DP001 AGNES DE DEUS

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AGNES DE DEUS p. michelotto Dramaturgia. Vou ter que começar a falar pela dramaturgia, me desculpem. Parece-me essencial. Dramaturgos andam em falta. Vamos à dramaturgia, pois. Stanislau P.P. me ensinou certa vez que tem coisas que não dão samba, dão samba de crioulo-doido. Tem coisas também que não dão literatura, muito menos teatro. Padres, freiras, psiquiatras, loucos, físicos nucleares ( vide Copenhagem) - via de regra dão péssimas histórias. O único texto com grandeza que tenha um padre como personagem principal, que conheço, é O Poder e a Glória do saudoso Grahan Greene. Mas, meu deus, quem aí lê ainda Grahan Greene a não ser o professor Esman e eu? Por outro lado, Deus, (Ele Mesmo, o Patrão) sempre andou em alta e não sei se pela nossa formação cultural portuguesa latina ocidental ou por quê, mas o Senhor tem escolhido - de Beckett a Dario Fó- bons dramaturgos para contar suas proezas. Ao contrário de Agnes, que é uma freirinha, às voltas com um crime, uma psiquiatra com problemas como todo psiquiatra, com sua madre superiora, com deus; e claro, com a mãe. Pois, depois de Medéia, tragédia sem mãe não existe. Os elementos de um bom thriller policial estão aí: um personagem apagadão ( freirinha),um escândalo ( gravidez), um assassinato( criança morta), um tom de psicopatia & ciência, truques de hipnose, alguns suspeitos e uma terrível suspeita sobre a sexualidade do capelão, coitado. Mistura- se tudo com um possível trauma religioso e uma simbologia sexual explícita ( mãe, cigarros, água ...essas coisas aí ), acrescenta-se o milagre das regras da psiquiatra voltarem ( para quê, se ela parou também de fumar finos que satisfazem ou grossos etc e tal e tudo isso aí significa falo, hein?) e ... pronto, aguardem-se as palmas. Contanto, claro, que o distinto público, nós, sejamos um somatório de antas medievais.

Luzes, figurinos & direção Há um belo destaque aqui para o cuidado do trabalho cênico. O cenário é funcional, e no tom de fundo da peça- que é o de haver alguma esperança no fundo de um poço marrom escuro. Há, nas falas, uma metáfora sobre árvores que se concretiza num figurino e numa iluminação a duas cores de tons e sobre-tons marron-verde, dando um tom de cuidado, delicadeza e limpeza ao espetáculo. Limpeza é o nome que às vezes damos para o trabalho de origem acadêmica, que faz o que tem que fazer, mas evita colocar um dedinho do lado de fora do campo próprio de operação. Rubem Rocha chama isso de clean, com justeza. Mais tons de luz, dar uma margem maior ao erro, sempre me pareceu fazer a graça dos espetáculos. Pois, sempre, o que vemos sempre em cena são homens lutando contra os deuses. Até mesmo com pequenas armas ou armas ruins. Até mesmo com o choro e a emoção presa na garganta. Ou com o riso, que o riso ainda é nossa melhor arma contra Eles, não é mesmo?


Seja como for, há que haver possibilidade de erro em tudo que se chame arte. Limpeza é quando reduzimos ao extremo essas possibilidades textuais, quando fazemos um espetáculo todo bem fechado como uma caixinha linda de presentes, contendo, claro, um lindo presente. Sempre me parece que se perde algo de nossa história por esse caminho. Às vezes, o essencial. Em Agnes, Roberto Lúcio que é um mestre do esmero, preparou-nos uma bela caixa. Ele é um mestre. O bombom do Pieilmeier é que está com data vencida. Erros monumentais fazem a essência do teatro. O maior? A errância de Édipo, em Sófocles, culpado sem consciência. Sem esse erro magistral, essa errância dos personagens- não haveria teatro. O que chamamos de limpeza- quase- acadêmica é de outra ordem, é manter o erro sob rédeas bem curtas e muito seguras. Arriscando-se, no entanto, a colocar rédeas também em nós, o público. Roberto Lúcio optou por essa limpeza, correndo esse risco.Talvez porque soubesse bem da fragilidade desse texto dramatúrgico. Cujo foco é o pior possível: o da psique da pobre freirinha infeliz com voz de passarinho. Shakespeare resolveu isso melhor. Em apenas uma só frase, em Hamlet: ...”não sabemos por que os pardais caem”. Não sabemos- esse o mistério. O primeiro deslize de Pielmeier é querer saber muito , mas trabalhar com uma psicologia de segunda mão, tipo papo de Paulo Coelho. Ora, se alguém começa a fumar porque a mãe morreu, ao limite Freud não tem nada a ver com isso. Pielmeier acha que sim. Até se permite um seriado de gracinhas quase-pornográficas a respeito de santos e o tamanho de seus cigarros- só faltando citar o famoso charuto de Clinton. Você não riu, tenho certeza. Imagem forte, porém igualmente idiota, é também aquela de que sua mãe lhe enfiava cigarros acesos na vagina.Certamente Freud se interessaria muito por sua mãe- mas bem bem menos por você. Toda originalidade aí do Sr. Freud foi situar seu campo na prima infância, e seu objeto nas relações primevas, em seu modelo de transcrição, também dito Inconsciente, e no discursos que a partir daí se travam, isso é, se desenvolvem em fechamentos.Na origem, portanto, e não nos efeitos das maluquices. O segundo problema de Pielmeier é tentar resolver problemas com truques. A tal da hipnose, por exemplo. Se você usar como sugesta hipnótica que se mergulhe na água, você tem maior probabilidade de afogar seu paciente, que de colocá-lo em sono profundo. Tá bem, tá bem, água é melhor pois lembra sexo etc e tal. Mas não dá boa hipnose, se é que dá alguma.Aí depois faz a freirinha assassina sair passeando ao próprio gosto, sem haver algum comando para isso. E finalmente mistura fatos e embola momento de fecundação com o do parto- sem comando específico nenhum do hipnotizador, para isso. Só o público pode dormir com isso. O terceiro erro do texto é de esquecer completamente de refletir sobre a hamartia, culpa, e o culpado- como se isso não tivesse a menor importância, justo nessa época em que se descobriu que boa parte do clero americano( sobre o daqui ainda faltam pesquisas) tem uma incrível tendência à


pedofilia e a outras coisas mais complicadas. Quem disse foi o Papa Woytila, fui eu não!!! Finalmente o culpado? ” Talvez um camponês?!”- diz o autor. Tás brincando!!!?Todo preconceito foi mera casualidade, não é mesmo?! Um pouco de solo social e verossimilhança no texto não faria mal a ninguém. Pielmeier nem tá ai para isso. Supõe que o público espera mesmo é um milagre ou um papo sobre papas e freiras ensandecidas. Mas seu quarto e maior erro mesmo é achar que milagre em teatro é o truque. Milagre em teatro é simplesmente milagre. Acontece, todos os dias , todos nós sabemos- senão nunca mais poríamos os pés em uma sala. Milagre é Fátima Pontes e Galiana segurarem esse texto com tanto brio. É verdade que o tom da Madre Superiora cansa um pouco e que a Agnes não é nenhum passarinho cantando. Mas viram o milagre? Funciona! Fátima Aguiar, a psiquiatra, porém tem uma tarefa bem mais ingrata- pois não há como segurar aquilo.Nenhuma atriz consegue em sã consciência afirmar, quase como numa apoteose, algo como “ e eu, uma psiquiatra,católica comungante, com regras e não fumante..” ou coisa muito parecida. Francamente! Não há um pequenino espaço no personagem para o milagre. Ele é falso, impostado, de início ao fim. Então a atriz acaba pagando um mico miserável- essa a verdade. Aumentar o tom de voz, dar tensão dramática não vai levar a nada. A coisa toda é oca.E não seria se Pielmeier tivesse pelo menos lido End of Affair ou O Poder e a Glória. Mas quem lê ainda Grahan Greene a não ser o professor Esman , Dennis e eu? Leia e vá assistir Agnes de Deus. Depois escreva para cá dizendo que discorda

Philosophando um pouco. A modernidade deixou nos com um problema a resolver em teatro. E que incide diretamente em toda prática crítica Nada a ver com as mudanças acontecidas na escritura dramática, nem com a simplificação do material cenográfico, nem com a iluminação, figurino, maquiagem e cenografia como produtos de um design, ou isso tudo tratado como linguagens. Nada disso. Não é nenhum problema técnico ou especificamente teatral. Mas, antes, da própria formação social em que estamos, produtores teatrais e público, inseridos. Parece-me que nosso problema maior é o da regionalização e, conseqüente, envelhecimento dessa arte,por se situar dentro do sistema capitalista periférico como o nosso.No plano cultural, se imaginarmos nosso planeta até os meados dos anos 50, pouca coisa acontecia de diferente, em matéria tecnológica. Nosso roteiro básico, em artes plásticas e cênicas se delineou nos fins do XIX e abertura do XX. Depois foi xerox e não produzimos nem um pequeno avanço em técnicas. O que estamos tocando adiante com relativa coragem, ainda é a tentativa de se avançar em teorias, de se repensar as artes. No que andamos bem devagarzinho. A consolidação porém da indústria cinematográfica, o desenvolvimento das redes de TV, o caminho seguro que a música encontrou como show, espetáculo, o universo reduzido ao alcance do microcomputador e de seus textos específicos, deixaram-nos perguntando que futuro temos.


A característica de toda essa indústria moderna do texto é a de uma tessitura rápida , ágil, que o teatro - apesar de Beckett ou Koltès, por exemplo - insiste em deixar de lado. Nossa melhor e sem dúvida mais moderna forma textual tem sido relegada, em nome de uma isonomia de duração com os shows de bandas, os filmes, ou uma sentada em casa na frente da telinha de TV.O Jornal moderno é talvez o melhor modelo dessa outra escrita, tanto que nele muitos foram beber, como nosso Nelson Rodrigues. A questão é: dá para competir? Enquanto a maioria das formas de espetáculo modernas, ou de textos modernos, insistem numa participação do público, nós insistimos em deixa-lo ali, paradão. De preferência de boca aberta, pasmo, siderado com nossos truques de mágica. Penso que perdemos o público. O problema pode ser posto assim também: pense que no último festival, no dia em que se encenava Tenessee Willians, com uma ” companhia de fora”, com uma atriz chamativa como a Leona , isso conseguiu reunir apenas 200 , dentre os atores, produtores, cenógrafos, figurinistas, diretores, estudantes de teatro recifenses e alguns curiosos fora da classe teatral. Na mesma hora, 25 mil pessoas se acotovelavam, cantavam ,riam, enraiveciam-se, gritavam, xingavam a mãe do juiz no Arruda. Esse o problema Perdemos o público. Transformamos nossa longa história numa artezinha de província, de beirada, de morro, amada e admirada pelas 5 ruelas ao redor, um artesanato sem futuro, com todos carniceiros das ciências sociais e humanas já colocando o bico para cima de nós para nos transformar em objeto de cultura narrada, aquela de seus livros também sem público. O público jovem que foi recapturado em parte pelo Cinderela, num esforço de 5 anos, voltou para seus bares, suas bandas, seus classic-halls provincianos. Resta o povão? Mas esse nosso povão nunca botou mesmo os pés em nossas salas. E nem porá, enquanto nos mantivermos atolados no passado de nossa arte, na grandeza grandiloquente de nossas falações - essa minha aqui é uma delas, senhores , eu sei bem disso, mas isso aqui felizmente participa, mas NÂO é teatro. E ainda bem que não estamos há 4 anos atrás, antes da virada do século, senão tudo o que penso ficaria assim meio spleen, meio decadente, meio fin de siècle. Ou reacionário. Ora reacionário é se deixar virar meia página os 2.500 anos de nossa história. Olhar de frente nosso público e dizer: não temos mais o que dizer para vocês, o que dialogar com vocês a não ser nosso velho papo surrado de que temos que dar um jeito de combater os deuses, hoje e sempre. Talvez essa seja uma boa reação a essa modorra, esse abandono, ao qual nos deixamos relegar, do meio do século XX para cá, no meio de tanto show de milhão, tanto apagão de cinema,tanto hipertexto, tanta realidade micro e pouco virtual, tanto bar, tanto mar, tanto mar.


Essa preocupação acima não é só minha. É resultado de conversas com muitas pessoas mais novas e confesso que não conseguí convencê-las de que o teatro valia a pena em si,que era mais educativo, mais profundo e que era melhor que a maioria dos shows que andam por aí e que o problema da falta de público e de verba era que o teatro não estava oferecendo nada mais interessante que uma contemplação. E coisas antiquadas na maioria e mal apresentadas para nosso tempo. Camilla, por exemplo, já passou dos 20 anos e NUNCA botou o pé num teatro. Como diz, defendendo-se em parte, para quê me chatear a noite toda com uma história de freira ensandecida que nem sabe a quem azarou e que conta isso numa linguagem com cheiro antigo de censuras e histórias de convento, boas para bisavó e tais, quando posso estar cantando e pulando num baile funk , ou dançando num show de rock ou papeando num bar? Eu pensava que o problema dela era apenas o de uma menina que não teve boa educação cultural. Depois e hoje , parece-me algo bem mais grave para o teatro e artes em geral e bem mais difícil de se nomear. O ponto de culpabilidade talvez não esteja lá aonde insistimos, com certa facilidade, em dizer que ele está: a má educação de nossa gente. Acho que perdi o papo. Não consegui convencer ninguém que a gente ainda está vivo e que possa valer algo diferenciado em relação a esses outros produtos dos mídias. Talvez seja porque o teatro, em significativa maioria, achou um pequeno espaço para sí e aí se agasalhou confortavelmente. Achou seu cantinho, sua região permitida, como todo bom regionalismo. Parece-me no entanto que isso é simples decorrência do sistema em que estamos pensando. Mas que sei eu dessas épocas, em que a antigona UNE agora só faz bienais, e que tem Ariano Suassuna como convidado especial? ... Geléia Geral ainda é a coisa mais nova que anda acontecendo?

ÍVANA, ( gostou do acento russo? ) TOU BOLANDO COISAS AQUI PARA TAL COLUNA, JÁ QUE ELA É BEM MAIOR QUE MINHA SABEDORIA. Conversei com um bando de gente nesses dias e tive a idéia de ter dois blocos na coluna: • um dedicado ao velho e bom teatrão, isso é: as peças daqui, das companhias daqui. • Outro, dedicado aos novos , à experimentação, às pequenas coisas que passam rápido mas podem ser germes do melhor depois. O teatro de Elias, vide O Gran Vizir,de Vivi, vide Giulietta in stress, Heron, vide A Terceira Margem e mais alguns novos que andam por aí e que estão começando agora sua direção. Acho que mesmo que passem poucas vèzes, esporadicamente, com temporadas pequeniníssimas, merecem nossa atenção e a de nosso público do DP. Afinal foi assim que nasceram Antônios, Carlos e tantos outrsos daqui, não? Muitos acharam legal a idéia de dar um certo espaço a esses pequenos. Não tão importante quanto o dos outros que estão em temporada regular, mas com o mesmo carinho e cuidado como se fôseem eles os grandes.


Pois serão. Bem, mesmo assim, acho que ainda me restará um bocado de papel a preencher. Na medida em que a coisa for pegando rumo a coluna vai se ajeitando e criando uma face também. Mas acho que talvez ela não devesse se restringir às artes cênicas, pois há tempos maus, bicudos e com muita coisa ruim...e aí até o jornal sai ruim, não é mesmo? A coluna poderia ir incluindo devagar as artes plásticas também – afinal sou curador de um monte de exposições e dou aulas para esse povo. Poderia ter quadrinhos internos- exclusivos dela. Conheço muitos NOVOS e bons que dariam a alma para aparecer num canto desses... Sei lá. Algo assim como um espaço experimental para todomundo, e eu seria só o catalisador dessa coisa toda. Evidente , seria o censor e curador. Para não perder a qualidade. Tou aqui meditando. Enquanto isso, e sabendo qua acoluna anda manca pois faltam mais umas 90 linhas, pensei em fazer uma coisa que fazia na paraíba. Isso é: colocar de vez em quando reflexões para o povo da classe ou o povo em geral interessado em artes cênicas. É coisa que fica tododia martelando em minha cabeça pelo fato de eu me meter nisso e ainda por cima dar aulas disso. Acho-me obrigado a pensar largo, no sistema como um todo e não só no pequeno circuito da circulação de uma arte

Tentei falar com Vivi e Leda para me passarem material sobre Giulietta, pois tem fotos e a peça volta a cartaz logo logo, possivelmente no circuito do Sesc. Seguem esses textos. Como coisas que podem aparecer na coluna,. Mas que por enquanto servem para o que servem, ok? A não ser que vc ache que a coluna já pode ir tendo esse tipo de figura. Beijos pois o melhor é conversarmos michelotto


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