................................... 92 Figura 26 A abertura de Miados & Ronrons, com os Miautralhas........................................... 93 Figura 27 Um dos acetatos que empenaram............................................................................. 94 Figura 28 Anúncio da loja Beltracolor....................................................................................... 99 Figura 29 Anúncio da loja Imperial.......................................................................................... 100 Figura 30 Público do I Festival Regional do Filme Super 8................................................. 102 Figura 31 Cena de O Velório do Vicente Silveira........................................................................ 102
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Sumário
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 27 2 A HISTÓRIA ORAL EM CENA....................................................................... 31 2.1 A oralidade como método de pesquisa............................................ 31 2.2 Contando histórias.............................................................................. 36 2.3 Os esconderijos da memória............................................................. 39 3 O SUPER-8 NO BRASIL..................................................................................... 43 3.1 O contexto histórico.......................................................................... 43 3.2 Experiências nordestinas................................................................... 47 3.3 Experiências sulinas............................................................................ 52 3.4 O fim do super-8................................................................................. 59 4 AS CORES DE UMA GERAÇÃO..................................................................... 63 4.1 Sérgio de Assis Brasil, um pioneiro.................................................. 63 4.2 Dos palcos para as telas..................................................................... 67 4.3 Um por todos, todos por um............................................................ 73 4.4 As animações de Joel Saldanha......................................................... 87 4.5 Assim nasceu um festival................................................................... 95
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 105 REFERÊNCIAS....................................................................................................... 111 APÊNDICES............................................................................................................ 119 Linha do tempo do Super-8 no Brasil.................................................. 121 Fichas técnicas dos filmes Super-8....................................................... 127 Transcrição das entrevistas.................................................................... 137 ANEXOS................................................................................................................... 189
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1 INTRODUÇÃO Hoje, elas estão esquecidas no fundo das gavetas, emboloradas pelo mofo e, geralmente, são vistas como objetos obsoletos diante do avanço tecnológico. Situação bem diferente de quando as filmadoras Super-8 foram lançadas pela Kodak em 1965. Naquela época, elas causaram uma revolução na forma de fazer e pensar o cinema. A chamada “bitola nanica” barateou os custos de produção e tornou mais prático usar uma filmadora. Isso fez com que pessoas que antes não tinham condições de produzir seus filmes, fossem eles registros familiares ou ficcionais, aderissem ao Super-8. Os apaixonados por cinema começaram a fazer os seus primeiros filmes e a registrar cenas cotidianas. A produção foi tamanha que ganhou um nome próprio: Movimento Super-8. No Brasil, diferentes Estados tiveram os seus expoentes. Desde a década de 1990, algumas pesquisas têm tentado resgatar a história dos superoitistas. Entre elas, ganham destaque as realizadas por Flávia Seligman, em 1990, em relação ao Super-8 no Rio Grande do Sul; por Alexandre Figueirôa, em 1994, a respeito do movimento em Pernambuco; por Frederico Osanan Amorin Lima, em 2006, em Teresina; e por Izabel de Fátima Cruz Melo, na Bahia, em 2009. Nenhuma delas faz referência ao Movimento Super-8 de Santa Maria. No Rio Grande do Sul, a exemplo do que ocorreu no restante do Brasil, o movimento superoitista encontrou muitos adeptos. Em 1968, o cineasta Sérgio Silva rodou o filme Sem Tradição, Sem Família, Sem Propriedade, um dos primeiros realizados na capital gaúcha com a preocupação artística, levando em conta história, enredo, cenário, cenografia e figurino. Aos poucos, a geração Super-8 fez surgir ciclos de cinema em média e longa-metragem e o movimento transformou-se em uma verdadeira escola sobre a prática do cinema, na qual surgiram nomes como Nelson Nadotti, Tuio Becker, Carlos Gerbase, Giba Assis Brasil e Hélio Alvarez.
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No interior do Estado, não foi diferente. Em Santa Maria, os realizadores se renderam às cores quentes e à imagem com uma elegante granulação, trazidas pelas câmeras Super-8. Porém, com a chegada do sistema VHS, na década de 1980, as produções santa-marienses na bitola nanica pararam. Os cineastas acabaram aderindo à nova tecnologia ou, em alguns casos, colocaram um ponto final em suas produções. Apesar de terem sido realizados pelo menos 11 filmes na cidade nos anos 1970, o movimento superoitista santa-mariense não aparece nos livros que tratam do cinema no Rio Grande do Sul. Exemplo disso é uma das obras de referência no estudo do tema, Cinema no Rio Grande do Sul, organizado por Tuio Becker, em 1995. No livro, são mencionados apenas os filmes Super-8 feitos em Porto Alegre. Devido à falta de estudos, parte do material e, também, das histórias do movimento superoitista em Santa Maria está se perdendo. Com exceção do documentário Super-70, dirigido por Luiz Alberto Cassol, em 2005, não há trabalhos que se preocupem em recuperar a memória superoitista santa-mariense. Utilizando as ferramentas da história oral, esta pesquisa pretende servir de documento para trazer à tona as memórias do Super-8 na cidade e suas contribuições para o cinema local, a fim de que essa história não se perca e para que passe a integrar os anais do cinema gaúcho. O modelo teórico-metodológico que se adotou tem natureza qualitativa em relação à história, entrevistas e personagens do cenário do movimento Super-8 em Santa Maria, e tem como base metodológica a História Oral, através da entrevista narrativa, a coleta de dados, além da pesquisa bibliográfica. Segundo Gaskell (2011), a pesquisa qualitativa permite a compreensão minuciosa das motivações, atitudes, valores, e crenças dos sujeitos pesquisados: O emprego da entrevista qualitativa para mapear e compreender o mundo da vida dos respondentes é o ponto de entrada para o cientista social que introduz, então, esquemas interpretativos para compreender as narrativas dos atores em termos mais conceptuais e abstratos [....] (BAUER; GASKELL, 2011, p. 65). Por meio deste estudo ganha visibilidade o movimento Super-8 em Santa Maria a partir dos dados referenciados pelos entrevistados. Esta pesquisa apoia-se na História Oral Temática. Não pretendemos contar a história de vida dos entrevistados, mas, sim, partes de suas vidas, naquilo em que elas se encontram com o contexto da pesquisa. A técnica do questionário utilizada neste trabalho constitui-se em perguntas abertas, de acordo com o modelo narrativo e episódico que, como estabelece Gaskell, se baseia em diversos pressupostos teóricos para coletar informações dentro das ciências 28
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sociais. A partir de uma situação inicial esboçada, criou-se a oportunidade para que o entrevistado apresentasse uma progressão coerente sobre seu envolvimento com o tema, tendo a oportunidade de desenvolver a sua narrativa sem muita interferências, com uma condução natural do pesquisador. Rubens Machado Jr., curador do Panorama do Super 8 Cinema e Vídeo, projeto do Itaú Cultural que resgata a memória do Super-8 no Brasil, lamenta que “mesmo sobre os filmes de maior repercussão produzidos nesta bitola, pouquíssimas e breves linhas de caráter crítico foram escritas até hoje”.1 Em busca dessas memórias perdidas, foram realizadas entrevistas com pessoas que atuaram em diferentes funções nas produções cinematográficas superoitistas de Santa Maria, desde a atuação até a direção e distribuição dos filmes. O critério de escolha dos entrevistados levou em conta a participação deles em produções locais, a execução de múltiplas tarefas nos filmes e a especialização que tiveram em algumas dessas tarefas, como a direção e a criação de roteiros. Os escolhidos para o universo de pesquisa foram Luiz Carlos Grassi, Modesto Wielewicki e Clenio Faccin, que dirigiram filmes na bitola Super-8, Luiz Alberto Cassol, que resgatou a memória do Super-8 no documentário Super 70, Roberto Bisogno, que foi câmera em filmes dos anos 70, Reinaldo Pedroso, que foi ator, e Joel Saldanha, realizador de desenhos animados em Super-8. Por meio do depoimento deles, também foram sendo recuperadas informações sobre a história das produções de Sérgio de Assis Brasil e Pedro Freire Junior. Além das entrevistas, foi realizada uma pesquisa documental no acervo dos jornais Diário de Santa Maria, Zero Hora e A Razão, no Arquivo Público Municipal de Santa Maria, nos arquivos particulares, na Casa de Memória Edmundo Cardoso e em livros e monografias que tratam da história do cinema no Rio Grande do Sul. A monografia que deu origem a este livro foi estruturada em três capítulos. O primeiro trata da História Oral, da narrativa e da memória, que são conceitos norteadores deste trabalho. No segundo, é traçado um panorama do movimento Super-8 no Brasil e contextualiza-se a produção cinematográfica em Santa Maria. O terceiro mostra o desenvolvimento do Super-8 na cidade e como surgiu o I Festival Regional do Filme Super-8. Alguns dos realizadores superoitistas já morreram. Outros saíram da cidade. Jornais de época já não existem mais, filmes criaram mofo e estão corroídos. É urgente um estudo que recupere essas memórias, antes que ainda mais informações se percam. Só assim, o Super-8 em Santa Maria poderá ter não só um final feliz, mas também o direito a um capítulo na história do cinema gaúcho.
1 JR. MACHADO, Rubens. A marginália 70 e o cinema experimental. Panorama do Super 8. Cinema e Vídeo, disponível em: <http://www.itaucultural.org.br>. Acesso em: 15 de junho de 2012. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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2 A HISTÓRIA ORAL EM CENA Neste primeiro capítulo, a partir de Bauer e Gaskell (2011) e Ferreira e Amado (2005), pretende-se compreender a metodologia que guiou a pesquisa, conceituar história oral e seu principal instrumento: a entrevista narrativa. Para isso, parte-se do desenvolvimento da história oral e das implicações que ela desencadeou no universo das pesquisas científicas e os seus principais desafios. Por fim, explica-se o fundamento da entrevista narrativa e a sua importância para a recuperação de memórias.
2.1 A oralidade como método de pesquisa Resgatar as histórias por meio de depoimentos de quem as viveu, explorando a memória dos entrevistados, e guardando registros dessas entrevistas. Hoje, passados mais de 60 anos dos primeiros estudos organizados envolvendo a história oral, isso pode parecer algo muito natural, mas, na verdade, tais pesquisas levaram décadas para conseguirem se consolidar e, ainda hoje, causam discussões entre os pesquisadores. A maioria se deve ao fato de a história oral depender da memória individual, que pode ser falha ou fantasiosa, e precisar de métodos adequados para ser eficaz. A origem da história oral remete ao hábito dos seres humanos de transmitirem suas tradições por meio da oralidade. O costume de contar histórias e perpetuar a cultura de cada povo, que passa de pai para filho, já existia antes mesmo da invenção da escrita. Foi só depois da Segunda Guerra Mundial, mais precisamente em 1948, nos Estados Unidos, que aconteceu a primeira experiência que entendeu a história oral como pesquisa científica. Naquela época, o professor Allan Nevis começou a pesquisar a história de vida de norte-americanos famosos. O historiaO NOSSO CINEMA ERA SUPER
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dor e jornalista coletou uma série de depoimentos com o uso de um gravador para um programa de entrevistas. Ele motivou o que ficou conhecido como o primeiro ciclo de expansão da história oral nos Estados Unidos e oficializou o The Oral History Project, na Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Essa primeira geração ligada à história oral teve como principal feito reunir materiais que mais tarde serviram de fonte para pesquisas de historiadores que começaram seus trabalhos anos mais tarde. Naquela época, os estudos acabaram se dedicando à história das elites e foi por meio dele que começaram a ser preenchidas as lacunas do registro escrito, usando para isso depoimentos documentados com gravador e arquivos com fitas transcritas. Desde então, diferentes questões têm sido levantadas sobre esse tipo de estudo e, cada vez mais, ele tem sido inserido nas pesquisas da área de ciências sociais como meio de resgate histórico das elites e da sociedade em geral. É verdade que a história oral conquistou o meio acadêmico, mas, ela também serviu aos movimentos sociais que viram nela uma forma de contar e resgatar a história dos excluídos e, com isso, também as suas. Tal retrato das camadas marginalizadas fez com que as pesquisas ficassem conhecidas como “a história vista por baixo”. Com o passar do tempo, percebeu-se a importância da história oral para perpetuar aquilo que, se não fosse documentado, perder-se-ia no tempo. A passos lentos, as pesquisas orais foram ganhando adeptos fora dos Estados Unidos e, hoje, contam com programas não só em solo norte-americano, mas também em locais como a Itália, a França, a Alemanha, a Grã-Bretanha e o Canadá. Em cada país, devido às distintas tradições historiográficas, a história oral adquiriu características próprias e viveu diferentes fases ou momentos. Na Itália, por exemplo, ela foi usada para recuperar a cultura popular, enquanto no México os arquivos orais foram apropriados para registrar as memórias e recordações dos chefes da revolução. A partir da década de 1970, ocorreram mudanças importantes nos campos da pesquisa histórica. As experiências individuais e as análises qualitativas começaram a ganhar espaço porque a história passou a ser vista não só como resgate do tempo passado mais remoto. O interesse dos historiadores pela memória ganhou impulso, fazendo nascer uma nova percepção do passado. Deixava-se de levar em conta apenas a hegemonia da história política e passava-se a estudar as afinidades que existem entre presente, passado e memória. No Brasil, o Museu da Imagem e do Som de São Paulo realizou a primeira experiência oficial usando a história oral no país, em 1971. Por meio do projeto, foram arquivados depoimentos importantes como o do compositor Donga, autor daquele que é considerado o primeiro samba da história. É importante ressaltar que, naquela época, o país vivia a ditadura e que, por conta disso, não havia 32
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um estímulo ao resgate de todas as histórias, afinal, para o governo, nem todas elas mereciam ou podiam ser contadas. O interesse começa a crescer a partir de 1975, quando acontecem cursos ministrados por especialistas norte-americanos e mexicanos patrocinados pela Fundação Getúlio Vargas. Embora o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas tenha iniciado suas atividades, em 1975, o Programa de História Oral, pioneiro no Brasil, em vigor até hoje, foi introduzido só em 1983, com a abertura política. Foi a partir de então que a história oral passou a ser usada como metodologia de pesquisa no País. O CPDOC classifica a história oral como uma metodologia de pesquisa que consiste em realizar entrevistas gravadas com pessoas que “podem testemunhar sobre acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida ou outros aspectos da história contemporânea”2. Foi assim que as pesquisas orais possibilitaram a recuperação das memórias não só das classes dominantes, mas também de pessoas e grupos que, até então, não tinham voz. Isso se torna possível porque a história oral centra-se na memória humana e na sua capacidade de rememorar o passado, conforme apontam Amado e Ferreira: Em nosso entender, a história oral, como todas as metodologias, apenas estabelece e ordena procedimentos de trabalho – tais como os diversos tipos de entrevistas e as implicações de cada um deles para a pesquisa, as várias possibilidades de transcrição de depoimentos, suas vantagens e desvantagens, as diferentes maneiras de o historiador relacionar-se com seus entrevistados e as influências disso sobre seu trabalho – funcionando como ponte entre teoria e prática (AMADO; FERREIRA, 2006, p. xvi). Foi preciso que se passassem duas décadas até que os estudos envolvendo a história oral tivessem um crescimento mais significativo. Ferreira e Amado (2006) acreditam que a criação da Associação Brasileira de História Oral, em 1994, a publicação de seu Boletim e a apresentação dos acervos de depoimentos orais já acumulados tenham estimulado a discussão entre pesquisadores e praticantes da história oral em todo o país:
2 O que é História Oral. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/acervo/historiaoral. Aces-
so em: 18 de agosto de 2012.
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Com a evolução da disciplina, no decorrer do século XX, reavivou-se o interesse pela testemunha ocular, cujas potencialidades descritivas, narrativas e mesmo explicativas na escrita da história foram reconhecidas. Entretanto, já não bastava que essa testemunha fosse digna de fé. Era preciso que sua mensagem fosse acessível a todos e que a comunidade científica pudesse usá-la como prova. (AMADO; FERREIRA, 2006, p.35) Com o passar dos anos, os historiadores orais criaram novos métodos de análise e de entrevista que, aos poucos, foram fundamentando um entendimento mais complexo da memória e da identidade: Procuramos explorar as relações entre reminiscências individuais e coletivas, entre memória e identidade, ou entre entrevistador e entrevistado. De fato, frequentemente estamos tão interessados na natureza e nos processos de rememoração quanto no conteúdo das memórias que registramos. (AMADO; FERREIRA, 2006, p.69) A diversidade de práticas e métodos fez com que surgissem muitas discussões sobre os procedimentos que envolvem a história oral e a própria classificação das pesquisas que são feitas com o seu uso. Ferreira e Amado (2006) afirmam que, em geral, os estudiosos da área, remetem a história oral a três dimensões: a técnica, a teórica e a metodológica. A primeira a entende como um cruzamento da tecnologia do século 20, com a possibilidade de gravação de entrevistas, com a curiosidade do ser humano. Ela diz respeito às experiências com gravações, transcrição e conservação de entrevistas, bem como os equipamentos e programas usados para isso. De acordo com Ferreira e Amado, entre os defensores desta linha estão pessoas que usam a história oral para o atendimento de suas necessidades específicas de pesquisa ou deveres profissionais, como a conservação de acervos, e aqueles pesquisadores que concebem a história oral como uma técnica sem qualquer pretensão metodológica ou teórica. Para William Roger, a história oral não passa de um conjunto de procedimentos técnicos para a utilização do gravador em pesquisa e para posterior conservação das fitas. Para justificar sua posição, o autor alega que ela não possui bases filosóficas da teoria, nem os artifícios que podem ser considerados como metodológicos (ROGER, 1986, apud AMADO; FERREIRA, 2006). A segunda percebe a história oral com status de disciplina. Ela constituiria um corpus teórico distinto, relacionado às suas práticas. Os pesquisadores que postulam essa concepção partem da ideia de que ela inaugurou técnicas específicas de pesquisa, procedimentos 34
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metodológicos singulares e um conjunto próprio de conceitos, os quais conferem unidade ao novo campo do conhecimento, como apontam Amado e Ferreira: Eles reconhecem nela uma área de estudo com objeto próprio e capacidade (como fazem todas as disciplinas) de gerar no seu interior soluções teóricas para as questões surgidas na prática – no caso específico, questões como as imbricações entre história e memória, entre sujeito e objeto de estudo, entre história de vida, biografia e autobiografia, entre diversas apropriações sociais do discurso. (AMADO; FERREIRA, 2006, p. xvi) Entre os fundamentos da disciplina, estariam: a) o testemunho oral como núcleo de investigação e não como acessório; b) o esclarecimento de trajetórias individuais, eventos e processos que não podem ser elucidados de outra forma; c) a geração de entrevistas, que são resultado do diálogo entre entrevistador e entrevistado, com caráter documental; d) o apoio em pontos de vista individuais, incorporando elementos como a subjetividade, as emoções e o cotidiano; e) a memória norteando as reflexões históricas, acarretando desdobramentos teóricos e metodológicos; f) a pluralidade, uma vez que ela é usada tanto por trabalhos acadêmicos quanto por não acadêmicos que têm a intenção de recuperar e construir suas próprias memórias ou de grupos e comunidades; g) e o uso da narrativa como forma de construção e organização do discurso. O terceiro status é o que coloca a história oral como qualquer outra metodologia, no papel de estabelecer e ordenar procedimentos de trabalho, “funcionando como uma ponte entre teoria e prática” (FERREIRA; AMADO, 2006, p. xvi). Ferreira e Amado acreditam ser necessária essa distinção em relação à disciplina porque ela formula as perguntas, mas não é capaz de, por si própria, oferecer as respostas, ou seja, ela suscita, mas não soluciona as questões. Cabe ao pesquisador, lançar mão de disciplinas como a história, a filosofia e a teoria psicanalítica. Para os dois autores, “as soluções e explicações devem ser buscadas onde sempre estiveram: na boa e antiga teoria da história. Aí se agrupam conceitos capazes de pensar abstratamente os problemas metodológicos gerados pelo fazer histórico” (FERREIRA; AMADO, 2006, p. xvi). Independentemente das divergências entre as versões existentes sobre a história oral, o mais importante é que, cada vez mais, ela conquista seu espaço no campo de pesquisa e serve de instrumento para estudos que levam em conta as histórias contadas por quem as viveu. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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2.2 CONTANDO HISTÓRIAS Um dos principais alicerces da história oral é a entrevista narrativa. Afinal, um acontecimento ou uma situação vivida pelo entrevistado precisa ser narrado por ele. Levando-se em conta que, ao contar a história, a pessoa já faz uma série de seleções de acontecimentos e lembranças, Bauer e Gaskell (2011) acreditam que “o estudo de narrativas alcançou uma nova importância nos últimos anos”, o que os autores classificam como um renovado interesse por um tópico antigo, já que a temática existe desde a Poética de Aristóteles. Os autores reafirmam o que já defendia Roland Barthes: que “não há experiência humana que não possa ser expressa na forma de uma narrativa”, por isso explicam: Através das narrativas, as pessoas lembram o que aconteceu, colocam a experiência em uma sequência, encontram possíveis explicações para isso e jogam com a cadeia de acontecimentos que constroem a vida individual e social. Contar histórias implica estados intencionais que avaliam, ou ao menos tornam familiares acontecimentos e sentimentos que confrontam a vida cotidiana normal. (BAUER; GASKELL, 2011 p. 91) Segundo os autores, a entrevista narrativa recebe seu nome do latim “narrare”, que significa relatar, contar. Ela “encoraja e estimula os entrevistados a contar a história sobre algum acontecimento importante de sua vida e do contexto social” (BAUER; GASKELL, 2011, p.93). Apesar de o estudo das narrativas ter ganho uma nova importância nos últimos anos, ele desperta interesse há muito tempo: é na Poética de Aristóteles (provavelmente registrada entre os anos 335 a.C. e 323 a.C) que está a origem do interesse pela narrativa. Aos poucos, ela fez despertar a noção de que era um método importante de pesquisa para as ciências sociais. Já a entrevista narrativa, “é uma técnica específica de coleta de dados” (BAUER; GASKELL, 2011, p.90). De acordo com os autores, este tipo de técnica serve para reconstruir acontecimentos sociais e investigar representações a partir da perspectiva do informante. O esquema substitui o de pergunta-resposta e deixa o entrevistado mais encorajado e estimulado. Para o ato de contar histórias, Bauer e Gaskell traçam um esquema autogerador, que conta com três tópicos: primeiro há a necessidade de a fonte passar informação detalhada para o pesquisador, a fim de conseguir dar conta da transição entre um acontecimento e outro; segundo estabelece-se a fixação de 36
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relevância, quando o contador de história narra os acontecimentos relevantes de acordo com sua perspectiva, e, por fim, conclui-se com a necessidade da narrativa ter começo meio e fim para que a história possa fluir. Assim, A entrevista narrativa consiste em uma série de regras sobre: como ativar o esquema da história; como provocar narrações dos informantes; e como, uma vez começada a narrativa, conservar a narração andando através da mobilização do esquema autogerador. A história se desenvolve a partir de acontecimentos reais, uma expectativa do público e as manipulações formais dentro do ambiente. (BAUER; GASKELL, 2011, p.96) No caso do cinema no Rio Grande do Sul, este tipo de entrevista já ajudou a resgatar histórias como a de Vitor Mateus Teixeira, o Teixeirinha, quando a pesquisadora Miriam de Souza Rossini, diante da inexistência de bibliografia anterior, foi a campo não só em busca de jornais e revistas, mas também de pessoas que pudessem falar sobre o cantor e seus filmes. Na época da pesquisa, mesmo Teixeirinha tendo produzido praticamente a metade dos filmes rodados entre 1966 e 1981, no Rio Grande do Sul, seu trabalho não tinha sido estudado. Para o meio acadêmico, não se pode dizer nem mesmo que a pergunta “quem era Teixeirinha?” permanecia sem resposta, afinal ela sequer tinha sido feita até então: No início, conversei com várias pessoas que trabalharam na produção dos filmes – incluindo o diretor Pereira Dias, que pouco mais tarde faleceu; depois concentrei a atenção em apenas três participantes: a cantora e atriz Mary Teresinha, o diretor Milton Barragan e o produtor Vitor Teixeira Filho, pois foram eles os que mais de perto participaram da realização dos filmes. (ROSSINI, 1996, p.13) A exemplo do que aconteceu com a história de Teixeirinha, não há bibliografia sobre Super-8 em Santa Maria. Essa lacuna histórica prejudica a compreensão do cinema da cidade, já que o movimento acabou por influenciar cineastas que, anos mais tarde, voltaram à ativa, como é o caso de Sérgio de Assis Brasil, diretor de Manhã Transfigurada (2009), o primeiro longa-metragem rodado na cidade por uma equipe local. Da mesma forma, a inexistência oficial do trabalho O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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dos superoitistas santa-marienses interfere no relato da história do cinema gaúcho. Seligman, que se dedicou ao estudo do Super-8 em Porto Alegre, relata que os primeiros grupos organizados do movimento surgiram na capital em 1976. Já em Santa Maria, há relatos de filmes produzidos de forma semelhante em 1971. Tuio Becker (1995), que organizou uma das principais publicações sobre a história do cinema gaúcho, aborda desde a chegada do cinematógrafo ao Estado, passando pelos primeiros documentários e registros familiares. No entanto, não traz dados sobre o cinema em Santa Maria. Gutfreind e Gerbase (2009) trazem a história do cinema em Pelotas, cidade onde foi gravado o filme que é considerado precursor do cinema gaúcho, além de produções de Eduardo Hirtz. No livro, Santa Maria ganha espaço, mas apenas como local de exibição de filmes. Apesar de não tratarem do cinema santa-mariense, os autores falam de uma problemática que parece comum à produção local, estadual e nacional: “precisava provar que o cinema brasileiro tinha um passado, que ele não recomeçava do zero a cada novo filme, que o Brasil tinha uma tradição cinematográfica” (PÓVOAS, 2009, p. 40). Para que se possa resgatar essas memórias e, consequentemente, a história de períodos como o da produção superoitista em Santa Maria, que estão perdidos no tempo, a entrevista narrativa é uma das ferramentas mais importantes, já que os registros bibliográficos são escassos e os documentos cada vez mais raros. A memória, cujo conceito está ligado ao saber e conhecer a si e ao grupo é um processo ativo de construção de lembranças, e a narrativa busca informações na memória, da mesma forma que a memória é formada por narrativas. O caráter ativo da memória faz com que o ser humano seja, ao mesmo tempo, produtor e produto da cultura já que ela acarreta uma representação seletiva do passado, a qual nunca é a do indivíduo, mas deste inserido num contexto social. A aplicação da entrevista narrativa segue fases distintas: a) a preparação, que consiste em criar familiaridade com o campo de estudo; b) a iniciação, na qual são dadas as orientações para o entrevistado (utilização de um tópico inicial, permissão para gravar); c) a narração central, início da narração dos fatos, que não poderá ser interrompida pelo entrevistador, pois se restringe a uma escuta atenta; d) fase de questionamento é a fase em que o entrevistador inicia as perguntas para que possa completar as lacunas da história; e) e fase conclusiva, que é o momento de se obter informações adicionais quando se encerra a entrevista e surgem discussões interessantes na forma de comentários informais. Esse critério adotado para a condução da entrevista narrativa auxilia no sentido de estabelecer um fluxo de comunicação entre entrevistador e entrevistado e, ainda, permitir que quem faz a entrevista possa ouvir atentamente o depoi38
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mento. Assim, se torna mais fácil perceber possíveis lacunas que existem tanto por conta da passagem dos anos quanto por possíveis esconderijos nos quais determinadas lembranças podem ficar guardadas, necessitando de mecanismos que as acionem para virem à tona.
2.3 OS ESCONDERIJOS DA MEMÓRIA Os estudos de história oral e seu principal instrumento, a entrevista narrativa, levam em conta que a memória, em síntese, é a presença do passado. Assim, poder-se-ia pensar que acontecimentos mais recentes, como as revoluções, as guerras mundiais ou, no caso em estudo, o Movimento Super-8, não fazem parte do campo de estudo da história oral. Durante muito tempo pensou-se assim, porém, hoje, a visão é outra: A memória, para prolongar essa definição lapidar, é uma reconstrução psíquica e intelectual que acarreta de fato uma representação seletiva do passado, um passado que nunca é aquele do indivíduo somente, mas de um indivíduo inserido num contexto familiar, social, nacional. (AMADO; FERREIRA, 2006, p.94) É importante dizer que a memória não pode ser subestimada e considerada apenas um ato parcial, isolado e limitado de lembrar fatos do passado. Conforme já analisaram estudiosos como Maurice Halbwachs, Marieta de Moraes Ferreira e Janaína Amado, ela está intimamente ligada às mudanças culturais e ao contexto no qual se insere cada indivíduo. Ou seja, a memória é uma construção que passa por um referencial, que é o sujeito, o qual encontra-se relacionado às percepções produzidas pela memória coletiva e pela memória histórica. Assim, a memória individual existe a partir da coletiva e representa um ponto de vista dos fatos. A convivência em diferentes grupos, desde a infância, seria a base da formação da memória pessoal. Como o processo de participação em grupos, o contato com a memória coletiva e a construção das lembranças não são estáticos, estão sempre em evolução, a lembrança e o esquecimento fazem parte deste processo. Isso implica na necessidade de ouvir diferentes pessoas e confrontar dados coletados por meio da história oral com materiais de pesquisa distintos, para se ter dados suficientemente plurais e não ligados apenas à memória afetiva de um indivíduo. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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O ponto fundamental que unifica as preocupações daqueles que se dedicam ao estudo das elites e dos que se voltam para o estudo dos excluídos é garantir a veracidade e a maior objetividade possível aos depoimentos orais. Não se evidencia uma discussão mais aprofun¬dada sobre as implicações do uso da noção de memória. Em muitos casos, a noção de memória é apresentada como algo estável e congelado no pas¬sado a ser buscado pelo pesquisador. Para atingir esses esconderijos da memória, o pesquisador precisa elaborar roteiros de entrevistas consis¬tentes, de maneira a controlar o depoimento, fornecendo pistas que possam despertar as lembranças dos entrevistados. Além disso, é preciso usar outras fontes, de forma a reunir elementos que possam oferecer a contraprova e excluir as distorções trazidas pelos depoimentos. A professora de psicologia da Universidade de São Paulo Ecléa Bosi desenvolveu uma pesquisa, que resultou no livro Memória e Sociedade: Lembrança de Velhos. Nele, a pesquisadora resgata as narrativas de pessoas simples que ajudam, por meio de suas lembranças, a recuperar a história da formação de São Paulo. Ela destaca o papel da memória como um diamante bruto que precisa ser lapidado pelo espírito. “Sem o trabalho da reflexão e da localização, seria uma imagem fugidia. O sentimento também precisa acompanhá-la para que ela não seja uma repetição do estado antigo, mas uma reaparição” (BOSI, 2001, p.21). Esta pesquisa procura ir em busca do que propõe Bosi e lapidar memórias, buscar histórias que são como diamantes brutos e, por meio delas, resgatar a história do Movimento Super-8.
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3 O SUPER-8 NO BRASIL Este capítulo apresenta o surgimento da bitola nanica e de que forma ela se espalhou por diferentes partes do Brasil ao longo dos anos 70. Ele está organizado em quatro subcapítulos, que contextualizam desde como se estruturaram os principais festivais até que cidades tiveram destaque na produção de filmes em super-8. Esta contextualização parte dos seguintes autores: Paulo Sá Vieira (1984), Flávia Seligman (1990), Alexandre Figueirôa (1994), Tuio Becker (1995), Luiz Carlos Merten (2002), Macos Pierry Pereira da Cruz (2005), Izabel de Fátima Cruz Melo (2006), Frederico Osanam Amorim Lima (2006) e Cristiane Gutfreind e Carlos Gerbase (2009). .
3.1 O CONTEXTO HISTÓRICO Neste exato momento, o tempo está corroendo os fotogramas que um dia foram usados por uma geração de cineastas para expressar a sua visão do mundo. Não se sabe ao certo quantos filmes os superoitistas produziram no Brasil, menos ainda quantos sobreviveram às últimas décadas. O certo é que o Super-8 proporcionou a primeira grande democratização da imagem em movimento. A bitola foi lançada nos Estados Unidos pela Eastman Kodak Company em 1965, para ser usada por amadores em registros caseiros. Ela caiu no gosto de cineastas por trazer uma tecnologia mais avançada e barata que a bitola 8 mm. A redução do tamanho das perfurações do filme permitiu uma maior superfície útil. Além disso, ele era colocado em um cartucho, o que facilitava a sua entrada no equipamento e havia inovações nas câmeras, como regulagem automática do diafragma e foco variável. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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A bitola Super-8 chega ao Brasil em meados da década de 1960, tendo em Abrão Berman um de seus principais entusiastas e divulgadores. Em conjunto com a publicitária Maria Luísa Alencar, ele criou na cidade de São Paulo, em julho de 1972, o Grupo de Realizadores Independentes de Filmes Experimentais (Grife). Entre os objetivos do grupo estavam, inicialmente, incentivar a produção de filmes culturais, didáticos, recreativos e artísticos em Super-8. Mais tarde, como ocorreu com outros grupos, os participantes do Grife quiseram aprender mais sobre as técnicas do cinema: A criação do Grife foi um fator decisivo para revelar cineastas de talento, escondidos atrás de profissionais liberais ou estudantes. Para eles, fazer cinema deixou de ser um privilégio mítico de poucos. Encontraram no Super-8 um instrumento acessível, de utilização simples e resultados imediatos, com qualidade inteiramente satisfatória e tecnologia cada dia mais aperfeiçoada (BERMAN apud BAU, 1972, p. 6) O Super Festival Nacional do Filme Super-8 ou, como ficou conhecido, o Festival do Grife, realizado entre 1973 e 1983, foi uma grande vitrine do Super-8 no país e ajudou a mostrar o trabalho de cineastas de diferentes estados. O primeiro evento do grupo surgiu quando essa tecnologia começava a se firmar como a principal bitola alternativa. Desde o início, o festival mostrou que tinha potencial para atrair o público, as suas sessões, no Teatro São Pedro, em São Paulo, costumavam ficar lotadas. As pessoas começaram a descobrir que além de assistir as produções, elas podiam criar os seus próprios filmes, conforme explica Berman: Todo mundo havia descoberto que, através do Super-8, também poderia se tornar cineasta. E realizar seus sonhos, impondo as suas ideias, através de imagens, descobrindo um pouco do seu “eu” para si próprio e para os outros. Sem os grandes compromissos do cinema industrial. (BERMAN, apud PIPER, 1972, p. 7) Para entender o momento em que o Movimento do Super-8 surge, é interessante pensar o cinema daquela época, que misturava várias práticas e heranças culturais. Por um lado, vivia-se o rescaldo dos movimentos cinematográficos dos anos 60 (o Cinema Novo e o Cinema Marginal), que, segundo Ismail Xavier, atu44
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alizaram o cinema brasileiro com as práticas do cinema moderno europeu. Por outro lado, mantinha-se acesa a produção de cunho popular (seja no já citado cinema de Teixeirinha ou de Mazzaroppi, seja na produção infanto-juvenil de Os Trapalhões, além de inúmeras comédias). Filmes eróticos também ganharam as telas a partir das Pornochanchadas. Outro marco dos anos 70 foi a importância que a Embrafilme alcançou, como produtora e distribuidora de filmes brasileiros, fazendo com que muitas pessoas começassem a se interessar pela produção audiovisual cinematográfica no País. Esta variedade de filmes, porém, não estava atenta a uma mudança social significativa: o surgimento enquanto grupo dos jovens, que passaram a buscar formas de expressão que falassem de suas angústias e não só dos problemas da nação. No entanto, em meio a uma ditadura civil-militar que já durava quase uma década, era preciso encontrar formas de driblar a censura, que cerceava todas as formas de expressão. Essa contextualização histórica é importante para que se perceba que, em muitos lugares, o Super-8 serviu de ferramenta para driblar o controle exercido pelo governo. A bitola nanica era a saída perfeita para uma juventude que estava em busca de liberdade de expressão. A possibilidade de encontrar os filmes e as câmeras nas principais lojas especializadas também era um fator motivador, como dizia o poeta e superoitista Torquato Neto em uma de suas colunas, em outubro de 1971: É claro que você pode “fazer cinema” por aqui [...] experimente, aperte o dedo, invente como queira, dê uma chance ao teu olho, futuque, descubra, transe em superoito. É muito quente e muito frio, só depende mesmo de você. Olhem bem, acerte o foco e dispare. Dá excelentes resultados. Dá filmes que não passam nos cinemas. Dá muita liberdade, amigo. Você gosta? Use. Abuse (NETO, 2004, p. 267). Não era mais tão caro fazer filmes. Isso incentivou muita gente a mostrar por meio das câmeras a sua visão de mundo: Foi bonito imaginar que poderíamos inventar e reinventar a vida e o cinema através das lentes juvenis e insubmissas do Super-8. Foi bonito pensar que em cada fotograma havia o compromisso de exprimir o inconformismo estético, cultural, político e até sentimental. (STEPPLE, apud FIGUEIRÔA, 1994, p.13) O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Rubens Machado Jr (2001) observa que parte dos realizadores brasileiros que aderiram ao movimento superoitista estava influenciada pela corrente artística Nouvelle Vague, surgida na França, nos anos 60. Os cineastas dessa escola francesa, para representarem suas ideias, utilizaram câmeras portáteis e equipes pequenas, além de cortes secos, narrativas descontínuas e referências à literatura e à cinematografia. É claro que nem todos os envolvidos com o movimento Super-8 estavam em busca de contestação do regime vigente. Se em cidades como Teresina o movimento superoitista teve características de contracultura, em outras partes do país, como no Rio de Janeiro, ele não seguiu essa fórmula, como explica Torquato Neto: Sim, o cinema Super-8 era mal feito, ingênuo, estropiado, dilacerado, mas jorrava a luz possível no meio do pântano geral da Pernambucália, naqueles anos todos. É claro que a gente não queria nada: a gente só queria incendiar o sol, ver a paisagem geral com olhos livres, construir através do visor da câmera todos os ângulos da beleza. Descobrir, descobrir, descobrir. (NETO, apud FIGUEIRÔA, 1994, p.6) O crítico Paulo Emílio Salles Gomes publicou, no Diário de Pernambuco, o seu apoio ao movimento superoitista: O Cinema Super-8 é uma válvula maravilhosa. Nem todos os projetos vinculados exclusivamente ao cinema em 35 mm e 16 mm podem se realizar. Já o Super-8 dá uma possibilidade de expressão cinematográfica muito grande. A gente pode perfeitamente imaginar uma pessoa que se realiza através dos filmes em Super-8 e o trabalho pode ter uma divulgação semelhante a dos trabalhos em 35 mm aqui no Brasil. De certa forma, a produção em Super-8 pode escapar um pouco do sufocamento do cinema brasileiro destinado às salas comerciais. O Super-8 não encontra as terríveis limitações do cinema 35 mm. Isto é estimulante e muito bom.3
3 Crítico qualifica Super-8 de ‘válvula maravilhosa’. Diário de Pernambuco, Recife, 2º cad. p.9, 5 mai. 1974. 46
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Por um lado, o Super-8 despertou a paixão de quem tinha vontade de se expressar em filmes, por outro, houve um grande preconceito em relação às produções deste tipo por parte dos cineastas que já se dedicavam profissionalmente ao cinema. Alguns deles não levavam os superoitistas muito a sério. Por conta disso, palavras de ordem como “Super 8 também é cinema” eram repetidas pelos realizadores em festivais que se dedicaram à bitola, como os do Grife, em São Paulo, e as Jornadas da Bahia. Além disso, quando se encontravam nos eventos pelo país, os cineastas da bitola nanica costumavam elaborar documentos que eram enviados ao governo pedindo apoio para suas produções, já que elas não eram contempladas pelos editais da Embrafilme. Todas essas ações ajudaram a forjar os diferentes tipos de cinema que foram feitos a partir da bitola.
3.2 Experiências nordestinas Três Estados do Nordeste encontraram no Super-8 uma forma radical de expressão: Piauí, Bahia e Pernambuco. A exemplo do que aconteceu no restante do Brasil, a repressão da ditadura marcou o cotidiano de Teresina, capital do Piauí, entre o final da década de 1960 e o início da de 1970. Era um período no qual os jovens buscavam formas alternativas para manifestar as suas opiniões. Ao pesquisar sobre o cinema Super-8 em Teresina entre os anos de 1972 e 1985, Frederico Osanan Amorin Lima conclui que o mundo juvenil utilizou os filmes de bitola de uso doméstico para combater, através de uma subversão criativa, “o cotidiano de uma sociedade que, ao longo de séculos, vigiou e puniu, perseguiu e disciplinou, utilizou de discursos otimistas e submeteu uma coletividade em cujo horizonte não se configurava a indisciplina” (LIMA, 2006, p. 121). No ano de 1971, foram rodados os primeiros filmes com tecnologia Super-8 de Teresina. Naquela mesma época, foram produzidos os primeiros jornais alternativos do Estado e foram editados livros mimeografados. Se as ideias expressas nos impressos considerados subversivos chocaram a sociedade da época, não foi diferente em relação aos filmes que mostravam os jovens cabeludos, dispostos a contestar os costumes. Essa geração contestadora teve em Torquato Neto (1944-1972) uma de suas figuras-chave no começo dos anos 70. Em 1971, ele rodou em Teresina o Super-8 Terror da Vermelha, que mostrava as perambulações de um assassiO NOSSO CINEMA ERA SUPER
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no serial perseguindo suas vítimas pelas ruas do bairro da Vermelha, na capital piauiense. A história servia como pano de fundo para a discussão do próprio cinema, com a inclusão de elementos plásticos e poéticos. Já no fim da década de 70, quando o Brasil vivia a abertura gradativa do país, surgiu outro grupo em Teresina, o Mel de Abelha, com nomes como Luis Carlos Sales e Valderi Duarte. Ele produziu filmes como Espaço Marginal, 1980, de Luis Carlos Sales; Pai Herói, 1981, Valderi Duarte; Povo Favela, 1981, de Valderi Duarte; Relógio de Sol, 1982, de José Henrique Ferreira dos Santos. A pesquisa sobre a produção superoitista na Bahia encontra-se num patamar diferente da do restante do país. Enquanto outros estados praticamente esqueceram o movimento cinematográfico que tiveram nas décadas de 60, 70 ou 80, não faltaram pesquisadores dispostos a resgatar essas memórias entre os baianos. Um dos primeiros estudos foi publicado por Bráulio Tavares ainda em 1978, o que permitiu um contato direto do autor com os superoitistas, facilitando o acesso a dados e fontes. Como o Super-8 desde então se tornou tema de pesquisas, inspirou outros estudiosos do cinema a buscarem informações sobre o movimento em Salvador. É o que faz, por exemplo, Paulo Sá Vieira, que tratou do tema no livro O Cinema Super-8 na Bahia (1984), no qual lista os filmes realizados, traz reportagens e entrevistas, registrando festivais superoitistas no estado. Mais recentemente, em 2005, Marcos Pierry Pereira da Cruz dedicou-se à análise do movimento superoitista em sua dissertação de mestrado, O Super-8 na Bahia: História e Análise, na Escola de Comunicação e Artes da USP. Um dos últimos estudos sobre o tema foi feito por Izabel de Fátima Cruz Melo, em sua dissertação de mestrado em História do Brasil, na Universidade Federal da Bahia, em 2009. Por meio dessas pesquisas é possível observar que o Super-8 teve, entre 1972 e 1978, um espaço garantido de exibição na Bahia. As jornadas de cinema, que aconteceram em Salvador, funcionaram como um difusor do trabalho na bitola nanica nos anos 1970 e influenciaram os jovens realizadores a produzir mais filmes. Ao contrário de outros locais do país, onde os festivais nasceram por conta da grande produção de filmes, a jornada baiana surgiu devido à quase estagnação do cinema no fim dos anos 60 e início da década de 70. Os primeiros filmes baianos no formato Super-8 datam de 1969 e foram feitos por Célio da Cunha Prata. O pioneiro foi o documentário Os 500 Quilômetros da Bahia. Em seguida, ele rodou Papai Noel, um trabalho experimental. É por conta disso que, desde o primeiro evento, que ocorreu de 13 a 16 de janeiro de 1972, a programação foi pensada não só de forma a servir como 48
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mercado exibidor, mas também para qualificar e atrair os cineastas. O resultado desse incentivo faz-se notar, principalmente, a partir da II Jornada, cuja mostra não foi mais apenas baiana e, sim, nordestina. Houve 30 filmes inscritos para a competição. Deles, 11 eram em Super-8. O clima político dos anos 70 fez com que filmes fossem deixados de ser exibidos ou sofressem modificações antes de chegarem às telas dos festivais. Segundo Melo, uma das edições mais afetadas pela censura foi a da IV Jornada, de 1975: Outra problemática vivida pelos participantes foi relativa à censura. Esta foi a edição que mais sentiu os cortes da tesoura do governo federal. Dos 72 filmes inscritos, quatro tiveram sua exibição proibida e dois só seriam liberados se fossem obedecidos cortes indicados pelos censores. O debate sobre a censura mobilizou os cineastas que lançaram um documento repudiando a ação. Neste, a censura é compreendida como uma tentativa de controle que tem como consequência direta o enfraquecimento do cinema nacional, por não permitir o seu desenvolvimento temático pleno. (MELO, 2009, p. 70) Melo (2009) explica que havia grupos de convergência dos superoitistas, ainda que pertencer a um deles não significasse estar excluído dos demais. Um desses grupos era o Grubacin (Grupo Baiano de Cinema), que tinha uma concepção clássica e hollywoodiana e era formado por Milton Gaúcho, Cícero Bathomarco, Carlos Modesto, Paulo Sá e Ailton Sampaio. Outro grupo era formado pelos cineastas que se conheciam do cineclubismo e, por conta disso, estavam mais dispostos a debater o cinema e a sociedade, como Robinson Roberto, José Umberto e Juraci Dórea. A terceira vertente era para o experimental, com uma busca por um cinema mais autoral, grupo formado por Edgard Navarro, Fernando Belens, Pola Ribeiro e José Araripe. A VII Jornada de Salvador, de 1978, foi a última a aceitar os trabalhos na bitola Super-8. Naquela época, a Universidade Federal da Bahia retirou o seu apoio ao festival que, aos poucos, perdeu seu lugar como principal fórum para o cinema brasileiro. Em parte, isso aconteceu porque, ao longo dos sete anos em que as jornadas aconteceram, houve discussões entre os realizadores do formato Super-8 e os do 16 mm. Existia preconceito com quem fazia cinema a partir de uma tecnologia considerada tão amadora quanto a bitola nanica. Os cineastas tidos como profissionais também questionavam os superoitistas no sentido de O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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que não estariam fazendo experimentos como prometiam, considerando que, cada vez mais, estariam se tornando comerciais. Sem espaço na jornada, os superoitistas passam a participar de outro festival em 1979: o I Congresso Nacional de Super-8, em Salvador, que teve 80 filmes inscritos. Segundo Alexandre Figueirôa, que realizou uma abrangente pesquisa sobre o cinema Super-8 em Pernambuco, o ciclo superoitista no Estado vai de 1973 a 1983. Durante esses dez anos, as ruas do Recife e do interior do Estado se transformaram em cenário para cerca de 200 filmes entre curtas, médias e longas-metragens. A facilidade de manuseio da câmera permitiu que os cineastas se deslocassem pelo sertão, mostrando a ação dos pistoleiros, vaqueiros e caboclos. Além dos cineastas profissionais, como Jomard Muniz de Britto, Fernando Spencer, Paulo Bruscky e Amin Stepple, se aventuraram ao superoitismo muitos amadores, como o arquiteto Walderes Soares e o engenheiro Paulino Menelau, que fizeram filmes experimentais. O crescente movimento superoitista em Pernambuco fez não só com que os cineastas participassem ativamente das Jornadas de Curta-Metragem da Bahia, mas também com que criassem as suas próprias mostras. Uma das primeiras foi a I Mostra de Belo Jardim, em agosto de 1973. Havia uma clara a divisão entre os cineastas pernambucanos. Uma das vertentes era liderada por Fernando Spencer e Celso Marconi. Figueirôa destaca que a principal preocupação deles era “dar ao Super-8 representatividade cultural – como cinema profissional em busca de apoio oficial” (FIGUEIRÔA, 1994, p. 53). A outra era formada pelos cineastas mais jovens, que estavam voltados ao experimentalismo e desvinculados da necessidade de representar a realidade nordestina. Em 1975, Pernambuco já havia se tornado o Estado nordestino com a maior produção em Super-8, por isso, foi mais do que natural a criação de um festival próprio, só para a produção pernambucana. A I Mostra Recifense do Filme Super 8 aconteceu de 1º a 3 de fevereiro daquele ano e reuniu 32 trabalhos. Em 11 de janeiro de 1977, foi dado um dos passos mais importantes para o fortalecimento do Super-8 no Estado: a criação do grupo de Cinema Super 8 de Pernambuco, o chamado Grupo 8, aberto a todo cineasta que usasse a bitola em caráter artístico e cultural. Um dos principais feitos do Grupo 8 foi qualificar os cineastas por meio de cursos e apoiar as produções, com o empréstimo de equipamentos. Ainda em 1977, Pernambuco viu estrear o seu primeiro longa em Super-8: Lua Cambará, de uma hora e 10 minutos de duração. Seus realizadores eram Ronaldo Correia de Brito, Francisco de Assis de Souza Lima e Horácio Careli 50
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Mendes. As principais locações eram no sertão pernambucano e a dublagem tinha sido feita pela TV Universitária de Recife. No ano seguinte, o filme foi exibido pela TV Cultura de São Paulo e, depois, em toda a rede de emissoras educativas do país. Foi só depois de toda essa consolidação do movimento superoitista no Estado que os cineastas se propuseram a organizar um festival. O 1º Festival de Cinema Super 8 do Recife aconteceu de 16 a 19 de novembro de 1977. No final do festival, os cineastas redigiram um documento que foi enviado à Embrafilme, pedindo que fosse criado um departamento de distribuição para as produções em Super-8. O apoio esperado do governo não veio. Isso, somado ao encarecimento das produções e às dificuldades de importação dos filmes, começou a diminuir o ritmo das produções. Segundo Figueirôa, nem mesmo o lançamento da película Single 8 pela Fuji animou os superoitistas, mas os cineastas dessa bitola deixaram a sua marca, como destaca o pesquisador: Os superoitistas não foram heróis nem mártires, contudo é inegável a contribuição que prestaram à cultura pernambucana. Quando colocaram seus filmes debaixo do braço e percorreram os festivais de Super-8 pelo Brasil afora, as cidades do interior do estado e as inúmeras mostras do Recife, os superoitistas revelaram a disposição e a crença no seu trabalho. Um trabalho que sobreviveu por conta própria e prescindiu da estrutura comercial e oficial para se firmar como produção artística. (FIGUEIRÔA, 1944, p. 203) Conforme evidenciam as pesquisas realizadas no nordeste do país, o Super-8 conquistou o seu espaço, mesmo quando teve de duelar com as bitolas tidas como profissionais. No Sul do Brasil, as disputas entre profissionais e amadores foram menos cruciais, porque a bitola nanica foi vista como uma possibilidade de expressão que estava ao alcance de todos.
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3.3 Experiências sulinas Em um dos estudos pioneiros sobre o cinema do Paraná, Alvetti (2005) afirma que, no final dos anos 1960, a tradição documentarista marcava a produção do Estado, mas os cineastas paranaenses já produziam regularmente longas-metragens de ficção, ainda que nem todos fossem finalizados. A difusão da tecnologia Super-8, nos anos 1970, teria proporcionado uma revolução estética nos filmes e os projetos começaram a ser marcados pela experimentação e pelo caráter alternativo. Realizadores como José Augusto Iwersen, Fernando Severo e os Irmãos Ingrid, Rosane, Helmuth e Elizabeth Wagner apropriaram-se do Super-8 para criar filmes que combinavam diferentes formatos e ganharam destaque internacionalmente, como Metamorfose (1977) e Foi Pena que... (1978). Iwersen chegou a ter o seu nome incluído entre os mais representativos dos superoitistas brasileiros, devido à inovação temática, como acontece em Cinzas, de 1979, sobre o universo dos travestis. É nesse cenário que o cineasta Sylvio Back, que tinha ganhado destaque nos anos 1960 com seu filme Lance Maior (1968) e pela criação do Clube de Cinema do Paraná, resolve organizar um festival só para filmes produzidos na bitola nanica. O I Festival Brasileiro do Filme Super 8, realizado em abril de 1974, no auditório do Teatro Guaíra, em Curitiba, reuniu cerca de 80 filmes, de diferentes estados brasileiros. De acordo com Alvetti (2005), a exemplo do que aconteceu em outros locais do país, festivais como o coordenado por Back estimularam a expansão do movimento superoitista no Paraná e evidenciaram a diversidade das produções usando a tecnologia Super-8. Para os cineastas, havia ainda um incentivo importante, já que eram oferecidos prêmios em dinheiro. Na época, O Estado de S. Paulo se referiu ao festival como a mais importante mostra do gênero já realizada no país: Críticos, diretores, produtores, ensaístas, representantes do INC e conhecidas personalidades dos meios cinematográficos nacionais já estão afluindo a Curitiba de várias outras capitais brasileiras, seja para integrar o júri de premiação, seja para proferir conferências ou debater em mesas redondas os problemas desse novo tipo de cinema que reivindica o reconhecimento oficial.4
4 Começa festival Super 8. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p.9, 31 mar.1974. 52
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A expectativa era que o festival coordenado por Back crescesse, mas aconteceu o contrário. Em 1975, no segundo e último Festival Brasileiro do Filme Super 8, realizado em Curitiba, de 17 a 22 de março, o que se viu foi uma crítica forte às produções inscritas. O crítico Jean-Claude Bernardet afirmou em uma das mesas redondas das quais participou que “os festivais não trouxeram o tipo de filme que se esperava”5. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Silvio Back foi pessimista em relação ao futuro do cinema na bitola nanica. Ele disse que aquele seria o último festival Super-8 realizado por ele, como de fato aconteceu. Entre os motivos estavam a queda do nível das produções em relação ao ano anterior e o fato delas não terem se livrado das amarras comerciais como se esperava. Com o fim do festival coordenado por Back, foi a fundação da Cinemateca do Museu Guido Viaro, em 1975, ajudou a manter as produções superoitistas por meio dos debates e exibições que promovia. Já a Escola Técnica Federal do Paraná (hoje Centro Federal de Educação Tecnológica) realizou a Mostra Nacional de Filme em Super-8, que durou de 1975 a 1979. Em 1980, década na qual o vídeo já tomava o espaço que antes era do Super-8, o Museu da Imagem e do Som realizou um novo festival superoitista, o Abertura 8, que recebia produções do Sul do país. A última tentativa de um evento assim na década de 80 foi o I Festival de Cinema de Curitiba, criado pelo colunista Alcy Ramalho Filho, com patrocínio da Texaco e apoio da Secretaria de Cultura do Paraná. A capital do Paraná é, até hoje, a sede do Festival Internacional de Cinema Super-8 de Curitiba, o Curta 8. Ele é o único do gênero que continua a ocorrer na América Latina. Em 2011, a sétima edição do festival teve cerca de 60 filmes inscritos, todos na bitola nanica. No Rio Grande do Sul, a trajetória do Super-8 não está ligada a uma única cidade ou a um grupo específico de realizadores. Os ciclos aconteceram em diferentes locais, em momentos distintos entre o fim dos anos 1960 e os anos 1980. No entanto, a produção superoitista gaúcha quase sempre é lembrada pelas produções que foram realizadas na Capital. Existem fortes motivos para que isso ocorra, como o fato de terem sido rodados em Porto Alegre os longas-metragens em Super-8 do Estado6. 5 Festivais em Super-8 podem ter chegado ao fim. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p.18, 6 abr. 1975. 6 Pelo menos sete longas-metragens foram rodados em Super-8 no Rio Grande do Sul nos anos 1980: Deu pra Ti, Anos 70, 1981, de Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti; Coisa na Roda, 1982, de Werner Schunemann; A Palavra Cão Não Morde, 1982, de Roberto Henkin e Sérgio Amon; Inverno, 1984, de Carlos Gerbase; Rodrigo Aipimandioca, 1983, de Antonio Saccomori; Calma Violência, 1983, de Lucas Webber da Silva; e Tempo sem Glória, 1984, de Henrique de Freitas Lima. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Além disso, apesar de cidades como Pelotas e Santa Maria terem participado do ciclo superoitista, seus filmes, em sua maioria, não foram exibidos em outros municípios, o que dificultou que o trabalho fosse de fato conhecido e reconhecido. Segundo Tuio Becker (1986), no Brasil, de 1970 a 1973, a produção cinematográfica variou de 65 a 85 filmes anuais em diferentes bitolas. Deles, 12 foram gaúchos. Depois dessa época, sem incentivo governamental, esse número caiu em todo o país e, no Estado, ficou em cerca de um ou dois longas-metragens por ano. A maioria deles, com temática rural. A chegada do Super-8 marcou o começo das produções com temas urbanos no Estado. Muitos dos filmes mostravam as transformações sociais a partir do ponto de vista de seus realizadores. O Super-8 entrou nessa brecha deixada pela própria produção gaúcha. Veio assumir um espaço que não estava sendo preenchido por ninguém. Um cinema que falava de coisas atuais, que estavam acontecendo e com as quais o público, principalmente o público jovem, se identificava imediatamente (SELIGMAN, 1990, p. 28). Esse fenômeno foi classificado como “uma cinematografia de jovens para jovens, usando técnicas alternativas” (MERTEN, 1995, p.101). De acordo com Merten, a bitola nanica começa a ser usada como uma possibilidade de expressão e, como quem produzia em Super-8 não esperava um retorno comercial para seus filmes, houve muita experimentação: No Rio Grande do Sul, mais do que no Rio, ocorreu o que não deixa de ser um paradoxo: uma profissionalização do amadorismo. Os jovens – pois eram, fundamentalmente, jovens na época – não queriam usar o Super-8 só para exercitar a linguagem. Era uma bitola barata, estimulava a ousadia e a criatividade. Mas esses jovens não queriam só brincar de fazer cinema. Queriam usar o Super-8 para expressar-se, autoral e artisticamente (MERTEN, 2002, p. 44).
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Sem Tradição, Sem Família e Sem Propriedade, 1968, de Sérgio Silva, filmado em Porto Alegre, é considerado um dos primeiros filmes em Super-8 com intenção artística, ou seja, com roteiro, atores, cenário e figurino, feitos no país. Até então, o formato era utilizado em filmagens domésticas, registrando festas de aniversário e viagens de férias. O diretor do filme contou à pesquisadora Flávia Seligman como foi que resolveu usar a tecnologia Super-8: A gente vinha fazendo filmes em 16 mm que se tornaram muito caros. Em 1968, eu comprei uma câmera de Super-8 e resolvi fazer filme. Fazer um filme realmente assim, com história, enredo, cenário, cenografia, figurino, tudo. Só que na bitola Super-8, porque saía muito mais barato. Daí gradativamente este Super-8 foi crescendo, porque o pessoal jovem, que vinha se agregando àqueles mais velhinhos, não tinha disponibilidade econômica de fazer os filmes. Então o Super-8 acabava sendo uma coisa barata, uma escola, uma formação de aprendizado de fazer cinema.7 Um dos fatores que teriam estimulado os cineastas amadores a usar a bitola doméstica para documentar o cotidiano porto-alegrense foi um concurso, criado pela prefeitura da capital gaúcha, em 1976, o qual premiou filmes sobre Porto Alegre. O vencedor foi o documentário Feliz Natal ou O Natal do Vale Tudo, 1976, de Ivo Strassburger. Merten considera que houve uma evolução gradativa na produção superoitista: Os primeiros curtas da bitola eram documentários, pequenos ensaios poéticos. Foram ficando cada vez mais ficcionais e até longos. Em 1977, o Super-8 já era tão forte no Estado – configurava uma tendência –, que o Festival de Gramado abrigou, em sua programação, o primeiro festival da bitola. Nos anos seguintes, tornou-se frequente a reunião de curtas e médias em Super-8 para lançamentos como programas alternativos em salas especiais (MERTEN, 2002, p. 15).
7 Entrevista com Sérgio Silva, concedida a Flávia Seligman, Porto Alegre, 1988. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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De acordo com Seligman (1995), os dois principais grupos de superoitistas de Porto Alegre, o Câmera-8 e o Humberto Mauro, começam a se organizar a partir de 1976. O Humberto Mauro era composto por jovens universitários e professores que iniciaram suas atividades com reuniões para discutir cinema; a pesquisadora conta que o grupo foi crescendo e começou a promover exibições de filmes nacionais, acrescidas de debates. Já o Câmera-8 “se estabeleceu como produtor cultural da cidade, até que, do dinheiro proveniente das exibições, começou a realizar pequenos filmes em Super-8” (SELIGMAN, 1995, p. 84). Na época, eram rodados cerca de dois filmes por semana a ponto de, ao longo dos três anos de apogeu do ciclo superoitista de Porto Alegre, entre 1976 e 1978, terem sido feitos 150 filmes na bitola nanica. Além disso, como existia uma produção contínua, os superoitistas conseguiram criar um circuito alternativo, que chegou a contar com salas para a exibição da produção local. Outra característica fundamental dos Super-8 gaúchos entre 1976 e 1983 era o caráter coletivo e cooperativo de suas produções, que mantinha a figura do ‘autor’ (os filmes eram assinados pelos seus diretores, sendo Nadotti o mais prolífico), mas de certo modo diluía essa autoria pelo grupo de realizadores (tanto de forma mais explicita, com o ‘Grupo de Cinema Humberto Mauro’, entre 76 e 79, como de forma informal, fazendo alguns críticos de Porto Alegre criarem a Expressão ‘turma do Nadotti’. (GERBASE, 2009, p.68) Em 1978 e 1979, filmes produzidos em Super-8 chegaram a ser exibidos em circuito comercial. Becker ressalta que “durante dois fins de semana, mais de mil pessoas assistiram a esses dois filmes” (BECKER, 1986, p. 51). Em 1977, ocorreu o primeiro Festival Super-8 de Gramado, paralelo ao festival considerado profissional. Em 24 de março de 1981, o festival exibiu pela primeira vez um longa-metragem: era o gaúcho Deu pra Ti, Anos 70, 1981, de Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti, que venceu o festival daquele ano. O filme tornou-se um marco da produção em Super-8 do Estado. Além da produção, um dos maiores acréscimos da bitola nanica para a história do cinema gaúcho foi o fato de ter aberto espaço para a experimentação: Nos anos 80, fizemos muitos filmes, ganhamos alguns prêmios, testamos várias propostas de produção, formamos 56
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profissionais em algumas áreas. Mostramos a viabilidade do cinema gaúcho. Primeiro, inventamos um mercado em Super-8. Quando a bitola se tornou insuficiente, provamos que podíamos fazer longas em 35 mm. Quando o mercado de longas se mostrou hostil, ajudamos a renovar a dramaturgia do curta-metragem brasileiro. (ASSIS BRASIL, 2009, p. 99) Justamente quando os realizadores e suas equipes estavam amadurecendo, o vídeo começou a ganhar espaço. Com as dificuldades que surgiram para importar os filmes em Super-8, rapidamente as produções caíram, dando lugar a uma nova geração de jovens produtores, muito mais ligada aos videoclipes. Como aconteceu em outras partes do Brasil, o fim do ciclo superoitista no Estado não significou o término das produções, mesmo com a dificuldade de importação de materiais e de revelação dos filmes. Passados cerca de 30 anos, a bitola nanica não foi totalmente abandonada. A partir de 1995, mesmo ano da retomada do cinema brasileiro, começaram a surgir em Santa Maria, Pelotas e Porto Alegre novos filmes em Super-8. Um dos nomes de destaque desta nova geração é Gustavo Spolidoro. O documentário universitário Doc.8, 2007, de Cristian Schneider, trouxe relatos sobre a produção cinematográfica na bitola Super-8 em Porto Alegre. No filme, Carlos Gerbase, Cristiano Zanella, Giba Assis Brasil, Gustavo Spolidoro, Glênio Póvoas e Luiz Carlos Lacerda discutem a produção em Super-8. O documentário recolocou em evidência a importância da produção em Super-8 para diferentes gerações. Em Santa Maria, antes do surgimento do Movimento Super-8, diferentes pessoas produziram, principalmente, registros documentais, houve grandes salas de exibição e a cidade contou com o Clube de Cinema8. Tudo isso influenciou algumas pessoas não só a quererem ver e debater a sétima arte, mas também a ter as suas próprias produções. De acordo com o historiador Romeu Beltrão, a primeira exibição de cinema na cidade foi em 17 de fevereiro de 1898, no Centro Cultural, localizado onde hoje se encontra o Theatro Treze de Maio. No mesmo ano, começou a funcionar a Sala do Cinematographo, na esquina da Rua dos Andradas com a Avenida Rio Branco. Alguns dos filmes exibidos em Santa Maria eram produzidos em Pelotas. Por lá, a tradição cinematográfica começou com o português Francisco Santos, que di8 Grupo criado por Edmundo Cardoso, na década de 50, que funcionava como uma espécie de cineclube, no qual pessoas interessadas por cinema podiam ver e debater filmes. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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rigiu o curta Os Óculos do Vovô (1912)9, considerado o primeiro filme de ficção do Brasil, O Crime dos Banhados (1913-1914) e O Marido Fera ou O Crime de Bagé (1913)10. Já a produção cinematográfica na cidade começa em 1909, com o alemão Eduardo Hirtz. Em 2008, o pesquisador Glênio Póvoas encontrou um rolo com uma imagem que seria o registro documental mais antigo ainda preservado feito no Rio Grande do Sul. Cerimônias e Festa da Igreja em S. Maria – Estado R. G. do S. foi filmado em 5 de dezembro de 1909, durante a inauguração da Catedral de Santa Maria. Figura 1 – Filme de Hirtz mostra a saída de uma missa
Fonte – Frame de Cerimônias e Festa da Igreja em S. Maria – Estado R. G. do S.
Na década de 30, o ucraniano Sioma Breitman fundou em Santa Maria a Casa Aurora, especializada em fotografia e que também vendia equipamentos em 16 mm. Breitman realizou uma série de pequenas reportagens na cidade. Ele as batizou de Cine Jornal Aurora11, e começou a exibi-las na vitrine de sua loja, na Rua Doutor Bozano. Nas décadas de 1930, 1940 e 1950, a produção cinematográfica santa-mariense sofreu uma estagnação. Além disso, cinemas que tinham marcado época, como o Odeon e o Coliseu, fecharam as suas portas, mas, em 1951, foi fundado o Clube de Cinema que reuniu nomes como Edmundo Cardoso, Salvador Isaia e Edna Mey Cardoso. Aquele era um grupo que via e discutia cinema, mas que produziu apenas teatro. 9 A produção foi exibida em Santa Maria em 1º de maio de 1913, no Coliseu Santa Mariense, que ficava em uma área na Praça Saldanha Marinho (PÓVOAS, 2009, p.34). 10 O filme, também conhecido como A Mulher do Chiqueiro, é um documentário. Ele traz a história do estancieiro José Alves da Silva, de Bagé, que trancou sua mulher em um chiqueiro por quatro anos. 11 Um conjunto de filmes que faziam parte do Cine Jornal Aurora foi guardado pelos filhos de Sioma Breitman. Ele foi restaurado com recursos do primeiro Programa de Restauro da Cinemateca Brasileira. 58
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As produções só voltaram a acontecer em Santa Maria em 1961, quando o cinegrafista José Feijó Caneda filmou e finalizou o média-metragem A Ilha Misteriosa, em 16 mm, considerado o primeiro filme de ficção santa-mariense. Caneda trabalhava para a Universidade Federal de Santa Maria e para a TV Imembuí. Além disso, era dono da Foto Íris, uma empresa que vendia equipamentos e fazia revelações. Caneda costumava exibir em suas vitrines pequenos documentários sobre o dia a dia dos santa-marienses. Em 1962, foi rodado em Santa Maria o filme Os Abas Largas, do diretor carioca Sanin Cherques, considerado o primeiro faroeste gaúcho. Apesar de não se tratar de uma produção de uma equipe local, cenários e atores da cidade foram usados pelo longa-metragem, rodado em 35 mm. Depois de Os Abas Largas, produções cinematográficas só voltariam a ocorrer na cidade com o trabalho do cineasta Sérgio de Assis Brasil que, primeiro, fez um filme em 8 mm e, depois, partiu para o Super-8.
3.4 O fim do Super-8 Apesar da importância que o movimento em Super-8 teve no Brasil, ele entrou em decadência como aconteceu com outros ciclos produtivos. Os fatores que contribuíram para isso são de diferentes ordens. Em primeiro lugar, por mais que existissem festivais, as produções de cada estado eram isoladas. Não existiu um engajamento nacional de todos os produtores da bitola nanica. Além disso, em dezembro de 1976, a Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil (Cacex), responsável pelo comércio exterior no país, emitiu o comunicado nº 574, que incluía o equipamento Super-8 na lista de produtos supérfluos, proibindo sua importação. Em pouco tempo, as lojas especializadas ficaram com os estoques vazios. Quando, em agosto de 1977, um novo comunicado da Cacex suspendeu a proibição de importação dos filmes e câmeras Super-8, foi criada a exigência de um depósito compulsório no valor de 100% da mercadoria a importar, o que elevou os preços a ponto de o uso dos equipamentos se tornar inviável. O golpe final sobre a produção superoitista foi o surgimento do VHS, na década de 1980. Por mais que as produções em película mantivessem o seu glamour, tornou-se muito mais barato usar o sistema em vídeo.
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Atualmente é comum é a inserção de pequenos trechos filmados em Super-8, em um todo rodado em outra tecnologia. Ao que parece, nem o VHS nem o digital conseguiram reproduzir a textura e a granulação que marcaram os anos 1970. Em 2001, o Itaú Cultural apresentou a mostra Marginália 70: O Experimentalismo no Super-8 Brasileiro, que tentou resgatar a produção superoitista no país. Foram apresentados trabalhos de cineastas, artistas plásticos e poetas que se aventuraram pelo Super-8, como Hélio Oiticica, Abrão Berman, Antonio Dias, Lygia Pape, Torquato Neto e Ivan Cardoso. Rubens Machado Jr. (2011), curador da mostra, lamenta que apesar da importância do Movimento Super-8, “não há nenhum estudo ou levantamento panorâmico sobre a produção nacional superoitista”. Com isso, além da perda de parte dos filmes, que em sua maioria são desconhecidos pelo público, ficam apagadas as histórias de seus realizadores, pessoas que, nos anos 1960 e 1970, com uma câmera Super-8 na mão e uma ideia na cabeça alavancaram a produção cinematográfica brasileira. Exemplo disso é o carioca Hélio Oiticica (1937-1980). No começo de 2012, César Oiticica Filho, sobrinho de Hélio, lançou o documentário Hélio Oiticica, no qual conta a vida do artista, mostrando que ele foi reverenciado internacionalmente ao mesmo tempo em que frequentava as favelas, o samba e a rua. A produção só foi possível porque, em 2001, César estava organizando uma exposição sobre o tio quando, em meio à turnê que passou por Nova Iorque, Londres e Colômbia, encontrou 12 rolos de filme em Super-8 filmados por Hélio e que nunca foram editados. Até aquela época, acreditava-se que ele tinha feito um único filme: Agripina é Roma-Manhattan, em 1972. Quantos filmes em Super-8 ficaram perdidos? Quantas histórias deixaram de ser contadas? Quanto da cultura brasileira ficou perdida em frames esquecidos? O pesquisador Alexandre Figueirôa chama atenção para o desgaste dos materiais: Por enquanto, apenas as bandas magnéticas, onde eram aplicadas as trilhas sonoras dos filmes estão sendo corroídas pela erosão microscópica dos oxidantes e desgarrando dos filmes devido à fragilidade do processo em que elas eram colocadas na película. Isso, porém, é o suficiente para um grito de alerta, pois, anula desde já, um dos elementos articuladores dos filmes que, por um período de dez anos, levaram milhares de pessoas a festivais mostras, exibições nas ruas ou nos diretórios acadêmicos das universidades, para ver o cinema. (FIGUEIRÔA, 1994, p. 19) 60
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O fato de, em 1973, o único filme do país selecionado pelo festival de Cannes ter sido o Super-8 Gratia Plena, de Carlos Porto e Leonardo Crescenti, mostra que, apesar de o boom do super 8 ter se extinguido, ele deixou a sua marca para o cinema brasileiro: Esse cinema não causou nenhuma revolução no cinema brasileiro, mas realizou, através da câmera de super 8, o registro poético do nosso imaginário cotidiano [...] O super 8 deveria ser apenas cinema doméstico e ser usado pelas famílias abastadas nos registros de suas festas e passeios de fim de semana. Não foi. Logo os filhos intelectualizados da classe média viram nele a chance de fazer algo, na maioria das vezes, quase impossível no Estado: cinema de verdades e mentiras (FIGUÊROA, 1994, p. 19). Hoje, não são mais fabricadas câmeras para a bitola nanica, mas elas são facilmente encontradas em antiquários, na internet, ou num passeio pelo Brique da Redenção, em Porto Alegre. O negativo, no entanto, é menos acessível. A Kodak é a única que ainda fabrica cartuchos Super-8, mas já abandonou a fabricação de películas sonoras há 15 anos e deixou de colocar no mercado o Kodachrome, um de seus filmes de maior qualidade. Ainda assim, em 2010, o curta-metragem Avós, de Michael Wahrmann, rodado em Super-8, foi o único filme brasileiro selecionado para exibição em uma sessão do 60º Festival Internacional de Cinema de Berlim. Autobiográfico, ele conta a história de um menino que, no dia do décimo aniversário, ganha meias e cuecas de presente das avós e, do avô, uma câmera Super-8. Tudo o que aparece na tela é gravado pelas lentes dessa filmadora. Quanto a como será o futuro da bitola, não se sabe, mas se nada for feito para preservar e recuperar os filmes produzidos há um sério risco de que cada vez mais fotogramas se percam e, com eles, uma parte da história do cinema nacional.
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4 AS CORES DE UMA GERAÇÃO Este quarto capítulo apresenta os filmes e cineastas do movimento superoitista santa-mariense. Para isso, é usada a pesquisa documental e entrevistas com: os diretores Luiz Carlos Grassi, Modesto Wielewicki e Clenio Faccin; o câmera Roberto Bisogno; o ator Reinaldo Pedroso; o realizador de desenhos animados Joel Saldanha, e o cineasta Luiz Alberto Cassol, que resgatou a memória daquela época no documentário Super 70. Por meio do depoimento deles, foram recuperadas informações sobre Sérgio de Assis Brasil e Pedro Freire Junior, diretores superoitistas.
4.1 Sérgio de Assis Brasil, um pioneiro Devido à falta de pesquisas sobre a história do cinema na cidade, muitas informações sobre o Movimento Super-8 se perderam. O Arquivo Histórico Municipal praticamente não tem material sobre o tema. Para se encontrar dados documentais, é preciso recorrer à Casa de Memória Edmundo Cardoso, uma instituição particular, ou a acervos pessoais. Como alguns dos cineastas que atuaram nesta época já faleceram, a exemplo de José Feijó Caneda (1925-2004) e Sérgio de Assis Brasil (1947-2007), e outros tantos já não vivem em Santa Maria, também os relatos orais desta época estão desaparecendo. Isso sem contar que já não se sabe o paradeiro da maioria dos filmes. A primeira pergunta que merece resposta sobre o movimento superoitista é por que ele foi tão importante para a cidade. Bem, antes da chegada da bitola amadora em Santa Maria, a maioria das pessoas que tinha câmeras geralmente as usava profissionalmente. Produzir filmes, mesmo que em 16 mm, era um passatempo ainda muito caro. O movimento Super-8 veio para mudar isso. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Os primeiros registros produzidos na bitola nanica na cidade são familiares. Como esperava a Kodak quando lançou esse tipo de filme amador, a possibilidade de fazer suas próprias filmagens de viagens, aniversários, casamentos, crescimento dos filhos encantou a muitos. Passados mais de 40 anos, alguns desses registros não passam de lembranças particulares. Outros, no entanto, se transformaram em documentos de uma época. O jornalista Nicola Chiarelli Garofallo, no início dos anos 2000, utilizou imagens em Super-8 da década de 70 no documentário Para Ver a Banda Passar. Caneda também chegou a fazer muitos registros da cidade em Super-8. Em entrevista a Dalcol12, ao falar da morte do amigo, em 2004, Assis Brasil afirmou: Caneda era um fotógrafo criativo e, por isso, virou cineasta e começou a fazer cinema. Ele revelava filmes em casa, com equipamentos criados por ele mesmo. Inventava histórias, criava roteiros. Nos anos 60, fez um filme que é considerado o primeiro do cinema local. Trabalhava na UFSM quando a TV da Federal tinha espaço na programação da TV Imembuí. Lembro-me que colocavam os negativos para secar no varal antes de levar as imagens ao ar. Esse cara foi um dos pioneiros e me inspirou muito. Assis Brasil, pelo levantamento realizado pela pesquisa, é o pioneiro na realização de filmes ficcionais em Super-8 em Santa Maria. Ele começou seu envolvimento com o cinema a partir do Cineclube do Colégio Santa Maria. Mas o fascínio pelas câmeras surgiu antes: em 1962, no casamento de sua irmã, Marta Helena de Assis Brasil, ele teve contato pela primeira vez com uma filmadora. “Foi aí que vi aquele equipamento e isso me causou um fascínio tal que passei toda cerimônia olhando o pessoal filmar, tentando entender aquele mecanismo”, contou em uma entrevista em 200513. Depois, ganhou uma câmera de um tio e não parou mais de produzir. O seu primeiro filme, em 8 mm, data de 1969, chamava-se Amor Desamor e tinha no elenco Luiz Carlos Moraes e Margareth Moraes:
12 DALCOL, Francisco. Santa Maria Perde um Pioneiro das Imagens. Diário de Santa Maria, Santa Maria, p.3, 11 mai. 2004. 13 PIVOTTO JR, Homero. Catarse Cinéfila, com Sérgio de Assis Brasil. Rascunho, Santa Maria, julho de 2005. Disponível em < http://sucuri.ufsm.br/noticias/noticia.php?id=16832> Acesso em: 25 ago. 2012 64
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Era bem interessante, porque na verdade, a gente rodava em 16 mm e depois tínhamos que cortar o rolo ao meio, ficando só com uma perfuração de borda para trabalharmos [...] Apesar de eu ter minhas convicções o meu cinema nunca foi de protesto. Esse filme mesmo, o Amor Desamor, pensando bem, tinha algumas coisas que subvertiam certos valores, o que se pode considerar uma maneira bem singela de protestar. Eu e o Luiz, meu amigo, fazíamos faculdade de Direito e, apesar de eu não ser muito ligado a isso, ele era. No fim, agora pensando bem, o filme tinha várias coisas que o Luiz colocou que eram uma espécie de pequenos protestos que criticavam alguns valores e modos de vida de nossa sociedade. Acho que se eu visse o material hoje novamente iria encontrar outras mensagens subliminares que ele tentou passar. O Luiz era bastante ativista e me ensinou muita coisa.14 No mesmo ano, Assis Brasil fez o seu primeiro Super-8, Pentágono. Ele tinha orgulho do seu pioneirismo: “Comecei a fazer filmes em 8 mm e Super-8 que, naquela época, só eram usados para filmar casamentos”15. Sabe-se que esse foi o segundo curta-metragem do diretor, o primeiro rodado na bitola nanica, mas não foi encontrada qualquer informação sobre o roteiro, os atores envolvidos ou sobre se o filme chegou a ser editado, já que o diretor tem outras produções inacabadas. Figura 2 – Sérgio de Assis Brasil em ação em um de seus filmes nos anos 70
Fonte - Jornal A Razão, Santa Maria, 3 out. 1975
14 Idem, ibidem. 15 Idem, ibidem. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Dois anos depois, o cineasta, com 22 anos, realizou aquele que é, provavelmente, o primeiro filme Super-8 ficcional com preocupação artística feito em Santa Maria: Markova. O roteiro enfoca dilemas vividos por adolescentes. Assis Brasil chamou para o elenco da história de amor o seu cunhado, hoje médico, Luiz Bragança de Moraes, e a esposa dele na época, Jussara Weinmann, já falecida. A locação foi uma chácara do sogro do diretor, perto da Estância do Minuano. Os cenários foram construídos com tapeçarias da esposa de Assis Brasil, Ana Maria Assis Brasil. Ana Maria e o irmão dela, Luiz Bragança de Moraes, têm apenas lembranças esparsas sobre as gravações. Eles recordam, por exemplo, que o filme foi feito ao longo de pelo menos dois fins de semana e com capricho de detalhes, mas não lembram muito sobre o roteiro. Boa parte das tapeçarias usadas na produção queimou em um incêndio que aconteceu anos depois do casamento de Assis Brasil e Ana Maria. O filme foi o vencedor de melhor fotografia no Festival Regional do Filme Super-8, que ocorreu em Santa Maria em 1975, quando disputou o prêmio com mais de 40 produções inscritas no evento. O rolo do Super-8 de Markova está preservado. Ele foi dado de presente por Assis Brasil ao publicitário Álvaro de Carvalho Neto, amigo do diretor e produtor executivo do longa-metragem Manhã Transfigurada (2008), de Sérgio Assis Brasil. A câmera usada por Sérgio também está guardada, com a família. O período de participação de Assis Brasil no movimento superoitista foi curto. Em pouco tempo, ele partiu para os trabalhos em 16 mm e, com a chegada do vídeo, nos anos 80, para a produção de videoclipes. Em 1975, em uma entrevista ao jornal A Razão, Assis Brasil fala sobre sua participação no festival e revela que seu interesse já está voltado para as bitolas profissionais: Vou participar mais a título de colaboração, uma vez que atualmente estou me dedicando mais a filmes na categoria 35 mm. Considero o certame uma iniciativa muito válida, apesar de ter dúvidas quanto ao imediato sucesso do mesmo, por considerar que, devido à importância de uma promoção desta natureza, talvez não estejamos ainda em condições de promover um festival de âmbito nacional. Penso que deveríamos, primeiramente, organizar um apenas regional, para depois partir para a realização de um nacional.16 16 DIAS, Osvaldo Carlos. Faltam Condições para Festival se Expandir. A Razão, Santa Maria, 3 out. 1975. 66
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Mesmo não tendo mais produzido em Super-8, Assis Brasil continuou a trabalhar com cinema. Ele foi um dosfundadores de um curso de extensão na área, na Universidade Federal de Santa Maria e rodou documentários e curtas -metragens em vídeo antes de realizar seu maior projeto cinematográfico: o longa Manhã Transfigurada (2008).
4.2 Do palco para a tela Nos seis meses ao longo dos quais esta pesquisa foi desenvolvida, sem dúvida alguma, a frase mais ouvida foi “pergunte ao Grassi”. Aqueles que participaram do movimento superoitista em Santa Maria têm o jornalista e cineasta Luiz Carlos Grassi como a fonte de informações mais confiável sobre aquela época. Ele é tido por eles como referência quando há dúvida sobre uma data, o nome de um filme ou mesmo sobre os participantes de determinada produção. Além do interesse que Grassi tem pela história do Super-8 na cidade, existe outra explicação para que isso aconteça: ele foi um dos mais engajados com o movimento e participou, em diferentes funções, da maioria dos filmes que foram rodados ao longo dos anos 70 na cidade. Em 1971, Grassi e dois nomes do teatro de Santa Maria, o programador visual Reinaldo Pedroso e o diretor de teatro Clenio Faccin, participaram de uma experiência inovadora, sendo que não foi encontrado registro sobre produção semelhante na bibliografia consultada. O Super-8 O Inimigo (1971), de Clenio Faccin e Luiz Carlos Grassi, foi filmado em Santa Maria e Silveira Martins, para ser exibido como introdução da peça Onde Não Houver Inimigo, Urge Criar Um, com texto de João Bettencourt. O filme é um dos poucos do movimento superoitista que estão conservados. Clenio não tem muitas recordações sobre a gravação do Super-8. Em sua memória, ficou mais fortemente gravada a encenação da peça. Já Pedroso ainda guarda na memória detalhes dos finais de semana durante os quais rodaram O Inimigo. Ele lembra, por exemplo, que o roteiro misturou cenas ensaiadas e improvisação: Têm várias gags, cenas eu criei muitas, mas também teve a participação do Grassi e do Clenio nessa criação de situações de perseguição. Então, como eu te disse, a locação inicial foi Silveira Martins, e teve um fato curiosíssimo, lá tem aquela torre atrás da igreja, e a gente queria explorar aquele elemento arquitetônico e, naquela época, a escada em espiral O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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estava sem alguns degraus, caiu, então nós arriscamos nos machucar, subimos por ali, e eu subo, fico mexendo com ele de lá e ele fica lá embaixo, mandando eu descer. Mas o pitoresco é que a torre dá para a sacristia nos fundos da igreja. E eu gritei corta lá de trás, mas gritei alto e apareceu o padre gritando corta lá da sacristia. Foi cômico.17 Dois anos antes de montar a peça, Faccin tinha viajado com o grupo que dirigia, o Teatro Universitário, ligado à Universidade Federal de Santa Maria, para a Colômbia. Lá, eles apresentaram o musical Arena Conta Zumbi, com texto de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, a produção foi um sucesso de público e crítica. Ao voltar a Santa Maria, ele pretendia começar uma série de reformas no teatro que funcionava onde hoje é a boate do Diretório Central dos Estudantes. O dinheiro viria de uma verba que havia conseguido com o governo Federal: Quando voltamos, o presidente do DCE disse que tinha recebido o dinheiro para a reforma, mas que teatro não dava dinheiro e, então, iam transformar numa boate. Então, a boate que está lá foi dinheiro que eu consegui, para o teatro, e que transformaram na época em boate. Então eu resolvi fazer o Teatro Universitário Independente, o TUI.18 Faccin acredita que o fato acabou por influenciá-lo na hora de escolher um texto para a sua próxima montagem. Ele achava que a censura e a subversão eram temas que mereciam ganhar destaque e queria provar a força do Teatro Universitário Independente. O diretor lembra que a ideia de apresentar imagens veio do autor da peça, mas que, mesmo no Rio de Janeiro, isso tinha sido feito com slides e não com um filme: Nós tínhamos a ideia de montar um espetáculo chamado Onde Não Houver Inimigo, Urge Criar Um, com texto do João Bettencourt, e ele dizia no início que deveríamos colocar alguns slides de um policial perseguindo um suposto bandido. Achei que deveríamos fazer uma coisa diferente. Naquela época, 17 Entrevista à autora em 29 de agosto de 2012. 18 Entrevista à autora em 11 de setembro de 2012. 68
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a gente trabalhava com o Super-8, porque eu costumava filmar as viagens e as peças de teatro em Super-8. Então eu conversei com o Reinaldo e com o Grassi e começamos a fazer o roteiro.19 Em plena ditadura, o Super-8, filmado por Grassi, mostrava a perseguição de um policial, Esteban, interpretado por Faccin, a um hippie suspeito de subversão, chamado Pablo, vivido por Pedroso. As cenas são compostas por gags, durante as quais o policial tenta, sem sucesso, capturar o jovem que, a princípio, não havia cometido crime algum a não ser circular pelas ruas em plenos anos 1970. A perseguição terminava com o jovem preso em um golpe do acaso. Assim que o fim do filme era exibido, a peça seguia ao vivo, dando continuidade à cena. Figura 3 – Na peça, Faccin interpretava o policial e Pedroso, um hippie
Fonte – Acervo pessoal Luiz Carlos Grassi
Grassi lembra que a continuidade das cenas do filme se dava na delegacia, que era o cenário do espetáculo teatral: A peça era meio surreal, era um humor negro e, ao mesmo tempo, muito severo na crítica à censura e à ditadura. Nós fizemos dentro desse espírito, mas uma comédia, estilo pastelão, na época do cinema mudo. Onde mostra um cara correndo de um lugar para o outro e um policial perseguindo ele. Era um hippie e um 19 Entrevista à autora em 11 de setembro de 2012. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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policial que perseguia ele. Até que, depois de muita trapalhada, o policial era meio tapado, ele prendeu o cara, e bota pra dentro da delegacia, apaga a luz do palco, a tela se fecha e aí eles entram na delegacia ao vivo, e aí começa a peça ao vivo na delegacia.20 O grupo fez com que a peça circulasse por diferentes cidades do Estado, como Porto Alegre, Rosário do Sul, Santa Rosa, Erechim, Palmeira das Missões, São Borja, Uruguaiana, Itaqui, Santo Ângelo e Santa Cruz do Sul. O filme e a peça eram indissociáveis, assim a produção Super-8 feita em Santa Maria circulou pelos municípios do Rio Grande do Sul, sempre sendo exibida antes do início do espetáculo ao vivo. Figura 4 – Pedroso e Faccin em uma das cenas de O Inimigo
Fonte – Frame de O Inimigo
Faccin comenta que a peça era um espetáculo rápido, mas que chamou a atenção do público e também dos críticos de cinema, que chegaram a falar dela nos jornais da época: Eu tive informações, naquela época, que foi a primeira experiência de teatro e cinema juntos no Brasil. Isso em 1971. Depois, vieram outras. Era complicado, um rolinho pequeno de três minutos, tinha de mandar para São Paulo para revelar, depois tinha de montar, colocar uma trilha colada, tinha que cortar as cenas para ficar mais 20 Entrevista à autora em 28 de junho de 2012. 70
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dinâmico e era tudo artesanal. Não era coisa para fazer várias apresentações, era muito delicado, começava a quebrar os encaixes.21 Mesmo muitas das cenas tendo sido feitas de improviso, o filme foi bastante planejado. Pedroso, por exemplo, ficou encarregado dos figurinos e usou referências que tinha do cinema e do teatro para criá-lo: Eu tinha ainda a influência do Macunaíma que eu assisti e era antropofágico, então, as roupas, os figurinos eram extravagantíssimos, azul, brilhante, com vermelho, com amarelo, e me agradou aquilo. Então, o Esteban, que era o policial, era a farda mesmo de militar, toda preta, coturno, talabarte e quepe, tudo dourado, até o cassetete era dourado. E eu, que era o suspeito, era sapato verde, calça vermelha, camiseta amarela e uma jaqueta jeans com crucifixo deste tamanho, que era um adorno, porque o Pablo era ateu.22 Nos frames retirados do filme, é possível perceber as combinações de cores fortes das quais fala Pedroso e, também, o uso de cenários locais bastante conhecidos, como é o caso do Morro da Antena, um dos cartões-postais de Santa Maria. Figura 5 – Uma das cenas de perseguição de O Inimigo
Fonte – Frame de O Inimigo
21 Entrevista à autora, em 1 de setembro de 2012. 22 Entrevista à autora em 29 de agosto de 2012. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Figura 6 – Filme teve cenas gravadas no Morro da Antena
Fonte – Frame de O Inimigo
Como era de praxe na época, o texto teve de ser submetido à censura. O grupo precisou enviar uma cópia dele a Brasília, outra a Porto Alegre e carregava consigo sempre um exemplar. Ele tinha de ser seguido à risca. Faccin afirma que eram tempos difíceis para o teatro e que, a cada cidade pela qual passavam, era preciso enfrentar os censores. Mas o espetáculo nunca deixou de ser exibido: A censura sempre ia antes da estreia. Eles ficavam em dois, um olhando o ensaio e o outro só cuidando o texto. Com uma peça de teatro infantil, uma vez quase nos prenderam. Só tinha censura em Bagé, Livramento, cidades maiores, então, não tinham muito problema nas cidades menores.23 Segundo Pedroso, quando eles ficavam sabendo que havia a presença de um censor no local, amenizavam as partes mais pesadas da crítica: “A repercussão foi muito boa. Numa ditadura braba, a gente criticava a autoridade militar e a repressão”24. Depois de muitos anos guardado, O Inimigo (1971) foi digitalizado por Grassi. Fragmentos do filme foram usados pelo documentário Super-70 (2005), de Luiz Alberto Cassol. O filme é um dos poucos desta época que estão adequadamente preservados. O Inimigo marcou a trajetória cinematográfica de Luiz Carlos Grassi. O dentista, que começou a participar de produções durante o Movimento Super-8, 23 Entrevista à autora, em 11 de setembro de 2012. 24 Entrevista à autora em 29 de agosto de 2012. 72
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formou-se em Jornalismo e chegou a trabalhar como professor do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria, no qual lecionava sobre cinema. Com os alunos, produziu o primeiro curta em película da Universidade, O Novelo, 1985. Grassi rodou, com Pedro Freire Júnior, curtas-metragens como Os Irmãos (2004). Ele foi homenageado pelo Santa Maria Vídeo e Cinema, em 2006, e, atualmente, tem um estúdio em casa, no qual continua a desenvolver seus projetos.
4.3 Um por todos, todos por um Uma das características marcantes da produção superoitista de Santa Maria nos anos 1970 é o caráter coletivo que ganhou a maioria dos filmes. Nomes como Luiz Carlos Grassi, Sérgio de Assis Brasil, Pedro Freire Júnior, Ronai Pires da Rocha, Jair Alan Siqueira, Modesto Wielewicki, Roberto Bisogno, Humberto Ferreira, Felix Farret, Paulo Buss, Odilon Mainardi, José Luiz Duarte, Paulo Roberto Pithan Flores e Clenio Faccin, entre tantos outros, fizeram parte do Movimento Super-8. Eles se revezavam em diferentes funções para que fossem realizadas as produções planejadas por cada um. Essa parceria deu certo porque o grupo já estava bastante entrosado devido à criação do Departamento de Cinema do Centro Cultural. No início, o departamento – criado por Pedro Freire Júnior, que era diretor do Centro Cultural25 –, funcionava como uma espécie de cineclube, onde as pessoas que gostavam de cinema se encontravam para ver filmes e debater sobre o assunto. Durante as entrevistas eles contaram que chegaram a conquistar a confiança da direção dos cinemas da cidade a ponto de virem filmes indicados por eles, para serem assitidos em sessões especiais. Foi assim que moradores da cidade que eram de diferentes áreas, como Grassi e Bisogno, formados em Odontologia, começaram a dividir suas intenções cinematográficas com gente de outros ramos, como Assis Brasil, que era advogado, e Freire Júnior e Clenio, que viviam do teatro. Aos poucos, eles começaram a ter ideias e, também, a querer colocá-las em prática. O Super-8 era acessível e foi ao encontro dos interesses do grupo, como lembra Grassi: E, ali, a gente reuniu um grupo de quase 20 pessoas e começamos a debater, a estudar cinema. A gente influenciava a direção do cinema a trazer filmes bons para a gente assistir e debater. Uma vez por semana tinha reuniões, parece que era às segundas-feiras. Naquela época, os filmes não ficavam 25 O Centro Cultural funcionava onde hoje está o Theatro Treze de Maio. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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temporadas nas salas de cinema. Na mesma semana, trocava duas ou três vezes de filme, e a gente levava esses filmes para as pessoas assistirem. Começou a crescer cada vez mais o interesse e a gente começou a achar que só estudar não bastava, a gente queria fazer filmes também.26 Na cidade, existiam lgumas lojas especializadas na venda de filmes e equipamentos fotográficos que também comercializavam materiais cinematográficos. As principais eram a Imperial, a Masson e a Beltracolor. Além da venda, elas recebiam os cartuchos de Super-8 que eram enviados para São Paulo para serem revelados. Em alguns casos, a revelação também era feita em outros países. Grassi conta que, geralmente, os filmes eram comprados na quinta ou na sexta-feira para que as gravações ocorressem no fim de semana, quando a equipe tinha folga de seus trabalhos fixos. Na segunda-feira, os filmes eram deixados na loja para revelar e, na sexta-feira seguinte eles estavam de volta na loja para que os realizadores pudessem ver o resultado alcançado: Ia por malote. A Kodak tinha um serviço rápido e eficiente. Tinha serviço na Imperial e na Beltracolor, do Beltrame, que era nosso grande parceiro. Ele era membro do grupo de cinema e sempre conseguia umas barbadas, filmes com desconto, ou dava desconto na revelação, não cobrava a parte dele na venda ou revelação. Nas segundas-feiras, nos reuníamos no Centro Cultural para vermos os filmes.27 Vários dos integrantes do grupo tinham filmadoras Super-8 e, por isso, não era raro usar mais do que uma câmera nas gravações, o que garantiu a algumas obras uma fotografia bastante interessante em uma época em que os recursos cinematográficos não eram tão abundantes. Já a iluminação era precária, pois o material disponível, geralmente, era o usado por peças de teatro. À medida que O Inimigo (1971) reuniu só três pessoas em sua produção e Markova (1969) foi uma obra individual, pode-se considerar que o primeiro trabalho coletivo desse grupo que surgiu no Centro Cultural foi o filme O Caminhãozinho (1972), de Luiz Carlos Grassi.
26 Entrevista à autora em 28 de junho de 2012. 27 Idem. 74
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Figura 7 – Bisogno (câmera), Chiarelli (de óculos) e Weigert (à esquerda)
Fonte – Revista Santa Maria, 1975
O cartucho do filme está perdido e as pessoas que participaram da produção não lembram muito sobre ela. Grassi tem algumas recordações do enredo: Eu nem lembro mais bem como era a história. Era uma moça que se apaixona por um rapaz e o romance deles não dá certo, tem alguma coisa que afasta os dois e um dia passa um caminhão pequenininho, um caminhãozinho, ele trepa na carroceria e vai embora e termina o filme. A gente fez quase um “Deus ex machina” para encerrar o filme.28 O filme contava a história de uma estudante, interpretada por Ivanise Spezia, conhecida como Pingo, que se apaixonava por um rapaz, vivido por Sérgio Weigert, que fugia em um caminhão.
28 Entrevista à autora em 28 de junho de 2012. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Figura 8 – Pingo, na gravação de O Caminhãozinho
Fonte – Acervo pessoal de Luiz Carlos Grassi
Figura 9 – Gravações de O Caminhãozinho
Fonte – Acervo pessoal de Luiz Carlos Grassi
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A montagem do filme foi feita no Centro Cultural. “A gente cortava o filme, pendurava com prendedores de roupa, parecia uma cabeleira de fios de super-8”29, lembra Grassi. Depois, foi rodado O Herói (1972), de Freire Júnior. O estudante de Medicina da Universidade Federal de Santa Maria Naldo Dias Alves fazia o papel principal da produção. Figura 10 – Claquete de O Herói, de Pedro Freire Júnior
Fonte – Frame de O Herói
Antes de as filmagens terminarem, Alves foi embora para o Rio de Janeiro e o filme acabou não sendo terminado, como lembra Grassi: Esse filme a gente não chegou a concluir, eu tenho quase todo, faltou filmar algumas coisas. A gente não chegou a concluir porque o ator principal, que era o Naldo Dias Alves, se formou em medicina e foi embora para o Rio. Então, nós ficamos sem o ator principal e não chegamos a terminar o filme. Esse eu tenho todas as cenas filmadas, está digitalizado e eu fiz uma montagem que, às vezes, circula por aí. O Cassol usou algumas cenas no documentário Super -70.30
29 Entrevista à autora em 28 de junho de 2012. 30 Entrevista à autora em 28 de junho de 2012. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Como a maior parte do negativo de O Herói foi preservada, Grassi conseguiu montar o filme. Essas imagens foram usadas no documentário Super-70 (2005), de Luiz Alberto Cassol, e apresentadas no Santa Maria Vídeo e Cinema de 2011, que fez um debate sobre o movimento superoitista. Roberto Bisogno era um dos integrantes do Departamento de Cinema. Ele usava o Super-8, principalmente, para o registro de momentos em família. No grupo, ele participava como câmera. Apesar de ter esquecido o nome de um dos filmes que participou junto com Assis Brasil, ele recorda como o projeto começou: A gente propôs que cada um trouxesse um assunto, um enredo para a gente fazer um filme e apareceram vários temas. Pela experiência, pela criatividade e pelo domínio que tinha, o Sérgio de Assis Brasil foi aquele que teve maior aceitação. Depois, nós acabamos fazendo um filme, com enredo, com locações, filmagens no Calçadão, filmagens lá perto da Corsan, no Cechella, em lugares mais retirados [...] Como as câmeras do Sérgio e minha eram exatamente iguais, a gente dispunha em locais diferentes para que da mesma imagem tivesse um plano mais aberto, plano e contra plano. Mas ficou uma colcha de retalhos. A gente tinha um roteiro que foi aquele proposto pelo Sérgio, mas não tínhamos condições de fazer em sequência todo o filme.31 Segundo Bisogno, como a maioria das produções feitas na cidade não tinha áudio, quando surgiram os Super-8 sonoros, houve um grande alvoroço: Nós tínhamos dois ou três gravadores de fita K7. Então, se gravava a música e deixava dois ou três gravadores com as trilhas no ponto, de tal forma que quando entrava a cena o produtor apertava o K7 número um, depois, quando mudava de cena, parava aquele e apertava o outro. Claro que isso era um contratempo, não havia fusões nem levanta e baixa de som. Mas de forma artesanal e romântica a gente conseguia sonorizar.32
31 Entrevista à autora em 4 de setembro de 2012. 32 Idem. 78
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Outro aspecto dos filmes que despertava a atenção dos realizadores eram as titulações. Por mais que as edições fossem artesanais, eles procuravam criar títulos criativos para as produções. Em alguns dos filmes, foram usadas letras coloridas adquiridas em lojas de venda de brinquedos. Essas letras eram filmadas uma a uma, para que a sequência fosse montada quadro a quadro e desse a tão almejada deia de movimento. Figura 11 – Bisogno com sua câmera Super-8 em ação
Fonte – Frame de Super -70
Um dos trabalhos de Bisogno que tiveram destaque foi o documentário Santa Maria (1974), que tinha uma linguagem ousada para a época. O cinegrafista filmou cenas que mostravam o contraste entre as belas casas que estavam sendo construídas em bairros como Patronato e Nossa Senhora de Lourdes e casebres na Vila da Lata e Vila Pulga, dois locais muito pobres que existiam na cidade. O título da produção foi colocado sobre a imagem de uma locomotiva, o maior símbolo de Santa Maria. Um dos últimos filmes feitos em Super-8 nos anos 70 foi também o que mais mobilizou os cineastas naquela época. O professor de inglês Modesto Wielewicki, que faleceu em 2013, filmou, em 1974, o Super-8 O Velório do Vicente Silveira. Como geralmente estava ocupado com sua escola de línguas no horário das reuniões do Departamento de Cinema, Modesto não costumava participar delas. Mas ele era amigo de alguns dos componentes do clube e, por isso, acabava por participar das produções. O professor já fazia uma série de imagens da cidade, a maioria delas com caráter documental, e, naquele ano, incentivado pela febre do Super-8, resolveu O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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dirigir um filme próprio. O fato de a bitola nanica ser mais barato foi um incentivo para o projeto: Era relativamente barato. O que era caro era o filme que tinha de comprar e mandar revelar. Ia para São Paulo para revelação. Alguns rolos iam para o Panamá. Porque era um filme de uma qualidade excepcional, lindo, e só era revelado no Panamá e nos Estados Unidos.33 Modesto chegou a ministrar um curso sobre cinema para pessoas interessadas em aprender a usar o Super-8 como ferramenta para suas produções. Cada turma tinha cerca de 10 alunos. Um desses grupos chegou a fazer um curta-metragem em Super-8 chamado O Trapalhão, mas não se sabe que fim levou o material. Modesto nunca esqueceu da história, que tinha um roteiro simples e engraçado: O cara ia assaltar uma mulher, dava errado, e ele levava uma guarda-chuvada na cabeça. O Grassi levava os filmes para exibir no curso de Comunicação da Universidade. Eu dava aulas particulares. Eu fazia slides com as cenas, os ângulos, tipos de lente para o pessoal estudar. Tudo em Super-8. A Câmera ficava à disposição, e eles faziam rodízio, uma hora o cara era ator, depois trocava. O pessoal adorava. Eu dei vários cursos. Era mais ou menos até 10 alunos por turma porque tinha de dar uma atenção bem particular para cada um, então não podia ser muita gente.34 Modesto lia muito sobre cinema e cuidou dos mínimos detalhes para que a sua produção seguisse os padrões profissionais, mesmo sendo gravada em uma bitola considerada amadora. Por isso, a equipe contou com uma divisão mais rigorosa de tarefas. Existia, por exemplo, continuísta. O Velório do Vicente Silveira foi adaptado por Modesto de um romance inglês da escritora Willa Carther’s: Ela era uma escritora homossexual, que fez um livro chamado The Sculptor Funeral, O funeral do escultor. Eu adaptei porque 33 Entrevista à autora em 29 de junho de 2012. 34 Idem. 80
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ele se passava depois da Guerra da Secessão, nos Estados Unidos, e eu adaptei para depois da Guerra do Paraguai. E coloquei no interior do Rio Grande do Sul. Nós fomos para o distrito de Arroio do Só, conseguimos carroção, caixão de defunto, e cada um fez a sua roupa. Era uma dúzia de pessoas mais ou menos. A gente se organizava em caravanas. 35 Uma das características que diferenciaram o filme foi o fato de ele ser um média-metragem, com cerca de 30 minutos, quando a maioria das produções realizadas em Super-8 era de curtas-metragens. No elenco, havia um nome importante devido à sua popularidade naquela época, era o cantor Ivory Gomes de Mello, mais conhecido como Cerejinha. Além disso, Modesto teve uma preocupação com a questão de divulgação. Ele foi à TV Imembuí e colocou anúncios, convidando para a seleção de elenco. Com isso, muitas pessoas que gostavam de cinema acabaram aderindo à iniciativa. Segundo ele, muita gente fez os testes para atuar no elenco ou como figurante: Foi bastante gente. É incrível como o pessoal se entusiasma. Marquei a data e o pessoal se reuniu na escola. A gente fez testes, fotografou para saber a fotogenia. Tudo aconteceu sem nenhum incidente. Tinha uma espécie de uma comissão que julgava, eu fazia as fotos, ouvíamos a voz. A gente ia filmar com som e naquela época era raro. Podia gravar direto ou em fita e, depois, fazia a transcrição, fazíamos na Rádio Universidade.36 A trama daquela que é apontada como uma das principais produções da cidade na bitola nanica traz a história de um intelectual, nascido em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, que morre no Rio de Janeiro. Para que ocorra a cerimônia fúnebre, o corpo precisa ser trazido, de trem, desde a Cidade Maravilhosa até a estação de Santa Maria. O morto chega de trem para o enterro na pequena cidade natal e, desde a estação, começa o borburinho de gente querendo vê-lo. Os dois atores principais do filme foram Grassi, que interpreta um amigo do morto, que acompanha o corpo desde o Rio de Janeiro, e Faccin, um advogado. O próprio Modesto interpretou o morto. Quando o caixão chega, começa um clima de fofoca, especulando que o falecido, por ser artista, era homossexual. 35 Idem. 36 Entrevista à autora em 29 de junho de 2012. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Figura 12 – Cena de O Velório do Vicente Silveira
Fonte – Acervo pessoal de Luiz Carlos Grassi
Figura 13 – O cantor Cerejinha em uma das cenas
Fonte – Acervo pessoal Luiz Carlos Grassi
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Figura 14 – Grassi em cena em O Velório do Vicente Silveira
Fonte – Acervo pessoal Luiz Carlos Grassi Figura 15 – Clenio Facin em uma das cenas
Fonte – Acervo pessoal Luiz Carlos Grassi
Apesar de não ver seu filme há mais de 30 anos, Modesto ainda lembrou, à época da entrevista realizada em 2012, de alguns detalhes da produção, mas já havia esquecido como era o fim da história: A abertura é linda. Aparece um dia cinzento e o pessoal na estação ferroviária, esperando para levar o caixão. Toca um sino e solta uma música, Funeral para um amigo, do Elton John, instrumental. Ele morreu de tuberculose, porque era um cara O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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fraco, mexia com tintas. O amigo que veio junto imaginou que iam estar todos consternados porque ele ajudou a colocar o nome da cidadezinha no mapa, mas durante o velório, à noite, que é costume do interior o pessoal passar a noite ao lado do corpo, vão fofocando. Aí diziam ‘esse cara aí eu não sei não, acho que era meio preguiçoso’. Era o ponto de vista do grosso em relação ao artista. Outro dizia ‘ele não queria trabalhar, isso sim’. Aí chega esse advogado que era do interior e solta os podres de cada um. Eu nem me lembro mais do final.37 As locações foram divididas entre o centro de Santa Maria, onde uma empresa emprestou uma casa que estava sendo demolida, e o distrito de Arroio do Só. Uma das cenas é feita com uma transição que, segundo Modesto, era imperceptível para o público. Ela começa no Centro de Santa Maria, nesta casa que seria demolida e, quando o caixão entra no local, o cenário interno é em uma locação de Arroio do Só. As gravações duraram cerca de um mês porque elas eram feitas em turno alternado com o trabalho dos integrantes da equipe, que não viviam do cinema. Muitas pessoas que passavam pelos locais de gravação acreditavam que se tratava de um velório de verdade. “Tinha uma cena que o caixão passava na rua, e foram abrir a igreja correndo, achando que iríamos levar um morto para lá. Perguntavam quem era o morto”, recordou Modesto.38 Figura 16 – Figurantes de O Velório do Vicente Silveira
Fonte – Acervo pessoal de Luiz Carlos Grassi
37 Entrevista à autora em 29 de junho de 2012. 38 Entrevista à autora em 29 de junho de 2012. 84
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Um trem chegou a ser usado em uma das cenas, o que causou uma movimentação fora do comum na estação férrea de Arroio do Só. Nós só usamos as rodas e a parte de carga do trem, porque a locomotiva era moderna. E usamos a gravação do apito do trem, que dava a ideia de ser um trem mais antigo. Dava a ilusão de ser um trem. Recuperamos todo o estilo, cuidamos para não aparecer nenhuma cena de televisão.39 Na imagem a seguir, é possível perceber a aglomeração de pessoas, ao fundo da imagem, enquanto Paulo Roberto Pithan filma uma das cenas de O Velório do Vicente Silveira em Arroio do Só. Figura 17 – Pithan foi câmera de O Velório do Vicente Silveira
Fonte – Acervo pessoal Luiz Carlos Grassi
39 Idem. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Figura 18 – Modesto posando para reportagem da década de 70
Fonte - Acervo Casa de Memória Edmundo Cardoso
Com o filme, Modesto recebeu o prêmio de melhor direção no I Festival Regional do Filme Super-8, em Santa Maria. Ele estava se preparando para rodar mais uma produção, mas, com a chegada do vídeo, desistiu de seu projeto: Tinha um engenheiro que era do Rio de Janeiro e estava aí em Santa Maria. Ele construiu uma Dolly para empurrar a câmera e tudo. Ia ser um filme policial. Eu já tinha até conversado com o pessoal da Brigada Militar, ia usar aqueles Opalas da polícia. O pessoal colaborava [...]A gente se correspondia com uma revista que se chamava Super 8 Filmmaker, dos Estados Unidos, e eu falei que estava fazendo um filme e que precisava de umas cenas de rua em Nova York. O cara filmou os carros da polícia correndo, um caminhão entregando jornal, cenas de trânsito e eles mandaram e não cobraram nada. Eu não usei porque não concluí o filme.40 A exemplo de parte dos superoitistas santa-marienses, Modesto não seguiu com produções cinematográficas a partir da chegada do vídeo. Grassi, Freire e Assis Brasil estão entre aqueles que acabaram por incorporar as novas tecnologias ao seu trabalho. Todos eles serviram de inspiração para as gerações seguintes. 40 Entrevista à autora em 29 de junho de 2012. 86
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Tanto que, em 1995, surgiu um novo grupo de entusiastas da bitola Super-8, o qual realizou alguns filmes usando fragmentos doas produções da década de 70. O curta-metragem Águas Dançantes, 1995, de Luiz Alberto Cassol, é um deles. Cassol também dirigiu o documentário Super-70, 2005. Grassi lembra que, quando o ciclo Super-8 chegou ao fim, a produção cinematográfica da cidade estacionou: Um dia, conversando com o Giba, nós chegamos à conclusão que nós começamos aqui antes deles em Porto Alegre, só que nós nunca ousamos em fazer um longa-metragem e eles foram adiante com a proposta deles, para o 35 mm. Depois, começaram a aparecer as primeiras câmeras de vídeo, o videocassete, o filme Super-8 foi ficando raro, difícil, tinha de mandar para o exterior para revelar e morreu. Em Santa Maria o cinema só volta nos anos 2000, quando surge o digital.41 Além dos nomes citados até aqui, outros fizeram parte do movimento superoitista santa-mariense. Isso fica evidenciado, por exemplo, pelos relatos durante as entrevistas, durante as quais os realizadores afirmaram que o Grupo de Cinema do Centro Cultural era composto por cerca de 20 pessoas. Nem todos esses superoitistas chegaram a produzir filmes próprios. Muitos se contentaram em auxiliar nas produções de outros diretores. Houve aqueles, também, que não participaram de obras coletivas, como é o Caso de Joel Saldanha, que se dedicou às animações em Super-8.
4.4 As animações de Joel Saldanha Santa Maria também teve um representante de produção em animação em Super-8. Ainda em 1969, o desenhista técnico especialista Joel Romagueira Coimbra Saldanha, natural de Quaraí, começou a produzir o seu primeiro desenho animado usando a bitola nanica. Ele era servidor da Universidade Federal de Santa Maria e havia produzido, junto com Orion Mello e José Feijó Caneda, um desenho animado técnico, filmado em 16 mm para uma atividade acadêmica da universidade. Saldanha tinha comprado uma câmera amadora para registrar as viagens da família e acabou percebendo que poderia realizar com ela, também, os seus desenhos animados, o que era um antigo sonho do desenhista.
41 Entrevista à autora em 28 de junho de 2012. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Figura 19 – Marca dos filmes de Saldanha
Fonte: Acervo pessoal de Joel Saldanha
De acordo com o documentário Pioneiros do Cinema Gaúcho de Animação, 2008, de Norton Simões e Luiza Tigre, o Animatographia Filmes, primeiro estúdio de animação gaúcho, foi aberto em 1947. Foi nas décadas de 50, 60 e 70 que sugiram mais animações no Estado. O primeiro curta-metragem de Saldanha, O Guarda Pimpão, ficou pronto em 1970. O desenho preparou o autor para suas animações seguintes: Era um trabalho simples, um desenho de um rolo só, preto e branco, com duração de uns três minutos ou quatro. A história era de um batedor de carteiras que o guarda perseguia de um lado para o outro e, no final, o prendia. O roteiro também era meu. Eu sempre fazia os meus roteiros.42 Diante da falta de alguns materiais profissionais na cidade, o desenhista começou a desenvolver suas próprias técnicas. Os cenários eram feitos em papel, mas os desenhos em acetato. Como era difícil encontrar tintas que não entortassem a superfície nem descascassem, Saldanha fez diversos testes, até que conseguiu o efeito que desejava com tinta esmalte. O acetato, depois de pintado, era pendurado em um varal para secar e, depois, era coberto com talco, para não grudar. Saldanha também criou equipamentos, como uma mesa para poder filmar quadro a quadro.
42 Entrevista à autora em 14 de julho de 2012. 88
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Figura 20 – Cena em que Saldanha faz um desenho em acetato
Fonte – Frame de O Desenho Animado e sua Técnica
Além dos roteiros, Saldanha tinha preocupação com o storyboard, que ele fazia para orientá-lo nos desenhos, gravação e montagem das cenas. Ele construía cenários fixos e móveis e chegou a criar uma marca para identificar as suas produções. Figura 21 – Estiva criada por Saldanha
Fonte – Frame de O Desenho Animado e sua Técnica
Saldanha era bastante exigente em relação ao resultado dos seus filmes, como contou durante a entrevista para esta pesquisa:
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Algumas cenas, chegava a filmar três ou quatro vezes e quando voltava da revelação, fazia de novo porque não gostava. É como um artista de cinema que não gosta de ver a interpretação dele porque pensa que podia fazer melhor. E às vezes não ficava bom nem quando refazia.43 Pouco tempo depois de gravar seu primeiro filme, o desenhista foi participar de um curso de desenho com o animador argentino Felix Follonier, em Porto Alegre. Uma pesquisa realizada na Universidade Federal de Pelotas está analisando qual foi a contribuição de animadores argentinos, entre eles Follonier, para a animação no Estado. Segundo Saldanha, foi com Follonier que aprendeu uma técnica que passou a usar nos seus filmes de ficção: os cenários sobrepostos. Saldanha criava os cenários em papel e os pintava com tinta têmpera. Depois, eles eram colocados sobrepostos aos personagens, permitindo que um mesmo desenho fosse usado em diferentes cenas. “Eu que faço essa técnica, ninguém mais faz”44, orgulha-se o superoitista. Figura 22 – Saldanha mostra um de seus cenários vazados
Fonte – Fotografia feita pela autora em 14 de julho de 2012
43 Entrevista à autora em 14 de julho de 2012. 44 Idem. 90
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Figura 23 – Exemplo de cenário que era sobreposto às cenas
Fonte – Acervo pessoal de Joel Saldanha
Figura 24 – Outro exemplo de cenário, desenhado com tinta têmpera
Fonte – Acervo pessoal de Joel Saldanha
O segundo curta-metragem de Saldanha, concluído em 1975, é metalinguístico. O desenhista usou o Super-8 para criar um filme no qual explica didaticamente como fazer um desenho animado na bitola amadora: O Desenho Animado e sua Técnica (1975) é bem interessante, é educativo. Esse eu apresentei num curso que eu dei na Comunicação Social. Ele tem a narração toda em fita. Esse mostra O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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desde o início como se faz um desenho: a elaboração da história, depois o roteiro, depois o storyboard, eu apareço batendo à máquina e tudo, depois a seleção das cores, mostra como é feita a animação, como é montado o filme e depois a edição final e a sonorização e a apresentação.45 Para ilustrar o curta, Saldanha usou cenas de quando estava desenhando e colorindo os quadros daquele que seria o seu terceiro filme, a ficçção Miados & Ronrons, de 1976. Quando os dois filmes ficaram prontos, Saldanha incluiu Miados & Ronrons no final de O Desenho Animado e sua Técnica, concluindo o trabalho didático praticamente com um convite para que as pessoas assistissem a projeção de seu próprio filme. Figura 25 – Uma das cenas com Saldanha pintando os cenários
Fonte – Frame de O Desenho Animado e sua Técnica
O terceiro e último desenho animado concluído por Saldanha traz personagens criados por ele, os Miautralhas, um grupo de gatos que faz o resgate de uma diva do teatro, chamada Mimi Taylor, que é raptada por um gato malvado e um rato ardiloso após um espetáculo de teatro. Ao longo do desenho, nota-se uma preocupação de Saldanha não só com os movimentos mais aparentes, como as trocas de cenário e o caminhar dos personagens, mas também com detalhes como a movimentação dos olhos e das mãos dos animais que aparecem em cena: 45 Entrevista à autora em 14 de julho de 2012. 92
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Para fazer esse desenho, com os Miau Tralhas, eu levei seis meses. Eram sete mil e oitocentos desenhos. Isso que foi feito com poupança de material. Esse nunca foi sonorizado. Eu projetava com som de fita cassete, com fundo musical. Mas teria de acrescentar as vozes, eu nunca fiz porque teria de arrumar quem fizesse as vozes e não é fácil.46 Saldanha nunca participou de festivais com os seus trabalhos. Os filmes eram produzidos para serem exibidos para amigos e parentes. Dias antes de esses encontros acontecerem, ele avisava os conhecidos que iria fazer uma sessão de cinema. Então, usava seu projetor para exibir filmes em Super-8 e 8 mm, principalmente de comédia, e, depois, projetava os seus desenhos. Figura 26 – A abertura de Miados & Ronrons
Fonte – Frame de Miados & Ronrons
O material produzido por Saldanha naquela época é cuidadosamente guardado por ele em caixas de papelão, mas muitos dos acetatos empenaram com o tempo e parte dos desenhos já está perdida. Quanto aos filmes, para que pudessem ser assistidos, há alguns anos, o desenhista projetou-os na parede de casa e transformou-os em VHS, o que fez com que parte da qualidade das cópias ficasse comprometida. Mas ele ainda guarda os originais.
46 Entrevista à autora em 14 de julho de 2012. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Figura 27 – Com o passar dos anos, alguns dos acetatos empenaram
Fonte – Acervo pessoal de Joel Saldanha
Os três filmes criados por Saldanha foram resultado de muita dedicação pessoal e estudo. Ele conta que não tinha com quem trocar ideias sobre a técnica que estava usando em seus desenhos. Por isso, costumava comprar muitos livros, alguns deles importados, sobre desenho animado e animação. Alguns dos exemplares estão guardados até hoje. O desenhista também nunca se desfez de sua filmadora Super-8. Saldanha afirma que deixou de produzir porque, aos poucos, encontrar câmeras e filmes se tornou caro. O homem que fez seu primeiro projetor com movimento quando tinha de 13 para 14 anos, com caixa de tinta de sapato e mecanismos de relógio, preferiu não aderir às produções em vídeo que tomaram conta do cenário nos anos 80: A gente fazia os brinquedos da gente em Super-8 e, depois, mostrava. Estava se introduzindo o Super-8, então não se dominava as técnicas, depois foi se aperfeiçoando. Mas nunca foi perfeito porque, quando chegou a época da gente se especializar, o Super-8 desapareceu e surgiu o vídeo [...] Olha, se o Super-8 tivesse continuado, seria uma coisa sensacional, mas não continuou, não adiantou nada, ficamos a ver navios.47
47 Entrevista à autora em 14 de julho de 2012. 94
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Atualmente, Saldanha ainda desenha e afirma ter vontade de criar novas animações, mas não fez mais filme algum. Ele lembra que, no fim dos anos 70, um amigo alertou “olha, o vídeo está vindo aí, o Super-8 vai morrer”48. Não morreu, mas desapareceu até a década de 1990, quando surgiram novos trabalhos na bitola na cidade. Depois, desapareceram novamente, ainda que, às vezes, alguém ensaie a sua volta.
4.5 Assim nasceu um Festival Santa Maria não foi a primeira cidade brasileira a realizar um festival de cinema no qual pudessem concorrer filmes na bitola nanica. Em 1972, surgiu a I Jornada Baiana de Curta-metragem, na qual podiam se inscrever filmes em 16 mm e Super-8. Já em 1974, ocorreu o I Festival Brasileiro do Filme Super-8, em Curitiba, o qual é considerado o grande incentivador do cinema Super-8 no país, a I Mostra do Filme Super-8 do Recife, o Festival Nacional do Cinema Super-8 de São Paulo e a I Mostra do Super-8 do Rio de Janeiro. No ano seguinte, o mesmo em que ocorre o festival de Santa Maria, aparece também o I Festival de Cinema Super-8 do Ceará. Como pode-se perceber, o início da história dos festivais está concentrado em determinadas locais do país. No Nordeste, houve o primeiro surto da produção superoitista. No sudeste, o Grife, criado em 1973, começa a impulsionar a produção cinematográfica em São Paulo. No Sul, o início do movimento está mais ligado à Curitiba, que foi uma das pioneiras nos festivais de cinema dos anos 70. Nos jornais, revistas e livros consultados, não há referência sobre festivais superoitistas realizados no Rio Grande do Sul ou em Santa Catarina antes de 1976. Um festival ocorreu em Porto Alegre em 1977, mesmo ano em que o Festival de Cinema de Gramado passou a realizar, paralelamente à premiação principal, uma mostra competitiva para os curtas-metragens na bitola nanica. A questão que se levanta, ao apresentar o fato de que, nos dias 16, 17 e 18 de outubro de 1975, Santa Maria realizou o I Festival Regional do Filme Super-8, vai além de reivindicar para a cidade o seu pioneirismo em um festival que, ao que tudo indica, era inédito até aquele momento no Rio Grande do Sul. Trata-se de mostrar que houve um movimento na cidade e que ele influenciou as gerações seguintes. O ciclo superoitista foi curto em Santa Maria: o primeiro filme, Pentágono, foi rodado em 1969, por Sérgio de Assis Brasil, e o último de ficção dos anos 70, O Velório do Vicente Silveira, em 1974, por Modesto Wielewicki. Mesmo assim, o movimento contou com três fases distintas. Na primeira, os interessados 48 Entrevista à autora em 14 de julho de 2012. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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por cinema começaram a se reunir no Centro Cultural, para assistir e debater filmes, principalmente de origem norte-americana e francesa. Além disso, eles influenciavam os donos de salas comerciais de cinema a trazer determinadas produções para a cidade. Algumas delas, que ficavam pouco tempo em cartaz, eram exibidas depois no Centro Cultural. Na segunda fase, já não bastava para eles ver, debater e criticar produções de outras pessoas, eles se entregaram ao fazer cinematográfico. Alguns se envolveram em produções individuais, mas a maioria participou de obras coletivas, onde todos se revezavam nas diferentes funções, sendo o Centro Cultural o local de exibição. No terceiro momento, eles quiseram mostrar a sua produção e compará-la à de outros cineastas que produziram nessa mesma época, então, surgiu o festival, como um canal exibidor da produção superoitista. Até então, os curtas-metragens rodados na cidade só eram vistos entre grupos de amigos, em algumas reuniões familiares e na vitrine das lojas que realizavam cinejornais. O desejo de realizar um festival de cinema em Santa Maria surgiu a partir de Luiz Carlos Grassi e Modesto Wielewicki, que costumavam acompanhar o Festival de Cinema de Gramado. Inclusive, a primeira reportagem que é publicada sobre a realização do festival, pela revista Santa Maria, uma das realizadoras do encontro, é ilustrada por fotografias feitas por Grassi em Gramado. Na Serra Gaúcha, a realização de um festival em bitola profissional parecia apropriada, porém, no Interior do Estado, a maioria dos curtas-metragens era rodada na bitola nanica. Então, o mais natural pareceu a realização do festival na bitola Super-8. Segundo Grassi49, houve uma espécie de provocação por parte do jornalista Victor Moraes, do jornal Correio do Povo, para que um festival ocorresse em Santa Maria. Grassi e Modesto se encontraram com o jornalista em Gramado, em 1975, e foram surpreendidos por uma nota no jornal, dias depois, a qual afirmava que Grassi estava pensando em promover uma mostra de cinema amador em Santa Maria: Eu me senti desafiado porque ele colocou no Correio do Povo que estava lá o Luiz Carlos Grassi no festival de cinema e tal. Aí eu voltei para cá, falei para o padre Lauro Trevisan, da Revista Rainha, e ele topou. Eu organizei o festival e, em 1975, fizemos um festival onde hoje é o restaurante Dom Pierre, antigamente era ali o auditório do Hugo Taylor. 49 Entrevista à autora em 29 de junho de 2012. 96
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Foi muito legal, foi o primeiro de filmes super-8 do Rio Grande do Sul e não sei se não foi um dos primeiros do Brasil.50 O chamamento para que os cineastas interessados participassem do festival ocorreu por meio de um edital que foi publicado em diferentes jornais. De acordo com Grassi, rapidamente a noticia se espalhou pela imprensa, e colunistas que tratavam do assunto começaram a falar sobre o evento. Essas notícias tratavam também de esclarecer que, embora o festival levasse o nome de regional, podiam participar obras de todo o país e até internacionais. O que, inicialmente, estava sendo planejado para ser um pequeno encontro começou a tomar dimensões maiores. Modesto lembra em seu depoimento ao documentário Super-70 que até um filme japonês teria sido inscrito na competição, fato que não é confirmado por Grassi, o qual não recorda de nenhuma participação de fora do Brasil. O evento teve como realizadores a Revista Santa Maria e o Diretório Central dos Estudantes, da Universidade Federal de Santa Maria. Ele contou também com quatro patrocinadores: a Sociedade Comercial e Exibidora (Socex), que mantinha salas de cinema em Santa Maria, Pelotas e Bagé; a Casa Masson, tradicional loja com filial na cidade que vendia artigos para filmes e fotografias; a Caderneta de Poupança Apesul e o Instituto Nacional do Cinema. Para os primeiros colocados, foi oferecido um prêmio no valor de 20 mil cruzeiros. O artigo 2º do regulamento do festival aponta que ele tinha um objetivo bem específico, o qual ficou evidente também nos depoimentos coletados por esta pesquisa: Fomentar o interesse, especialmente dos jovens, pela realização e cultura cinematográficas, em paticular, estimular uma cinematografia regional, com características artístico-culturais próprias. Assegurando-se das inúmeras possibilidades de ordem técnico-artística da bitola, a promoção visa incorporar ao filme Super-8 um caráter abertamente cultural.51 As inscrições para o festival podiam ser feitas tanto na sede do DCE quanto por carta. Os organizadores chegaram a receber muitas correspondências com pedido de informações sobre o evento. Um dos critérios de seleção 50 Entrevista à autora em 29 de junho de 2012. 51 I Festival Regional do Filme Super 8.Revista Santa Maria, Santa Maria, Nº 31, p. 24-25, julh., 1975. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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chegou até a ser mudado por conta dos pedidos que chegaram por carta. Inicialmente, só poderiam se inscrever no festival filmes que tivessem até 20 minutos de duração. Depois, esse tempo foi ampliado para 30 minutos, o que contemplou também produções de Santa Maria, como O Velório do Vicente Silveira. Nas edições da Revista Santa Maria, entre maio e outubro de 1975, as reportagens faziam verdadeiros convites aos cineastas, para que eles participassem do evento. Essas matérias sempre deixavam claro que, por ser amador, o Super-8 dava a possibilidade de que qualquer pessoa interessada em cinema se expressasse, como na edição de maio: “você também pode participar deste festival. Basta para isso que você bole uma estória e filme-a. Depois, o resto é fácil, pois é só fazer a inscrição no DCE”52. É provável que essas matérias tenham sofrido a influência de Grassi, que era o editor do periódico mensal naquela época. Ele afirma que vieram filmes de Estados como Maranhão, Pará e Amazonas para concorrer na mostra. Um dos Estados que mais envioaram concorrentes foi o Rio de Janeiro, com 12 produções. Do Rio Grande do Sul, participaram curtas-metragens de Santa Maria, Porto Alegre, Novo Hamburgo, Santana do Livramento, Ijuí e Santo Ângelo. Além do amor ao cinema, o que atraía muitos produtores eram os prêmios que chegavam a 20 mil cruzeiros, um valor elevado se for levado em conta que o festival de Curitiba pagava 50 mil cruzeiros, os quais eram financiados pelo Instituto Nacional do Cinema. A diferença é que esse prêmio, em Santa Maria, não era entregue em dinheiro e, sim, em material fotográfico e fílmico. Em julho, já havia mais de dez filmes de Santa Maria inscritos no festival. Os organizadores do evento falavam com empolgação sobre as cartas com pedidos de informação que estavam recebendo. Roberto Bisogno lembra que o clima era de euforia na cidade, principalmente entre os superoitistas: Ele despertou a criatividade, a improvisação. Nós, de uma forma romântica e artesanal, conseguimos fazer alguma coisa. Sempre achei o cinema um meio de comunicação muito forte porque a mensagem está na imagem. Há quem diga que uma imagem vale mais que mil palavras, então, às vezes, o que agente queria ou tentava dizer, mostrava através de imagens e os filmes serviam como veículo do recado que queríamos passar. Eles eram muito bem recebidos. O Centro Cultural enchia de gente para assistir.53
52 Entrevista à autora em 29 de junho de 2012. 53 Entrevista à autora em 4 de setembro de 2012. 98
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Em uma de suas edições, a Revista Santa Maria explica a seus leitores o que é a tecnologia Super-8: Muita gente não sabe que Super-8 é uma bitola reduzida de cinema, originada do antigo 8 mm, e que agora vem tendo um grande impulso, devido ao seu baixo custo operacional. O cinema sempre exerceu uma atração muito grande em determinadas pessoas. Pessoas estas que muitas vezes se sentem até frustradas por não terem oportunidade de desenvolverem este seu gosto, devido ao alto custo da produção de um filme e devido às dificuldades técnicas de realiza-lo. 54 As lojas que vendiam equipamentos e filmes aproveitaram a oportunidade para tentar aquecer suas vendas e serviços. Algumas, como a Beltracolor, chegavam a oferecer a sonorização dos filmes. Figura 28 – Anúncio da loja Beltracolor
Fonte – Revista Santa Maria, junho de 1975
54 I Festival Regional do Filme Super-8. Revista Santa Maria, Santa Maria, Nº 32, jun. 1975. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Figura 29 – Anúncio da loja Foto Imperial
Fonte – Revista Santa Maria, maio de 1975
Uma das exigências para a participação no festival era a entrega do filme uma semana antes do começo da exibição dos curtas-metragens. As produções não passavam por seleção, mas eram avaliadas pela Divisão de Censura da Polícia Federal de Santa Maria. Normalmente, esse tipo de inspeção nos filmes era feito em Brasília, porém, como o festival tinha o apoio do Instituto Nacional do Cinema e seria demorado e caro mandar todos os filmes para passar pela análise na capital do país, houve um acordo para que esse processo ocorresse em Santa Maria. O festival repercutiu bastante na imprensa do Estado e até no restante do país: o Jornal do Brasil, o Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo noticiaram a realização do evento. Com isso, os censores ficaram atentos à mostra. Para a exibição do filme aos censores, que vieram de Porto Alegre, foi montada uma sala especial. Grassi lembra que, mesmo a maioria dos filmes não trazendo contestações, a presença da censura foi algo difícil de suportar: Havia um filme de um rapaz de Pelotas que não tinha nada demais. Era um romancezinho, os caras brigam por causa de uma guria. Eles brigam, na rua, na saída de uma boate. E um dos censores queria que eu cortasse a cena de briga de rua porque parecia subversão. Eu disse que não podia cortar porque o filme não era meu. Então, eu disse que proibissem, mas podia dar repercussão, eles não queriam assumir a proibição. Aí disseram que eu tinha de cortar e eu disse que não ia cortar. Mas deu a casualidade de esses caras de Pelotas chegarem. E o cara deu risada, e disse “pode cortar, eu 100
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quero mais é mostrar o meu filme”. Aí, ele mesmo chegou, pegou a montadora, cortou e emendou. Para mim, aquilo foi desagradável, eu senti a força da censura se metendo onde não deviam ter se metido. E deixaram passar outros filmes, por não entenderem que eram muito mais críticos.55 O sucesso do festival empolgou tanto que já se falava na segunda edição antes mesmo da realização da premiação dos filmes concorrentes. A expectativa era que, a partir de 1976, o evento passasse a fazer parte do Calendário Turístico do Estado. No entanto, um novo festival da bitola nunca aconteceu na cidade e, pelo que indicam as pesquisas consultadas, somente em 1976 é que um novo evento desse tipo acontece no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Em 1977, foi criada a mostra competitiva do Festival de Cinema de Gramado e um festival de Super-8 em Pelotas. Uma das curiosidades do festival santa-mariense é que ele conseguiu uma parceria com a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro para trazer à cidade filmes já premiados em outros festivais e fazer com que as produções gaúchas pudessem participar, da mesma forma, da II Mostra do Super 8, no Rio de Janeiro, em novembro daquele ano, mas não foram encontrados registros que comprovem que filmes de Santa Maria tenham sido levados ao Rio de Janeiro em 1975. Nenhum dos entrevistados ao longo do projeto lembra-se de ter visto produções suas concorrendo em outros festivais. Na verdade, mesmo para quem pesquisa a história do cinema no Estado, a existência do festival de Santa Maria surpreende. Questionados, por e-mail, sobre o evento, Nelson Nadotti, Calos Gerbase e Giba Assis Brasil, que participaram do movimento superoitista de Porto Alegre, afirmaram desconhecer o fato de Santa Maria ter tido um festival. Nadotti, inclusive, afirmou claramente que “para mim, é uma surpresa saber de sua existência. Achava que o primeiro festival de Super-8 tinha sido em Porto Alegre”. O cineasta Luiz Alberto Cassol lembra que, quando os cineastas da cidade chegavam a Gramado, eles eram conhecidos como “os loucos de Santa Maria”. Isso não tinha tom pejorativo algum e, sim, fazia referência ao fato de, mesmo com dificuldades, o grupo estar realizando produções no interior do Estado, algo que podia ser entendido como uma jogada que precisava de coragem. O festival ocorreu no Colégio Hugo Taylor, onde atualmente funciona o Supermercado Carrefour. O local contava com um salão de eventos, que ficava no mesmo lugar em que, nos anos 2000, foi instalado o Restaurante Dom Pierre. Muitas pessoas foram conferir os filmes. 55 Depoimento à autora em 28 de junho de 2012. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Figura 30 – Público lotou o salão de eventos do Hugo Taylor
Fonte – Revista Santa Maria, novembro de 1975
O júri do festival foi composto pelo delegado do Instituto Nacional do Cinema (INC), Paulo Nunes da Silva; pelo diretor da revista Rainha, padre Lauro Trevisan; pelo presidente do Diretório Central dos Estudantes, Anselmo Dallasta; pelo representante local do Instituto Nacional do INC, Antônio Carlos Arbo, e pelo superoitista santa-mariense Joel Saldanha. O grande vencedor do festival foi o filme Dia de Matar Porco, do Rio de Janeiro, sobre o qual não há referência de diretor. Modesto recebeu dois prêmios, o de melhor diretor por O Velório do Vicente Silveira, e de melhor documentário. Sérgio de Assis Brasil levou o troféu de melhor fotografia por Markova. Figura 31 – O velório do Vicente Silveira foi um dos premiados
Fonte – Acervo pessoal de Luiz Carlos Grassi 102
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Grassi lembra com entusiasmo do filme que ganhou menção honrosa no festival. Ganharás o Pão Com o Suor do teu Rosto, do Rio de Janeiro, sobre o qual não há referência a respeito do diretor, trazia uma forte crítica social, mas não foi barrado pelos censores: Era muito bem bolado. Foi o primeiro Super-8 em preto e branco que eu vi. Era um cara trabalhando com uma picareta. Durava uns cinco minutos, um pouco mais que a duração normal do rolinho. E o cara dê-lhe picareta, dê-lhe picareta, tu já não aguentava mais ver o cara de picareta. Ai no final aparecia “vocês estão cansados, né? Mas ainda faltam tantas horas para o fulano de tal poder comprar um pão”.56 Para o cineasta Luiz Alberto Cassol, que dirigiu o curta-metragem em homenagem aos superoitistas de Santa Maria, Super-70, o movimento Super-8 deixou uma herança importante para a cidade: Como qualquer geração, a da década de 70 teve acertos e erros. Houve brigas, se formaram pequenos grupos entre eles. O Sérgio dizia que ficou mais independente, foi fazer do jeito dele. Em determinado momento, há uma divisão e, depois, um entrosamento de novo.57 Após o Festival Regional do Filme Super-8, os registros sobre a produção superoitista em Santa Maria na década de 70 desaparecem. Segundo os cineastas ouvidos pela pesquisa, estava cada vez mais difícil encontrar os materiais para a produção de novos filmes. Com isso, aos poucos, o ritmo de produção foi caindo. Depois, com o surgimento do vídeo e da facilidade de exibição com os videocassetes, os realizadores acabaram por se dividir em dois grupos: aqueles que aderiram à nova tecnologia e os que não chegaram a produzir mais filmes. Como outros ciclos, este chegou ao fim, mas deixou sementes para novos projetos no futuro.
56 Entrevista à autora em 28 de junho de 2012. 57 Entrevista à autora em 14 de outubro de 2012. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho partiu da inquietação diante da inexistência de registros bibliográficos sobre o Movimento Superoitista dos anos 1970 em Santa Maria e da constatação de que, apesar da importância dele para a história do cinema no Rio Grande do Sul e no Brasil, até hoje ninguém havia se interessado por pesquisar este momento da produção cinematográfica da cidade. Era uma história desconhecida pela maioria dos moradores de Santa Maria e que estava ameaçada de cair no esquecimento. Observei que entre os próprios superoitistas muitas memórias estavam se apagando, afinal, passaram-se mais de quatro décadas desde que foi feito o primeiro filme e quase 40 anos desde o I Festival Regional do Filme Super-8. Ao assistir os debates e homenagens feitos anualmente pelo Santa Maria Vídeo e Cinema, constatei que o Ciclo Super-8 é ressaltado como o embrião do cinema local. Mas, academicamente, nunca existiram relatos claros sobre quem fez parte dele, suas influências e quais foram, de fato, as suas contribuições para o cinema local. Em livros, também não encontrei registros sobre o cinema feito naquela época na cidade. Por isso, esse est estudo se propôs a ir em busca desses dados. Ao longo da pesquisa, esses questionamentos começaram a encontrar algumas respostas e, à medida que este estudo tomou forma, pela primeira vez, criou-se uma bibliografia sobre o tema. A expectativa é que, a partir disso, outras pesquisas possam surgir sobre o cinema na cidade e que os dados obtidos por esta obra sejam capazes de contribuir para tais estudos e para manter viva a memória daquela época. A realização da pesquisa me permitiu observar que o Super-8 foi fundamental para democratizar o cinema na cidade, possibilitando a realização cinematográfica à pessoas que, antes desta tecnologia mais barata, não teriam condições de produzir seus filmes. Ele era um material encontrado facilmente em Santa Maria em pelo menos O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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três lojas, a Imperial, a Masson e a Beltracolor. A revelação também era facilitada pela Kodak, que tinha um sistema aparentemente eficiente de recolhimento dos filmes nas próprias lojas revendedoras. Apenas um entrevistado reclamou de troca de material com outro consumidor, referente a uma filmagem de uma viagem em família. O Movimento Superoitista foi responsável por um ciclo de oito anos, ao longo do qual foram produzidos, pelo menos, 11 filmes. Uma quantidade tão numerosa de obras ficcionais só voltaria a existir na cidade nos anos 2000, com a tecnologia digital. Além de produzirem seus filmes, os superoitistas também discutiram e promoveram encontros nos quais aconteceram debates sobre o fazer cinematográfico. Uma atividade semelhante a dos cineclubes. Com isso, eles ajudaram a fazer com que a linguagem do cinema local tivesse um amadurecimento e começasse a ter características próprias, já que é durante o Movimento Super-8 que surgem as primeiras experiências coletivas de cinema em Santa Maria. Até então, o que ocorriam, eram produções esparsas e isoladas. Justamente pelo entendimento de que é à medida que surgem novas indagações que se torna possível fomentar as discussões sobre o desenvolvimento do cinema santa-mariense, esta pesquisa não teve como objetivo responder a todas as perguntas sobre o cinema dos anos 70 em Santa Maria. Mas ela encontrou dados importantes, por meio de relatos de pessoas que se mostraram muito orgulhosas por terem feito parte da geração que fez do Super-8 a sua possibilidade de criação cinematográfica. Uns demonstraram o quanto estiveram envolvidos com este período, chorando durante os depoimentos, outros se esmerando em encontrar fotos ou recortes de jornal. O curioso é que boa parte desses materiais que eles acreditavam existir não foi localizado. Perdeu-se em caixas de mudança, ficou em lugar incerto dos depósitos, sumiu em meio a outros recortes. Era um passado que, como as folhas impressas do jornal A Razão – onde foram encontradas algumas das notícias da época –, está se apagando com o passar do tempo. Por isso, a importância de a pesquisa ter ido em busca desses relatos de pessoas que viveram tão intensamente aquela época, dividindo-se em diferentes funções, para que os filmes fossem não só realizados, mas também pudessem ser exibidos, ao menos aos mais chegados, em sessões no Centro Cultural. O fato de a história oral, por meio de entrevistas narrativas, ter sido usada como técnica de pesquisa, foi fundamental para que se pudesse recuperar aos poucos essas lembranças após cerca de 40 anos. Os entrevistados ficaram mais à vontade para compartilharem suas lembranças, sem a rigidez de um modelo estruturado em perguntas e respostas. Alguns chegaram a se questionar durante as entrevistas sobre como tinha começado seu envolvimento com o cinema e o que fez com que aquelas pessoas de áreas tão distantes das artes, como Odontologia e Medicina, fossem participar, juntas, de um movimento de produção cinematográfica. 106
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Diante da inexistência de bibliografia e de alguns trabalhos estarem totalmente esquecidos, houve algumas surpresas consideráveis ao longo do desenrolar do projeto. Uma delas foi quando Joel Saldanha pediu licença, durante uma das entrevistas, para buscar suas caixas de desenhos e começou a colocar sobre a mesa uma quantidade enorme de acetatos, que estavam guardados há décadas, desde que fez suas animações em Super-8 nos anos 1970. Ele ficou visivelmente emocionado ao perceber que muitos dos plásticos estão perdidos porque, por mais que tenham sido guardados com zelo, a ação do tempo fez com que ficassem tortos ou descascassem. Outro momento interessante foi quando realizadores como Carlos Gerbase, Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti afirmaram nunca terem ouvido falar do festival de cinema que ocorreu em Santa Maria. Ou seja, ao mesmo tempo em que, em eventos públicos, como o Santa Maria Vídeo e Cinema, a cidade diz ter orgulho do seu Movimento Super-8, pouco se fez até hoje para que, ao menos as pessoas saibam que esse ciclo santa-mariense existiu. O estudo realizado permitiu concluir que houve fatores que contribuíram para esse esquecimento ao qual foi relegado o cinema produzido na década de 70 na cidade. Eles começam ainda naquela época, quando o ciclo de exibição das produções ficou restrito às sessões do Centro Cultural, ao I Festival Regional do Super 8 e a algumas exibições improvisadas nas casas dos próprios superoitistas. Eles nunca chegaram a inscrever suas produções em outros festivais ou a exibi-las em mostras de outros Estados. Assim, o conhecimento sobre essas produções ficou restrito a quem morava em Santa Maria ou ouvia falar do cinema daqui sem conhecê-lo. Diferentemente do que ocorreu na Capital, em Santa Maria, os superoitistas não chegaram a formar público consumidor para as suas produções. À exceção do I Festival Regional do Filme Super-8, os filmes eram exibidos para um número pequeno de pessoas, o que contribuiu para que muitos deles fossem esquecidos. Além disso, em Santa Maria foram produzidos somente curtas-metragens e O Velório do Vicente Silveira, que pode ser considerado um média-metragem. Por fim, quem estiver interessado em assistir os filmes não encontra a maioria deles. À exceção de O Inimigo e O Herói, as produções só existem em Super-8, jamais foram digitalizados e quem tem os rolos – que nem sempre é o autor do trabalho ou alguém que viveu aquele período – pode não estar tão disposto a exibir um material que é bastante frágil e, em alguns casos, está corroído e desgastado, correndo o risco de o rolo se romper. Isso sem contar a necessidade de um projetor Super-8. Uma constatação sobre esse esquecimento que recai sobre o superoitismo santa-mariense é ele foi crescendo à medida que alguns dos produtores daquela época foram embora da cidade. Atualmente, a maioria dessas pessoas não vive mais em Santa Maria e reuni-las não é tarefa simples. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Ao abordar o cinema Super-8 em Porto Alegre, Seligman afirma que “o resquício mais importante que deixou o ciclo do cinema Super-8 foi o respeito que o cinema feito em Porto Alegre adquiriu por parte do público, dentro e fora do Rio Grande do Sul” (SELIGMAN, 1990, p. 99). Em Santa Maria, pode-se dizer que a herança foi outra. O Super-8 não tocou tanto o público quanto mobilizou quem tinha vontade de rodar filmes, provando que, mesmo longe dos grandes centros urbanos, era possível fazer cinema. Isso tem um efeito que perpassa toda a história do cinema local, chegando aos dias atuais, quando nomes como Luiz Carlos Grassi, Jair Alan Siqueira, Nicola Garofallo, Pedro Freire Júnior e Sérgio de Assis Brasil, todos da geração superoitista, acabam participando de uma nova safra de produções, entre elas Manhã Transfigurada (2008), o primeiro longa-metragem ficcional, comercial, de uma equipe santa-mariense, dirigido por Assis Brasil. Pode-se dizer ainda que o festival realizado na década de 70 serviu de incentivo para que surgisse na cidade o Santa Maria Vídeo e Cinema que, em 2012, chega à sua décima primeira edição. A partir deste novo festival, bem como dos cineclubes que se formaram ainda a partir dos anos 1970 e 1980, é que se pode falar em uma formação de público para o cinema feito na cidade. Isso sem contar que as nove primeiras edições do festival santa-mariense foram realizadas na Praça Saldanha Marinho e no Theatro Treze de Maio, locais centrais da cidade. As mostras na praça fizeram com que muitas pessoas, que estavam apenas de passagem, parassem para assistir os filmes. O Theatro, é bom lembrar, é o mesmo local no qual, nos anos 70, funcionou o Centro Cultural, o espaço onde os superoitistas se reuniam para planejar, editar e exibir suas produções. A partir das entrevistas realizadas para esta pesquisa, pude compreender que há necessidade de que os filmes que ainda existem sejam digitalizados a fim de que possam se tornar mais conhecidos e também que eles sejam analisados para que se possa ter uma compreensão mais aprofundada das temáticas, da fotografia e da direção. Como um filme que faz parte de uma saga e pede uma continuidade, esta pesquisa não é hermética. Há muito ainda a ser resgatado sobre a história do cinema em Santa Maria. Em relação ao Movimento Super-8, há outra análises e discussões que podem ser propostas, diferentes personagens podem ser ouvidos. Ainda há filmes perdidos que, quem sabe, em um golpe de sorte para o cinema local, no futuro possam vir a ser recuperados. O maior feito desta pesquisa, portanto, é ter dado um passo no caminho de mostrar que o nosso cinema, nos anos 70, existiu e uma coisa não se pode negar: ele foi super.
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“Na varanda, a cadeira de balanço range. É dado o sinal. Pontuais, lembranças se aconchegam. Era o vento. Sem o contador, as velhas histórias vagam nos jardins perdidas. Como ovelhas sem pastor.” SARA FAZIB
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APÊNDICES
Apêndice A
Linha
do tempo do Super-8 no Brasil
1965 A Kodak lança a bitola Super-8 com a intenção de que ela seja usada por amadores para registrar eventos familiares e viagens. 1968 Sérgio Silva dirige, em Porto Alegre, aquele que é considerado o primeiro filme em Super-8 gaúcho com preocupação artística: Sem Tradição, Sem Família, Sem Propriedade. 1969 Em Santa Maria, o cineasta Sérgio de Assis Brasil dirige o seu primeiro Super-8, um filme chamado Pentágono. Não se sabe se ele chegou a ser concluído. Surgem os primeiros filmes em Super-8 da Bahia, com destaque para o trabalho do cineasta Célio da Cunha Prata 1970 O desenhista Joel Saldanha produz, em Santa Maria, seu primeiro desenho animado em Super-8: O Guarda Pimpão.
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O cineasta Sérgio de Assis Brasil roda o curta em Super-8 Markova, considerado o primeiro trabalho de ficção superoitista da cidade que teve preocupação artística. 1971 Surge o ciclo superoitista de Teresina. As primeiras produções datam de 1971, mas o movimento ganha força no ano seguinte e dura até 1978. Uma das figuras centrais é o poeta Torquato Neto. O Teatro Universitário Independente (TUI) filma em Santa Maria e Silveira Martins o filme O Inimigo, que é exibido junto à peça Onde Não Houver Inimigo, Urge Criar Um, que percorre dezenas de cidades do Estado. 1972 Surge a Jornada Baiana de Curta-Metragem, que aceita trabalhos nas bitolas 16 mm e Super-8. 1973 É criado, em São Paulo, o Grupo de Realizadores Independentes de Filmes Experimentais (Grife), que marca época por incentivar e qualificar a produção em Super-8. O grife cria o Super Festival Nacional o Super-8. O evento se tornou a principal forma de exibição da bitola e continuou sendo organizado anualmente até a década de 80. Há os primeiros registros de filmes Super-8 em Pernambuco. O filme em Super-8 Grátia Plena é a única produção brasileira selecionada para o Festival de Cannes. 1974 São criados o I Festival de Cinema Super-8 do Ceará e o Festival Nacional Super-8 de São Paulo.
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O cineasta Sylvio Back lança, em Curitiba, o Festival Brasileiro de Cinema Super-8. Acontece a I Mostra do Cinema Super-8 do Recife. A Jornada Baiana de Curta-Metragem torna-se um evento nacional. É gravado em Santa Maria o filme O Velório do Vicente Silveira, de Modesto Wielewicki, uma das mais importantes produções nessa bitola realizada na cidade. 1975 Surge o I Festival de Cinema Super-8 do Ceará. É realizado em Santa Maria o I Festival Regional do Filme Super-8. Termina a proibição do Instituto Nacional de Cinema de que haja exibição dos filmes em Super-8 com fins comerciais. 1976 O Super-8 é considerado supérfluo e a sua importação é proibida no Brasil. A prefeitura de Porto Alegre promove um concurso de filmes em Super-8 que incentiva muitos jovens realizadores a se dedicarem à bitola. São criados em Porto Alegre os grupos superoitistas Humberto Mauro e Câmera 8. Além de produzir filmes, eles promoveram debates, oficinas e encontros que qualificaram os realizadores. 1977 A importação de materiais em Super-8 volta a ser permitida, porém, a nova política de importação do governo brasileiro aumenta a tarifa de importação de equipamento e película.
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Ocorre o I Festival do Super-8 do Recife. É criada a mostra competitiva de Super-8 no Festival de Cinema de Gramado. É criado o Grupo 8, de Pernambuco, o qual se preocupou com a profissionalização dos cineastas. 1978 Pela primeira vez, filmes em Super-8 são exibidos em espaços tradicionalmente comerciais de Porto Alegre. 1979 A Jornada da Bahia deixa de aceitar a inscrição de filmes em Super-8. É criado o I Congresso Nacional do Super-8 da Bahia. 1980 É criado o Festival Abertura 8, no Paraná. 1981 O primeiro longa-metragem gaúcho em Super-8 é exibido no Festival de Cinema de Gramado: Deu Pra Ti, Anos 70! 1982 São filmados os longas-metragens gaúchos em Super-8 A Palavra Cão Não Morde e Coisa Na Roda. 1983 São rodados os longas-metragens gaúchos em Super-8 Calma Violência e Aipimandioca.
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1984 São filmados em Super-8 os longas-metragens gaúchos Inverno e Tempo Sem Glória. 1987 A gravação das imagens em vídeo tape analógico ganhou força e os videocassetes se tornaram cada vez mais populares e baratos. 1995 Uma nova geração de cineastas gaúchos, entre eles nomes de Santa Maria, começa a utilizar o Super-8 em suas produções. A bitola, porém, não tem mais a característica de ser um meio de registro das experiências de um grupo e passa a ser visto como um recurso de linguagem.
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Apêndice B
Fichas técnicas dos filmes Super-8 Título Original: Pentágono Ano: 1968 Ficção Direção: Sérgio de Assis Brasil Roteiro: Sérgio de Assis Brasil Câmera: Sérgio de Assis Brasil Elenco: não há registro. Sinopse: roteiro desconhecido. Estado: não se sabe se o filme foi concluído.
Título Original: O Guarda Pimpão Ano: 1969 Animação Direção: Joel Saldanha Roteiro: Joel Saldanha Câmera: Joel Saldanha Sinopse: desenho em preto e branco que mostra a história era de um O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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batedor de carteiras que é perseguido de um lado para o outro por um guarda e, no final, é preso. Estado: o rolo foi preservado
Título Original: Markova Ano: 1970 Ficção Direção: Sérgio de Assis Brasil Roteiro: Sérgio de Assis Brasil Câmera: Sérgio de Assis Brasil Elenco: Luiz Bragança de Moraes e Jussara Weinmann Sinopse: Casal vive conflitos da adolescência Estado: o rolo foi preservado
Título Original: O Inimigo Ano: 1971
Ficção Direção: Clenio Faccin e Luiz Carlos Grassi Roteiro: Clenio Faccin, Luiz Carlos Grassi e Reinaldo Pedroso 128
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Câmera: Luiz Carlos Grassi Elenco: Reinaldo Pedroso e Clenio Faccin Sinopse: O filme era apresentado como introdução da peça de teatro Onde não houver inimigo, urge criar um. Um policial vê em um hippie um inimigo em potencial e passa a persegui-lo. O hippie consegue enganar o policial ao longo de uma série de gags, até ser detido, neste momento, começa a peça. Estado: o rolo foi preservado. Há cópia digitalizada do filme.
Título Original: O Caminhãozinho Ano: 1972
Gênero: ficção Direção: Luiz Carlos Grassi Roteiro: criação coletiva do Grupo de Cinema do Centro Cultural O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Câmera: Roberto Bisogno Elenco: Ivanise Spezia e Sérgio Weigert, Sinopse: Jovem se apaixona por um rapaz. Um dia, chega à cidade um caminhão e ele decide fugir em cima do veículo. Estado: o filme foi concluído e montado, mas o rolo está perdido
Título Original: O Herói Ano: 1972
Ficção Direção: Pedro Freire Júnior Roteiro: criação coletiva do Grupo de Cinema do Centro Cultural Câmera: Luiz Carlos Grassi Elenco: Naldo Dias Alves, Cláudio Beltrame, Inaiá Grassi Sinopse: jovem rebelde ao se apaixonar se obriga a mudar de vida, a caminho do casamento Tudo parece ir bem até que ele rebela e foge. Estado: não foi concluído
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Título Original: O Trapalhão Ano: entre 1972 e 1974 Ficção Direção: indeterminada Roteiro: indeterminado Câmera: indeterminado Elenco: indeterminado Sinopse: homem vai assaltar uma mulher, mas tudo dá errado e ele leva uma guarda-chuvada na cabeça. Estado: o filme foi gravado em uma aula de Modesto Wielewicki e está desaparecido
Título Original: O Velório do Vicente Silveira Ano: 1974
Ficção Direção: Modesto Wielewicki Roteiro: Adaptação de Modesto Wielewicki para o livro The Sculptor Funeral, da escritora inglesa Willa Carther’s Câmera: Paulo Roberto Pithan Elenco: Luiz Carlos Grassi, Clenio Faccin, Modesto Wielewicki, Cerejinha, José Luiz Duarte O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Sinopse: um intelectual, nascido em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, morre no Rio de Janeiro. Depois de uma longa viagem de trem, o corpo chega para o enterro na pequena cidade natal. Um artista, amigo do morto, acompanha o corpo desde o Rio de Janeiro. Quando o caixão chega, começa um clima de fofoca, especulando que o falecido, por ser um artista, era gay. Até que um advogado acaba por contar os podres da população interiorana. Estado: o rolo está desaparecido.
Título Original: Santa Maria Ano: 1974 Documentário Direção: Roberto Bisogno Roteiro: Roberto Bisogno Câmera: Roberto Bisogno Sinopse: Os contrastes da cidade de Santa Maria com seus casebres e casarões Estado: o rolo foi preservado
Título Original: O Desenho Animado e sua Técnica Ano: 1975
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Didático Direção: Joel Saldanha Roteiro: Joel Saldanha Câmera: Joel Saldanha Sinopse: Desenho didático que mostra como fazer uma animação. Estado: o rolo foi preservado e está digitalizado
Título Original: Miados & Ronrons Ano: 1976
Animação Direção: Joel Saldanha Roteiro: Joel Saldanha Câmera: Joel Saldanha Sinopse: os Miautralhas, um grupo de gatos, faz o resgate de uma diva do teatro, chamada Mimi Taylor, que é raptada por um gato malvado e um rato ardiloso após um espetáculo de teatro. Estado: o rolo foi preservado e está digitalizado.
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Apêndice C Transcrição das entrevistas
Entrevista de Luiz Carlos Grassi Naturalidade: Santa Maria Idade: 67 anos Profissão: Dentista, jornalista, diretor de cinema e presidente da Estação Cinema Data da entrevista: 28 de junho de 2012 Duração: 51’ Quais são as suas primeiras lembranças sobre o Super-8? Luiz Carlos Grassi – Eu vou falar um pouco de mim, antes porque aí eu vou lembrando mais atrás um pouco até chegar ao cinema. Eu lembro que aqui nesse pátio tinha um quintal, onde meu avô tinha um pomar, frutas, flores, legumes. E eu brincava muito nesse pátio, que era grande. Brincava de filme, de mocinho, bandido, mas sempre imaginado que era personagem de um filme. Eu não sei exatamente quando a minha relação com o cinema começou, mas eu me lembro do primeiro filme que assisti. Não do nome do filme, mas que era um desenho animado, preto e branco, que tinha um gato em cima de um piano. Foi em Porto Alegre no salão paroquial de uma igreja. Sempre tive essa coisa do cinema tangenciando a minha vida. Antes de entrar para a universidade e fazer o curso de Odontologia, eu já tinha uma queda pelo teatro. Tanto que eu já tinha feito um teste com o Freire, lá no antigo Teatro Universitário. O teatro era lá onde hoje é a boate. Deixo aqui meu protesto porque era teatro, foi fechado com a revolução porque o teatro não era bem visto, depois a esquerda venceu a eleição do DCE e nunca mais fechou, mas funcionando como boate, o teatro jamais reabriu. Sempre gostaram do dinheiro que a boate gerava e a cultura ficou em segundo plano. Fiz teste na escola de Teatro Leopoldo Fróes.
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A peça do Freire, acho até que eu tinha sido selecionado, mas não saiu por conta da revolução. Eu gostava de fotografia passei a ler algumas coisas sobre cinema. Me interessei pelo cinema. Quando me formei em odontologia, eu me casei. E o meu cunhado tinha uma filmadora 8 mm, que era um pouquinho diferente do Super-8, mas era uma filmadora de uso doméstico também. Eu peguei aquela filmadora, que ele não mexia, e comecei a filmar bobagens de família, viagens, praia... E comecei a mexer com montar os filmezinhos e fui me despertando olha isso é legal, essa imagem pode vir depois dessa. Olha aqui, bota mão ali, abre a porta, daí a câmera passa para o outro lado e vai dando a sequência estética cinematográfica. Então, aconteceu que eu voltei a conviver com o pessoal de teatro, com o Clenio, que era meu amigo desde criança, o Clenio Faccin, e ele veio com a ideia de uma peça de teatro que se chamava Onde não Houver Inimigo, Urge Criar Um. Era uma pecinha curtinha, de 45 minutos, e que o próprio autor recomendava que antes da peça se fizesse uma exibição se slides, mostrando o que havia acontecido antes. E aí eu sugeri, “por que a gente não faz um filme, um filme em Super-8?”. Isso foi em 1970, 1971. E aí nós fizemos o roteiro, o Clenio, o Reinaldo Pedroso, que era o outro ator, e eu. A peça era meio surreal, era um humor negro e, ao mesmo tempo, muito severo na crítica à censura e à ditadura. Nós fizemos dentro desse espírito, mas uma comédia, estilo pastelão, na época do cinema mudo. Onde mostra um cara correndo de um lugar para o outro e um policial perseguindo ele. Era um hippie e um policial que perseguia ele. Até que, depois de muita trapalhada, o policial era meio tapado, ele prendeu o cara, e bota pra dentro da delegacia, apaga a luz do palco, a tela se fecha e aí eles entram na delegacia ao vivo, e aí começa a peça ao vivo na delegacia. A gente conseguiu espichar o espetáculo dos 45 minutos para quase uma hora. E a partir daí sim, eu comecei a ler muito, me interessar, estudar, participar de grupos. Até que o Freire me convidou para criar um grupo, que se chamava Grupo do Departamento de Cinema do Centro Cultural. Era um nome dado por nós que não tinha nada de oficial, a gente se reunia no centro Cultural porque o Freire era o diretor do Centro Cultural, onde hoje é o Theatro Treze de Maio. E naquela época o Centro Cultural era o que é hoje a Secretaria de Cultura, porque não havia Secretaria de Cultura. E, ali, a gente reuniu um grupo de quase 20 pessoas e começamos a debater, a estudar cinema. A gente influenciava a direção do cinema a trazer filmes bons para a gente assistir e debater. Uma vez por semana tinha reuniões, parece que era às segundas-feiras. Naquela época, os filmes não ficavam temporadas nas salas de cinema. Na mesma semana, trocava duas ou três vezes de filme, e a gente levava esses filmes para as pessoas assistirem. Começou a crescer cada vez mais o interesse e a gente começou a achar 136
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que só estudar não bastava, a gente queria fazer filmes também. A gente fez um filme, que está perdido, foi um filme que eu dirigi, eu acho que eu tenho uma pista dele agora. Dentro de uma mala do Clenio, quando eu estava remontando inimigo de novo, eu achei um rolo que pode ser o que estamos procurando. A gente chamava ele de O Caminhãozinho, mas nem nome tinha. A gente fez um roteiro. Eu nem lembro mais bem como era a história. Era uma moça que se apaixona por um rapaz e o romance deles não dá certo, tem alguma coisa que afasta os dois e um dia passa um caminhão pequenininho, um caminhãozinho, ele trepa na carroceria e vai embora e termina o filme. A gente fez quase um “Deus ex machina” para encerrar o filme. Depois nós fizemos outro filme, que a direção foi do Freire. Esse filme a gente não chegou a concluir, eu tenho quase todo, faltou filmar algumas coisas. A gente não chegou a concluir porque o ator principal, que era o Naldo Dias Alves, se formou em medicina e foi embora para o Rio. Então, nós ficamos sem o ator principal e não chegamos a terminar o filme. Esse eu tenho todas as cenas filmadas, está digitalizado e eu fiz uma montagem que, às vezes, circula por aí. O Cassol usou algumas cenas no documentário Super -70. De produção naquela época foi mais ou menos isso que aconteceu. Você falou que todos tinham ideias, como escolhiam o que seria gravado? Grassi – A gente se reunia todas as segundas-feiras à noite lá no Centro Cultural. E em volta de uma mesa se colocava as ideias. A gente marcava um dia para apresentarmos as ideias e cada um apresentava e defendia a sua proposta. A gente discutia cada uma delas e optava por uma ou por outra. O roteiro era feito predominantemente por uma pessoa, mas com sugestões e apoio de todos. Não era absolutamente coletivo, mas também não era absolutamente individual. Tinha pitacos de todo mundo. E na produção também tinha funções fixas, como diretor, câmera, mas todo mundo dava palpite. Era bastante amador. Nesse mesmo período, o Sergio de Assis Brasil, começava o seu caminho pelo cinema, ele começou com Super-8 também. O primeiro do grupo que eu participei foi O Inimigo, mas antes, o Sérgio fez um que se chamava Markova. O Sérgio fez outros e fez coisas que filmava a cidade, sem maior preocupação do que mostrar pessoas passando. Aí, no começo dos 70, chegou na cidade o Modesto Wielewick. O Modesto tinha uma escola de inglês, e louco atrai louco, acabamos nos encontrando. Ele gostava de tomar uma cerveja, eu também, ele gostava de fotografia, eu também, ele gostava de cinema, eu também, então viramos amigos e irmãos na verdade. Ele nunca fez parte do grupo do Centro Cultural porque ele dava aula à noite, mas ele sempre O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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estava em contato com o pessoal. E ele resolveu também fazer um filme e me convidou, ele fez o roteiro, uma adaptação de um conto americano, que eu não lembro o nome em inglês, mas ele fez a transposição para cá com cuidado nos mínimos detalhes, não ficou nada de americano na história. Ele contava a morte de um artista, um intelectual, que morreu em uma cidade grande, tipo o Rio de Janeiro, e ele era de um lugarejo bem pequenininho. Daí vem o corpo dele de lá para cá e junto com o corpo vem um amigo dele. Tem a chegada do corpo, o translado do corpo e o velório. E as histórias começam a circular no velório. Era sonoro esse filme. Era Super-8 sonoro, foi gravado som. Eu fui um dos atores, e ajudei o Modesto em tudo, fiz assistente de direção, fiz iluminação. Fiz um monte de coisas, um monte de coisas certas e um monte de coisas erradas. Esse filme foi feito em 1974. Em 1972, eu fiz vestibular para comunicação, entrei. Era dentistas mas gostava de teatro. Não tinha curso de cinema, então fui fazer comunicação porque pelo menos devia ter algumas cadeiras de cinema. Em 1975, eu fiz um estágio na Revista Rainha e era editor da Revista Santa Maria. Eu e o Modesto íamos a todos os festivais de Gramado. E, lá, um jornalista que era aqui de Santa Maria, o Victor Morais, que era do Correio do Povo, me desafiou “por que vocês não fazem um festival de cinema amador em Santa Maria?”. Super-8 nem se pensava em festival naquela época. Eu me senti desafiado porque ele colocou no Correio do Povo que estava lá o Luiz Carlos Grassi no festival de cinema e tal. Aí eu voltei para cá, falei para o padre Lauro Trevisan, da Revista Rainha, e ele topou. Eu organizei o festival e, em 1975, fizemos um festival onde hoje é o restaurante Dom Pierre, antigamente era ali o auditório do Hugo Taylor. Foi muito legal, foi o primeiro de filmes super-8 do Rio Grande do Sul e não sei se não foi um dos primeiros do Brasil. Vieram filmes de todo o Brasil para cá. Veio de Belém do Pará, de Manaus. E não teve seleção. Os que vieram foram exibidos. Como o festival repercutiu bastante na imprensa do Estado todo e até do Brasil. O Jornal do Brasil, O Estadão ou A Folha noticiaram também. Em Santa Catarina também. Aí a Censura veio. Veio a censura e quis ver os filmes antes. Aí, onde era a escola do Modesto, nós fizemos numa sala de aula para mostrar os filmes para eles. Havia um filme de um rapaz de Pelotas que não tinha nada demais. Era um romancezinho, os caras brigam por causa de uma guria. Eles brigam, na rua, na saída de uma boate. E um dos censores queria que eu cortasse a cena de briga de rua porque parecia subversão. Eu disse que não podia cortar porque o filme não era meu. Então, eu disse que proibissem, mas podia dar repercussão, eles não queriam assumir a proibição. Aí disseram que eu tinha de cortar e eu disse que não ia cortar. Mas deu a casualidade de esses caras de Pelotas chegarem. E o cara deu risada, e disse “pode cortar, eu quero mais é mostrar o meu filme”. Aí, ele mesmo chegou, pegou a montadora, cortou e emendou. Para mim, aquilo foi desagradável, eu senti 138
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a força da censura se metendo onde não deviam ter se metido. E deixaram passar outros filmes, por não entenderem que eram muito mais críticos do que esse. Um dia, conversando com o Giba, nós chegamos à conclusão que nós começamos aqui antes deles em Porto Alegre, só que nós nunca ousamos em fazer um longa-metragem e eles foram adiante com a proposta deles, para o 35 mm. Depois, começaram a aparecer as primeiras câmeras de vídeo, o videocassete, o filme Super-8 foi ficando raro, difícil, tinha de mandar para o exterior para revelar e morreu. Em Santa Maria o cinema só volta nos anos 2000, quando surge o digital. Antes da realização dos filmes em Super-8 havia produções de cinema na cidade? Grassi – Não. O que houve foram Os Abas Largas, que era uma produção carioca. Teve autores locais, mas era um filme carioca, que os caras resolveram fazer um western ambientado no Rio Grande do Sul. Eu lembro do filme. Bandidos roubam gado, a polícia montada, Os Abas Largas vão atrás, tem mocinho, mocinha. O Caneda filmou muita coisa em 16mm. Santa Maria era capital dos desfiles e ele filmou muitos eventos. O Nicola aproveitou as imagens dele, resgatou esse passado da cidade. E tinham outras pessoas que filmavam em Super-8 que cederam imagens para o Nicola e o Nicola levou para o Rio e digitalizou. O Caneda teve uma ousadia maior. Ele fez um filme, A Ilha do Tesouro. A família tem o filme ainda. Era 16 mm e ele fazia experiências com gravador para colocar som. Ele exibia os filmes na vitrine da loja dele de fotografia, na Avenida Rio Branco. Ele botava na vitrine de noite e ficava passando o filme dele. Era bem interessante. Diz ele que um cara copiou o filme dele e ficou com uma cópia VHS e o original sumiu. É uma pena. Os Abas Largas está difícil de conseguir a telecinagem também. É algo caro, tem a questão da herança. O Modesto filmou muitas coisas da cidade também. Ele filmou festas, desfiles, inaugurações. Naquele festival de filme Super-8 ele chegou a ganhar um filme de documentário, com algumas imagens da cidade. Já que você falou no prêmio, como foi a premiação do festival? Grassi – Tinha um trofeuzinho de madeira em formato de filmadora super-8. O Sergio ganhou um prêmio, acho que de melhor diretor. O melhor filme foi do Rio de Janeiro. Era muito bem bolado. Foi o primeiro Super-8 em preto e branco que eu vi. Era um cara trabalhando com uma picareta. Durava uns cinco minutos, um pouco mais que a duração normal do rolinho. E o cara dê-lhe picareta, dê-lhe picareta, tu já não aguentava mais ver o cara de picareta. Ai no final O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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aparecia “vocês estão cansados, né? Mas ainda faltam tantas horas para o fulano de tal poder comprar um pão”. Por isso que eu disse, tinha uma crítica social e os censores deixaram passar. Os censores vieram de Porto Alegre. O festival foram duas ou três noites. Ninguém fazia Super-8 longo, porque era muito frágil, não dura. Se tu visses o estado que estava o Inimigo quando o Clenio trouxe, todo rebentado. Rebenta de tanto projetar, queima o filme quando tranca. O inimigo devia durar quase 15 minutos ficou com cerca de nove. Sequências inteiras se perderam. Você falou que todos traziam ideias para os filmes. E os atores, quem eram? Grassi – Era o pessoal do grupo. Como o freire tinha o grupo de teatro, o grupo Presença, então tinha atores. Mas todo mundo se dava, a onde estava alguém mexendo com teatro e cinema, as pessoas viviam próximas. Muita gente foi ver o festival? Grassi – Lotava. Eu já estava no segundo ou terceiro ano de faculdade e tinha de matar aula para assistir. E o pessoal ia. Um auditório que rinha capacidade para cem pessoas, colocar 70 é um feito e tanto. Além do grupo de vocês, havia outros de super-8 na cidade? Grassi – Eu não conheço outras experiências. Éramos nós, o Modesto e o Sergio. Muitas pessoas filmavam aniversário da família. Teve um cara que fazia desenho animado com Super-8 e fazia muito bem. Eu tenho curiosidade em ver os filmes dele. O Joel Saldanha. Ele fazia desenhos muito bonitos. Ele tinha uma caixa com planos diferentes, bem como Disney fazia. Ele fazia em celulóides, não eram chapados. Ele era muito caprichoso. Me lembro de ter visto um desenho dele na aula da comunicação. Quando foi a disciplina de cinema eu e o Jair Alan demos aula porque não havia professor, então convidamos ele. Era aquela animação bonita, perfeita. Não era estática, mexia tudo. E como era o acesso aos materiais? Grassi – Filmadora super-8 muita gente tinha. E filmadoras boas. O Modesto, quando fez o Velório do Vicente Silveira, usou uma Canon 1014, que era o top de linha de todas as super-8. O Inimigo foram usadas duas câmeras, uma Ca140
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non e uma Bauer, alemã, que era uma câmera muito boa. Iluminação que a gente tinha de se virar, conseguia mais de teatro do que de cinema, não dava para fazer um trabalho de iluminação direito, como se faria hoje. Naquela época, a gente comprava os rolos de filme na quinta ou na sexta-feira, no fim de semana a gente filmava, na segunda-feira mandava revelar e, na sexta-feira os filmes estavam aqui de volta. Iam para São Paulo os filmes para revelar. Ia por malote. A Kodak tinha um serviço rápido e eficiente. Tinha serviço na Imperial e na Beltracolor, do Beltrame, que era nosso grande parceiro. Ele era membro do grupo de cinema e sempre conseguia umas barbadas, filmes com desconto, ou dava desconto na revelação, não cobrava a parte dele na venda ou revelação. Nas segundas-feiras, nos reuníamos no Centro Cultural para vermos os filmes. A montagem do filme esse que está sumido foi feita no centro cultural, numa sala onde hoje é aquele espaço entre a plateia e o mezanino. gente cortava o filme, pendurava com prendedores de roupa, parecia uma cabeleira de fios de super-8. A questão do custo do Super-8 foi um incentivo para vocês? Grassi – Com certeza. Era o que tinha disponível. Tinha as câmeras para vender aqui e tinha os filmes. Era bem legal o movimento na época tinha consumo e tinha consumidores. A coisa quando é organizada, não é movimento. Movimento é quando surge espontaneamente e as pessoas se identificam e começam a fazer alguma coisa parecida. Muito material de vocês já se perdeu? Grassi – Muita coisa. Infelizmente, muita coisa. O nosso primeiro filme, teoricamente está perdido. Acho que eu vi um fragmento dele em meio às malas que o Clenio me trouxe, mas teoricamente, ele está perdido.
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Apêndice C Transcrição das entrevistas
Entrevista de Modesto Wielewicki Naturalidade: Arapongas – PR (em memória) Profissão: empresário Data da entrevista: 29 de junho de 2012 Duração: 40’57’’ Eu gostaria que o senhor começasse contando como foi a sua participação no movimento Super-8. Wielewicki – Hoje, eu tenho 69 anos. Naquela época, tinha uns 30. Eu era professore de inglês, tinha a escola Filadélphia, no edifício São Pedro, no sétimo andar. Eu usava também, como tinha alguns aparelhos de gravação, uma discoteca boa e sempre gostei de fotografia, usava tudo isso para a fotografia também. O que a gente fazia era o seguinte. O Super8, na verdade é uma miniatura de filme celulóide. Ele passa a 24 quadros por segundo, como o 35mm ou o 16mm. E agente resolveu fazer um filme com o padrão, o ritual de cinema profissional. Fazia claquete, ensaios e tudo. Bem cuidadoso. Tinha uma pessoa que era continuísta, que cuidava que se você estava de chapéus, você ia usar o mesmo chapéu na próxima cena e isso era recolhido no fim da filmagem. Isso se passava no século passado, tinha de conservar as mesmas roupas, as mesmas sombras. Santa Maria era uma cidade muito pobre e tinha muitos estudantes que gostavam de cinema. Naquela época, a televisão era nada. A diversão era cinema. Tinha dois cinemas na praça. Eu dava aula até as dez horas da noite, depois a gente ia à última sessão. Eu assisti aos melhores filmes da minha vida aí em Santa Maria. E tinha muita gente que gostava o cinema estava sempre lotado.
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Eu estava me preparando para fazer outro filme. Tinha um engenheiro que era do Rio de Janeiro e estava aí em Santa Maria. Ele construiu uma Dolly para empurrar a câmera e tudo. Ia ser um filme policial. Eu já tinha até conversado com o pessoal da Brigada Militar, ia usar aqueles Opalas da polícia. O pessoal colaborava [...]A gente se correspondia com uma revista que se chamava Super 8 Filmmaker, dos Estados Unidos, e eu falei que estava fazendo um filme e que precisava de umas cenas de rua em Nova York. O cara filmou os carros da polícia correndo, um caminhão entregando jornal, cenas de trânsito e eles mandaram e não cobraram nada. Eu não usei porque não concluí o filme. As pessoas colaboravam bastante? Wielewicki – Nossa, tinha um supermercado que o homem deu 10 rolos de filme e pagou a revelação e deu lanches ainda porque a gente filmava à noite, depois das dez da noite porque o pessoal e estudava e trabalhava. Começou a época do Super-8 e eu tinha um amigo, que era o seu Cláudio Beltrame, que era dono da Beltracolor, ele facilitava, até emprestava câmeras. Havia muita colaboração. O Sérgio de Assis Brasil, o Clenio Faccin já tinham feito alguma coisa, mas era pouco, Quando eu cheguei, eu joguei pesado. Comprei as melhores câmeras, luzes, fazia profissionalmente para sustentar o cinema. Filmava casamentos, bailes de debutantes; mas aí, depois, tem um loteamento em Camobi, um condomínio fechado e eles fizeram o lançamento e eu filmei, fiz um negócio bacana e eles me pagaram, a Uglione também me pagou porque o pessoal veio se exibir com os carros em duas rodas e eu filmei de dentro do carro, do meu ponto de vista. Esse documentário foi comprado pela General Motors. O Super-8 você poderia usar em qualquer lugar e era barato filmar e o 16mmm só poderia usar em pouquíssimos lugares. Mas tinha filmes que eram feitos em Super-8 e ampliados para 16 mm. De vez em quando, aconteciam uns milagres. O senhor lembra quando viu pela primeira vez uma filmadora Super-8 na cidade? Wielewicki – Eu vi uma Canon na loja Beltracolor. Mas eu também comprei uma Yashika do Sérgio de Assis Brasil, daí eu fui trocando, sempre evoluindo para uma câmera melhor. E as vezes tinha duas ou três câmeras porque a mesma cena tinha de filmar de diferente ângulos. Era mais barato filmar em Super-8? Wielewicki – Era relativamente barato. O que era caro era o filme que ti144
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nha de comprar e mandar revelar. Ia para São Paulo para revelação. Alguns rolos iam para o Panamá. Porque era um filme de uma qualidade excepcional, lindo, e só era revelado no Panamá e nos Estados Unidos. A gente se correspondia com uma revista que se chamava Super 8 Filmmaker, dos Estados Unidos, e eu falei que estava fazendo um filme e que precisava de umas cenas de rua em Nova York. O cara filmou os carros da polícia correndo, um caminhão entregando jornal, cenas de trânsito e eles mandaram e não cobraram nada. Eu não usei porque não concluí o filme. Como começou o seu contato com o Super-8? Wielewicki – Eu comecei com os casamentos porque precisava sustentar o hobby. Mas foi legal porque eu estudei isso. Eu importei livros da Universidade do Canadá e da Academia de Hollywood. O Grassi também estudava, o Sérgio... Porque o senhor não participava do grupo do Centro Cultural? Wielewicki – Eu sempre tive uma certa desconfiança do pessoal acadêmico. Eu preferia o pessoal que realmente colocava a mão na massa, mas me dava bem com todo mundo. Eu ia para Gramado sempre e filmava os festivais de cinema e, depois alugava para o Bob Som e ele passava nos bailes depois, durante a festa ele ia passando na parede. Onde não Houver Inimigo, Urge Criar Um, foi o primeiro que o Grassi o pessoal fizeram. Depois, os meus alunos, que eu dei um curso de cinema, fizemos O Trapalhão, O cara ia assaltar uma mulher, dava errado, e ele levava uma guarda-chuvada na cabeça. O Grassi levava os filmes para exibir no curso de Comunicação da Universidade. Eu dava aulas particulares. Eu fazia slides com as cenas, os ângulos, tipos de lente para o pessoal estudar. Tudo em Super-8. A Câmera ficava à disposição, e eles faziam rodízio, uma hora o cara era ator, depois trocava. O pessoal adorava. Eu dei vários cursos. Era mais ou menos até 10 alunos por turma porque tinha de dar uma atenção bem particular para cada um, então não podia ser muita gente. Eu fui trabalhar na Transbrasil, depois, e filmei documentários do Brasil inteiro, para passar nos aviões. Quando entrou o vídeo, eu vendi tudo e não quis mais saber. Porque, agora, com o digital, o cara compra uma porcaria e se julga fotógrafo ou cineasta. Eu desisti. Mas tenho vontade de voltar. Eu registrei a Avenida Rio Branco, A Bozano, a Acampamento, muito legal. Os filmes, com o tempo colaram um no outro e perdi muitos filmes. Eu morei em São Paulo num apartamento e viajei e entrou umidade pelo ralo e estragou tudo.
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E o senhor não tem vontade de restaurar esses materiais? Wielewicki – Uma filha minha que é fotógrafa, quer recuperar porque tem muito da infância dela. Mas eu tentava fazer que tivesse um registro interessante. Não esse negócio de neném, queria fazer uma coisa bonita. Como a sua paixão por cinema o levou a ser um diretor de Super-8? Wielewicki – A evolução para o Super-8 foi natural. Eu era professor de inglês e traduzi um pequeno romance do inglês para o português, da Willa Carther’s, adaptei à época, e achei uma evolução natural. Ela era uma escritora homossexual, que fez um livro chamado The Sculptor Funeral, O funeral do escultor. Eu adaptei porque ele se passava depois da Guerra da Secessão, nos Estados Unidos, e eu adaptei para depois da Guerra do Paraguai. E coloquei no interior do Rio Grande do Sul. Nós fomos para o distrito de Arroio do Só, conseguimos carroção, caixão de defunto, e cada um fez a sua roupa. Era uma dúzia de pessoas mais ou menos. A gente se organizava em caravanas. As pessoas não ficavam curiosas? Wielewicki – Muito, “Tinha uma cena que o caixão passa na rua, e foram abrir a igreja correndo, achando que iríamos levar um morto para lá. Perguntavam quem era o morto”. Nós só usamos as rodas e a parte de carga do trem, porque a locomotiva era moderna. E usamos a gravação do apito do trem, que dava a ideia de ser um trem mais antigo. Dava a ilusão de ser um trem. Pedimos autorização para a viação férrea e eu pesquisei para ver se havia energia elétrica. Recuperamos todo o estilo, cuidamos para não aparecer nenhuma cena de televisão. Como foi a divulgação? Wielewicki – Fui na TV Imembuí, para chamar quem tivesse interesse em fazer cinema fosse participar dos testes. Foi bastante gente. É incrível como o pessoal se entusiasma. Marquei a data e o pessoal se reuniu na escola. A gente fez testes, fotografou para saber a fotogenia. Tudo aconteceu sem nenhum incidente. Tinha uma espécie de uma comissão que julgava, eu fazia as fotos, ouvíamos a voz. A gente ia filmar com som e naquela época era raro. Podia gravar direto ou em fita e, depois, fazia a transcrição, fazíamos na Rádio Universidade.
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Quem formava a sua equipe? Wielewicki – Tinha o Grassi, que era mão direita. Tinha a minha esposa, Lurdinha, que era professora de inglês também, que ajudava. Tinha o Pithan, que foi gerente do jornal O Pioneiro, de Caxias, e hoje tem agência de publicidade. A mulher dele não gostou quando eu convenci ele a largar o emprego e entrar numa área de risco. O pai, a mãe e a madrasta eram entusiasta mesmo. Eles fizeram umas roupas. O Grassi tem de te mostrar. Tinha um maluco de Santa Maria, o Eloy, muito louco, mas muito legal. Ele entrava com um pouco de grana também. Cada um assumia um papel. Os atores principais foram o Grassi e o Clenio. O Cara morre no Rio de Janeiro e vem um amigo dele acompanhando o corpo, que é o Grassi. E quando ele chega na cidade está aquele clima de fofoca de cidade do interior de que o cara era gay. O Clenio era um advogado meio fracassado e explode. A abertura é linda. Aparece um dia cinzento e o pessoal na estação ferroviária, esperando para levar o caixão. Toca um sino e solta uma música, Funeral para um amigo, do Elton John, instrumental. Ele morreu de tuberculose, porque era um cara fraco, mexia com tintas. O amigo que veio junto imaginou que iam estar todos consternados porque ele ajudou a colocar o nome da cidadezinha no mapa, mas durante o velório, à noite, que é costume do interior o pessoal passar a noite ao lado do corpo, vão fofocando. Aí diziam ‘esse cara aí eu não sei não, acho que era meio preguiçoso’. Era o ponto de vista do grosso em relação ao artista. Outro dizia ‘ele não queria trabalhar, isso sim’. Aí chega esse advogado que era do interior e solta os podres de cada um. Eu nem me lembro mais do final. Vocês tinham gravações no centro de Santa Maria? Wielewicki – Também, mas tinha uma transição que nem se percebia. Em Arroio do Só entravam na casa e quando estão dentro já era uma casa aí do centro. Era uma casa que iam demolir e a empresa emprestou para nós. Tinha externa e internas. O defunto era eu, porque tinha de ajudar o máximo, com o mínimo de pessoas. Foi um mês mais ou menos de gravação porque era um pouquinho cada dia. A gente mandou para São Paulo para revelar. O senhor nunca participou de outros festivais? Wielewicki – Não porque o pessoal era meio metido. A gente era do interior. E, depois do Super-8 o senhor continuou produzindo? Wielewicki – Não porque entrou a era do vídeo e não me interessei. O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Apêndice C Transcrição das entrevistas
Entrevista de Joel Romagueira Saldanha Naturalidade: Quarai Idade: 75 anos. Profissão: é desenhista técnico especialista Data da entrevista: 14 de julho de 2012 Duração: 48’ O que o senhor lembra do início do Super-8 em Santa Maria? Saldanha – Logo que apareceram as câmeras Super-8 e os projetores, muita gente, muita gente não, um grupinho, né, o Grassi, um rapaz que era de Porto Alegre, não lembro o nome dele, foi um dos incentivadores do Super-8. A gente fazia os Estava se introduzindo o Super-8, então não se dominava as técnicas, depois foi se aperfeiçoando. Mas nunca foi perfeito porque, quando chegou a época da gente se especializar, o Super-8 desapareceu e surgiu o vídeo. Eu comprei a minha primeira câmera em 1969, e filmei em Buenos Aires, recém tinha surgido o Super-8. Tenho até uns filmes que fiz em Buenos Aires e Montevidéu, filmezinhos de viagem. Depois, eu fui melhorando as minhas câmeras. Comprei uma melhor, depois comprei outra melhor, vendi umas. Aí comecei a fazer experiências em Super-8, inclusive desenho animado, que eu gosto muito. Foi da onde surgiram os dois desenhos animados que eu fiz. Mas só fiz dois. Depois desapareceu o Super-8 e não deu mais para fazer. Eu tenho muitos filmes caseiros de Super-8, de praia, eu tenho 10 anos praia. Começou com aquele grupo de uns seis ou sete, o Grassi, o Bisogno, o rapaz aquele que faleceu, como é o nome dele... o Sérgio de Assis Brasil, o rapaz esse de porto Alegre. Nós fizemos o nosso primeiro O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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festival, em 75, em Super-8, eu era jurado inclusive. Foi lá Escola de Artes e Ofícios, onde hoje fica o Carrefour. Apresentaram sete ou oito filmes, e o Sérgio de Assis Brasil ganhou um prêmio, mas era um filmezinho de meia hora, com um enredinho, mas bem bom. O Sérgio era um dos melhores em Super-8. A gente se encontrava no centro e cada um falava dos seus projetos. Reunião especificamente não existia. Cada um falava dos seus projetos e assim ia se tocando. Mas cada um fazia as suas coisas. Procurava se assenhorear das técnicas. Mas não era nada mais aperfeiçoado porque o pessoal não prestigiava. Hoje estão prestigiando mais os filmes 16 mm ou 35mm. Tem o pessoal que está trabalhando com isso aí, tem uns rapazes que fazem...mas eu me desliguei totalmente. Posso lhe mostrar os rolos de filme, posso projetar uma hora, porque eu nem revisei o projetor. Eu fazia em casa, rudimentar. Eu fiz uma estiva, um aparelho para poder filmar, porque tinha que ter uma mesa para filmar quadro a quadro. Desenho animado é quadro a quadro. Cada movimento é um pontinho e as câmeras batiam quadro a quadro. Depois que se fazia ia para o laboratório revelar e quando voltava se fazia a montagem. Inclusive esses meus era para fazer a sonorização, vozes, né, no fim eu não fiz, porque em seguida o Super-8 terminou e eu não consegui, ninguém prosseguiu com isso daí. Inclusive, um dos rapazes da turma alertou: “olha, o vídeo está vindo aí, o Super-8 vai morrer”. E de fato, morreu. Ainda existe alguma coisa, mas são caríssimos, geralmente em preto e branco, e são importados da França, porque a Kodak norte-americana não fabrica mais o Super-8, o Kodak Krome em Super-8. Eu não me lembro o nome do rapaz. [...] Olha, se o Super-8 tivesse continuado, seria uma coisa sensacional, mas não continuou, não adiantou nada, ficamos a ver navios. Hoje é mais vídeo, surgiram as produtoras mas é mais para eventos, e isso eu nunca gostei. Seria uma coisa para ganhar dinheiro, mas eu nunca gostei. A última coisa que eu fiz foi passar de Super-8 para vídeo os filmes de alguns amigos. Tirar do Super-8 e passar para vídeo, os meus eu tenho em vídeo. Para fazer O Desenho Animado e Sua Técnica, eu posso pegar o rolo? Esse eu fiz em dois dias. Mas esse não tinha desenho. Eu já tinha algum material de Super-8 e daí eu aproveitei para fazer. Tem que elaborar primeiro um roteiro, quer fazer um desenho para um filme, tem de elaborar um roteiro, depois faz um, como se chama, hoje tem um nome todo especial... storyboard com as cenas desenhadas a bala com o que tu vai filmar, aí tu tem toda a história, tu começa a filmar, se é filme comum. Agora, se é desenho animado, tu precisa fazer os cenários fixos e móveis, desenho em acetato transparente. Tem de sobrepor as imagens dos personagens aos cenários. Se é cenário fixo, o cenário fica fixo e só 150
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o personagem de movimenta. Se é cenário móvel, o personagem se movimenta e o cenário vai passando. E é quadro a quadro. Para fazer esse desenho, dos Miau Tralhas, eu levei seis meses. Eram sete mil e oitocentos desenhos. Isso que foi feito com poupança de material. Esse nunca foi sonorizado. Eu projetava com som de fita cassete, com fundo musical. Mas teria de acrescentar as vozes, eu nunca fiz porque teria de arrumar quem fizesse as vozes e não é fácil. Uma mesma voz não pode fazer dois personagens. É muito chato, tem de ter um bom gravador. O resto é mais filmes caseiros. Aquele que eu fiz para a madame Primavesi, para o departamento de Solos, para a Universidade está com o Orion Mello, agora, nós vamos fazer a entrega apara a Universidade. Conseguimos descobrir onde estava o filme. Eu criei todos os bonecos, depois quem finalizou foi o Orion. Quem filmava, para nós, era o falecido Caneda, em 16 mm. Era uma loucura, aquele levou uns três ou quatro anos para fazer. Depois o Orion assumiu e continuou fazendo o desenho. Era uma turma de curioso que se aventurou num campo que eles não conheciam e com o tempo foi se aperfeiçoando. Vou te mostrar os quadros de desenho animado. Tem muitos em papel. Isso aqui não é nada, tem caixas. Já está empenado, acetato não se achava, então se fazia um pouco em acetato, um pouco em celulóide. Não era fácil achar as coisas no comércio de Santa Maria. Tem uma caixa com desenhos em papel que eu não sei onde que anda. Olha só os cenários fixos. Eram assim... E pintava com qual tipo de tinta? Saldanha – Pintava com têmpera guache. Tem uns truques que eu inventei também. O cenário sobreposto ao invés de ser por baixo é por cima. Eu que faço essa técnica, ninguém mais faz. Eu aprendi com um argentino, chamado Felix Follonier. Eu tenho uma mesa que tu levanta, tem onde prender a câmera, iluminação... Há algo mais que o senhor gostaria de contar sobre o Super-8? Saldanha – A gente estava sempre conversando sobre o Super-8, qual era ao desejo de cada um em fazer em Super-8. Era uma turma de curiosos que queriam fazer alguma coisa, mas faltava apoio, material era difícil uma barbaridade. O senhor lembra-se da sua primeira Super-8? Saldanha – Eu comecei com um projetor Nizo 8mm, em 1964 ou 1965, O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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eu comrpei uma câmera comum que eu vendi para o Rochedo depois, uma 8mm e um projetor Nizo alemão. Depois que eu comecei a comprar Super-8, o Super-8 veio depois. Eu comprei no Brasil e viajei para a Argentina. O Beltrame tinha uma loja na Acampamento de material fotográfico e de cinema. Eu comprei uma câmera lá. Depois aquela eu vendi e comprei uma Sanyo na Imperial, e viajei com ela para a Europa. Depois uma Minolta na casa Maçon. Eu comprei mais ou menos 30 filmes e levei para a Europa. Depois ainda comprei mais pares de filme. Demorava a revelação? Saldanha – Uns 20 dias mais ou menos. E quando chegava tinha de editar. Se é filme caseiro, tu passa o rolo, pega o que se tira fora e corta o que não presta. Com animação tinha de eliminar muita coisa, ou refilmar. Cada quadro de storyboard é numerado, se é close, cena móvel, cena fixa e vai filmando. Algumas Algumas cenas, chegava a filmar três ou quatro vezes e quando voltava da revelação, fazia de novo porque não gostava. É como um artista de cinema que não gosta de ver a interpretação dele porque pensa que podia fazer melhor. E às vezes não ficava bom nem quando refazia. Em Super-8, depois apareceu uma fita para fazer a emenda, que é tipo um durex, que não mela, não preteia, não amarela. Fabricada por uma fábrica japonesa. Aquilo era uma beleza para emendar filme, senão, tinha de usar acetona, comprar uma cola cimento especial para fazer a colagem. Tem de pegar uma ponta, cortar, acertar na coladeira, passar a cola, juntar, prensar, demora de três a quatro minutos para secar. Como o senhor teve a ideia de fazer animação em Super-8? Saldanha – Eu tinha assistido a uma animação em cinema, da Disney. Além disso, uma vez, fiz um curso no Rio sobre audiovisual no Centro de Ensino Técnico. Lá, vi muitos filmes de um canadense em Super-8. E muitos filmes de outros países, porque a Meca do Super-8 no mundo ainda é hoje o cinema Tchecoslovaco, húngaro e tchecoslovaco são os melhores filmes que tem. Mas hoje ninguém mais trabalha em Super-8. A revelação é só no exterior, só na França, e é muito caro. O preço é separado do filme e só vem preto e branco, colorido não vem mais. Com essa invasão das filmadoras digitais, coloca tudo num chipzinho e pronto. Tu mesmo agora estás fazendo isso... O senhor pode me contar um pouco mais sobre as suas produções? Saldanha – Os primeiros trabalhos em Super-8 foram caseiros, de via152
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gens, o primeiro a Buenos Aires. O primeiro de animação foi O Guarda Pimpão (1970). Era um trabalho simples, um desenho de um rolo só, preto e branco, bem simplesinho, com duração de uns três minutos ou quatro. A história era de um batedor de carteiras que o guarda perseguia de um lado para o outro e, no final, o prendia. O roteiro também era meu. Eu sempre fazia os meus roteiros. Depois eu fiz O Desenho Animado e Sua Técnica (1975O Desenho Animado e sua Técnica (1975) é bem interessante, é educativo. Esse eu apresentei num curso que eu dei na Comunicação Social. Ele tem a narração toda em fita. Esse mostra desde o início como se faz um desenho: a elaboração da história, depois o roteiro, depois o storyboard, eu apareço batendo à máquina e tudo, depois a seleção das cores, mostra como é feita a animação, como é montado o filme e depois a edição final e a sonorização e a apresentação. O terceiro é o do Miautralhas, o Miados e Ronrons (1976), que é colorido. Eu ainda quero fazer mais alguma coisa, mas em vídeo. E qual é a história dos Miautralhas? Saldanha – (risos)... Bom a história é o seguinte... Uma grande cantora ia se apresentar numa cidade de... Eu tenho o nome. Ela ia se apresentar no teatro X, lá. E tinha um indivíduo que era um facínora, que é o Gato Preto. O Gato Preto, então resolve raptar a Mimi Taylor durante a audiência, para exigir um resgate. Mas ela ia se apresentar no teatro junto com os Miautralhas, um tocava violão, o outro toca trompete, o outro toca bateria. Se apresentavam junto com os quatro. Ela fazia parte do grupo, tocavam os três gatos bons com a artista. Aí o cara resolveu raptar. Ela se apresentou e saiu do palco e ele a colocou num helicóptero e ó, se mandou. Aí começa a história de jornais dão a notícia, gente vê na televisão, os jornais dão a notícia “Mimi Taylor raptada durante a apresentação” e aí os três ficam sabendo que ela foi raptada no teatro e vão procurar pistas para ver se descobrem onde ela está. E eles conseguem descobrir onde ela está e eles se aproximam da casa do Gato Preto e aí dão tiro de canhão, saltam de trampolim, espiam com luneta. Ela está sentada numa cadeira toda amarrada, com um peso de 500 quilos na cabeça e uma vela queimando a corda. Daí eles tem de salvar a mocinha que está em perigo. Um deles dá um tiro de canhão, derruba a parede e entra e começa a duelar com o gatão, mas ele consegue derrotar o gatão e liberta a mocinha. Daí chama a polícia, que persegue o vilão e prende ele. Ah, esqueci de te contar que ele tem um comparsa, que é o rato. E aparece no final da história, eles ficam atrás das grades. Os guardas levam para a cadeia e eles vão para trás das grades. Aí passa para a cena dos Miautralhas, um deles está apaixonado por ela e faz uma serenata, com violão e canta e canta em cima do muro. E ela aparece na janela, quando aparece ela, tem um coração bem pequeno O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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que vai aumentando, aumentando, aumentando e aí dele também si um coração, que diz fim e ali termina a história. Tinha uns 12 minutos. E o senhor coloria desenho por desenho? Saldanha – Como é feito ali. Eu tinha uma corda assim para pendurar o acetato, que tinha de secar. E ele não podia ser pintado todo de uma vez porque senão desças. Tinha de ser pintado com tinta esmalte. Tinha uma tinta especial, mas nãos e conseguia. Daí eu fiz experiência com milhões de tintas e não deu. Não grudava, secava e descascava. Batia assim, saía. Então, a minha solução foi pintar com tinta esmalte, pendurava para secar e deixava até o outro dia. Tinta de latinha. Tinha umas cores que eu não comprava, fazia. Comprava as básicas e fazia. Era uma luta, vou te contar. E depois que a tinta secava, tinha que botar um papel entre os acetatos, em alguns eu passava talco para não grudar. Secava bem, mas eu passava talco para evitar que grudasse. Depois batia para sair o talco. A solução era fazer assim. O celulóide era mais chato para pintar. Ele era lizinho, mas, quando começava a pintar, enrugava. O senhor perdeu muitos? Saldanha – Bah. Quantidades joguei fora. E as minhas gurias descobriram uma vez que eu estava viajando, estragaram muitos. E tinha algum tipo de patrocínio ou vocês pagavam toda a despesa? Saldanha – A agente fazia gastando bolso da gente. Isso era o hobby das horas de folga. Eu trabalhava na Universidade. Pintava tudo quando estava em casa, sábados, domingos. Meu primeiro emprego depois que eu dei baixa do quartel, em 1966, trabalhei com publicidade. Eu passava os fins de semana desenhando. Usei minhas vistas que cheguei a cansar. O que o senhor lembra sobre o festival? Saldanha – Tinha uns 6 ou 7 filmes, inclusive o do Sérgio. Eram todas produções daqui de Santa Maria. Na ocasião eu não tinha nada pronto. O Sérgio ganhou um prêmio.
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E o senhor lembra de alguma coisa do filme do Sérgio? Saldanha – Era um filme sobre gaúcho, para fora. Quem pode lembrar daqui era o Modesto, que era um incentivador do Super-8. O senhor lembra de ter censura nesse festival? Saldanha – Foram, mas os filmes não tinham problemas. Eram histórias simples e comuns. Não tinham nada de arbitrário. O senhor conhecia outras pessoas que faziam esse tipo de animação? Tinha com quem trocar ideias sobre o que estava produzindo? Saldanha – O que eu tinha eu li muito. Tinha coisas sobre desenho animado e animação dos livros. Ainda tenho muitos guardados. Aprendi muito numas aulas que tive em Porto Alegre com um argentino que deu um curso lá e filmava em 16mm e em Super-8. Ele fazia desenho publicitário animado, no fim chegou a fazer um filmezinho de enredo, mas depois foi embora de Porto Alegre. Onde o senhor exibia seus filmes? Saldanha – Só nos festivaizinhos ou para os amigos, para os parentes. Cheguei a fazer sessão de cinema para toda a parentada. Eu morava lá Benjamin e avisa que tal dia ia ter sessão de cinema, daí passava os filmes do Chaplin, de Super-8, de 8 mm. Eu sempre fui apaixonado por cinema. Com 13 para 14 anos, eu fiz meu primeiro projetor, com movimento, feito com caixa de tinta para sapato e mecanismo de relógio. E o senhor não pensou em levar seus trabalhos para outros festivais? Saldanha – Não, porque não havia, em lugar nenhum. Acho que um dos pioneiros foi Santa Maria. Super-8 teve um auge de 1970 a 1980, depois morreu.
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Apêndice C Transcrição das entrevistas
Entrevista de Reinaldo Pedroso Naturalidade: Cruz Alta Idade: 68 anos Profissão: programador visual e cartunista Data da entrevista: 29 de agosto de 2012 Duração: 42’ Eu gostaria que o senhor me contasse o que lembra sobre a época do Super-8 em Santa Maria. Reinaldo Pedroso – Eu posso contar alguma coisa pitoresca, porque tecnicamente, da feitura do filme, eu não me envolvi. Era uma peça do João Bethencourt chamada Onde Não Houver Inimigo, Urge Criar Um, ou O Interrogatório. Era com o Teatro Universitário Independente (TUI). O diretor era o Clenio Faccin que era diretor do Teatro Universitário, que funcionava onde hoje é a Casa do Estudante. Ele encenou, naquela época, Arena Conta Zumbi, e foi a um festival em Manizales, na Colômbia, e foi premiado, não foi primeiro lugar, mas foi muito bem recebido. Era época da repressão, década de 60, e fecharam o Teatro Universitário, no DCE, e formou o Teatro Universitário Independente. Eu fiz algumas viagens com o Teatro Universitário, com Arena Conta Zumbi. O Clenio parou com as apresentações, era um elenco muito grande e se dispersou... E ele decidiu montar uma peça só com dois atores. Ele fazia um e eu o outro, o Grassi era responsável pela parte técnica do filme. A gente circulou com essa peça por todo o Estado. Eu conheci o interior com o Teatro Universitário Independente. O autor dessa peça Onde Não Houver Inimigo, Urge Criar Um, a gente chamava de O Inimigo, para encurtar, sugeria antes do início da peça, O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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projeção de slides. Que seria assim, sempre aquela suspeita a respeito de todo mundo, a repressão, enfim. Era um policial que desconfiava de uma pessoa que estava na rua, achava ele meio com cara de subversivo. Então, eu fazia o Pablo, e ele era o Esteban. A gente optou por um figurino assim, eu estava metido em todas as partes do grupo, figurino então... Eu tinha ainda a influência do Macunaíma que eu assisti e era antropofágico, então, as roupas, os figurinos eram extravagantíssimos, azul, brilhante, com vermelho, com amarelo, e me agradou aquilo. Então, o Esteban, que era o policial, era a farda mesmo de militar, toda preta, coturno, talabarte e quepe, tudo dourado, até o cassetete era dourado. E eu, que era o suspeito, era sapato verde, calça vermelha, camiseta amarela e uma jaqueta jeans com crucifixo deste tamanho, que era um adorno, porque o Pablo era ateu. Então, o autor sugeria a projeção de slides e a gente decidiu fazer um Super-8 ao invés de os slides. Eu não sei bem que duração tinha, mas era algo entre oito e quinze minutos. Consistia em uma perseguição, era uma coisa simples, mas dinâmica em si. O policial perseguia correndo o suspeito. A locação inicial era Silveira Martins. Então, estou eu sentado na praça, lendo o jornal, de pernas cruzadas e o Esteban, o policial, para o Pablo, eu né, porque achou com cara de subversivo. E foi chegando, chegando, e eu não devia nada, mas queria cair fora, então saio correndo. E começa a corrida. Têm várias gags, cenas eu criei muitas, mas também teve a participação do Grassi e do Clenio nessa criação de situações de perseguição. Então, como eu te disse, a locação inicial foi Silveira Martins, e teve um fato curiosíssimo, lá tem aquela torre atrás da igreja, e a gente queria explorar aquele elemento arquitetônico e, naquela época, a escada em espiral estava sem alguns degraus, caiu, então nós arriscamos nos machucar, subimos por ali, e eu subo, fico mexendo com ele de lá e ele fica lá embaixo, mandando eu descer. Mas o pitoresco é que a torre dá para a sacristia nos fundos da igreja. E eu gritei corta lá de trás, mas gritei alto e apareceu o padre gritando corta lá da sacristia. Foi cômico. Eram várias gags e, às vezes, a gente improvisava. Tinha um monte de palha de arroz e a gente subiu e ele tentava me pegar, tipo bobo, mas não conseguia. Tinha outra cena que nós estávamos filmando na ponte seca do Colégio Máximo Palotino, porque nós queríamos fazer uma cena escorregando de um barranco, então, no Contraplongeé dava a impressão que era um despenhadeiro, mas não era. E estavam fazendo uma terraplanagem com umas máquinas enormes, daquelas que a roda é maior que o homem. E nós fomos lá, conversamos com o pessoal da empresa, pedimos para o operador da máquina vir atrás de nós como se estivesse nos perseguindo, ele gostou da ideia de participar do filme. Então vinha eu, o policial atrás e sumimos. Dali a pouquinho aparece aquela 158
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enorme máquina atrás dos dois. O filme termina, assim... Ele nunca consegue me prender, eu entro num carro e ele não tinha como me perseguir, então toma a bicicleta de um piá e sai pedalando atrás de mim. Ele vai para a cidade, eu estou saindo de uma rua e ele vem descendo de bicicleta e me atropela, então foi uma coisa acidental. Mas ele pisou em cima do meu peito como vencedor, meio caça e caçador. Dai a gente entra em cena elenas minhas costas, eu carregando ele e aí começa a peça, na cadeia. O projetor ficava no corredor da plateia e o Demétrio Menna Barreto, que era um contemporâneo meu de cenografia, ele fez um cenário, porque a gente viajava muito, ele fez as grades de cordas e a gente usava tábuas para elas ficarem estendidas, depois, enrolava tudo. Era fácil de transportar. Tinha quatro cubos brancos, que dava pra pôr um dentro do outro, era bem funcional. E a projeção era feita numa tela que ficava na boca do palco, os dois mastros de base e a tela branca onde era feita a projeção. Quando terminava a projeção, ele pegava os dois mastros juntos e colocava no canto, parecia uma bandeira. Teve uma sequencia que foi muito interessante também foi lá no morro da televisão. A gente fez subindo a torre, eu subo na frente, ele passa por mim, depois eu desço. Então, a edição, filme Super-8 é uma coisinha assim, então cortava e colava com durex, então, volta e meia estava na projeção e arrebentava o filme. E chegava a interromper a apresentação de vocês? Reinaldo Pedroso – Não. O que dava problema era o revólver. Tem uma cena no final que policial dá um tiro e mata o prisioneiro. Então, ele perguntava “você me matou” e ele respondia “matei”. E ele conseguiu, no Rio de Janeiro, onde foi pedir autorização para apresentar a peça, balas de festim. Mas era um revólver muito antigo e volta e meia falhava. E ele vinha se aproximando de mim, disfarçava, chegava muito perto de mim e detonava, era só pólvora, mas ficava marcado e eu xingava tanto ele depois. Dependia dos locais, também, os locais geralmente eram colégios, porque os Diretórios Acadêmicos que contratavam, mas, às vezes, era no cinema. Em Itaqui, por exemplo, o pé direito do cinema tu te perde de vista e tinha que colocar as gambiarras com os spots, então a agente colocava a escada em cima dos encostos das cadeiras, então o risco era enorme. O senhor lembra por que cidades vocês passaram? Reinaldo Pedroso – Sim, foram várias, Rosário do Sul, Santa Rosa, Erechim, Palmeira das Missões, São Borja, Uruguaiana, Itaqui, Santo Angelo, Alegrete, Santa Cruz do Sul e Porto Alegre, no Teatro de Câmara, na Rua da O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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República, ali nós ficamos uma semana e a crítica, tinha um crítico de arte, eu não lembro o primeiro nome, mas era Obina o sobrenome dele, fez uma crítica muito elogiosa, lá foi sensacional, era um teatro mesmo, tinha uma facilidade para podermos organizar as coisas. E por onde vocês passavam, levavam tanto o filme quanto a peça, sempre? Reinaldo Pedroso – Sim. Eram indissociáveis. Porque começava a perseguição no filme, fora e entrava em cena na cadeia, com o suspeito preso e o policial como autoridade, eu carregando ele como castigo. O pessoal gostava muito. No último festival de Vídeo e Cinema, quando nos chamaram para falar do filme, o Grassi tinha ficado com ele e não sei o que aconteceu, ele se perdeu, então o Grassi montou com aquelas partes retiradas na edição, então eu disse pra ele que ele tinha usado só “falhas nossas na edição”. De equipamentos, tinha a câmera do Grassi, de propriedade particular dele, tinha um projetor muito ruim, que não sei onde o Clenio conseguiu, e naquela época eu fui a Boa Vista, pelo Projeto Rondon, e fui com uma encomenda do Clenio, para comprar um projetor. Comprei na ida, e despachei como material didático. Era novinho, zero bala. Foi uma experiência, para mim, muito interessante. Eu não estou lembrando agora de outras cidades por onde passamos. E como foi em Santa Maria? Reinaldo Pedroso – Olha, foi uma das últimas cidades. Foi no Centro Cultural, onde hoje é o Theatro Treze de Maio. Eu me lembro de uma apresentação que quem contratou foi o Centro de Artes e Letras, que antes era Faculdade de Belas Artes. E a recepção foi muito bom, a ponto do Freire, que ele e a esposa estavam na plateia, ir lá no Camarim, dizer que tinha sido muito bom e perguntar onde tínhamos conseguido aquela peça, porque na repressão, estávamos falando justamente da repressão. Vocês tinham a intenção de questionar essa repressão? Reinaldo Pedroso – Sim. Nessa época existia um censor, que ia assistir à peça, antes do início da temporada. Então, quando sabíamos disso, amenizávamos as partes mais contundentes da crítica. Foi corajoso naquela época. A repercussão foi muito boa. Numa ditadura braba, e a gente criticava a autoridade militar, a repressão. Todas essas cidades por onde vocês passaram, já tinham cinema, ou o filme foi o primeiro contato de algumas pessoas com o cinema? Reinaldo Pedroso – Olha, talvez. Em Uruguaiana, nós apresentamos em um colé160
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gio que era de padres, era um auditório Grande, e era afastado do centro da cidade. Tinha uma estrada de chão. Em Rio Pardo, também havia algumas cenas que não tinham muita reação da plateia, riam mais do filme, mas não quando tinha uma crítica das religiões, no caso da Igreja Católica. O policial queria uma confirmação do Pablo, que era um intelectual, então ele perguntava “me fala de Deus, ele sabe das coisas que acontece aqui” e aí relaciona com todas as barbaridades. Nesses locais, como Santa Cruz, a plateia ficava mais quieta. Quem simpatizava com o texto da peça, ria, se manifestava. Todas as cidades por onde passamos tinham cinema. O cinema era o programa da época. O que a gente sentia era o estranhamento no sentido de reprovação quando as pessoas não simpatizavam com aquelas ideias. Ou, pelo menos ficavam mais quietos. Você lembra quantos dias ficaram gravando o filme? Reinaldo Pedroso – Eu estudava na época, era um dos atores, carregador, fiz a identidade visual do grupo, era roteirista e outras coisas. Então, a gente acumulava, porque éramos três só, um técnico de som e luz, o Clenio que era diretor e ator e eu que fazia essas coisas. A gente fazia divulgação, o Clenio batalhava paras ir nas rádios, a frequência era bem boa e a repercussão era boa, favorável. Então, como eu estudava, as gravações eram nos fins de semana. Acho que ficamos envolvidos um mês com a gravação das cenas. Digamos cinco cenas ou tomadas por final de semana. Foi mais ou menos um mês. E como eram os ensaios? Reinaldo Pedroso – Uma vez eu fiz o Clenio rir em cena porque nós estávamos no Teatro de Câmara, em Porto Alegre, tinha um grupo do Rio de Janeiro que se chamava As Borboletas, que comparava as borboletas com as pessoas e uma atriz cantava “borboletas são livres...” e, como na nossa peça eu ia preso, quando chegou na hora que ele estava me interrogando, eu comecei “borboletas são livres...” e tinha um pessoal que havia assistido a peça anterior e começou a rir e o Clenio se perdeu, olhava para o lado... Então, chegou num ponto que a gente se divertia também. Quando eu chegava com o Clenio nas costas, eu o soltava num cubo, então eu chegava e soltava mesmo, com tudo, e ele ficava bravo “se tu me soltar tu vai ver”. Teve uma vez que eu sugeri, a gente sentou com as pernas para fora, bem na beiradinha do palco, na saída da cena. Eu perguntei “o que é aqui” e ele respondeu “não sei” e eu disse “parece depósito de coisas antigas e velhas” e senti que tinha muita gente reaça, que não gostou. Existia a Casa Oreste, na O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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Bozano, na esquina era uma ferragem, e o Clenio morava com o pai dele ali. Nós ensaiávamos na casa dele. Eu tenho foto dos atores na peça. Não no filme. Nós estávamos ensaiando no Centenário, na véspera da estreia, ensaiamos com os figurinos, tudo. O Clenio detestava decorar, então tinha vezes que ele esquecia a sala e o responsável pela iluminação e som, que estava na coxia ia lá e soprava. Além do revólver, que não prestava, tinha ao Clenio que não decorava. Então era isso, nós ensaiávamos nessa casa e, pouco antes da estreia, no auditório do Centenário.
O Inimigo foi o único Super-8 do qual você participou? Reinaldo Pedroso – Sim, porque eu descobri que como ator era um ótimo desenhista de humor. Eu era muito canastrão. Quando eu via uma cena que não tinha ficado boa, ficava mortificado. Eu era bancário. Depois, trabalhei numa financeira. Saí do quartel e fui trabalhar direto. E eu fiz vestibular para Belas Artes, ou o cara, na época era muito bixa, ou era muito macho, diziam. Então, estava eu lá, no meio de todas as mulheres da turma, estavam três homossexuais assumidos e mais eu e dois colegas. Então, para estudar, eu tive de trabalhar. O teatro era um emprego. Você lembra do Festival do Super-8? Reinaldo Pedroso – Não, em 1975, eu já estava desvinculado do grupo. O senhor lembra de algo mais que queira contar? Reinaldo Pedroso – Como eu participei do roteiro, na edição, também estive junto. Tinha cenas que ficaram muito longas e a gente cortava. A gente se reunia na casa do Grassi, na Floriano. A parte de divulgação do material, a Livraria Globo, tinha uma tipográfica no subsolo, eu fiz um cartaz em xilogravura de 96 por 66, entalhei tudo aquilo. O operador da impressora ficou impressionado com o tamanho da chapa. Era tudo feito na casa Oreste, perto da Pracinha dos Brinquedos.
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Apêndice C Transcrição das entrevistas
Entrevista de Roberto Bisogno Naturalidade: São Gabriel Idade: 68 anos Profissão: Jornalista, dentista e cinegrafista Data da Entrevista: 4 de setembro de 2012 Duração: 42’36’’ Eu gostaria que o senhor contasse o que lembra sobre o movimento Super-8. Roberto Bisogno – Eu já estava em Santa Maria e o fato de eu gostar de imagens, isso tu sabes, quem gosta de futebol se reúne com aqueles que gostam de jogar futebol, os que gostam de jogar uma carta com aqueles que jogam carta e assim foi com relação à filmagem 8 e Super-8. De repente, me vi ao lado do Sérgio de Assis Brasil, do Luiz Carlos Grassi e de outros mais que naquela época tinham simpatia pelo 8 mm inicialmente e, depois pelo Super-8. Como o assunto acabava agradando a mais do que uma pessoa, nós acabamos nos reunindo. Mais eram documentários, filmes de família que eu fazia, para registrar os meus filhos, inclusive eu tenho ainda hoje muitos desses filmes. Alguns mostram, do meu filho mais velho, como foi a evolução da vida dele, tenho tudo isso registrado em Super-8. Por uma feliz coincidência, o Sérgio de Assis Brasil dominava muito mais a arte cinematográfica do que eu. Mas também por coincidência ele tinha uma filmadora Super-8 que era exatamente igual a minha. E a gente acompanhava esses aparelhos por meio de folhetos e, quando encontrava algum que estivesse dentro das nossas posses comprava. Como era O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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difícil essas filmadoras, elas eram importadas da Alemanha, Estados Unidos e Japão, eu me lembro que a minha Super-8 eu fui à Uruguaiana e através de um amigo que tinha parentes lá me levou a Passo de los Libres. Lá com aquela preocupação de que eu pudesse perder quando chegasse na alfândega. Colocamos embaixo de um banco de uma caminhonete e tal. Depois que eu já estava de posse da filmadora, aquilo me trouxe um alívio, uma realização. Havia em Santa Maria, inclusive na antiga biblioteca, onde hoje é o Theatro Treze de Maio, um grupo que se reunia para falar sobre cinema, apresentar as suas novidades e trocar informações. Nesse grupo estava o Sérgio de Assis Brasil, que era marcante era o mais atuante e dominava já a arte cinematográfica. O Grassi, além de ser amante da cinematografia, era meu colega de faculdade. A gente propôs que cada um trouxesse um assunto, um enredo para a gente fazer um filme e apareceram vários temas. Pela experiência, pela criatividade e pelo domínio que tinha, o Sérgio de Assis Brasil foi aquele que teve maior aceitação. Depois, nós acabamos fazendo um filme, com enredo, com locações, filmagens no Calçadão, filmagens lá perto da Corsan, no Cechella, em lugares mais retirados. O artista era filho de um colega meu, o Sérgio Weigert, e a atriz era a Pimpim, que era cunhada do Freire Júnior. Tinha um enredo de romance e tal. Era um avanço ter filmagem com duas câmeras. Como as câmeras do Sérgio e minha eram exatamente iguais, a gente dispunha em locais diferentes para que da mesma imagem tivesse um plano mais aberto, plano e contra plano. Mas ficou uma colcha de retalhos. A gente tinha um roteiro que foi aquele proposto pelo Sérgio, mas não tínhamos condições de fazerem sequência todo o filme. Eu me recordo que eu e o Grassi fomos para a antiga biblioteca, que era um espaço central, e improvisamos um varal e, depois, com tesoura de acordo com a cena, nós íamos cortando o filme para depois fazer a edição e montagem. A edição era artesanal, nós tínhamos um visualizador de imagens, onde a gente via o fotograma e marcávamos mais ou menos onde nós estávamos no filme. Depois, tinham um pequeno aparelho em que os furos do filme coincidiam de tal forma que, senão, depois, no passar na cremalheira do projetor, o filme dava pulos porque os furos não sincronizavam. A gente colava com um papelzinho especial e uma cola especial para o Super-8 que já vinha inclusive perfurada. Mas a gente tinha de ter um olho clínico e de precisão para que aquela fita adesiva ficasse com os seus furinhos coincidindo exatamente com os do filme, senão na hora da projeção, se via bem direitinho onde eram os corte e as emendas. A sonorização foi outro avanço fantástico. Eu fiquei fascinado quando vi, através das publicações, que estavam lançando um projetor que permitia a gravação de uma trilha sonora ao lado do fotograma. Era a máquina Oemig, mas aí o filme também tinha de ser sensível à gravação e tinha de vir magnetizado. Mas no 166
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início, nesse filme, nós fizemos o seguinte: Nós tínhamos dois ou três gravadores de fita K7. Então, se gravava a música e deixava dois ou três gravadores com as trilhas no ponto, de tal forma que quando entrava a cena o produtor apertava o K7 número um, depois, quando mudava de cena, parava aquele e apertava o outro. Claro que isso era um contratempo, não havia fusões nem levanta e baixa de som. Mas de forma artesanal e romântica a gente conseguia sonorizar. Outro detalhe curioso eram as titulações, os créditos do filme, a gente podia fazer em letrinha A7, aquela que passava e ficava colada no papel, fazer os títulos, só que na tentativa de criatividade, a gente tentava fazer com que isso fosse dinâmico. Só que isso nos obrigava a ter equipamentos como bons tripés e filmadoras que filmassem quadro a quadro. A gente conseguia nessas casas de brinquedos aquelas letrinhas coloridas, então a gente colocava no chamado estatil, que era um aparelho onde se fixava a máquina em cima, embaixo se colocava um fundo qualquer ou um vidro e depois o fundo, para não deixar sombra na letra e a gente ia montando. Através de um disparador, que era um cabo que vinha acoplado ao disparador da filmadora, e ela tinha uma regulagem que permitia quadro a quadro, e a gente movimentava uma letra um quadro, movimentava um pouquinho e ia fazendo aquilo um por um, de tal forma que quando o filme rodava, as letrinhas iam se movendo e formavam os nomes. Aquilo era um avanço extraordinário. Corte de cenas, por exemplo, artesanalmente, a gente fazia com dois tipos de cartolina, uma preta e outra de cor, sendo que numa delas fazia um tipo de desenho, um tipo de chanfrado, de forma que a preta ia entrando na de cor e aquilo ia fazendo um escurecimento da imagem. Depois, vieram os editores de imagem e a coisa ficou mais fácil. Eu também me recordo de uma ocasião em que este cineclube, lá pelos anos 60,70, promoveu um festival sobre Santa Maria, eram documentários sobre Santa Maria. E eu concorri com um filme que eu tenho até hoje em Super-8, em que eu fazia contrastes e montagens, a titulação foi nesse esquema das letras quadro a quadro. Esse, sim, não tinha muita possibilidade de corte, então a gente tinha que ter um roteiro, sair a campo, filmar e deixar praticamente editado. Esse artesanato da cola e emenda do filme era um negócio muito complicado e que, às vezes, tirava um pouco a beleza das imagens, porque o corte era muito abrupto. O corte era um corte mesmo, na tesoura, se cortava o filme e, depois, se emendava. Imagina se passar de um quadro para o outro sem um fade, sem uma fusão, sem nada. Depois nós fizemos a projeção dos filmes no Centro Cultual, e eu tive a felicidade de inscrever um filme Super-8 sobre Santa Maria. Eu introduzia a maria fumaça, a locomotiva chegando na estação, um dos pontos que chamou a atenção dos avaliadores foi as cenas contraste. Eu procurei abordar o aspecto social de Santa Maria e contrastar belas casas, que tinham sido construíO NOSSO CINEMA ERA SUPER
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das, principalmente no Patronato, estava começando o bairro Nossa Senhora de Lourdes. Então eu ia lá e filmava um dito palacete na época e saía ali perto na Vila da Pulga ou na Vila da Lata filmar os casebres e chamar a atenção para os contrastes que nós vivíamos e podiam ser uma radiografia do país todo. Ou seja, gente muito bem de vida e gente muito mal de vida. Esse foi o enfoque além, naturalmente, da ferrovia, porque a ferrovia em Santa Maria tinha uma importância extraordinária, porque influenciou toda a cidade, teve uma época que foi extremamente marcante. Então, a ferrovia, que data de 1905, 1904, já tinha um desenvolvimento, então esse também era o mote desse filme do festival, alguma coisa da universidade eu também coloquei, mas o que chamou a atenção foi os contrastes. Como se chamava esse documentário? Roberto Bisogno – O titulo era Santa Maria. Eu fiz uma montagem com o título justamente em cima de uma locomotiva. As letras coloridas iam aparecendo até formar o nome Santa Maria. Ele tinha uma duração de cinco a oito minutos. Quem queria fazer um pouquinho mais tinha de emendar filme porque eles vinham em carreteis que duravam no máximo cinco minutos. Eu tenho um documentário que fiz de uma viagem com a família ao Rio de Janeiro que tem 15 minutos, mas aí eu emendei quatro ou cinco filmes. Eu tenho inclusive junto à Rede Globo, com o Cid Moreira e o Chapelin, que estava só começando. Eu tive acesso ao estúdio. Mas é mais turismo que qualquer outra coisa. Mesmo os seus filmes caseiros tinham roteiro e eram uma mescla com documentário? Roberto Bisogno – Como eu sempre fui amante da imagem, tentava além da parte de registro familiar, associar ao turismo, beleza, fechava quadros com flores, paisagem, abria com céu, depois ia as pessoas, ou seja, eu tentava dar uma maquiada artística num filme que era puramente familiar. Eu era um curioso, um autodidata e tudo o que se falava sobre imagem eu apreciava e, às vezes, tirava lições. Naquela época, a gente ia muito ao cinema, então de algumas filmagens tirava ideias e pensava “no próximo filme que eu for fazer ou na próxima viagem, vou usar aquele efeito porque ficou muito bonito”. Por exemplo, a imagem contra o sol, eu me lembro de ter ido com o meu filho mais velho na pracinha de brinquedos em frente ao Hospital de Caridade e tinha uma mini roda-gigante, então cada vez que a cadeirinha passava na frente do sol dava um efeito muito bonito, a imagem fechava e abria e dava um dinamismo a mais na imagem. 168
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Outra coisa que eu gostava muito era, da minha sacada, filmar o pôr do sol. E eu animava porque ia batendo quadro a quadro de forma com que, quando rodava no projetor, aquilo parecesse muito rápido e desse ideia de que era dia e, em pouco minutos escurecia. Outra que eu gostava era o movimento de nuvens, o princípio era o mesmo. Hoje é um efeito que a gente vê na televisão e que é fácil de fazer, mas que, naquela época, a gente tinha de inventar. Na frente das máquinas Super-8 a gente construía canudos com desenho de estrela, fechadura e tal, depois colocava na frente da lente, filmava. Algumas eu fiz com acrílicos coloridos, principalmente azul, uma cor que sempre me agradou, fazíamos desenhos com aquelas serras de volta de trabalhos manuais. Eu desenhava alguma coisa, fazia com um canudo com duplex preto, colocava aquele aparato com a janela colorida e fazia as filmagens, aquele desenho ficava fora de foco devido à distância focal, mas a imagem ficava no foco e ele ficava como uma moldura que se fazia artesanalmente. O senhor falou sobre o filme do Sérgio, qual era a sua função nele? Roberto Bisogno – Eu era o homem da câmera. Como eu sempre tive zelo com o meu material e até hoje tenho máquinas antigas em função disso, eu não transferia para ninguém a operação da minha filmadora. O Sérgio operava a dele e dirigia o filme e eu me dava o direito de ficar filmando e cuidando a minha filmadora, com receio de que algum dano pudesse a acontecer. E muitas pessoas ajudavam vocês nessas produções? Roberto Bisogno – Eu lembro que na época do festival que o espaço que tínhamos no centro cultural ficou pequeno tal era o numero de apreciadores do Super-8. Porque era a saída da época. Naquela época que a televisão não tinha o desenvolvimento de hoje, a gente saía bem mais. E a tração das imagens ou era no cinema estabelecido, o Glória, o Independência, eu cheguei a pegar o Imperial, ou através de projeção de slides e filmes, que na época era Super-8, então esse festival atraiu tanta gente porque as imagens não eram tão fáceis quanto hoje que a gente tem praticamente uma televisão em cada cômodo da nossa casa. Naquela época não. As pessoas se concentravam, a gente anunciava e como os órgãos de comunicação eram diminutos, logo já estava todo mundo sabendo... O que o senhor recorda sobre o movimento? Roberto Bisogno – Sobre as dificuldades que a gente tinha no abasteO NOSSO CINEMA ERA SUPER
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cimento de filmes. Nós tínhamos o Beltracolor e o Imperial que eram fornecedores de filme. O tempo passava e a gente não conseguia ter a instantaneidade daquilo que a gente pretendia fazer. Nós tínhamos de comprar o filme, fazer a filmagem, que geralmente não era de um dia só, era em vários dias, ou chovia e coisa parecida. Depois se mandava para revelação, que demorava uma ou duas semanas, às vezes um mês, daí tinha de fazer eventualmente os cortes e emendas. Entãom isso dificultava muito. Eu duvido que hoje uma pessoa que tira fotos não vá ver, imediatamente, o resultado no visor, mas, naquela época, nós não tínhamos como fazer essa visualização antes que viesse o filme revelado. E, às vezes, nós tínhamos algumas surpresas, algumas agradáveis, outras nem tanto. Me recordo que uma vez mandei um filme de uma viagem para revelar no Beltracolor e quando chegou tinha juntado todo mundo para ver o filme e quando fui exibir eram pessoas que eu não conhecia. Houve uma troca no remeter o filme e aquele eu nunca mais vi. As revelações não eram em Santa Maria. Eram em São Paulo e nunca mais acharam o meu. Até hoje eu tenho imagens guardadas. O senhor lembra o nome do filme do Sérgio? Roberto Bisogno – Não, mas não era o Markova. O Sérgio morava no edifício Taperinha. E uma ocasião fui no apartamento que ele morava e ele estava projetando o filme, gravado num cemitério... Mas não lembro que nome tinha, nem com quem ficou. E como era a exibição? Roberto Bisogno – Era basicamente no Centro Cultural. Quando a gente tinha alguma coisa para mostrar, os que gostavam de cinema ficavam antenados e a gente anunciava nos jornais. Tudo financiado pelo nosso bolso. Projetores, filmes virgens, revelação. Só teve uma vez, que o Beltracolor, que era o que mais vendia filmes, não sei se foi no festival, acabou contribuindo com rolos de filmes virgens, para que o filme ficasse mais barato. Depois nós colocávamos os créditos nos filmes. Qual é a recordação que o senhor guarda do festival? Roberto Bisogno – Ele despertou a criatividade, a improvisação. Nós, de uma forma romântica e artesanal, conseguimos fazer alguma coisa. Sempre achei o cinema um meio de comunicação muito forte porque a mensagem está 170
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na imagem. Há quem diga que uma imagem vale mais que mil palavras, então, às vezes, o que agente queria ou tentava dizer, mostrava através de imagens e os filmes serviam como veículo do recado que queríamos passar. Eles eram muito bem recebidos. O Centro Cultural enchia de gente para assistir. Na cidade já havia diretores em 8mm e 16mm, o senhor acha que aumentou a participação no cinema com o Super-8 os envolvidos continuaram os mesmos? Roberto Bisogno – Sim, aumentou, tudo tem o seu modismo e a sua época. O Super-8 foi um grande avanço, a sonorização dele também porque não precisava mais as improvisações. Teve um momento que aglutinou muitos aficionados. Até hoje passo por gente na rua que estavam no Centro Cultural para ver as imagens. Eram quase sempre gratuitas. Depois veio o 16 mm, eu andei um pouco nesse tipo de filmagem também. Mas o Super-8 foi marcante porque mudou tecnicamente a condição da imagem e já era uma imagem colorida de muito boa qualidade. E tem algum filme de Super-8 que o senhor acha que marcou mais essa época? Roberto Bisogno – Bom, como eu era do grupo, me marcou esse documentário que eu fiz sobre Santa Maria, esse das duas câmeras, que eu não recordo o nome, e um outro que eu vi que ele estava produzindo. Poder registrar, por exemplo, meu filho aos dois anos, quatro anos e revê-las até hoje. Qual a herança que o senhor acha que o Super-8 deixou para o cinema da cidade? Roberto Bisogno – Não existe um grande prédio sem alicerces. Este início despertou o gosto pela imagem e fez nascer um grupo, festivais, o lanterninha Aurélio. Esse movimento é uma das grandes pedras desse alicerce que construiu a história do cinema de Santa Maria. As câmeras eram mais baratas. O nosso mercado tinha filmadoras no comércio. Existiam muitos simpatizantes do Super-8, que tinham filmadoras, mas não gostavam de exibir suas produções, muitas porque eram familiares. Se as filmadoras eram vendidas era sinal que havia muitas imagens sendo geradas. Eu admirava a qualidade colorida do Super-8, ela remetia ao tecnicolor dos filmes americanos.
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Há algo mais que o senhor queira contar sobre essa época? Roberto Bisogno – Quando menino eu já tinha o gosto pela imagem, dentro da minha limitada criatividade, eu fiz um projetor de cinema. O meu pai tinha uma lente redonda e, naquela época, as embalagens de compota de abacaxi eram latas cônicas, então para ajustar a lente na conicidade dela foi fácil. Depois, numa caixa de sabão, que era de madeira, eu fiz uma janela quadrada, coloquei uma luz por trás e ajustando a lata com a lente na janela, eu aproximava ou afastava da parede para dar o foco. E, depois ia fabricando filmes, ou ia à casa de máquina dos cinema pedir aqueles pedaços que rebentavam, eu juntava os fotogramas e projetava. Eu não lembro o valor da moeda, mas cobrava uns tostões para verem. Em, celofane eu também desenhava filmes para projetar.
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Apêndice C Transcrição das entrevistas
Entrevista de Clenio Faccin Naturalidade: Santa Maria Idade: 67 anos Data da entrevista: 11 de setembro de 2012 Duração: 55’ O que o senhor lembra sobre as produções em Super-8 de vocês? Clenio Faccin – Nós tínhamos a ideia de montar um espetáculo chamado Onde Não Houver Inimigo, Urge Criar Um, com texto do João Bettencourt, e ele dizia no início que deveríamos colocar alguns slides de um policial perseguindo um suposto bandido. Achei que deveríamos fazer uma coisa diferente. Naquela época, a gente trabalhava com o Super-8, porque eu costumava filmar as viagens e as peças de teatro em Super-8. Então eu conversei com o Reinaldo e com o Grassi e começamos a fazer o roteiro. Decidimos fazer um Super-8 com uma perseguição, que mostrasse várias cenas hilárias em que alguém, que seria o Esteban, que era um capitão, perseguindo o segundo personagem. Fizemos o roteiro e começamos a produzir cenas em Santa Maria. Começamos a fazer cenas com o que era possível, em volta de Santa Maria. Pegamos aquela torre grande da CRT, fizemos cenas ali. Era uma torre muito bonita. Fizemos cena nas estradas, em Silveira Martins, tudo sempre na perseguição, para que culminasse na prisão. Foram várias cenas, depois começamos a montagem. Montamos essa perseguição e acontecia o seguinte, nós passávamos essa gravação em um telão, antes de apresentar o espetáculo, até a prisão. Aí, o capitão entrava com o subversivo preso em cena. Era uma coisa inédita. Em 1972, levamos esse trabalho ao Teatro de Câmara, em Porto Alegre, e era uma coisa O NOSSO CINEMA ERA SUPER
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inédita. Ninguém fazia. Normalmente nos ensaiávamos cena por cena. Depois, conforme os planos, íamos nos movimentando. Na primeira cena está o Pablo, o Reinaldo, lendo o jornal e chega a o capitão Esteban, que era o meu personagem, e começava a rondá-lo, achando que poderia ser um subversivo. Nessa época nós estamos em pleno Ai-5, aí começava a perseguição. Tem uma cena que m um monte de feno muito grande. E em todas as cenas ele acabava me enganando. Nós tínhamos de ter uma filmadora Super-8, gravamos com a do Grassi, mas o filme tinha de encaixar, de estar muito sincronizado, porque quando o filme terminasse, começava a cena na delegacia. Era muito difícil porque no interior você não tem teatro pronto. Naquela época não existia nem o Theatro Treze de Maio, só o Centro Cultural. Lembro que tinha montado uma peça com o Freire Jr, A Farsa da Esposa Perfeita, ficamos 45 dias com a casa lotada, foi um sucesso. Hoje não se consegue isso, a não ser que venha um super estar da televisão. Naquela época eu fiz uma enquete na estrada e metade dos que iam assistir eram universitários. Nó fizemos vários espetáculos, e nos chamam par levar espetáculos infantis para todo o Rio Grande do Sul. Chegamos a atingir dois milhões de espectadores. Hoje, a cultura está concentrada só na grande Porto Alegre, cadê a cultura do interior do Rio Grande do Sul? Eu queria saber quanto gastam para fazer o Porto Alegre Em Cena, que vem 60 espetáculos, muitos de fora do país, e eles não vão para outras cidades. O que acontece muito é de montarem só monólogos, peças com no máximo dois atores em cena. Não é isso que as pessoas querem ver. Não funciona. Eu continuo a luta com as crianças, tentando formar público para a o teatro a partir delas, mas é preciso que haja bons espetáculos para elas assistirem. O senhor falou a respeito das peças. Logo que vocês voltaram da Colômbia com uma delas, a Arena Conta Zumbi, o Teatro Universitário fechou. Isso de alguma forma motivou uma peça como Onde Não Houver Inimigo, Urge Criar Um, que fala a subversão? Clenio Faccin – Sim. Eu comecei a fazer teatro em 1961 e a Casa do Estudante tinha um teatrinho pequeno, como se fosse um teatro de arena, porque era pequeno o espaço. Comecei trabalhando com o Jomar Cunha, depois ele saiu e eu continuei. Montei A Figueira do Inferno, Vestir os Nus e, com o tempo, mandei para o Serviço Nacional de Teatro, um projeto pedindo o que seria hoje R$ 100 mil, para arrumar o teatro. Nesse meio tempo, montei um espetáculo chamado Arena Conta Zumbi, que era um belo musical, que foi um tremendo sucesso na Colômbia. O Mariano da Rocha pagou nossas passagens e fomos á Colômbia. Quando voltamos, o presidente do DCE disse que tinha recebido o dinheiro 176
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para a reforma, mas que teatro não dava dinheiro e, então, iam transformar numa boate. Então, a boate que está lá foi dinheiro que eu consegui, para o teatro, e que transformaram na época em boate. Então eu resolvi fazer o Teatro Universitário Independente, o TUI. E como surgiu a ideia de O Inimigo? Clenio Faccin – A ideia era fazer uma inovação para a época. Até no Rio eles fizeram em slides. Eu tinha montado outra peça o Bethencourt, depois descobri esse texto dele. Eu montei o espetáculo porque ele estava dentro da realidade política vivida pelo país naquela época. Era muito interessante. Era um espetáculo rápido, com cerca de 20 minutos de filme e 40 de espetáculo. Eu tive informações, naquela época, que foi a primeira experiência de teatro e cinema juntos no Brasil. Isso em 1971. Depois, vieram outras. Era complicado, um rolinho pequeno de três minutos, tinha de mandar para São Paulo para revelar, depois tinha de montar, colocar uma trilha colada, tinha que cortar as cenas para ficar mais dinâmico e era tudo artesanal. Não era coisa para fazer várias apresentações, era muito delicado, começava a quebrar os encaixes. Era uma época de dificuldade. E a gente também ia gravando, em Super-8, as viagens por todo o Estado, a gente carregava correntes na nossa Kombi para poder desatolar, atravessar rios. E com um tema como esse não houve censura? Clenio Faccin – Naquela época, era muito complicado. Eles analisavam os textos, um texto ficava em Brasília, outro em Porto Alegre e outro conosco. A censura sempre ia antes da estreia. Eles ficavam em dois, um olhando o ensaio e o outro só cuidando o texto. Com uma peça de teatro infantil, uma vez quase nos prenderam. Só tinha censura em Bagé, Livramento, cidades maiores, então, não tínhamos muito problema nas cidades menores. Em alguma cidade chegou a ser o primeiro contato das pessoas com o cinema? Clenio Faccin – Não tenho um controle disso, mas as pessoas falavam mais de nunca terem ido ao teatro, principalmente nos distritos pelos quais a gente passava. Uma vez fizemos 120 quilômetros pela praia, fizemos várias coisas pelo interior. O que eu não comigo entender é como, na cidade que eu nasci, hoje a gente não tem uma efervescência cultural. Santa Maria tem uma localizaO NOSSO CINEMA ERA SUPER
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ção privilegiada, o quartel, as universidades, tantas escolas, mas não faz isso. E o grupo do Centro Cultural, qual era o seu papel? Clenio Faccin – Eu era ator deles. O Grassi sabe melhor que eu o nome do filme. Era alguém que chegava na Estação. O cara mesmo do cinema na cidade era o Modesto, o Grassi ajudava também. Depois, quem se destacou foi o Sérgio de Assis Brasil. O problema todo era que o Super-8 era difícil de manusear. Uma vez eu trouxe dos Estados Unidos uma fitinha que era fácil de manusear, mas depois nunca mais achei. O tempo também castigou os filmes. Eu me preocupo porque o Edmundo Cardoso já foi, o Pedro Freire já foi, eu estou com sessenta e poucos anos, parece que a gente não conseguiu... Nós tínhamos o Cine Imperial com um baita palco, apresentei o Arena Conta Zumbi lá para mais de 1,3 mil pessoas, não si como a prefeitura não adquiriu aquele lugar. Parece que a cultura da cidade não decola. Se não fosse o Super-8, vocês teriam condições de fazer os filmes? Clenio Faccin – Não porque não tínhamos equipamentos, seria caríssimo. Teria e revelar, montar, era muito complicado. Normalmente eu, o Grassi, e o Reinaldo nos reuníamos para editar. Fazíamos uma cena X, mandávamos revelar e eventualmente tínhamos de refazer. O Reinaldo comentou que houve muitas situações inusitadas em cena. O senhor lembra de alguma? Clenio Faccin – Para fazer a cena da morte, eu comprei um festim da Globo, e era cheio de pólvora até a boca, e eu só tinha um revolve velho, então, quando atirava, a pólvora queimava as pernas dele, ele ficava furioso (risos).
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Apêndice C Transcrição das entrevistas
Entrevista de Luiz Alberto Casssol Naturalidade: Santa Maria, RS Idade: 43 anos Profissão: cineasta Data da entrevista: 14 de outubro de 2012 Duração: 100’2’’ Quais são as suas memórias sobre o Super-8 em Santa Maria? Cassol – Eu sempre me interessei muito por pesquisar a história do cinema. Eu tinha encaminhado, em 1995, um projeto para o Sindicato dos Bancários, para criarmos o Otelo Cine Clube. As sessões tinham começado em 3 de junho de 1995. E, ainda tinha o Lanterninha Aurélio desde 1993. Naquela época, fui fazer um curso de extensão em cinema promovido pela Fatec, no qual o Sérgio de Assis Brasil dava aulas. Aproximei-me muito dele, e ele me convidou para participar da primeira turma da futura TV Campus. Eu comecei a fazer entrevistas, ele me abriu um espaço para comentar cinema. Eu já conhecia o seu Edmundo Cardoso de nome, na TV Campus tive a oportunidade de entrevistá-lo e ele começou a contar histórias maravilhosas sobre o cinema em Santa Maria. Paralelo a isso, eu tive a influência do Sérgio, o tempo inteiro, nos dando muita informação. Eu fazia um programa de rádio, a TV Campus e a faculdade de administração. Isso tudo me influenciou. Engraçado que o Super-8 surge pra mim num cruzamento com os cineclubes. Eu comecei a me interessar pelos cineclubes porque eu comecei a ler sobre eles e descobri que já existiam em São Paulo.
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Daí, comecei a frequentar o Lanterninha Aurélio porque, no final das sessões, podíamos debater com as pessoas. Quando criamos o Otelo, começamos a trocar informações, tínhamos um grupo muito legal e isso me interessou muito. As palavras cineclube e cineclubismo me são muito caras a partir daquele momento. De 1993 em diante, eu começo a querer saber o que isso e pesquisar. E o Super-8, estou me dando por conta disso, em algum momento alguma dessas informações me bateu muito forte. O Sérgio tinha uma forma muito entusiasmada de falar as coisas e isso nos envolvia. Todos que estavam ali com ele de certa forma eram envolvidos. Quando ele começou a me contar e mostrar trechos de filmes que eles tinham feito, isso me bateu muito forte. E, paralelo a isso – estou te falando de um arco entre 1995 e 2000 – acontece a retomada do cinema brasileiro. Então, nós organizamos uma mostra, foi em 1996, o primeiro encontro de cinema em Santa Maria. Houve uma série de momentos que me jogaram praticamente nessa história. Eu fui pra o Uruguai fazer um curso de cinema, depois para Floripa fazer o curso de Extensão em Cinema da UFSC, eu e o Marcelo saímos direto do Uruguai para Florianópolis, eles selecionaram 30 e nós fizemos parte dessa turma. Nesse meio tempo, eu estava começando a conhecer o pessoal de Porto Alegre em função do Otelo. A Gente levava muita gente para Santa Maria para dar cursos, a gente tinha levado, por exemplo, O Cristiano Zanella, o Cristiano Trein, que tinha descoberto o cinema pelo Super-8. Eles tinham a influência do pessoal da Casa de Cinema, do Giba, do Nadotti. E nós a do Sérgio, do Freire. O Sérgio começou a me contar as histórias e apresentar as pessoas. O Gilson Vargas me convidou para trabalhar com ele e nesse meio tempo, você vê que as coisas acontecem juntas, aqui o Gilson tinha feito um filme em Super-8, eu ajudei ele a revelar. E tinha um cara que é o Nich Montanaro, que estava montando em 16 mm um longa-metragem do Gilson. E ele me deu a oportunidade de fazer assistente de montagem para ele. Eu recebia o filme revelado em vídeo, quando ia para a moviola, achava o ponto que queria, olhando o monitor, a gente cortava o filme e recortava e eu tinha de alcançar isso. Foi um processo muito rico. Quando eu descobri que a montagem do Super-8 era essa, eu parti pra ele. Eu estava descobrindo o Super-8. Aquele processo de ouvir a câmera é indescritível. Em 1991, decidimos fazer um Super-8 em Santa Maria, com um coletivo do Otelo Cineclube. Em 1996, quando a gente fez a primeira mostra de Santa Maria, a gente descobriu que tinha mais gente produzindo curtas em Santa Maria. Tinha um pessoal que vinha fazendo vídeo. Em 1996, o Paulo Tavares tinha começado a TV OVO, então, nós tínhamos uma ilha à disposição e tinha a Alínea do Sampaio e da Marta, onde eu e o Jeff estagiávamos, tinha a ilha aberta para nós. Eu como queria mais direção, estava buscando informações para dirigir e o 182
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Jeferson aprendendo a montar. Não deu seis meses e ele estava de assistente de edição do Sampaio. Quando eu fiz o Águas Dançantes, nós fizemos todo o primeiro corte. Eu, a Carine Bertani e o Jeferson e fomos apresentar ao Sampaio e ele achou muito longo. E a gente começou a discutir a questão da oralidade, de como buscar a história oral, de forma muito empírica fomos conversando com pessoas que se interessaram, como o Victor Biasoli, que me mostrou como seria importante entrevistar Edmundo Cardoso. Isso foi fundamental ter feito Águas para entender os demais, como fazer documentários usando a História Oral. Aí a gente fez uma série de coisas de 1995 a 2000. Aí tem a entrada da Finish na minha história pessoal, que é com o Christian, que estava em um nível de conhecimento muito grande de software e hardware. Ele abriu a ilha de edição da Finish particularmente pra mim de uma forma muito sincera e espontânea. E tudo isso foi se misturando, várias oportunidades. E aí a gente decidiu fazer O Número que Você Discou. A gente fez um coletivo. Foi dirigido pela Carine Bertolli, pelo Álvaro Nunes, pelo Fernando Miqueloti e por mim. Éramos quatro diretores. O roteiro foi feito coletivamente. A produção era de pessoas que frequentavam o hotel. E o Cristiano Zanella foi para Santa Maria fazer a direção de foto. Fizemos nas ruas de Santa Maria esse filme, todo em Super-8. Mandamos revelar nos Estados Unidos. A gente queria mandar pra Gramado, e tinha um prazo de vencimento do festival. Então a gente se inscreveu e mandamos uma cópia VHS pra lá. Nesse meio tempo eu tinha conseguido uma moviola do Giba Assis Brasil emprestada do dia pra noite. A gente se conhecia de vista. Então chamei o Cristiano Trein. Eu e o Trein passamos uma madrugada inteira montando o filme. Tínhamos um filme revelado em vídeo. Eu pluguei na minha TV, ele olhava o que a gente tinha montado. Tudo isso, a gente já tinha montado aí em Santa Maria, na TV OVO. Quando tu recebe um vídeo, recebe um brutão em vídeo. Na época tu escolhia. Tu mandava pros Estados Unidos. Ah, eu quero um Super-V, eu quero um Beta. Na época a gente escolheu um Super-V, que era o que a TV Ovo tinha. Aí a gente sentou na TV Ovo e montamos o filme. Tínhamos o filme pronto em vídeo, mas lá em Gramado eles aceitavam em película. Aí eu e o Trein montamos o filme nessa madrugada. Tinha uma fala da Carine que era importante para o filme, que era como se fosse uma voz over, mas não deu tempo de ela fazer. Eu gravei ela por telefone. E aí na hora de montar o áudio tinha que sincar. Daí o que que tu faz. Tu revela, tu monta em película, e tu manda de novo pra lá pra eles colocarem a banda sonora. Voltava com a banda sonora e aí tinha que sincar. Nada mais era do que pegar o projetor, exibir numa parede branca e sincar o áudio que tu tinha. ConecO NOSSO CINEMA ERA SUPER
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tava a saída de áudio do teu projetor na entrada do que seria tua fonte de áudio. No meu caso, o Cristiano Scherer, que hoje é uma referência, estava começando. Nesse caso, não sincava o áudio com a imagem. Saía de sync. Daí tu tinha que parar o teu projetor. Tinha uma história que diziam que se tu trancasse o teu filme três vezes, arrebentava o filme. E aí eu e o Cristiano já tínhamos errado três vezes. E aí a gente não sabia se arriscava mais uma. A gente não sabia se isso era lenda ou não. E no outro dia eu viajava pra Gramado com aquilo. Tinha gente que já tinha desistido. E foi um ano sui generis, e foram mais de 30 inscritos na mostra Super-8. E só nós de Santa Maria, o resto era tudo de Porto Alegre. Muita gente optou por levar um filme mudo em película e colocava lá na hora, dava play na hora em outra mídia, no áudio, e dava certo. Mas foi um desafio nosso. A gente queria ter um filme em Super-8 inteiro, com a banda sonora. E o Cristiano Scherer chegou uma hora em que ele colocou o projetor do Super-8 em 220 e colocou o projetor da saída de áudio em 110. Ele tinha ouvido falar que isso dava uma diferença de frequência, e aí deu sync. E aí no outro dia fui pra Gramado, com o filme, com a lata, e foi muito legal, porque foi a primeira vez que a gente conseguiu mostrar uma produção nossa. Para nós era muito mais do ganhar ou perder o festival. Para nós, era estarmos lá e ter uma produção em Super-8, em película, de Santa Maria. Dali em diante, eu sempre fiquei muito entusiasmado com projetos em Super-8. Comecei a acompanhar outros projetos. Naquele ano ganhou um filme, foi maravilhosa a ideia do cara. Era um média-metragem em Super-8, de época, de suspense, ele colocou na sala, na frente, um pianista tocando junto com o filme. Foi cinema mudo mesmo. Isso em 1999. Depois, eu comecei a acompanhar alguns processos de produção de Super-8 em Porto Alegre, algumas coisas do Gustavo, da Bia, do Cristiano Zanella. Eu e o Cristiano ficamos muito amigos desde aquela época. E aí a gente tinha aquelas mostras de cinema em Santa Maria, num bar quase em frente ao Ponto do Cinema. Ali a gente, eu e o Zanella, fizemos várias mostras, domingos à noite. A gente dava dicas de cinema na rádio Pop Rock e a gente criou ali a mostra Pop Rock. O Zanella tinha um acervo monumental, maravilhoso, ele recebia filmes de todo o Brasil. Em Santa Maria a gente exibia curtas, videoclipes que não tinham sido exibidos nem em Porto Alegre, Curitiba e Florianópolis. Naquela época as pessoas mandavam em VHS. O Zanella montava uma mostra e a gente fazia uma curadoria. Fazia uma mostra de duas horas. A gente convidava uma banda. Uma vez a gente convidou Poços & Nuvens. Sempre tinha mostra intercalada com um show de uma banda. E era assim lotado, as pessoas faziam uma fila enorme ali na frente. E isso tudo deu muito caldo. 184
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Lembro uma vez que o Spolidoro fez um filme em Super-8, e nos créditos iniciais ele pegou a película dele e pra dar um efeito ele passou um isqueiro atrás e filmou isso. Era como se fosse um efeito especial no crédito. Mas ele fez fisicamente. Lá em Gramado eu tinha participado da discussão, quando ele disse que ia fazer isso. Ele sempre quis inovar. O DSuper-8 é analógico, é binário, vou cortar aqui ou aqui. Se tu cortar um pouquinho pra cá ou pra lá o problema é teu, já foi. E é isso. É o barulho de quando dispara a filmadora, é um experimento que tu pode fazer no Super-8, pelo fato de estar rodando em película. Hoje eu defendo o digital, há uns cinco anos eu não aceitava por causa da profundidade de campo. O analógico pra mim era melhor. Hoje com as câmeras digitais com que eu tenho gravado ou filmado já me dão o retorno que eu preciso ter. Eu me lembro do Sérgio Assis Brasil fez naquele curso em 95 algo que pra mim é simbólico, o Sérgio pegou uma película 16 mm, abriu a lata e passou pra turma e mandou a gente cheirar a lata e disse: “Isso é cheiro de cinema”. É óbvio que pra mim tudo aquilo pode ter passado batido. Pra mim até hoje aquela cena está gravada e pra mim ficou muito forte. Era o romantismo que o Sérgio dizia que o cinema tinha que ter. Eu acho que o Super-8 tem essa coisa romântica que o cinema tem que ter. Que é o fato do viver total da feitura de uma obra. Desde a feitura de uma obra, no caso pra quem dirige, produz, roteirista... Por isso que veio a história da homenagem ao Grassi, àquela turma do Super-8 dos anos 70. Eu jamais vou esquecer. Era o segundo ano do festival e o Grassi e o Freire chegaram, pedindo informações, como quem estava começando. E começaram a trocar informações comigo. Eles na maior simplicidade. Isso me encantou nos dois. O Grassi começou frequentar a minha sala e a cada ano eles inscreviam um filme, na mostra competitiva. Eles não se importavam muito se tinham ido para mostra nacional. Eles queriam participar do festival. Eu comecei a me dar conta que aquele dois sujeitos eram os mesmos que o Sérgio me falava. Quando chegou em 2006, a gente iniciou o Super-70. O Marcos produziu. A ideia era que o Grassi fosse o entrevistado e a gente ia intercalar com as imagens. Mas aí o Gerson Rios Leme entrou na história, fez uma trilha setentona. Quando a gente começou a ver as imagens a gente viu que tinha um material bruto muito bom e que ela tinha uma cor muito viva, diferente e que marcou toda uma geração. Eu sempre ouvia falar do Modesto, o Sérgio sempre me contava muitas histórias deles e do festival de 1965. O Grassi me falou que o Modesto estava vindo a Santa Maria e ele junto com o Grassi dá um ganho, porque ele conta as coisas com detalhes. A emoção que ele fala em filmar em Super-8. O Grassi dá as perspectivas históricas e o Modesto dá o relato de quem viveu aquilo de forma intensa. Escutá-los e ouvir algo emblemático, que é a frase do Grassi, “eu sinto falta daquele temO NOSSO CINEMA ERA SUPER
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po”. Tem uma coisa que marcou muito também, que agente chegou um dia, e disse que o off ia ser das impressões dos três, minha, do Marcos e do Gabriel Oyarzabal. A gente encontrou uma imagem perdida do foco da câmera, que eles estão filmando a primeira quadra, foi marcante, o Super-70 possibilitou reconhecer eles, foram eles que construíram o caminho para nós, né. A gente ligou para vários deles para convidar para a homenagem. No dia da homenagem, a gente combinou de o Grassi chamar quem fez parte daquela época e quando a gente viu o placo estava cheio. O Grassi exibiu no Rio, para algumas pessoas que não tinham visto. Ele foi para lá, colocou eles numa mesa e exibiu, os caras choravam, se emocionaram, queriam saber como colaborar com o festival. Qual é a importância que teve o Super-8 para a cidade? Cassol – Ele influenciou o que veio depois. A nossa geração está pesquisando eles. E ao pesquisa-los a gente vê o quanto ele são importantes. Eles consolidaram Santa Maria como polo audiovisual porque teve uma geração que fez, e não são todas as cidades que têm pessoas que se propõe a usar o Super-8 para fazer ficção. Talvez por essa magia de disparar o gatilho da filmadora. Também por facilidade de revelação. Mas eles tratavam de produzir, produzir, produzir. Eles assistiam muito cinema e faziam também. E tem o festival de Super-8. É mais do que criatividade, é ousadia de fazer. Como qualquer geração, a da década de 70 teve acertos e erros. Houve brigas, se formaram pequenos grupos entre eles. O Sérgio dizia que ficou mais independente, foi fazer do jeito dele. Em determinado momento, há uma divisão e, depois, um entrosamento de novo E o festival de 1965. Qual você acredita ter sido a contribuição para Santa Maria? Cassol – Foi fundamental, tiveram inscrições de todo o Brasil. Eles puderam se assistir, concorrer entre eles, chegar, ver o público ali. Aquilo foi fundamental na trajetória fílmica de cada um. Aquilo valorizou o trabalho deles. As pessoas puderam saber que tinha produção em Santa Maria, que existia o festival, o Modesto fala uma coisa que quando eles iam a Gramado, quando chegavam os caras diziam “esses são o loucos de Santa Maria”, então já tinha essa coisa de saberem que existia produção na cidade.
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ANEXOS
Anexo A Capa da revista Santa Maria, maio de 1975
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Anexo B Reportagem da revista Santa Maria, maio de 1975
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Anexo C Continuação da reportagem da revista Santa Maria, maio de 1975
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Anexo D Continuação da reportagem da revista Santa Maria, maio de 1975
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197
Anexo E Reportagem da revista Santa Maria, junho de 1975
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199
Anexo F Reportagem da revista Santa Maria, junho de 1975
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201
Anexo G Continuação da reportagem da revista Santa Maria, junho de 1975
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Anexo H Reportagem da revista Santa Maria, setembro de 1975
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Anexo I Continuação da reportagem da revista Santa Maria, setembro de 1975
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207
Anexo J Capa da revista Santa Maria, outubro de 1975
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209
Anexo K Editorial da revista Santa Maria, outubro de 1975
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211
Anexo L Reportagem da revista Santa Maria, outubro de 1975
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213
Anexo M Continuação da reportagem da revista Santa Maria, outubro de 1975
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215
Anexo N Reportagem da revista Santa Maria, outubro de 1975
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217
Anexo O Continuação da reportagem da revista Santa Maria, novembro de 1975
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219
Anexo P Reportagem da revista o Quero-Quero, de setembro de 1975
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Anexo Q Continuação da reportagem da revista Quero-Quero, junho de 1975
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Anexo R Reportagem do jornal A Raz達o, 18 de janeiro de 1975
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Anexo S Reportagem do jornal A Raz達o, 2 de abril de 1975
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Anexo T Reportagem do jornal A Raz達o, 3 de outubro de 1975
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Anexo U Reportagem do jornal A Raz達o, 15 de outubro de 1975
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Anexo V Markova , primeiro Super-8 ficcional com preocupação artística de Santa Maria
Sergio de Assis Brasil (acima) realizou aquele que é, provavelmente, o primeiro filme Super-8 ficcional com preocupação artística feito em Santa Maria: Markova. O roteiro enfoca dilemas vividos por adolescentes e o filme é um marco da história cinematográfica de Santa Maria.
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Ficha técnica
O NOSSO CINEMA ERA SUPER UM RESGATE HISTÓRICO DO MOVIMENTO SUPEROITISTA EM SANTA MARIA NOS ANOS 70
Marilice Amábile Pedrolo Daronco
Orientação: Miriam de Souza Rossini Apresentação: Kitta Tonetto Capa: Diego Borges e Byron Andrew Imagens: Reproduções Projeto gráfico e diagramação: Diego Borges Tratamento de imagens: Diego Borges e Douglas Menezes Revisão: Bruna Bulegon
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IMPRESSテグ:
Santa Maria - RS - Fone/Fax: (55) 3220.4500 www.pallotti.com.br
FOTOS CLAUDIO VAZ
Marilice Daronco nasceu em Santa Maria, RS. É jornalista, formada pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e especialista em Cinema, pelo Centro Universitário Franciscano. Participou da equipe de produções locais em curta e longa-metragem, foi diretora do documentário Esconderijos da Memória. Atuou nos jornais A Cidade, Cidadão e A Razão, na TV Câmara de Santa Maria, Rádio Universidade e TV Campus e na assessoria de imprensa do Sindicato dos Professores Municipais de Santa Maria e da prefeitura de Itaara. Atualmente, é repórter do jornal Diário de Santa Maria (Grupo RBS), veículo no qual foi vencedora de dez prêmios internos de jornalismo.
O livro de Marilice Daronco, O Nosso Cinema Era Super leva o leitor a um belo passeio pela história do cinema superoitista. Uma bela e reveladora viagem sobre o Movimento Super-8 na cidade de Santa Maria, nos anos 70. A autora revela sequências e notáveis histórias nesse tempo cinematográfico de nossa cidade, com personagens e obras inesquecíveis. Marilice traz o passado para o presente e contextualiza o leitor nessa viagem através da cronologia do movimento superoitista no Brasil. No primeiro momento o leitor sabe como o Super-8 chegou ao Brasil e seu espalhamento pelas regiões. Depois conhece um pouco da história do super-8 no Rio Grande do Sul, os nomes que marcaram esse movimento, os principais títulos, os festivais e o modo de fazer cinema de jovens para jovens. E, no momento seguinte vamos descobrir o movimento superoitista de Santa Maria. O resgate oral realizado pela autora traz as marcas do que foi vivido pelos realizadores em Santa Maria e as imagens registradas pelas câmeras. Através dos relatos colhidos somos reconduzidos no tempo ao período dessas produções em nossa cidade. O leitor é inserido no cenário de produções da década de 70 e assim descobre os atores, os produtores e realizadores da bitola nanica. A riqueza de detalhes na reconstrução dessa memória revela ao leitor os costumes, hábitos, figurinos, arquitetura e o momento político e social da sociedade naquele período. Uma reconstrução fascinante desses autores e da forma de contar histórias desse grupo de realizadores santa-marienses, que revelam muitas surpresas no resgate dessa memória. A autora mostra aos leitores como foi a barulhenta história do cinema mudo desse período e o trabalho de equipe dos jovens naquela época. A bitola nanica foi o modo de expressão coletiva destes realizadores, que irão colocar nas salas, telas, teatros e nas ruas o seu recorte, o seu modo de olhar a cidade. Mais que um resgate de filmes, animação e de nomes a autora nos revela o modo de fazer cinema. Nestas páginas o leitor descobre as abordagens dos diretores e suas influências. Ao desvendar estas particularidades a autora nos revela os desejos, esperanças, críticas, censuras e cultura que conduz estes realizadores naquele período. O texto revela os símbolos e os signos das produções superoitista e convida o leitor a novas interpretações. O texto leve e bem construído que perpassa a obra da autora é mais um convite para participar dessa jornada.
KITTA TONETTO Jornalista, professora e produtora audiovisual