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Supremo Tribunal Federal
Nº 94 – Jun/2017
Dr. Diogo Flávio Lyra Batista, Procurador IPSEM – Campina Grande.
Selecionados a partir dos informativos 864 a 867 do STF
presta à observância do princípio do devido processo legal, inclusive sob o enfoque da razoabilidade. Por CIVIL E PROCESSO CIVIL meio da enumeração, presente a relação nominal, é que se viabilizam o direito de defesa, o contraditório e a 01. Propositura da ação: associação e momento para a filiação. ampla defesa. Reputou que a condição de filiado é A eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir pressuposto do ato de concordância com a submissão de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por da controvérsia ao Judiciário. associação civil na defesa de interesses dos associados, Vencido o ministro Ricardo Lewandowski, que deu somente alcança os filiados, residentes no âmbito da provimento ao recurso para afastar a exigência de prévia jurisdição do órgão julgador, que o fossem em filiação para que o associado possa executar a sentença momento anterior ou até a data da propositura da proferida em ação coletiva de rito ordinário. Para o demanda, constantes da relação jurídica juntada à magistrado, o legislador ordinário restringiu, inicial do processo de conhecimento. indevidamente, o alcance dos dispositivos constitucionais Com base nesse entendimento, o Plenário, apreciando o que garantem o amplo acesso à Justiça e a Tema 499 da repercussão geral, por maioria, negou representatividade das associações quanto aos seus provimento ao recurso extraordinário e declarou a associados. constitucionalidade do art. 2º-A da Lei 9.494/1997. Vencido, em parte, o ministro Edson Fachin, que deu No caso, determinada associação propôs ação parcial provimento ao recurso extraordinário, na coletiva ordinária contra a União. O objetivo linha do ministro Ricardo Lewandowski, mas era a repetição de valores descontados a restringiu a condição de filiado até a época Prepare-se para o concurso título de imposto de renda de servidores, da formação do título exequendo. da Advocacia Geral da União incidente sobre férias não usufruídas Vencido, em parte, o ministro Alexandre com por necessidade do serviço. de Moraes que proveu parcialmente o Com a procedência do pleito no extraordinário para dar interpretação processo de conhecimento e o conforme quanto à circunscrição. (REsubsequente trânsito em julgado, foi 612043/Inf. 864). Inteiro teor do deflagrado, por associação, o início da acórdão aqui. 1ª Parte: Resolução de questões fase de cumprimento de sentença. 2ª Parte: objetivas, peças, pareceres e Nesta, o tribunal de origem assentou, dissertações em agravo, a necessidade de a primeira 02. Sucessão e regime diferenciado para www.ebeji.com.br peça da execução vir instruída com cônjuges e companheiros. No sistema documentação comprobatória de filiação do constitucional vigente, é inconstitucional a associado em momento anterior ou até o dia do diferenciação de regimes sucessórios entre ajuizamento da ação de conhecimento, conforme o art. cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em 2º-A, parágrafo único, da Lei 9.494/1997, incluído pela ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 Medida Provisória 2.180-35/2001 (vide Informativo 863). do Código Civil. O Plenário ressaltou que, ante o conteúdo do art. 5º, Com base nesse entendimento, o Plenário, ao apreciar o XXI, da Constituição Federal, autorização expressa Tema 498 da repercussão geral, por maioria, deu pressupõe associados identificados, com rol provimento ao recurso extraordinário para reconhecer, de determinado, aptos à deliberação. Nesse caso, a forma incidental, a inconstitucionalidade do art. 1.790 do associação, além de não atuar em nome próprio, Código Civil de 2002 e declarar o direito do recorrente de persegue o reconhecimento de interesses dos filiados. participar da herança de seu companheiro, em Decorre daí a necessidade da colheita de autorização conformidade com o regime jurídico estabelecido no art. expressa de cada associado, de forma individual, ou 1.829 do referido código. mediante assembleia geral designada para esse fim, No caso, o tribunal de origem assentou que os considerada a maioria formada. companheiros herdam apenas os bens adquiridos Enfatizou que a enumeração dos associados até o onerosamente na vigência da união estável, quando momento imediatamente anterior ao do ajuizamento se presentes os requisitos do art. 1.790 do Código Civil de
GEAGU
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2002. Consignou ser imprópria a equiparação da figura AGU Objetiva
do companheiro à do cônjuge e afastou a aplicação do art. 1.829, I e II, do citado diploma legal. Ao interpretar o art. 226, § 3º, da Constituição Federal (CF), concluiu que não estariam igualados, para todos os fins, os institutos do casamento e da união estável. O Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que a Constituição prevê diferentes modalidades de família, além da que resulta do casamento. Entre essas modalidades, está a que deriva das uniões estáveis, seja a convencional, seja a homoafetiva. Frisou que, após a vigência da Constituição de 1988, duas leis ordinárias equipararam os regimes jurídicos sucessórios do casamento e da união estável (Lei 8.971/1994 e Lei 9.278/1996). O Código Civil, no entanto, desequiparou, para fins de sucessão, o casamento e as uniões estáveis. Dessa forma, promoveu retrocesso e hierarquização entre as famílias, o que não é admitido pela Constituição, que trata todas as famílias com o mesmo grau de valia, respeito e consideração. O art. 1.790 do mencionado código é inconstitucional, porque viola os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade na modalidade de proibição à proteção deficiente e da vedação ao retrocesso. Na espécie, a sucessão foi aberta antes de ser reconhecida, pelo STF, a equiparação da união homoafetiva à união estável e antes de o Conselho Nacional de Justiça ter regulamentado o casamento de pessoas do mesmo sexo. Tal situação impede a conversão da união estável em casamento, nos termos do art. 226, § 3º, da CF. Diante disso, a desequiparação é ainda mais injusta. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Ricardo Lewandowski, que negaram provimento ao recurso. O ministro Marco Aurélio pontuou ser constitucional o regime sucessório previsto no art. 1.790 do Código Civil de 2002, que rege a união estável, independentemente da orientação sexual dos companheiros. O ministro Ricardo Lewandowski entendeu que a distinção entre casamento e união estável feita pelo constituinte (CF/1988, art. 226, § 3º) justifica o tratamento diferenciado no que diz respeito ao regime sucessório das pessoas que optam por uma dessas duas situações ou por um desses dois regimes. (RE-646721/Inf. 864). Inteiro teor do acórdão aqui. 03. Direito sucessório e distinção entre cônjuge e companheiro. No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil. Com base nesse entendimento, o Plenário, ao apreciar o Tema 809 da repercussão geral, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário para reconhecer, de forma incidental, a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil de 2002 e declarar o direito da recorrente a participar da herança de seu companheiro, em conformidade com o regime jurídico estabelecido no art. 1.829 do referido código (vide Informativos 837 e 859). No caso, a recorrente vivia em união estável, em regime de comunhão parcial de bens, há cerca de nove anos, até seu companheiro falecer, sem deixar testamento. O
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falecido não tinha descendentes nem ascendentes, apenas três irmãos. O tribunal de origem, com fundamento no art. 1.790, III, do Código Civil de 2002, limitou o direito sucessório da recorrente a 1/3 dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável, excluídos os bens particulares do falecido, os quais seriam recebidos integralmente pelos irmãos. Porém, se fosse casada com o falecido, a recorrente teria direito à totalidade da herança. O Supremo Tribunal Federal afirmou que a Constituição contempla diferentes formas de família, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. Portanto, não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada por casamento e a constituída por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares mostra-se incompatível com a Constituição. O art. 1.790 do Código Civil de 2002, ao revogar as Leis 8.971/1994 e 9.278/1996 e discriminar a companheira (ou companheiro), dando-lhe direitos sucessórios inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade na modalidade de proibição à proteção deficiente e da vedação ao retrocesso. A Corte ainda ressaltou que, com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado aplica-se apenas aos inventários judiciais em que a sentença de partilha não tenha transitado em julgado e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. Vencidos os ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que negaram provimento ao recurso. Para eles, a norma civil apontada como inconstitucional não hierarquiza o casamento em relação à união estável, mas acentua serem formas diversas de entidades familiares. Nesse sentido, ponderaram que há de ser respeitada a opção dos indivíduos que decidem submeter-se a um ou a outro regime. (RE-878694/Inf. 864). 04. Ausência de apresentação de contrarrazões e honorários recursais. É cabível a fixação de honorários recursais, prevista no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil (CPC), mesmo quando não apresentadas contrarrazões ou contraminuta pelo advogado. O Tribunal, por unanimidade, negou provimento a agravo regimental em ação originária e, por maioria, fixou honorários recursais. Quanto à fixação de honorários recursais, prevaleceu o voto do ministro Luiz Fux, que confirmou o entendimento fixado pela Primeira Turma. Para ele, a sucumbência recursal surgiu com o objetivo de evitar a reiteração de recursos; ou seja, de impedir a interposição de embargos de declaração, que serão desprovidos, independentemente da apresentação de contrarrazões. A finalidade não foi remunerar mais um profissional, porque o outro apresentou contrarrazões. O ministro Edson Fachin afirmou que a expressão “trabalho adicional”, contida no § 11 do art. 85 do CPC, é um gênero que compreende várias espécies, entre elas, a contraminuta e as contrarrazões.
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Vencidos, nesse AGU Objetiva
ponto, os ministros Marco Aurélio (relator), Celso de Mello e Cármen Lúcia, que não fixaram os honorários, considerada a inércia do agravado em apresentar contraminuta ao agravo interno. O ministro Marco Aurélio asseverou que, sem a apresentação de contrarrazões nem de contraminuta, não há como aditar os honorários anteriormente fixados. (AO-2063 AgR/Inf. 865). Inteiro teor do acórdão aqui. CONSTITUCIONAL 01. Execução provisória de débitos da Fazenda Pública: obrigação de fazer e regime de precatórios. A execução provisória de obrigação de fazer em face da Fazenda Pública não atrai o regime constitucional dos precatórios. Com base nessa orientação, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Tema 45 da repercussão geral, por unanimidade, negou provimento a recurso extraordinário em que se questionava a possibilidade de execução provisória de obrigação de fazer contra a Fazenda Pública, haja vista a previsão constitucional dos precatórios. O caso trata de execução de obrigações de fazer, mediante implantação de benefício equivalente à metade do valor de pensão instituída por militar decesso em favor da companheira, a par da outra metade a ser percebida pela esposa, até então favorecida com a integralidade da verba. Inicialmente, a Corte relembrou a jurisprudência firmada no sentido da inaplicabilidade ao Poder Público do regime jurídico da execução provisória de prestação obrigacional, após a Emenda Constitucional 30/2000, que deu nova redação ao § 1º do art. 100 da Constituição Federal. Considerou, entretanto, que a sistemática dos precatórios não se aplica no caso concreto, por se tratar de obrigação de fazer, ou seja, implantação de pensão instituída por militar. Asseverou que toda decisão não autossuficiente pode ser cumprida de maneira imediata, na pendência de recursos não recebidos com efeito suspensivo. Não há parâmetro constitucional nem legal que obste a pretensão de executar provisoriamente a sentença condenatória de obrigação de fazer relativa à implementação de pensão de militar, antes do trânsito em julgado dos embargos do devedor opostos pela Fazenda Pública. Assim, inexiste razão para que a obrigação de fazer tenha seu efeito financeiro postergado em função do trânsito em julgado, sob pena de hipertrofiar uma regra constitucional de índole excepcionalíssima. Dessa forma, concluiu haver compatibilidade material entre o regime de cumprimento integral de decisão provisória do art. 475-O do CPC/1973 e a sistemática dos precatórios, com previsão no art. 100 da CF, haja vista que este apenas se refere às obrigações de pagar quantia certa. (RE-573872/Inf. 866). Inteiro teor do acórdão aqui. 02. Município e taxa de combate a sinistros. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Tema 16 da repercussão geral, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutiu a constitucionalidade de taxa de combate a sinistros instituída por lei municipal. Na espécie, o tribunal de origem assentou a inconstitucionalidade da taxa, por considerar o serviço
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público por ela financiado de competência estadual. De acordo com o acórdão recorrido, houve inadequação do custeio, por meio de taxa, em face da ausência de especificidade e divisibilidade do serviço (vide Informativo 855). Prevaleceu o voto do ministro Marco Aurélio (relator). O relator inicialmente citou a orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 1.942 MC/PA (DJ de 22.10.1999), no sentido de que, em face do art. 144, “caput”, V e § 5º, da Constituição Federal, sendo a segurança pública dever do Estado e direito de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio, entre outras, da polícia militar, essa atividade do Estado somente pode ser sustentada por impostos, e não por taxa. Consignou que a prevenção e o combate a incêndios se fazem mediante a atuação da polícia retratada no corpo de bombeiros, sendo atividade essencial do Estado e, por isso, remunerada por meio de impostos. Desse modo, entendeu ser inconcebível que, a pretexto de prevenir sinistro relativo a incêndio, venha o Município a substituir-se ao Estado, com a criação de tributo sob o rótulo de taxa. O ministro reforçou que a atividade precípua do Estado é viabilizada mediante arrecadação de impostos. Por sua vez, a taxa decorre do exercício do poder de polícia ou da utilização efetiva ou potencial de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à disposição. Assim, no âmbito da segurança pública, no tocante à preservação e ao combate a incêndios, nem mesmo o Estado poderia instituir validamente taxa. Em suma, considerou que a manutenção do corpo de bombeiros, que é um órgão estadual, e não municipal, é feita estritamente por impostos, e não por taxas. Vencidos os ministros Luiz Fux, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, que deram provimento ao recurso. Em seguida, a Corte deliberou fixar a tese referente à repercussão geral em assentada posterior. (RE643247/Inf. 866). 03. Justiça competente e servidor público celetista. O Plenário, ao apreciar o Tema 544 da repercussão geral, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutiu a competência para processar e julgar causa que tem por objeto a abusividade de greve de servidores públicos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No caso, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT), ao julgar dissidio coletivo, entendeu que a greve promovida por membros de guarda municipal não era abusiva. Interposto recurso ordinário, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) extinguiu o processo sem julgamento de mérito, em face da impossibilidade jurídica do pedido. Declarou a incompetência da justiça do trabalho para apreciar a abusividade da greve deflagrada por guardas municipais. O Supremo Tribunal Federal entendeu que a justiça comum é competente para julgar causa relacionada ao direito de greve de servidor público, pouco importando se se trata de celetista ou estatutário. O ministro Alexandre de Moraes afirmou que guarda municipal exerce função de segurança pública, portanto, não tem direito à greve. Deste modo, a justiça
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do trabalho AGU Objetiva
não pode analisar a abusividade do movimento paredista. Vencidos os ministros Luiz Fux (relator), Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que deram provimento ao recurso. Fixaram a competência da justiça do trabalho para processar e julgar questões atinentes ao exercício do direito de greve dos servidores públicos celetistas. Pontuaram que se houver relação contratual, celetista, o vínculo é trabalhista, e é competente a justiça do trabalho. Se estatutário, o vínculo é legal, administrativo, recaindo a competência sobre a Justiça comum. Em seguida, o Colegiado deliberou fixar a tese de repercussão geral em assentada posterior. (RE846854/Inf. 866). INTERNACIONAL 01. Antinomia entre o CDC e a Convenção de Varsóvia: transporte aéreo internacional. Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor. Com base nesse entendimento, o Plenário finalizou o julgamento conjunto de recursos nos quais se discutiu a norma prevalecente nas hipóteses de conflito entre o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Convenção de Varsóvia de 1929 (ratificada e promulgada pelo Decreto 20.704/1931), a qual rege o transporte aéreo internacional e foi posteriormente alterada pelo Protocolo Adicional 4, assinado na cidade canadense de Montreal em 1975 (ratificado e promulgado pelo Decreto 2.861/1998). No RE 636.331/RJ, ao apreciar o Tema 210 da Repercussão Geral, o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário, para reduzir o valor da condenação por danos materiais, limitando-o ao patamar estabelecido no art. 22 da Convenção de Varsóvia, com as modificações efetuadas pelos acordos internacionais posteriores. No ARE 766.618/SP, o STF, também por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário, para, reformando o acórdão recorrido, julgar improcedente o pedido, em razão da prescrição. A controvérsia apresentada no RE 636.331/RJ envolve os limites de indenização por danos materiais em decorrência de extravio de bagagem em voo internacional. Já a questão posta em debate no ARE 766.618/SP diz respeito ao prazo prescricional para fins de ajuizamento de ação de responsabilidade civil por atraso em voo internacional (vide Informativo 745). No RE 636.331/RJ, o Colegiado assentou a prevalência da Convenção de Varsóvia e dos demais acordos internacionais subscritos pelo Brasil em detrimento do CDC, não apenas na hipótese de extravio de bagagem. Em consequência, deu provimento ao recurso extraordinário para limitar o valor da condenação por danos materiais ao patamar estabelecido na Convenção de Varsóvia, com as modificações efetuadas pelos acordos internacionais posteriores. Afirmou que a antinomia ocorre, a princípio, entre o art. 14 do CDC, que impõe ao fornecedor do serviço o dever de reparar os danos causados, e o art. 22 da Convenção de
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Varsóvia, que fixa limite máximo para o valor devido pelo transportador, a título de reparação. Afastou, de início, a alegação de que o princípio constitucional que impõe a defesa do consumidor [Constituição Federal (CF), arts. 5º, XXXII, e 170, V] impediria a derrogação do CDC por norma mais restritiva, ainda que por lei especial. Salientou que a proteção ao consumidor não é a única diretriz a orientar a ordem econômica. Consignou que o próprio texto constitucional determina, no art. 178, a observância dos acordos internacionais, quanto à ordenação do transporte aéreo internacional. Realçou que, no tocante à aparente antinomia entre o disposto no CDC e na Convenção de Varsóvia – e demais normas internacionais sobre transporte aéreo –, não há diferença de hierarquia entre os diplomas normativos. Todos têm estatura de lei ordinária e, por isso, a solução do conflito envolve a análise dos critérios cronológico e da especialidade. Em relação ao critério cronológico, o Plenário destacou que os acordos internacionais em comento são mais recentes que o CDC. Observou que, não obstante o Decreto 20.704 tenha sido publicado em 1931, sofreu sucessivas modificações posteriores ao CDC. Acrescentou, ainda, que a Convenção de Varsóvia – e os regramentos internacionais que a modificaram – são normas especiais em relação ao CDC, pois disciplinam modalidade especial de contrato, qual seja, o contrato de transporte aéreo internacional de passageiros. Por tratar-se de conflito entre regras que não têm o mesmo âmbito de validade, sendo uma geral e outra específica, o Colegiado concluiu que deve ser aplicado o § 2º do art. 2º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro. Ademais, frisou que as disposições previstas nos aludidos acordos internacionais incidem exclusivamente nos contratos de transporte aéreo internacional de pessoas, bagagens ou carga. Assim, não alcançam o transporte nacional de pessoas, que está excluído da abrangência do art. 22 da Convenção de Varsóvia. Por fim, esclareceu que a limitação indenizatória abarca apenas a reparação por danos materiais, e não morais. No ARE 766.618/SP, o Colegiado pontuou que, por força do art. 178 da CF, em caso de conflito, as normas das convenções que regem o transporte aéreo internacional prevalecem sobre o CDC. Abordou, de igual modo, os critérios tradicionais de solução de antinomias no Direito brasileiro: hierarquia, cronológico e especialização. No entanto, reputou que a existência de dispositivo constitucional legitima a admissão dos recursos extraordinários nessa matéria; pois, se assim não fosse, a discussão estaria restrita ao âmbito infraconstitucional. Explicou, no ponto, que o art. 178 da CF prevê parâmetro para a solução desse conflito, de modo que as convenções internacionais devem prevalecer. Reconheceu, na espécie, a incidência do art. 29 da Convenção de Varsóvia, que estabelece o prazo prescricional de dois anos, a contar da chegada da aeronave. Por conseguinte, deu provimento ao recurso e julgou improcedente o pleito ante a ocorrência da prescrição. Vencidos, em ambos os julgamentos, os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello. Os dois salientaram que os casos em análise envolvem empresas de transporte aéreo internacional de passageiros, que realizam atividades qualificadas como prestação de serviços. Dessa forma,
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frisaram que, AGU Objetiva
por se tratar de uma relação jurídica de consumo, deveria ser aplicado o CDC, legislação superveniente às normas internacionais em debate. O ministro Celso de Mello pontuou ainda que a proteção ao consumidor e a defesa da integridade de seus direitos representam compromissos inderrogáveis, que o Estado brasileiro conscientemente assumiu no plano do nosso ordenamento constitucional. Afirmou que a Assembleia Nacional Constituinte, em caráter absolutamente inovador, elevou a defesa do consumidor à posição eminente de direito fundamental (CF, art. 5º, XXXII), atribuindo-lhe ainda a condição de princípio estruturador e conformador da própria ordem econômica (CF, art. 170, V), cuja eficácia permite reconhecer a precedência do CDC sobre as Convenções de Varsóvia e Montreal. (RE-636331 e ARE766618/Inf. 866). Inteiro teor do acórdão aqui. 1ª Parte: 2ª Parte: PENAL E PROCESSO PENAL 01. ‘Habeas corpus’ impetrado contra decisão de ministro do STF. Não cabe “habeas corpus”, se a impetração for ajuizada em face de decisões monocráticas proferidas por ministro do Supremo Tribunal Federal. O Plenário, por maioria, não conheceu do “writ” impetrado contra decisão de ministro desta Corte que determinou a custódia cautelar do paciente. Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que julgou prejudicada a impetração ante a revogação da prisão preventiva do paciente. (HC-115787/Inf. 865). 02. Tráfico de drogas e confisco de bens. É possível o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico de drogas, sem a necessidade de se perquirir a habitualidade, reiteração do uso do bem para tal finalidade, a sua modificação para dificultar a descoberta do local do acondicionamento da droga ou qualquer outro requisito além daqueles previstos expressamente no art. 243, parágrafo único, da Constituição Federal (CF). O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Tema 647 da repercussão geral, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário interposto contra acórdão que determinou a devolução de veículo de propriedade de acusado pela prática do crime de tráfico de entorpecentes, sob o fundamento de que a perda do bem pelo confisco deve ser reservada aos casos de utilização do objeto de forma efetiva, e não eventual, para a prática do citado delito. Prevaleceu o voto do ministro Luiz Fux (relator). Para ele, o confisco de bens pelo Estado encerra uma restrição ao direito fundamental de propriedade, garantido pelo art. 5º, “caput” e XXII, da CF. Asseverou que o confisco de bens utilizados para fins de tráfico de drogas, da mesma forma como as demais restrições aos direitos fundamentais expressamente previstas na Constituição Federal, deve conformar-se com a literalidade do texto constitucional, vedada a adstrição de seu alcance por outros requisitos que não os estabelecidos pelo art. 243, parágrafo único, da CF. Consignou que o confisco, no direito comparado, é instituto de grande aplicabilidade aos delitos de repercussão econômica, sob o viés de que “o crime não deve compensar”. Tal perspectiva foi adotada pelo
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constituinte brasileiro e pela República Federativa do Brasil, que internalizou diversos diplomas internacionais que visam reprimir severamente o tráfico de drogas. Observou que o tráfico de drogas é reprimido pelo Estado brasileiro, por meio de modelo jurídico-político, em consonância com os diplomas internacionais firmados. Os preceitos constitucionais sobre o tráfico de drogas e o respectivo confisco de bens constituem parte dos mandados de criminalização previstos pelo poder constituinte originário a exigir uma atuação enérgica do Estado sobre o tema, sob pena de o ordenamento jurídico brasileiro incorrer em proteção deficiente dos direitos fundamentais. Segundo o relator, o confisco previsto no art. 243, parágrafo único, da CF deve ser interpretado à luz dos princípios da unidade e da supremacia da Constituição, ou seja, não se pode ler o direito de propriedade em separado, sem considerar a restrição feita a esse direito. Concluiu que a habitualidade do uso do bem na prática criminosa ou sua adulteração para dificultar a descoberta do local de acondicionamento, “in casu”, da droga, não é pressuposto para o confisco de bens nos termos do citado dispositivo constitucional. Vencidos os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que negaram provimento ao recurso. Para o ministro Ricardo Lewandowski, deve prevalecer a regra constitucional da proibição do confisco, observados, ainda, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. No caso, para ser confiscado, seria necessário provar que o veículo teria sido destinado integralmente para a prática do delito. Além disso, considerou que o parágrafo único do art. 243 não é um dispositivo independente, mas deve ser lido em harmonia com o seu “caput”, o qual diz respeito apenas a propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei. O ministro Marco Aurélio, de igual modo, emprestou ao parágrafo único do citado artigo a disciplina de simples acessório, a remeter, necessariamente, a bens encontrados na propriedade objeto de expropriação. (RE638491/Inf. 865). Inteiro teor do acórdão aqui.
03. Reclamação, preso advogado e execução provisória da pena. A Segunda Turma, por unanimidade, negou provimento a agravo regimental em reclamação no qual se pretendia a transferência do agravante de cela comum de estabelecimento prisional para sala de estado-maior em razão da sua condição de advogado preso provisoriamente. A defesa sustentou que o agravante teria direito a permanecer custodiado em sala de estado-maior, nos termos do art. 7º, V, da Lei 8.906/1994. A constitucionalidade dessa norma foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADI 1.127/DF. O Colegiado pontuou que a execução em debate diz respeito a acórdão penal condenatório proferido em segundo grau. Dessa forma, seguindo a orientação jurisprudencial do STF, ainda que não transitada em julgado a condenação do agravante, a prisão não mais se reveste de natureza cautelar, mas sim das características de prisão-pena, a qual exige a
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formulação de juízo de culpabilidade em título judicial AGU Objetiva
condenatório. Salientou ainda que a Corte não discutiu, na ADI 1.127/DF, se o direito de o advogado permanecer recolhido em sala de estado-maior se estenderia, ou não, ao preso em razão de acórdão penal condenatório de segundo grau. Nesse contexto, a Turma reputou ausente a estrita aderência do objeto do ato reclamado ao conteúdo da ação direta paradigma e concluiu pela impropriedade da reclamação constitucional. (RCL-25111/Inf. 865) 04. ‘Habeas corpus’: pedido de extensão e circunstâncias fáticas incomunicáveis. A Segunda Turma conheceu em parte, e, na parte conhecida, por unanimidade, indeferiu pedido de extensão dos efeitos do acórdão proferido neste “habeas corpus”. A ordem havia sido conferida para revogar a prisão preventiva do paciente, decretada nos autos de ações penais da 13ª Vara Federal da Seção Judiciária do Paraná, determinando sua substituição por medidas cautelares dela diversas [CPP, art. 319], a serem estabelecidas pelo juízo de origem. A Turma também não conheceu de outros pedidos de extensão no mesmo sentido formulados em favor de três réus. Inicialmente, observou que o art. 580 do Código de Processo Penal (CPP) é norma processual penal garantidora de tratamento jurídico isonômico para os corréus que apresentam idêntica situação jurídica à do réu beneficiado em seu recurso. De acordo com a referida norma, no caso de concurso de agentes, a decisão do recurso interposto por um deles aproveitará aos demais quando seus fundamentos não forem de caráter exclusivamente pessoal. Essa regra da teoria geral dos recursos é aplicável ao “habeas corpus”, porque, embora não seja recurso, é ação autônoma de impugnação e deve receber o mesmo tratamento legislativo. A Turma asseverou defluir, ainda, do art. 580 do CPP que a extensão somente pode alcançar os que integram a mesma relação jurídico-processual daquele que foi beneficiado em seu recurso ou ação. Em razão disso, duas hipóteses de ordem objetiva não legitimam a invocação do dispositivo legal: (a) quando o requerente da extensão não participa da mesma relação jurídicoprocessual daquele que foi beneficiado por decisão judicial da Corte, o que evidencia a sua ilegitimidade; (b) quando se invoca extensão de decisão para outros processos que não foram examinados pela Corte, o que denuncia fórmula de transcendência dos motivos determinantes, com o propósito de promover a análise “per saltum” do título processual pelo Supremo Tribunal Federal, e expõe a risco o sistema de competências constitucionalmente estabelecido. Desse modo, o Colegiado entendeu haver, em relação a um dos pedidos formulados, legitimidade do requerente, haja vista ele figurar como corréu do paciente beneficiado com a ordem em duas ações penais. Entretanto, julgou ser inviável a extensão na forma do art. 580 do CPP. No que se refere à primeira dessas ações penais, registrou que o voto condutor do acórdão, ao reputar adequada a substituição da custódia do paciente por medidas cautelares diversas, considerou, além dos crimes investigados, a condição pessoal do paciente naquele contexto fático-processual. Segundo o Colegiado, não há relação de identidade com a situação do requerente. Existem, quanto a este, incomunicáveis circunstâncias
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fáticas na custódia processual com aquelas que viabilizaram a prisão do paciente do “habeas corpus”. Em razão disso, indeferiu-se o pedido de extensão. No tocante à segunda ação penal, não há interesse de agir do requerente, visto que, ao contrário do que o juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba havia feito em relação ao paciente deste “habeas corpus”, não teria sido necessário decretar nova prisão cautelar do requerente. A Turma não conheceu do pedido de extensão para outras três ações penais desse mesmo requerente, nas quais o paciente do “habeas corpus” não seria corréu. Citou, nesse sentido, o que decidido no julgamento do HC 118.533/MS (DJE de 24.4.2017). Salientou que o propósito da defesa do requerente seria o de promover, pelo mecanismo da transcendência dos motivos determinantes, o controle de legalidade, diretamente pelo STF, de decisões estranhas ao objeto do presente “writ”, em ofensa ao sistema de competências constitucionalmente estabelecido. Por fim, a Turma também não conheceu dos pedidos de extensão de outros dois requerentes por entender que isso seria pretensão revisional do que fixado no HC 138.850/PR (DJE de 16.3.2017) e no HC 141.431/PR (DJE de 22.3.2017), cujos agravos regimentais pendem de julgamento. Frisou que, quando forem julgados os referidos agravos, o relator, com base na adequada instrução daqueles “habeas corpus”, disporá de melhores condições de reavaliar precisamente a situação prisional dos requerentes, à luz do entendimento firmado pelo Colegiado neste “habeas corpus”. Do contrário, seria decidir, por via transversa, os agravos regimentais daqueles “habeas corpus”, em manifesta usurpação da competência do juiz natural da causa. (HC-137728/Inf. 867). Inteiro teor do acórdão aqui. TRIBUTÁRIO 01. COFINS: ampliação da base de cálculo e majoração de alíquota. O Plenário, ao apreciar o Tema 34 da repercussão geral, em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutiu a constitucionalidade da ampliação da base de cálculo e da majoração de alíquota da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), instituída pela Lei 10.833/2003, resultante da conversão da Medida Provisória 135/2003 (vide Informativo 844). O Tribunal entendeu não haver vício formal na conversão da referida medida provisória, nem ofensa ao art. 246 da Constituição Federal na hipótese de mera majoração de alíquotas de contribuições sociais. Além disso, assentou não se fazer necessária a reserva de lei complementar por não se tratar de novo tributo. Quanto à vedação ao efeito confiscatório, concluiu ser juridicamente insustentável buscar guarida nesse princípio em sede de jurisdição constitucional. Tal posicionamento considerou a orientação do Supremo Tribunal Federal segundo a qual a caracterização desse efeito pressupõe a análise de dados concretos e peculiaridades de cada operação ou situação, tomando-se em conta custos, carga tributária global, margens de lucro e condições pontuais do mercado e de conjuntura econômica. Por fim, afirmou que eventuais diferenças entre os regimes de lucro real ou de lucro presumido,
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inclusive a respeito do direito ao creditamento, não AGU Objetiva
representam ofensa à isonomia ou à capacidade contributiva. A sujeição ao regime do lucro presumido é uma escolha do contribuinte, considerado seu planejamento tributário. Vencido o ministro Marco Aurélio, que conheceu em parte do recurso e, na parte conhecida, deu provimento ao extraordinário. Pontuou haver vício formal, por afronta ao art. 246 da Constituição Federal, na conversão da medida provisória. Além disso, reputou violado o princípio da isonomia. Em seguida, o Tribunal deliberou fixar a tese de repercussão geral em assentada posterior. (RE570122/Inf. 866). PREVIDENCIÁRIO 01. Contribuição previdenciária e exercentes de mandato eletivo. Incide contribuição previdenciária sobre os rendimentos pagos aos exercentes de mandato eletivo, decorrentes da prestação de serviços à União, aos Estados e ao Distrito Federal ou aos Municípios, após o advento da Lei 10.887/2004, desde que não vinculados a regime próprio de previdência. Com base nessa orientação, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Tema 691 da repercussão geral, por unanimidade, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutiu a submissão dos entes federativos ao pagamento de contribuição previdenciária patronal incidente sobre a remuneração dos agentes políticos não vinculados a regime próprio de previdência social, após o advento da Lei 10.887/2004, na forma do art. 22, I, da Lei 8.212/1991. A Corte entendeu que a Emenda Constitucional 20/1998 passou a determinar a incidência da contribuição sobre qualquer segurado obrigatório da previdência social, art. 195, I, “a” e II e no art. 40, §13, ambos da Constituição Federal, que submeteu todos os ocupantes de cargos temporários ao regime geral de previdência, o que alcança os exercentes de mandato eletivo. (RE626837/Inf. 866).
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Superior Tribunal de Justiça
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Dr. Diogo Flávio Lyra Batista, Procurador IPSEM – Campina Grande.
Selecionados a partir dos informativos 601 e 602 do STJ
empresárias que comercializam animais vivos, rações e medicamentos veterinários. De início, convém destacar ADMINISTRATIVO que a obrigatoriedade do registro da pessoa jurídica no conselho profissional fundamenta-se no art. 1º da Lei n. 01. Ação de repetição de indébito. Tarifa de energia 6.839/80 e, especificamente, no tocante à exploração de elétrica. Relação contratual. Consumidor e concessionária atividades próprias da profissão de médico-veterinário, no do serviço público. Interesse da ANEEL. Não ocorrência, art. 27 da Lei n. 5.517/68. Tendo em vista a natureza em regra. Não há, em regra, interesse jurídico da genérica e imprecisa da redação dos dispositivos supra, é ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica – para muito comum confundir-se a obrigatoriedade do registro figurar como ré ou assistente simples de ação de no conselho de fiscalização das profissões pelo simples repetição de indébito relativa a valores cobrados por fato de a pessoa jurídica praticar quaisquer das atividades força de contrato de fornecimento de energia elétrica privativas da profissão tutelada. Segundo esse raciocínio, celebrado entre usuário do serviço e se a pessoa jurídica se valesse, em qualquer etapa concessionária do serviço público. Sob o de sua atividade ou processo produtivo, de rito do art. 543-C do CPC (atualmente 1.036 profissional sujeito à inscrição no conselho, Prepare-se para os concursos e seguintes do CPC/2015), foi admitida a também deveria realizar o respectivo da Advocacia-Geral da União seguinte tese controvertida: "questão registro. Esse entendimento, no com atinente ao interesse jurídico da ANEEL entanto, é equivocado, pois a (Agência Nacional de Energia Elétrica) finalidade dos normativos em para figurar no polo passivo de ação questão é justamente promover o revisional e de repetição de indébito controle direto da pessoa jurídica relativa a contrato de fornecimento de pelo respectivo conselho profissional Resolução de questões energia elétrica celebrado entre quando sua atividade-fim ou o usuário do serviço e concessionária do serviço prestado a terceiro estejam objetivas, peças, pareceres e serviço público". *O Superior Tribunal compreendidos entre os atos dissertações de Justiça, por meio de diversos privativos da profissão regulamentada, www.ebeji.com.br julgados anteriores, sedimentou a guardando isonomia com as demais compreensão de que não há, em regra, pessoas físicas que também explorem as interesse jurídico da ANEEL para figurar como ré mesmas atividades. No que concerne à contratação ou assistente simples de Ação de Repetição de Indébito de profissional inscrito no respectivo conselho, o art. 28 relativa a valores cobrados por força de contrato de da Lei n. 5.517/68 estabelece essa necessidade sempre que fornecimento de energia elétrica celebrado entre a atividade desempenhada pela pessoa jurídica seja usuário do serviço e concessionária do serviço passível de atuação do médico-veterinário – cujas público*. (REsp 1.389.750-RS/Inf. 601) (Tema 879). atividades privativas estão disciplinadas nos arts. 5º e 6º Inteiro teor do acórdão aqui. da mencionada legislação. Diferentemente das funções relativas ao simples comércio varejista de rações, 02. Conselho Regional de Medicina Veterinária. Registro acessórios para animais e prestações de serviços de banho de pessoa jurídica. Venda de medicamentos e e tosa em animais domésticos – sobre as quais não há comercialização de animais vivos. Desnecessidade. Não divergência quanto à dispensa do registro no conselho estão sujeitas a registro perante o respectivo Conselho profissional, já que não são especificamente atribuídas ao Regional de Medicina Veterinária, nem à contratação médico-veterinário – as atividades de comercialização de de profissionais nele inscritos como responsáveis animais vivos e de medicamentos veterinários demandam técnicos, as pessoas jurídicas que explorem as melhor exame. No pertinente à comercialização de atividades de comercialização de animais vivos e a medicamentos veterinários, o que não abrange, por óbvio, venda de medicamentos veterinários, pois não são a administração de fármacos no âmbito de um atividades reservadas à atuação privativa do médico procedimento clínico, também não há respaldo na Lei n. veterinário. Discute-se a necessidade de registro no 5.517/68 para exigir-se a submissão dessa atividade ao Conselho Regional de Medicina Veterinária de sociedades controle do conselho de medicina veterinária, seja por
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meio do registro da pessoa jurídica, seja pela contratação AGU Objetiva
de responsável técnico, ainda que essa fiscalização seja desejável. Nos termos da jurisprudência do STF, a limitação da liberdade do exercício profissional está sujeita à reserva legal qualificada, sendo necessário, além da previsão em lei expressa, a realização de um juízo de valor a respeito da razoabilidade e proporcionalidade das restrições impostas e o núcleo essencial das atividades por ela regulamentadas. Nesse sentido, nota-se o RE 511.961-SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJ 13/11/2009. O mesmo ocorre, por seu turno, no que concerne à venda de animais vivos. Isso porque, ainda que os animais expostos à venda demandem assistência técnica e sanitária, a atividade básica ou preponderante da pessoa jurídica, nesses casos, consiste na comercialização. Registre-se que, de acordo com a redação do art. 5º, alínea "e", da Lei n. 5.517/68, a direção técnica e sanitária dos estabelecimentos comerciais que exponham animais ou produtos de sua origem apenas ocorrerá se possível. Desse modo, ainda que se compreenda o contexto histórico em que foi inserida a expressão "sempre que possível", não cabe conferir-lhe interpretação extensiva, haja vista o regime da estrita legalidade que vigora no âmbito das limitações ao exercício da atividade profissional. Considerando-se que a comercialização de animais não se enquadra entre as atividades privativas do médico-veterinário, as pessoas jurídicas que exploram esse mercado estão desobrigadas de efetivarem o registro perante o conselho profissional respectivo e, como decorrência, de contratarem, como responsáveis técnicos, profissionais nele inscritos. (REsp 1.338.942-SP - Temas 616 e 617/Inf. 602). Inteiro teor do julgado aqui. 03. Processo administrativo disciplinar. Demissão. Art. 71 do Código Penal. Continuidade delitiva. Inaplicabilidade ao caso. Há fatos ilícitos administrativos que, se cometidos de forma continuada pelo servidor público, não se sujeitam à sanção com aumento do quantum sancionatório previsto no art. 71, caput, do CP. A controvérsia limita-se a definir se é possível a admissão da continuidade delitiva no processo administrativo disciplinar. É dizer, busca o servidor que as suas condutas sejam apuradas em um único processo administrativo disciplinar no qual se considere a segunda extensão da primeira, esta, diga-se, já sancionada com a suspensão de 90 dias. Em sede de processo administrativo disciplinar a Quinta Turma deste Superior Tribunal já teve a oportunidade de decidir que "Incabível a incidência, por analogia, da regra do crime continuado, prevista no art. 71 do Código Penal, porque a aplicação da legislação penal ao processo administrativo restringe-se aos ilícitos que, cometidos por servidores, possuam também tipificação criminal (RMS 19.853-MS, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 8/2/2010)". Efetivamente, a conclusão no sentido da unicidade das condutas exige, impreterivelmente, o exame não só das ações ou omissões praticadas pelo servidor público, mas também a adequação de cada uma delas ao tipo ou tipos administrativos sancionadores correspondentes, e se a sanção disciplinar pelo ilícito oferece margem a tratamento mais benéfico ao servidor faltoso quando evidenciadas, em tese, infrações na forma continuada. Em outros termos, há fatos ilícitos administrativos que, se cometidos de forma continuada pelo servidor público, são impassíveis de se sujeitar a
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sanção com aumento do quantum sancionatório, justamente porque não se pode tratar de aumento quando a sanção administrativa, por sua natureza, inadmitir a unidade ficta em favor do agente. (REsp 1.471.760-GO/Inf. 602). Inteiro teor do julgado aqui. 04. Licitação e contratos. Contratação de militar licenciado para prestar consultoria à empresa que celebra contrato com o Exército Brasileiro. Violação dos art. 9º da Lei n. 8.666/1993 e 7º da Lei n. 10.502/2002. Comportamento inidôneo. Caracterização. O fato de o servidor estar licenciado não afasta o entendimento segundo o qual não pode participar de procedimento licitatório a empresa que possuir em seu quadro de pessoal servidor ou dirigente do órgão contratante ou responsável pela licitação. Trata-se, originalmente, de mandado de segurança impetrado por empresa privada, participante de processo licitatório, contra ato do Comandante do 59º Batalhão de Infantaria Motorizado, órgão vinculado ao Ministério da Defesa, para que seja declarada a ilegalidade de sanções, que foram aplicadas em processo administrativo, em razão de existência de comportamento inidôneo por parte da impetrante. Sustentou a empresa licitante que sua conduta de contratar servidor licenciado do órgão público para assessoramento na execução dos contratos administrativos não se amolda a nenhuma das ações ilícitas enumeradas no art. 7º da Lei n. 10.520/2002. Com efeito, o art. 9º, III, da Lei n. 8.666/1993 dispõe que não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários o servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação. Desse modo, cinge-se aos autos a falta cometida pela empresa e o desrespeito às normas de licitação e contratos, com a contração de sargento do Exército Brasileiro que, em razão da sua atuação em setor específico da Força Terrestre, detinha plena experiência na condução do serviço objeto da licitação. Caracterizada, portanto, a conduta inidônea da empresa, com a quebra de confiança da Administração, o que vai de encontro aos dispositivos legais sob análise. Consigne-se, por fim, que, consoante o entendimento da Primeira Turma deste STJ, "não pode participar de procedimento licitatório a empresa que possuir em seu quadro de pessoal servidor ou dirigente do órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação (...) O fato de estar o servidor licenciado, à época do certame, não ilide a aplicação do referido preceito legal, eis que não deixa de ser funcionário o servidor em gozo de licença" (REsp 254.115-SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 14/8/2000). (REsp 1.607.715-AL/Inf. 602). Inteiro teor do julgado aqui. CIVIL E PROCESSO CIVIL 01. Ciência inequívoca da penhora “on-line”. Termo a quo para impugnação. Intimação formal. Prescindibilidade. O termo inicial do prazo para apresentar impugnação ao cumprimento de sentença é contado a partir da ciência inequívoca do devedor quanto à penhora “on-line” realizada, não havendo necessidade de sua intimação formal. A divergência consiste na necessidade de intimação formal da parte para apresentar impugnação à fase de cumprimento de sentença, mesmo após comparecimento espontâneo nos autos. Em um primeiro
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momento, acentua-se que o CPC/1973 continha disposição AGU Objetiva relativa ao comparecimento espontâneo nos autos como forma de suprir a citação, conforme artigo 214, § 1º. Destaca-se que tal previsão foi ampliada no Novo Código de Processo Civil, que atualmente expõe no § 1º do artigo 239 que "O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução." Ora, se a própria lei preconiza ser desnecessário o ato formal de citação quando a parte comparecer espontaneamente aos autos, maior razão dispensá-lo em casos de intimações. Explica-se. A citação é o ato formal que tem por finalidade cientificar à parte da existência da demanda para formação da relação processual. No processo de conhecimento, a consequência jurídica prevista no Código de Processo Civil para aquele que não apresenta resposta no processo é a revelia, com presunção relativa de veracidade dos fatos. Assim, se o comparecimento espontâneo da parte ao processo supre a falta de citação, inexiste motivo para se exigir uma intimação formal do devedor para apresentar impugnação ao pedido de cumprimento de sentença, quando já existe, inclusive, provimento jurisdicional favorável ao credor. Comparando-se com execução de título extrajudicial, se o devedor comparecer espontaneamente aos autos e não apresentar embargos à execução, seu prazo será escoado a contar do comparecimento espontâneo. Ora, em se tratando de fase de cumprimento de sentença existe maior motivo para evitar formalidade exagerada, sendo, portanto, desnecessária a intimação para início do prazo de impugnação quando demonstrada ciência inequívoca do devedor quanto à penhora realizada nos autos. A parte não pode se valer de sua própria torpeza, comparecendo ao processo espontaneamente e a posteriori alegar que não foi iniciado seu prazo, pugnando pela expedição formal de ato de intimação para tão somente praticar o ato processual. Por fim, observa-se que a jurisprudência do STJ entende ser desnecessária intimação para apresentação de impugnação à fase de cumprimento de sentença quando a parte deposita espontaneamente, sendo a data do depósito o termo a quo para a impugnação. O mesmo raciocínio deve ser aplicado quando houver penhora "on-line" de ativos financeiros e existir nos autos prova cabal de ciência inequívoca da parte devedora quanto à penhora realizada, pois a parte expressamente manifestou-se nos autos impugnando liberação de valores. (EREsp 1.415.522-ES/Inf. 601). Inteiro teor do acórdão aqui. 02. Litigância de má-fé. Dano processual. Desnecessidade de demonstração para aplicação da multa a que alude o art. 18 do CPC/1973. *O dano processual não é pressuposto para a aplicação da multa por litigância de má-fé a que alude o art. 18 do CPC/1973*. A discussão posta resume-se a verificar se, para a configuração de litigância de má-fé, nos termos do art. 18 do CPC/73, com a consequente aplicação de penalidade, o dano processual é pressuposto. A multa aplicada reflete mera sanção processual, que não tem o objetivo de indenizar a parte adversa e, por esse motivo, não exige, para sua aplicação, a comprovação inequívoca da ocorrência de dano processual. Justamente por não exigir tal comprovação é que se mostra possível o
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reconhecimento de ofício da litigância de má-fé, com a aplicação da multa correspondente. Vale ressaltar que, para fins de responsabilidade processual, diversamente, é que se mostra imprescindível a prova do efetivo prejuízo sofrido pela parte adversa, do que não se trata a hipótese analisada. (REsp 1.628.065MG/Inf. 601). Inteiro teor do acórdão aqui. 03. Exoneração de alimentos. Maioridade civil. Doença mental. Recebimento de Benefício Assistencial. É presumida a necessidade de percepção de alimentos do portador de doença mental incapacitante, devendo ser suprida nos mesmos moldes dos alimentos prestados em razão do Poder Familiar, independentemente da maioridade civil do alimentado. Trata-se de ação de exoneração de alimentos lastreada, tão só, no advento da maioridade civil do alimentado portador de doença mental crônica incapacitante que o impede de cuidar de si próprio ou de seus pertences, devendo estar continuamente sob amparo de familiares e em tratamento psiquiátrico. Na origem, o argumento determinante para exonerar o alimentante foi o fato de o alimentado passar a receber Benefício de Prestação Continuada (BPC), garantido pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei n. 8.742/1993) à pessoa com deficiência de qualquer idade e com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo. Fixadas essas premissas, convém destacar que a obrigação alimentar relativa a filho maior, porém incapaz, embora migre, tecnicamente, dos alimentos devidos em face do Poder Familiar para alimentos devidos por vínculo de parentesco, não importa em significativa alteração quanto à abrangência desses alimentos. Essa assertiva decorre, entre outras regulações, do quanto preconizado no art. 8º da Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que fixa a obrigação da família de assegurar à pessoa com deficiência que não possa prover o próprio sustento, a efetivação de toda a gama de direitos relativos a seu bemestar pessoal, social e econômico. Sob esse foco é de se ver que o julgador, diante do pedido formulado por um possível alimentado, não se volta inicialmente para a capacidade do alimentante, mas procura encontrar, diante da análise dos elementos que dispõe e do que vislumbra ser as necessidades do alimentado, o ideal dos alimentos ad necessitatem. Exsurge, da visão conceitual do processo de fixação dos alimentos, que possível aumento na renda do alimentado somente importará em redução, ou exoneração dos alimentos, se ela suprir o ideal de necessidade daquele alimentado. Cotejando essa teórica fórmula de fixação de alimentos com as bases fáticas construídas na origem, nos diz as máximas da experiência, que os gastos teóricos necessários para a manutenção do bem-estar de filho que tenha grave comprometimento mental, usualmente ultrapassam, em muito, a capacidade financeira dos seus genitores, razão pela qual, nessas circunstâncias, fixa-se o valor dos alimentos, não pela necessidade do alimentado, mas pela possibilidade do alimentante. Nesse contexto, o Benefício de Prestação Continuada recebido pelo alimentado, que equivale a um salário mínimo, por óbvio lhe agregou significativa qualidade de vida, mormente por se considerar a situação de penúria absoluta que deveria existir antes da sua percepção. Mas como se observa do cotidiano de famílias nas quais um dos membros é acometido de doença mental incapacitante, esse valor é
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ínfimo se comparado AGU Objetiva
às efetivas necessidades dessa pessoa. E essa verdade se perpetua, mesmo que a esse benefício sejam acrescidos alimentos correspondentes a 30% do salário mínimo. É dizer: mesmo com a soma do benefício assistencial e a pensão alimentícia, os valores carreados para a manutenção do alimentado, ficarão bem aquém de suas reais necessidades. (REsp 1.642.323MG/Inf. 601). Inteiro teor do acórdão aqui. 04. Contrato de venda a crédito de bem móvel. Cláusula de reserva de domínio. Mora do comprador. Comprovação. Notificação extrajudicial. Possibilidade. A mora do comprador, na ação ajuizada pelo vendedor com o intuito de recuperação da coisa vendida com cláusula de reserva de domínio, pode ser comprovada por meio de notificação extrajudicial enviada pelo Cartório de Títulos e Documentos. A controvérsia trazida a debate consiste em definir se, na ação de apreensão e depósito de bem objeto de contrato de venda com reserva de domínio, a comprovação da mora do comprador somente pode ocorrer mediante protesto. Nos termos do art. 526 do CC/02, na hipótese de mora do comprador no adimplemento das prestações, abrem-se ao vendedor duas alternativas: a) o ajuizamento de ação para a cobrança das prestações vencidas e vincendas, com os acréscimos legais; ou, b) a recuperação da posse da coisa vendida. Como se extrai da literalidade do mencionado dispositivo legal, essas alternativas são excludentes entre si: cabe ao vendedor optar pela cobrança das prestações em atraso e do saldo devedor em aberto – o inadimplemento resulta no vencimento antecipado da dívida – ou pelo exercício de seu direito potestativo de desconstituição do negócio jurídico, por meio da recuperação da coisa vendida (o que não prejudica seu direito à compensação pela depreciação do bem e outras despesas decorrentes do inadimplemento, conforme o disposto no art. 527 do CC/02). Independentemente da opção exercida pelo vendedor, é imprescindível “a constituição do comprador em mora”, que, nos termos do art. 525 do CC/02, ocorre mediante protesto do título ou interpelação judicial. A redação desse dispositivo legal pode levar à equivocada compreensão de que a mora do comprador apenas se caracteriza a partir do ato do protesto ou da interpelação judicial. Contudo, não é esse o verdadeiro alcance da norma. Com efeito, deve ser observado que a mora do comprador se configura com sua simples omissão em efetuar o pagamento das prestações ajustadas, haja vista que essas têm data certa de vencimento. É, portanto, mora ex re, cujos efeitos – a exemplo da incidência de juros – se operam a partir do inadimplemento. Nesse contexto, a determinação contida no art. 525 do CC/02 para o protesto do título ou a interpelação judicial não tem a finalidade de transformar a mora ex re em ex persona. A regra estabelece, apenas, a necessidade de comprovação da mora do comprador como pressuposto para a execução da cláusula de reserva de domínio, tanto na ação de cobrança das prestações vencidas e vincendas, como na ação de recuperação da coisa. Visa o ato, desse modo, conferir segurança jurídica às partes, funcionando, também, como oportunidade para que o comprador, adimplindo as prestações, evite a retomada do bem pelo vendedor. O advento da nova codificação civil impõe uma exegese sistêmica da questão, de modo a admitir a documentação da mora do comprador por meio de quaisquer dos instrumentos previstos no parágrafo único do art. 397, quais sejam:
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a) o protesto; b) a interpelação judicial; e, c) a notificação extrajudicial. Por fim, convém salientar que, com a vigência do CPC/2015, essa aparente antinomia entre as regras processuais e o CC/02 restou superada, pois o novo CPC deixou de regulamentar o procedimento especial da ação de apreensão e depósito. Desse modo, a partir da vigência do CPC/2015, a venda com reserva de domínio encontra disciplina exclusiva no CC/02, aplicando-se, quando as partes estiverem em Juízo, as regras relativas ao procedimento comum ordinário ou, se for o caso, das normas afetas ao processo de execução. (REsp 1.629.000-MG/Inf. 601). Inteiro teor do acórdão aqui. 05. Honorários advocatícios. Natureza jurídica. Lei nova. Marco temporal para a aplicação do CPC/2015. Prolação da sentença. Os honorários advocatícios nascem contemporaneamente à sentença e não preexistem à propositura da demanda, devendo observar as normas do CPC/2015 nos casos de decisões proferidas a partir de 18/3/2016. De início, destaca-se que a Corte Especial do STJ se posicionou que o arbitramento dos honorários não configura questão meramente processual, mas sim questão de mérito apta a formar um capítulo da sentença (REsp 1.113.175-DF, Rel. Min. Castro Meira, DJe 7/8/2012). Estabelecida a natureza jurídica dos honorários de sucumbência, mister fixar o marco temporal para a aplicação das novas regras previstas no CPC/2015. Neste ponto, a jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a sucumbência é regida pela lei vigente na data da sentença (REsp 783.208-SP, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 21/11/2005). Verifica-se, portanto, que os honorários nascem contemporaneamente à sentença e não preexistem à propositura da demanda. Assim sendo, aplicar-se-ão as normas do CPC/2015 nos casos de sentença proferida a partir de sua vigência (18/3/2016). (REsp 1.636.124AL/Inf. 602). Inteiro teor do julgado aqui. 06. Associação civil. Art. 1.023 do CC/02. Inaplicabilidade. O art. 1.023 do CC/02 – que trata da responsabilidade dos sócios da sociedade simples – não se aplica às associações civis. O propósito do recurso especial é a discussão acerca da necessidade de comprovar abuso da personalidade jurídica, nos termos do art. 50 do CC/2002, para que os administradores de uma associação civil sejam responsabilizados por dívidas desta, quando os bens sociais forem insuficientes para cobrir suas dívidas. Em resumo, se é aplicável o art. 1.023 do CC/02 às associações civis. Inicialmente, vale considerar que a lei civil atual foi mais rigorosa que o diploma anterior, ao não empregar o termo “sociedade” para se referir a esse tipo de pessoa jurídica (associação civil), pois se tratam de dois fenômenos muitos distintos. Aliás, do ponto de vista doutrinário, é impossível confundir sociedade civil com associação, pois: “nas primeiras [sociedades civis], há o fito de lucro, enquanto, nas segundas [associações], inexiste finalidade lucrativa. O objetivo das associações é puramente cultural, beneficente, altruísta, religioso, esportivo ou moral”. Diante de tais premissas, ressaltese que uma simples análise topográfica do art. 1.023 do CC/2002 demonstra que seu conteúdo trata das relações das sociedades simples com terceiros, de modo a estabelecer uma relação subsidiária dos sócios pelas dívidas contraídas pela sociedade, quando esta não
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conseguir adimpli-las. Nessas situações, aliás, não se trata AGU Objetiva
propriamente de desconsideração da personalidade jurídica, mas de mera subsidiariedade de responsabilidade, como bem destacado no julgamento do REsp 895.792-RJ, Terceira Turma, DJe 25/4/2011. A possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica de associação civil é ainda muito pouco assentada na doutrina e na jurisprudência, principalmente em razão de suas características muito peculiares se comparadas com as sociedades empresárias. Veja-se que, ao se desconsiderar a personalidade jurídica de uma associação, pouco restará para atingir, pois os associados não mantêm qualquer vínculo jurídico entre si, por força do art. 53 do CC/02. De qualquer forma, para a correta solução da presente controvérsia, basta a compreensão de que – independentemente de como poderia ocorrer uma eventual desconsideração de associação civil – não se aplica à hipótese dos autos o disposto no art. 1.023 do CC/02. (REsp 1.398.438-SC/Inf. 602). Inteiro teor do julgado aqui. 07. Ação de prestação de contas. Abuso de mandato. Excesso de condenação. Juros de mora. Termo inicial. Citação. Relação contratual. Reconhecido o abuso de mandato por desacerto contratual, em razão de o advogado ter repassado valores a menor para seu mandatário, o marco inicial dos juros moratórios é a data da citação, nos termos do artigo 219 do CPC/73. O principal questionamento jurídico aventado no recurso especial consiste em saber qual o marco inicial dos juros de mora, que tem por base o reconhecimento de abuso no exercício do mandato por parte dos procuradores da parte autora em processo judicial; se da data da citação (art. 405 do CC/02) ou a partir do ato ilícito consistente no abuso do exercício do mandato (art. 398 do CC/02). Inicialmente, cabe destacar que o precedente indicado como paradigma da alegada divergência jurisprudencial – REsp 249.382-RS, de relatoria do Ministro Ruy Rosado Aguiar, DJ 26/6/2000 –, não se aplica à hipótese em análise. Isso porque, apesar de os dois casos se referirem a figura jurídica do abuso de mandato, no paradigma o procurador apropriou-se da quantia pertencente aos seus mandatários, sem entregar qualquer valor que recebera em decorrência de cessão de direitos de herança. No presente caso, diversamente, observa-se um desacerto contratual, consubstanciado na falta de convergência quanto ao montante correto, em razão de divergência na interpretação de cláusula contratual. Portanto, apesar de, em ambos os casos, ser discutida a figura jurídica do abuso no exercício de mandato, seja por não repassar ou por repassar a menor quantia devida, tem-se que, na segunda hipótese, tendo sido a mora declarada pelo Poder Judiciário ao interpretar a cláusula contratual controvertida, não se aplica a razão de decidir do paradigma (quebra do princípio da confiança por apropriação de valores que não pertenciam ao mandatário - crime de apropriação indébita). Com efeito, o termo inicial dos juros moratórios não é determinado pela modalidade de dano a ser reparado, mas a partir da natureza da relação jurídica mantida entre as partes, podendo ser contratual ou extracontratual. Sendo assim, decorrendo a mora de desacerto contratual em torno da interpretação de cláusula do contrato, a citação deve ser o marco inicial da fluência dos juros moratórios, nos termos do art. 219 do CPC de 1973. Isto
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é, exige-se a prévia constituição em mora do devedor, com a consequente interpelação judicial, para sua ciência da pretensão autoral acerca de valores repassados a menor. (REsp 1.403.005-MG/Inf. 602). Inteiro teor do julgado aqui. 08. Contrato de locação. Responsabilidade solidária entre locatário e fiador. Propositura de execução apenas em relação ao fiador. Citação. Interrupção da prescrição que não prejudica o devedor principal. Exceção ao § 3º do art. 204 do CC/2002. Impossibilidade de extensão em sentido inverso. A interrupção do prazo prescricional operada contra o fiador não prejudica o devedor afiançado, salvo nas hipóteses em que a relação seja reconhecida como de devedores solidários. A prescrição é a perda da pretensão inerente ao direito subjetivo, em razão da passagem do tempo. Sobre o tema, a legislação civil dispõe sobre diversas causas interruptivas desta (art. 202 do CC/02) e que acarretam o início da recontagem por inteiro do prazo prescricional. A norma estabelece, ainda, o caráter pessoal do ato interruptivo, pois somente aproveitará a quem a promover ou prejudicará aquele contra quem for dirigida, nos termos do art. 204, caput, do CC/02. Outrossim, de acordo com o disposto no § 3º do citado normativo legal, excepcionalmente, “a interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador”. Nessa ordem de ideias, há que se definir se a conclusão inversa também pode ser tida como verdadeira, isto é, se o ato interruptivo da prescrição, resultante da citação do fiador no âmbito da execução de título extrajudicial, se estende ao devedor principal. Com efeito, verifica-se que, em regra, a interrupção operada contra o fiador não prejudica o devedor afiançado, haja vista que o principal não acompanha o destino do acessório e, por conseguinte, a prescrição continua correndo em favor deste. Não se pode olvidar, ademais, que, como disposição excepcional, a referida norma deve ser interpretada restritivamente, e, como o legislador previu, de forma específica, apenas a interrupção em uma direção – a interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador – não seria de boa hermenêutica estender a exceção em seu caminho inverso. De outro turno, e apesar de a regra geral apontar para uma responsabilidade de natureza subsidiária do fiador – que apenas será responsabilizado caso o devedor principal não tenha patrimônio suficiente para garantir a execução – excepcionalmente, a interrupção em face do fiador poderá, sim, acabar prejudicando o devedor principal, nas hipóteses em que a referida relação for reconhecida como de devedores solidários. Sendo assim, caso renuncie ao benefício ou se obrigue como principal pagador ou devedor solidário, a sua obrigação, que era subsidiária, passará a ser solidária, e, a partir de então, deverá ser norteada pela sistemática estabelecida nos arts. 275 a 285 da lei civil. Por fim, apesar de afastada a exceção do § 3° do art. 204, verificase que haverá a subsunção do fato com a previsão do § 1°, segundo a qual "a interrupção efetuada contra o devedor solidário envolve os demais e seus herdeiros". (REsp 1.276.778-MS/Inf. 602). Inteiro teor do julgado aqui. CONSTITUCIONAL 01. Fornecimento de medicação gratuita. Dever do Estado.
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Direito fundamental à vida e à saúde. Ausência de perda AGU Objetiva
do objeto. Não há perda do objeto em mandado de segurança cuja pretensão é o fornecimento de leite especial necessário à sobrevivência de menor ao fundamento de que o produto serve para lactentes e o impetrante perdeu essa qualidade em razão do tempo decorrido para a solução da controvérsia. Cinge-se a discussão a definir se há a perda do objeto em demanda cuja pretensão é o fornecimento de leite especial de uso contínuo a portador de alergia alimentar, considerando que o produto serve para lactentes e o impetrante já não detém essa qualidade. Inicialmente, vale destacar que a efetivação da tutela in casu está relacionada à preservação da saúde do indivíduo, de modo que a ponderação das normas constitucionais deve privilegiar a proteção do bem maior que é a vida. A propósito, em consonância com os arts. 6º e 196 da CF, a Lei n. 8.080/90 determina em seus arts. 2º e 4º que a saúde pública consubstancia direito fundamental do homem e dever do Poder Público. Ressalte-se, ainda, que o Sistema Único de Saúde possui, dentre as suas atribuições, a universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; e a integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema (art. 7º da Lei n. 8.080/90). Comprovado o acometimento do indivíduo, ou de um grupo, por determinada moléstia e necessitando de medicamento para a combater, este deve ser fornecido pelo Estado de modo a atender ao princípio maior da garantia à vida e à saúde. Especificamente sobre o tema controvertido, a Segunda Turma do STJ, por ocasião do julgamento do REsp 900.487-RJ, DJ 28/2/2007, já decidiu que “a negativa de fornecimento de um medicamento de uso imprescindível ou, no caso, de leite especial de que a criança necessita, cuja ausência gera risco à vida ou grave risco à saúde, é ato que, per si, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro plano.” Sendo assim, como é direito fundamental da pessoa e dever do Poder Público garantir a saúde e a vida, não há falar que o pleito se tornou infrutífero haja vista o decorrer do tempo até a solução da demanda. Ademais, cumpre destacar que a necessidade ou não do fornecimento de leite especial para a criança deverá ser apurada em fase de execução, quando será conferida oportunidade ao demandante para comprovar suas alegações. Nesta fase, também vale lembrar que, na impossibilidade do acolhimento do pedido principal formulado na exordial, em virtude da longa discussão judicial acerca do tema, nada impede que a parte requeira a conversão em perdas e danos. Desse modo, não é possível afastar a responsabilidade do Estado mediante a alegação de perda de objeto, cabendo ao Ente demandado judicialmente prover a prestação dos serviços necessários à saúde do requerente, sob pena de ofensa ao direito fundamental à saúde. (AgRg no RMS 26.647RJ/Inf. 601). Inteiro teor do acórdão aqui. 02. Promotor de Justiça. Ação civil para a perda do cargo. Prática de crime. Prazo prescricional. Termo a quo. Trânsito em julgado para a acusação da decisão proferida no feito criminal. Extinção da punibilidade que não impede o ajuizamento de ação cível. Independência das instâncias cível e penal. Na hipótese de membro de
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Ministério Público Estadual praticar falta administrativa também prevista na lei penal como crime, o prazo prescricional da ação civil para a aplicação da pena administrativa de perda do cargo somente tem início com o trânsito em julgado da sentença condenatória na órbita penal. O regime jurídico dos membros do Ministério Público, no que concerne à previsão de perda do cargo, obedece ao disposto no art. 38, § 1º, da Lei Orgânica Nacional n. 8.625/93. Embora seja sabido que as instâncias cível, administrativa e penal são independentes e que a vinculação automática somente existe quando, na seara penal, se reconhece a negativa do fato ou da autoria, no caso específico do regime jurídico dos membros do Ministério Público existe uma particularidade: a ação cível para decretação da perda do cargo – hipótese analisada – somente pode ser proposta, depois de transitada em julgado a sentença proferida em ação penal, quando houver a prática de crime incompatível com o exercício do cargo. Ou seja, uma das condições de procedibilidade da ação civil para perda do cargo depende da existência de decreto condenatório proferido no juízo criminal. Diante dessas premissas é que exsurge a principal controvérsia dos autos, a respeito do termo inicial do prazo prescricional para tais hipóteses. Quando a lei determina que a ação civil para perda do cargo somente deve ser ajuizada após o trânsito em julgado da sentença penal, nos casos em que a falta funcional corresponde a uma conduta criminosa; por decorrência lógica, o prazo de prescrição somente pode iniciar-se, no bojo da ação civil de perda do cargo, contado do trânsito em julgado da sentença condenatória na órbita penal. É de se notar a diferença quanto aos casos de processos criminais contra servidores públicos (não no caso dos membros do Ministério Público), quando a prescrição corre no processo administrativo disciplinar. É que, nesses casos, inexiste necessidade de aguardar o deslinde na esfera criminal. A diferença dessas premissas para a hipótese em exame é total. No presente debate, a garantia dada aos membros do Ministério Público de não poderem perder o cargo, senão por meio de ação civil própria e depois da sentença criminal transitada em julgado (prerrogativa que os demais servidores não possuem), não pode se transmudar em óbice para a punição justa e adequada. Pensar o contrário seria admitir a possibilidade de que a ação civil pública para perda do cargo sempre ficaria no aguardo de que a ação criminal fosse rápida e atingisse o trânsito em julgado, antes que o lapso prescricional (seja pela pena em abstrato, seja pena em concreto) incidisse no caso. Uma interpretação nesse patamar, além de contraditória, porquanto levaria à conclusão de que, mesmo impedindo de ingressar com uma demanda, ainda assim haveria um prazo prescricional correndo contra si, desborda de qualquer lógica jurídica. É dizer: prescrição somente ocorre quando alguém, podendo agir, deixa de fazê-lo, no tempo oportuno; não quando deixou de agir ex lege. (REsp 1.535.222-MA/Inf. 601). Inteiro teor do acórdão aqui. CONSUMIDOR 01. Cadastro de inadimplentes. Título quitado. Inscrição indevida. Negócio frustrado. Valor objeto do contrato não aperfeiçoado. Ressarcimento. Efetivo prejuízo. Ausência.
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Dano emergente. Inexistência. O valor que seria objeto AGU Objetiva
de mútuo, negado por força de inscrição indevida em cadastro de inadimplentes, não pode ser ressarcido a título de dano emergente. A princípio, salienta-se que o parâmetro de ressarcimento do dano material é fixado pelo art. 402 do Código Civil, que dispõe: "Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar". A partir do mencionado dispositivo, a doutrina classifica a reparação material como dano emergente, compreendendo "o efetivo prejuízo, a diminuição patrimonial sofrida pela vítima", e lucro cessante que é a "frustração da expectativa de lucro." Sob a influência deste conceito, a jurisprudência do STJ firmou posicionamento no sentido de que as indenizações por danos emergentes, em nenhuma hipótese, serão concedidas sem suporte na realidade fática (REsp 1.496.018-MA, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 6/6/2016). No caso em análise, constata-se que a negativa do mútuo não representou qualquer alteração no patrimônio da vítima, antes ou depois do ilícito (negativação indevida), já que impediu tanto o acréscimo de bens quanto a aquisição da dívida equivalente. Nessa perspectiva, admitir-se o reconhecimento de dano emergente pelo valor que seria objeto do mútuo frustrado seria, por via oblíqua, autorizar a teratológica condenação com liquidação equivalente a "dano zero" ou "sem resultado positivo". Dessa forma, não há perda material efetiva pela conduta da negativa de crédito, carecendo o ressarcimento por dano emergente de suporte fático, consistindo a condenação, nessas condições, em verdadeira hipótese de enriquecimento ilícito. (REsp 1.369.039-RS/Inf. 602). Inteiro teor do julgado aqui. EMPRESARIAL 01. Falência. DL 7.661/1945. Extinção das obrigações do falido. Decurso do prazo de cinco anos. Prova da quitação de tributos. Desnecessidade. Nos processos de falência ajuizados anteriormente à vigência da Lei n. 11.101/2005, a decretação da extinção das obrigações do falido prescinde da apresentação de prova da quitação de tributos. Inicialmente, cabe ressaltar ser cediço que as obrigações da sociedade empresária não são extintas pelo simples encerramento da falência, permanecendo exigíveis até seu adimplemento ou decretação de prescrição ou decadência – inclusive em relação à pessoa física dos sócios, na hipótese de sua responsabilização pessoal. Nesse sentido, confira-se o REsp 883.802-DF, 3ª Turma, DJe 12/5/2010. Uma vez encerrada a falência, cumpre ao falido requerer, na forma preconizada pelos arts. 134 e seguintes do DL 7.661/1945 (diploma legal incidente na espécie, por força do disposto no art. 192 da Lei n. 11.101/2005), a extinção de suas obrigações. De acordo com o previsto no art. 135, III, da antiga Lei de Quebras, o decurso do prazo de cinco anos, contados a partir do encerramento da falência, extingue as obrigações, exceto se o falido ou o sócio gerente da sociedade empresária tiver sido condenado por crime falimentar. Conquanto não haja menção a respeito da necessidade de apresentação de certidões negativas de débitos fiscais nos artigos da antiga Lei de Falências que tratam do tema controvertido, o art. 191 do Código Tributário Nacional é taxativo: “a extinção das obrigações
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do falido requer prova de quitação de todos os tributos”. Ocorre, todavia, que essa exigência foi inserida no CTN pela Lei Complementar 118/2005, que foi sancionada concomitantemente com a nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101), em 9 de fevereiro de 2005. Antes da inserção desse requisito, vale dizer, na vigência da antiga Lei de Falências e Concordatas (hipótese dos autos), os créditos tributários não se sujeitavam à habilitação no processo falimentar, consoante se depreende do comando normativo inserto no art. 187 do CTN. Disso resulta que o Fisco, independentemente da formação do juízo universal, continua com a possibilidade de exercício de seu direito de cobrança judicial. A fixação dessa premissa – de que os créditos tributários não se sujeitam aos processos regidos pelo DL 7.661/1945 – autoriza a conclusão de que eles, por decorrência lógica, não apresentam relevância na fase final de encerramento da falência, na medida em que as obrigações do falido que serão extintas se cingem àquelas submetidas ao juízo falimentar, dentre as quais não se inserem as obrigações tributárias. Importa registrar, por fim, que a interpretação aqui assentada ressente-se de sustentação perante o regime instituído pela Lei n. 11.101/2005, haja vista que este prevê a participação do crédito tributário no concurso de credores (art. 83, III). (REsp 1.426.422-RJ/Inf. 601). Inteiro teor do acórdão aqui. 02. Fiança em locação de imóvel urbano. Prorrogação por prazo indeterminado. Manutenção da fiança. Irrelevância da falência do locatário. A decretação de falência do locatário, sem a denúncia da locação, nos termos do art. 119, VII, da Lei n. 11.101/2005, não altera a responsabilidade dos fiadores junto ao locador. A questão a ser apreciada consiste em determinar se, havendo a falência da locatária, a fiança de contrato de locação deve ser prorrogada, até a entrega das chaves, ou extinta, à luz do art. 39 da Lei n. 8.425/91. No julgamento dos EREsp 566.633/CE, em 22 de novembro de 2006, este Superior Tribunal passou a admitir a prorrogação da fiança nos contratos locatícios, contanto que expressamente prevista no contrato, normalmente valendo-se a expressão “até a entrega das chaves”. Houve uma alteração significativa no entendimento anteriormente existente, segundo o qual “O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu” (Súmula 214/STJ). Em 2009, refletindo a entendimento consolidado neste STJ, a redação do citado art. 39 foi alterada para prever expressamente que “salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei”. Vale destacar que na hipótese analisada, o fato de a locatária ter tido sua falência decretada poucos meses após a celebração do contrato de locação é incapaz de alterar a consequência jurídica da cláusula de fiança. De fato, o art. 119 da Lei n. 11.101/2005 dispõe expressamente que a falência do locador não resolve o contrato de locação e, na falência do locatário, o administrador judicial poderia denunciar o contrato de locação a qualquer tempo, mas, não tendo ocorrido a mencionada denúncia, os fiadores permanecem vinculados ao contrato de locação, mesmo com a decretação de falência do locatário. Com isso, não se
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estaria ampliando, AGU Objetiva
por meio de interpretação extensiva, o escopo do afiançado, pois os fiadores permanecem vinculados aos exatos termos do que foi celebrado originariamente. Portanto, mesmo com a decretação da falência – ante a ausência de denunciação do contrato de locação – os fiadores permanecem obrigados junto ao locador, nos exatos termos da fiança originariamente prestada no momento da celebração do contrato de locação. (REsp 1.634.048-MG/Inf. 602). Inteiro teor do julgado aqui. PENAL E PROCESSO PENAL Crime ambiental. Pesca em local proibido. Princípio da insignificância. Ausência de dano efetivo ao meio ambiente. Atipicidade material da conduta. Não se configura o crime previsto no art. 34 da Lei n. 9.605/1998 na hipótese em há a devolução do único peixe – ainda vivo – ao rio em que foi pescado. A controvérsia gira em torno da aplicação do princípio da insignificância à conduta de pescador que, ao retirar espécime do rio, não concretiza a pesca, pois realiza a devolução do peixe ainda vivo ao seu habitat. Sobre o tema, é cediço que a atipicidade material, no plano do princípio da insignificância, pressupõe a concomitância de mínima ofensividade da conduta, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada. Ademais, é entendimento desta Corte que somente haverá lesão ambiental irrelevante no sentido penal quando a avaliação dos índices de desvalor da ação e do resultado indicar que é ínfimo o grau da lesividade da conduta praticada contra o bem ambiental tutelado, isto porque não se deve considerar apenas questões jurídicas ou a dimensão econômica da conduta, mas deve-se levar em conta o equilíbrio ecológico que faz possíveis as condições de vida no planeta. Nesse sentido: HC 242.132-PR, Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 4/8/2014. Desse modo, tem-se que a devolução do peixe vivo ao rio demonstra a mínima ofensividade ao meio ambiente, circunstância registrada no "Relatório de Fiscalização firmado pelo ICMBio [em que] foi informado que a gravidade do dano foi leve, além do crime não ter sido cometido atingindo espécies ameaçadas". Outrossim, os instrumentos utilizados – vara de molinete com carretilha, linhas e isopor –, são de uso permitido e não configuram profissionalismo, contrariamente, demonstram o amadorismo do denunciado. Assim sendo, na ausência de lesividade ao bem jurídico protegido pela norma incriminadora (art. 34, caput, da Lei n. 9.605/1998), verifica-se a atipicidade da conduta. (REsp 1.409.051SC/Inf. 602). Inteiro teor do julgado aqui. PREVIDENCIÁRIO 01. Previdência complementar fechada. Regime financeiro de capitalização. Reajuste do benefício suplementar. Previsão regulamentar de paridade com os índices da previdência oficial. Extensão de aumentos reais. Inviabilidade. Nos planos de benefícios de previdência complementar administrados por entidade fechada, a previsão regulamentar de reajuste, com base nos mesmos índices adotados pelo Regime Geral de
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Previdência Social, não inclui a parte correspondente a aumentos reais. O ponto nodal da discussão consiste em saber se, em se tratando de plano de benefícios administrado por entidade de previdência complementar fechada, a previsão regulamentar de reajuste, com base nos mesmos índices adotados pelo Regime Geral de Previdência Social, garante também a extensão das taxas correspondentes a eventuais aumentos reais do benefício oficial. Inicialmente, cumpre consignar que previdência complementar e Regime Geral de Previdência Social são regimes jurídicos diversos e autônomos, com regramentos específicos, tanto em nível constitucional quanto infraconstitucional. No âmbito da CF, o art. 202 consagra o regime de financiamento por capitalização, ao estabelecer que a previdência privada tem caráter complementar, baseado na prévia constituição de reservas que garantam o benefício contratado, adesão facultativa e organização autônoma em relação ao regime geral de previdência social. Essas reservas, consagradas pela Lei n. 6.435/77, são atualmente regidas art. 1º da LC n. 109/2001. *Nessa toada, enquanto a previdência social adota o regime de repartição simples, que funciona em sistema de caixa, no qual o que se arrecada é imediatamente gasto, sem que haja, por regra, um processo de acumulação de reservas, a previdência complementar adota o de capitalização, que pressupõe a acumulação de recursos para a formação de reservas, mediante não apenas o recolhimento de contribuição dos participantes, assistidos e eventual patrocinador, mas também do resultado dos investimentos efetuados com essas verbas arrecadadas (que têm muita relevância para a formação das reservas para o custeio dos benefícios). É dizer, a Lei consagra o princípio, basilar ao regime de previdência complementar, de preservação da segurança econômica e financeira atuarial da liquidez, solvência e equilíbrio dos planos de benefícios, e afasta o regime de financiamento de caixa ou repartição, em que o acerto de contas entre receitas e despesas ocorre por exercícios. Com essas premissas, pode-se concluir que no regime de previdência privada não se admite a concessão de benefício algum sem a formação da prévia fonte de custeio, de forma a evitar o desequilíbrio atuarial nos planos de benefícios.* Aliás, a fórmula apropriada para eventual aumento real de benefício que acaso delibere o Conselho Deliberativo da entidade (Órgão administrativo máximo das entidades fechadas) é estabelecida pelo art. 20 da LC n. 109/2001 – em nítido prestígio ao regime de capitalização –, segundo o qual eventual resultado superavitário dos planos de benefícios das entidades fechadas – ao final do exercício, satisfeitas as exigências regulamentares relativas aos mencionados planos –, será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de 25% (vinte e cinco por cento) do valor das reservas matemáticas. Constituída a reserva de contingência, com os valores excedentes, será estabelecida reserva especial para a revisão do plano de benefícios que, se não utilizada por três exercícios consecutivos, determinará a revisão obrigatória do plano de benefícios – que poderá ser feita das mais diversas formas. Sendo assim, como o fundo formado pertence aos participantes e assistidos, o entendimento perfilhado pelo Tribunal de origem – no sentido de conferir interpretação extensiva ao “reajuste” estabelecido no Regulamento Básico da entidade
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previdenciária –, é incompatível com o art. 3º, VI, da LC AGU Objetiva
n. 109/2001. (REsp 1.564.070-MG/Inf. 601). (Tema 941). Inteiro teor do acórdão aqui.
TRIBUTÁRIO 01. ISS. Empresa de Correios e Telégrafos. Imunidade. Repetição de indébito. Art. 166 do CTN. Assunção de encargo financeiro pela empresa ou autorização pelos tomadores dos serviços. Inaplicabilidade da exigência de prova. A Empresa de Correios e Telégrafo pode pleitear à repetição do indébito relativo ao ISS sobre serviços postais, independentemente de provar ter assumido o encargo pelo tributo ou estar expressamente autorizada pelos tomadores dos serviços. Discute-se no recurso especial se, para repetir indébito relativo ao ISS sobre serviços postais, decorrente de imunidade que lhe foi reconhecida, a ECT teria de comprovar autorização do contribuinte de fato, nos termos do art. 166 do Código Tributário Nacional – CTN. Quanto à matéria, o Tribunal de origem presumiu que o tributo era repassado ao consumidor dos serviços postais, sendo necessária, portanto, a autorização deste para que se possa pleitear à repetição do indébito. Porém, resta claro que a presunção teria de ser contrária, em decorrência da norma contida no art. 12 do Decreto-lei 509/69, in verbis: “A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais.” Embora contestada por diversas Fazendas Municipais e Estaduais, a validade desse dispositivo sempre foi sustentada pelos Correios e pela Administração Federal, razão pela qual não tem razoabilidade presumir que, na composição das tarifas postais, o Ministério da Fazenda levasse em conta um ISS ou um ICMS que seriam repassados aos tomadores dos serviços, pois o seu entendimento sempre foi o de que a ECT não se sujeita ao pagamento destes impostos. Assim, a presunção seria exatamente aquela oposta à apontada alhures, ou seja, de que não havia repasse do custo do ISS ao consumidor final. Dessa forma, deve-se reconhecer o direito à repetição do indébito relativo ao ISS, afastando a necessidade de prova de a empresa ter assumido o encargo pelo tributo ou estar expressamente autorizada pelos tomadores dos serviços. (REsp 1.642.250-SP/Inf. 602). Inteiro teor do julgado aqui.
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