Desenho Afetivo

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diogo guimarães ladeira Orientadora- Profa. Dra. Solange Bigal

Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação

Universidade Estadual Paulista - UNESP

Design 2012



agradecimentos

Dedico este projeto a todas as pessoas que afetaram meu coração e especialmente a minha Mãe e minhãs irmãzinhas. Devo agradecer em primeiro lugar ao Vini pela generosidade. Sem você o projeto não teria acontecido. Obrigado Luís Gustavo (Uva), Maurício, Jú e Patrícia Pimenta por terem contribuído diretamente no projeto. Obrigado Giê, pelo amor, apoio e companheirismo. Agradeço também a todos que me incentivaram a entrar na Universidade e a todos que cruzaram meu caminho durante ela e deixaram suas contribuições. Aos Professores Solange Bigal e Dorival Rossi por fazerem a diferença. Ao Ricardo Tatto pela inspiração e exemplo. Ao meu primo e amigo Rodrigo Dezo por tudo! Obrigado Bruninha, Paty, Coutinho, Uva, Coisinha, Luquinha, Netão, Mugga, Xandão, Vitão e Abraão pelas ideias, trocas de experiências e CURTIÇÃO! E um agradecimento especial ao Lucão, Lilian e Hick. Vocês foram fundamentais para o meu crescimento pessoal!


Introdução Dentre todas as dúvidas que tive relacionas ao meu Projeto, havia uma certeza: eu gostaria de afetar e se afetado por pessoas através dele. A maior parte do meu conhecimento valioso eu adquiri em interação com as pessoas. Mesmo quando este conhecimento veio através de livros, ou filmes, estes me foram indicados por pessoas que eu considero especiais por esta contribuição. Durante a minha vida, passei a observar que a nossa relação com as pessoas funciona como uma balança, em que experiências são acumuladas: às vezes positivas em outras negativas. Dependendo da percepção que cultivamos ao longo do tempo, algum desses lados, positivo ou negativo, acaba prevalecendo. Neste processo de observação, percebi a possibilidade de aprender, mesmo a partir de relações com pessoas que representaram experiências negativas. Este foi meu ponto de mutação. Tudo se tratava de percepção, já que se eu passasse a olhar a pessoa por um outro angulo, aquele ponto negativo nem era mais um problema. A partir daí, passei a me concentrar em interações positivas com as pessoas. Adquiri incontáveis bons momentos, felicidades, novos hábitos e passei a acreditar, cada vez mais, no ser humano e em seu poder de afeto. Assim como a Pantera Cor-de-Rosa - que pinta de rosa tudo por onde passa - procuro pintar minhas interações com alegria e com amor. Sinto como se estivesse ganhando algo muito valioso interagindo desta maneira com as pessoas, a cada dia. Agora, eu gostaria de começar a retribuir.

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Retribuir por tudo o que eu venho aprendo com as pessoas através de uma retribuição verdadeira e pessoal. Foi aí que pensei em retribuir as pessoas com um desenho, inspirado em suas vidas. O desenho é no momento a forma mais pessoal que encontrei que possa expressar o que eu sinto e presentear alguém. Resumidamente, o processo seria conversar com as pessoas, fazendo com que elas olhem um pouquinho pra dentro de si, e lembrem do que as faz feliz, dos seus sonhos e da infância. O desenho seria baseado no relato dessas pessoas, a partir da minha interpretação pessoal e entregue a elas posteriormente, em uma forma de homenagem, simbolizando um breve, porém, intenso momento de atenção a suas vidas. Acredito muito que algum afeto positivo há de acontecer durante o processo, seja em mim, nas pessoas retratadas, ou em ambos. Entre as teorias que me serviram de base para este projeto, as que mais se destacam são as teorias da Alegria e Poder do Afeto de Espinosa encontradas no livro Espinosa: Filosofia Prática, de Gilles Deleuze. A necessidade de significar o espírito de retribuição que envolve o projeto, me leva a crer que ele permanecerá vivo. Para que esse objetivo se concretize, o projeto será materializado em um site, onde estarão postados o acervo de desenhos oriundos das conversas que realizei e das próximas pessoas que eu vier a homenagear durante essa minha caminhada. Espero ser um projeto pra toda a vida!

Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente. Henfil – cartunista, jornalista e escritor brasileiro 7


da alegria

Projeto Inside Out http://www.otherfocus.com

Não tendemos para uma coisa porque a julgamos boa; mas, ao contrário, julgamos que uma coisa é boa porque tendemos para ela. (Deleuze, 2002. p.27)

Segundo Deleuze (2002), para Espinosa a vida é uma maneira de ser, um mesmo modo eterno em todos os seus atributos. Nesse sentido, Espinosa não era o que se pode chamar de um crente convicto na esperança, ou mesmo na coragem, acreditava apenas nos poderes da alegria e da visão. Sendo a vida uma maneira de ser, há grande motivação no projeto de cultivar uma visão livre e inspirada pela alegria. Nos dias em que vivemos, 8


é comum notarmos as pessoas cada vez mais estressadas, cansadas e com a energia se esgotando, diante de tantos compromissos ou problemas para resolver. Muitas vezes isto se dá devido ao fato de as pessoas se esquecerem ou de não terem condições de fazer o que gostam. Diante de uma realidade cada vez mais estressante e agitada, a medida em que a vida passa, muitas pessoas se percebem cada vez mais distantes de seus sonhos, de sua alegria e de sua infância, onde a inspiração da alegria era uma condição quase que natural, espontânea e livre. Assim, encontro razões para concretizar meus objetivos de retribuição. Gostaria de poder incentivar as pessoas a fazer o que gostam, aumentando sua energia e, assim, se livrando pouco a pouco de seus afetos negativos. Neste sentido, Deleuze (2002) retoma a imagem positiva e afirmada da vida, descrita por Espinosa, em detrimento dos simulacros com os quais os homens se contentam. Em um mundo corroído pelo negativo, o filósofo conserva a confiança na vida e em sua potência. A leitura de Deleuze (2002) propõe que Espinosa trata o corpo e o espírito como conjuntos de partes vivas, que se compõe e decompõe segundo leis complexas, e afirma que “Quando um corpo encontra outro corpo, uma ideia, outra ideia, tanto acontece que as duas relações se compõe para formar um todo mais potente, quanto que um decompõe o outro e destrói a coesão de suas partes.” (p.25) Segundo ele, todo o ser humano tem dentro de si uma potencia de ser afetado.

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Do poder do Afeto

Filme: O Fabuloso Destino de Amélie Poulain

Segundo Deleuze (2002), um indivíduo é antes de mais nada uma essência singular, isto é, um grau de potência. A essa essência corresponde uma relação característica: o grau de potencia significa justamente o poder de ser afetado. Esse pode apresenta-se como potência para agir, quando é preenchido por afecções ativas e apresenta-se como potencia para padecer, quando é preenchido por paixões tristes. E nesta vida existem sempre Composições e Decomposições. Porém, como conseguir alcançar um máximo de paixões alegres, e, a partir daí, como passar aos sentimentos livres ativos (quando o nosso lugar na natureza parece condenar-nos aos maus encontros e as tristezas?) Como conseguir formar idéias adequadas, de onde emergem precisamente os sentimentos ativos ( quando a nossa condição natural parece condenar-nos a ter de nosso corpo, de nosso espírito e das outras coisas 10


apenas idéias inadequadas)? Como chegar a ser consciente de si mesmo, de Deus e das coisas ( quando a nossa consciência parece ser inseparável de ilusões)? Chega a ser quase impossível termos todas as respostas para essas questões, mas, a filosofia de da “vida” de Espinosa nos auxilia na busca por elas. Segundo Deleuze (2002), em sua filosofia, Espinosa busca denunciar tudo o que nos separa da vida, todos os valores transcendentes que se orientam contra a vida, vinculados às condições e às ilusões da nossa consciência. Assim, afirma que a vida está envenenada pela dicotomias Bem e Mal, falta e mérito, pecado e remissão. O que agrava ainda mais a situação é o ódio, e que muitas vezes é o ódio contra si mesmo, a culpabilidade. Sentimentos como a tristeza, a aversão, a zombaria, o temor, o desespero, a piedade, a inveja, a vergonha, a cólera e a vingança são todos resultado de um Afeto Negativo. E quando nos encontramos nessa condição, acabamos afetando outras pessoas com esta negatividade. Para o meu amigo Rafael Arrivabene, autor do livro Design Projeto Mutante, o amor deveria permear todo nosso cotidiano, cada ato e a maneira como fazemos cada coisa. Desde a relação com nossos parentes, amigos, até a relação com um mendigo desconhecido e mesmo àqueles que nos machuca. Cada atitude nossa reflete um estado interior e o propaga de alguma maneira. Acredito que quanto mais agimos dessa forma positiva criamos uma força e condição que nos ajudam a perseverar na nossa essência, na nossa alma.

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Faça o que você ama

Sr. Antônio e suas maritacas

Este é um tema muito abrangente e muitas vezes debatido de forma superficial, como se apenas fazer o que gosta fosse resolver a vida das pessoas. Apesar disso, acredito ser de fundamental importância para nossa sanidade psíquica nos dedicarmos ao que gostamos. Podemos até não conseguir viver apenas do que amamos, mas inserir em nossa rotina diária atividades que nos trazem prazer, revigora nossa mente e nosso estado de espírito. Esta foi uma das questões que eu gostaria de abordar no projeto e procurei fazer de forma sutil, indireta, pois, não sou autoridade no assunto. Decidi então, que ao menos eu faria o que amasse neste projeto, pois se desejamos uma mudança no mundo, que ela comece então em nós mesmos.

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Algumas referências me despertaram a atenção para esta abordagem, principalmente a série de Mini-Documentários O que é tristeza pra você?, criada pelo Coletivo Centro, que relata o que é a tristeza na visão de diferentes artistas, e o livro Flow, de Mihaly Csikszentmihalyi, que estuda os elementos-chave das atividades que levam o ser humano a encontrar a excelência em sua vida cotidiana. Apesar de tratarem de temas opostos, ambos têm uma forte relação entre si, uma vez que discutem a ausência de paixões no cotidiano das pessoas. No documentário O que é a Tristeza para você?, alguns artistas relatam que não se sentiam motivados, nem mesmo felizes antes de se dedicarem ao que amavam. É o caso do ilustrador Márcio Moreno, que estava iniciando um emprego em uma loja de materiais para construção, quando recebeu um conselho do próprio chefe para abandonar aquele emprego e se dedicar a arte, que era o seu grande sonho. Assim o fez, e hoje se sente feliz e realizado. Já o Artista Hélio Leites, além de já fazer o que ama, inspira e motiva pessoas a fazerem o mesmo, simplesmente com a sua presença e seu modo de ser. Ao ver o seu vídeo, fui instantaneamente afetado por suas colocações. Entre elas: “Quando agente procura o que fazer dentro da gente, acontece uma coisa incrível: A gente sempre acaba fazendo o que a gente gosta...e fazer o que agente não gosta é um desserviço pro espírito.” (Depoimento Hélio Leites. In: O que é tristeza pra você? – 2012) No livro Flow, traduzido para o português como “ A Descoberta do Fluxo”, Csikszentmihalyi (1999) explica o que acontece conosco enquanto estamos realizando algo de que gostamos muito: entramos em um estado de Fluxo, com a atenção concentrada, o que nos permite executar operações mentais com algum tipo de profundidade. Para uma pessoa passar por “experiências de fluxo”, ela precisa enfrentar desafios que envolvam um conjunto claro de metas, límpidas e compatíveis, que forneçam feedback imediato, ou seja, que deixem claro o seu desempenho. Além disso, as suas habilidades devem estar envolvidas na superação de um desafio que está no limite de sua capacidade de controle. Nessas condições, a atenção se ordena e recebe total investimento, de modo que a pessoa fica completamente concentrada, uma vez que sua energia psíquica está sendo exigida ao máximo. O seguinte trecho resume a essência da tese do autor:

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É o envolvimento pleno do fluxo, em vez da felicidade, que gera a excelência na vida. Quando estamos no fluxo, não estamos felizes, porque para experimentar a felicidade precisamos focalizar nossos estados interiores, e isso retiraria nossa atenção da tarefa que estamos realizando. Só depois de completada a tarefa é que temos tempo para olhar para trás e ver o que aconteceu, e então somos inundados com a gratidão pela excelência da experiência – desse modo, retrospectivamente, somos felizes

(CSIKSZENTMIHALYI, 1999. p. 39)

De acordo com Csikszentmihalyi (1999), os seres humanos deveriam ocupar suas horas livres com atividades que, segundo ele, tendem a produzir fluxo, como esportes, eventos de socialização, lazer ativo, etc. O problema é que nossa sociedade está produzindo uma geração de pessoas viciadas em entretenimento passivo, consumida em atividades que as mantém na inércia, como assistir televisão, por exemplo. Ao invés de nos preocuparmos tão somente com o futuro, deveríamos é investir nossa vontade e nosso tempo em atividades que nos façam apreciar a vida aqui e agora. Ainda segundo Csikszentmihalyi (1999) pode-se afirmar existência de indivíduos com uma personalidade chamada autotélica, que são aqueles que fazem as coisas por si mesmas, tendo a experiência como meta principal, no lugar de serem motivados por recompensas externas. Pessoas autotélicas não dependem de metas externas para se satisfazerem, uma vez que encontram gratificação nas tarefas por si mesmas. Para ter uma personalidade autotélica, é preciso investir energia psíquica no que ocorre ao seu redor, e se dedicar a atividades por elas mesmas, sem esperar uma resposta imediata. Preocupando-se menos consigo mesmas, essas pessoas possuem mais energia psíquica para experimentar a vida. É muito importante controlar nossa atenção, e dirigi-la para atividades que explorem nossas habilidades, nossas forças e virtudes. O mundo está cheio de coisas interessantes para fazer, e não há desculpas para ficar entediado.

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No meu caso... Este termo, “autotélico”, usado por Csikszentmihalyi (1999), nunca fez parte do meu vocabulário. Porém, seu significado já estava inserido em minhas representações há bastante tempo. Isto fui descobrindo aos poucos, desde quando comecei a criar caricaturas ainda na infância. Há pouco tempo, eu passei a refletir sobre fazer as coisas por uma motivação maior, que não esteja ligada ao valor material, ao dinheiro e etc. E cheguei a conclusão: comigo isto é possível através das caricaturas, uma vez que é um projeto pessoal, que surgiu de dentro pra fora e até hoje permanece assim. Percebo que posso até me sustentar com esta arte, mas este não o principal motivo para eu me dedicar a ela e, na verdade, acredito que nem haja um motivo, apenas sinto muito prazer nesta atividade. Tive contato com a caricatura pela primeira vez, em uma página de jornal ilustrada pelo Baptistão, um dos maiores caricaturistas do Brasil, reconhecido mundialmente. Aquilo me encantou de tal maneira, que decidi, aos doze anos de idade, que era aquilo o que eu gostaria de fazer dali pra frente. A partir de então, eu lia todos dias os jornais que meu avô assinava, a procura de algum tema, para fazer minhas próprias charges e caricaturas. Eu tinha um compromisso muito forte de produzir toda a semana e também um grande orgulho do que estava fazendo. A minha percepção sobre as coisas foi se moldando, pouco a pouco, em torno do humor, da sátira, e do brincar com as pessoas. Os passos que fui dando em direção ao futuro e minhas escolhas também estavam influenciadas, inclusive a decisão pelo curso de Design, escolhido para que eu aperfeiçoasse meus desenhos e então pudesse me tornar um “grande caricaturista”. Este era meu plano de carreira. Mesmo tentando seguir outros caminhos, produzindo outros tipos de trabalho, trabalhando em diferentes empresas, o plano não saia da minha cabeça. Durante os meus dias de trabalho, a caricatura acaba sendo uma válvula de escape, meu lado B, onde eu quero estar cada vez mais presente.

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Das caricaturas

Caricaturas de Luíz Gonzaga e Roque, trabalhos autorais

O homem é o único animal que ri.

(Aristóteles)

A caricatura se trata de um desenho de um personagem da vida real, porém com seus traços e características enfatizados e exagerados, de forma humorística. Também pode se brincar com gestos, vícios e hábitos particulares de cada indivíduo. A palavra caricatura vem do termo italiano caricare, que significa carregar, no sentido de exagerar, aumentar algo em proporção. Segundo Rabaça e Barbosa (2002), através da caricatura, é possível o artista desvendar expressões que a alma e a índole deixaram na face da pessoa retratada. Da mesma forma que a fotografia retrata, a função da caricatura é caracterizar. Mais do que isto, deve ressaltar algum gesto, notar algum traço na fisionomia e unir todos os aspectos inéditos ou inesperados da figura humana. Uma forma 16


de juntar o lado físico e moral, singularizando o personagem. Segundo Herman Lima, o maior historiador da caricatura brasileira, a caricatura nasceu junto com a humanidade (LIMA, 1963). A característica central está no riso e ele é próprio do ser humano. Segundo FLUSSER (2007), as imagens podem ser comparadas a uma espécie de modelo de comportamento, ou de vivencia. Servem portanto, tanto para conhecer o mundo quando para representá-lo, imitá-lo. Neste sentido a caricatura é mais que uma imagem cômica. É um documento não textual, como uma imagem documento, portanto, plena de informações. A caricatura mundana, classificação dada por LIMA (1963), espelha os registros da modernização da sociedade, por exemplo, revelando as transformações de mentes e comportamentos (na maioria das vezes frívolos), tão rapidamente quanto as modificações da cidade. Passados mais de quatrocentos anos de sua criação, os caricaturistas continuam a traduzir em seus desenhos os indivíduos, seus comportamentos, relacionamentos e ambientes sociais. Tais desenhos, desde então, têm crescido gradativa e significativamente, acompanhando o cotidiano daquela sociedade que lhe serve de inspiração. As imagens têm se diversificado em inúmeros suportes, aumentando assim, os estoques informacionais. Quando olhamos para uma pintura, uma fotografia, ou uma paisagem, não vemos uma coisa de cada vez. Vemos por sístase, que é uma conjunção, um encaixe das partes numa integralidade. Um processo onde as partes se fundem num todo. (PIMENTA, 2012) Segundo Santaella (2005), por seu poder de alcance representativo, a caricatura se torna efetivamente um signo, entendendo como signo, qualquer coisa de qualquer espécie, que representa uma outra cosia, chamada de objeto do signo, e que produz um efeito interpretativo em uma mente real ou potencial, efeito este que é chamado de interpretante. Entender de que forma o interpretante se manifesta nas imagens da caricatura é de fundamental importância para encontrar potenciais categorias de análise ainda não estudadas. O primeiro nível do interpretante – interpretante imediato, das caricaturas refere-se a todos os efeitos que as imagens ou imagens e palavras 17


têm em si mesma para serem interpretadas. Nas caricaturas este potencial de ser interpretado suscita algumas questões, tais como: Que efeito a imagem produz para quem a desenha? Que reação a imagem causa quando é publicada e circula na mídia, entre a população ( e é uma informação imediata? Como as caricaturas são percebidas quando se tornam objetos de história ou de memória? Na categoria de interpretante dinâmico, nível de secundidade, verifica-se que é gerado um efeito emocional, pelas caricaturas. Efeito este, que se desdobra em várias subcategorias, tais como: extravagância, igualdade (de se ver representado), beleza, harmonia, igualdade, admiração, sensualidade, etc. Em seguida ocorre um efeito energético, que corresponde a um esforço físico (muscular) e isto se dá pelo uso de energia. Nas caricaturas este efeito é o riso que as imagens provocam. Algumas imagens têm um potencial maior que outras, mas, em se tratando de imagens de natureza cômica, todas as caricaturas tendem a produzir este efeito (SANTAELLA, 2005). Por interpretante final entende-se todos os efeitos que os signos causarão quando encontrarem seus intérpretes. Devido ao fato de que é impossível quantificar os intérpretes da caricatura, consideramos que também é impossível prever o interpretante final. Porém, pode-se afirmar, sem sombra de dúvidas, ser a caricatura uma linguagem universalmente entendida, em um contexto específico de uma dada sociedade. “O artista da caricatura é aquele que vive o momento a ser reproduzido, a vida cotidiana é sua fonte de inspiração. A sátira social é o produto de seu trabalho e está baseada em fatos concretos, em acontecimentos sociais reais.” (LIMA, 1963)

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Do caminho escolhido

Eu, Diogo, durante a produção das caricaturas

Já que o projeto procura de certa forma incentivar as pessoas a fazer o que gostam e a realizar seus sonhos, não tive dúvidas em usar a caricatura como ferramenta para este processo, pois como já mencionei, fazê-las é o que me da mais prazer e também sonho em um dia viver apenas desta arte. Não era minha intenção satirizar de forma intensa os retratados, apontando defeitos ou denunciando algo, como é muito comum na maioria das caricaturas em toda a historia do humor gráfico. Neste caso, optei por um estilo de ilustração que pudesse servir de homenagem a pessoa desenhada, e não a uma crítica. Gostaria que ela olhasse para o desenho e tivesse sensações boas, gostaria de compor com elas e afetá-las de maneira positiva. Portanto, durante toda a criação, procurei tratar os personagens com respeito, criatividade e reverência. Entre inúmeros caricaturistas que acompanho e admiro, os que mais me influenciaram para este projeto, foram: Eduardo Baptstão, Gustavo Duarte e os clássicos Lan, Cássio Loredano e J. Carlos. Todos eles apresentam uma enorme sofisticação e personalidade nos seus traços, e são referência para qualquer ilustrador atuante no humor gráfico ou não. 19


Do processo É importante ressaltar que, num projeto como este, o foco não é o produto apresentado como ilustração, e sim, refletir o processo pelo qual eu tenha passado. Desde o início, venho passando por um processo de transformação muito poderoso. Minhas referências para a criação, estão agora no âmbito do acontecimento, onde me vendo afetado por alguém, ou por alguma situação, o desenho começa a surgir em um nível muito sutil, dotado de uma sensação indescritível. Desta forma não importa mais o que, ou quem estou desenhando e sim o COMO estou criando. O processo fica gradualmente mais complexo e minhas ferramentas de interpretação se ampliam, ativando uma sensibilidade muito mais intensa a fim de captar a essência da pessoa que está compondo comigo. A cada interação com as pessoas e a cada dia me dedicando ao projeto, enriqueço meus valores e princípios. O modo de observar; a maneira como lido com as pessoas; o respeito pelas diferenças e a admiração pelo ser humano, são ampliados durante todo o processo. Elaborei uma série de perguntas que gostaria de fazer às pessoas afim de obter um material necessário para documentar em vídeo e posteriormente fazer os desenhos. Porém, para as pessoas com quem eu conversava, o desenho era uma surpresa que elas saberiam apenas alguns meses depois. Até então, tudo se tratava apenas de algumas perguntas sobre suas vidas, para um trabalho acadêmico. Portanto, tomei o cuidado de saber onde encontrar tais pessoas para a futura entrega dos trabalhos e para registrar uma nova documentação em vídeo, já que ao final de tudo eu faria uma edição que retratasse todo o processo desde as primeiras conversas, até a entrega dos desenhos. Estava muito curioso tentando imaginar como seria o resultado final de tudo isto. Mas não fazia a menor ideia de como as coisas aconteceriam. Estava me lançando ao desconhecido.

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Das questões Como é o seu dia a dia? Quais as coisas que você mais gosta de fazer na vida? Como você era na infância? Você tinha algum sonho quando criança? E hoje? Têm algum sonho que queira realizar?

Meu objetivo com perguntas como essa era fazer com que as pessoas parassem o que estavam fazendo, principalmente se fosse alguma atividade de rotina, e passassem a pensar nelas mesmas, na sua vida atual, sua infância e quem sabe eu pudesse instigá-las a refletirem mais vezes sobre isto. Ou ainda que elas retomassem alguns hábitos, alguns sonhos. Não era algo que estava ao meu controle, nem mesmo era o objetivo principal do projeto, mas para mim fazia sentido e parecia muito possível. Então decidi arriscar. Para iniciar o projeto, optei por abordar pessoas que eu não conhecesse, para que a atenção e a sensibilidade pudessem ser mais centralizadas. Para isto, me desloquei até mesmo para outra cidade, São Paulo, no caso. Por onde andava eu observava, pensando opções de abordagem e confesso ter sido muito difícil abordar alguém que eu não conhecesse, ao acaso, no meio da rua, principalmente em um ambiente tão acelerado como nas ruas paulistanas. Achei que isto seria muito invasivo e passei a pensar novas formas de contatar as pessoas. Visitei alguns amigos por lá, que aliás, foram de fundamental importância para o desenrolar do projeto, pois não me deixaram desistir nos momentos difíceis, me motivando o tempo todo. Um dos meus amigos, Vinicius, se dispôs a me ajudar com a filmagem e então começamos a visitar alguns lugares, que ele até já conhecia e deixamos que a abordagem acontecesse naturalmente. Iniciamos em uma obra de construção, próxima de onde estávamos. Relatarei um pouco de como foi a interação com as pessoas e minha percepção durante o processo. Primeiramente, eu notei que quase todas as pessoas se sentiam tímidas e retraídas quando percebiam que seriam filmadas, com exceção da Dona Lourdes, uma senhora muito simpática, que manifestou uma enorme alegria e empolgação 21


desde o início. Começávamos com algumas conversas bem informais, com uma pitada de bom humor, afim de descontraí-las um pouco diante da câmera. As lembranças da infância foram marcadas pela emoção em todas as entrevistas. Seja das travessuras ou dos sonhos que essa fase da vida reservou. Algumas pessoas relembraram momentos de felicidade da infância com lágrimas nos olhos eu os observava, muitas vezes no mesmo estado de comoção. Foi interessante usar perguntas variadas, pois pude notar que cada pessoa se afetava de forma mais intensa em algumas das perguntas. Alguns deram ênfase na infância, outros em suas profissões, ou então nos sonhos. Nem todos possuíam um sonho específico e outros até já haviam realizado o sonho quando adultos. Aqueles que não o realizaram, mas que o sonho ainda persiste, querem se mover em busca desta realização. Participaram da pesquisa pessoas com perfis diversos: homens e mulheres, jovens, pessoas de meia idade e idosos. Acredito que a diversidade tenha sido peça chave do elemento enriquecedor das experiências, a partir das historias, valores e sonhos relatados por cada um deles.

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Da conversação A seguir, descrevo sucintamente alguns aspectos de destaque de cada uma das entrevistas, buscando ressaltar as características a partir das quais construí os personagens, mais tarde retratados nas caricaturas.

Marcio curtição musical, pedreiragem empreendedora

“ A música em minha vida, é pra sempre...” Marcio é uma pessoa muito carismática e de um sorriso cativante. Divide seu dias trabalhando como Engenheiro Civil e empreendendo uma loja de camisetas. Também sempre que pode, aproveita o tempo com a família e namorada. Mas o que o motiva mesmo nesta vida, e isto é bem visível, é a música. Marcio ama a musica. Ele toca violino em uma Orquestra e têm uma afinidade de 18 anos com seu instrumento. O violino já é praticamente uma extensão de seu corpo. 23


Bitu tijolo com tijolo num desenho mágico

“Sonho com os pés no chão...” Bitu é muito seguro de si e gosta muito do que faz. Trabalha como pedreiro e segundo ele, o que mais gosta de fazer é se reunir os amigos, tomar uma cervejinha e jogar confessar fora. Se emocionou ao relembrar da infância na Bahia, onde jogava bola e brincava no lago. Hoje está realizando um sonho de infância, que era de ser construtor. Desde criança, construía casas nas árvores e segundo ele “cavava túneis no chão que impressionavam as meninas”. Hoje, reconhece que alcançou o sucesso na vida.

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Gurinha peão da construção

“Meu sonho é ser vaqueiro!” Gurinha também trabalha na obra com os pedreiros, é o mais tímido deles e, ao mesmo tempo, o mais decidido. Não pensou um segundo antes de responder qual o seu sonho. Ele quer ser vaqueiro, um sonho de infância que ainda persiste e que, segundo ele, continuará em busca de realizá-lo.

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Sati pedreiro realizado, pai sonhador

“Não tive a oportunidade de estudar para ser um doutor, mas, quando vejo o resultado do meu trabalho me sinto realizado na profissão que escolhi...” Sua humildade, bom humor e orgulho pelo que faz, são qualidades marcantes e encantadoras. Sati trabalha como pedreiro e repetiu várias vezes o quanto gosta de sua profissão. Também notei uma forte emoção enquanto falava da família. Adora se reunir com a esposa e filhos na hora da novela. Seu sonho de infância era ter uma moto e o de hoje é de “ver os filhos se dando bem na vida.”

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Pernambuco no balcão em que a luta o aguarda

“Sou um pernambucano palmeirense...” Pernambuco é uma pessoa muito simpática, dono de um restaurante simples, mas com uma comida deliciosa e bem servida. Veio se arriscar em São Paulo aos 18 anos, foi pizzaiolo por um longo tempo e hoje tem seu próprio negócio. Expressou uma felicidade imensa ao lembrar da infância na roça e do seu sonho, que era ser jogador de futebol. “Na época, não pensava em nenhum time, mas queria jogar bola. Se fosse hoje, seria para o Palmeiras”, lembrou ele. Durante nossa conversa, houve um breve momento de tensão, onde ele citou um outro sonho que é ser pai e, que, no momento ainda não o realizou devido a uma gravidez de risco por parte da esposa.

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Sr. Joseph e Sr. Antônio e as maritacas paparicadas Avistamos no centro de uma praça dois velhinhos em meio a cerca de 200 maritacas, voando e cantando constantemente. A cena foi muita curiosa e logo nos aproximamos deles. Foi a interação mais divertida. Ambos cuidam da praça sozinhos como se fosse a própria casa. Todos dias, as 5:00 e as 17:00 horas eles estão na praça alimentando as maritacas. Eles são pontuais. Sr. Joseph é um velhinho simpático, com um sotaque italiano bastante carregado. Veio da Itália ainda garoto e narrou suas histórias de quando arava terra em solo italiano, com muito orgulho. Seu sonho de Infância era ser motorista e conseguiu realizá-lo no Brasil, onde trabalhou por 40 anos como caminhoneiro. Segundo ele, hoje vive feliz, na praça, realizando o cuidado dos animais e a organização dos espaço. Já o Sr. Antônio nos deu uma aula com teorias “espontaneamente profundas”. Segundo ele, o que os faz feliz, não é apenas cuidar da praça e das maritacas, e sim, por exemplo, quando as crianças vão até lá, se divertem, observam e aprendem a respeitar a natureza. Ele tem certeza de que quando elas crescerem farão o mesmo. Ficamos impressionados quando ele disse que estas atitudes devem ser “emergentes”, vindo de baixo pra cima, pois se esperarmos do governo, nunca teremos nada. Gostaria muito que Steven Johnson, autor do livro Emergência, estivesse conosco naquela hora. Além disso, ele se mostrou um poeta a lá Manuel de Barros, dizendo que agora, após ter pintado a praça com cores vivas e alegres, “o banco sorri pra mim”. Por fim, ainda me pediu um favor: Pediu para que quando eu estivesse apresentando meu projeto, eu falasse para as pessoas sobre coletividade, para incentivá-las a fazer uma pequena ação, pois no conjunto total estas pequenas boas ações farão uma tremenda diferença.

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“ Cuidando dos bichinhos e fazendo a limpeza...�

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Margarete mãe artista, artista mãe.

“O que eu mais gosto de fazer na vida? ... Ser mãe.” Para qualquer pergunta que eu já t enha feito, esta foi a resposta mais bonita. Margarete ama ser mãe dos seu quatro filhos e reconhece que isto chega a ser como uma profissão, que nem todas as mulheres conseguem exercer. Ela é uma pessoa muito serena e simpática. Lembra de ter sido uma criança feliz, que vivia brincando e cantarolando por todos os cantos. Seus sonhos sempre foram relacionados a arte, como por exemplo, ser bailarina, pintora e pianista. Já realizou o de ser bailarina, dançando balé por muitos anos. Agora com os filhos criados, está relembrando seus sonhos afim de realizá-los em breve.

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Marta garota fantástica

“Meu sonho era ser garota do Fantástico.” Marta trabalha é trabalha como diarista. Uma Baiana muito agitada que passa o dia sorrindo e fazendo piadas. Quando não está trabalhando adora dormir. Seu sonho? Ser a Garota do Fantástico. Hoje reconhece que não é mais possível, mas ainda sonha em trabalhar na TV.

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Lucia bailarina cof cof.

“Sonho por meus filhos...” Lucia me pareceu uma mulher bastante acolhedora. Ela cita sua infância com uma certa angustia, apesar de dizer que brincava bastante. Logo compreendi o porquê. Quando questionada a respeito do seu sonho de infância, ela respondeu que era se curar da bronquite. Se emocionou um pouco neste momento e logo em seguida se orgulhou dizendo que além de ter realizado este sonho, hoje, trabalha com natação e hidroginástica, ajudando pessoas com o mesmo problema que ela tinha. Também foi bailarina por muitos anos até se tornar professora de balé clássico. Ama dançar e viajar. Hoje sonha com que os filhos e seus pacientes consigam conquistar seus sonhos.

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Dona Lourdes batom vermelho cor de céu.

“Estou numa vida de rainha, sem ser.” Dona Lourdes é uma senhora de 80 anos, simpática, alegre, que adora conversar, sair e ler livros. Trabalhou como vendedora até poucos anos atrás e hoje sente falta de sair por aí e interagir com as pessoas. Por isto diz, com ironia, que está numa vida de rainha sem ser uma. Se divertiu muito lembrando de sua infância e nos contando suas travessuras: “Eu era muito levada.” Ela gosta muito de estudar, acha necessário conhecermos as coisas do universo. Seu sonho de criança era casar, ter filhos e educá-los corretamente. Este ela já realizou. Ela é praticante do budismo e seu sonho, hoje em dia, é ter uma ter uma morte tranquila e serena, sem preocupar ninguém.

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Da retribuição Melhor que descrever é mostrar através de imagens as reações dos entrevistados durante a entrega do trabalho.

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das conclusões, se É que elas eXistem. Este processo foi mais do que especial pra mim e para tentar explicar qual foi o resultado de tudo isto, usarei uma frase de Espinosa: “Quando dois corpos ou mais compõe entre si é gerada potência e há um aumento de energia vital”. Sinto que estou concluindo meu curso assumindo o que mais gosto de fazer e dando continuidade ao meu processo de desenvolvimento pessoal que virá a refletir-se em minha produção artística.

A seguir, a série de caricaturas finalizadas, que foram entregues a essas ilustres figuras que deram forma ao meu projeto.

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marcio


Bitu


gurinha


sati


pernambuco


sr. Joseph


sr. ant么nio


margarete


marta


lucia


dona lourdes


Bibliografia ARRIVABENE, Rafael. Design Projeto Mutante. Bauru, 2009. CSIKSZENTMIHALYI, M. A descoberta do fluxo: A psicologia do envolvimento com a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. DELEUZE, G. (2000). Espinosa: filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002. FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. Rafael Cardoso (org). Tradução: Raquel Abi-Sâmara. São Paulo: Cosac Naify, 2007. LIMA, H. História da caricatura no Brasil. V. 4. Rio de Janeiro. José Olímpio. RJ, 1963. PIMENTA, E. D. M. Seres Ocultos. Createspace Pub. 2012. RABAÇA, C. A.; BARBOSA, G. G. Dicionário de Comunicação. 6. ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2002 . SANTAELLA, L. Semiótica aplicada. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2005. Projetos: Grafite Cidadão - Um projeto de Ricardo Martins Machado. Documentários: Lixo Extraordinário - Documentário sobre o artísta plástico Vik Muniz. Direção de Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley, 2010 O que é tristeza pra você? - Produção de Coletivo Centro e Vitrine Filmes. Roteiro e Direção: André Saito & Cesar Nery. Disponível em: http://oqueetristezapravoce.com.br/




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