Foral de Alhos Vedros

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ESTUDO, TRANSCRIÇÃO PALEOGRÁFICA E NOTAS 2013

Câmara Municipal da Moita





FICHA TÉCNICA

TÍTULO AUTORES PREFÁCIO FOTOGRAFIAS CAPA PROJECTO GRÁFICO EDIÇÃO DATA DA EDIÇÃO TIRAGEM IMPRESSÃO DEPÓSITO LEGAL Nº

Foral de Alhos Vedros Maria Clara Santos e José Manuel Vargas Prof. Doutor Pedro Gomes Barbosa José Presumido e Biblioteca Nacional Frontispício do Foral de Alhos Vedros Carlos Jorge Câmara Municipal da Moita 2ª Edição Dezembro de 2013 500 exemplares oioiooioioioioi oioioioioioioio


ÍNDICE NOTA DE APRESENTAÇÃO À 2ª. EDIÇÃO

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NOTAS DE APRESENTAÇÃO

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PREFÁCIO

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INTRODUÇÃO

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1. CONTEXTO HISTÓRICO 1.1. Antecedentes da reforma dos forais 1.2. A reforma 1.3. Os forais manuelinos 1.4. Alhos Vedros no séc. XVI 1.4.1. O espaço 1.4.2. As gentes 1.4.3. Atividades económicas 1.4.4. O concelho 1.4.5. Descrição da vila

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2. O FORAL DE ALHOS VEDROS 2.1.Fac-símile 2.2.Transcrição paleográfica 2.3.Texto modernizado

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3. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO FORAL 3.1.Descrição material 3.2. História do códice 3.3. Análise do foral 3.3.1.Disposições de direito fiscal 3.3.2.Disposições de direito penal 3.4.Conclusão Quadro I – Equivalências de pesos e medidas Quadros II e III – Valores da portagem

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GLOSSÁRIO

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BIBLIOGRAFIA

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NOTA DE APRESENTAÇÃO À 2ª. EDIÇÃO provável que em 1514, Dom Manuel I não perspetivasse o impacto que o documento de Foral viria a ter, nos séculos seguintes, na vida das localidades e das comunidades que granjearam tão nobre distinção. Mas a verdade é que a reforma das Cartas de Foral, realizada a partir de 1506, originou uma profunda mudança na organização administrativa do nosso território, com a reformulação dos forais existentes e a atribuição de novos forais a cada uma das terras do reino. Dotar cada terra de um regime jurídico próprio, com disposições que orientassem o seu desenvolvimento e toda a vida em comunidade, era a forma de reconhecer a sua importância, fosse pela sua dimensão, localização ou influência nas actividades mercantis. No caso de Alhos Vedros a sua localização estratégica no estuário do rio Tejo terá sido um factor determinante. A verdade é que cinco séculos de história merecem ser assinalados para que não esqueçamos a importância do percurso histórico de Alhos Vedros e da nossa região, para que se perpetue no tempo o orgulho do que foram e são as nossas raízes. É preciso lembrar como foi sendo feito esse caminho, como chegámos até aqui, após quatro séculos de regime monárquico e um século de grandes alterações políticas com a implantação da República, o período negro do Estado Novo e a conquista da Democracia. As vicissitudes do século XX tornaram escassa em Alhos Vedros a presença física da sua longa história. O território da Vila está fortemente marcado pelas cicatrizes da indústria que nele se instalou durante décadas. A destruição da indústria nacional ocorrida nas três últimas décadas deixou em Alhos Vedros não só uma situação social agravada como um tecido urbano espartilhado pelas grandes áreas das antigas fábricas, hoje abandonadas e degradadas. Pretendemos que as comemorações do Foral sejam um processo virado para o futuro, que possa constituir-se num impulso ao desenvolvimento de uma Vila urbana inserida numa zona estratégica da Península de Setúbal e da Área Metropolitana de Lisboa, com capacidade para assumir a relevância que teve em épocas anteriores. Pretende-se fundamentalmente que as comemorações dos 500 anos da Carta de Foral de Alhos Vedros sejam um momento de união de toda a população, de solidariedade e orgulho pelo nosso passado, presente e renovada esperança no futuro, e em tudo o mais que podemos ser.

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RUI GARCIA Presidente da Câmara Municipal da Moita



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NOTAS DE APRESENTAÇÃO edição deste volume, com o texto do velho Foral de Alhos Vedros e com um valioso conjunto de estudos correlativos, é, antes de mais, uma expressão qualificada da política cultural da Câmara Municipal da Moita que, no seu objetivo de promover uma vivência cultural em todas as suas vertentes, dá a necessária ênfase à busca, recuperação, preservação e projeção da sua memória histórica e dos seus monumentos, qualquer que seja a natureza destes. É, de resto, nesta prática que se pode entender o apoio dado pelo Município à criação e desenvolvimento do Grupo de Amigos da História Local, assim como as múltiplas diligências junto das instâncias especializadas da Administração Central no sentido da recuperação e preservação do património edificado e histórico do concelho. Do mesmo modo se explica o persistente apoio e dinamização das festas populares que, ao reeditarem e preservarem certos traços de genuinidade local, são repositórios apreciáveis de um certo património cultural. Poderia citar, ainda, várias intervenções específicas em diversos pontos do concelho e mesmo projetos de vulto como o do Fórum Cultural da Baixa da Banheira, que será uma dinâmica realidade a breve prazo, mas julgo que não é este o lugar próprio para essa enumeração. Não devo, no entanto, desperdiçar esta oportunidade para realçar o sentido das permanentes e qualificadas atividades da Biblioteca Municipal Bento de Jesus Caraça que, em poucos anos se transformou num polo cultural da Moita. Sabemos que a história destas terras tem sinais antiquíssimos, como o demonstram os seis mil anos da jazida neolítica encontrada na área de Freguesia do Gaio-Rosário, sabemos que toda a Margem Sul do Estuário do Tejo desempenhou um papel muito importante no empreendimento das Descobertas, sabemos que o próprio Foral de Alhos Vedros, um velho traço bem expressivo da nossa identidade, deriva deste contexto, mas também sabemos que o passado dos munícipes da Moita é um imenso território desconhecido onde muitas surpresas nos poderão aguardar. A edição deste livro e os cuidados científicos nela postos são mais uma prova de que a Câmara Municipal da Moita vai prosseguir determinantemente uma política cultural em que também o filão histórico terá devida atenção e os correspondentes esforços.

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JOÃO JOSÉ DE ALMEIDA Presidente da Câmara Municipal da Moita



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ara todos os que no Município da Moita se interessam pela “História Local”, aqui deixamos mais um testemunho da vontade em preservar os nossos valores culturais, conscientes que ele será mais um elo duma corrente forte, com que queremos aliar os nossos esforços ao desenvolvimento dos conhecimentos das nossas populações. Os documentos aqui reproduzidos interligam-se de forma harmónica, sendo de realçar o foral de Alhos Vedros que estamos presentemente a comemorar o quadragésimo octogésimo sexto (486º) aniversário da sua concessão. Para a Drª Maria Clara Santos (técnica do Departamento de Acção Sócio-Cultural) e para o Dr. José Manuel Vargas (grande amigo alhosvedrense) deixo os meus agradecimentos pelo seu empenhamento e pela autoria do trabalho conjunto, trabalho que creio será por todos apreciado e acarinhado. Aos munícipes, nossos leitores, a minha saudação e o desejo para que sintam este exemplo. O trabalho com a Autarquia produz frutos importantes e podem juntar-se a nós, no Núcleo de Amigos da História Local, já em atividade e assim continuar esta maravilhosa obra.

[P]

JOSÉ MANUEL FERNANDES O Vereador da Cultura



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PREFÁCIO os inícios do século XVI assistimos a uma reformulação dos forais portugueses, mandada fazer por ordem de D. Manuel I. Muitos desses documentos são confirmações de cartas anteriores, atualizadas num ou noutro aspeto que já não correspondia à realidade então vivida. Noutros casos, o texto introduz modificações mais profundas, ou mesmo um articulado praticamente novo. Outras terras recebem este documento régio pela primeira vez. Estamos perante uma organização do Estado cada vez mais centralizado e burocratizado. O estabelecimento dessas normas permitia à administração régia (e ao rei) conhecer os seus direitos e corrigir alguns privilégios. Desta forma se tinha uma noção muito aproximada dos rendimentos devidos à Coroa e aos cofres do Estado. É o próprio D. Manuel que o diz no preâmbulo ao documento agora editado: “… que por bem das sentenças e determinações jeraaes e especiaaes que foram dadas e feytas por nós e com os do nosso Concelho e letrados açerqua dos foraes dos nossos Regnos e dos direjtos reaes e tributos que se per elles deuiam pagar …” Por isso, e ao contrário do que era norma acreditar-se (e ainda hoje muitos assim pensam), os forais não são cartas de alforria dos Concelhos mas, antes, o rol das obrigações a que estavam presos. Se alguns privilégios existiam, era porque o rei, na sua magnanimidade, lhes tinha concedido tais isenções. É certo que, à medida que vamos recuando no tempo, os privilégios são maiores. Tal facto deve-se a que o rei não dispunha, em certos momentos, de poder suficiente para contrariar prerrogativas estabelecidas pelo direito consuetudinário das comunidades (ou tal atitude não convinha à sua política). Ou então o monarca, mediante a concessão de isenções e benefícios, tentava atrair, para povoações de fronteira, ou para terras pouco povoadas, mais e novos contingentes humanos. Não era isso o que se passava no reinado de D. Manuel quando o Estado, mercê de uma máquina administrativa mais complexa, e de gastos com a manutenção de unidades militares e de administração nos territórios de Além-Mar, precisava não só de saber quanto recebia em pagamento das comunidades, como procurava ter cada vez mais receitas.

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O trabalho agora apresentado pelos doutores Maria Clara Santos e José Manuel Vargas, e em boa hora patrocinado pela Câmara Municipal da Moita, representa um valioso contributo para o estudo e divulgação de um documento importante no âmbito da História Local, tantas vezes mal tratada (e maltratada). Porque se a História Nacional não é nem pode ser o somatório das histórias locais ou regionais, não podemos compreender aquela sem ter em conta a vivência das várias populações e comunidades que constituem o nosso País. Mas mais do que publicar um documento, os Autores presenteiam-nos com um trabalho a todos os títulos notável. Notável pelo seu rigor científico, notável ainda pela quantidade de informação fornecida ao leitor e ao estudioso. Inicia-se o trabalho por uma rigorosa caracterização do contexto histórico em que aparece o foral de Alhos Vedros: contexto histórico nacional, mas também local. E, como se vê, um texto não necessita de ser extenso para ser de grande qualidade. Em seguida, aparece-nos o próprio documento, não só na sua versão paleográfica, rigorosa, mas igualmente em texto compreensível para o leitor atual não especializado. E o especialista, se dúvidas tiver, tem sempre à sua disposição o texto fac-similado. Finalmente, e de não menos importância, o estudo do próprio diploma ao qual, para melhor entendimento, se junta um glossário bastante elucidativo, assim como quadros de correspondência de pesos e medidas. Espero que os autores não se fiquem por este estudo, e outros se lhe sigam, com igual rigor científico.

Lisboa, Outubro de 2000

PEDRO GOMES BARBOSA Diretor do Instituto “Alexandre Herculano” de Estudos Regionais e Municipalismo, Departamento de História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.


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INTRODUÇÃO ovoação muito antiga e sede de concelho até 1855, a vila de Alhos Vedros orgulha-se justamente da sua história e tem sabido preservar até hoje o essencial das suas referências memoriais e identitárias. O foral de 1514, outorgado por D. Manuel a 15 de Dezembro, é um desses documentos cujo valor simbólico assume particular relevância a nível local. Talvez por isso, seja habitual realizarem-se quase todos os anos, naquela data, iniciativas de comemoração que, a par de outras, como as festas de Nossa Senhora dos Anjos, são momentos de revitalização para a comunidade e ajudam a reforçar a ligação com o passado, enriquecendo a identidade cultural das gerações presentes e futuras. Até há pouco tempo, o foral de Alhos Vedros era conhecido apenas por uma cópia efetuada no século XVII, supondo-se que o texto original se tivesse perdido, uma vez que não se encontrava nem no arquivo da câmara, nem na Torre do Tombo. Afinal, veio a ser localizado em 1996, por um dos autores do presente trabalho, na secção de Reservados da Biblioteca Nacional, onde aliás se encontra desde 1852, como adiante se verá. Contactado o executivo camarário no sentido da publicação do foral, a proposta foi de imediato acolhida, mas circunstâncias várias determinaram que só agora se concretize a edição. Entenderam os autores que a publicação do foral não se devia limitar á transcrição do texto e que deveria ser acompanhada de uma reprodução fac-similada do original. Pretenderam também que este estudo tivesse um carácter de divulgação, pelo que à transcrição paleográfica se segue o texto modernizado. Foram ainda introduzidas notas complementares, tendo em vista um público menos familiarizado com este tipo de documentos e uma eventual utilização dos textos nas escolas. Com as mesmas intenções, pareceu útil acrescentar alguns apontamentos sobre a reforma dos forais e sobre o contexto histórico local no século XVI. Pretendeu-se dar, assim, um pequeno contributo para o conhecimento da história local, bem como sensibilizar os mais jovens para os testemunhos mais marcantes do seu passado e tão importantes na procura da identidade cultural do espaço que hoje habitam.

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1. Contexto histรณrico


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1.1. ANTECEDENTES DA REFORMA DOS FORAIS

o decorrer da centúria de quatrocentos a sociedade portuguesa conheceu profundas transformações estruturais, decorrentes de vários fatores como a ascensão da burguesia, o desenvolvimento de rotas comerciais, resultado da expansão marítima portuguesa, a conceção de um Estado centralizado1, unificado por leis gerais e a respetiva decadência das instituições municipais. Perante um contexto político, económico e social em profunda mutação, os forais antigos apresentavam-se desajustados das novas realidades da vida portuguesa, na medida em que utilizavam uma linguagem obsoleta e incompreensível, pois continuavam redigidos em latim, as prestações neles consignadas estavam desatualizadas e alguns encontravam-se rotos e falsificados por cópias, o que dava origem a muitos abusos e irregularidades. Um tal estado de coisas era fonte de vários conflitos e desentendimentos entre os concelhos e os senhorios, suscitando os inevitáveis protestos dos povos em cortes e os consequentes apelos à justiça régia, no sentido de se proceder à reforma dos forais. As antigas cartas de privilégios locais transformaram-se, assim, rapidamente em instrumentos de coação social, durante todo o século XV. Um dos primeiros sintomas de mal-estar deteta-se, nas cortes de Santarém, em 1430, no reinado de D. João I, onde os procuradores do Porto apresentaram queixa formal contra os abusos de autoridade, cometidos pelos fidalgos do termo da cidade, acusados, entre outros agravos, de usurpação fraudulenta de justiça, “(...) por quanto que hum homem mata outro, ou furta, ou faz outro mal, ou couza per que seja obrigado a Justiça, logo se colhe às Terras, e casas dos ditos Fidalgos, e andão sob a sua guarda tão seguros, como se andassem em Castella, ou em outra Província, em que a vossa Justiça não tivesse lugar, (...).”2 Além de serem denunciados por protegerem os criminosos, foram também acusados de cobrarem abusiva e arbitrariamente o pagamento de tributos, contrários ao costume das terras, “(...) e ainda além dos Direitos, que hãodaver segundo lhe per vos são dados, e outorgados, elles per sua Senhoria, e autoridade poem em as ditas terras tributos, e costumes novos, que nunca forão per vos outorgados, nem per outros nenhuns levados, nem acostumados contra Deos, e Direito, e contra a consciencia; (...).” 3 Os procuradores responsabilizaram, ainda, os fidalgos de fomentarem a desordem e de praticarem crimes de roubo, “(...) e tomão reixas novas per estroirem a terra, e roubarem os Lavradores dos paens, e vinhos, e bois, e vacas, e carneiros, e galinhas, e outras cousas contra suas vontades, (...).”4 Para obstar estes males, os procuradores terminaram as suas queixas, solicitando ao monarca a sua intervenção, de forma a manter a justiça e a boa ordem jurídica: “Pedimos a Vossa Mercê, que nos nom deixeis mais padecer, e ponhaes certas penas, e defezas aos Fidalgos, que nom levem mais daquello, que direitamente devem daver, mostrando-o pelos Tombos da Vossa Torre, e nom seja mais em destruição da Vossa Terra, e mandeis aos Vossos Corregedores das Comarquas, e Juizes das Villas, e Cidades poderozas, que possão descoutar, e prender os malfeitores

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1

A partir do Renascimento, o conceito de Estado Moderno começou a ser entendido como pessoa jurídica, dotada de direitos e deveres, contendo três elementos indissociáveis, povo, território e poder político, A ideia de um Estado centralizado tinha a confirmação no Direito Romano Imperial, para isso a Coroa recorreu a uma burocracia de legistas. 2 João Pedro Ribeiro, Dissertação Histórica, Jurídica e Económica sobre a Reforma dos Foraes no Reinado do Senhor D. Manuel, Lisboa, Impressão Régia, 1812, p.87 3 Idem, ibidem, pp.87-88 4 Idem, ibidem, p.88


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em suas Terras, e Casas, e que tirem enquiriçoens sobre elles do que assi tomão, e hão alem do que devem, e como vivem, e que os possão penhorar, e fazer entregar aquelles, a que assi tomão o seu, segundo bem da Vossa Ordenação.”5 Deste excerto, transparecem claramente duas exigências, decorrentes da desordem e das irregularidades, praticadas pelos fidalgos: o cumprimento dos direitos consignados nos documentos, conservados na Torre do Tombo e o reforço dos poderes dos corregedores e juízes, magistrados régios, na manutenção da ordem e na verificação e defesa dos direitos municipais. Como resposta às matérias apresentadas, o rei mandou proceder a inquirições e dar cumprimento às ordenações do reino. Contudo a solução não teve efeitos práticos, uma vez que os protestos dos povos continuaram a fazerem-se ouvir, nas cortes de Leiria-Santarém de 1433, de Lisboa de 1439 e 1455.6 Mas é no reinado de D. Afonso V, nas cortes iniciadas em Coimbra em 1472 e terminadas em Évora de 1473 que as queixas se avolumaram contra as falsificações, as adulterações e a interpretação fraudulenta dos forais, feita pelos senhores, detentores dessas cartas: “Outrosi, Senhor, os Foraes de cada Luguar, per onde se mais rege, e governa voso Reinno, estes são oje em dia, e asy todos, ou moor parte falseficados, antrelinhados, rotos, não autorisados, e os tirão do seu proprio entender, nem são interpricados a uso, e costume d’ora, nem são conforme a alguns artiguos, e Ordenaçoens vosas, (...).”7 Perante estas arbitrariedades, os povos reclamaram com forte insistência pela revisão dos forais: “Senhor, seja vossa mercê reformardes ora de novo todos vossos Reinnos, e examinardes, e exterpardes todas as bulrras, e enganos de taees Foraees, per esta guiza, Senhor, mandarees vir todos os Foraees de vosso Reinno, que huum não fique, posto que digão os de alguum Luguar, que não se aggravão, ou não querem sobre ello requerer;(...) e mandar vir o Procurador do Senhor dessa Terra, e das vosas, o Procurador dos vosos Feitos, e assi o Procurador do Conselho, e se examine esse Foral velho com o proprio da Torre, e os usos, e costumes, que não per erro, nem per posse, e poderio se costumou de longuos tempos, (...) se cumpra di avante, e tenha por Forall, e os outros costumes errados, e falsuras sejão anuladas, e anicheladas, e esta Senhor, será mais honrada visitação, provizão, e correição, que Vossa Alteza possa fazer em vosos Reinnos: (...) assi tenha carreguo o Juiz de vossos Feotos fazer vir esses Foraes, huuns, e huuns, até que todo o Reinno seja provisto, e reformado, e em esto vos despejares quanto sã consciencia, e tirares muitas duvidas, que em esses Foraees há, e aggravos, que ao Povo se fazem, e farees a vosos Povos muita mercê.”8 Neste capítulo os procuradores dos concelhos deixaram bem expresso o propósito de revogarem as velhas cartas foralengas, ao requererem a sua comparação com os exemplares originais, existentes no Real Arquivo da Torre do Tombo, de forma a corrigirem os males de que padeciam aqueles diplomas. Em resposta, D. Afonso V ordenou que se procedesse à recolha de todos os forais de cada uma das comarcas do reino, com vista a serem examinados, conforme o pedido dos povos, pelo Juiz dos Feitos do Rei. O processo iniciou-se pela comarca de entre Tejo e Guadiana, devendo os alcaides e procuradores dos concelhos dessas vilas e lugares entregar seus forais, ao mencionado funcionário régio, Juiz dos Feitos, entre Janeiro e Outubro de 1473, caso contrário não podiam cobrar mais direitos pelo dito foral.9

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Idem, ob. cit., p.89 Manuela de O. Martins e Joel Silva Ferreira Mata, “Os Forais Manuelinos da Comarca da Estremadura” in Revista de Ciências Históricas, Porto, Universidade Portucalense, 1989, Vol. IV, pp.198-199 7 João Pedro Ribeiro, ob. cit., 1812, p.49 8 Idem, Ibidem, pp.49-50 9 Idem, Ibidem, p.50 6


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A solução rápida e pronta do monarca, aos agravos que lhe foram apresentados, revela por um lado, a sua preocupação em melhorar a justiça e em corrigir as desordens e perturbações, provocadas pela prepotência dos senhores e por outro a sua intuição de que se tratava de um projeto de trabalho muito amplo e complexo, só possível de ser levado a bom termo, com o envolvimento de funcionários da estrutura local e central. Apesar do empenho e da boa vontade régia, o processo de revisão dos forais não avançou, provavelmente devido às pretensões do rei ao trono de Castela, após a morte de Henrique IV e o seu envolvimento nesta causa que se traduziu num verdadeiro fracasso político, diplomático e militar. Assim que D. João II subiu ao trono, os protestos dos representantes dos concelhos fizeram-se de novo ouvir, nas cortes iniciadas em Évora de 1481 e concluídas em Viana do Alentejo de 1482, mais uma vez, insistiram na necessidade de se revogarem os forais, em virtude do abuso de autoridade, praticada pelos alcaides-mores, os governadores das tropas das vilas fortificadas: “Pedemvos vossos povos por mercee, que mandees a estes Alcaides moores, que a huum certo tempo, que lhe per vossa Alteza for asignado, traguam todos seos Foraaes e lhes sejam declarados, e emmmendados, e dados novamente per esta moeda ora corrente, dando o trellado delles nas Camaras das Cidades, e Villas, para sse saber como elles husam, declarandolhe os luguares, de que ham dellevar portajees, ou dereitos, e defendendolhe que nam levem dos luguares, donde nunca sse levou, no que farees muito serviço a Deus, e justiça a vossos povoos, porque por causa de taaes opreçooes sse despovoaram os lugares,e os homees perdem ssuas fazendas.”10 Verificamos que o rol dos males continua a ser o mesmo dos reinados anteriores, falsificação e adulteração dos forais, o que provocava o despovoamento de alguns lugares, princípio contrário aos objetivos iniciais desses documentos; cobrança indevida de direitos em consonância com a necessidade de converterem as prestações fiscais em moeda corrente. Embora não sejam especificados quais eram estes direitos, é natural que fossem os que recaíam sobre o comércio, apenas está ali bem enunciado o imposto de portagem, uma das principais fontes de receita, na medida em que era cobrado sobre a circulação de bens, pessoas e transportes. Por esta razão, a portagem foi fonte de frequentes conflitos entre os concelhos e os donatários de direitos reais, o que traduz a discrepância entre o direito particular, consignado nos forais e o direito público, formulado nas leis gerais do reino. Daí, os povos serem muito sensíveis ao pagamento deste imposto, apresentando-o como um dano geral e comum a todos os grandes do reino: “Senhor, natural fundamento he, que homde o mayor dano sobreveem, ally se deve mais trigosamente prover, e porquamto ora sse allevantou huum dano comum, e geerall para dodollos luguares de vossos regnos, por causa que todallas Hordees, Egrejas, Cidades, e Villas, Castellos, Luguares, e Aldeas, e ainda, Senhor, as pomtes, e rreguatos todos teem portajees, e as fazem paguar aos pasageiros, mercadores, e almocreves, naturaees, e estrangeiros, e fazem paguar por ellos aquello que lhes praz, e o pior que he tomam as mercadoryas, bestas, e carreguas e sseus donos, e dizem que descaminharam, porque as nam paguaram; (...).”11 Contra este tipo de espoliações, os representantes dos concelhos, solicitaram punição para todos aqueles que exigissem o pagamento de portagens não especificadas nos velhos diplomas e a necessidade de se proceder à sua revisão: “poendo, Senhor, graves penas a todos aquelles que portajees fizerem rrecadar nos luguares, que Vossa

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Idem, ob. cit., pp.52-53 Idem, Ibidem., p.53


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Alteza achar, que portajees nam devem levar, rrecadar, nem aver, devassandoos per vossa jeeral declaraçam, fazendo Vossa Alteza Foraaes novos, muy bem declarados pella moeda dagora, dos quaes os trellados sejam postos nas Camaras das Cidades, Villas e Luguares, para se poder veer qualquer duvida, ou aggravo, que sobrevier acerca dos ditos Foraaes, que qcontece se falsificarem, e farees gramde mercee a vossos Povoos, e creceram vossas rremdas, e governarees vossos regnos em direito, e justiça.”12 Perante esta petição, D. João II informou que já havia ordenado, por carta régia de 15 de Dezembro de 1481, a recolha de todos os forais para serem examinados e confirmados, pelo Juiz dos seus Feitos, durante o prazo de um ano; os lugares que não detivessem foral era-lhes exigido, igualmente, a apresentação do título que legitimava a cobrança da portagem e costumagem. Mas mais uma vez, a medida tomada não teve resultados práticos e o propósito da revisão dos forais não chegou a efectivar-se. De todo o conjunto de queixas e petições, apresentadas em cortes, verificamos que o problema de fundo reside na arbitrariedade da cobrança dos direitos reais e na exorbitância do pagamento das portagens. Por este motivo, os pedidos dos representantes dos concelhos não estão relacionados com os princípios de autonomia, nem com as liberdades municipais, mas apenas na necessidade de revogarem os velhos diplomas, com vista a serem regularizados e especificados os montantes, devidos aos senhorios. Tal facto, demonstra que os forais antigos já haviam perdido a sua anterior importância enquanto estatutos político-concelhios, e se tinham transformado em meros instrumentos fiscais.

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Idem, ob. cit., p.54


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1.2. A REFORMA MANUELINA

oi ao rei D. Manuel I que coube o mérito de empreender a tão desejada reforma dos forais, após décadas de insistência, por parte dos representantes dos concelhos. Logo nas primeiras cortes, do seu reinado, realizadas em Montemor-o-Novo, a 27 de Outubro de 1495, os procuradores dos concelhos reclamaram de novo a revisão dos forais “por ser coisa em que recebiam grandes opressões e originar discórdias (...), assim por serem alguns em latim, e outros em desacostumada linguagem, (...).”13 Tendo consciência dos problemas apresentados e das “muitas dúvidas que cada dia recrecião no regno e demandas que se ordenavam per caso das vareas interpretações que letrados davam aos foraes velhos, determinou de hos fazer de novo e lhes dar a cada um sua verdadeira declaraçam, pera cada lugar do regno ter ho seu”.14 Para pôr em execução este projeto, D. Manuel I nomeou, em 1497, uma comissão, constituída inicialmente por Fernão de Pina, cavaleiro da Casa Real, e pelos doutores Rui Boto, chanceler-mor do reino e João Façanha, desembargador. Mais tarde conheceu novos oficiais, como o licenciado Rui da Grã (1499), os desembargadores dos Agravos da Casa da Suplicação Diogo Pinheiro e João Pires das Cubrituras (1500), o arcediago Afonso Madeira (1519), os doutores Luis Eanes, Juiz dos Feitos do rei, João Cotrim, Braz Neto e Pero Jorge (1521), entre outros.15 Esta comissão tinha a difícil tarefa de proceder à reforma dos forais, o que demonstra uma profunda consciência e preocupação do rei de que esta empresa não poderia estar a cargo de uma só individualidade, o Juiz dos Feitos, como havia sucedido nos reinados anteriores. Foi nesta mesma burocracia de letrados que a Coroa se apoiou para proceder às reformas legislativas, jurídicas e administrativas, a fim de adaptar o aparelho do Estado aos novos tempos. Outra das diligências, tomadas por D. Manuel e reveladora de uma preocupação metodológica de trabalho, foi a emissão da carta circular, datada de 22 de Novembro de 1497, enviada aos contadores das comarcas e na qual ordenava a recolha de todos os forais, tombos e escrituras, pelos quais se regulava a cobrança das rendas e direitos reais, de todas as cidades, vilas e lugares do reino. A carta exigia, igualmente, que todos os originais desses documentos fossem enviados à comissão para se “comfyrmar, lymitar, e declarar os Foraes todos destes nossos Regnos, como rezam, e justiça nos parecer, e tornallos a tall forma, e estillo, que se possam bem entender, e comprir, (...).”16 A par destas diligências, foram tomadas outras medidas complementares, necessárias à prossecução da reforma dos forais, sendo tomadas providências no sentido de uniformizar o sistema de pesos e medidas e de converter o valor das moedas. Em relação à primeira matéria, D. Manuel I convocou, por carta circular de 10 de Março de 1497, os representantes dos principais concelhos para uma reunião, na cidade de Lisboa, com vista à obtenção de elementos precisos sobre o valor dos pesos e medidas, utilizados nas suas circunscrições, já que os povos “recebiam muyta perda e dapno per

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13

Citado por Marcelo Caetano, Regimento dos Oficiais das Cidades, Vilas e Lugares destes Reinos, Prefácio à edição fac-similada do texto impresso por Valentim Fernandes em 1504, Lisboa, Fundação da Casa de Bragança, 1955, p.18 14 Damião de Gois, Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel, Coimbra, Acta Universitatis Conimbrigensis, 1949, Parte I, Cap. XXV, p.53 (citado por Carlos Margaça Veiga, “A Reforma Manuelina dos Forais” in O Foral da Ericeira no Arquivo Museu sob a coordenação de Margarida Garcez Ventura, Lisboa, Edições Colibri, 1993, p.49) 15 Sobre este assunto ver João Pedro Ribeiro, ob. cit., pp.8-14 16 João Pedro Ribeiro, ob. cit., p.80


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caso de hy haver pesos de muytas maneiras, e differenças assi os da carne, e marçaria, liuras de seda e pedras de linho e de lam, como outros muytos pesos d’outras calidades, (...).”17 Definidos os princípios que deveriam conduzir à uniformização do sistema de pesos, promulgou-se, em 1502, o seu Regimento e decretou-se que os pesos e medidas deveriam corresponder aos padrões de metal, enviados para todas as cidades, vilas e lugares do reino. A respeito do trabalho preliminar que determinou a conversão do valor das moedas, importa referir a carta régia de 25 de Junho de 1498, pela qual ordenava uma nova reunião, na cidade de Lisboa, com os membros da comissão da reforma dos forais, os mestres e oficiais das casas da moeda de Lisboa e do Porto, os representantes de cada comarca e o procurador dos Feitos da Coroa, a fim de se proceder ao exame e avaliação das moedas antigas, constantes nos velhos diplomas, com vista a ser logo “convertida e tornada na moeda nossa, agora neses nossos Reinos correntes, (...).”18 Decorrente desta reunião e no sentido de fixar o valor da moeda nos novos forais, foi publicada “A Carta de Declaração de Moedas”, de 12 de Junho de 149919, cuja disposição passou a fazer parte integrante da compilação das Leis Gerais do Reino, as Ordenações Manuelinas. Estas diligências, neste caso concreto dos pesos e da moeda, são aspetos particulares da governação de D. Manuel I, reveladoras de uma atividade reformadora complementar e necessária, no empreendimento da revisão dos velhos documentos. A primeira fase do plano da reforma dos forais consistiu no levantamento de todas as dúvidas, suscitadas pelo exame dos forais, com vista à obtenção de um conjunto de princípios básicos, a partir dos quais se daria início ao processo de revisão. Este trabalho preliminar foi efetuado por vinte e dois desembargadores das Casas da Suplicação e do Cível (tribunais supremos do reino), o que demonstra bem a envergadura deste projeto. Em Abril de 1498, Fernão de Pina levou o conjunto das dúvidas compiladas, a D. Manuel I que se encontrava então em Saragoça, a defender os seus direitos ao trono de Castela e Aragão. As respostas régias, conhecidas por Pareceres de Saragoça, em virtude de terem sido aprovadas nessa localidade, constituíram-se como matéria de jurisprudência, sendo integradas na compilação geral das Leis e Ordenações do Reino, por carta régia de 9 de Fevereiro de 1506.20 Estabelecidos os princípios gerais da reforma, procedeu-se à recolha de informações em diferentes partes do país, através de um pormenorizado inquérito, com o objetivo de averiguar os bens que possuíam cada um dos termos, bem como os réditos reais. Estas inquirições foram realizadas sobretudo nos concelhos que haviam recebido o pedido de relação dos direitos reais e de informação sobre os senhorios das terras e foram efetuadas por oficiais régios e pelo próprio Fernão de Pina, pois por alvará de 5 de Fevereiro de 1506, D. Manuel encarregou-o de fazer “justificaçoens em cada hum Lugar particularmente (...) com as pessoas, que nelles teverem nossas rendas, (...).” Para o efeito, o monarca notificava, pelo mesmo alvará, “todas as pessoas de nossos Reinos de qualquer estado e condição que sejão, que sendo-lhe notificado por parte do dito Fernam de Pina ao tempo que houver de ir a algum Lugar a fazer a dita Justificação, vão ou mandem lá a isso pessoas, com que se possa fazer, (...) ao qual darão pouzadas de graça, e as outras cousas por seus dinheiros.”21

17

Sebastião Francisco de Mendo Trigoso, Memória sobre os Pesos e Medidas Portuguezas, Lisboa, Officina da Academia Real das Sciencias, 1815, p.35 Eduardo Freire de Oliveira, Elementos para a História do Município de Lisboa, Lisboa, Typografhia Universal, 1885, Tomo I, 1ª Parte, p.376 19 João Pedro Ribeiro, ob. cit., Doc. XXIII, pp.81-84 20 João Pedro Ribeiro, ob. cit., p.7 21 Idem, ob. cit., pp.65-66 18


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Ficava, assim, estipulada a obrigação, por parte dos concelhos e lugares do reino, de darem aposentadoria, bem como todo o auxílio necessário, na diligência dos forais, a Fernão de Pina, aquando das suas deslocações pelo país. O mesmo documento declarava que ele estava encarregado de solicitar e requerer, na corte, todos os instrumentos que fossem indispensáveis para a elaboração dos novos forais. Sobre esta sua atividade de inquiridor, sabe-se que Fernão de Pina esteve pessoalmente a fazer inquirições em Palmela22, o que nos leva crer que o foral antigo daquela localidade, terá constituído a primeira fonte para a elaboração do foral manuelino de Alhos Vedros. No sentido de abreviar estas suas deslocações pelas comarcas do reino, D. Manuel determinou por carta régia, de 12 de Outubro de 1510, que Fernão de Pina não fosse “pessoalmente a todolos ditos Lugares a isso,” mas fosse somente “às Cabeças dos Almoxarifados, ou a outros Lugares convenientes, que lhe bem parecer, onde hirão (...) as pessoas, que lhe a elle bem parecer segundo for o Lugar, e assi as cousas, que hi ouver, pera se fazer a dita Inquirição, as quaes pessoas” iriam munidas dos “Tombos, Foraes, ou Escripturas, que a cerca dos direitos do tal Lugar tiverem, (...).” 23 Passados quase quinze anos de atividade reformadora, D. Manuel pretendia com esta medida que o processo decorresse com mais rapidez, dada a experiência acumulada ao longo destes anos de trabalho. As inquirições são, de facto, um outro aspeto importante do processo da reforma dos forais e revelador da visão pragmática do rei, na medida em que pretendia ter um conhecimento geral das realidades locais para um apuramento da verdade, de forma a sanar as confusões, existentes entre os representantes dos concelhos e os privilegiados. Contudo, resta-nos saber dos seus efeitos práticos, pois sendo utilizadas como método para prova de verdade sobre direitos reais, tributos, privilégios, usagens e costumagens das terras a inquirir, serviam, muitas das vezes, para legitimar os abusos, por parte daqueles que eram ouvidos e que tinham interesse na sua continuidade, enquanto que os desfavorecidos ou não eram inquiridos ou tinham receio de dizer a verdade. Recolhidas as informações e ultrapassados os conflitos entre os interesses particulares dos concelhos e os interesses gerais do reino, dava-se por concluído o processo de cada localidade. Fernão de Pina tinha a seu cargo a organização de todos os elementos, com vista à elaboração dos novos diplomas. Este trabalho era completado por um parecer dos juristas da Comissão, nomeadamente o chanceler-mor e o desembargador e só então passava-se à redação dos novos documentos, com a participação do calígrafo e do iluminador, tarefa cuja execução era também assegurada por Fernão de Pina que acumulava as funções de escrivão da chancelaria. Os forais, uma vez redigidos, eram conferidos por Fernão de Pina e assinados, na última folha, pelo rei e pelo chanceler-mor, Rui Boto, posto o que eram registados na chancelaria. Seguidamente eram selados, pelo chanceler, na presença do porteiro e eram levados em saco fechado ao escrivão para neles anotar as despesas com a sua feitura e finalmente eram enviados às terras respetivas, só entrando em vigor após a sua entrega e publicação.24 A reforma dos forais deu-se por concluída em 1520, desempenhando Fernão de Pina um papel muito importante na sua prossecução. Trabalhou nela sem interrupção cerca de vinte cinco anos, pois numa carta de 26 de Maio de 1520, diz-nos que “elle fez, e acabou todollos dictos Foraes segundo era obrigado, como disso fomos certo por justificaçam,

22

Maria José Mexia Bigotte Chorão, ob.cit.,p.111 João Pedro Ribeiro, ob. cit., p.70 24 Sobre este assunto ver Maria José Mexia Bigotte Chorão, ob. cit., pp.12-14 23


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que dello mandamos fazer, e vendo que na eixucuçam deste casso elle levou a vinte cinco annos muito trabalho, e ocupaçoens, e fez gastos, e despezas de sua fazenda assi em nossa Corte, como fora dela, amdado per todo o Regno fazendo per sy as diligências, e imquiriçoes com todallas partes, que pera fazer, e acabar os dictos Foraes eram necessarias, (...).”25 Como forma de pagamento, deste seu trabalho e empenhamento pessoal na empresa, D. Manuel concedeu-lhe uma renda anual e vitalícia de setenta mil reais. Terminava assim um processo que ocupou todo o reinado do rei Venturoso, com o objetivo de garantir uma mais judiciosa centralização e um maior fortalecimento do poder real.

25

João Pedro Ribeiro, ob. cit., p.87


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1.3. OS FORAIS MANUELINOS

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foral de Alhos Vedros, outorgado por D. Manuel I, a 15 de Dezembro de 1514, é o resultado da ação política reformadora, empreendida por aquele monarca, no período entre 1496 e 1520. Como tal, faz parte da coleção dos “Forais Novos” ou “Manuelinos”, assim designados, para se distinguirem dos “Forais Antigos”, concedidos nos primórdios da nacionalidade. “Forais Antigos” e “Forais Novos” são, de facto, duas expressões que correspondem não só a realidades sócioeconómicas bem distintas, como designam conteúdos diferentes. Enquanto que os primeiros surgiram na sequência do movimento da Reconquista Cristã do território peninsular aos muçulmanos e consequentemente das necessidades de reorganizar e povoar o reino, bem como de recrutar homens para a guerra; os segundos resultaram da necessidade de sistematizar e uniformizar leis gerais para o país, com o objetivo de afirmar o poder régio e assim assegurar um controlo mais eficaz sobre todo o território. Importa recordar que os forais antigos eram diplomas que tinham consignados direitos e privilégios especiais, na medida em que conferiam aos habitantes de uma determinada comunidade o direito à sua administração e organização económica e política, estabelecendo-se, assim, um “regime jurídico de excepção”26 para com as diversas localidades. O resultado desta situação, foi um território talhado em circunscrições municipais,27 regendo-se cada concelho por um conjunto de leis particulares. Foi precisamente este direito ao privilégio, reconhecido pelos antigos documentos que D. Manuel vai procurar contrariar, através do processo de revisão geral dos forais antigos. Estes diplomas constituíam, pelos particularismos que sustentavam à escala local, quer a nível do poder político, quer económico, verdadeiros entraves à centralização da autoridade régia. Impunha-se, portanto, a necessidade de adequar as leis particulares a leis gerais, de acordo com a nova conceção do Estado Moderno, de tendência centralizadora (controlo dos órgãos concelhios e uniformização e extensão do poder judicial régio). Ora quando D. Manuel está a proceder à reforma das velhas cartas, não está mais que a esvaziar os poderes locais dos seus direitos e privilégios especiais, com o único propósito de unificar o sistema municipal, integrando toda a população numa só ordem jurídica e fiscal. Os forais manuelinos foram, deste modo, descaracterizados na sua essência, na medida em que deixaram de ser os símbolos e os garantes das liberdades municipais e transformaram-se em escrituras de obrigação dos povos para com a Coroa, a única autoridade a quem era devida obediência. Utilizando a expressão de Carlos Margaça Veiga, os forais “(...) foram reduzidos a pouco mais que pautas aduaneiras a pagar pelos municípios”.28 Daí a razão do conteúdo destes diplomas, independentemente das especificidades locais, ter uma estrutura quase formal, com disposições comuns. Pois a filosofia que estava na base da sua atribuição, tinha apenas o intuito, regular a vida económica de cada localidade, de forma a arrecadar os direitos reais que eram devidos à Coroa e necessários para prosseguir com a política centralizadora e de expansão ultramarina.

[O]

26

Maria José Mexia Bigotte Chorão, op. cit., p.7 Carlos Margaça Veiga, “A Reforma Manuelina dos Forais” in O Foral da Ericeira no Arquivo Museu, p.35 28 Idem, ob. cit., p.56 27


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É no âmbito desta perspetiva que se deve entender a emissão de 237 forais, só no decorrer do ano de 151429, de entre os quais se destaca o foral de Alhos Vedros. Mas a ação reformadora de D. Manuel não se restringiu aos forais, aliás esta só foi possível de concretizar-se tendo em consideração outros aspetos da sociedade portuguesa de quinhentos, pelo que se impôs também a necessidade de se tomarem outras tantas medidas. Entre elas destacam-se a Reforma dos Pesos e Medidas, a Carta de Declaração das Moedas, a publicação do Regimento dos Oficiais das Cidades, Vilas e Lugares do Reino, legislação sobre a administração local e, sobretudo, as Ordenações Manuelinas30, as leis gerais do reino. As duas primeiras disposições foram decisivas na reforma dos forais, pois se a principal função das cartas manuelinas era registar os tributos dos municípios, havia necessidade de reconverter as velhas medidas, bem como a moeda, sempre sujeita a oscilações, aos novos valores, de modo a evitar a corrupção, prática muito comum, naqueles tempos, o que obstava ao desenvolvimento económico. Todas estas reformas, em conjunto com os forais fazem parte de um amplo projeto reformista que visou não só a modernização e reorganização do reino, mas sobretudo a centralização do poder real. Nesta perspetiva, os forais novos ou manuelinos foram os expoentes da centralização régia, na medida em que acentuaram o poder do rei sobre as instituições municipais, em oposição às leis particulares dos concelhos, características da Idade Média. Em suma, todo este trabalho representa um novo estilo político que se havia iniciado com D. João II e que D. Manuel I continuou e reforçou, marcando em Portugal, o processo de centralização monárquica.

29 30

Informação colhida de Francisco Ribeiro da Silva, “O Foral da Feira e Terra de Santa Maria” in Revista de História, Porto, Instituto Nacional de Investigação Científica, Vol. XI, 1991, p.103 Sobre este assunto ver Maria José Mexia Bigotte Chorão, ob. cit., p.8


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1.4. ALHOS VEDROS NO SÉCULO XVI

ara o conhecimento da história de Alhos Vedros ao tempo em que lhe foi outorgado o foral, dispomos de um conjunto de fontes documentais, em grande parte inéditas, na sua maioria provenientes do cartório da Ordem de Santiago, que deteve o senhorio da vila. Dessas fontes, destacam-se as visitações de 149231, 149332, 1523-2533, 153434, 155335, 1558-5936, 156537, 157138, e numerosos registos da chancelaria régia, sobretudo dos reinados de D. João II e D. Manuel. A partir desses documentos, é possível esboçar um quadro de Alhos Vedros no séc. XVI: o espaço, as gentes, as atividades económicas, o concelho, os edifícios religiosos e públicos.

[P]

1.4.1. O ESPAÇO O concelho de Alhos Vedros abrangia, no início do século XVI, na data em que lhe foi outorgado o foral (1514), um vasto território com uma área que corresponde sensivelmente à dos atuais concelhos da Moita e do Barreiro. Confrontava com os concelhos de Coina, a Sudoeste, Palmela, a Sul, e Aldeia Galega, a Nordeste. Os seus lugares principais eram, além da vila de Alhos Vedros, o Barreiro, cujo concelho viria a ser criado em 1521, a aldeia da Verderena, a aldeia da Telha, a aldeia de Palhais, o lugar do Lavradio, a povoação da Moita, a povoação então chamada Quintã de Martim Afonso (atual Rosário), e Sarilhos-o-Pequeno. Havia ainda outros núcleos populacionais de menor dimensão, como por exemplo, Charneca, Alfeirão, Barra-a-Barra, Banheira. 1.4.2. AS GENTES Através do censo da população que D. .João III mandou efetuar em 1527, mas só executado em 1532 nas terras que como Alhos Vedros pertenciam a ordens militares, conhecemos o número dos moradores da vila e seu termo, com algum pormenor. Esses dados são confirmados por outras fontes, em especial os livros de visitações. Em 1523, o número de vizinhos da vila e termo era de 240. Em 1532, na vila e termo havia 317 moradores (138 na vila e 179 no termo). Desse número, 65 eram viúvas, 8 clérigos e 9 mulheres solteiras. A distribuição dos moradores pelos lugares do concelho era a seguinte: Alhos Vedros – 138 moradores (27 viúvas, 4 mulheres solteiras, 5 clérigos) Lavradio – 33 moradores (8 viúvas, 2 mulheres solteiras, 1 clérigo) Verderena – 23 moradores (7 viúvas) Telha – 33 moradores (11 viúvas, 1 mulher solteira, 1 clérigo) Palhais – 48 moradores (9 viúvas, 1 mulher solteira, 1 clérigo)

31

T.T., Ordem de Santiago, Convento de Palmela,m.2,nºs 65 e 70 Idem, Ibidem, m.2, nº 72 33 Idem, Ibidem, Livro 172 (Texto publicado pela Dra. Ana de Sousa Leal) 34 Idem, Ibidem, m.5,nº 370 35 Idem, Ibidem, Livro 195 36 Idem, Ibidem, m.9, nº 766 37 Idem, Ibidem, Livro 210 38 Idem, Ibidem, Livro 216 32


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Moita – 14 moradores (2 viúvas) Quintã de Martim Afonso – 10 moradores (1 viúva, 1 mulher solteira) Outras quintãs – 18 moradores Em 1534, a visitação, então efetuada, assinalava na vila e termo 250 vizinhos, dos quais 30 de cavalo, isto é com a categoria de cavaleiros. Segundo parece, nesta contagem, no número dos vizinhos não estão incluídas as viúvas e as mulheres solteiras, nem os clérigos. Em 1553, data de outra visitação, havia na vila e termo de Alhos Vedros 406 fogos. Destes, na vila existiam 147 fogos e um total de 513 habitantes, dos quais 357 eram pessoas de confissão e comunhão, e 156 eram pessoas de confissão. Nestes últimos, contavam-se 84 escravos. Em Palhais, havia 83 fogos, 159 pessoas de confissão e comunhão (incluindo 12 escravos), e 46 pessoas só de confissão (21 brancos e 25 escravos). Na Telha, havia 37 fogos, 87 pessoas de confissão e comunhão, 24 de confissão. No Lavradio, 57 fogos, 159 pessoas de confissão e comunhão, 56 de confissão. Na Verderena-a-Grande 19 fogos, 59 de confissão e comunhão, 39 de confissão. Na Verderena-a-Pequena, 3 fogos, 10 pessoas de confissão e comunhão, 5 de confissão. Na Moita, 27 fogos, 66 pessoas de confissão e comunhão, 21 de confissão. Na Quintã de Martim Afonso, 20 fogos, 46 pessoas de confissão e comunhão, 10 de confissão. Em Sarilhos-o-Pequeno, 13 fogos, 32 de confissão e comunhão, 6 de confissão. Esta contagem é a mais completa que se conhece para Alhos Vedros no séc. XVI, e permite estabelecer a proporção entre o número de fogos e número de habitantes, que era aproximadamente de 3,5. Uma visitação de 1565 indica 150 fogos na vila. Uma contagem menos rigorosa, de 1571 (relato do italiano Venturino), assinala 370 fogos em Alhos Vedros e termo (Alhos Vedros, 300; Palhais, 40; Telha, 30). Depois, só voltamos a ter dados disponíveis para o séc. XVII: 161439 – Vila e termo, 544 vizinhos (Alhos Vedros, 115; Moita, Sarilhos-o-Pequeno e Quintã de Martim Afonso, 175; Lavradio, 98; Palhais, 94; Telha e Verderenas, 62). 162040 – Alhos Vedros, 183 fogos e 678 pessoas; Moita e Sarilhos, 86 fogos, 273 pessoas; Lavradio e Verderena, 112 fogos, 324 pessoas; Telha, 60 fogos, 130 pessoas; Palhais, 40 fogos, 112 pessoas. 1.4.3. ATIVIDADES ECONÓMICAS O território de Alhos Vedros, descrito em diversas fontes como “campina arenosa”, “terra inculta de charnecas”, “brejos” e “pinhais”, não era especialmente fértil, a não ser para a cultura da vinha. Daí que as principais atividades económicas, no séc. XVI, fossem a produção de vinho, e a exploração do sal. No foral são referidas outras atividades e a circulação de outros produtos, mas que não tinham a mesma importância do sal e do vinho. Aliás, o foral é um conjunto de normas igual ao de outras localidades que seguiam o foro de Palmela, e portanto para uma informação mais precisa é necessário procurar noutras fontes.

39 40

Idem, Ibidem, Livro 103 Frei Nicolau de Oliveira, Livro das Grandezas de Lisboa (publ. ed. Veja, Lisboa, 1991)


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Sem enumerar todas as atividades de forma exaustiva, devem referir-se a pesca, a criação de gado, alguma caça, a extração de lenha, algumas culturas de legumes, poucas árvores de fruto, além das figueiras. Culturas de cereais, ou a cultura da oliveira, tão importantes na época, raramente são mencionadas na documentação. A visitação de 1523, inclui uma lista de produtos que pagavam o dízimo ao comendador, e que nos permite saber, com algum rigor, quais eram os principais produtos: pão, vinho, azeite, linho, favas, tremoços e outros legumes, fruta, hortaliça de toda a sorte, mel e enxames, queijos, frangãos e patos, gados, poldros e burros, lã de ovelhas e carneiros, e do pescado. Recebia ainda o comendador o dízimo dos furões, e as conhecenças dos moinhos. Não é mencionado o sal, cujos dízimos eram pagos às comendadeiras de Santos, por privilégio antigo dado pelo mestre da Ordem, D. Paio Peres Correia. As comendadeiras eram também proprietárias de diversos pinhais. Na visitação de 1565, é referido que os frades de Santo Elói e as freiras de Santa Clara, que tinham no termo da vila muitas fazendas e vinhas, se escusavam a pagar o dízimo. Os pescadores também se “esqueciam” desse pagamento. Sabe-se pelos livros de visitações que havia cerca de 30 oliveiras no adro da igreja, cujo rendimento revertia para a Irmandade do Santíssimo Sacramento. Uma determinação do visitador em 1534, impunha multas aos donos dos porcos, bois e bestas que fossem encontrados debaixo das oliveiras: por cada porco, 50 reais por cada vez; pelos bois, 50 reais; por besta “se estiver estante”, 10 reais. Ao que parece, se as bestas fossem passantes, não havia lugar a multa. A extração de mel e de cera era outra atividade que não escapava às determinações dos visitadores. Desde pelo menos 1493, que os proprietários das colmeias eram obrigados a dar o dízimo ao comendador. Outra atividade, hoje esquecida, era a extração da grã. A grã é uma substância tintureira, de cor vermelho-escarlate, que se desenvolve a partir de um inseto, a cochonilha, que é parasitário dos carrascos. A partir da picada do inseto, forma-se uma excrescência pequena e arredondada, a galha dos carrascos ou grã. Também a grã, extraída no termo de Alhos Vedros, pagava o dízimo ao comendador. A importância deste produto era tal, que havia uma determinação régia proibindo de se arrancarem as carrasqueiras nos pinhais do Ribatejo e Arrábida, onde ainda hoje há carrascos com porte de árvores. Muito importante, era sem dúvida, a atividade da moagem. Em 1534, existiam na comenda de Alhos Vedros e Barreiro um total de 19 moinhos de maré (moendas). Os que pagavam o maior foro ao comendador eram os chamados moinhos d’El Rei (junto aos fornos de Vale de Zebro), que pagavam dois moios de farinha. Os outros pagavam em média 50 alqueires. 1.4.4. O CONCELHO O concelho de Alhos Vedros constituiu-se em finais do séc. XIV, tornando-se a pouco e pouco autónomo do antigo concelho de Ribatejo, agremiação municipal que englobava o território entre o Rio Coina e o Rio das Enguias (do Barreiro a Alcochete) e que teve os seus magistrados próprios entre os séculos XIII e XV. Entre outros documentos que provam a existência do concelho, deve mencionar-se uma carta do regente D. Pedro, em 1439, dirigida aos juízes, vereadores e homens-bons de Alhos Vedros. Em 1477, surge na documentação com a categoria de vila. Não foi pois o foral que criou o concelho, nem lhe deu o estatuto de vila. O foral visava sobretudo estabelecer as rendas e os impostos devidos ao Rei e ao senhorio da terra, o Mestrado de Santiago. A organização concelhia era idêntica à de outras terras da Ordem de Santiago, que detinha a jurisdição do Crime


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e do Cível, e designava ou confirmava os ofícios do concelho. São conhecidos os ofícios existentes em 1534, nomeados pela Ordem de Santiago, e quem os exercia: Alcaide-mor – Jorge Calado, cavaleiro da Ordem de Santiago Almoxarife – Diogo Figueira, cavaleiro da Ordem de Santiago Juiz dos Órfãos – Francisco Coelho, escrivão da Câmara do Mestre da Ordem de Santiago. Em seu lugar, servia o ofício Pedro Eanes Costa, cavaleiro da mesma Ordem. Procurador do Número – João Afonso, morador na vila Escrivão da Câmara, e dos Órfãos, e da Imposição, e Tabelião das Notas e Judicial – Diogo Vasques, cavaleiro, morador na vila. Tabelião e escrivão da Almotaçaria e da Ordem – Martim Gomes, morador na vila Contador dos Feitos, Repartidor dos Órfãos, e Juiz da Ordem dos Direitos Reais – Pero Bentes. Havia também um Juiz de Fora, nomeado pela Ordem, e que servia em Palmela e Alhos Vedros. Outros ofícios do concelho, eram: Juízes ordinários – 2 (eleitos pelo povo) Porteiro do Concelho (nomeado pelo mestre) Almotacés – 8 por ano (eleitos pela Câmara) Vereadores – 3 (sorteados anualmente) Procurador do Concelho (eleito pela Câmara) Quadrilheiros (eleitos pela Câmara) Juiz de vintena – na Moita (eleito pela Câmara) O concelho tinha ao seu serviço homens jurados que recebiam as rendas (rendeiros), as peitas (sacadores) e coimas (recebedores). Os juízes ordinários deviam fazer duas audiências por semana (segundas e sextas-feiras). As audiências e reuniões efetuavam-se no Paço do Concelho, já referenciado desde 1396, mas cuja localização exata se desconhece. Muitas decisões da Câmara (juízes ordinários e vereadores) eram sujeitas a confirmação da Ordem de Santiago, como por exemplo o lançamento de impostos, as posturas, etc. Na visitação de 1493, tinha sido determinado que não se fizesse postura, nem vereação, sem chamar o comendador. Ao concelho pertenciam diversas propriedades, caminhos, e espaços públicos, como por exemplo um rossio a poente da vila. Tinha o concelho outros direitos diversos, como por exemplo, o de colher os juncos, muito necessários para cobrir o sal nas marinhas, ou para atapetar as ruas, quando se efetuavam procissões. 1.4.5. DESCRIÇÃO DA VILA Socorrendo-nos de diversas fontes, em especial os livros de visitações, vamos percorrer a vila de Alhos Vedros no séc. XVI, detendo-nos, mais em pormenor, nos edifícios religiosos, sobre os quais dispomos de mais informações. Comecemos por descrever a chegada de um visitador: “Chegou o dito visitador à vila de Alhos Vedros, ao derradeiro dia do mês de Agosto, do ano de 1553, duas horas antes de sol posto, e se foi descer à igreja de S. Lourenço da dita vila, e fez oração, onde estava o cura e beneficiado, e outros padres. E depois de feita a oração, os saudou e lhes disse que se aparelhassem para o outro dia, pela manhã começar de visitação, e se preparassem para isso. E eles disseram, com


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toda a obediência, que estavam prestes, e daí se foi a uma pousada”. IGREJA DE S. LOURENÇO A visita começa pela igreja matriz, referindo à esquerda de quem entra (lado do Evangelho), uma “pia de baptizar”, descrita como “vaso de pedra lioz, redondo, antigo, muito alto, coberto com uma tapadoura de madeira velha, antiga, não tem fechadura, nem chave”. Na igreja, “assentam-se as mulheres diante e os homens detrás, em bancos e cadeiras rasas”. A capela-mor “tem um altar de alvenaria, forrado de azulejos. Sobem a ele por dois degraus de alvenaria”. No altar, a “imagem de S. Lourenço, de vulto, de madeira”, e da parte do Evangelho, “um retábulo pequeno de Flandres, arruinado, à parede do Espírito Santo”. E da Epístola, dois altares “pequenos de madeira, velhos, antigos, pintado a óleo, um de Santo António, outro de S. Vicente, e outras pequenas imagens de vulto, de madeira, sobre o altar, Santiago e S. João Baptista”. Na sacristia, à mão esquerda, da banda do norte, “um lavatório de pedra, metido na parede”. No corpo da igreja “um púlpito de pedra mole, lavrado de moderno”, e “duas pias de água benta, de pedra lioz”. O “coro, de madeira de castanho”. Quanto aos “portados”, o principal de “pedraria de ponto, com sobre-arco de fora e uma pedra enxerida [com] as insígnias de Santiago. Umas portas de bordo velhas”. Da “banda do poente está o campanário, de alvenaria”. O adro em redor da igreja, estava “demarcado. Pode-se fazer cemitério cerrado da banda que quiserem, por haver lugar para isso”. “Não tem casas para o prior. Podem-se fazer onde quiserem”. Quanto às sepulturas, dizia o visitador que “enterram na capela-mor e corpo da igreja. Pagam de esmola, pela sepultura perpétua mil reais, e de gastar o corpo, 400 reais. No adro, nada. E na capela de Nossa Senhora dos Anjos, dão 800 reais, que recebem os mordomos da capela”. De seguida, descreve as capelas: “Tem a igreja cinco capelas: da banda do Norte, no meio dela, uma capela de Nossa Senhora dos Anjos. Não há memória de quem a edificou. Tem sua confraria, por onde é administrada”, e “sobre o altar um retábulo de madeira, novo, lavrado de romano, pintado a óleo, de três painéis”, o do meio com a imagem de N. S. Anjos, os outros dois com a história dos Reis Magos; junto à pia batismal, estava a capela de Nossa Senhora da Piedade, mandada instituir e edificar por Isabel Ribeira; da banda do Sul, “pegada ao arco do cruzeiro, a capela de Santo António, que edificou Aires Gomes”, com uma imagem do santo, “de vulto de madeira” e “com a cruz na mão”, além de “duas imagens pequenas, Santa Luzia e Santa Catarina”; outra capela, que “chamam dos Priores, de Santo Estêvão” [instituída em 1523, por Sancha Martins]; outra de São Sebastião, que edificou Pero Vicente [em 1477], e que tem uma imagem do santo, “de vulto, de pau”. Observou o visitador, em 1553, que não havia qualquer imagem ou pintura da Trindade. Anotou ainda a existência de dois círios: o de S. João e o de Santa Luzia. As informações da visitação de 1553, são confirmadas e completadas por outras visitações: Em 1492, o visitador determinou que se trouxesse uma imagem de Santiago para a igreja. Determinou também que se cumprisse uma determinação de uma visitação anterior para se fazer um campanário. Perante isso, o comendador “apresentou logo o pedreiro, Rodrigo Anes, morador em Palmela”. O pedreiro disse que o faria “como o da igreja da Madanela, de Lisboa”, no mês de Agosto de 1493. E o comendador comprometeu-se a pagar-lhe pela obra “um tonel de vinho e 18 mil reais brancos”. O visitador de 1523 já encontrou o campanário feito. Em 1534, estava em construção a capela de Santo António. Mandara-a fundar Pero Gomes de Faria, e dava cumprimento a essa vontade, seu filho Aires Gomes de Faria. Nessa data, a capela de N. S. Piedade, tinha sido feita havia pouco, por João Rodrigues Mealheiro. A licença para a sua instituição fora dada em 18 de Dezembro de 1528 a ele e a sua mulher


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Isabel Ribeira, moradores na Telha, que para o efeito obrigaram todos os seus bens (marinhas, vinhas, casas). Em 1565, existiam na igreja as seguintes confrarias: Santíssimo Sacramento, N. S. Rosário, S. Pedro, S. João, e a do Espírito Santo. Nessa data, estava o chão da igreja muito danificado, por haver sepulturas abertas, que o visitador mandou reparar, e mandou que o chão fosse ladrilhado. HOSPITAL DO ESPÍRITO SANTO Em 1534, o visitador referia: “Achamos este hospital mudado do lugar onde soía estar. [Em 1523, estava no adro da igreja, e teria sido fundado em 1500]. É edificado na praça da dita vila, em uma casa sobradada, à qual se sobe por uma escada de tijolo a um peitoril de mesmo tijolo, coberto com um alpendre, forrado de bordo, posto sobre um mármore. E o portal da igreja do dito hospital é de alvenaria. E é uma só casa sobradada de madeiraria, e o altar é de madeira de bordo, com um degrau de madeira, e sobre ele está um retábulo dourado, e pintado de azul, e no meio dele a vinda do Espírito Santo sobre os Apóstolos. E da parte do Evangelho, está a imagem de Santa Luzia, e da parte da Epístola, a imagem de Santa Catarina. Tem seu sobrecéu e grinalda. Dizem os oficiais que custou 18 mil reais. Tem esta casa duas janelas, uma da parte do Levante com grades de ferro e outra do Poente, sem grades. E diante do altar está uma lâmpada com sua bacia e cobertoira, e estão dois castiçais”. “E debaixo desta casa está outra térrea, da grandura desta de cima, em a qual estão três leitos de madeira com suas camas, onde se agasalham os pobres. A qual casa tem uma fresta da parte do levante, com grades de ferro”. Mais dizia o visitador que o hospital tinha o seu quintal, poço, e outras casas velhas. Refere ainda as propriedades do hospital (almuinhas, pinhais, vinhas, casas em Palhais, etc.). E terminava: “Fez-se este hospital de esmolas, e a pedra e telha do outro que se pôde aproveitar se meteu nele. E é administrado pelos juízes e oficiais que em cada um ano fazem fazer oficiais que o rejam”. O hospital e albergaria do Espírito Santo, cuja descrição consta de visitações posteriores, viria a dar lugar à Misericórdia, tal como sucedeu em muitos outros lugares. Em Alhos Vedros, essa mudança deve ter ocorrido cerca de 1587, data do portal da igreja da Misericórdia. ERMIDA DE NOSSA SENHORA DA VITÓRIA Segundo a visitação de 1553, estava “situada no cabo da vila, no caminho que vai para os moinhos e marinhas, leste oeste. A qual edificaram e dotaram Pero Vicente, o Velho, e sua mulher Catarina Lopes, juntamente com a capela de S. Sebastião, que está na matriz”. Era uma “capela quadrada”, paredes de alvenaria, arco do cruzeiro chanfrado, a “ermida quadrada prolongada”. Tinha dois “portados”, o principal, a poente, e o travesso, do lado Sul. Sobre a porta principal, um alpendre. E sobre a empena da porta principal, um capelo de campanário, pequeno. Outras visitações completam estes dados: Na visitação de 1492, refere-se que era administrada pelo juiz e por um dos vereadores, anualmente. Em 1523, a ermida estava danificada, e um tal Lopo da Agrela estava a levar pedra das obras de reedificação para um poço que estava a fazer. O visitador mandou devolver as pedras, mas não sabemos se a determinação foi cumprida, nem se o poço era o conhecido “Poço Mourisco” que chegou aos nossos dias. A ermida ainda existia em 1758, e as memórias paroquiais referiam a obrigação de ali serem rezadas missas às segundas, terças e quartas, “enquanto o mundo durar”. Foi demolida, em data que desconhecemos. Existe, todavia, um edifício que corresponde à planta e orientação da ermida.


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ERMIDA DE SÃO PEDRO De acordo com a visitação de 1553, a “ermida do bem aventurado apóstolo S. Pedro”, estava “situada fora da vila, leste oeste, além da ponte, na estrada que vem do Barreiro. A qual ermida edificou o povo de Alhos Vedros de esmolas, por sua devoção. É edificada há pouco tempo”41. A capela era de alvenaria “sextavada”, o arco do cruzeiro chanfrado, e a “ermida quadrada, prolongada”. Antes do terramoto de 1755, já a ermida de S. Pedro estava arruinada, e demoliu-se, sem se reparar, segundo informou o pároco, em 1758. Restam ainda umas ruínas perto da ponte, junto à Corticeira Ibérica, que devem corresponder ao sítio da antiga ermida. ERMIDA DE SÃO MARCOS Em 1553: “Junto da Verderena, a Grande, entre as vinhas. Não há memória de quem a edificou”. Sabe-se que estava construída em 1492. ERMIDA DE SANTO ANTÓNIO (DA CHARNECA) Em 1553: “Junto da Quinta de Diogo Barbuda, um quarto de légua da vila, na estrada que vai para Palmela, à mão esquerda. Está a leste oeste. A qual edificou um Afonso Monteiro”. ERMIDA DE NOSSA SENHORA DA GRAÇA Em Palhais. Em 1553 era capela curada, anexa a Alhos Vedros. ERMIDA DE SANTO ANDRÉ Na Telha. Em 1553, era capela anexa a Alhos Vedros. ERMIDA DE SANTA MARGARIDA No Lavradio. Em 1553, era capela curada, anexa a Alhos Vedros. Sabe-se que estava construída em 1492. ERMIDA DE SÃO SEBASTIÃO Na Moita. Em 1553, era capela curada, anexa a Alhos Vedros. Estava “fora das casas, um pedaço ao Levante. Estava situada leste oeste, “com sua confraria”. Sabe-se que estava construída em 1492. Tinha sido edificada cerca de 145042. O concelho de Alhos Vedros punha o ermitão, mas trespassou esse direito em João Garcês, fidalgo, antes de 1523. ERMIDA DE SÃO JOÃO [EVANGELISTA] Em 1553, “situada no limite onde chamam a Quinta de Martim Afonso, junto do mar. Está afastada das casas um pouco

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Não é referida na visitação de 1523 Numa inscrição sepulcral ainda existente na ermida, pode ler-se:«aqui jaz caterina martinz filha de martin vasquez moreira escudeiro criado delrey dom eduarte e seu vasalo. E finou na gram pestenença nesta ermida en jdade de XX anos moça escosa a XII de julho era do Senhor de mil iiijс Liii anos: a primejra aqui sepultada deos aja sua alma: amen»

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ao Norte. Está a igreja leste oeste, desmembrada, por bula, de S. Sebastião. A qual ermida edificou Cosmo Bernardes [em 1532], e nela jaz enterrado”. O “portado principal”, feito ao modo “romano, de moldura, de três voltas por riba”. Tinha “alpendre sobre o portado principal”. Em 1523, como a ermida ainda não estava construída, os moradores iam assistir à missa a Sarilhos-Grandes, e o visitador queria obrigá-los a vir à matriz. AS PROCISSÕES Pela visitação de 1492, sabe-se que se faziam quatro procissões: a do dia de Ramos, a de Santa Maria de Agosto, a do Corpo de Deus, e a de Santiago. Os moradores das freguesias anexas eram obrigados a vir às procissões (de cada casa uma pessoa, marido ou mulher), sob pena de pagarem 50 reais ao meirinho. Eram ainda obrigados a virem à matriz em dia de S. Lourenço e de Santa Maria Candelária, a menos que justificassem a impossibilidade, por doença ou situação de pobreza. A ordem das cruzes na procissão do dia de Ramos, foi determinada na visitação de 1534: Alhos Vedros, Lavradio, Palhais e Moita (a cruz do Barreiro não ia na procissão). A ordem dos círios era a seguinte: Alhos Vedros, Lavradio, Barreiro, Verderena, Telha, Palhais, Moita. Esta sequência era a partir da retaguarda do cortejo, no “couce”, para usar o termo de então. E acrescentava o visitador: “e nesta ordem se assentarão na capela”. PAÇO DO CONCELHO Seria na praça da Vila (largo da Misericórdia e do Pelourinho). Em 1984, ao ser demolida uma casa nesse largo, encontraram-se vestígios de um arco e algumas pedras trabalhadas, de feição tardo-gótica. Não sabemos se eram do antigo Paço do Concelho, ou do hospital do Espírito Santo, ou de alguma casa nobre ali existente. CADEIA Ainda existente, em ruínas. No séc. XVIII, havia a rua pública da Cadeia. PRAÇA DA VILA Era a praça principal, referida em diversa documentação. Nela estavam o Paço do Concelho, o Hospital do Espírito Santo, e o Pelourinho. PELOURINHO Deve ter sido colocado na altura da concessão do foral. POÇO MOURISCO Ignora-se quem o mandou construir. Os relevos nele existentes são sem dúvida de finais do séc. XV, ou inícios do séc. XVI. A cabaça, sabe-se que é um dos elementos iconográficos da Ordem de Santiago (a cabaça dos peregrinos). O ramo de oliveira, é um símbolo universal de paz, mas no caso do poço de Alhos Vedros (em que o ramo tem uma grande azeitona) terá eventualmente outro significado. A flor de lis, surge em Alhos Vedros, na capela de S. Sebastião, no brasão de Fernão do Casal. AÇOUGUE Devia ser na praça da vila, ou perto dela (talvez onde está o antigo mercado). Os priores da igreja de S. Lourenço tinham o direito de ser os primeiros a escolher a carne.


REGISTO DO FORAL DE ALHOS VEDROS NO LIVRO DOS FORAIS NOVOS DE ODIANA (TORRE DO TOMBO).


QUADRO RÉGIO DO MONARCA D. MANUEL I, EXPOSTO NO SALÃO NOBRE DOS PAÇOS DO CONCELHO. ESTE QUADRO FAZ PARTE DE UMA COLECÇÃO DE PINTURA DO SÉCULO XVIII, CONSTITUÍDA POR VINTE SEIS TELAS DOS REIS DE PORTUGAL.


CAPELA DE S. JOÃO BAPTISTA, INTEGRADA NA IGREJA MATRIZ DE S. LOURENÇO DE ALHOS VEDROS, EXIBE UMA ABÓBODA DE NERVURAS EM ESTILO MANUELINO QUE SE CRUZAM EM TODOS OS SENTIDOS E QUE DESCARREGAM EM MÍSULAS NOS CANTOS DAS PAREDES. ENCONTRA-SE REVESTIDA DE AZULEJOS HISPANOÁRABES, SEGUNDO A TÉCNICA DE ARESTA, DA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XVI.

PIA DE ÁGUA BENTA RICAMENTE DECORADA COM ELEMENTOS VEGETALISTAS DA ÉPOCA MANUELINA, ESTÁ INTEGRADA NA PAREDE DEFRONTE AO ALTAR DE S. JOÃO BAPTISTA.


DOIS PORMENORES DOS AZULEJOS HISPANO-ÁRABES, NUMA COMBINAÇÃO IMAGINATIVA E IRREVERENTE DE VÁRIOS TIPOS DE PADRÕES A FORMAR PLANOS DE GRANDE DINAMISMO E BELEZA ARQUITECTÓNICA, DA CAPELA DE S. JOÃO BAPTISTA.


PIA DE ÁGUA BENTA, EM FORMA QUADRILOBULADA, DE ESTILO MANUELINO, LOCALIZADA JUNTO À PORTA DA ENTRADA, DO LADO DA EPÍSTOLA, DA IGREJA DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA. ALÉM DOS ELEMENTOS DECORATIVOS DAS PAREDES EXTERIORES, É DE REALÇAR O DETALHE DE UMA PEQUENA FLOR DE QUATRO PÉTALAS GRAVADA NO SEU INTERIOR E DE ONDE SAEM UMAS NERVURAS QUE LIGAM AOS LÓBULOS DA PIA.


POÇO QUINHENTISTA, CHAMADO DE «MOURISCO». EM PRIMEIRO PLANO SÃO VISÍVEIS OS ELEMENTOS DECORATIVOS NATURALISTAS: A CABAÇA, SÍMBOLO DO PEREGRINO A SANTIAGO, O RAMO DE OLIVEIRA COM AZEITONAS E A FLOR-DE-LIS.


PELOURINHO MANUELINO, TESTEMUNHO MATERIAL DA POLÍTICA REFORMISTA, EMPREENDIDA PELO REI D. MANUEL I E SÍMBOLO DO PODER MUNICIPAL DA VILA DE ALHOS VEDROS. A BASE DE PLANTA CIRCULAR APRESENTA-SE DECORADA POR UM SINGELO ENTRELAÇADO, A COLUNA ALTA DE SECÇÃO OITAVADA E PLANA É SOBREPUJADA PELO CAPITEL, DE FORMA PRISMÁTICA E LISA, O QUAL TERMINA NO REMATE, UMA ESFERA ARMILAR EM FERRO FORJADO QUE SERVE DE SUPORTE A UM CATAVENTO.


FACHADA PRINCIPAL DA CAPELA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO, ORIENTADA PARA POENTE, APRESENTA ELEMENTOS DA PRIMITIVA FÁBRICA, COMO O ÓCULO E O PORTAL GÓTICO DE ARCO TRILOBADO.


PORTAL GÓTICO DE ARCO TRILOBADO, ENRIQUECIDO COM ELEMENTOS ORNAMENTAIS CARACTERÍSTICOS DA ARTE MANUELINA, SENDO DE DESTACAR AS ARQUIVOLTAS REENTRANTES QUE DESCARREGAM NOS COLUNELOS DE FUSTES LISOS, COM OS CAPITEIS DECORADOS COM FLORES, FRUTOS E NAS BASES OS ENTRANÇADOS E AS CABAÇAS.


NO INTERIOR, A NAVE É SEPARADA DA CAPELA MOR POR UM BELO ARCO TRIUNFAL EM ASA DE CESTO, TALHADO EM MEIA CANA CÔNCAVA, ONDE ESTÃO ESCULPIDAS QUATRO FLORES EM RELEVO DE FOLHAGENS SOBREPOSTAS. DO CONJUNTO FAZEM PARTE DOIS COLUNELOS, UM DE CADA LADO DO ARCO QUE SE PROLONGAM NUMA ARQUIVOLTA, COM CAPITÉIS TAMBÉM DECORADOS COM A GRAMÁTICA DECORATIVA MANUELINA.


PORMENOR DE UMA DAS FLORES EM RELEVO QUE SE ENCONTRA ESCULPIDA NO ARCO TRIUNFAL.


PIA BAPTISMAL OITAVADA, LOCALIZADA DO LADO ESQUERDO, JUNTO À PORTA PRINCIPAL, CONSTITUI UMA INTERESSANTE PEÇA QUINHENTISTA.


PIA DE ÁGUA BENTA, LOCALIZADA DO LADO DIREITO, JUNTO À PORTA LATERAL. OUTRA PEÇA QUINHENTISTA, DE GRANDE INTERESSE, PELO SEU LAVOR DECORATIVO, EM QUE SE SALIENTAM OS MOTIVOS VEGETALISTAS, AS FLORES E AS BOLOTAS. ESTAS ÚLTIMAS TÊM UMA INTERPRETAÇÃO SIMBÓLICA, ASSOCIADAS À FERTILIDADE/IMORTALIDADE. SALIENTA-SE TAMBÉM, PELA FORMA DO ENTALHE, O CORDAME QUE CINGE A PIA.


PORTAL DO SÉCULO XVI, LOCALIZADO NA TRAVESSA DO ALFERES-MOR, NO NÚCLEO ANTIGO DA VILA DA MOITA. É O ÚNICO PORTAL DE TIPOLOGIA MANUELINA QUE CHEGOU ATÉ HOJE, NUMA CONSTRUÇÃO CIVIL. APRESENTA CANTARIAS DE VÃO EM ARCO CONOPIAL, COM UMBRAIS E LINTEL BISELADOS.



2. O Foral de Alhos Vedros


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2.1. FAC-SÍMILE

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2.2. TRANSCRIÇÃO PALEOGRÁFICA 43

43 Sendo a transcrição paleográfica seguida do texto modernizado, adotou-se um critério de intervenção mínima. Assim, foram desdobradas as abreviaturas, mas não se atualizou o emprego de maiúsculas, nem do i e j. ou do u e v. De igual modo se procedeu quanto ao ç com valor de c, e ao g com valor de j. Por comodidade de leitura e de apresentação gráfica, foram abertos parágrafos e inseriram-se junto ao texto, com outro corpo de letra, os títulos que no original estão escritos na margem. Recorreu-se à pontuação apenas nos casos em que pareceu necessária para melhor entendimento do texto. Manteve-se a numeração romana. Lapsos no original foram restituídos entre parêntesis retos. As mudanças de fólio vão assinaladas em itálico, entre parêntesis curvos. Além do texto do foral, transcreveram-se outros registos com ele relacionados, e constantes do respetivo códice, ou sejam, os vistos de correição e os custos da feitura do foral.


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(fol.1) [texto:] DOM MANUEL per graça de Deus Rey de Portugual e dos Alguarues daquem e dalem maar em Africa e senhor de Guynee e da conquista nauegaçam e comercio dEthiopia Arabia Persia (1v) e da India. A quantos esta nossa Carta de Foral dado [a] Alhos Uedros e aos outros lugares de sua jurdiçam pera sempre virem fazemos saber que por bem das sentenças e determinações jeraaees e especiaaees que foram dadas e feytas por nós e com os do nosso Conselho e leterados açerqua dos foraes dos nossos Regnos e dos direjtos reaes e tributos que se per elles deuiam pagar E assj pellas Jmquirições que principalmente mandamos fazer em todollos lugares de nossos Regnos e senhorios justificadas primeiro com as pessoas que os dittos direjtos reaes tinham achamos per Foral de Palmella que os tributos foros e direjtos reaes na ditta villa se deuem e ham darrecadar e pagar daquj em diante na maneira e forma seguinte (2) Decraramos primeiramente que no ditto lugar e nos outros seus anexos se não ha de pagar nenhum foro nem tributo das noujdades que ouuerem na ditta terra somente dizimo a Deus. E pagase na ditta terra a dizima de qualquer pescado que se tira em terra assy per pescadores da terra como de fora. E se os da terra ho leuarem (a) vender a outra parte não pagaram a ditta dizyma se hy ho nom tirarem. E quando hy sair fresco daram conduto aos pescadores por aquelle dia que repousarem em suas casas per aluidro dos hoficiaaees. E do pescado que tomam pera seu comer pagam somente ho dizymo a Deus. E com rede pee pera vender dizymo a Deus somente. E com fisgua ou a maão não paguam direito (2v) Pena darma E da pena darma se leuaram duzentos reaes somente e as armas perdidas com decraraçam que se não leuaram quando apunharem espada ou qualquer outra arma sem ha tirar nem os que sem preposito em reyxa noua tomarem paao ou pedra posto que fizerem mal. E posto que de preposito as tomem se não fizerem mal com ellas não pagaram nem a pagara moço de quinze annos e dij pera bayxo nem molher de qualquer hjdade nem os que castigando sua molher e filhos e escrauos tirarem sangue nem os que sem arma tirarem sangue com bofetada ou punhada nem quem em defendimento de seu corpo ou apartar e estremar outros em aRojdo tirarem armas posto que com ellas tirarem sangue (3) nem escrauo de qualquer hjdade que sem ferro tirar sangue. Gado de vento E o gado do uento sera da Ordem quando se perder segundo nossa ordenação com decraraçam que


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ha pessoa a cuja maão ou poder foor teer o dito gado o venha escreuer a dez dias primeiros seguintes sob pena de lhe ser demandado de furto. E a dizyma das sentenças se não leuara nunca hy porque assy foy per nós Jeralmente determinado com nossos leterados. E pagara de pensão cada hum dos dous taballiães que hy ha por anno mil quinhentos sesenta reais. ~ outra emnouação nem mudan(3v)ça. Os manjnhos se darão segundo nossa ordenação sem nenhua E nos montados usaram com seus vyzynhos por suas posturas huus com os outros. Portagem Decraramos primeiramente que a portagem que se ouuer de paguar na ditta villa ha de ser per homens de fora della que hj trouxerem cousas de fora a vender ou as comprarem hj e tirarem pera fora da villa e termo a qual portagem se pagara desta maneira scilicet leuarseha de portagem em cada hum dos dittos luguares dous reaes somente por carga major de toda a mercadoria de qualquer sorte e callidade que seja. E da carga menor e das outras a este respejto Somente a carga do pão não pagara mais que hum real por carga major e da menor e das outras ha este respejto (4) E decraramos que carreta carregada semtenda por duas cargas mayores segundo ha callidade que forem. E decraramos mais que de qualquer barca ou batel que de hy comprar e tirar pera fora per pessoas que não sejam vyzynhos pagaram de portagem vinte e sette reaes. Cousas de que se não pagara portagem E decraramos que se não pagara portagem do vinho que se carregar na ditta terra em tonees ou outras quaesquer vasilhas nem se fara saber. E os vyzynhos da ditta villa não faram saber da portagem nem pagaram de nenhuas cousas que tirarem e trouxerem posto que sejam pera vender. E decraramos que se não pagara portagem de todo pão cozydo quejjadas biscojto farellos nem douos nem de lejte nem de cousa delle que seja sem saal nem de prata laurada nem de uides (4v) nem de canas nem de carquejxa tojo palha vasoyras nem de pedra nem de barro nem de lenha nem herua nem das cousas que se comprarem da villa pera o termo nem do termo pera a villa posto que sejam pera vender Assy vyzynhos como estrangeyros nem das cousas que se trouxerem ou leuarem pera algua armada nossa ou feyta per nosso mandado Nem dos mantimentos que os caminhantes comprarem e leuarem pera sj e pera suas bestas Gados de montados Nem dos gaados que vierem pastar a alguus luguares pasando Nem estando saluo daquelles que hj somente venderem dos quaes entam pagaram polas leys e preços deste foral. Casa moujda E decraramos que das dittas cousas de que assy mandamos que se não pague portagem se não hade fazer saber. (5) A Casa moujda a qual portajem jsso mesmo se não pagara de casa mouida assj jndo como vindo nem


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outro nenhum direito per qualquer nome que possam chamar saluo se com a ditta casa moujda leuarem cousas pera uender porque das taes cousas pagarão portagem omde somente as ouuerem de vender segundo as conthias [que] neste foral vão decraradas e não doutra manejra. Pasajens Nem se pagara de nehuas mercadorias que ha ditta villa vierem ou forem de passagem pera outra parte assy de nocte como de dia e a quaesquer oras nem serão obrigados de o fazerem saber nem emcorrerão por isso em nenhua pena posto que hy descarreguem e posem e se hy mais ouuerem destar que ho outro dia todo por algua cousa emtam ho faram saber (5v) dij por diante posto que não hajam de vender Novidades pera fora dos bens nem pagaram a ditta portagem os que leuarem os frujtos de seus bens moueis ou de raiz ou leuarem as rendas e frujtos de quaesquer outros bens que trouxerem darrendamento ou de renda nem das cousas que a alguas pessoas forem dadas em pagamento de suas tenças casamentos merçes ou mantimentos posto que as leuem pera vender. Gado bestas Pagarseha a mais de cada cabeça de gaado vacum assy grande como pequeno hum real e do porco mejo real e do carnejro e todo o outro gaado miudo dous ceptiis e de besta caualar ou muar dous reaes e da besta asnal hum real e do escrauo ou escraua ajnda que seja parjda seis reaes. E se se forrar dara o dizemo da vallia de sua alforria por que (6) se resgatou ou forrou. Emtrada Os que trouxerem mercadorias pera vender se no proprio luguar onde quiserem vender ouuer rendejro da portagem ou ofeçial della fazerlhoham saber ou os leuaram a praça ou açougue da ditta villa ou nos resios e saydas della qual mais quiserem sem nenhua pena E se hy não ouuer rendejro nem praça descarregaram liuremente omde quiserem sem nenhua pena comtanto que não vendam sem ho notificar ao requeredor se o hy ouuer ou ao juiz ou vyntaneyro se hy se poder achar e se hy nenhus delles ouuer nem se poder entam achar notefiquemno a duas testemunhas ou a hua se hj mais não ouuer e a cada hum delles pagartam o ditto direijto da portagem que por este (6v) foral mandamos pagar sem nenhua mais cautella nem pena. Descamjnhado por emtrada E nam o fazendo assy descaminharam e perderam as mercadorias somente de que assy nom pagarem o ditto direjto da portagem e nam outras nenhuas nem as bestas nem carros nem as outras cousas em que as leuarem ou acharem. E posto que hy aja rendeiro na taal villa ou praça se chegarem porem despois do sol posto nam faram saber mas descaregaram onde quiserem comtanto que ao outro dia atee mejo dia o notefiquem aos offeciaaees da ditta portagem primeiro que vendam sob a ditta pena. E se nam ouuerem de uender e forem de caminho nam seram obrigados a nenhua das dittas recadações segundo que no titulo da (7) pasagem fica decrarado.


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Sayda E os que comprarem cousas pera fora de que se deua de pagar portagem podellasham comprar liuremente sem nenhua obrigaçam nem dilligemçia Descamjnhado por sayda E somente ante que as tirem pera fora da taal villa e termo arecadaram com os offeçiaaees a que pertencer sob a ditta pena de descamjnhado. Priuiligiados da portagem E os priuiligiados da ditta portagem posto que a nam ajam de pagar nam seram escusos destas dilligemçias destes dous capitolos atras das emtradas e sajdas como ditto he sob a ditta pena. as pesoas eclesiasticas de todollos mosteiros assy de homes como de molheres que fazem voto de profissam e os crerigos dordens sacras e assy os beneficiaados dordens meores posto que as nam tenham que uiuem (7v) como crerigos e por taaees forem aujdos todollos sobreditos sam isentos e priuilegiados de pagarem nenhua portagem usagem nem costumagem per qualquer nome que a possam chamar assy das cousas que uenderem de seus beens e benefiçios como das que comprarem troxerem ou leuarem pera seus usos ou de seus benefiçios e casas e familiares de qualquer calidade que sejam. E assj ho seram a Çidade dEvora e as villas de Covilhãa Gujmaraaens Mogadojro a que foj dado priuilegio de nam pagarem a ditta portagem ante da era de mil duzentos vinte e quatro annos na qual foj dada (8) a Villa de Palmella ao Mestrado de Sanctiaguo em cujo termo jaaz o ditto luguar dAlhos Vedros. E assj o seram quaesquer outros luguares ou pesoas que o semelhante priuilegio tiuerem ante da ditta dada. E assj ho seram os vezinhos do ditto luguar e termo escusos da ditta portagem no mesmo luguar nem seram obrigados a fazerem saber de hjda nem vinda. E as pessoas dos dittos luguares priuilegiados nam tiraram mais o treslado de seu priuilegio nem ho trazeram somente traram certidam fejta pello escriuam da Camara e com o sello do Conselho como sam vezinhos daquelle luguar. E posto que aja duujda nas dittas certidooens se sam ver(8v)dadejras ou daquelles que as apresentam poderlheam sobre jsso dar juramento sem os mais deterem posto que se diga que sam verdadejras. e se despojs se prouar que eram falsas perdera o escriuam que ha fez o offiçio e sera degredado dous annos pera Cepta. E a parte perdera em dobro as cousas de que assj emganou e sobnegou a portagem a metade pera nossa camara e a outra per a ditta portagem dos quaes priuilegios usaram as pessoas nelles contheudas pellas dittas certidões posto que vão com suas mercadorias nem mandem suas precurações comtanto que aquellas pessoas que as leuarem jurem que a ditta certidam he uerdadejra e que as taaees mercadorias sam (9) daquelles cuja he a certidam que apresentaram. Pena do foral E qualquer pessoa que for contra este nosso foral leuando mais direjtos dos quj nomeados ou leuando destes majores quantias das aquj decraradas ho auemos por degradado por hum anno fora da villa e termo e majs pague da cadea trinta reaes por hum de todo o que assy mais leuar pera a parte a que os leuou. E se a nam quiser leuar seja a metade pera quem hacusar e a outra metade pera os catiuos. E damos poder a qualquer justiça honde aonteçer


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assy juizes como vyntaneyros ou quadrilheiros que sem mais proçeso nem ordem de juizo sumariamente sabida a verdade condepnem os culpados no ditto caso de degredo e assj do dinhejro atee conthia (9v) de dous mil reaes sem appellaçam nem agrauo e sem disso poder conheçer almoxarife nem contador nem outro ofiçial nosso nem de nossa fazenda em caso que ho hy aja. E se o senhorio dos dittos direitos o ditto foral quebrantar per sj ou per outrem seja logo sospenso delles e da jurdiçam do ditto luguar sa a tiuer emquanto nossa merçe for. E mais as pessoas que em seu nome ou por elle o fizerem emcorreram nas dittas penas e os almoxarifes escriuães e offeçiaaees dos dittos direjtos que o assj nam comprirem perderam logo os dittos offiçios e nam aueram mais outros. E portanto mandamos que todas as cousas contheudas neste foral que nos poemos por lej se cumpram pera sempre do theor do qual mandamos (10) fazer tres hum delles pera a Camara dAlhos Vedros e outro pera o senhorio dos dittos direjtos E outro pera a nossa Torre do Tombo pera em todo ho tempo se poder tirar qualquer duujda que sobre jsso possa sobreuijr. Dada em a nossa muj nobre e sempre leal Çidade de Lixboa a quimze dias de Dezembro do [anno do] naçimento de Nosso Senhor Jesu Cristo de mil quinhentos e quatorze annos. E vaj comcertado em noue folhas e meja per mym Fernam de Pyna. [ass.] el Rey [ass.] Rodericus foral pera alhos Vedros


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[fols. I e Iv] Valem os custos bjRiiij Reais letras xbiij folhas 9 peles 14 chanceler Lx

[vistos de correição:] Visto em correição Alhos Vedros 30 de Novembro de 1652 [ass.] Freitas Visto em correição Alhos Vedros 24 de 1696 [ass.] Taborda Visto em correição Alhos Vedros Fevereiro 21 de 1660 [ass.] Vellez Visto em correição Alhos Vedros 1 Novembro 669 [ass.] Mattos Visto em correição Alhos Vedros 20 Dezembro 1662 [ass.] Pires (?) Visto em correição Alhos Vedros 5 de Julho 1619 [ass.] Sanchez (fol.Iv.) Visto por Mym fazendo Correyção em Alhos Vedros o primeiro dAbril de 1561

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[ass.] Licenciado Machado Ja vista residencia do Licenciado Fernão de Sousa corregedor que foi desta comarca a 31 dAgosto de 1590 [ass.] Leitão Visto em correição Alhos Vedros 9 de setembro 623 [ass.] Cabral Visto na Residência do Ouvidor Sebastião Pereira Setuvel 20 de Novembro 1628 Visto em correição Alhos Vedros 25 novembro 638 [ass.] da Cunha Visto na Residência do Licenciado Luís da Cunha Ouvidor hendicado Setuval 24 de Outubro de 1641 [ass.] Palha (?) Visto em correição Alhos Vedros 30 Março 1698 [ass.] Tibao (?)

(Fol. II) Visto no Tombo das Comendas da Mesa mestral da Ordem de Santiago en 12 de setembro de 1614 [ass.] Machado (fol.IIv.)

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2.3. TEXTO MODERNIZADO DOM MANUEL, por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves de Aquém e de Além-Mar em África e senhor de Guiné e da conquista, navegação e comércio de Etiópia, Arábia, Pérsia (1v) e da India. A quantos esta nossa Carta de Foral dado [a] Alhos Vedros e aos outros lugares de sua jurisdição para sempre virem, fazemos saber que por bem das sentenças e determinações gerais e especiais que foram dadas e feitas por nós e com os do nosso Conselho e letrados acerca dos forais dos nossos Reinos e dos direitos reais e tributos que se por eles deviam pagar e assim pelas inquirições que principalmente mandamos fazer em todos os lugares de nossos Reinos e senhorios, justificadas primeiro com as pessoas que os ditos direitos reais tinham, achamos pelo Foral de Palmela que os tributos, foros e direitos reais na dita vila, se devem e hão-de arrecadar e pagar daqui em diante, na maneira e forma seguinte: (2) Declaramos primeiramente que no dito lugar e nos outros seus anexos se não há-de pagar nenhum foro nem tributo das novidades que houverem na dita terra, somente dízimo a Deus. E paga-se na dita terra a dízima de qualquer pescado que se tira em terra, assim por pescadores da terra como de fora. E se os da terra o levarem [a] vender a outra parte não pagarão a dita dízima se aí o não tirarem. E quando aí sair fresco darão conduto aos pescadores por aquele dia que repousarem em suas casas, por alvidro (= alvitre) dos oficiais. E do pescado que tomam para seu comer, pagam somente o dízimo a Deus. E com rede-pé para vender, dízimo a Deus somente. E com fisga ou à mão não pagam direito (2v) Pena de arma E da pena de arma se levarão duzentos reais somente e as armas perdidas, com declaração que se não levarão quando empunharem espada ou qualquer outra arma sem a tirar, nem os que sem propósito em rixa nova tomarem pau ou pedra, posto que fizerem mal. E posto que de propósito as tomem, se não fizerem mal com elas não pagarão, nem a pagará moço de quinze anos e daí para baixo, nem mulher de qualquer idade, nem os que castigando sua mulher e filhos e escravos tirarem sangue, nem os que sem arma tirarem sangue com bofetada ou punhada, nem quem em defendimento de seu corpo ou a apartar e estremar outros em arruído tirar armas, posto que com elas tirarem sangue, (3) nem escravo de qualquer idade que sem ferro tirar sangue.


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Gado do vento E o gado do vento será da Ordem quando se perder, segundo nossa ordenação com declaração que a pessoa a cuja mão ou poder for ter o dito gado o venha escrever a dez dias primeiros seguintes, sob pena de lhe ser demandado de furto. E a dízima das sentenças se não levará nunca aí porque assim foi por Nós geralmente determinado com nossos letrados. E pagará de pensão cada um dos dois tabeliães que aí há por ano mil quinhentos sessenta reais. Os maninhos se darão segundo nossa ordenação sem nenhuma outra inovação nem mudan(3v)ça. E nos montados usarão com seus vizinhos por suas posturas uns com os outros. Portagem Declaramos primeiramente que a portagem que se houver de pagar na dita vila há-de ser por homens de fora dela que aí trouxerem cousas de fora a vender ou as comprarem aí e tirarem para fora da vila e termo. A qual portagem se pagará desta maneira, a saber: levar-se-há de portagem em cada um dos ditos lugares dois reais somente por carga maior de toda a mercadoria de qualquer sorte e qualidade que seja. E da carga menor e das outras a este respeito somente a carga do pão não pagará mais que um real por carga maior e da menor e das outras a este respeito (4) E declaramos que carreta carregada se entenda por duas cargas maiores segundo a qualidade que forem. E declaramos mais que de qualquer barca ou batel que daí comprar e tirar para fora por pessoas que não sejam vizinhos pagarão de portagem vinte e sete reais. Coisas de que se não pagará portagem E declaramos que se não pagará portagem do vinho que se carregar na dita terra em tonéis ou outras quaisquer vasilhas nem se fará saber. E os vizinhos da dita vila não farão saber da portagem nem pagarão de nenhumas coisas que tirarem e trouxerem, posto que sejam para vender. E declaramos que se não pagará portagem de todo o pão cozido, queijadas, biscoito, farelos, nem de ovos, nem de leite, nem de coisa dele que seja sem sal, nem de prata lavrada, nem de vides, (4v) nem de canas, nem de carqueja, tojo, palha, vassoiras, nem de pedra, nem de barro, nem de lenha, nem erva, nem das coisas que se comprarem da vila para o termo, nem do termo para a vila, posto que sejam para vender. Assim vizinhos como estrangeiros, nem das coisas que se trouxerem ou levarem para alguma armada nossa, ou feita por nosso mandado, nem dos mantimentos que os caminhantes comprarem e levarem para si e para suas bestas. Gados de montados Nem dos gados que vierem pastar a alguns lugares, passando nem estando, salvo daqueles que aí somente venderem, dos quais então pagarão pelas leis e preços deste foral.


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Casa movida E declaramos que das ditas coisas de que assim mandamos que se não pague portagem se não há-de fazer saber. (5) A casa movida a qual portagem isso mesmo se não pagará de casa movida, assim indo como vindo, nem outro nenhum direito por qualquer nome que possam chamar, salvo se com a dita casa movida levarem coisas para vender porque das tais coisas pagarão portagem onde somente as houverem de vender, segundo as quantias [que] neste foral vão declaradas e não doutra maneira. Passagens Nem se pagará de nenhumas mercadorias que à dita vila vierem ou forem de passagem para outra parte, assim de noite como de dia e a quaisquer horas, nem serão obrigados de o fazerem saber nem incorrerão por isso em nenhuma pena, posto que aí descarreguem e pousem e se aí mais houverem de estar que o outro dia todo por alguma coisa então o farão saber (5v) daí por diante, posto que não hajam de vender Novidades para fora dos bens Nem pagarão a dita portagem os que levarem os frutos de seus bens móveis ou de raiz, ou levarem as rendas e frutos de quaisquer outros bens que trouxerem de arrendamento ou de renda, nem das coisas que a algumas pessoas forem dadas em pagamento de suas tenças, casamentos, mercês ou mantimentos, posto que as levem para vender. Gado, bestas Pagar-se-á a mais de cada cabeça de gado vacum assim grande como pequeno um real e do porco meio real e do carneiro e todo o outro gado miúdo dois ceitis e de besta cavalar ou muar dois reais e da besta asnal um real e do escravo ou escrava ainda que seja parida seis reais. E se se forrar dará o dízimo da valia de sua alforria por que (6) se resgatou ou forrou. Entrada Os que trouxerem mercadorias para vender, se no próprio lugar onde quiserem vender houver rendeiro da portagem ou oficial dela fazer-lho-ão saber, ou os levarão a praça ou açougue da dita vila, ou nos rossios e saídas dela qual mais quiserem sem nenhuma pena. E se aí não houver rendeiro nem praça descarregarão livremente onde quiserem, sem nenhuma pena, contanto que não vendam sem o notificar ao requeredor se o aí houver ou ao juiz ou vintaneiro se aí se poder achar e se aí nenhuns deles houver nem se poder então achar, notifiquem-no a duas testemunhas ou a uma se aí mais não houver e a cada um deles pagarão o dito direito da portagem que por este (6v) foral mandamos pagar sem nenhuma mais cautela nem pena. Descaminhado por entrada E não o fazendo assim descaminharão e perderão as mercadorias somente de que assim não pagarem o dito direito da portagem e não outras nenhumas, nem as bestas, nem carros, nem as outras coisas em que as levarem ou acharem. E posto que aí haja rendeiro na tal vila ou praça, se chegarem porém depois do sol posto não farão saber mas descarregarão onde quiserem, contanto que ao outro dia até meio dia o notifiquem aos oficiais da dita portagem primeiro


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que vendam sob a dita pena. E se não houverem de vender e forem de caminho não serão obrigados a nenhuma das ditas arrecadações segundo que no título da (7) passagem fica declarado. Saída E os que comprarem coisas para fora de que se deva de pagar portagem podê-las-ão comprar livremente sem nenhuma obrigação nem diligência Descaminhado por saída E somente antes que as tirem para fora da tal vila e termo arrecadarão com os oficiais a que pertencer sob a dita pena de descaminhado. Privilegiados da portagem E os privilegiados da dita portagem posto que a não hajam de pagar não serão escusos destas diligências destes dois capítulos atrás das entradas e saídas como dito é, sob a dita pena, as pessoas eclesiásticas de todos os mosteiros, assim de homens como de mulheres que fazem voto de profissão e os clérigos de ordens sacras e assim os beneficiados de ordens menores, posto que as não tenham, que vivem (7v) como clérigos e por tais forem havidos, todos os sobreditos são isentos e privilegiados de pagarem nenhuma portagem usagem nem costumagem, por qualquer nome que a possam chamar, assim das coisas que venderem de seus bens e benefícios como das que comprarem trouxerem ou levarem para seus usos ou de seus benefícios e casas e familiares de qualquer qualidade que sejam. E assim o serão a cidade de Évora e as villas de Covilhã, Guimarães, Mogadoiro, a que foi dado privilégio de não pagarem a dita portagem antes da era de mil duzentos vinte e quatro anos (=1186), na qual foi dada (8) a Vila de Palmela ao Mestrado de Santiago, em cujo termo jaz o dito lugar de Alhos Vedros. E assim o serão quaisquer outros lugares ou pessoas que o semelhante privilégio tiverem antes da dita dada. E assim o serão os vizinhos do dito lugar e termo escusos da dita portagem no mesmo lugar nem serão obrigados a fazerem saber de ida nem vinda. E as pessoas dos ditos lugares privilegiados não tirarão mais o traslado de seu privilégio nem o trazerão somente trarão certidão feita pelo escrivão da Câmara e com o selo do Conselho como são vizinhos daquele lugar. E posto que haja dúvida nas ditas certidões se são ver(8v)dadeiras ou daqueles que as apresentam, poder-lhe-ão sobre isso dar juramento sem os mais deterem posto que se diga que são verdadeiras. E se depois se provar que eram falsas perderá o escrivão que a fez o ofício e será degredado dois anos para Ceuta. E a parte perderá em dobro as coisas de que assim enganou e sonegou a portagem a metade para nossa câmara e a outra para a dita portagem, dos quais privilégios usarão as pessoas neles conteúdas pelas ditas certidões, posto que vão com suas mercadorias nem mandem suas procurações contanto que aquelas pessoas que as levarem jurem que a dita certidão é verdadeira e que as tais mer-


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cadorias são (9) daqueles cuja é a certidão que apresentaram. Pena do foral E qualquer pessoa que for contra este nosso foral levando mais direitos dos aqui nomeados ou levando destes maiores quantias das aqui declaradas o havemos por degredado por um ano fora da vila e termo e mais pague da cadeia trinta reais por um de todo o que assim mais levar para a parte a que os levou. E se a não quiser levar seja a metade para quem acusar e a outra metade para os cativos. E damos poder a qualquer justiça onde acontecer assim juizes como vintaneiros ou quadrilheiros que sem mais processo nem ordem de juízo sumariamente sabida a verdade condenem os culpados no dito caso de degredo e assim do dinheiro até quantia (9v) de dois mil reais sem apelação nem agravo e sem disso poder conhecer almoxarife, nem contador, nem outro oficial nosso, nem de nossa Fazenda, em caso que o aí haja. E se o senhorio dos ditos direitos o dito foral quebrantar por si ou por outrem seja logo suspenso deles e da jurisdição do dito lugar se a tiver enquanto nossa mercê for. E mais as pessoas que em seu nome ou por ele o fizerem incorrerão nas ditas penas e os almoxarifes, escrivães e oficiais dos ditos direitos que o assim não cumprirem, perderão logo os ditos ofícios e não haverão mais outros. E portanto mandamos que todas as cousas conteúdas neste foral que nos pomos por lei, se cumpram para sempre. Do teor do qual mandamos (10) fazer três: um deles para a Câmara de Alhos Vedros, e outro para o senhorio dos ditos direitos, e outro para a nossa Torre do Tombo, para em todo o tempo se poder tirar qualquer dúvida que sobre isso possa sobrevir. Dada em a nossa mui nobre e sempre leal cidade de Lisboa, a quinze dias de Dezembro do [ano do] nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos e catorze anos. E vai concertado em nove folhas e meia por mim Fernão de Pina. [ass.] El Rei [ass.] Rui Boto Foral para Alhos Vedros


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(fols. I e Iv) Valem os custos: 644 reais letras: 18 folhas: 9 peles: 14 chanceler: 60

[vistos de correição] Visto em correição: Alhos Vedros, 30 de Novembro de 1652 [ass.] Freitas Visto em correição: Alhos Vedros, 24 de (sic) 1696 [ass.] Taborda Visto em correição: Alhos Vedros, Fevereiro 21, de 1660 [ass.] Velez Visto em correição: Alhos Vedros, 1 Novembro 669 [ass.] Matos Visto em correição: Alhos Vedros, 20 Dezembro 1662 [ass.] Pires (?) Visto em correição: Alhos Vedros, 5 de Julho 1619 [ass.] Sanchez

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(fol.Iv.) Visto por mim, fazendo Correição em Alhos Vedros, o primeiro de Abril de 1561 [ass..] Licenciado Machado Já vista. Residência do Licenciado Fernão de Sousa, corregedor que foi desta comarca, a 31 dAgosto de 1590 [ass.] Leitão Visto em correição: Alhos Vedros, 9 de Setembro 623 [ass.] Cabral Visto na Residência do Ouvidor Sebastião Pereira Setúbal, 20 de Novembro 1628 Visto em correição: Alhos Vedros, 25 Novembro 638 [ass.] da Cunha Visto na Residência do Licenciado Luís da Cunha, Ouvidor indicado. Setúbal, 24 de Outubro de 1641 [ass.] Palha (?) Visto em correição: Alhos Vedros, 30 Março 1698 [ass.] Tibao (?)

(Fol. II) Visto no Tombo das Comendas da Mesa Mestral da Ordem de Santiago, em 12 de setembro de 1614 [ass.] Machado

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3. Descrição e análise do Foral


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3.1. DESCRIÇÃO MATERIAL

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ódice iluminado, original, do foral da vila de Alhos Vedros, outorgado pelo Rei D. Manuel, em Lisboa, a 15 de Dezembro de 1514. É constituído por 12 fólios (II+X) de pergaminho, com 252x180mm. Está escrito na chamada letra «manuelina caligrafada», característica da Leitura Nova. Desconhecem-se os nomes do calígrafo e do iluminador. As linhas finais são do próprio Fernão de Pina, da comissão de reforma dos forais e escrivão da chancelaria. Apresenta no final a assinatura autógrafa do Rei e a rúbrica do chanceler Rui Boto. A encadernação não é a original, e deve datar da 1ª metade do séc. XIX. Está encadernado em cartão, com lombada em pele castanha, e rótulo vermelho com gravação dourada: Foral / d’ Alhos / Vedros. Nos primeiros 2 fólios, não numerados, foram registados os custos da feitura do foral (644 reais) e diversos vistos de correição, entre 1561 e 1698. O texto do foral está em 10 fólios numerados, com iniciais filigranadas e rúbricas a vermelho e azul. No fólio inicial do texto, capital iluminada com as armas reais e cercadura ornamentada com motivos florais. Verifica-se que faltam os fólios do índice («Tavoada») e que a posição dos primeiros 2 fólios não era a inicial, já que a folha de guarda apresenta marcas da primeira folha do texto.

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3.2. HISTÓRIA DO CÓDICE

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rata-se do exemplar que pertenceu à Câmara de Alhos Vedros e que, em data que se desconhece, foi integrado na livraria de D. Francisco de Melo Manuel, por alcunha «o Cabrinha», residente numa quinta com aquela designação, junto da Ribeira de Alcântara. A livraria do Cabrinha era uma das mais notáveis livrarias particulares, com milhares de volumes e muitas obras raras, e foi adquirida pelo Estado para a Biblioteca Nacional em 9 de Março de 1852, por 25.000 cruzados, a D. João de Melo Manuel da Câmara Medeiros, filho e herdeiro do Cabrinha, e que veio a ser o 1º Conde da Silvã. A quinta dos Melos em Alcântara existia já no séc. XVII e dela foi proprietário o poeta D. Francisco Manuel de Melo, que ali faleceu em 1666. Em circunstâncias que não foi possível apurar, mas seguramente em data posterior a 1698 (último registo de visto de correição), o foral foi retirado da Câmara de Alhos Vedros, vindo depois a surgir na livraria de D. Francisco de Melo Manuel. O códice do foral de Alhos Vedros está atualmente depositado na Biblioteca Nacional (Secção de Reservados, IL 62).

[T]


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3.3. ANÁLISE DO FORAL

foral de Alhos Vedros integra-se no contexto geral da reforma dos forais manuelinos, sendo o seu processo de elaboração conforme os demais, refletindo o pensamento político que esteve na base dessa revogação. Importa, por isso, dar a conhecer aqui os aspetos fundamentais do seu conteúdo, procurando extrair as informações históricas que nos parecem a priori mais significativas, para uma melhor compreensão da dinâmica económica que caracterizou a vida local, no início da centúria de quinhentos. A concessão de foral novo à vila de Alhos Vedros prende-se com o interesse da Coroa em regulamentar a vida económica (agrícola e comercial) do concelho e consequentemente o seu sistema tributário, um dos principais objetivos da reforma, como já tivemos oportunidade de ver anteriormente. Por esta razão, trata-se de um foral de portagem,44 de acordo com o modelo padrão que se havia determinado para as terras que ainda não detinham foral antigo, daí as suas matérias serem muito semelhantes com os forais que lhe são aparentados, como é o caso de Alcochete e Montijo. Da análise do referido diploma, encontramos nele registadas várias disposições que incidem sobre uma multiplicidade de direitos reais, a saber: portagem, dízima do pescado, pena de arma, pena do foral, gado de vento, dízima das sentenças, direito de tabeliães, montados e maninhos. Estas mesmas matérias podem ainda ser definidas em disposições de direito penal (pena de arma, pena do foral, dízima das sentenças) e direito fiscal (portagem, dízima do pescado, gado de vento, direito de tabeliães, montados, maninhos) que seguidamente passaremos a analisar.

[O]

3.3.1. DISPOSIÇÕES DE DIREITO FISCAL 3.3.1.1. OS DIREITOS DE PORTAGEM A portagem era um imposto indireto que recaía sobre a compra e venda das mercadorias que entravam e saíam dos concelhos ou do reino, como tal constituía um dos mais importantes direitos reais a arrecadar pela Coroa, pois as fontes de receita eram consideráveis, se tivermos em atenção o movimento comercial de diferentes mercancias que caracterizou o primeiro quartel do século XVI. Com efeito, fora objeto de variadas queixas e conflitos, durante todo o século XV, daí haver um particular cuidado, por parte do legislador, na regulamentação de regras, pelas quais se devia considerar a cobrança do referido tributo. O foral de Alhos Vedros regula com algum pormenor esta matéria, dando-nos a conhecer os seus principais contribuintes, bem como os valores tributados. Assim pagavam portagem todos aqueles que não fossem moradores da vila e seu termo, ou seja, os “homens de fora” que fossem aí vender ou comprar produtos para serem comercializados noutros locais. Pela análise do foral constatamos que o critério base que determinava a cobrança da portagem era ser estranho ao município, por conseguinte os moradores da vila e seu termo, os vizinhos, estavam isentos deste imposto: “nem pagaram de nenhumas cousas que tirarem e trouxerem posto que sejam pera vender.”45 O montante a pagar não era proporcional ao valor dos produtos, mas era determinado segundo as quantidades,

44 45

Os forais manuelinos podem agrupar-se em três categorias, conforme as matérias que os caracterizam: Forais Reguengueiros, de Jugada e de Portagem. Foral, fl.4


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isto é, por cargas, assim por carga maior (de cavalo ou muar) pagavam-se dois reais, por carga menor (de asinino) um real, por uma carreta, equivalente a duas cargas maiores, quatro reais e por uma barca ou batel vinte sete reais. Os valores de tributação, cobrados sobre o transporte fluvial, demonstram bem a importância da atividade de cabotagem entre as duas margens, assegurada por várias embarcações que desempenhou, durante anos, um papel preponderante na estrutura económica do concelho, com incidências no seu próprio desenvolvimento. Havia situações em que o imposto era pago por unidade, como é o caso dos animais domésticos e de tração, sendo a sua tributação feita por número de cabeças de animais transacionados, variando o seu valor conforme as espécies. Deste modo, tributava-se por cada vaca, grande ou pequena, um real, por cada porco meio real, por cada carneiro e todo o gado miúdo dois ceitis. Os animais de tiro, como o gado cavalar e o muar pagavam dois reais por cada cabeça, enquanto o gado asinino um real. A pecuária na sua qualidade de produtora de animais, a que costumamos referir como criação de gado, aparece, assim, insinuada através dos valores de portagem, dando-nos conta das espécies existentes no concelho. No âmbito deste horizonte económico, o gado bovino, suíno e ovino, enquanto espécies de abate para a obtenção de carne e de outros produtos subsidiários (leite, queijo, manteiga peles e lã), parece terem ocupado um lugar de dominância, além de nos revelar a sua importância na dieta alimentar da população. Quanto aos animais de tração, o seu interesse reside no aproveitamento da sua energia, quer nos trabalhos agrícolas, quer no transporte de pessoas e mercadorias. Com base nas indicações quantitativas, fornecidas pelo foral, podemos avaliar o papel económico que a pecuária desempenhou no contexto local, cobrindo, sem dúvida, uma quota do volume das trocas comerciais. O título de portagem fornece-nos igualmente indicações sobre o comércio de escravos, determina que por cada escravo ou escrava ainda que parida se pagavam seis reais, e no caso de se ter concedido carta de alforria pagava-se a décima parte do seu resgate. Estamos aqui perante uma das atividade comerciais mais lucrativas e que se desenvolveu grandemente com a expansão ultramarina, já que o tráfico de escravos rapidamente passou a integrar também as correntes de circulação a nível local. Daí a preocupação dos legistas em regulamentarem no foral este tipo de mercancia. Todas estas disposições que fixam a portagem devida pelos homens de fora, leva-nos a inferir a existência de um comércio que transcendia o universo concelhio, conduzido não só por vendedores ocasionais, mas provavelmente, por mercadores que percorriam as terras para venderem e comprarem mercadorias. Se é certo que parte do comércio a nível local se desenvolvia ainda muito através das relações de troca monetária entre os produtores e os consumidores, tudo nos leva a crer que as transações mais importantes fossem feitas por comerciantes profissionais. Para se proceder a uma cobrança mais sistemática deste imposto, utilizou-se o processo de arrendamento a particulares, mediante certas condições consignadas no contrato e segundo o pagamento de uma renda à Coroa. Este sistema foi muito utilizado com outros tipos de réditos reais e seria talvez o meio mais viável e eficaz que a Coroa dispunha para controlar os seus direitos e privilégios, já que, muitas das vezes, os oficiais régios procuravam, através da cobrança da portagem, colher alguns desses proventos para seu próprio benefício. Quem cobrava e como era efetuado o pagamento da portagem? A arrecadação deste tributo e o seu controlo era feito diretamente pelos oficiais régios ou pelo rendeiro da portagem, no caso desta ter sido arrendada a um particular, sempre antes das vendas se terem efetuado, como forma de assegurar o seu pagamento. Para isso, os mercadores estranhos ao município eram obrigados, logo que chegassem à localidade, a declararem todas as suas mercadorias, aos oficiais da portagem ou ao rendeiro. Após o cumprimento desta formali-


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dade, os mercadores podiam descarregar e vender os seus produtos na “praça ou açougue da dita villa ou nos Resios e saydas della qual mais quiserem sem nenhuma pena.”46 Se no entanto, não houvesse rendeiro, nem praça, podiam descarregar livremente as mercadorias, contudo não as podiam vender, sem que primeiro notificassem o requeredor ou o juiz ou o vintaneiro. No caso de não haver nenhum destes oficiais, tomavam uma ou duas testemunhas, as quais procediam à verificação da carga e à arrecadação do tributo. Porém, se os mercadores chegassem “despois de sol posto nam faram saber mas descarregaram omde quiserem comtanto que ao outro dia atee meo dia ho notifiquem aos oficiaes da dita portagem primeyro que vemdam sob a dita pena.”47 Quem não cumprisse com todas estas obrigações e tentasse fugir ao pagamento do fisco, estava sujeito a perder todas as mercadorias. Relativamente aos artigos comprados na vila ou no seu termo, com o objetivo de serem transacionados noutras localidades, os mercadores podiam fazê-lo livremente, sem necessidade de procederem a alguma diligência. Todavia, eram obrigados a pagar a portagem, aos oficiais, antes de saírem da vila, sob a pena de todos os produtos serem confiscados. Os privilegiados, embora estivessem estavam isentos do pagamento da portagem, eram igualmente obrigados ao cumprimento das formalidades de entrada e saída dos produtos, ou seja, tinham que declarar todas as mercadorias que traziam e levavam da terra, sob a pena de sua confiscação. Perante estes dados, temos na verdade de constatar que pela declaração das mercadorias, feita pelos mercadores aos oficiais da portagem, a Coroa estava em condições de exigir o pagamento do correspondente tributo que ao avaliarmos pelos montantes, definidos no foral, seriam valiosas quantias a arrecadar. Os direitos de portagem dãonos, assim, uma ideia dos proventos da Coroa, como também nos permite concluir que seriam muitas as pessoas que se dedicavam à actividade comercial e de transporte de diferentes mercancias, garantindo, assim, o fluxo de bens para abastecimento das povoações. Daí o particular cuidado em estabelecer minuciosamente as prescrições, pelas quais se devia cobrar o referido tributo. Isenções e Privilégios O foral de Alhos Vedros não só discrimina os encargos, devidos pelos homens de fora, como também regula os privilégios e as isenções concedidos a pessoas e produtos. Assim sendo, havia um grupo de privilegiados que não pagavam portagem, eram os clérigos das ordens sacras, as pessoas eclesiásticas de todos os mosteiros, tanto homens como mulheres, bem como os beneficiados das ordens menores que vivessem como clérigos. Todos eles não pagavam, desde que os produtos vendidos fossem de suas propriedades e benefícios e os comprados fossem para seu uso pessoal, despesas de seus benefícios, ou ainda para consumo de suas casas e de seus familiares. Os moradores da vila e do termo, os vizinhos, estavam igualmente isentos do pagamento da portagem. Estes para poderem beneficiar deste privilégio bastava-lhes tirarem uma certidão “feyta pello escripvão da camara e com o seello do concelho” a comprovar como eram “vyzynhos daquelle lugar”48. Se as certidões fossem falsas, o escrivão incorria numa pena de dois anos de degredo para Ceuta e perda do seu ofício, enquanto que os defraudadores do uso de tal privilégio perdiam “em dobro as cousas

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Foral, fl.6 Foral, fl.6v 48 Foral, fl.8 47


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de que assy emganou e sobnegou a portagem.”49 Metade desse pecúlio ia para a Câmara e a outra parte ia para o pagamento do referido tributo. Porém, um vizinho podia negociar, por interposta pessoa, desde que este utilizasse a certidão e as mercadorias daquele. Atendendo aos princípios referidos, verificamos que os moradores de Alhos Vedros e seu termo tinham o direito de comerciarem dentro ou fora da vila, estando desobrigados de pagarem portagem, desde que apresentassem as certidões que comprovasse serem vizinhos do referido lugar. E assim, através destes documentos a Coroa procurava defender os seus interesses dos arbítrios e dos abusos, cometidos por aqueles que eram estranhos ao município; enquanto que os vizinhos viam fortalecidos os seus direitos ao privilégio. Além das concessões atribuídas a um determinado grupo de pessoas, o foral discrimina as mercadorias que beneficiavam da isenção de portagem. Entre elas temos os produtos alimentares, como o vinho, o pão cozido, as queijadas, os biscoitos, os ovos, o leite e seus derivados sem sal; os produtos destinados à alimentação dos animais, como os farelos, a palha, a erva; os bens de uso doméstico, as vides, as canas, a carqueja, o tojo, a lenha, as vassouras; os artigos destinados à construção, a pedra, o barro e ainda os metais como a prata lavrada. Graças a estas informações, tomamos conhecimento da vasta gama de bens de primeira necessidade e como tal fundamentais para a subsistência da população, daí se explica a preocupação em desobrigá-los da referida tributação. Quanto à prata a sua isenção fiscal parece estar mais ligada à necessidade de fomentar a sua importação, na medida em que Portugal sempre dependeu do abastecimento estrangeiro para a utilização monetária e ourivesaria. Na sequência desta linha política, promulgou-se todo um conjunto de determinações do mesmo teor. Deste modo, estavam também desonerados os produtos que fossem transacionados entre a vila e o termo, quer por vizinhos quer por estranhos ao concelho. Estavam incluídos nesta cláusula, os artigos que fossem levados para abastecimento das armadas, bem como os mantimentos adquiridos pelos caminhantes para seu sustento e dos seus animais. Os gados que viessem pastar nos montados do concelho, estavam também isentos, com excepção daqueles que aí se deslocassem para vender, os quais eram comercializados de acordo com as disposições consignadas no foral e que já tivemos oportunidade de ver anteriormente. A relevância da pecuária como atividade económica, adivinha-se de novo aqui, nesta disposição foraleira, na medida em que protege a livre circulação de gado pelo concelho e facilita o aproveitamento das suas pastagens. O título que contempla a mudança de casa, informa-nos que os bens provenientes dessa mudança não estavam sujeitos a este imposto, excepto se fossem para “vemder por que das taaes cousas pagaram portagem”, sendo a cobrança feita no local onde “as ouverem de vender segundo as comthias neste foral vãao decraradas e nam doutra maneyra.”50 Estavam eximidos do pagamento deste tributo, os frutos de bens móveis e de raiz, próprios ou arrendados que fossem levados para fora do termo. Abrangidos por esta mesma cláusula estavam os bens provenientes do pagamento de “teenças casamentos mercees ou mantimentos posto que as levem para as vender.”51 Outras situações determinavam, da mesma maneira, a desoneração deste imposto, como é o caso da passagem

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Foral, fl.8v Foral, fl.5 51 Foral, fl.5v 50


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de mercadorias pelo termo, ainda que fossem descarregadas. No entanto, entendia-se que a sua permanência por mais do que um dia, obrigava o mercador a declará-las, aos oficiais da portagem. Do conjunto das normas protetoras, esta disposição parece revestir-se de algum significado económico-histórico, na medida em que mostra a importância da circulação mercantil, conduzida quer por vendedores ocasionais, quer por comerciantes profissionais. A Coroa ao proteger assim a livre circulação de mercadorias pelas povoações, promovia as trocas comerciais e consequentemente incrementava as suas receitas, através da cobrança da portagem, como já vimos anteriormente. 3.3.1.2. A DÍZIMA A dízima constitui um outro tipo de tributo devidamente estipulado na carta de foral, pago quer às autoridades eclesiásticas, quer ao rei. A sua nomenclatura provem da taxa, no valor de um décimo, a cobrar sobre as mercadorias. O foral de Alhos Vedros estabelece os preceitos de fiscalização, informando-nos que os moradores da vila e seu termo, embora isentos da portagem, estavam sujeitos ao pagamento da dízima “das novidades que ouverem na dita terra”52, ao mestrado da Ordem Militar de Santiago, seu senhorio religioso. O documento não nos dá a conhecer os produtos onerados por este tributo, contudo pensamos que fossem as primícias de todos os bens agropecuários produzidos no concelho, em cada ciclo, já que ao confrontarmos com as visitações da Ordem de Santiago (1523), encontramos uma lista com o registo pormenorizado desses produtos, a saber: pão, vinho, azeite, linho, fruta, legumes, mel, queijos, lã, patos, frangos, gados entre outros. Desta vasta gama de prestações a pagar à Igreja, é ainda de admitir que grande parte fosse satisfeita em géneros e não em dinheiro, como sucedia com a portagem. Quanto à dízima do pescado está devidamente regulamentada no foral, deste modo todos os pescadores, quer fossem da terra quer fossem estranhos ao termo, tinham que pagar a dízima de todo o peixe pescado no concelho. Porém os comerciantes da terra que levassem peixe a vender fora do termo e caso este não tivesse sido aí capturado, ficavam desobrigados deste tributo, apenas tinham que dar, quando aquele era fresco, uma determinada quantidade aos pescadores, para seu consumo, no dia em que tinham que repousar “em suas casas per alvidro dos hoficiaaes.”53 O peixe destinado à alimentação, apanhado pelos pescadores, estava onerado pelo pagamento da dízima à Igreja, isto é, à Ordem de Santiago. Estavam igualmente abrangidos por esta obrigação aqueles que pescassem com rede de pé, desde que o produto do seu pescado fosse para vender, apenas a pesca à fisga e à mão estava isenta deste direito. Este título dá-nos conta de alguns aparelhos de pesca, utilizados na captura de peixe, a rede pé e a fisga. Acessórios arcaicos, simples e rudimentares que impossibilitavam a prática de uma pesca intensiva, pelo que esta atividade seria pouco compensadora em termos de rendimento económico, tal situação leva-nos a pensar que só um pequeno número de pessoas a praticasse. Tendo em consideração as disposições legais sobre esta matéria, parece-nos legítimo concluir que, no âmbito do sector primário, a pesca não terá desempenhado um papel económico muito importante, terá apenas constituído mais uma atividade de subsistência dos seus moradores do que um modo de vida, e quando assim sucedia era a Coroa que retirava os maiores benefícios fiscais, restando à Igreja a dízima do pescado que se destinasse à alimentação dos pescadores e pouco mais.

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Foral, fl.2 Foral, fl.2


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3.3.1.3. GADO DE VENTO Entre as diferentes matérias tratadas pelo foral de Alhos Vedros, salienta-se o título referente ao gado de vento, isto é, os gados que se encontravam abandonados, sem dono ou pastor e que andavam “vagando de uma parte para outra parte, como folha arrebatada do vento, ou mudando-se como o mesmo vento se muda.”54 A disposição que prescreve sobre este assunto, determina que o gado de vento, encontrado no termo, seria pertença da Ordem de Santiago. Estabelece ainda que toda a pessoa que achasse o dito gado, era obrigada, nos primeiros dez dias, a dar conhecimento às autoridades locais, quem não observasse esta norma, seria acusado de furto. Este direito aparece em alguns forais como sendo um rédito da Coroa, no caso particular de Alhos Vedros pertence à Ordem, facto que nos leva a crer ter sido uma concessão régia do dito privilégio à Igreja. 3.3.1.4. DIREITO DE TABELIÃES O direito de tabeliado ou de tabeliães consiste no imposto que os ditos oficiais tinham que pagar anualmente ao rei, pelo desempenho das suas funções (lavravam e registavam nos chamados livros de notas, escrituras e outros documentos jurídicos, reconheciam assinaturas e sinais), na vida pública. Encontramos também no foral uma indicação breve, referente a este direito, dando-nos não só a informação da existência de dois tabeliães, como estabelece a obrigação de cada um deles pagarem à Coroa, uma pensão anual de mil quinhentos e sessenta reais. Segundo Iria Gonçalves55 as quantias variavam conforme o número de tabeliães e o grau de importância da localidade, não sendo por conseguinte um valor fixo. Era, porém, um direito que os monarcas procuraram conservar na sua dependência, em virtude dos quantitativos arrecadados serem consideráveis. Destes oficiais públicos, havia o tabelião de notas e o tabelião do judicial, os primeiros tinham a função de lavrar escrituras e autenticar documentos, os segundos exerciam as suas funções junto do juiz, como lavrar autos e sentenças. Existiam ainda os tabeliães do geral, ou seja, os que estavam autorizados pelo rei a exercer o seu oficio em todo o reino ou nas terras sujeitas ao mesmo senhorio. 3.2.1.5. OS MANINHOS Entendem-se por maninhos os terrenos incultos, os que não eram cultivados, podendo ser de propriedade pública ou particular. A este propósito, Silva Ferrão informa-nos: “A principal divisão e distinção dos maninhos é em públicos e particulares. Os primeiros ou são da Coroa, por haverem sido coutados e reservados pelos reis ao tempo da conquista, ou são dos respectivos concelhos, por haverem passado geralmente com as outras terras aos povoadores delas.”.56 Verificamos assim que os maninhos, enquanto logradouros públicos, podiam ser bens da Coroa ou do concelho. Todavia, existiam os de propriedade particular, cedidos temporariamente aos moradores de um lugar, mediante disposições consignadas no foral ou pelo processo de arrendamento. Foram, no entanto, os maninhos concelhios que suscitaram maiores problemas, pois sendo objeto de cobiça, por parte dos senhores e ordens religiosas, levava-os a apoderarem-se

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Francisco António Fernandes da Silva Ferrão, Repertório Comentado sobre Foraes e Doações Régias, Lisboa, Imprensa Nacional, Vol. I, 1848, p.214 Iria Gonçalves, “Tabeliado” in Dicionário da História de Portugal, Porto, Livraria Figueirinhas, Vol.VI, 1981, p.107 56 idem, ob, cit., p.30 55


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abusivamente dessas terras, criando situações conflituosas com as comunidades. Precisamente por se tratar de uma matéria muito sensível, D. Manuel procurou criar disposições gerais, a fim de regulamentar a utilização das terras maninhas, no sentido de promover o seu aproveitamento e de evitar a sua apropriação ilegítima. Nesta conformidade, o foral de Alhos Vedros remete-nos para as Ordenações Manuelinas, ou seja, a atribuição dos maninhos fazia-se segundo as prescrições insertas nas Leis do Reino. Assim, no Livro IV, título LXVII, parágrafos oito, nove e onze, D. Manuel procurou fixar normas sobre a cedência dos maninhos concelhios, dando a possibilidade aos moradores dos lugares do termo de as cultivarem, sem prejuízo dos terrenos para proveito comum, “nos pastos dos guados, e criações, e logramento da lenha e madeira pera suas casas e lavoiras (...).”57A distribuição das terras maninhas estava a cargo do sesmeiro que tinha a função de ver, antes de as entregar, a sua aptidão agrícola, se essas terras “sendo rotas e aproveitadas, ou lavradas, e sameadas daram pam, vinho, ou azeite, ou outros fruitos, e que duraram em os dar a tempos, ou a folhas, ou em cada huu anno, como as outras que aproveitadas sam nos ditos Luguares (...).”58 Neste processo de concessão das ditas terras, o sesmeiro tinha que requerer o procurador do concelho para uma audiência com os respetivos vereadores, a fim de discutirem o assunto. Se os maninhos fossem dados em agravo dos moradores do termo, restava-lhes o direito de apelarem à justiça real. O foro geral era o tipo de encargo fiscal que recaía sobre estas terras, as quais podiam também ser isentas, dependia da sua situação tributária. A prestação a pagar, pelos arrendatários, seria segundo o uso e costume dos lugares, a depreendermos pela leitura do parágrafo doze, das Ordenações. De forma a evitar as arbitrariedades aquando da solvência destes foros, o rei D. Manuel determinou que não se levasse “outro tributo por mais favor da lavoira, e pondo-lhe mais tributo, ou foro alguu, Avemos a tal imposiçam de foro, ou tributo, por ninhua, e de ninhuu viguor, e as Sesmarias ficaram em sua força sem a tal obriguaçam do dito foro, ou tributo; (...).”59 O rei ao procurar impor moderação na cobrança destas prestações estava também a defender os interesses dos moradores do concelho. Do mesmo modo, procurou proteger os terrenos maninhos da usurpação dos grandes senhores e ordens religiosas, proibindo-os de tomarem para si essas terras “por quanto os taees maninhos sam geeralmente pera pastos, e criações, e logramento dos moradores dos Luguares, onde esteverem, e nom devem delles seer tirados; salvo pera se darem de Sesmaria pera lavoira, quando for conhecido que he mais proveito, que jazerem em matos bravios como dito he, e elles usem em suas Jurisdições, e Terras, como Nós nas Nossas usamos (...).”60 Está aqui devidamente expresso a salvaguarda do direito à usufruição dos terrenos maninhos de logradouro comum, fornecedores dos bens, necessários à subsistência de uma comunidade, como eram as pastagens para os gados, as lenhas e os matos para a vida doméstica e as madeiras para os mais diversos fins. Ao concluirmos este ponto do nosso trabalho, não queremos deixar aqui de sublinhar que na aplicação da lei geral sobre a utilização dos maninhos, no termo de Alhos Vedros, havia, provavelmente, em consideração as particularidades concelhias, na medida em que os dirigentes locais tinham alguma capacidade de decisão sobre esta matéria.

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Ordenações Manuelinas, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Livro IV, 1984, p.170 ob. cit., p.169 59 ob. cit. p.172 60 ob. cit., pp.173-174 58


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3.3.1.6. OS MONTADOS O direito de montado ou de montádigo era um tributo que os donos dos gados tinham que pagar, pela utilização dos terrenos de pastagens, quer fossem pertencentes ao domínio senhorial, quer fossem pertencentes aos concelhos. Por esta razão, consistiu num dos principais encargos da Idade Média, revestindo-se, segundo Armando de Castro61, de um carácter misto, pois tanto pertencia aos membros da classe senhorial, como aos concelhos, tendo ainda a particularidade de ser partilhado entre o senhor e os municípios. O foral de Alhos Vedros faz também uma ressalva breve sobre esta matéria, atribuindo ao concelho a faculdade de dispor como entendesse da utilização dos montados, quer com os seus moradores, quer com os vizinhos dos concelhos limítrofes. A este propósito, sabemos, pelo título “Gado de Montados”, que os animais estranhos ao grémio municipal, estavam isentos de pagar tributação, quando aí se deslocassem para pastar. Esta isenção constitui uma prova de que a utilização comum dos pastos, sob a norma do direito de montado, era uma realidade em Alhos Vedros e um exemplo de relações amistosas com os outros concelhos. Nestas circunstâncias, é possível supor a existência de um recíproco direito às pastagens dos grémios municipais vizinhos. Relativamente aos gados do termo o foral é omisso, facto que nos leva a crer que também aqueles podiam utilizar livremente os terrenos de pastagens do concelho, sem estarem sujeitos ao pagamento do mencionado direito de montado. 3.3.2. DISPOSIÇÕES DE DIREITO PENAL 3.3.2.1. Pena de Arma Além das disposições de conteúdo fiscal atrás referidas, parece-nos também importante sublinhar as normas de direito penal, consignadas no foral de Alhos Vedros. No âmbito destas matérias, merece destaque o título da pena de arma, isto é, a pena que se aplicava pelo uso de armas e prescrita, no mencionado documento, em duzentos reais. Contrariamente a outros forais, este não discrimina os tipos de crimes, nem as punições a eles correspondentes, apenas temos regulamentados os delitos que não estavam sujeitos a qualquer punição. Assim, não pagavam pena de arma os indivíduos nas seguintes situações: • Por empunhar espada ou outra arma sem a tirar da bainha; • Por ferimento de alguém, feito em rixa, com pau ou pedra, sem que houvesse essa intenção; • Por tomar pau ou pedra com intenção, mas que não ferisse ninguém; • Por castigar mulher, filhos e escravos, ainda que houvesse derramamento de sangue; • Por ferimento de alguém, através de espancamento, bofetadas e punhadas, sem o uso de armas; • Por usar armas em legítima defesa, ainda que ferisse alguém; • Por usar armas para apartar desordeiros, ainda que ferisse alguém; • Por ferimento de alguém, feito por mulheres, rapazes com quinze anos para baixo e por escravos. Estas normas refletem, sem dúvida, a mentalidade que imperava na sociedade de quinhentos, sendo de ressalvar a opinião que se tinha sobre as mulheres, os menores e os escravos; considerados incapazes e irresponsáveis e como tal impunes nos seus atos. Enquanto que às mulheres e aos menores essa incapacidade e irresponsabilidade decorria 61

Armando de Castro, “Montados” in Dicionário da História de Portugal sob a direcção de Joel Serrão, Porto, Livraria Figueirinhas, Vol.IV, 1981, p.336


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da natureza feminina de umas e da idade de outros; aos escravos decorria da sua impossibilidade de poderem dispor de si próprios, já que eram desprovidos de personalidade jurídica. Por esta razão, gozavam de um estatuto especial na aplicação da pena por ferimento, mas por outro lado, tornava-os dependentes, sujeitos ao poder do “paterfamílias”, o representante do agregado familiar, cuja função era proporcionar o seu abrigo e o seu sustento. Este poder incontestado que era atribuído ao chefe de família, dava-lhe o direito de exercer o castigo até ao derramamento de sangue, não lhe conferindo, contudo, o direito de matar. A disposição que garante o direito de legítima defesa tem igualmente especial interesse, na medida em que revela uma preocupação pela integridade física do corpo e da vida, os autores que usassem a força nestas situações (defesa da sua vida ou para apartar lutadores, a fim de evitar males maiores), não incorriam em nenhuma pena. Importa ainda salientar os princípios que estão subjacentes às três primeiras situações, acima mencionadas, ou seja, o uso de armas só seria punido, desde que fossem tiradas das bainhas, local onde deveriam andar normalmente. Da mesma forma, condenava-se o ato de ferir, desde que fosse intencional; se no entanto, alguém tomasse armas e ferisse um indivíduo, sem que tivesse havido esse propósito, não era penalizado. A intenção de ferir sem ter ocorrido o acto, não é, porém, condenado, no foral de Alhos Vedros 3.3.2.2. Pena do Foral No título pena de foral, o último do documento, estão estipuladas as penas a aplicar a todos os que violassem as disposições nele consignadas. Assim, todo aquele que cobrasse mais direitos do que os estabelecidos na carta de foral, era degradado por um ano, para fora da vila e seu termo e incorria numa pena pecuniária de trinta reais, por cada um dos direitos arrecadados, a qual revertia a favor do espoliado. No caso, deste não aceitar o dinheiro da coima, metade dessa soma ia para o acusador e a outra parte para perdão dos cativos. As sentenças podiam ser preferidas por juízes, vintaneiros ou quadrilheiros, logo assim que detivessem a verdade dos factos e o processo de condenação, expedito por estes oficiais, não tinha apelo nem agravo, podendo a pena pecuniária ir até à quantia de dois mil reais. O senhorio dos direitos reais que não procedesse conforme o disposto no foral, seria suspenso dos direitos e da jurisdição que detinha sobre o lugar e inerentes ao exercício do seu poder. Quanto aos oficiais régios que tivessem desrespeitado as determinações do foral, em nome desse senhorio, incorriam em graves penas, perda do ofício e impossibilidade de ocupar outro lugar. Através da aplicação destas penas, o soberano procurava, por um lado, dar força de lei ao documento por ele emanado e, por outro, garantir a defesa dos seus interesses, bem como os direitos e deveres dos seus moradores, dos abusos e arbítrios quer dos oficiais encarregados da cobrança dos impostos, quer dos senhorios. O carácter de lei que se pretende atribuir a este tipo de diplomas estava em consonância com a conceção de poder régio desenvolvido nesta época, isto é, a tarefa de reinar tinha como fim alcançar a justiça e a paz, ao monarca competia-lhe alterar e formular a lei, tendo em vista o bem comum. 3.3.2.3. A Dízima das Sentenças Tal como o nome indica era uma contribuição que recaía sobre as sentenças que fossem executadas, na proporção de uma décima parte sobre o valor total dessa execução. A cláusula referente à dízima das sentenças é muito breve e estabelece

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3.4. CONCLUSÃO

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pós termos percorrido analiticamente toda a carta de foral, concedida pelo Rei Venturoso, à vila de Alhos Vedros, parece-nos importante formular a seguinte questão: Qual terá sido a importância deste documento para a população local? Em termos práticos, a concessão de foral à vila poucas alterações terá trazido à vivência quotidiana das populações, já que o documento não é mais que um registo atualizado dos direitos reais e dos que revertiam a favor da Igreja, daí o conteúdo mais importante ser precisamente o regime fiscal, ocupando o título da portagem a parte mais extensa e crucial de todo o diploma. Contudo, a sua receção, por parte das gentes locais, terá, certamente, constituído motivo de contentamento e de regozijo, na medida em que a sua outorga atestava, de algum modo, a importância da terra que o recebia, confirmando-lhe as instituições municipais existentes e a imunidade protetora dos seus moradores contra os abusos de poder. O próprio acontecimento era imbuído de uma linguagem simbólica de grande significado político, traduzido na edificação do pelourinho, no centro da vila, símbolo do poder municipal de Alhos Vedros sobre as terras vizinhas e instrumento de propaganda régia, já que representava a figura do monarca, o seu poder real, através dos emblemas esculpidos na pedra. O foral de Alhos Vedros constitui “per si” um precioso documento do século XVI que nos permite conhecer a vida económica e social da vila e do concelho, nos inícios da Modernidade. Aliás, o estudo da história local passa necessariamente pelas informações fornecidas por este documento, a sua valia reside precisamente no seu interesse como fonte histórica. Embora o diploma seja omisso em relação às instituições municipais e ao seu funcionamento, uma das principais lacunas dos forais manuelinos, contem referências da administração local quando menciona os seus funcionários, nomeadamente o escrivão da câmara na passagem das certidões, os vintaneiros, os quadrilheiros, os juízes e os tabeliães. Mas a sua grande valia centra-se, efetivamente, nas informações de carácter económico e através das quais nos possibilita desvendar alguns aspetos económicos e sociais de Alhos Vedros e do seu termo. O foral não nos fornece a lista das mercadorias que eram comercializadas na vila, contudo indica-nos o lugar onde era desenvolvida esta atividade, no mercado situado na praça da vila, o açougue e que a nível local constituía a principal forma de organização económica. Testemunha-nos igualmente as espécies monetários existentes, bem como as taxas de direito de portagem a que estavam sujeitas as mercadorias e que passaremos a uma breve esquematização, com a qual encerraremos este capítulo. A análise do foral permite-nos também visualizar uma sociedade que se estruturava no privilégio e que utilizava a mão de obra escrava, como sendo um ato normal da comunidade, reflexo da expansão marítima e consequentemente do tráfico negreiro. Esta micro sociedade era no fundo o espelho de um país que vivia uma dinâmica, própria de uma era próspera, um país que deixara de ser um modesto reino agrário para se converter numa soberania de aquém e de além mar, com o senhorio da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia e Pérsia, tal como é referido no proémio da carta de foral.

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QUADRO I. EQUIVALÊNCIAS DE PESOS E MEDIDAS DESIGNAÇÃO CARGA MAIOR CARGA MENOR CARGA DE CARRETA TONEL

EQUIVALÊNCIA 10-12 Arrobas 5-6 Arrobas 20 Arrobas 50 Almudes

EQUIVALÊNCIA NO SISTEMA DECIMAL 110 Kg 55 Kg 220 Kg 900 Litros

QUADRO II. VALORES DA PORTAGEM DESIGNAÇÃO CARGA MAIOR CARGA MENOR CARGA DE CARRETA BARCA OU BATEL

EQUIVALÊNCIA CARGA DE GADO CAVALAR OU MUAR CARGA DE GADO ASININO DUAS CARGAS MAIORES

VALOR 2 Reais 1 Real 4 Reais 27 Reais

QUADRO III. VALORES DA PORTAGEM INCIDENTES SOBRE OS ANIMAIS E OS ESCRAVOS DESIGNAÇÃO GADO BOVINO GADO SUÍNO OVINO E GADO MIUDO GADO CAVALAR E MUAR GADO ASININO ESCRAVO OU ESCRAVA PARIDA

VALOR (Por Cabeça) 1 Real Meio Real 2 Ceitis 2 Reais 1 Real 6 Reais


Glossรกrio


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Açougue – Do árabe “as-sóq”, mercado, feira. Eram os locais onde se vendiam os bens de primeira necessidade, embora estivessem mais vocacionados para a venda de carne e peixe. Alforria – Do árabe “al-hurriâ”, liberdade. Era a liberdade concedida ao escravo, pelo senhor. Almoxarife – Do árabe “al-muxrif”, tesoureiro. Agente fiscal que tinha a seu cargo a cobrança das rendas da Coroa e dos direitos reais. Alvidro – Do latim “arbitrãre”, apreciar como árbitro. No caso concreto do foral, significa por avaliação. Arruído – Briga Carga de Carreta – A carga era a unidade de peso, a partir da qual era determinado os direitos de portagem. A carga de carro ou carreta era correspondente a vinte arrobas. Carga Maior – Era correspondente ao transporte feito pelo gado muar ou cavalar e tinha a equivalência a dez arrobas. Carga Menor – Era correspondente ao transporte feito pelo gado asinino e tinha a equivalência a cinco arrobas. Carqueja – Planta silvestre, de folha estreita que cresce em terrenos areosos e secos, usada em Portugal como acendalha ou combustível. Casa Movida – Mudança de uma casa para outra. Cativos – Do latim “captivu”, prisioneiro. O resgate de cativos por meio do pagamento em dinheiro, constituía objeto de penitência e uma boa forma da pessoa que o praticava, de redimir os seus pecados. Em termos políticos, era um acto de diplomacia que o rei exercia através dos tradicionais sistemas. Ceitil – Moeda de cobre, mandada lavrar por D. João I, em memória da conquista da cidade de Ceuta, Septa ou Ceita, daí deriva a designação de ceitil. Tinha numa das faces as armas de Portugal e na outra uma cidade ao longo da água, valia a sexta parte do real. Conduto – Primeiro peixe pescado pelos pescadores. Contador – O cargo de contador estava ligado à organização e vigilância da contabilidade pública, de modo que tinham sob a sua jurisdição os outros oficiais dos contos, bem como os almoxarifes, os tesoureiros, os rendeiros e escrivães. Estavam dependentes dos Vedores da Fazenda e na ausência destes, tinham a incumbência de resolver os eventuais conflitos que surgissem entre os contribuintes e os rendeiros ou os escrivães. Costumagem – O mesmo que usagem, ou seja, o tributo que se pagava por costume antigo e não por lei, fazia parte do direito consuetudinário. Descaminhado – Perda das mercadorias, por não se pagar os direitos estabelecidos pelo foral. Direitos Reais – Os impostos constituíam os primeiros direitos reais, representando uma das principais fontes de receita da Coroa. Dízima – Do latim “decima”, décima, dízima. Tributo que correspondia ao pagamento da décima parte dos rendimentos. Escrivão – Do latim “scribãnu”. Funcionário encarregado da escrituração e da fiscalização dos direitos reais. Estremar – Separar Fisga – Aparelho de pescar, utilizado em águas pouco profundas, tinha a forma de um tridente ou garfo de ferro, com um cabo de madeira. A forma dos seus dentes apresentava três disposições, de acordo com o tipo de peixe a capturar. Foro – Do latim “forum”. Expressão que conheceu vários significados, o que levou Alexandre Herculano a considerá-la a mais indeterminada da nossa linguagem jurídica e económica. Na Época Moderna, o foro era uma prestação certa ou variável, paga em géneros ou em dinheiro, ao senhorio da propriedade, o detentor do domínio direto.


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Gado de Vento – Gado que se encontrava perdido, sem dono, nem pastor. Inquirições – Do latim “inquisitiones”. Eram inquéritos, ordenados pelo monarca, no sentido de averiguar os bens da Coroa e do rei, reprimindo, em caso de necessidade, os abusos da administração senhorial (laica ou eclesiástica).Para proceder a estas inquirições o rei nomeava uma comissão, constituída por pessoas da sua confiança. Juízes – Do latim “judice”. O juiz era a principal autoridade municipal, competia-lhe a administração da justiça e garantir a execução das leis, intervinha no julgamento dos processos penais e contenciosos. Inicialmente haviam os juízes da terra, eleitos anualmente pela assembleia de vizinhos do lugar, a partir do reinado de D. Afonso IV, surgiram os juízes de fora, magistrados estranhos ao concelho, de nomeação régia, em muitos casos com graus universitários e a quem os concelhos tinham que pagar ordenados. Maninhos – Do latim “maninu”, estéril. Terrenos não cultivados de propriedade particular, de origem senhorial ou do concelho, usados em comum pelos moradores de um lugar, conforme os usos e costumes. Mercês – Do latim “mercede”, salário. Graças, benefícios concedidos pelo rei aos seus vassalos, com vista a premiar os seus serviços, assegurando-lhes, desta forma, a condição social e económica, correspondente aos deveres que eram exigidos. As recompensas podiam ser monetárias, títulos honoríficos, cargos públicos, cedência de terras com direitos de jurisdição. Este era um direito que decorria por inerência do exercício de reinar. Montado – Era um tributo que recaía sobre a utilização das pastagens, quer fossem do domínio senhorial quer fossem do concelho, por animais, cujos donos eram estranhos ao grémio municipal. Por esta razão consistiu num dos principais encargos, desenvolvidos na Idade Média. Novidades – Do latim “novitáte”. Termo que designava os primeiros frutos da colheita. Oficiais – Do latim “officiale”, pessoa às ordens de um magistrado. No caso concreto do nosso estudo, o termo serve para designar os funcionários que estavam encarregados de receber os impostos. Ofícios – Do latim “officium”, o que faz uma obra. Termo que servia antigamente para designar cargo, função pública. Pena de Arma – Pena aplicada pelo uso de armas. Portagem – Imposto que se cobrava pelas cargas de mercadorias que transitavam pelos concelhos e pelo reino. Quadrilheiro – Do castelhano “cuadrillero”. Oficial inferior de justiça, encarregado de fazer o policiamento da vila. Era nomeado pela Câmara para servir durante três anos. Queijadas – Pastel feito de leite, queijo, ovos e açúcar. Real – Do latim “regale”, de rei. Antiga unidade monetária de ouro, prata e cobre que existiu ao longo de vários reinados. No tempo de D. Manuel I havia o real de prata, no valor de vinte e trinta reis e os reais de cobre brancos e pretos. Os brancos eram assim chamados por terem muita liga de estanho e haviam sido lavrados no reinado de D. Duarte e D. Afonso V; os pretos eram de puro cobre e também tinham sido mandados cunhar por D. Duarte. De D. João II até D. João III o real preto valia seis ceitis, numa das faces tinha um R debaixo de uma Coroa e na outra o Escudo do reino, com o nome do rei na orla. Rede-Pé – Rede de arrastar para a terra, de um único pano e manobrada por dois homens, era utilizada na pesca de peixe que vinha à babuja, como tainhas, solhas, linguados entre outros. Era um aparelho de pescar usado em águas baixas. Rocio – Praça.


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Senhorio – Domínio direto que o senhor, laico ou eclesiástico, tinha sobre a sua propriedade, com direitos de jurisdição. Sobnegado – Do latim “subnegare”. Subtrair-se, eximir-se ao pagamento dos tributos. Tabeliado – Imposto que os tabeliães pagavam para poderem exercer o seu ofício. Tabelião – Do latim “tabellione”, tabelião. Oficial público que tinha a função de redigir as escrituras e outros instrumentos em que se requeria autenticidade legal. Eram os agentes da administração geral. Tenças – Do latim “tenere”, ter, segurar. Pensões que o rei dava aos seus súbditos, para remunerarem serviços, prestados ao reino. As tenças podiam ser temporárias ou vitalícias e eram registadas nos livros de chancelarias reais. Termo – Do latim “terminu”. O espaço que abrange a jurisdição da vila de Alhos Vedros. O limite do concelho. Tojo – Planta arbustiva, com espinhos e sem folhas, usada como acendalha para o fogo. Usagem – O mesmo que costumagem, o direito consuetudinário. Vides – Do latim “vite”. Rama da videira que se aparta dela na poda e que, antigamente, servia de acendalha para o fogo. Vintaneiros – Oficiais do juiz da vintena, isto é, juiz de um lugar de vinte famílias. Vizinhos – Do latim “vicinu”, da mesma aldeia. Designação dada aos habitantes dos concelhos que gozavam dos direitos e privilégios do seu foral e de outras posturas municipais. Os estranhos ao grémio municipal eram denominados homens de fora.


Bibliografia


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