A Experiência Sensorial na Arquitetura através do Inferno de Dante

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A EXPERIÊNCIA SENSORIAL NA ARQUITETURA ATRAVÉS DO INFERNO DE DANTE

DIMITRIUS MARQUES MEGALOMATIDIS São Paulo, 2017


A EXPERIÊNCIA SENSORIAL NA ARQUITETURA ATRAVÉS DO INFERNO DE DANTE DIMITRIUS MARQUES MEGALOMATIDIS ORIENTADOR LUIZ BACKHEUSER

Tese de Graduação Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie São Paulo, Brasil; Ano de 2017



ÍNDICE 1.0 Fenomenologia

1.1. 1.2. 1.3. 1.4.

Maurice Merleau-Ponty Christian Norberg Schulz Juhani Pallasmaa Steven Holl

2.0

3.0

2.1. 2.2.

3.1. 3.2. 3.3. 3.4. 3.5.

O Mundo Háptico - The Eyes of the Skin

A importância da sombra A Espacialidade Envolvente 2.2.1. Cidade da Percepção 2.2.2. Cidade da Alienação 2.3. Memória e Imaginação 2.4. A pele como órgão sensorial

Hapticidade e os 5 sentidos O Háptico e a Visão O Háptico e o Tato O Háptico e o Olfato O Háptico e o Paladar O Háptico e a Audição


4.0

O capítulo do Inferno

4.1. 4.2.

O Conceito O Projeto

6.0 Bibliografia

5.0 Conclusão


LISTA DE IMAGENS: • •

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Imagem da Capa: Catedral Metropolitana Ortodoxa, São Paulo. Foto de autoria do autor Imagem 1.0.: Fonte: WIKIPEDIA <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/ commons/thumb/0/0e/Goethe_%28Stieler_1828%29.jpg/1200px-Goethe_%28Stieler_1828%29.jpg> Acessado em 24 out. 2017. Imagem 1.1.1.; Fonte: < http://saimg-a. akamaihd.net/saatchi/311546/ art/1741611/909991-7.jpg> Acesso em 15 nov. 2017. Imagem 1.2.1.; Fonte: HILL, John (Org.). Dear Concept Of Phenomenology In Architecture As Developed By The Norwegian Theorist Christian NorbergSchulz. 2012. Disponível em: <https:// archidose.blogspot.com.br/2012/01/ dear-concept-of-phenomenology-in. html>. Acesso em: 12 nov. 2017. Imagem 1.2.2.; Fonte: NORBERGSCHULZ, 1971, p.33 Imagem 1.3.1.: Fonte: ARCHDAILY <https://images.adsttc.com/media/ images/56ed/c714/e58e/ced2/ cb00/0144/newsletter/BeFunky_ Collage.jpg?1458423559> Acesso em28 nov. de 2017. Imagem 1.3.2.; Foto por Cherish Rosas; Fonte: MALMQUIST, Einar Bjarki. Art, Humility and Ecology: An interview with Juhani Pallasmaa. 2010. Disponível em: <http://www. architecturenorway.no/stories/peoplestories/pallasmaa-09/>. Acesso em: 12 nov. 2017. Imagem 1.4.1.; Foto por Mark Heitoff; Fonte: INGALLS, Julia. “A Dance for Architecture”: A conversation with Steven Holl. 2015. Disponível em: <https://archinect.com/features/ article/140953853/a-dance-forarchitecture-a-conversation-withsteven-holl>. Acesso em: 12 nov. 2017. Imagem 2.0.: Fonte: WIKIPEDIA < h t t p s : // u p l o a d . w i k i m e d i a . o r g / wikipedia/commons/9/9a/Steen_ Eiler_Rasmussen.jpg> Acesso em: 24 nov. 2017. Imagem 2.1.: Fonte: <http://www. christusrex.org/www2/art/images/

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carav10.jpg> Acessado em: 10 out. 2017. Imagem 2.2.: CARAVAGGIO The Incredulity of Saint Thomas. Produção de Grzegorz Łodej. Música: “Beethoven: Piano Sonata No.14 In C Sharp Minor, Op.27 No.2 -”moonlight” - 1. Adagio Sostenuto” By Vladimir Ashkenazy. [s.i.]: Youtube, 2015. (2 min.), son., color. Disponível em: <https://www.youtube. com/watch?v=MoOflosiW70>. Acesso em: 10 out. 2017. Imagem 2.1.1.: Fonte: WIKIPEDIA < h t t p s : // u p l o a d . w i k i m e d i a . o r g / wikipedia/commons/e/e7/Dou%2C_ Gerard_-_Astronomer_by_Candlelight__c._1665.jpg> Acesso em 28 nov. 2017. Imagem 2.1.2.:Foto de autoria do autor Imagem 2.2.1.: Foto de autoria do autor Imagem 2.2.2.: Foto e montagem de autoria do autor Imagem 2.2.3.: Foto e montagem de autoria do autor Imagem 2.2.4.: Foto e montagem de autoria do autor Imagem 2.3.1.; Fonte: WIKIPEDIA. Paradise - Jacopo Tintoretto. 1565. Disponível em: <https://commons. wikimedia.org/wiki/File:Jacopo_ Tintoretto_-_Paradise_-_WGA22642. jpg>. Acesso em: 13 nov. 2017. Imagem 2.4.1.: <https://i.pinimg. com/736x/13/69/cd/1369cd550f044 a01681ff00a2b07695a--architectureimages-alvar-aalto.jpg> Acesso em 28 nov. 2017. Imagem 3.1: Disponível em: <http:// www.nitrosaggio.net/bartolozzi/zevi. jpg> Acesso em: 25 nov. 2017. Imagem 3.1.1.; Foto por Fernando Guerra; Fonte: FREARSON, Amy. Peter Zumthor’s Therme Vals spa photographed by Fernando Guerra. 2016. Disponível em: <https://www. dezeen.com/2016/09/25/peterz u m t h o r - t h e r m e - va l s - s p a - b a t h s p h o to g ra p h y - fe r n a n d o - g u e r ra / > . Acesso em: 31 out. 2017. Imagem 3.1.2.; Foto por Fernando Guerra; Fonte: FREARSON, Amy. Peter Zumthor’s Therme Vals spa photographed by Fernando Guerra. 2016. Disponível em: <https://www. dezeen.com/2016/09/25/peter-


z u m t h o r - t h e r m e - va l s - s p a - b a t h s p h o to g ra p h y - fe r n a n d o - g u e r ra / > . Acesso em: 31 out. 2017. Imagem 3.2.1.; Foto por Alan Dunlop Architects; Fonte: RINALDI, Marco. HAZELWOOD SCHOOL GLASGOW BY ALAN DUNLOP ARCHITECT. 2016. Disponível em: <http://aasarchitecture. com/2016/09/hazelwood-schoolglasgow-alan-dunlop-architect.html>. Acesso em: 20 out. 2017. Imagem 3.3.1.; Foto por James Harris; Fonte: STOTT, Rory. Siza, Souto de Moura, Kuma Reflect on Their ‘Sensing Spaces’ Exhibitions. 2014. Disponível em: <https://www.archdaily. com/475585/siza-souto-de-mourakuma-reflect-on-their-sensing-spacesexhibitions>. Acesso em: 13 out. 2017. Imagem 3.4.1.; Fonte: ARTSTACK. Chocolate Room - Ed Ruscha. 1937. Disponível em: <https:// theartstack.com/artist/edruscha/chocolate-room?invite_ key=nemodolezal&via=pinterest>. Acesso em: 14 out. 2017. Imagem 3.5.1.; Fonte: SABARENSE, Bruna. Aparelho que corrige orelhas de recém-nascidos é novidade no Brasil: Muitas vezes o bebê já nasce com as orelhas de abano ou tortinhas. Tecnologia evita a necessidade de cirurgias. 2017. Disponível em: <https://www.metropoles.com/vidae-estilo/bem-estar/aparelho-quecorrige-orelhas-de-recem-nascidos-enovidade-no-brasil>. Acesso em: 11 out. 2017. Imagem 3.5.1.; Fonte: LEITNER, Bernhard. Soundcube. 1969. Disponível em: <http://www.bernhardleitner.at/ works>. Acesso em: 1 nov. 2017. Imagem 4.0: <https://cdn.studenti. stbm.it/images//2016/06/06/dantealighieri-orig.jpeg> Acesso em: 25 nov. 2017. Imagem 4.1.; Fonte: WIKIMEDIA, < h t t p s : // u p l o a d . w i k i m e d i a . o r g / wikipedia/commons/0/07/La_Danse_ du_Sabbat.jpg> Acesso em: 15 nov. 2017. Imagem 4.2.: Fonte: <http://audreymovie.blogspot.com.br/2014/03/ gustave-dore.html> Acesso em: 27

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nov. 2017. Imagem 4.1.1.; Fonte: WIKIMEDIA, <https://commons.wikimedia.org/ wiki/File:Sandro_Botticelli_-_La_Carte_ de_l%27Enfer.jpg> Acesso em 15 nov. 2017. Imagem 4.2.1.: Imagem de autoria do autor Imagem 4.2.2.: Imagem de autoria do autor Imagem 4.2.3.: Imagem de autoria do autor Imagem 4.2.4.: Imagem de autoria do autor Imagem 4.2.5.: Imagem de autoria do autor Imagem 4.2.6.: Imagem de autoria do autor Imagem 4.2.7.: Imagem de autoria do autor Imagem 4.2.8.: Imagem de autoria do autor Imagem 4.2.9.: Imagem de autoria do autor Imagem 4.2.10.: Imagem de autoria do autor Imagem 4.2.11.: Imagem de autoria do autor Imagem 4.2.12.: Imagem de autoria do autor Imagem 4.2.13.: Imagem de autoria do autor Imagem 4.2.14.: Imagem de autoria do autor Imagem 4.2.15.: Imagem de autoria do autor Imagem 4.2.16.: Imagem de autoria do autor Imagem 4.2.17.: Imagem de autoria do autor Imagem 4.2.18.: Imagem de autoria do autor


- STEVEN HOLL “Em face das tremendas forças conservadoras que constantemente a empurram (arquitetura) em direção à já comprovada, já construída, e já pensada, a arquitetura deve explorar o que ainda não se sentiu.”

HOLL, 1996


justificar diferentes maneiras de pensar e a necessidade da adaptação para um mundo mais funcional. Essa mudança de pensamento não se restringe somente à ciência; no final do século XIX, o funcionalismo começa a entrar no campo das artes, e estilos mais ligados à natureza perdem sua força em detrimento da necessidade de praticidade e objetividade. Na Arquitetura, o Funcionalismo se fez mais presente em duas vertentes: a primeira, um funcionalismo estrutural, análogo às teorias do racionalismo construtivo, até mais tarde, a contaminação do próprio conceito de espaço com a máxima funcionalidade. Máximas do mundo arquitetônico, como “a forma segue a função” de Sullivan2, que posteriormente viria a ser “a forma é função”, dita por Mies van der Rohe, dentre outros, embasados na teoria funcionalista, ajudaram a transformar uma profissão que antes equilibrava arte e função, numa supremacia da segunda perante a primeira. Esse acontecimento distanciou a relação entre o arquiteto e seu cliente de produto finais, passando de uma arte para a resolução de um problema apresentado, com a premissa de mais baixo custo, e muitas vezes, negligenciando sentimentos e sensações do usuário. A desumanização da arquitetura contemporânea e moderna é uma consequência da negligência do corpo e sentidos. O objetivo desta monografia é o questionamento dos espaços genéricos produzidos pelo Modernismo e meios possíveis para a mudança deste problema na Arquitetura, a partir da implementação de conceitos afetivos e sensoriais do ser humano.

Introdução Desde a Antiguidade, a Arquitetura teve seu papel fundamental no alojamento do ser humano. Inicialmente tida apenas como um abrigo contra intempéries, seu uso passou a ser visto de maneira diferente conforme as noções de racionalidade e individualidade passaram a interferir e influenciar na vida das pessoas. Com o passar dos anos e o advento da Humanidade, o que antes era apenas local de abrigo virou um lar, onde o habitar - conceito a partir de Heidegger e Norberg-Schulz - passou a ser fundamental na identificação de uma pessoa e na sua inclusão numa sociedade. O entendimento do mundo passa a ser mais funcional. Antes, acostumados com filosofias mais naturalistas, o racionalismo crítico1 e a ciência começam a 1 O Racionalismo Crítico veio a partir de Karl Popper, e se baseia na premissa da falseabilidade das teorias, ou seja, todo conhecimento é provisório, refutável e corrigível, e de certo modo falso até que se prove o contrário.

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2 Frase do arquiteto Louis Sullivan (1856-1924); SULLIVAN, Louis; Kindergarten Chats and other writings, p. 202-213


1.0 FENOMENOLOGIA


“[...] uma pessoa deveria buscar nada além dos fenômenos; estes constituem lições em si mesmos.” GOETHE Imagem 1.0 - Goethe


1.0 Fenomenologia A Fenomenologia, em sua tradução literal, é o estudo de fenômenos. O foco desta é entender a percepção da consciência a partir do ponto de vista de um sujeito, ou seja, como a pessoa percebe tal coisa, sob o “mais puro olhar’’, e não o que é dito sobre ela. O método fenomenológico, de acordo com Husserl1, consiste em estudar o fenômeno, de acordo como o sujeito o entende, sem interferências externas, permitindo uma maior abstração da realidade. A Fenomenologia é a linha de pensamento filosófica que procura refletir sobre a experiência por si só, a partir de um contato quase ingênuo e primário com o mundo apresentado. (Husserl, Merleau-Ponty) A Arquitetura, dentre todos os ou1 Edmund Husserl (1859-1938) foi um filósofo alemão que foi denominado como o “pai” da Fenomenologia. A partir dele, esse estudo começou a ter um teor acadêmico e crítico tanto na psicologia quanto no naturalismo.

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tros meios de comunicação, é capaz de sensibilizar todos os nossos sentidos simultaneamente. Somente esta arte é capaz de capturar a percepção de um visitante imediatamente, de tal forma que a passagem do tempo, a luz, mudanças climáticas, sombra, transparência, etc, interferem completamente na obra permitindo diversas interpretações, de níveis físicos até emocionais. Um templo romano, por exemplo. Uma pintura ou até mesmo uma fotografia, por mais perfeitas que sejam, não permitem uma compreensão espacial e sensorial quanto uma visita na obra referenciada. Os detalhes do mármore corroído pelo tempo, a sensação de pequenez do ser humano perante algo grandioso, como o som reverbera dentro do ambiente e até mesmo a sensação térmica e o jogo de luzes são fenômenos que apenas a arquitetura pode promover. O edifício fala a partir do silêncio dele próprio. A relação qualitativa da arquitetura é resultante da tensão entre seus conceitos generativos e sua contra-reação empírica, essa sendo a junção de experimentos e pensamentos racionais, onde finalmente a obra agrupa e sintetiza as qualidades lógicas desejadas pelo arquiteto. (HOLL, 2011)


1.0 fenomeologia

- STEVEN HOLL

“ O desafio da arquitetura consiste em estimular tanto a percepção interior como a exterior, em realçar a experiência fenomênica enquanto, simultaneamente, se expressa o significado, e desenvolver esta dualidade em resposta às particularidades do lugar e da circunstância.” HOLL


1.1 Maurice Merleau-Ponty Maurice Jean Jacque MerleauPonty (1908-1961) foi um filósofo francês que encabeçou os movimentos existencialistas e da fenomenologia da França pós-guerra. Mais conhecido por seus conceitos de empoderamento e percepção, também contribuiu nas áreas da arte, cinema, história, natureza e política. Suas principais obras foram “The Structure of Behaviour” (1942) e “Phenomenology of Perception” (1945).

Imagem 1.1.1: The Internal Organs of Merleau-Ponty Michael Hayter

“Essa mancha vermelha que vejo no tapete, ela só é vermelha levando em conta uma sombra que a perpassa, sua qualidade só aparece em relação com os jogos da luz e, portanto, como elemento de uma c o n f i g u r aç ão espacial. Aliás, a cor só é Merleau-Ponty, em seu livro “Fenomenologia da Percepção” (1962), define a Fenomenologia como o estudo das essências e todas as suas consequências. É uma filosofia que tenta compreender os fatos do mundo, em um contato ingênuo e quase primitivo. O francês se diferencia de outros teóricos do movimento 14


por acreditar que sempre há um pano de fundo para nossas experiências no mundo real; “vamos nos encontrar em nós mesmos, e em nenhum lugar mais, a

determinada se se estende em uma certa superFÍcie; uma superfície muito pequena seria inqualificável . Enfim, este v e r m e l h o não seria literalmente o mesmo se não fosse o “ v e r m e l h o lanoso” de um tapete.” (MERLEAU-PONTY, 1962, p.45)

dita que o centro da fenomenologia deva ser o ser humano e suas experiências, por outro desloca seu foco para o mundo, a extrema combinação de dualidades, o subjetivismo e o objetivismo. “Ele tenta combinar a subjetividade com a abordagem objetiva através de algo que poderia ser chamado de fenomenologia bipolar” (SPIELBERG, 1982). Para o teórico, a relação entre mundo e corpo são inseparáveis; o mundo deixaria de ter sentido se não fosse através de como o corpo humano o percebe e vice-versa. Logo, negligenciar algum destes em detrimento do outro, seria ignorar a própria existência. Essa relação é chamada de “interworld” (MORAN, 2000), e é basicamente a aceitação do fato de que o corpo de cada indivíduo é um ponto central de referência na vida deste, e consequentemente, um ponto de ação sobre o mundo. Merleau-Ponty afirma que um objeto só é plenamente compreendido, quando o corpo humano o permeia, e aos poucos, o reconhece. De tal forma, este mesmo objeto é concebido perante as experiências sucessivas que o sujeito teve no decorrer do percurso de sua descoberta. “Assim, é concebendo o meu próprio corpo como um objeto móvel que eu sou capaz de interpretar a aparência perceptiva e construir o cubo como ele realmente é.” (MERLEAU-PONTY, 1962). “A imagem do corpo que me proporciona um conhecimento pré-reflexivo da localização dos meus membros, mas este local não é uma

unidade e o verdadeiro significado da fenomenologia”. (MERLEAU-PONTY, 2012, p.19). De acordo com o teórico, o papel fundamental de um fenomenólogo é reencontrar o contato do ser humano com o mundo. (AMORIM, 2013). Se por um lado Merleau-Ponty acre-

posição no espaço objetivo. Pelo contrário, é um local com referência ao modo em que os membros entram nos meus projetos, portanto, não é uma espacialidade de posição, mas uma espacialidade da situação.”

LANGER, M. M.


tetônica propriamente dita. Essas descobertas proporcionaram a Merleau-Ponty o âmbito de sua experiência com a Fenomenologia, afirmando que ao perceber, “é apreender um sentido imanente ao sensível antes de qualquer juízo.” (MERLEAU-PONTY, 1962). Ou seja, a experiência do mundo não vem do científico e do pensamento, mas sim do sensível e perceptivo, que se encaixa em uma esfera anterior à reflexão.

§ Textura e fundo são outros dois conceitos ligados à ideia de percepção. Segundo o teórico, algo só entra em destaque, se destacado de seu contexto de alguma forma. “O mundo consiste em um campo de materiais correlativos, não de objetos isolados” (AMORIM, 2013) Portanto, uma obra arquitetônica, desse modo, é como uma obra de arte, ou até a mancha vermelha no tapete (MERLEAU-PONTY, 1962). O único modo de entendê-la, é a partir da construção de uma figura e fundo, de como estes objetos se interrelacionam e de como são percebidos. É perceber algo em seu contexto, nas suas relações interiores e exteriores, de como se insere na paisagem e a influência que causa. A mancha seria apenas uma mancha se não fosse pelo tapete servindo de paisagem. A Arquitetura, no entanto, diferente de outros campos do conhecimento, é algo que requer um processo contínuo e longo para seu entendimento, uma vez que se insere no espaço e tempo de outra maneira. Assim, é impossível que algo que interfira na vida das pessoas, e que influencie social e culturalmente um povo, seja puro e objetivo em sua mensagem. O olhar, para Merleau-Ponty, mais do que observar o objeto, é habitá-lo. E a partir desta habitação, compreende-se todo um complexo de fenômenos, no campo do observador, que causam uma interferência com a obra. “Cada objeto é espelho de todos os outros.” (AMORIM, 2013). Desse modo, a paisagem envolvente é um potencializador da obra arqui16

1.1 maurice merleau-ponty

O ser humano, para ele, é o ponto de referência de percepção do mundo. Tem-se noção de esquerda e direita, cima e baixo, grande ou pequeno, tudo em relação às nossas percepções e sensações do espaço existencial que o corpo exerce sobre o mundo.


1.2. Christian Norberg-Schulz Christian Norberg Schulz é um arquiteto e historiador norueguês, cujos trabalhos remontam principalmente à área da Fenomenologia. Sua maior contribuição no campo fenomenológico foi a explicitação de processos de assimilação do espaço existencial e das definições de genius loci, lugar, caráter e sua relação com o ser humano. O teórico, quando fala sobre o espaço existencial, diz que o espaço deve recuperar a sua posição central quando tratado na teoria da arquitetura, “após a superação de determinadas limitações nas concepções geométricas ou de percepção visual”. Muda-se a importância do espaço de experimentação empírica, para o espaço existencial de experimentação filosófica. O espaço passa de um lugar rígido, ideal e bem definido para um lugar acolhedor da existência humana. A base para qualquer estudo de arquitetura é o lugar e suas percepções

Imagem 1.2.1.: Christian Norberg-Schulz - Fonte: Arkitektur Oslo; edição do autor. 17


1 Palavra provinda do Alemão, sem tradução direta para o português, mas que significa atmosfera, caráter. Desse modo, quando utilizada na denominação e descrição de um lugar, o Stimmung deste é o caráter, a personalidade que se faz presente nas sensações do usuários

O mundo da vida, ou seja, o mundo no qual vivemos, e a sua mais comum manifestação, a criação do espaço e lugar, são interações de fenômenos que não devem ser entendidos separadamente, mas sim como partes de uma única manifestação fenomenológica. O lugar não deve ser levianamente encarado como algo que serve de abrigo para experiências emocionais, sensoriais ou até locomotivas, mas sim, algo que abraça e permite todas estas e outras diversas possibilidades. (NORBERGSCHULZ, 2000) Em uma situação caótica, na qual mundos distintos e lugares entram em conflito, a presença e ação humana se tornam atos quase poéticos, ao qual a teoria deve ser adicionada como instrumento necessário de forma a recuperar tradições perdidas. “Buildings define the land as an inhabited landscape in proximity to man, and at the same time they establish the neighbourhood of coexistence under the arc of heavens” HEIDEGGER

Norberg-Schulz se utiliza da frase de Heidegger como forma de explicitar os problemas vividos na urbanidade contemporânea. Uma terra desabitada e não construída, é uma terra compreendida, segundo a lógica de construções humanas e de compartilhamento. Entretanto, o planejamento urbano atual fragmenta as diversas disciplinas (iluminação, paisagismo e o próprio conjunto da cidade, por exemplo), carecendo e contribuindo com a sensação de falta de unidade experimentada nas grandes metrópoles. No entendimento de um lugar, por diferentes pessoas, é inevitável a subjetividade da compreensão por motivos de afinidades pessoais, que devem ser consideradas como fatores determinantes. O avanço da filosofia e sua relação 18

1.2. christian norberg-schulz

qualitativas. A priori, segundo Schulz, “a propriedade básica dos lugares criado pelo homem é a concentração e o cercamento” (NORBERG-SCHULZ, 2000); ou seja, os lugares acabam sendo inevitavelmente “interiores” a algo, cercados por barreiras visíveis ou não. A forma, material, cheios e vazios, temperatura, cheiro e sons são apenas algumas das características que podemos observar em um local, e assim, se configuram como a “qualidade ambiental” do lugar, sua atmosfera e caráter, peculiares e específicos. O local é portanto, palco de fenômenos qualitativos “totais”, dos quais se, extrairão os detalhes e minuciosidades específicas. Mesmo com funções similares, por exemplo em uma praça, o ato de passear, se relacionar com o entorno e com a natureza e o modo de agir, variam em grau e forma quando se comparam diferentes culturas e tradições. Sendo o lugar uma “totalidade” para todas estas funções, altamente pessoais e muitas vezes imprevisíveis, o estudo destes por métodos científicos e racionais resultaria em uma análise errônea e simplória. O próprio lugar ainda conta com outra característica, seu Stimmung1, ou seja, seu caráter, que serve como base, paisagem e contexto para o decorrer dos outros fenômenos específicos intrínsecos ao ambiente. O conjunto de todos estes fatores resulta na identidade de cada lugar, específica à cada um e intransferível à qualquer outro. Cada lugar, no entanto, tem sua estrutura bem delimitada. O “espaço” é usado como forma de denominar a posição interna de objetos, e o “caráter” junta-se à “atmosfera”, e estes delimitam a identidade do lugar.


1.2. christian norberg-schulz Imagem 1.2.2.: Diagrama de Christian Norberg-Schulz. Nele, o arquiteto associa, através dos círculos, os lugares, e dentro deles, suas especifi cadades. As conexões servem para demonstrar que apesar de distantes, eles tem ligações entre si.

com o mundo da vida, mostra a ciência como principal forma de entendimento do mundo, e sendo assim, nesse contexto, demonstra a necessidade de recursos da fenomenologia como forma de aprofundar a compreensão do lugar. Para uma análise mais precisa de um terreno, em um mundo heterogêneo, deve-se pontuar fatos globais e genéricos e distingui-los daqueles específicos ao local (genius loci), e depois comparar suas recorrências e interferências. Somente após essa filtragem, podemos pontuar e ordenar os fenômenos compreendidos. Norberg-Schulz ainda afirma que a compreensão é o ato inicial de transferência de um fenômeno individual à uma categoria, caso contrário a falta de referências nos levaria à uma minimização do real problema e caindo em um es-

tado vago e longe da realidade universal. (NORBERG-SCHULZ, 2000) Aristóteles desenvolveu uma teoria a qual baseia na espontaneidade das qualidades do mundo da vida, relacionando-as com o contexto do seu “lugar próprio”. De acordo com o filósofo grego, os fenômenos dignos de serem estudados e os de maior valor são aqueles que ocorrem espontaneamente, ou seja, fenômenos que ocorrem em lugares inesperados e que não foram pensados para que tais ações acontecessem. Isso tornaria o lugar rico de ações, qualidade essencial para uma análise pertinente e diferenciada. Assim, o pensamento Aristotélico sugere que o específico ao local é o grande objeto de conhecimento.

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1.3. Juhani Pallasmaa Pallasmaa, em seu texto “A Geometria do Sentimento: um olhar sobre a fenomenologia da arquitetura”, faz reflexões sobre a arquitetura contemporânea e como nós, seus usuários, nos relacionamos com ela. O projeto, de acordo com o arquiteto, tem que simbolizar a

Juhani Uolevi Pallasmaa, nascido em 1936, é um arquiteto finlandês e antigo professor e reitor da Universidade de Tecnologia de Helsinki. Fundou, em 1983, seu próprio escritório, o Arkkitehtitoimisto Juhani Pallasmaa KY, também em Helsinki. Sua experiência como professor acadêmico também engloba universidades na América do Norte, como a Washington University e University of Illinois e também em diversas outras na Europa, América do Sul, África e Ásia. O arquiteto é conhecido pelos seus artigos sobre fenomenologia na Arquitetura, filosofia de culturas, psicologia do ambiente e teoria de arquitetura e artes.

Imagem 1.3.2:Juhani Pallasmaa - Foto: Cherish Rosas; edição do autor.

Imagem 1.3.1:Modulor, Le Corbusier. 20


presença humana, ou seja, ao observar a obra, há de se saber que é usufruída por pessoas. Isso soma-se à ideia da experiência sensorial na arquitetura. Tanto na questão de sentidos e sensações, um ato pessoal, individual e reflexivo, como também com sensações de coletividade: tumulto, ruído, aglomeração de pessoas. A somatória de fenômenos individuais e coletivos criam a experiência arquitetônica ideal, de acordo com Pallasmaa. Ainda, é um dos principais teóricos que criticam o movimento moderno, dizendo que a racionalização vinda a partir deste foi tão extrema, que acabaram ignorando a experiência espacial com o desenho de formas simples, e isso acarretou em um empobrecimento intelectual e formal da Arquitetura. Seguindo a mesma lógica, questiona o motivo de construções antigas e peculiares em vilarejos, ou até mesmo píers e hangares abandonados nos causem uma grande sensação de intimidade e imaginação, enquanto as construções modernas que moramos parecem reprimir e sufocar nossos devaneios. Segundo o autor, “as construções de nosso tempo talvez despertem curiosidade pela ousadia e criatividade, mas dificilmente provocam uma percepção do significado do mundo ou de nossa própria existência.” (PALLASMAA, 2008, p.482) O finlandês acredita também na relação de Arquitetura e Arte. Essa crença vem porque, para ele, uma obra de arte causa uma grande reflexão interna e individual no espectador; “a dimensão artística não está na obra propriamente dita, mas sim na consciência da pessoa que passa pela experiência pessoal da obra” (PALLASMAA, 2008, p.484). O ser humano só consegue se identificar plenamente com uma peça artística a partir do momento que ele já experimentou algo similar em sua vida. Nesse momento, há uma grande contrapartida espiritual

no ato de observar algo (a forma), e ser “observado de volta”. Ou seja, compreender a imagem transmitida pela forma. De acordo com o autor, a forma propriamente dita só nos sensibiliza pelo que ela representa. Há um troca de experiências entre obra de arte e pessoa, causando uma conexão única, emocionante e pessoal entre as partes. Antes, Arte e Arquitetura, áreas extremamente conectadas, com a força do Modernismo e a racionalização dos espaços, estas começaram a ser separadas e distinguidas quase que completamente. Pallasmaa defende a volta dessa conexão, com o intuito de transformar o próprio edifício em uma obra de arte e consequentemente sensibilizar seus usuários. Na tentativa de atingir tais objetivos, a experiência da riqueza por formas extraordinárias são nada mais que uma incompreensão da dimensão e da essência da Arte. (PALLASMAA, 2008, p. 484). As formas mais arquetípicas são as que mais potencializam a riqueza de uma obra de arte e a capacidade de fomentar a imaginação e interpretação humana. A linguagem da arte só é completa quando há uma relação concreta com a vida humana, e consequente com os nossos sentidos e memória sensorial. Caso algum desses seja deficiente sob qualquer aspecto, o objeto em questão passa de Arte para apenas um aglomerado de formas, ausente de significado. A Arquitetura, quando retratada por outras áreas do conhecimento (como cinema, fotografia, poesia, etc.), é comumente associada à outras imagens, as quais servem, unidas, como paisagem para uma ação. Há uma clara intenção de representar a arquitetura de tal maneira, para que ela transmita tal sensação. Há ainda um “vocabulário básico” da Arquitetura, composto por sentimentos primordiais que tornam um edifício Arquitetura e não uma obra cenográfica. 21


1.3. juhani pallasmaa

“A casa como um signo de cultura na paisagem, a casa como uma projeção do homem e um ponto de referência na paisagem; acercar-se de um edifício, reconhecer uma habitação humana e não uma determinada instituição na forma de uma casa; entrar na esfera de influência de um prédio, pisar em seu território, estar perto do edifício; ter um teto em cima da cabeça, estar abrigado e a sombra; entrar na casa, atravessar a porta, cruzar a fronteira entre exterior e interior; chegar em casa ou entrar na casa para uma finalidade específica, expectativas e satisfação, sensação de alienação e de familiaridade; estar em um aposento da casa, sensação de intimidade ou isolamento; estar na esfera de influência dos pontos de convergência da construção, como a mesa, a cama ou a lareira; deparar com a luz ou a escuridão que domina o espaço, o espaço de luz; olhar pela janela, a ligação com a paisagem.” (PALLASMAA,

2008, p. 487)

Uma grande obra de arquitetura, ainda, deve provocar o silêncio e a solidão. Estas são sensações intrínsecamente relacionadas à um diálogo particular entre pessoa e obra. A partir do momento que, mesmo apesar de uma grande quantidade de pessoas se encontrarem na obra, o indivíduo consegue se sentir singular, a conexão pessoa-obra foi firmada. A obra deve comunicar ao seu observador que está em um local único no planeta. Deve despertar a imaginação não a respeito da realidade existente, mas de quem são e podem ter sido seus habitantes, o que fizeram ali e que fim levaram.

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1.4 Steven Holl Steven Holl é um dos mais prestigiados arquitetos americanos do mundo. Nascido em Washington, EUA, estudou na University of Washington, em Seattle, em seguida foi para Roma e concluiu o ciclo na AA de Londres. Ao longo de quase 40 anos de experiência na Arquitetura, já recebeu diversos prêmios como o Alvar Aalto Medal em 1998 e o Praemium Imperiale em 2014. Atualmente, trabalha

Imagem 1.4.1.: Steven Holl - Foto: Mark Heitoff; edição do autor.

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em seu escritório Steven Holl Architects, junto de seu sócio Chris McVoy. Steven Holl tem como base de seus preceitos fenomenológicos, as ideias de Merleau-Ponty. Acredita que o papel da Arquitetura vai além da simples criação de lugares, mas também de perceber as essências e trazê-las de volta ao mundo real. Assim, a tarefa do arquiteto é unir materiais distintos, luz, sombra, cores, tornando a arquitetura uma entidade de entrelaçamento. (AMORIM, 2013) Espaços arquitetônicos não são lugares de compreensão objetiva e direta; são lugares que necessitam a vivência e percepção em diversas dimensões juntas, envolvendo o corpo como um todo e não somente a visão. Dessa maneira, a fenomenologia explora os campos sensoriais dos materiais e reino tátil, elevando-os. De acordo com o arquiteto, é a experiência fenomenológica que nos faz ter a vontade de percorrer um espaço, de tocá-lo, ouvi-lo e tentar entendê-lo, des-


- STEVEN HOLL “A arquitetura pode moldar um viver e sentir entrelaçado com o espaço e o tempo, o que pode mudar a maneira como vivemos. A fenomenologia diz respeito ao estudo das essências; a arquitetura tem o potencial de colocar as essências de volta à existência. Através da forma, espaço e luz, a arquitetura pode elevar a experiência da vida cotidiana a partir dos vários fenômenos que emergem de locais específicos, programas e arquiteturas. A um nível, uma ideia-força guia a arquitetura; em outro, estrutura, material do espaço, cor, luz e a sombra se entrelaçam na obra arquitetónica. Quando nós nos movemos através do espaço e torcemos a cabeça, gradualmente os mistérios se desdobram no campo das perspetivas que se sobrepõem e revelam a sequência da luz - das sombras íngremes recortadas do sol brilhante para a translucidez do crepúsculo. A gama de cheiro, som e, material - de pedra resistente e o aço para seda ondulante e livre - nos remete a experiências de enquadramento primordiais e invadem as nossas vidas cotidianas.”

(HOLL, 1996, p.11)


1.4. steven holl

pertando a nossa imaginação e a vontade de viver a experiência proposta pela obra. Holl afirma que somente através da solidão, estado esse que estamos livres de influências de terceiros e de meios de comunicação, podemos exercitar a nossa consciência perceptiva. “A arquitetura, com sua espacialidade silenciosa e materialidade tátil, pode essencialmente reintroduzir, os intrínsecos significados e os valores da experiência humana.” (HOLL, 1996, p.11). Somente um olhar e uma experiência solitárias sobre uma arquitetura, podem identificar, livre de préjulgamentos, cheiros e sons que ecoam no espaço, sensações das texturas dos materiais que compõem a obra e relações de escalas do corpo com o edifício. Uma das principais características do arquiteto, e consequentemente o que o leva a distinguir arquiteturas de maior qualidade que outras, é a ligação da edificação com o espaço. Mais do que questões como insolação, ventos, etc., há de se criar um vínculo com a história do local que uma obra será implantada. “A arquitetura e o lugar devem ter uma conexão experiencial, uma ligação metafísica, uma ligação poética.” (HOLL, 1989, p.09). Ao atingir com sucesso essa junção, cria-se uma nova situação, um “terceiro estado”. Nessa, cada prédio só pode existir na sua localização, pois há uma conexão com sua implantação; Holl acredita que desde os princípios da Arquitetura esse pensamento já era posto em prática, por meio de materiais e artesanato locais. Essa terceira situação, reforça a ideia de espaços específicos e com intenções determinadas, ao invés da generalidade proposta pelo movimento moderno. Dessa forma, é evidente que um projeto arquitetônico pode surgir até mesmo de conceitos de fora da arquitetura.

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2.0 THE EYES OF THE SKIN


“Architecture is not produced simply by adding plans, sections and elevations. It is something else and something more. It is impossible to explain exactly what it is.” STEEN EILER RASMUSSEN, EXPERIENCING ARCHITECTURE, 1959 Imagem 2.0 - Steen Eiler Rasmussen


2.0 The Eyes of the Skin - O Mundo Háptico de Juhani Pallasmaa Neste pequeno volume, o primeiro livro de uma trilogia do arquiteto finlandês, Pallasmaa baseia a sua maior premissa no mundo arquitetônico. Em suas quase 40 páginas, o Mundo Háptico nos é apresentado e junto dele considerações sobre a arquitetura contemporânea e ainda, instigações sobre como podemos reavivar os 5 sentidos dentro de uma edificação, de modo a melhor experienciá-la. O maior problema encarado por Pallasmaa na Arquitetura atual é o culto ao ocularcentrismo. As obras são feitas para serem visualmente atrativas, o que muitas vezes acaba prejudicando e negligenciando os outros sentidos, e como uma consequência, a experiência de uma obra arquitetônica fica incompleta. Segundo René Descartes, por exemplo, a visão é a mais bela e nobre dos nossos sentidos, porém, a equalizou ao tato, uma vez que esse “é mais seguro e de menor chance de erro do que a visão.”(PALLASMAA, 1996 ,p.19)

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“The hands want to see, the eyes want to caress.”

GOETHE Imagem 2.1.: The Incredulity of Saint Thomas - Caravaggio29 (1601)


2.0. o mundo háptico - the eyes of the skin

Diversos filósofos da época, como Merleau-Ponty, Roland Barthes, Jacques Lacan, Jacques Derrida e Jean Paul Sartre também expressaram seu repúdio ao mundo focado exclusivamente na visão, esse último ao ponto de se dizer “ocularfóbico” e assemelhar o excesso apelativo à visão com o “o olhar petrificante da Medusa”. (PALLASMAA, 1996, p.20) De acordo com o autor, a ideia de espaço se sobrepôs à de tempo por causa do mundo ocular-cêntrico. Na Arquitetura, principalmente, o paradigma causado pela relação de tempo e espaço é essencial para que uma obra seja diferenciada das demais e cause um impacto a longo prazo em uma área. Para Pallasmaa, a visão é o sentido da distância e da separação, enquanto que o tato, é o da proximidade e intimidade. Assim, o arquiteto inicia sua teoria do Mundo Háptico, onde mais do que algo deva ser visualmente atrativo, também deve ser tatilmente convidativo.

“Nossa sociedade é caracterizada por um crescimento cancerígeno da visão, medindo tudo por sua capacidade de mostrar ou ser mostrado e transformando a comunicação em uma jornada visual” CERTEAU,

Michel de (HEIDEGGER, M., 1977, p.293)

Imagem 2.2: The Incredulity of Saint Thomas - Caravaggio (1601)

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2.1. A importância da sombra

Imagem: 2.1.1:The Astronomer - Gerard Dou (1665)

pelo fogo nas vielas estreitas, pavimentadas com tijolos corroídos e desbastados pela ação do tempo provocam diferentes sensações -muitas vezes por medo do desconhecido, e curiosidade- e pensamentos no espectador, os sentidos ficam mais aguçados; seja a respeito das pessoas que viveram naquele local, o que aconteceu com o local propriamente dito; ou até mesmo fatos que aconteceram e marcaram a cidade como um todo. Já nas cidades atuais, a luz é clara e bem definida; o pavimento é majoritariamente regular e as edificações seguem uma lógica clara e bem definida. Ou seja, a visão é aguçada e assertiva, a escuridão é pouca e como consequência nos resta muito pouco ou quase nada para imaginar.

A escuridão é a abertura para a imaginação, de acordo com Pallasmaa. Sempre que necessitamos de uma maior visualização de algo que pensamos, fechamos os nossos olhos na tentativa de materializar o pensamento. E a mesma situação acontece em momentos que queremos aproveitar algo de uma maneira mais sensível: ao escutar uma música, fechamos os olhos; quando sonhamos; ou até mesmo quando acolhemos pessoas queridas. Ao fecharmos os olhos e nos permitirmos esse processo, um vasto reino imaginativo é aberto sem interferências subjetivas provocadas pela visão; a assertividade do olhar se torna ambígua e dá margem à fantasia. (PALLASMAA, 1996, p.49) O teórico ainda cita como exemplo as ruas de cidades antigas e medievais e as compara com as das cidades urbanizadas como conhecemos. O contraste de luz das primeiras, a sombra lançada 31


Imagem 2.1.2: Catedral St. Patrick’s, Nova York - Foto: Dimitrius Megalomatidis

O mesmo fenômeno chiaroscuro1 acontece em pinturas Renascentistas como de Caravaggio, Rembrandt (imagens 2.0 e 2.1.1), e até mesmo em iconografias religiosas do passado. O sujeito principal está rodeado por uma aura escura que ao mesmo tempo que absorve a luz da cena, aumenta o contraste e o foco com a parte principal desejada pelo artista, iluminando-a. Não é diferente com a Arquitetura; os grandes arquitetos conseguem retratar e materializar essa força através do jogo de luz e sombras, onde a sombra ressalta a luz que entra na edificação. (PALLASMAA, 1997, p.47) 1 O termo Chiaroscuro (do italiano, chiaro: luz e scuro: escuro) foi uma técnica desenvolvida no campo das artes que representava a luz e a sombra como objetos tridimensionais. Na sua forma mais dramática, a técnica também é conhecida como Tenebrismo. Nesta, o efeito era usado como uma luz forte e dramática com o intuito de isolar o sujeito retratado na pintura de seu fundo, e aumentar a tensão emocional representada.

Pallasmaa ainda critica o excessivo e irracional uso de fenestrações. Essas, que antes eram usadas como entrada de luz, perderam sua função primordial com o uso exacerbado de vidro que resultou apenas em uma “falta de parede”, ao invés de uma ligação entre dentro e fora. A escuridão serve para estimular as sensações primárias dos ser humano (tato, olfato, audição) e como consequência, instintivamente, um ato de solidariedade e comunidade é aflorado. Como prova de seu ponto, o arquiteto cita que lugares os quais a dominação e o controle são os objetivos principais, são sempre muito bem iluminados, deixando pouco para imaginação (a iluminação constante é até mesmo um método de tortura para algumas culturas). (PALLASMAA, 1997, p.49)

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a grandeza para a qual o templo foi pensado. Teria o Parthenon o mesmo peso e importância, caso inserido em um contexto mais caótico, como o de uma grande metrópole? Imagem 2.2.1: Parthenon, Grécia - Foto do autor

2.2. A Espacialidade Envolvente

Imagem 2.2.2: Broadway com Parthenon - Foto do autor

Uma das características mais marcantes de uma espacialidade envolvente e da hapticidade, é a supressão proposital da assertividade e do foco da visão. Nestas situações, a visão periférica é amplamente estimulada com o intuito de contextualizar a obra no espaço. Há, além de tudo, comprovações científicas de que essa visão tem uma maior prioridade no nosso entendimento perceptivo e mental. (PALLASMAA, 1997, p.13) De acordo com Pallasmaa, as grandes obras arquitetônicas da Antiguidade devem muito de seu poder ao local que estão implantadas. De exemplo, o Parthenon, em Athenas, na Grécia. Grande parte de sua majestade se deve ao terreno que está implantado: no topo de uma montanha, no coração de uma das mais antigas cidades da história, e o céu ao seu redor com apenas algumas outras construções, com uma respeitosa distância do templo. Essa situação ressalta

Imagem 2.2.3: Av. Paulista com Parthenon - Foto do autor

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A Cidade da Percepção é um termo usado para definir um local o qual a visão periférica é amplamente estimulada, como Athenas, citada anteriormente. São locais onde o objeto é inserido em uma paisagem na qual se destaca, criando a sensação de figura e fundo e diversos planos na paisagem. Esse efeito se dá, tanto pelo contraste, quanto pela homogeneidade. Em uma cidade grande, o excesso de informação gerada pelos prédios no entorno servem de fundo para uma obra com menos itens em sua fachada, por exemplo. Essa distração periférica serve como uma contextualização para a obra em destaque, elevando-a das outras. Arquiteturas como essa nos fazem sentir únicos, como grandes espectadores de uma história a qual a obra está contando. A outra situação, é a Cidade da Alienação, que é a qual mais estamos habituados. São cidades que contém tanta informação, que é difícil distinguir os elementos da paisagem e a noção de figura-fundo lentamente se perde e se transforma em uma de paisagem. Nesse momento, as obras se mesclam e se tornam um “único plano” na cidade; o foco é desviado da obra propriamente dita e se torna a cidade como um todo. Estas situações supracitadas podem ser vistas nas imagens de 2.2.1 à 2.2.4, onde ensaios do Parthenon foram feitos e implantados em situações diversas. Desse modo, comprova-se que grande parte de sua imponência, vem, de fato, de seu local de construção.

Imagem 2.2.4: Em Nova York, Parthenon no lugar do museu Guggenheim - Foto do autor

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obra do arquiteto e atiçada pela mesma. (PALLASMAA, 1997, p.68) O grande poder do arquiteto está na capacidade de fazer os espectadores de suas obras se relacionarem com elas e que ocorra essa troca de experiências. No momento que esse efeito é bem sucedido, a edificação deixa de ser apenas um outro prédio na cidade, mas sim um no qual os indivíduos tiveram uma íntima conexão; a pessoa conhece a obra, e a obra conhece a pessoa.

2.3. Memória e Imaginação Uma característica do ser humano é a habilidade de imaginar diferentes cenários a partir de pequenos detalhes. Em pinturas renascentistas, por exemplo, muitas vezes certas nuances de cores são atribuídas a sensações e adjetivos. Pallasmaa dá como exemplo a obra Paraíso (1565) de Tintoretto (img 2.3.1). O pintor utilizava o céu amarelo em diversas de suas obras com o intuito de simular o sentimento de angústia. Não um “céu angustiado”, mas sim a personificação da sensação como um pano de fundo para a cena retratada. O mesmo acontece com a melancolia da Arquitetura de Michelangelo. O arquiteto não retrata “um prédio melancólico”, mas sim o próprio sentimento. E o espectador, ainda, se identifica com a edificação pela troca de experiências provocada pela obra, ou seja, não experimenta a mesma sensação de Michelangelo, mas sim, a sua, projetada na 36


Cidades nas quais esse fenômeno é recorrente, são cidades melhor lembradas por seus visitantes; os pequenos detalhes são revividos e as ruas podem até ser caminhadas mentalmente. Já em Cidades da Alienação, essa situação de memória e imaginação é mais rara pela falta de peculiaridades, estas quais, que facilitam o processo de troca de intimidade entre objeto e sujeito. Imagem 2.3.1.: Paradise Golgotha (circa 1565) Jacopo Tintoretto

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2.4. A pele como órgão sensorial / 6º sentido

sensação dominante, ao contrário, são aglomerações sensitivas. Muitas vezes, para os olhos cartesianos, podem parecer obras desconexas e até mesmo mal resolvidas, com gratuidades nos projetos que parecem sem sentido. Entretanto, sua Arquitetura é feita não para ser contemplada visualmente, mas sim experiencialmente, “ao vivo e a cores”, não como uma racionalidade construtiva idealizada. (PALLASMAA, 1997, p. 71) A Arquitetura, mais do que nunca, deve pensar em como quebrar os paradigmas tidos como corretos e verdadeiros vindos do Modernismo, e voltar a encarar o espaço não como o espaço de uma função, mas sim como o abrigo de um corpo humano. Se cada ser humano não é algo genérico, por quê os espaços projetados para estes tem que ser? A partir do momento em que trabalhamos com seres pensantes, sensíveis e racionais, é o dever de um arquiteto pensar em formas de otimizar o uso do espaço para que estas mesmas pessoas sejam sensibilizadas e que se conectem com os lugares que visitarão. Um espaço que negligencia os sentidos e toda a complexidade de um corpo humano, é nada mais que uma violência e uma forma de repressão e opressão para com o mesmo.

A Arquitetura pode ser distinguida em diversos setores dentro de seu próprio campo, e o mesmo pode acontecer com a hapticidade. É possível separar arquitetos que focam mais em alguns sentidos do que outros, como por exemplo Le Corbusier e Richard Meyer, que favorecem a visão em seus projetos. Já Steven Holl, Peter Zumthor e Glenn Murcutt, por outro lado, têm uma abordagem mais completa e complexa do corpo humano como um todo e transmitem a hapticidade em seus projetos. (PALLASMAA, 1997, p. 70) Alvar Aalto se encontra nesse último grupo de arquitetos. Suas obras são projetadas à uma escala do corpo humano, com confrontações, deslocamentos, irregularidades e ritmos que convidam o corpo humano a tocar os materiais e senti-los, criando um senso de intimidade entre o visitante e a edificação. Seus prédios não tem um único conceito ou 38


Imagem 2.4.1.: Helsinki University in Otaniemi - Alvar Aalto

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3.0 HAPTICIDADE E OS SENTIDOS


‘We cannot lay down fixed proportions of space as architecturally right. Space value in architecture […] is affected by a hundred considerations, such as lighting, shadow, colour and vertical/horizontal emphasis.’ BRUNO ZEVI, ARCHITECTURE AS SPACE, 1948 Imagem 3.0 - Bruno Zevi


3. hapticidade e os sentidos explicados com estudos de caso

O cérebro humano é capaz de processar informações e sensações e associá-las a outras situações similares, potencializando o poder da palavra e da imagem. Sendo assim, por quê, ao construirmos um espaço, negligenciamos sentidos esses, essenciais e vitais ao corpo humano e às pessoas? Em um mundo ocularcêntrico, ou seja, dominado majoritariamente pela visão, um desafio da arquitetura é reavivar os outros sentidos do corpo humano. A racionalização e otimização de espaços (tanto em questões estruturais, quanto até mesmo em âmbitos imateriais, como o próprio espaço) advinda junto do Movimento Moderno, cerseou e reeducou os arquitetos para pensarem de maneira diferente, mais prática do que antes, com menor ênfase em detalhes considerados supérfluos. Diante desse mundo, duro, opressor e capitalista, poucos profissionais buscam quebrar estes paradigmas em busca de um novo modo de pensar. Um dos poucos arquitetos e teóricos que dissertam sobre o assunto, é Juhani Pallasmaa, em seu livro The Eyes of the Skin (1997). Neste, dentre outros

assuntos - alguns anteriormente citados nessa tese - , um dos principais conceitos abordados e explicados, é o do Mundo Háptico1. A hapticidade, como também é conhecida, é um campo estudado e entitulado por Pallasmaa no qual estuda-se a função e o impacto dos 5 sentidos (visão, tato, paladar, olfato e audição) na vida das pessoas. Em seu livro, também é explorado meios nos quais nós, arquitetos, podemos implementar e reavivar estas sensações dentro dos espaços construídos, como uma forma de potencializar a experiência das pessoas nos ambientes. Neste capítulo, os 5 sentidos serão explicados de acordo com Pallasmaa e junto a eles, obras ou instalações como formas de estudo de caso. Desse modo, o intuito é provar que a tarefa proposta por esta tese é possível, e o resultado da arquitetura atual, insensível e opressora, é por preguiça intelectual por parte de outros arquitetos exercendo a profissão. 1 Palavra provinda do grego haptikós , que significa referente ao toque. Hoje em dia, se tornou um campo da ciência que estuda a influência do toque na vida das pessoas. 42


A visão é, com certeza, o sentido mais criticado por Juhani Pallasmaa. Entretanto, sua crítica não é negativa, no sentido de ser ruim; mas sim, de ser excessiva, e desse modo, negligenciadora dos outros sentidos. Em um mundo onde o agora é importante, não há tempo para outras sensações. Há de se conquistar o espectador no primeiro instante, caso contrário, há a chance de perdê-lo. Uma obra arquitetônica, que na visão do teórico consegue englobar bem todos os diversos sentidos, porém com destaque visual é a Thermal Baths de Vals, de Peter Zumthor.

3.1. O Háptico e a Visão

Imagem 3.1.1.: Therme Vals, Peter Zumthor Foto por Fernando Guerra 43


THERMAL BATHS DE VALS - PETER ZUMTHOR Finalizada em 1996, a obra é uma das mais famosas do arquiteto suíço Peter Zumthor. Construído sobre as termas de Graubünden Canton, na Suíça, o hotel e spa oferece sensações de quente e frio, sombra e luz e nuances de diversos tipos de materialidade. As termas são metade incrustadas na montanha e com um telhado verde por cima, criando uma ilusão de simbiose e fusão com o local que está inserido, ao mesmo tempo que suas duras e grandes paredes de quartzo contrastam com a neve da região. A visão é parte essencial da obra, apesar de não única: parte da monumentalidade de antigos templos gregos, por exemplo, pode também ser vista aqui. O efeito de figura e fundo, descrito anteriormente nessa tese, é aplicável nas termas. O fundo

escuro, criando um ar efêmero e quase divino ao espaço, ressaltando a força e textura dos materiais escolhidos pelo arquiteto. A mistura de sensações, o calor das termas aliado à paisagem de neve, naturalmente associada ao frio, causa uma ambiguidade de sensações aos visitantes. Zumthor consegue explorar a maior parte dos sentidos nessa obra.

Imagem 3.1.2.: Therme Vals, Peter Zumthor Foto por Fernando Guerra 44

3.1. o háptico e a visão

(as neves a montanha), enquadram a obra de Zumthor (mais escura e contrastante) e a elevam à um patamar elevado de superioridade ao seu entorno. Além disso, seu interior é escuro, com algumas poucas fenestrações, espaçadas, para ressaltar a grandeza das paredes. A luz natural vinda das aberturas ilumina indiretamente o espaço


3.2. O Háptico e o tato como exemplo uma pedra arredondada pelo poder das ondas. Ela é agradável ao toque não somente por ser extremamente lisa e quase perfeita, mas porque demonstra a ação do tempo, de milhares de anos. “Uma pedra perfeita na mão materializa duração, é o tempo transformado em forma.” (PALLASMAA, 1997, p.58) A mesma sensação do toque pode ser relacionada entre a pele despida e a sensação de casa, que é o mais alto grau de intimidade espacial. Marcel Proust correlaciona essa sensação com a de uma lareira, em casa, sentida pela pele: “It is like an immaterial alcove, a warm cave carved into the room itself, a zone of hot weather with floating boundaries” (PALLASMAA, 1997, p.58) Ou seja, a própria espacialidade da lareira sentida pelo corpo causa um acolhimento por parte da casa para com seus habitantes. “Casa e o prazer sentido pela pele tornam-se uma única sensação.” (PALLASMAA, 1997, p.59).

O tato é, antes dos outros sentidos, um dos mais importantes. O primeiro instinto do homem ao ver algo que gosta, ou que não entende, é a vontade de tocá-lo para tentar entendê-lo; é através dele que nos comunicamos e temos uma relação direta com o objeto. A pele é o órgão que permite a conexão entre o mundo material e o ser humano. “A pele entende a textura, peso, densidade e temperatura do material que toca.” (PALLASMAA, 1997, p.56) A pele é o olho que não vê, mas que entende. É o sentido complementar direto ao da visão que ajuda na compreensão completa de um objeto ou até mesmo de uma edificação. Pallasmaa disserta sobre a importância do toque na arquitetura. Por exemplo, a maçaneta de um prédio ou de uma casa, é o aperto de mãos entre pessoa e obra; e consequentemente tem o poder de ser receptivo e hospitaleiro, ou frio e distante. O sentido tátil nos conecta ainda com geração e tempo. O arquiteto cita 45


Imagem 3.2.1.: Hazelwood School Foto por Alan Dunlop Architects

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3.2. o háptico e o tato

HAZELWOOD SCHOOL ALAN DUNLOP ARCHITECT LIMITED A escola foi construída com um caminho o mais direto possível, de modo a evitar plantas labirínticas que causariam confusão. Em toda sua extensão existem painéis táteis, tanto na parede quanto no piso (vide foto), que permitem os alunos se locomoverem com o máximo de independência.

A Hazelwood School é uma escola primária localizada em Glasgow, Escócia, e destinada à jovens de 2 a 18 anos. A diferença se encontra no fato de que os alunos todos tem duas ou mais deficiências: ou surdos, cegos, dificuldade severa de entendimento e muitos, ainda por cima, tem alguma deficiência motora. Além disso, grande partedos estudantes são autistas e todos precisarão de suporte e assistência para o resto da vida. O desafio do escritório de Alan Dunlop foi construir um espaço baseado não na visão, mas sim em como estes alunos, com deficiências, se locomoveriam o mais independentemente possível, ajudando-os a construir confiança em si próprios apesar de suas dificuldades. Qualquer tipo de pensamento pré concebido no projeto de escolas foi descartado, e o ambiente foi pensado para que o local fosse estimulante e seguro, para alunos e professores. 47


casa era viva: perfumes, plantas, comida, e até mesmo de fezes de animais. Todo lugar conta uma história, basta aprender a perceber. Como Rainer Maria Rilke diz em seu livro The Notebooks of Malte Laurids Brigge, sobre as percepções em uma casa vazia: There stood the middays and the

sicknesses and the exhaled breath and the

smoke of the years, and the sweat that breaks

3.3. O Háptico e o olfato

out under armpits and makes clothes heavy,

and the stale breath of mouths and the fusel

odour of the grey reek of potatoes, and the

O olfato é o sentido que mais interfere na experiência de uma pessoa em um lugar e o qual, na maioria das vezes, é a memória mais persistente de um espaço. Um cheiro familiar pode nos fazer reavivar sensações até então esquecidas pela memória visual; “O nariz faz os olhos lembrarem; memória e imaginação continuam associadas” (PALLASMAA, 1997, p.54). Muitas vezes, um estímulo visual (gráfico ou até mesmo textual) se converte, quase que instantaneamente, em um olfativo. Pallasmaa cita em seu texto, o exemplo da leitura do menu de um restaurante, no meio de uma rua. Automaticamente, ao ler os pratos do dia, o cérebro ativa memórias olfativas e gustativas dos pratos citados, criando uma experiência única no transeunte. Outro exemplo, é o do cheiro de uma casa antiga. Ao entrar em uma casa abandonada, é possível perceber odores de quando a

heavy, smooth stench of ageing grease. The

sweet, lingering smell of neglected infants was

there and the fearsmell of children who go to

school, and the sultriness out of the beds of

nubile youths.

RILKE, Rainer Maria; The Notebooks of Malte Laurids Briggs 48


A instalação realizada por Kengo Kuma tem como o principal intuito o estímulo do olfato nos visitantes. Feito a partir, principalmente, de bambus de diferentes tamanhos (estes, importados de Kyoto, Japão) e selados à vácuo com uma fragrância típica de um templo japonês (Cyprus japonês e tatami). A escolha do material, o Bambu, não foi ao acaso: é tanto elemento recorrente nos projetos do arquiteto, como tem uma característica única de exalar odores e uma incrível elasticidade, permitindo torções impossíveis à outros materiais.

A estrutura da instalção é absolutamente modular (segue padrões em forma de diamante) e em cada ponto que encosta no chão, há uma pequena abertura para uma luz LED. A luz também é diminuta com o intuito de instigar os olhos do observador. Ao reduzir a claridade, o olhar é forçado a se adaptar às formas e à nova profundidade; ora o foco são os detalhes dos encontros das peças de bambu, ora o conjunto inteiro, e ora a mistura dos dois com o aroma no ar, elevando a espacialidade daquele pavilhão. Uma sala estática que se torna dinâmicos aos sentidos.

Imagem 3.3.1.: Bamboo Pavillion - Kengo Kuma Photo by James Harris 49

3.3. o háptico e o olfato

BAMBOO PAVILLION KENGO KUMA; ROYAL ACADEMY LONDON


sentido de bom. Quando nos referimos à uma edificação bela, dizemos que o arquiteto teve bom gosto.

3.4. O Háptico e o paladar (59-60) O paladar, dentre os outros sentidos, talvez seja um dos mais complexos de ser praticado na Arquitetura. Pallasmaa, em seu livro, comenta a vontade dele próprio e de colegas de se sentirem atraídos a experimentar materiais pois achavam que teriam um gosto específico. Fala-se pouco, pelo teórico, de uma maneira direta de como relacionar a Arquitetura com o paladar de maneira de modo que não seja subjetiva. Por ser algo que precisa ser, na maior parte das vezes, ser ingerido para ser experienciado, é algo mais comum de ser visto em instalações artísticas e arquitetônicas. Entretanto, também é possível experienciar o paladar através do olfato, por serem sentidos altamente interligados. Um exemplo disso é a expressão deu água na boca, aonde, através do cheiro, principalmente, fica-se com vontade de comer algum alimento. Outro modo de como o gosto pode ser inserido na mundo arquitetônico, é no

““Good taast” in the sense of good understanding is recorded from 1425 and „no spiritual tast from 1502. A more extended use is evident in Milton’s „Sion’s songs, to all true tasts excelling (Paradise Regained, IV). The word became significant and difficult from IC17 and especially in C18, when it was capitalized as a general quality: „the correcting of their tast, or Relish in the Concerns of Life (Shaftesbury, Miscellaneous Reflections, III, 1; 1974); Rules… how we way acquire that fine Taste of Writing, which is so much talked of among the Polite World (Addison, 1712). Taste became equivalent to discrimination: „the word Taste means that quick discerning faculty or power of the mind by which we accurately distinguish the good, bad or indifferent (Barry, 1784). Tasfeful and tasteless developed with the same reference in the same period.” (WILLIAMS, 1985)

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Desse modo, conclui-se que muitas vezes, o paladar na arquitetura se torna mais uma figura de linguagem do que um sentido propriamente dito.


3.4. o háptico e o paladar Imagem 3.4.1.: Chocolate Room, Ed Ruscha via Spike Art

CHOCOLATE ROOM, AMERICAN PAVILION, 35ª BIENAL DE VENEZA - ED RUSCHA, 1970 O artista plástico Ed Ruscha foi incumbido de representar os Estados Unidos da América na Bienal de Veneza, em 1970. Devido aos seus métodos de representar a cultura americana de maneira criativa e o uso de materiais pouco usuais (de restos de frutas até sangue), ele foi considerado o mais apto a expor o seu país. Como forma irônica de manifestação, o artista criou a Chocolate Room, sala que foi revestida com barras de chocolate. O objetivo do pavilhão era fazer com que seus visitantes questionassem como os espaços são feitos e pensados e também o real senso de euforia e satisfação, mostrando que tudo que é demais de algo, é ruim. Conforme os dias passaram e as variações térmicas foram exercendo sua força sobre o material perecível, o chocolate derreteu aos poucos e seu cheiro começou a se tornar insuportável, causando extremo desconforto nas pessoas que passavam no local. No final da instalação, ao invés de desmontada, a sala foi devorada. Não pelos visitantes, mas por formigas venezianas; o açúcar exposto atraiu os insetos que devoraram completamente o chocolate da sala. Através dessa instalção, o artista conseguiu transmitir como os sentidos impactam a experiência das pessoas em um espaço. Os visitantes ficavam tentados a comer o próprio ambiente ao mesmo tempo que o forte odor os enjoava. 51


Por último, mas não menos importante, dos sentidos, há a audição. Este, um dos que mais interferem em nossa percepção do espaço, uma vez que o ouvido tem mecanismos que nos ajudam a ter uma noção volumétrica do espaço devido à reverberação do som, etc. A visão, enquanto seu poder direcional, ou seja, sua sensação só surte efeito quando o espectador está de fronte ao objeto, ganha menor força quando comparada com a audição. Esta última é involuntária e dá contexto aos ambientes, coisa que os outros sentidos conseguem com menor eficácia. “Ouvir estrutura e articula a experiência e o entendimento do espaço.” (PALLASMAA, 1997, p.49) . Um ambiente é tanto apreciado e entendido através de seu aspecto visual mas também através de uma “Buildings do not react to our gaze, but they do return our sounds back intimidade acústica. A acústica dentro de um to our ears.” PALLASMAA espaço tem a mesma importância que sua forma, a diferença é que a percepção do som se torna uma inconsciente background experience. “A visão é o sentido do observador solitário, enquanto que a audição cria um senso de conectividade e de solidariedade.” (PALLASMAA, 1997, p.51)

3.5. O Háptico e a audição (49-51)

Imagem 3.5.1.: Orelha via iStock 52


PALLAS- JUHANI “[...] our look wanders lonesomely in the dark depths of a cathedral, but the sound of the organ makes us immediately experiencie out affinity with the space. [...] The sound ofchurch bells echoing through the streets of a town makes us aware of our citizenship. The echoof steps on a paved street has an emotional charge because the sound reverberating from sorrounding walls puts us in direct interaction with space; the sound measures space and makes irs scale comprehensible. We stroke the boundaries of the space with our ears. Every city has its echo which depends on the pattern and scale of its streets and the prevailing architectural styles and materials. [...] But our cities have lost their echo altogether. The wide, open spaces of contemporary streets do not return sound, and in the intereriors of today’s buildings echoes are absorbed and

MAA

censored. The programmed recorded music of shopping malls and public spaces eliminates the possibilty of grasping the acoustic volume of space. Our ears have been blinded.�


possíveis, mas com isso, negligenciaram características próprias à cada local; seu Stimmung1. O grande desafio do arquiteto na cidade contemporânea, é propor edificações e espaços que não tenham como único objetivo melhorias materiais, mas também que leve em conta as imateriais. Construir um lugar por cima de outro lugar sem levar em conta a história do local e de seu entorno não é apenas um erro, mas uma descaracterização da cidade como um todo.

1 Ver p.13

SOUNDCUBE - BERNHARD LEITNER (1969) Bernhard Leitner é um arquiteto que nasceu em 1938, em Feldkirch, na Áustria. Morou em Vienna, Paris e mais tarde foi à Nova York, onde foi arquiteto urbanista na execução do Plano Diretor de Urbanização da cidade. Desde o início de sua carreira, procurou investigar relações do arquitetura com a audição; criou esculturas-sonos e também espaços criados através de sons, os quais chamou de arquiteturas-sonoras, e dessa forma, propôs um novo meio de entendimento e percepção do espaço. Leitner usa o som como material para compor e materializar espaços. Em 1969, o arquiteto projetou sua primeira instalação acústica, o Soundcube. Esta, uma sala quadrada, era composta de 64 alto falantes nos quais o som era projetado de forma a ir de um alto falante, para outro, de modo a criar geometrias espaciais sonoras.

Por ser algo imaterial, o som permite a criação de infinitos tipos de espaços e consequentemente, de sensações diversas para os visitantes da Soundcube.

“The space traced by the ear in the darkness becomes a cavity sculpted directly in the interior of the mind.”

PALLASMAA, 1997, p.50

54

3.5. o háptico e a audição

Além das qualidade hápticas do som, como por exemplo, a possibilidade de ser leve, mas também massivo e com forma e volume definidos, a tridimensionalidade de um ruído pode criar novas e diferentes experiências, percepções e sensações na materialização de um espaço determinado. A partir da citação de Pallasmaa, fica evidente que com o advento da Arquitetura Moderna e subsequente Arquitetura Contemporânea, o que os espaços ganharam em melhorias materias (mobiliário urbano, etc), perderam em qualidades imaterias. Lugares se tornaram genéricos de modo a abrigarem o maior número de atividades


“There’s a lack of enlightenment about caring about sound. Sound gives you information about

how someone cared about what the put together, but this is a visually dominated society, and sound is

overlooked in design.”- CUSHNER,

Joshua (ARUP)

Imagem: 3.5.1.: Projeto Soundcube, Bernhard Leitner (1969) Esquemas por Bernhard Leitner 55


4.0 O CAPÍTULO DO INFERNO


‘Deixai toda esperança aqui, vós que entrais.’ ALIGHIERI, 2002 Imagem 4.0 - Dante Alighieri


Imagem 4.1.:La Danse Du Sabbat, Gustave DorĂŠ

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Imagem 4.2.:The Empyrean (Paraíso, Canto 31), Gustave Doré

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4.1 O Conceito O projeto executado durante o último ano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo foi um Museu da Religião e o Inferno de Dante Alighieri1. Esta temática foi escolhida como forma de abordar a discussão presente nesta tese de graduação. A Religião é um tema que envolve questões sensoriais e introspectivas ao ser humano, e, por essas razões, se enquadra como uma base boa para a apliacação dos conceitos estudados. Já o Inferno de Dante Alighieri é descrito em sua obra A Divina Comédia2. Nesta, conta-se a passagem de Dante através do Inferno, Purgatório e Paraíso, 1Dante Alighieri nasceu em Florença, entre 21 de maio e 20 de junho de 1265 d.C. e morreu em Ravena, 13 ou 14 de setembro de 1321 d.C.). Foi um escritor, poeta e político florentino, nascido na atual Itália. É considerado o primeiro e maior poeta da língua italiana. 2 A Divina Comédia é um poema de viés épico e teológico da literatura italiana e da mundial, escrito por Dante Alighieri no século XIV e dividido em três partes: Inferno, Purgatório e Paraíso.

que vai em busca de sua amada Beatriz. Para tal efeito, conta a ajuda de Virgílio, um poeta que o guia pelos locais citados. Mais do que uma obra com teor teológico, o livro mostra a perseverança de um homem (Dante) lutando para alcançar a ciência e a fé (representada como Beatriz) com o auxílio da razão (Virgílio) ao invés de aceitar preceitos religiosos, comuns à época na qual o Livro foi escrito. A Divina Comédia é um livro internacionalmente conhecido como um dos mais famosos da História, e muito se deve às alegorias propostas por Dante no percuso infernal. Esse mesmo livro, auxiliou a Igreja Católica a formular o pensamento e ideia de que temos como Inferno até os dias de hoje. -

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Na obra de Dante, o Inferno destaca-se pela sua grande complexidade e riqueza de detalhes. De acordo com o po-


Imagem 4.1.1.: Inferno de Dante (circa 1480), Sandro Botticelli

os recebe enrolando o rabo em volta dos pecadores; a quantidade de voltas designa um nível do Inferno correspondente à pessoa. Em meio a fila, o tempo é agitado: furacões e ventanias atordoam as almas que aguardam o julgamento e se experienciam sensações de pequenez e grandeza. (ALIGHIERI, 2002) O 3º Círculo é o Lago da Lama, e seu pecado é a Gula. Neste, os glutões ficam eternamente afundando na lama, sendo castigados por uma chuva de neve e granizo. O monstro mitológica grego, Cérbero, o cão de 3 cabeças, mantém vigília sobre eles, os mordendo durante todo o tempo. Os gananciosos ficam no 4º nível do Inferno, onde a sina destes é rolar grandes e pesadas pedras, subindo e descendo colinas, colidindo uns com os outros. (ALIGHIERI, 2002)

61

4.1. o conceito

eta, existem 9 círculos do Inferno, cada um respectivo à um pecado e com uma punição condizente aos crimes dos seus passageiros. As atmosferas são bem definidas e por isso, julgou-se condizente aplicar os conceitos de Pallasmaa na reprodução dos Infernos de Dante, como forma de atestar a exequibilidade do Mundo Háptico na vida real. Segundo Alighieri, existem 9 Infernos, cada um com sua complexidade e profundidade. No 1º Círculo, chama de O Limbo, estão os Virtuosos. Estes, os pagãos, ficam na escuridão eterna, que significaria a não iluminação de suas mentes, por não serem batizados e não seguirem a religião católica. O tempo é calmo e atmosfera é pesada. O 2º Círculo chama-se Vale dos Ventos, e é onde a Luxúria é representada. É onde também há a sala do julgamento, caracterizada por uma grande fila, aonde há o demônio Minós, que


Neste contexto místico e religioso, o Mundo Háptico de Pallasmaa serve como base para recriar o Inferno de Dante e botar em prática seus conceitos, como forma de sensibilzar as pessoas que visitassem o museu proposto. A teoria do arquiteto, implementada na Obra de Dante, a elevaria de modo que os visitantes percoressem os círculos do Inferno e sentissem como se de fato, estivessem percorrendo o percurso infernal do poeta italiano. Assim, ficariam espiritualmente e fisicamente desgastados até chegar ao último andar do projeto, que é um mirante para a Praça da Sé e consequentemente a Catedral da Sé, maior construção religiosa da Igreja Católica na cidade.

62

4.1. o conceito

O 5º nível do Inferno de Dante é o Rio Estige, e este é o lar dos irados e rancorosos. O destino destes é viverem mergulhados na lama do rio, se debatendo e brigando entre si. No fundo do rio, os rancorosos, que nunca chegaram a externalizar sua ira, suspiram borbulhas. O 6º círculo é o da Heresia: atrás da Muralha da Cidade da Dor Eterna, os pecadores queimam, eternamente, dentro de tumbas abertas por onde sai fogo. Este nivel separa os pecados cometidos intencionalmente dos sem intenção. (ALIGHIERI, 2002) O 7º círculo infernal diz respeito aos Violentos, que se subdividem em 3 categorias, cada qual com seu respectivo Inferno. Lá estão os assassino e assaltantes que incessantemente levam flechadas no rio desangue fervente. Os suicidas, ficam na Floresta, onde se transformaram em plantas que são devoradas por harpias. Por último, no Deserto Abominável, ficam os blasfemos, sodomitas e agiotas, que ficam sobre o ardor de uma chuva de brasas. O penúltimo Inferno, o 8º, chama-se Malebolge, e é o reino da Fraude, que é subdivido 9 vezes. São valas em forma de muralha nas quais os enganadores -de ladrões à bajuladoressão punidos. Demônios tem a função de atormentar e espancar os pecadores, que são enterradosde cabeça para baixo, fervendo na lava e sendo picados por cobras de fogo. (ALIGHIERI, 2002) O último e mais importante Inferno, é o 9º, o Lago Cólcite, que serve de morada ao próprio Lúcifer, descrito com três cabeças, uma para cada um dos maiores Traidores da História: Judas, que traiu Jesus; Brutus e Cássio, grandes traidores do Império Romano. O lago é completamente congelado e seus corpos ficam ou somente com a cara para fora, ou com o tronco. A baixa temperatura congela as lágrimas que caem de seus olhos causando desespero. (ALIGHIERI, 2002)


4.2 O Projeto O Objeto de Projeto do TFG foi a reprodução do Inferno de Dante e o Museu da Religião. Ambos estão implantados na Praça da Sé, em duas quadras que estavam subutilizadas - de grandes áreas destinadas a estacionamentos, prédios com pouca ocupação ou até mesmo abandonados. Esse fator, aliado ao fato de que o local se encontra em um eixo e um polo de museus e construções culturais, foram motivações para decidir o local como implantação do projeto. A fachada de ambas as edificações é composta de painéis preto foscos, majoritariamente. Essa decisão foi por conta do conceitos de Norberg-Schulz, de cidade e paisagem. Uma vez implantado no centro de São Paulo, uma área onde a arquitetura tem uma série de afrescos, é ricamente detalhada e há um contraste de diferentes épocas e estilos, uma fachada sóbria e minimalista foi a melhor opção. Desse modo, tanto o projeto quanto a cidade seriviriam de base um para o outro,

Imagem 4.2.1.: Perspectiva frontal do projeto, a partir da Praça da Sé - imagem de autoria do Autor

63

sem haver uma disputa por atenção ou até mesmo confusão pelo excesso da mesma. Fora os painéis preto-foscos, há painéis de vidro e no Farol, há uma gradação de opacidade nas placas, sendo a base de painéis foscos e gradativamente estes ficam translúcidos, de modo que mesmo a construção sendo alta e servindo como referência na cidade, não interfira e bloqueie tanto na paisagem. No Museu, há fitas de LED que variam de cor na elevação que faceia a Praça. Deste jeito, apesar da construção ser grande, há uma interação e contribuição com a dinâmica da cidade. Na fachada do Inferno, extensões das lajes dos andares formam jardineiras, trazendo vegetação pro centro de São Paulo, que é uma área carente nesse quesito. Nos elementos acoplados aos volumes das edificações, foi usado cobre polido como forma de contrastar com o preto.


Imagem 4.2.2.: Diagrama do Inferno - Térreo; Sem escala. Autoria própria

O 1º Inferno, O Limbo, fica no subsolo e tem a forma de um labirinto. A escuridão é proposital, a iluminação é indireta e vem a partir de dois pontos: tanto do núcleo de circulação vertical central, quanto de um pequeno rasgo no teto que permite a passagem de luz de fora para dentro. As paredes são revestidas de pedras, e desse modo, o visitante é guiado pelo labirinto principalmente pelo seu tato, isolando-o dos outros sentidos. Imagem 4.2.3.: Diagrama do Inferno - Subsolo; Sem escala. Autoria própria

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4.2. o projeto

A Entrada para a edificação se dá no térreo, onde há uma bilheteria, coat room, setor administrativo e uma área para exposições temporárias. A passagem para o primeiro Inferno é através de uma escadaria, com visão direta para a Catedral da Sé. Desse modo, cria-se a ilusão de que o Inferno fica logo abaixo da construção e que se está indo em direção à ela.


4.2. o projeto Imagem 4.2.4.: Perspectiva interna do 1º Inferno

O centro e final deste nível, é o núcleo central de circulação vertical, que se configura como um cone , ou seja, o diâmetro de sua base é maior que o diâmetro do topo. A intenção deste cone de luz é fazer com que o visitante tenha de percorrer os infernos, de maneira ascendente, para que chegue à luz divina, associada à Catedral da Sé, neste caso.

Imagem 4.2.5.: Perspectiva interna da circulação 65


Imagem 4.2.7: Perspectiva interna 3º Inferno.

O 2º, 3º, 4º e 6º Infernos foram agrupados em um único andar. O 3º nível é o primeiro a se chegar depois da subida da escadaria, após o Labirinto. Neste, o Lago da Lama, tem uma atmosfera gélida. Desse modo, as paredes produzem ângulos agudos, iluminação baixa e levemente azulada e revestimento de materiais reflexivos. Haverão diversas saídas de ar-condicionado deixando a temperatura baixa. Estes elementos criam um clima hostil e faz com que o visitante se sinta isolado e solitário, sensações semelhantes às descritas por Dante. 66

4.2. o projeto

Imagem 4.2.6: Diagrama do Inferno - 1º andar; Sem escala. Autoria própria


4.2. o projeto Imagem 4.2.8: Perspectiva interna 4º e 6º Infernos.

O Vale dos Ventos, o 2º Inferno, é a passagem entre o 3º e 4º níveis. Ele serve como um ponte climatizadora, de um ambiente extremamente frio, para outro quente. Esta passagem é um túnel que usa uma série de aberturas laterais do edifício e tira proveito dos grandes corredores de vento típicos do centro de São Paulo. Ao mesmo tempo que imerso dentro da experiência de Dante, se tem um contato, auditivo quanto olfativo com a cidade ao redor. O 4º Inferno, as Colinas de Rocha foram anexadas com o 6º, o Cemitério de Fogo. Estes, se consistem em uma grande escadaria que leva ao próximo andar. Com degraus e patamares irregulares feitos de pedras de diferentes tipos, o visitante se vê subindo de fato uma montanha. O percurso não é fácil, e somado a isso, há a temperatura elevada simulando o fogo da obra de Dante. 67


Imagem 4.2.9: Diagrama do Inferno - 3º Andar; Sem escala. Autoria própria.

Imagem 4.2.10: Perspectiva interna 7º Inferno.

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4.2. o projeto

No 2º andar, estão representados os 5º, 7º e 8º Infernos. Ao chegar neste pavimento, entra-se no Rio Estige, o quinto nível. Nele, há um pequeno curso d’água circundando o círculo mais interno. Ao seguir este, o visitante tem de achar a passagem para o próximo percurso, uma junção do Vale Flegetonte com o Malebolge, 7º e 8º Infernos, respectivamente. O Vale se dá pela Floresta dos Suicidas, onde as árvores são representadas pelos pilares de diferentes formatos e tamanhos. Tanto o espaçamento quanto a complexidade da forma é gradativa; no começo a geometria dos pilares é simples, com poucas faces, e seu espaçamento é grande, permitindo a visão entre estes e o caminho a seguir.


4.2. o projeto Imagem 4.2.11: Perspectiva externa do Inferno e corte perspectivado; sem escala 69


Imagem 4.2.12: Perspectiva interna 8º Inferno.

De acordo com Dante, seu nono Inferno seria o mais importante e torturante, onde o próprio Lúcifer vive, com suas três cabeças incessantemente olhando e torturando os três maiores traidores da História, Brutus, Judas e Cássio, em uma atmosfera gelada e lago congelado. Para reproduzir um efeito de percurso penoso, há um espelho d’água em toda a superfície do andar. O único meio de atravessar é por uma série de blocos rochosos, que formam um caminho, sobre a água. Há também 4 maiores pontos focais com rochas maiores, simbolizando os traidores e o Diabo. A água junto do concreto das paredes ajudam a criar uma friagem natural no andar, que remete à atmosfera de Dante. O final deste percurso dá em um Mirante, que é direcionado à Praça da Sé e a Catedral. A despeito de sua visão religiosa, a intenção é que após um percurso tanto espiritualmente quanto fisicamente cansativo para o visitante, ele possa reencontrar e se renovar com a paisagem que vai encontrar. 70

4.2. o projeto

No caminho para o final, a quantidade de faces dos pilares aumenta e seu espaçamento diminui; a consequência é uma sensação de isolamento e hostilidade do espaço com a pessoa, diferente do início. Há, também, 9 tipos de geometrias dos pilares. Esse mesmo número é a quantidade de subníveis descritos por Dante no seu Inferno, Malebolge. Deste, há uma escadaria no núcleo central levando ao Lago Cólcite, nono e último Tártaro do poeta.


4.2. o projeto Imagem 4.2.13.: Diagrama do Inferno - 3ยบ Andar; Sem escala. Autoria prรณpria.

Imagem 4.2.14: Perspectiva interna 9ยบ Inferno.

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72

4.2. o projeto

Imagem 4.2.15: Implantação; Sem escala.


4.2. o projeto Imagem 4.2.16: Corte; Sem escala.

Imagem 4.2.17: Corte; Sem escala. 73


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Imagem 4.2.18: Diagrama de circulação do conjunto


5.0 Conclusão Após os estudos dos textos sobre Fenomenologia e o Mundo Háptico de Pallasmaa, fez-se um projeto que engloba diversos aspectos da existência humana que não são usualmente tratados e aprofundados na Arquitetura. A relação da edificação com a cidade que está inserida vai além de um âmbito estritamente de gabarito ou como o fluxo intervirá no cotidiano, mas também sobre como as pessoas perceberão e se sentirão perante o prédio no cotidiano. Além disso, os 5 sentidos do corpo humano, que normalmente são negligenciados, foram o máximo possível incorporados na construção, de modo que o visitante seja sensibilizado e que seu percurso seja mais proveitoso e inesperado do que seria caso as sensações não fossem exploradas. Aliado pelos conceitos fenomológicos de Norberg-Schulz, pôde-se entender a dinâmica da praça através de seus acontecimentos e o lugar que o objeto de projeto estava inserido, de modo a fazer

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algo que fosse condizente com a área. Os conceitos de Merleau-Ponty ajudaram a fomentar e embasar o tema háptico trabalhado por Pallasmaa. A partir do momento que a obra arquitetônica é vista como obra de arte, e há uma troca de valores entre objeto e observador, todo o espectro do corpo humano deve ser tratado, e isso inclui os seus 5 sentidos. Somente dessa forma, pode-se pontecializar o poder da edificação e aproximá-la ao máximo de seus usufruintes. Steven Holl trata sobre assuntos como o entendimento do local de inserção do projeto e a partir deste, meios de criar Arquitetura como forma de expressão da essência do lugar; mais do que uma edificação, é um meio de fala entre arquiteto-arquitetura-local. O arquiteto ressalta a importância de criar uma conexão histórica e poética com o local, e que muitas vezes isso pode ocorrer a partir de referências de fora do mundo arquitetônico, como foi o caso deste trabalho. Uma


5.0 conclusão

trabalho com uma premissa religiosa e sensorial implantado em um dos locais mais espiritualizados da cidade de São Paulo, cria uma forte laço entre projeto e lugar. O arquiteto e teórico Juhani Pallasmaa serviu como maior fundamentação do projeto. No caminho de explorar os sentidos do corpo humano, o finlandês aborda assuntos como figura, fundo e paisagem na Arquitetura. Estes servem como contexto da obra que está inserida na cidade, e como exemplo, cita monumentos como Parthenon, etc. Logo após, os sentidos são apresentados como forma de não só experienciar a Arquitetura, mas uma maneira de englobar todos os assuntos previamente tratados. Os sentidos, de acordo com Pallasmaa, são uma massa que unifica todas as possibilidades de experiências e servem de embasamento, inconscientemente, para o visitante. Uma prática completa de uma obra arquitetônica, não deve apenas abordar temas arquitetônicos, mas também humanos. Ao escolher não dar a devida atenção à um destes, ou até mesmo ignorá-los, está se fazendo uma hostilidade com o corpo e o visitante da obra.

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DIMITRIUS MARQUES MEGALOMATIDIS 2017


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