A Revolução Republicana na Moita

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FICHA TÉCNICA

Tema | A Revolução Republicana na Moita Organização | Câmara Municipal da Moita / DASC / DC / Sector do Património

Investigação e Elaboração de Textos | Maria Clara Santos e Vítor Pereira Mendes Concepção Gráfica | Matéria Criativa Fotografias e Outros Documentos | Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa; Biblioteca Nacional; Câmara Municipal da Moita / Biblioteca Municipal; Câmara Municipal do Montijo / Biblioteca Municipal; Centro Português de Fotografia; Hemeroteca Municipal de Lisboa; Biblioteca da Universidade de Coimbra; Escola Superior de Educação de Coimbra; Clube Recreio e Instrução; Delegação Marítima do Barreiro; Ana Margarida Gonçalves; Fernando Miguel do Rancho Etnográfico Danças e Cantares da Barra Cheia; Francisco Carromeu; João Vitorino Lopes Coelho; Maria Conceição Nicolau; Maria da Conceição Azevedo Rua; Pedro Araújo; Josélia Pereira; Vítor Cabral; Isabel Vaz; Isidro Parreira; Maria Elzira Silva e Fernando Tavares. Fotografias Extraídas de Publicações | MONTALVOR, Luís de (direcção), História do Regímem Republicano em Portugal, Editorial Ática, Lisboa, Vol.I, 1932. Digitalização de Imagens | DIRP / Centro de Artes Gráficas; DGU Impressão | Espírito Papel

FICHA TÉCNICA

Edição | Câmara Municipal da Moita / DASC / DC / SP

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Data de Impressão | Setembro 2010 Depósito Legal | 315814/10 Tiragem | 2000 exemplares


SOMOS AQUILO POR QUE ESTAMOS DISPOSTOS A LUTAR

A via dos avanços civilizacionais que conduz ao verdadeiro progresso social e ao bem-estar dos povos não possui atalhos. É uma certeza histórica que em matéria de direitos, liberdades e garantias, o caminho nunca foi fácil, mas seguiu o tempo, percorreu vidas e gerações, sempre trilhado com muita combatividade, solidariedade e resistência. Somos aquilo por que estamos dispostos a lutar e creio que, em síntese, é essa a mensagem que sobressai na exposição “A Revolução Republicana na Moita”, que a Câmara Municipal agora Vos dedica: a natureza lutadora das gentes do Concelho da Moita. O arrojo de eleger uma vereação republicana em 1908 - em período de vigência do regime monárquico -, a participação na acção armada de assalto ao quartel de Vale de Zebro na noite de 3 para 4 de Outubro, e a audácia em proclamar a República e hastear a bandeira republicana nos Paços do Concelho, na madrugada do dia 4 de Outubro, quando ainda em Lisboa se travavam combates que só terminariam em 5 de Outubro, são episódios exemplares que revelam a coragem e os feitos das nossas gentes. Revelam mas não esgotam, porque as revoluções são, também, para além dos momentos fugazes do confronto armado aceso, processos que impelem transformações políticas, económicas, culturais e sociais. Mudou o regime, decretou-se a separação da Igreja do Estado, reformou-se o ensino e produziu-se legislação progressista nas áreas da imprensa, da família e do trabalho, como as leis da greve e do descanso semanal obrigatório. E neste âmbito é sobremaneira importante evocar e reconhecer as lutas do Nosso proletariado rural e operário daquele conturbado período da 1ª República: dos corticeiros de Alhos Vedros, dos arrais da Moita e dos trabalhadores rurais do Concelho. Manifestaram-se na Moita e em Lisboa, lutando pelo direito ao trabalho e por mais justiça social, enfrentando-se muitas das vezes com as forças militares da jovem República. E finda a República, em tempo de ditadura do Estado Novo, também não baixaram os braços. É esta a nossa identidade, que perdura, não outra.

João Manuel de Jesus Lobo Presidente da Câmara Municipal da Moita

MENSAGEM DO PRESIDENTE

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CAPÍTULO I

A MOITA NO PERÍODO ANTERIOR À REPÚBLICA (1908-1910) 1 | VIDA ECONÓMICA E POPULAÇÃO | P. 7 2 | POLÍTICA LOCAL

2.1 | O Emergir do Republicanismo e sua organização | P. 11

2.2 | A Propaganda Eleitoral Republicana | P. 16

2.3 | A Câmara Republicana | P. 22

1 | A ACÇÃO ARMADA E A IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA | P. 27 2 | A CÂMARA MUNICIPAL E A MUDANÇA DE REGIME | P. 31 3 | SENTIMENTO ANTI-CLERICAL | P. 34 4 | A INSTRUÇÃO | P. 38 5 | A LUTA DAS CLASSES TRABALHADORAS | P. 42 6 | AS PRIMEIRAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS NA REPÚBLICA(1913) | P. 48

ÍNDICE

CAPÍTULO II

A MOITA E A REVOLUÇÃO REPUBLICANA (1910-1913)

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A R E V O L U Ç Ã O R E P U B L I C A N A N A M O I TA · 1908 -1913 ·

CAPÍTULO 1 | A MOITA NO PERÍODO ANTERIOR À REPÚBLICA (1908-1910) 1 VIDA ECONÓMICA E POPULAÇÃO

A estrutura económica do concelho da Moita, na viragem do século XIX para o XX, fundamentava-se essencialmente nas actividades ribeirinhas e na agricultura. Um modelo económico que serviu de suporte ao estabelecimento humano e que perdurou até aos inícios da segunda metade da centúria de novecentos. Das actividades associadas ao rio, destacavam-se pelo seu peso na economia da vida local a salicultura e o transporte fluvial. A produção agrícola insidia em determinados produtos, como o vinho, as hortícolas e alguns cereais, a que se adicionava a exploração dos produtos de charneca, as lenhas e os matos, utilizados como combustível na cidade de Lisboa. A vida local gravitava em torno das necessidades económicas da grande capital. Pelo barco escoavam-se os excedentes da produção agrícola e assegurava-se o trânsito de passageiros. Embora o concelho da Moita seja constituído, na sua maior parte, por terrenos pobres e pouco adequados para a prática agrícola, dispunha, no entanto, de pequenas parcelas de solo muito fértil, localizadas nas zonas baixas e junto aos esteiros do Tejo, aproveitadas para o cultivo de produtos hortícolas e de cereais, nomeadamente o trigo e o milho. Segundo os dados registados no censo de 1910-1911, o trigo ocupava uma área de cultivo de 37,77 hectares, a que correspondia uma produção de 600,00 hectolitros, uma das mais baixas e sem grande expressão económica, no conjunto dos vinte e cinco concelhos que compunham o distrito de Lisboa. Contudo, as suas espigas apresentam uma alta rentabilidade, com um número de doze sementes, só superado pelos concelhos do Seixal, Barreiro e Lourinhã, com um rendimento de treze grãos.

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A cultura de milho tinha também um rendimento satisfatório a deduzir pelas informações fornecidas pelas sessões de Câmara de 21 de Janeiro e 18 de Março de 19091, quando em resposta ao Mercado Central de Produtos Agrícolas sobre a importação deste cereal, referem que o milho do concelho era bastante suficiente até à nova colheita e que a sua produção excedia o seu consumo. Além das culturas arvenses, a vinha ocupava um lugar de relevo na paisagem rural, uma vez que o desbravamento das áreas de pinhal tinha correspondido à plantação de vinhedos. A natureza dos solos, arenosos e pouco férteis, adequavam-se a este tipo de plantio que, desde sempre, conheceu uma franca expansão. O censo de 1911 faculta-nos alguns elementos preciosos sobre a produção vinícola para o concelho da Moita, na ordem dos 17.143,00 quintais de uva, a que corresponde um rendimento de 12.000,00 hectolitros de vinho, alcançando, assim, um décimo sexto lugar no contexto dos concelhos do distrito de Lisboa. Todavia, no quadro da economia local, a importância da vinicultura é demonstrada não só por estes dados numéricos, mas também por toda uma vasta documentação referente às escrituras de compra e venda de fazendas, as quais fazem quase sempre alusão a terras de vinhas. Os Livros de Vereações também são profusos em referências vinícolas, como por exemplo a do ano de 1907, que faculta a informação sobre uma reunião de viticultores, realizada na Sociedade de Geografia e na qual estiveram representados os do concelho da Moita2 . Efectivamente, são diversos e das mais variadas proveniências os documentos que nos testemunham a relevância da vinha no quadro do património agrário do concelho da Moita. Nas vésperas da República, a Moita era um concelho com uma expressão rural e marítima nas suas actividades económicas, pelo que grande parte da sua população se distribuiria por esses dois grupos sociais de trabalho.

1 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fls.60v, 67 2 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fls.7 v, 8


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Como não há cadastros para o ano de 1910, uma vez que os censos da população foram atrasados um ano, devido aos acontecimentos políticos e até que a situação do novo regime se normalizasse, tivemos que recorrer aos dados do censo de Dezembro de 1911, para termos uma ideia da população total do concelho nessa época. Tendo como base os elementos fornecidos por essa fonte, o ano de 1910 em termos demográficos, não seria muito diferente do ano de 1911, pelo que teria uma população que rondaria os 6.204 habitantes, distribuída pelas duas únicas freguesias: Alhos Vedros e Moita. Em relação ao estado civil da população, é curioso verificar-se que os 6.204 moradores do concelho repartiam-se da seguinte forma: 2.084 indivíduos casados; 3.842 solteiros; 11 indivíduos separados judicialmente e 267 viúvos, verificando-se aqui um maior número de mulheres viúvas. Contudo, os registos demonstram que a população masculina era superior à feminina, 3.231 para 2.973 respectivamente, o que nos leva a pensar que estaria ligado ao afluxo migratório de homens oriundos de outras zonas do país que, na busca de melhores condições de vida, eram atraídos para viver na cidade de Lisboa ou nos seus arredores. Estes registos testemunham igualmente um índice de população muito jovem no concelho, constituída por um grande número de crianças, na faixa etária dos zero aos doze anos, logo seguida pela faixa etária dos treze aos vinte cinco anos de idade, com um total de 1.373 indivíduos. A partir deste grupo etário, a população começa a sofrer um decréscimo significativo. Este declínio aumenta substancialmente a partir dos sessenta e cinco, registandose, contudo, já um grande decrescimento no grupo etário anterior, dos cinquenta e cinco anos aos sessenta e cinco, facto que traduz nitidamente um aumento da taxa de mortalidade. A população infantil e juvenil acusa igualmente uma alta percentagem de mortalidade que estabiliza entre os escalões etários dos trinta cinco e cinquenta e cinco anos. Tais dados permitem situar a duração média de vida da população no concelho da Moita, no final da primeira década de novecentos, entre os quarenta e cinco e cinquenta e cinco anos de idade.

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1 | C A I S D A M O I TA , n o f i n a l d a c e n t ú r i a d e o i t o c e n t o s

2 |

Cais da Moita com guindaste

3 |

Duas jovens conduzindo animais

4 |

Enxofrar a vinha


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2 POLÍTICA LOCAL 2.1 O Emergir do Republicanismo e sua Organização “A monarquia morreu a 1 de Fevereiro e desde então apenas estrabucha.“ 3

As primeiras manifestações republicanas, no concelho da Moita, reportam-se a Agosto de 1881 e estão relacionadas com o acontecimento inaugural de um centro republicano, sedeado na vila de Alhos Vedros. O momento foi alvo de notícia, pelo jornal O Século, que nos dá a seguinte informação: «A sala e as escadas estavam repletas de indivíduos e na rua era grande a concorrência de povo. Oraram os srs. Sebastião Baçan, Jacques Sant’Ana e outros cavalheiros. Os oradores foram enthusiasticamente applaudidos.»4 A fundação deste centro reflecte a conjuntura favorável que se vivia então no país e que teve o seu ponto alto nas festividades das Comemorações Camonianas, realizadas em 1880, as quais tiveram um efeito muito positivo na estruturação e fortalecimento do movimento republicano e consequentemente no aparecimento destes centros em várias localidades, não sendo o concelho da Moita excepção. Efectivamente, os republicanos ao promoverem as celebrações do tricentenário de Camões, souberam capitalizar o descontentamento do povo, num protesto de conotação cívica contra o regime monárquico, contribuindo para o crescimento do activismo republicano, sobretudo nos concelhos situados junto ao Tejo e a Sul do país. Contudo, parece-nos que o centro republicano de Alhos Vedros não teve uma longa existência, pois a ausência de notícias, leva-nos a pensar que se terá dissolvido num contexto político mais adverso, à semelhança do que aconteceu com outros centros nesta margem do Tejo. 3 O Mundo, Terça-Feira, 13 de Abril de 1909, p.2 4 O Século, 18 de Agosto de 1881, n.º18

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Embora se possa fazer remontar uma certa actividade republicana em 1881, foi só a partir de 1907 que o republicanismo surgiu claramente como uma força política em oposição ao regime monárquico, com o objectivo de agitar as consciências colectivas. Sintoma deste novo ímpeto foi a organização da Comissão Municipal Republicana da Moita, em Janeiro de 1907, constituída pelo Presidente, Nicephoro de Oliveira, pelo Tesoureiro, João Martins Gomes, pelo Secretário, José Pereira de Moura e pelos vogais, Estanislau Domingues, João da Costa Ratão e José Simões Domingues5. Como estas Comissões Municipais eram de carácter electivo, passado um ano, em Janeiro de 1908, apresentou-se com uma nova composição: Dr. Luiz Fortunato da Fonseca, Dr. José Baleiras Proença, José Pereira de Moura, Luiz José da Costa Sobrinho e Estanislau Domingues Júnior6. A primeira personagem que assumiu a presidência desta comissão, foi a figura republicana que liderou a actividade politica de todo este período, pré-republicano, no concelho. Após a constituição da Comissão Municipal foi instalada a Comissão Paroquial da Moita, em Fevereiro de 1908, com José Simões Domingues, Nicephoro de Oliveira e Manuel José da Costa7 . Organizada a Comissão Municipal Republicana da Moita, bem como a Comissão Paroquial, estavam criadas as condições propícias para o crescimento da militância republicana e consequentemente do activismo político antimonárquico. É também neste mesmo contexto que se assiste à instalação, a 10 de Maio de 19088 , da Loja Maçónica “Boa Viagem”, na vila da Moita, com o número 275.

5 O Domingo, 27 de Janeiro de 1907, N.º289-VII Anno, p.2 6 O Domingo, 19 de Janeiro de 1908, N.º340-VIII Anno, p.3 7 O Mundo, 28 de Fevereiro de 1908, N.º2626-VIII Anno, p.3 8 Oliveira Marques no Dicionário da Maçonaria Portuguesa diz-nos que a Loja “Boa Viagem” foi instalada em 1907


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Esta Loja praticava o Rito Francês e teve como primeiros colaboradores, Nicephoro de Oliveira, o Venerável que presidia às reuniões, José Pereira de Moura, Estanislau Domingues, Manuel Maria de Azevedo Rua, Américo Luis de Paiva, João Martins Gomes e José Simões Domingues. As reuniões eram realizadas na casa do irmão9 Estanislau Domingues10 . No concelho da Moita a interligação entre republicanos e maçonaria é uma evidência, ambas as instituições perfilhavam os princípios, herdados da Revolução Francesa, liberdade, igualdade e fraternidade, o que ajudou a cimentar a sua luta política de contestação contra a ordem vigente. O trabalho de propaganda ideológica e de conspiração, a nível local, passou inevitavelmente por um acordo entre estas duas instituições, o Partido Republicano e a Maçonaria, com vista a um objectivo comum, a preparação do movimento revolucionário e o derrube da monarquia. A ligação de alguns republicanos com a carbonária parece ter sido também uma realidade, sobretudo a nível do trabalho conspirativo e de preparação para a revolução e que contou com a actuação de líderes locais, como Nicephoro de Oliveira, João António da Costa, José Simões Domingues e seus irmãos, todos presentes no assalto ao quartel de Vale de Zebro11 . A nível municipal, o trabalho de organização política passava ainda pela fundação de centros. No concelho da Moita e só após a criação da Comissão Municipal, foi fundado o Centro Republicano Moitense que adoptou o nome da grande figura do partido, Dr. Bernardino Machado, como seu patrono. A primeira notícia a este centro data de 31 de Outubro de 1908 e faz a seguinte menção: «Neste novo centro republicano da Moita, realisou hontem, pelas 7 horas da noite, uma conferencia de propaganda eleitoral o illustre membro do Directório dr. Bernardino Machado12.» 9 Irmão era a forma de tratamento utilizada pelos membros da Sociedade. 10 António Augusto Louro um maçon há cem anos, Grande Oriente Lusitano, Junho de 2007 11 Carromeu, Francisco - Dicionário da Carbonária em Portuguesa, policopiado, 2006, p.64, p.85, p.152 e p.167; Santos, Machado - A Revolução Portuguesa 1907-1910, 1.ª Edição, Lisboa, Sextante Editora, 2007, p.118 12 O Mundo, 31 de Outubro de 1908, N.º2870-IX Anno, p.3

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Esta informação remete-nos para a hipótese de ter ocorrido neste dia a inauguração do referido centro, uma vez que não foi encontrada notícia específica sobre a sua abertura inaugural. Para mais O Diário de Notícias13 , de 22 de Setembro de 1908, informa-nos que estava para breve a inauguração do Centro Democrático Moitense e que iria contar com a presença de um dos melhores oradores da democracia, o que vem corroborar esta ideia. Estruturado o partido republicano no concelho da Moita, o Centro Dr. Bernardino Machado passou, a partir de então, a concentrar toda a actividade político-ideológica partidária. Funcionava como núcleo de discussão, como espaço eleitoral onde se elegia a Comissão Municipal e a Direcção do Centro, como um local informativo onde se recebiam os boletins do recenseamento eleitoral e se prestavam esclarecimentos e ainda como centro escolar onde se ministrava o ensino das primeiras letras, aos sócios e seus filhos que não sabiam ler nem escrever. Em suma, o Centro tinha, na prossecução dos seus objectivos, uma dupla função, por um lado a formação cultural e ideológica dos seus elementos associados e, por outro, a acção política com vista a captar e mobilizar mais militantes, na sua luta antimonárquica. A nível local, o Centro constituiu um importante meio de organização e combate, utilizado pelo Partido Republicano na propagação dos seus princípios doutrinários e na preparação e educação dos cidadãos para o acto eleitoral. 13 O Diário de Notícias, Terça-Feira, 22 de Setembro de 1908, N.º15.390 - 44.º Anno, p.4

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Nicephoro de Oliveira

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Estanislau Domingues

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Fortunato da Fonseca


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Bernardino Machado

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O Directório do Partido Republicano Português

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Bernardino Machado, patrono do Centro Republicano da Moita

1 2 | C A S A D E E S TA N I S L A U D O M I N G U E S , l o c a l i z a d a n a t r a v e s s a c o m o m e s m o n o m e , o n d e e r a m r e a l i z a d a s a s r e u n i õ e s d a L o j a M a ç ó n i c a “ B o a V i a g e m” .

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2.2 A PROPAGANDA ELEITORAL REPUBLICANA

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“A Republica, em Portugal, é uma esperança, não só de reabilitação e emancipação, mas também de felicidade nacional.” 14

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Os anos que precederam a república caracterizaram-se por um intenso trabalho de republicanização no concelho da Moita, quer a nível da organização do partido em termos municipais, quer no trabalho de propaganda, no sentido de mobilizar todos os descontentes com o regime, em particular os indivíduos pertencentes aos estratos sociais da média burguesia e os trabalhadores mais esclarecidos. Organizado localmente o partido republicano, através da Comissão Municipal e do Centro, ambos presididos pelo Dr. Luis Fortunato da Fonseca, iniciou-se um período de grande agitação política. Os comícios e as conferências proferidas pelas grandes figuras republicanas nacionais, conhecidas pelos seus dotes tribunícios, preenchiam o calendário de propaganda eleitoral. Os seus discursos inflamados arrastavam multidões, sempre muito receptivas a uma oratória que denunciava os males que assolavam o regime monárquico e que apresentava a República como o garante das liberdades colectivas e individuais. No concelho da Moita esta luta eleitoral é uma evidência nos momentos cruciais de se obter uma representação legítima do partido republicano, quer a nível do Parlamento, nas eleições realizadas a 5 de Abril de 1908 e a 28 de Agosto de 1910; quer a nível municipal, na eleição que teve lugar a 1 de Novembro de 1908. Mas neste horizonte político quem eram os eleitores? Segundo a lei eleitoral monárquica, vigente desde 8 de Agosto de 1901, eram eleitores apenas os cidadãos portugueses, maiores de 21 anos, domiciliados em território nacional, que soubessem ler e escrever ou então que pagassem uma qualquer contribuição ao Estado, não inferior a 500 reis. Estavam excluídos do direito de voto os analfabetos, as mulheres, os indigentes, os que não tinham bens que lhes permitisse o pagamento da referida quantia, em forma de contribuição ao Estado. Para os republicanos esta lei foi definida como infame e apelidada, a ignóbil porcaria. 14 Discurso de Bernardino Machado in O Mundo, Segunda-Feira, 7 de Março de 1910, p.2


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Apesar das imperfeições da lei, os republicanos atribuíram grande importância ao acto eleitoral, daí uma das suas preocupações concentrar-se na mobilização e conquista de um vasto corpo de eleitores. É neste contexto político que se enquadram as campanhas eleitorais, realizadas nos anos de 1908 e 1910. Na eleição dos deputados para o Parlamento, a Comissão Municipal Republicana da Moita, promoveu a realização de um grande comício, na velha praça de touros da Caldeira, no dia 25 de Março de 1908, com a participação de diferentes oradores, entre os quais se destacaram António José de Almeida, Estêvão de Vasconcelos, Feio Terenas e Celestino de Almeida. O jornal O Mundo15 informa-nos que neste comício, além do povo moitense, estiveram também largamente representados os concelhos vizinhos de Aldegallega, Alcochete, Barreiro, Seixal, Almada e Sesimbra, de tal modo que a praça ficou quase cheia, calculando-se uma assistência de mais de 4.000 pessoas. O comício terminou com a aprovação de uma Moção, em que todos se comprometiam a votar pelos ideais republicanos e a empenhar todos os esforços na campanha eleitoral, para levar ao parlamento os legítimos defensores da causa do povo. Este comício assumiu-se também como uma verdadeira festa republicana, onde não faltaram os foguetes, a banda da Sociedade Estrela Moitense que em vários momentos tocou a Portuguesa, as ruas adornadas com bandeiras verdes e encarnadas e as janelas enfeitadas com colchas, tudo no propósito de saudar os ilustres republicanos. Com a eleição de 5 de Abril de 1908, o círculo de Setúbal elegeu dois deputados para o Parlamento, Estêvão de Vasconcelos e Feio Terenas. A nível nacional o Partido Republicano passou a ter uma representação de sete deputados, além dos quatro da legislatura anterior, o que comprova a existência de um intenso activismo em vários círculos eleitorais. 15 O Mundo, Quinta-Feira, 26 de Março de 1908, n.º2652, Anno VIII, p.2

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Decretadas as eleições para as Câmaras Municipais no primeiro domingo de Novembro e para as Juntas de Paróquia no último domingo do mesmo mês, através do decreto de 1 de Outubro de 1908 e publicado no Diário do Governo, as Comissões Republicanas do Concelho da Moita deram início a uma nova campanha eleitoral. Para o efeito deliberaram apresentar uma lista de efectivos e suplentes, constituída pelos seguintes candidatos: Efectivos - Dr. Luis Fortunato da Fonseca, médico, republicano; João Martins Gomes, republicano; Luis José da Costa Sobrinho, proprietário, republicano; Joaquim Alves Dias, proprietário, republicano; Manuel Maria de Azevedo Rua, notário, independente; Suplentes - Nicephoro de Oliveira, industrial, republicano; Manuel Gomes de Paula, proprietário, republicano; Augusto Rodrigues de Almeida, comerciante, independente; Sebastião dos Santos Júlio, comerciante, independente16. Na sua luta eleitoral, com vista a obter a Câmara Municipal e na tentativa de consciencializar politicamente o eleitorado, os republicanos utilizaram a imprensa para denunciar a má administração municipal monárquica e para apelar ao voto consciente, tal como é evidenciado nesta notícia: «Em vesperas de eleições municipaes, é preciso que os eleitores pensem na importancia do voto que terão de ir manifestar junto da urna se quizerem que os seus interesses como contribuintes do município sejam confiados a quem os respeite e defenda contra aquelles que pretendam feri-los em proveito proprio. Hão de apresentar-se duas listas aos eleitores e é absolutamente necessário que estes deixem de ir votar como carneiros ás ordens dos caciques, mas que, pelo contrario, escolham conscienciosamente a lista que fôr constituída por nomes de cavalheiros, que lhes ofereçam garantias de bem administrarem o seu dinheiro.»17 Foi igualmente sobre o tema da administração municipal que versou a conferência de propaganda eleitoral, proferida pelo Dr. Bernardino Machado, no Centro Republicano da Moita, no dia 31 de Outubro.

16 O Mundo, Quarta-Feira, 21 de Outubro de 1908, p.3 17 O Mundo, Quarta-Feira, 14 de Outubro de 1908, p.5


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No seu discurso condenou o desinteresse das vereações monárquicas pelos seus munícipes e recomendou a lista republicana como garante de uma administração séria e responsável para o concelho18. Na Moita a lista republicana conseguiu, efectivamente, obter uma redundante vitória, nas eleições municipais de 1 de Novembro de 1908, alcançando o seguinte resultado eleitoral: Efectivos – Dr. Luis Fortunato da Fonseca, com 471 votos; Luis José da Costa Sobrinho, com 472 votos; João Martins Gomes, com 476 votos; Joaquim Alves Dias, com 471 votos e Manuel Maria de Azevedo Rua, com 470 votos; Suplentes – Nicephoro de Oliveira, com 471 votos; Manuel Gomes de Paula, com 471 votos; Augusto Rodrigues de Almeida, com 471 votos; Sebastião dos Santos Júlio, com 471 votos e José Pereira da Silva, com 453 votos19. Com esta eleição, a Câmara Municipal da Moita passou a ter uma administração exclusivamente republicana, fazendo parte da lista das doze câmaras em que o partido republicano venceu com maioria, como foi o caso de Lisboa, Alcochete, Aldegallega, Almeirim, Benavente, Grândola, S. Tiago do Cacém, Castro Verde, Cuba, Odemira e Lagos20. Na sequência deste resultado eleitoral, as Câmaras Republicanas destes concelhos passaram a funcionar como o balão de ensaio para a implantação da República. Nas eleições paroquiais, realizadas no dia 29 de Novembro de 1908, a lista republicana venceu igualmente na freguesia da vila da Moita21. Tal vitória mostra que as forças republicanas no concelho tinham conseguido mobilizar um grande número de eleitores.

18 O Mundo, Sábado, 31 de Outubro de 1908, p.3 e O Diário de Notícias, Sábado, 31 de Outubro de 1908, p.1 19 O Mundo, Quarta-Feira, 4 de Novembro de 1908, p.2 e O Século, Quarta-Feira, 4 de Novembro de 1908, p.4 20 O Mundo, Quarta-Feira, 11 de Novembro de 1908, p.1 21 O Mundo, Segunda-Feira, 30 de Novembro de 1908, p.3

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Foi no ano de 1910, que o trabalho de militância e propaganda política se intensificou, registando-se vários comícios e conferências, não só na vila da Moita, como em outras localidades no concelho, com vista a difundir o ideário republicano e a conquistar eleitorado. Assim, a 13 de Fevereiro, a convite da Direcção do Centro Republicano da Moita, o Dr. Magalhães Lima realizou uma conferência de propaganda republicana e de livre pensamento, na sede do mesmo Centro. No dia 7 de Março, efectuou-se outra conferência, no Centro Republicano, com o seu patrono, Dr. Bernardino Machado. Face às eleições legislativas desse ano, o mês de Agosto foi marcado por um intenso calendário de activismo político. A 8 de Agosto, houve um comício na vila de Alhos Vedros, com os oradores Soares Guedes e o Dr. Luis Fortunato da Fonseca que era simultaneamente o Presidente da Câmara, o Presidente da Comissão Municipal e do Centro Republicano. No dia 14 de Agosto, na povoação de Sarilhos Pequenos, teve lugar mais uma conferência de propaganda eleitoral, com o orador Alfredo Ladeira. No dia 21 de Agosto, foi organizado um comício na Moita, com os candidatos republicanos ao Parlamento, o Dr. Fernandes Costa, Feio Terenas, mais o orador Celestino de Almeida. No contexto desta onda de propaganda doutrinária, a lista republicana venceu por maioria, nas eleições legislativas de 28 de Agosto de 1910, no concelho da Moita, com o seguinte resultado eleitoral: Costa Ferreira, 421 votos; Fernandes Costa, 421 votos e Feio Terenas, 418 votos22. A fase de propaganda política, doutrinária e cívica, terminou, assim, com as eleições legislativas de Agosto de 1910, com toda a sua força de mobilização, a partir daí a situação será caracterizada pela luta de tomada do poder que culminou com a proclamação da República.

22 O Mundo, Terça-Feira, 30 de Agosto de 1910, p.3 e O Mundo, Quarta-Feira, 31 de Agosto de 1910, p.1


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António José de Almeida discursando num comício

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Feio Terenas entre dois amigos republicanos.

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Assistência na Praça de Touros

1 6 | A S A C L A M A Ç Õ E S D A M U LT I D Ã O . A s c h e g a d a s d o s o r a d o r e s r e p u b l i c a n o s à vila da Moita eram sempre motivo de grandes manifestações.

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2.3 A CÂMARA REPUBLICANA

Após a vitória republicana, nas eleições municipais de 1 de Novembro de 1908, o recém eleito corpo da Câmara Municipal da Moita, antes de entrar em exercício de funções, reuniu-se na sessão, datada de 23 de Novembro de 1908, e, na presença do administrador do concelho, Dom José Correia de Sampaio, prestou “o juramento de fidelidade ao Rei e obediência à carta Constitucional, aos actos addicionaes e às leis do reino por serem os vereadores effectivos definitivamente eleitos para servirem no triénio de mil nove centos e oito a mil nove centos e dez os quaes tomaram assento sob a presidencia do Excellentíssimo Senhor Doutor Luiz Fortunato da Fonseca por ser o vereador mais velho; (…)”.23 Nesta mesma sessão e de acordo com o Código Administrativo em vigor, de 1896, os vereadores procederam à eleição interna do presidente e vice-presidente e seguidamente passaram à distribuição dos pelouros, ficando, assim, constituída a Câmara republicana da Moita: o cargo de Presidente recaiu no Dr. Luis Fortunato da Fonseca que assumiu o pelouro de Secretaria, Instrução, Limpeza e Matadouro, o cargo de Vice-Presidente na pessoa de Luis José da Costa Sobrinho que ficou com o Cais e Porto, o vereador Manuel Maria de Azevedo Rua ficou responsável pelo Contencioso, Cemitério e Viação; o vereador João Martins Gomes ficou com o serviço de Beneficência e Iluminação e o vereador Joaquim Alves Dias com os Serviços em Alhos Vedros. Esta primeira vereação republicana e a respectiva distribuição dos pelouros manteve-se até 1910, de forma idêntica à dos anos anteriores, somente em situações de ausência de um vereador efectivo, eram chamados a servir os vogais suplentes, segundo a ordem da maior votação e em caso de igualdade de votos, dava-se preferência ao mais velho. Curiosamente o desempenho dos cargos de vereador não eram remunerados, daí os eleitos serem, na sua maior parte, proprietários e indivíduos ligados ao comércio, registando-se um médico e um notário. Eram indivíduos com uma situação económica desafogada que lhes permitia ter uma vida política correspondente ao estatuto social que ocupavam na sociedade. 23 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fls. 51, 51 v


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De acordo com o código administrativo, a vereação definiu, nessa mesma reunião, que as sessões ordinárias seriam celebradas às quintas-feiras e se coincidisse com dia santo ou feriado, passariam a ser realizadas no dia útil seguinte. 24 Constituída a Câmara e decidido o seu funcionamento, esta passou a partir de então a administrar o concelho com o firme propósito de defender os interesses colectivos locais. Um dos problemas que a vereação republicana teve que defrontar foi com os parcos recursos financeiros, ao assumir a gerência camarária encontrou o cofre geral com um grande défice (1.017$006 reis) 25 e todo o seu trabalho foi orientado a equilibrar as finanças, com vista a solver o saldo negativo. Foi nesse sentido que o vereador Azevedo Rua, logo na sessão de 10 de Dezembro de 1908 26 , apresentou uma proposta que visava a extinção dos lugares de guarda portão e de dar corda ao relógio, o primeiro por ser desnecessário e o segundo porque o serviço podia ser executado pelos trabalhadores jornaleiros que estavam sob a responsabilidade do zelador municipal 27 . Segundo esse mesmo vereador, dessa extinção resultaria uma economia anual de cento e quatro mil e quatrocentos reis. Tal proposta foi submetida a votação e mereceu a aprovação da Câmara. A demissão do tesoureiro da Câmara, Henrique Rodrigues Soeiro 28 , devido a práticas irregulares continuadas com os fundos de viação, cais e porto 29, foi outra resolução tomada pela vereação republicana, como forma de firmar uma politica administrativa mais transparente, séria e económica dos dinheiros que lhe eram confiados. 24 Idem, Ibidem, Fl. 51v 25 O Mundo, Domingo, 13 de Dezembro de 1908, p.5 26 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fls.54, 54v 27 Zelador era o empregado que fiscalizava a execução de posturas. 28 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fl. 64v; O Mundo, Domingo, 7 de Março de 1909, p.5 29 O Mundo, Domingo, 13 de Dezembro de 1908, p.5

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Ao longo de dois anos, outros assuntos foram merecendo a atenção da vereação republicana, sendo motivo de discussão nas sessões de Câmara a água para consumo público, o conserto do chafariz e a abertura de poços30, a limpeza das ruas, o desvio das águas pluviais para evitar a inundação do Largo Conde Ferreira, bem como a sua arborização, a remoção dos lixos, as obras de melhoramento e iluminação do cais da Moita, a conservação e o estudo para a construção de estradas. Sobre a questão da rede viária, refira-se que foi sob a administração desta Câmara que se aprovou o projecto da estrada municipal para o Cabeço Verde, na direcção de Santo António, bem como da Moita para os Brejos31. Além das questões de serviço público, os assuntos sociais também estavam no âmbito das suas preocupações e responsabilidades, entre os quais destacamos o pagamento dos tratamentos, feitos a doentes pobres, no hospital de S. José 32 ; o fornecimento de desinfectantes a famílias pobres33 ; os subsídios de lactação 34 e um caso particular de um subsídio mensal 35 , no valor de mil e quinhentos reis, concedido a Rita Jesus, para criação e sustentação dos seus filhos. Algumas destas sessões eram assistidas pelo Administrador do Concelho, um magistrado nomeado pelo poder central e que tinha o papel de controlar e inspeccionar a aplicação das posturas e regulamentos municipais, bem como a manutenção da ordem pública.

30 A Câmara mandou abrir um poço artesiano em Alhos Vedros e outro em Sarilhos Pequenos 31 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fl. 104v 32 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fl. 65v 33 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fls. 96v, 97 34 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fls. 98v, 99v, 100 v 35 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fl. 88


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Sendo um delegado do governo tinha ainda o poder de aprovar ou não as deliberações tomadas pela vereação republicana que, semanalmente, lhe eram entregues em resumo, pelo Presidente da Câmara Municipal. Esta função do Administrador, consignada no Código Administrativo, reduzia grandemente as competências da Câmara, na medida em que contrariava, se assim o entendesse, as decisões da vereação, impedindo a concretização de alguns melhoramento municipais. Estas situações eram depois denunciadas na imprensa, com severas críticas àquela autoridade, enquanto representante do governo monárquico, no concelho da Moita 36 . Em concomitância à sua politica administrativa, a Câmara Republicana foi também actuando na propaganda em prol da educação e ensino. Nesse sentido promoveu várias conferências no ano de 1909, entre as quais destaca-se, a que foi proferida pelo professor epedagogo Borges Grainha que versou sobre instrução e métodos de ensino, na sala dosPaços do Concelho 37. Efectivamente, a actuação da Câmara Republicana da Moita não estava reduzida apenas à política administrativa do concelho, sempre que necessário intervinha e manifestava-se nas questões de opinião pública, de que é exemplo o voto de sentimento, em sinal de luto, que o Presidente, com a aprovação do executivo, fez lavrar na acta de vereação, pela morte de Francisco Ferrer, pedagogo e anarquista, fuzilado pelas tropas governamentais espanholas 38.

36 O Mundo, Domingo, 14 de Agosto de 1910, p.6; O Mundo, Sexta-Feira, 23 de Setembro de 1910, p.4 37 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fl. 94; O Domingo, 28 de Novembro de 1909, N.º438-IX, Anno, p.1; O Mundo, Sábado, 4 de Dezembro de 1909, p.5; O Mundo, Domingo, 12 de Dezembro de 1909, p.5 38 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fls. 91, 91v

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Enquanto força política interveniente, a Câmara Municipal da Moita participou ainda no Congresso Municipalista, realizado em Lisboa, entre 16 e 21 de Abril de 1909, e no Congresso do Partido Republicano, organizado em Setúbal, de 23 a 25 de Abril do mesmo ano. No Congresso Municipalista, a Câmara Municipal da Moita fez-se representar com todos os seus vereadores 39 . Nele, os municípios não só discutiram, como reivindicaram a descentralização e a autonomia municipal. No Congresso do Partido Republicano, a Câmara da Moita esteve igualmente representada, pelo seu Presidente, Dr. Luis Fortunato da Fonseca e pelo vereador suplente Nicephoro de Oliveira 40 . Obviamente que estes edis terão participado nas decisões de orientação do partido na via revolucionária, opção que conduziu à eleição do novo Directório. Além da sua acção política administrativa, a participação da Câmara no debate das questões políticas nacionais e do próprio partido, teve, sem dúvida, no contexto da margem sul do Tejo, um papel decisivo na luta contra o regime monárquico e na agitação ideológica do elemento popular, contribuindo, conjuntamente com as outras câmaras republicanas, para o sucesso do assalto final à secular instituição monárquica. 39 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fl. 69v; O Mundo, Domingo, 15 de Abril de 1909, p.2 40 O Mundo, Domingo, 25 de Abril de 1909, p.3

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Dr. Luís Fortunato da Fonseca

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Manuel Maria de Azevedo Rua

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Edifício da Câmara nos finais do Século XIX


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CAPÍTULO 2 | A MOITA E A REVOLUÇÃO REPUBLICANA (1910-1913) 1 A ACÇÃO ARMADA E A IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA

Dia 4 de Outubro de 1910, uma hora da manhã: data e hora do início da acção armada para derrubar o regime monárquico e implantar a República em Portugal. Foi Cândido dos Reis quem indicou o momento para os regimentos se sublevarem. Mas nem tudo acontece como os revoltosos planearam, tardando o sinal dos navios de guerra, fundeados no Tejo, Adamastor e S. Rafael. Disparam-se apenas três tiros de canhão isolados e com um atraso de 20 minutos 41 . O desânimo abate-se sobre os revoltosos que falham a sublevação em vários quartéis e Cândido dos Reis, julgando perdida a revolução, suicida-se. Só com a insurreição em Infantaria 16, liderada por Machado Santos, o movimento adquire feição vitoriosa. De Infantaria 16 os revoltosos seguem para o assalto a Artilharia 1, apoderando-se do armamento portátil e munições 42 , conduzindo depois as baterias para a Avenida e acabando por formar na Praça do Marquês de Pombal. É nesse local que Machado Santos tem conhecimento de que a República fora instaurada na Moita e no Barreiro, na noite anterior, 4 de Outubro: “Eram talvez cinco horas da manhã (…) Foram apprehendidos vários telegramas que iam dirigidos ao presidente do Conselho e por elles soube que a bandeira republicana já fora hasteada n’algumas povoações da margem esquerda do Tejo, o que mandei dizer ao commandante geral, participando essa boa nova aos soldados.” 43

41 A Capital, Domingo, 12 de Outubro de 1912 42 Santos, Machado, A Revolução Portugueza, Lisboa, Assírio e Alvim, 1982, p.64 43 Idem, pp.71-72

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Na Rotunda, como relata Machado Santos, viveram-se momentos dramáticos, de manifesto desalento, sucedendo o abandono dos oficiais e inclusive tentativas de desmobilização das forças revolucionárias por elementos do Partido Republicano. Machado Santos persiste, firme, com os sargentos, os soldados e os populares que armados de revólveres, espingardas e bombas, se haviam incorporado na barricada para apoiar a revolução, relevando também naquele momento de dificuldade para os sitiados, o efeito das notícias favoráveis que lhe haviam chegado da margem esquerda do Tejo: “A proclamação da Republica na madrugada de 4 deu um grande alento aos combatentes da Rotunda.” 44 Efectivamente, os republicanos da Moita não só conheciam o processo revolucionário como ainda lhes fora atribuída missão específica, correspondendo com pontualidade: “Gente da Moita e povoações circunvisinhas sob direcção do dr. Carneiro Franco devia assaltar a escola de torpedos, de combinação com os revolucionários da mesma, dirigidos por Carlos Freitas. A´ mesma hora em que a revolução começasse em Lisboa, devia o movimento efectuar-se na margem sul sucedesse o que sucedesse. Na escola de torpedos existiam cerca de 2:000 armas e 100:000 cartuchos; se a revolução não vingasse em Lisboa, a margem sul do Tejo, com o auxílio da marinha, tornava invencível o movimento.” 45 A acção da marinha era determinante, pois a partir do rio os cruzadores detinham alcance de tiro sobre a cidade, desde os aquartelamentos afectos às forças monárquicas à residência oficial de D. Manuel II. O bombardeamento do Palácio das Necessidades, onde se encontrava o rei, provocou-lhe a retirada para Mafra. Da praia da Ericeira seguirá para o exílio. Machado Santos refere mesmo que “…enquanto troasse artilharia no Tejo e nós mantivéssemos a posição da Rotunda, dominávamos a cidade.” 46 Dominava a cidade e dominava o país. Feita a revolução e proclamada a República Portuguesa da varanda dos Paços do Concelho da Câmara Municipal de Lisboa, a instalação do novo regime no resto do país fez-se por telegrama. 44 Idem, p. 118 45 Idem, p. 117 46 Idem, p. 72


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Na Moita e nas restantes câmaras municipais da margem Sul, em mãos dos republicanos desde 1908, por via eleitoral, e que se adiantaram a Lisboa na proclamação da República, o telegrama que se espera é de novas que terminem com a angústia da incerteza sobre o desfecho da revolução. Às onze horas da noite de 3 de Outubro partira um grupo de 50 revolucionários da Moita para o assalto a Vale de Zebro 47 , acção chefiada por Ernesto Carneiro Franco, com o auxílio de “…João da Costa, Nicéphoro d’Oliveira, Simões Domingues e seus irmãos.” 48. Perante a resistência oferecida pela Escola de Torpedeiros – na verdade a única ameaça que se oferecia aos cruzadores –, os revoltosos decidem a volta e proclamam a República na Moita, Barreiro e Aldegallega, içando bandeiras republicanas nos edifícios dos paços do concelho, igrejas e casas particulares. Com efeito, na manhã de 4 de Outubro a revolução ainda não está consolidada e para repelir qualquer ataque monárquico os populares decidem medidas preventivas: levantam as linhas-férreas entre Barreiro, Lavradio, Alhos Vedros e Moita e cortam as comunicações telegráficas 49 . Na Moita, os revoltosos armados com espingardas de caça – posto que quase todos eram caçadores – posicionam-se estrategicamente nos cimos dos telhados e outros pontos da vila 50. Soube-se, por fim, a 5 de Outubro, que a República tinha sido implantada, o que produziu um “…enthusiasmo louco. O povo, levando á frente uma bandeira republicana, percorreu as ruas da villa, dando vivas, mas sempre ordeiramente, sem excessos de alegria que levasse a praticar actos menos conformes com as exigências da ocasião. (…) Á noite saiu a philarmonica Estrella Moitense, a tocar a Portugueza, acompanhada de muita gente que acclamava os heroes, queimando muitos foguetes.”.51 47 O Século, 8 de Outubro de 1910 48 Santos, Machado, A Revolução Portugueza, Lisboa, Assírio e Alvim, 1982, p.118 49 O Século, 7 de Outubro de 1910 50 Notícias da Moita, 15 de Outubro de 1997 51 O Século, 8 de Outubro de 1910

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Nesse mesmo dia, na sala dos Paços do Concelho, presidente e vereadores da Câmara Municipal da Moita deixavam exarado em acta respectiva que “…a bandeira republicana foi hasteada no edíficio municipal do nosso concelho no dia quatro pelas quatro e meia horas da manhã no meio do maior regozijo do povo.” 52. Nas mesmas páginas inscrevem-se ainda congratulações ao Governo Provisório, saudações aos soldados, oficiais e marinheiros bem como à classe civil que tomou parte no movimento, e lavra-se um voto de profundo sentimento pelas mortes de Miguel Bombarda e Cândido dos Reis 53. Vitoriada a República e homenageados os heróis nacionais, desencadeia-se a substituição do monárquico pelo republicano, destituindo-se de imediato os funcionários identificados com o antigo regime, o administrador, e deliberando-se a mudança da toponímica local: “…que em commemoração da proclamação da republica a praça do Príncipe D. Carlos, a Rua Direita, a Rua da Estação, a Rua do Caes e a Rua do Conde Ferreira passem a denominar-se Praça da República, Ruas Machado Santos, Quatro de Outubro, Cândido dos Reis e Miguel Bombarda.” 54.

52 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fl. 111 53 Idem, Ibidem 54 Idem, Ibidem

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O Adamastor

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Machado Santos, comissário naval

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Barricada montada por civis


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2 A CÂMARA MUNICIPAL E A MUDANÇA DE REGIME

Em Outubro de 1910 a administração municipal já se encontrava nas mãos dos republicanos pelo que a mudança de regime não alterou a direcção política da Câmara. Com a revolução republicana o colectivo eleito em 1908 constituiu-se como Junta Local Administrativa, mantendo-se em exercício, decidindo e deliberando nessa qualidade até 30 de Novembro de 1910. Aliás, acabam mesmo por ratificar administrativamente os lugares com a nomeação política para a Comissão Administrativa do Concelho da Moita, com posse em 7 de Dezembro de 1910, nos paços do concelho, pelo também nomeado politicamente administrador da Moita, Manuel Maria de Azevedo Rua. O presidente da Comissão, Luis Fortunato da Fonseca, titular do cargo desde 23 de Novembro de 1908, considerou a nomeação legítima uma vez que “continuava a exercer o seu cargo por virtude da eleição popular e não por nomeação superior”55, tendo os restantes membros declarado igual. Os pelouros ficaram distribuídos, assim: Luis Fortunato da Fonseca (presidente), secretaria, contencioso e instrução; Luis José da Costa Sobrinho (vice-presidente), cemitério; Nicéphoro d’Oliveira, limpeza e matadouro; José Simões Domingues, viação; João Martins Gomes, cais e porto e iluminação; Augusto Rodrigues d’Almeida, beneficência; Sebastião dos Santos Júlio, serviços da freguesia de Alhos Vedros. Antes, logo em 5 de Outubro de 1910, já haviam sucedido as mudanças fundamentais no funcionamento administrativo da Câmara Municipal, com a destituição, em nome do Governo Provisório, do secretário da administração do Concelho Luís Rodrigues Soeiro, o amanuense interino Francisco António Soeiro e o oficial de diligências e carcereiro Victorino José do Nascimento Soeiro, porque se tornaram incompatíveis com a população republicana e por patrocinarem manifestações contra os republicanos56. 55 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fl. 116v 56 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fl. 111

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Depois das destituições o preenchimento dos cargos desertos, com homens de confiança política: João Luís da Cruz para secretário da administração57 e Adalberto Alves Pereira, maçónico, para a Regedoria. Os republicanos ocupam não só os lugares superiores da administração como ainda criam uma Junta Democrática de Vigilância, proposta por Nicéphoro d’Oliveira em assembleia-geral do Centro Republicano, com o objectivo de defender os interesses morais e materiais do Concelho da Moita, “fiscalizar todos os actos das autoridades e empregados públicos”58 , e ser a intermediária nas relações dos munícipes com a câmara. Os republicanos apoderaram-se praticamente de todos os lugares da administração local e do funcionalismo público, das instituições existentes e das que se vieram a criar como o Syndicato Agrícola, dos lavradores. Faltou-lhes o controlo das estruturas de classe dos trabalhadores, a dos marítimos e a dos trabalhadores rurais. Numa terra de carregado analfabetismo imprimem e controlam ainda todos os veículos de opinião pública escrita, com os jornais A Vitória (1911), O Espectro (1913) e O Futuro, todos de curta edição – entre quatro a seis números –, eles próprios vítimas das facções em que o Partido Republicano local acabou por se dividir. Em tudo o que são estruturas de poder, desde associações, centros, congressos, funerais e eleições, os republicanos da Moita fazem-se representar e marcam posição. É assim que participam nos funerais de Cândido dos Reis e Miguel Bombarda, a 16 de Outubro, em Lisboa, considerados funerais nacionais e que constituíram um grande momento de exaltação do novo Estado republicano. Compareceram as instituições governamentais e municipais, o exército e a marinha, o directório do Partido Republicano, os deputados republicanos, a maçonaria, centros republicanos e crianças das escolas, que cantaram a “Sementeira”. Pela Moita foram João Pedro Peixoto (tesoureiro das finanças), Francisco Coutinho Lucena (secretário das finanças) Adalberto dos Santos Alves Pereira (merceeiro e membro da comissão de vigilância) e João António da Costa, da Junta de Paróquia da Moita. Os republicanos da Moita circulam nos corredores do poder, conseguindo a eleição de deputado às Constituintes de 1911, pelo Círculo N.º38, Aldeiagallega, do presidente da Comissão Administrativa, Luis Fortunato da Fonseca. 57 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fl. 112 58 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, correspondência recebida, 28 de Dezembro de 1910


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Levam João António da Costa como delegado à 1ª sessão da Assembleia Nacional Constituinte, em 1911 – sessão em que são decretados a bandeira e o hino nacionais (A Portugueza) –, e remetem telegrama de regozijo pela proclamação da República, assinado por Nicéphoro d’Oliveira59. Para quem não alcança tanto, mas que se encontra entre os vencedores locais e é republicano de antes de 5 de Outubro de 1910, a distinção e o reconhecimento por valiosos serviços à causa republicana, para os mais diversos efeitos chega na forma de bom comportamento cívico e republicano, requerido à Câmara. E o colectivo atesta, por unanimidade, que “…Joaquim Filippe Carreira, casado, comerciante natural e residente nesta villa tem tido sempre bom comportamento moral e civil e tem prestado relevantes serviços ao partido republicano, tendo sido processado em mil novecentos e sete, pelo ex-administrador monárquico Fernando António Lobo, por uma (notícia) local publicada no Mundo, em que atacou a fundo tanto esta autoridade como os edis monárquicos daqui, e em mil novecentos e oito, fez publicar no Mundo como correspondente deste jornal, uma série de correspondências, que deram em resultado a demissão desse administrador e o descalabro do partido monárquico daqui.” 60. Não será atestado único. 59 As Constituintes de 1911 e os seus Deputados, Lisboa, Ferreira, 1911, p. 520 60 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fl. 133v

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José Pedro d’Oliveira Parreira

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Semanário Republicano A Victoria

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Quinzenário Republicano O Espectro

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3 SENTIMENTO ANTI-CLERICAL

Em vários locais do país, mais republicanizados, sucedem assaltos a igrejas, perseguições e detenções de religiosos, como em Alhos Vedros, em que a população invadiu a casa do padre, após ter arvorado a bandeira na igreja, forçando-o a marchar à sua frente e a associar-se aos gritos aclamadores da república61 . A animosidade ao clero era um distintivo da Alhos Vedros da primeira República, reputada “anti católica vila”, como escreveu o cronista de O Domingo62. O leve rumor de jesuíta nas proximidades da freguesia era suficiente para que o povo se armasse de carabinas e partisse à sua caça63. Na Moita o sentimento anti-clerical não era menor, tendo sido preso na vila um jesuíta fugitivo de Setúbal. Identificado pelos populares, foi detido e conduzido à cadeia no meio de insultos e ameaças, caso não denunciasse o paradeiro de outros religiosos. Na rua a população, alvoraçada e impetuosa, pedia que matassem o padre e o pendurassem num candeeiro. No cárcere, administrador do Concelho e correligionários republicanos interrogavam o preso64. Era este o clima anti-clerical em Outubro de 1910, efeito da propaganda republicana que denunciava a influência negativa das congregações religiosas na sociedade, além de associar o clero à monarquia e assim apontá-lo também como anti-republicano. Libertar o indivíduo da sujeição espiritual e laicizar o Estado é empresa que os republicanos tomam de imediato: expulsam os jesuítas e proíbem o ensinamento da religião nas escolas, ainda em Outubro de 1910; decretam o registo civil obrigatório (Fevereiro 1911), promulgam a Lei do Divórcio (Novembro de 1910) e a Lei de Separação do Estado da Igreja (Abril de 1911). Localmente, tanto a Câmara Municipal da Moita como as juntas de paróquia, principalmente Alhos Vedros, saúdam efusivamente estas medidas. 61 Ribeiro, Armando, A Revolução Portugueza, Lisboa, João Romano, 1911, p. 597 62 O Domingo, 15 de Setembro de 1912 63 O Século, 6 de Outubro de 1910 64 Azevedo,L. Gonzaga de, Proscritos, Valladolid, 1911


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Na Moita, queimam-se foguetes e saúda-se a bandeira pela Lei da Separação65; em Alhos Vedros é exaltada a instituição do Registo Civil: “Desde o dia 5, em que se realizou aqui o primeiro registo civil, tem-se efectuado sete de nascimentos, seis de óbito e um de casamento. É encarregado desse serviço o nosso amigo Manuel A. Justino, professor oficial nesta vila.” 66. Os republicanos de Alhos Vedros sublinham ainda a conquista do registo civil, numa outra correspondência para O Mundo: “Espera-se que até 30 do corrente se efectuem uns cincoenta registos, visto se terem aproveitado da prorrogação do prazo até aquella data, grande número de indivíduos cujo nascimento se acha por registar.” 67. No entanto, ainda terão de disputar tanto a posse da chave da igreja como dos livros de registos da freguesia, e reivindicar que os registos dos seus se passem a fazer em Alhos Vedros e não na Moita68. O livre exercício de cultos, garantido na nova Constituição, é impraticável em Alhos Vedros, pois nem na igreja o padre se encontra a salvo da contestação popular, que o impede de dar missa, como o próprio descreve em carta ao administrador do Concelho, de 8 de Outubro de 1911: “…dirigindo-me eu para a Igreja Parochial, afim de celebrar a missa conventual, fui detido por uma grande multidão de individuos desta freguesia, que, ao signal dado por um foguete se reuniram e se oppuzeram a que eu mandasse tocar os sinos, e celebrasse a missa, sob penna de soffrer qualquer enxovalho…” 69 65 O Mundo, Abril de 1911 66 O Mundo, Abril de 1911 67 O Mundo, Abril de 1911 68 O Mundo, 20 de Julho de 1912 69 C. M. Moita, Sector de Arquivo Geral, correspondência recebida, 9 de Outubro de 1911

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Os responsáveis pelo acto foram todos identificados pela Regedoria de Alhos Vedros, em nome do prestígio das instituições republicanas. Alhos Vedros protesta também contra a reacção dos bispos à Lei da Separação, convocando uma manifestação anti-clerical com a participação da Filarmónica Recreio e Entusiasmo, corpos gerentes, escolas e professores e que deu volta à vila70. Na Moita o processo de repúdio teve contornos mais transigentes, até porque a religiosidade, designadamente na vertente mais profana, a Festa, afectava os proveitos económicos quer de republicanos, quer de monárquicos. As Festas em Honra de Nossa Senhora da Boa Viagem, momento festivo de génese religiosa, com procissão, ladainhas e missas, baptizados e bênção de embarcações, arraial e ornamentações vistosas, mas também com componentes profanas marcantes, como as corridas e as entradas de touros, cantes e bailaricos, que traziam à vila forte concorrência de forasteiros e bom negócio para o comércio, sofreram e descaracterizaram-se com o advento da República, não se realizando em 1911. Mas faziam falta as festas, não apenas porque o sentimento religioso se encontrava bem enraízado na classe marítima e nas mulheres, mas também porque os comerciantes locais, muitos deles reputados republicanos, viram os seus negócios minguar. As festas regressam, assim, em 1912. 70 O Mundo, 18 de Janeiro de 1912

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Manifestação anti-clerical em Lisboa

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Manifestação a favor do registo civil

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Imagem de N.ª Sr.ª Boa Viagem


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Foram festas diferentes. Fizeram-se as corridas de touros e as entradas, montaram-se os coretos, armaram-se as barracas de comidas e bebidas, vendas de louça e melancias, voltaram os baptizados e milhares de forasteiros, de Lisboa, Setúbal, Barreiro, Aldegallega, Alcochete, Lavradio, etc. Faltou a procissão, substituída por imponente cortejo cívico, saído em desfile da Praça da República, com cavalaria da guarda republicana, 60 meninas da escola oficial do sexo feminino, 36 rapazes da escola oficial do sexo masculino, Bombeiros Voluntários do Barreiro, banda da Sociedade Capricho Setubalense, carros reclame de estabelecimentos de Aldegallega, carro do Sindicato Agrícola da Moita, carro da Associação de Socorros Mútuos União Moitense, Bombeiros Voluntários de Aldegallega, banda da Sociedade Democrática Barreirense, carro da Câmara Municipal da Moita com a figura da República, administrador, presidente e vereadores, secretário das finanças, presidente e vogais da Junta da Paróquia, banda de Caçadores 5 e muito povo71. Mastros, paus de bandeira e demais ornamentações, outrora decorados com motivos religiosos e imagens de santos apresentavam, em 1912, os retratos do Presidente da República e dos vultos mais em evidência dos partidos republicanos72. Por respeito aos bons princípios republicanos, o cortejo cívico partiu frente aos Paços do Concelho e a encerrar o respectivo, a “substituir a imagem da Senhora da Boa Viagem, ia um barco sobre uma carreta puxada por bois.”73

71 O Diário de Notícias, 9 de Setembro de 1912, p.2 72 O Diário de Notícias, 9 de Setembro de 1912, p.2 73 O Ribatejo, 10 de Setembro de 1922

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4 A INSTRUÇÃO

O analfabetismo é uma das maiores chagas do país, mantém o povo na ignorância, dependente de crenças e da manipulação jesuíta, compromete o desenvolvimento do Estado e constitui um verdadeiro obstáculo para a propaganda e para a consolidação das ideias republicanas e da República. No Portugal de 1910 a taxa de analfabetismo ronda os 75,1% 74. Na Moita, zona rural, a taxa de analfabetismo agrava-se, atingindo os 81,6%75, subindo para 86,1% nas crianças com 10 anos e aproximando-se apenas da média nacional na população entre os 30 e os 35 anos, com 76,7%. Para muitos o ler e escrever acontece apenas já em idade adulta, de que é exemplo Nicephoro d’Oliveira, analfabeto em 1894, com 26 anos de idade, e presidente da Câmara Municipal da Moita, em 1913. Faltam escolas no país e no Concelho da Moita. Na generalidade, as escolas oficiais carecem de obras profundas e de professores, como a de Alhos Vedros, encerrada de Janeiro de 1909 até Outubro de 1910 – desde que o professor foi nomeado para a Guiné – e que nem com o novo professor colocado e a receber vencimento vê a instrução chegar à vila. A escola permanece fechada por manifestas condições de inabitabilidade, carecida de novo mobiliário e de material de ensino. Reaberta após a implantação da República, sem precauções na beneficiação da sua estrutura, o edifício começa logo a dar sinais do seu estado às primeiras chuvadas: “…quando chove, a água entra por todos os lados, ficando a casa um verdadeiro pântano…” 76

74 Proença, Maria Cândida, A República e a democratização do ensino; O Sistema de Ensino em Portugal (sécs. XIX-XX), Lisboa, Edições Colibri, 1998 75 Censo da população de Portugal, 1911, Lisboa, Imprensa Nacional, 1913, p. 212. Considerada a população a partir dos 10 anos 76 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, correspondência recebida, 10 de Dezembro de 1911


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A casa de habitação do professor, encargo obrigatório das câmaras municipais, não é diferente da escola, motivando a reclamação do professor oficial, Manuel António Justino, reputado republicano, para a Junta da Paróquia: “…eu e a minha família tivemos de fugir de casa e procurar abrigo num dos visinhos, afim de não morrermos afogados, pois a água dentro de casa (até no quarto de dormir) era tanta que chegava para a navegação de barcos, e não muito pequenos!!! Já é a 2ª vez que tal me acontece d’entre d’um mêz (…) não se pode viver n’esta casa…” 77. Uma das que se apresenta ainda em melhores condições é a do Centro Democrático Republicano Bernardino Machado, com capacidade para 60 a 70 alunos, mas nem por isso alcança a frequência desejada, porque são poucos os que comparecem nas aulas nocturnas. A situação de miséria das classes trabalhadoras não lhes dá outra opção: “O chefe de família, quando o filho lhe produz 40 reís por dia, prefere interná-lo n’uma fábrica ou officina, a fazel-o ingressar na escola. Além d’isso, muitas vezes a creança deixa de frequentar a escola porque não possue botas para calçar, roupas para vestir, ou mesmo «lanch» para se alimentar.” 78. O analfabetismo é uma questão económica. Compreende-se, pois, o gáudio dos republicanos de Alhos Vedros pelo aproveitamento de três alunos no exame de 2º grau, realizado em Setúbal, com o acompanhamento do professor oficial da vila, Manuel Justino: “O belo resultado obtido encheu a todos de contentamento pois há mais de quinze annos que Alhos Vedros não dava um alumno para exame; e estes tiveram uma preparação de pouco mais de quatro meses, mostrando assim o mesmo professor que às suas qualidades de bom republicano alia as indispensáveis ao magistério.”79 Na Moita o panorama não é diferente, o que se verifica num atestado elogioso a uma professora que leccionou na escola do sexo feminino, entre 1911 e 1912, por ter levado a “…exame um número elevado de crianças, o que há mais de vinte anos aqui não acontecia.” 80. 77 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, correspondência recebida, 18 de Outubro de 1911 78 Diário de Notícias, 5 de Setembro de 1910 79 O Mundo, 12 de Agosto de 1911 80 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fl. 171v

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A educação é prioridade para a nova República. Logo em 21 de Outubro de 1910, passados poucos dias da revolução, a pedido do sub-inspector escolar de Setúbal, a Câmara Municipal da Moita escreve aos professores das escolas oficiais para que lhe seja remetida “…nota específica do material de ensino fornecido e das obras feitas nas escolas desde 1 de Julho de 1907.” 81. A professora da escola do sexo feminino da Moita responde com prontidão: nenhuma obra feita e material escolar insuficiente. Em um ano apenas o Governo Provisório constrói “…1000 escolas primárias, tantas como as que tinham sido fundadas nos 10 anos anteriores à República.” 82. Em 7 de Julho de 1913 é criado o Ministério da Instrução Pública, ficando as escolas oficiais do Concelho sob a tutela da Câmara Municipal. Na Moita, os republicanos tentam dinamizar a abertura de escolas em Sarilhos Pequenos e Rosário. A do Rosário entra em funcionamento em 4 de Janeiro de 1915, muito por mérito da população, e a de Sarilhos Pequenos, mesmo com a garantia do mobiliário e da cedência de terreno, arrasta-se no tempo. Os sucessos republicanos são, no entanto, efémeros. Apesar do leve decréscimo do analfabetismo, a realidade da I República é a da diminuição constante de alunos matriculados 83. Na República a educação visa o cidadão e a nação, o patriotismo. Enquanto os manuais escolares vão sendo expurgados de referências à religião, a escola incrementa a assimilação dos valores republicanos com a realização de práticas simbólicas como a festa da árvore, em espaço público e com o envolvimento da comunidade, preferencialmente entidades oficiais e instituições politizadas, como noticia O Mundo, sobre Alhos Vedros: “Realizou-se ontem nesta vila a festa da Arvore que decorreu com muito brilho. A’s 13 horas e meia houve alvorada pela Sociedade Filarmónica, precedida de uma salva de 19 tiros e de grande número de foguetes.

81 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, correspondência expedida, 21 de Outubro de 1910 82 Matoso, História de Portugal, Volume VI, Círculo dos Leitores, p. 420 83 Proença, Maria Cândida, A República e a democratização do ensino; O Sistema de Ensino em Portugal (sécs. XIX-XX), Lisboa, Edições Colibri, 1998


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A’s 25 horas era esperado na estação pelas escolas com as suas bandeiras nacionais, Sociedade Filarmónica com seu estandarte, entidades oficiais, o deputado Gastão Rodrigues, que ao sair da estação foi delirantemente ovacionado, dirigindo-se logo o cortejo ao local fronteiro à escola do sexo masculino, onde foram plantadas três arvores. Durante o acto as meninas cantaram o himno da arvore e a «Sementeira», discursando então o professor Manuel António Justino, explicando às criancinhas quanto são úteis as arvores não devendo por isso ser mal tratadas, mas protegidas. Exortou os pais a que ensinassem a seus filhos estas verdades, educando-os nos princípios da Liberdade. Seguiu-se-lhe no uso da palavra o sr. Gastão Rodrigues, que foi escutado com muito agrado, incitando as criancinhas a que tenham todo o amor e carinho pelas arvores e fazendo votos para que se eduquem no culto da arvore. Falou ainda o sr. administrador do concelho, sendo todos os oradores muito ovacionados. Na sede da Sociedade recitaram então poesias alusivas à festa e á instrução, as meninas Julieta Alves Moreira, Berta Cardoso, Aurora dos Anjos, Hortencia Estrela e Carolina Gertrudes dos Anjos. Neste acto a Filarmónica tocou os himnos da Arvore, “Sementeira” e a “Portuguesa”; findo o que foi servido às crianças, músicos e convidados um lanche, decorrendo a festa na mais intima confraternidade.” 84. 84 O Mundo, 26 de Março de 1913

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Sala de aula do sexo masculino

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Sala de aula do sexo feminino

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Crianças plantando árvores

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5 A LUTA DAS CLASSES TRABALHADORAS

A poucos dias da Revolução a capital fervilhava de agitação operária, com greves declaradas e manifestações e reivindicações dos corticeiros no Terreiro do Paço, dos tanoeiros, caixoteiros e descarregadores, colhendo a simpatia dos republicanos que viam na movimentação proletária uma forma de contestação e de enfraquecimento do regime. Foi uma afeição que durou até rebentarem as primeiras greves após o 5 de Outubro de 1910 e o proletariado sentir a violência dos republicanos na repressão de paralisações e encerramento de associações de classe dos trabalhadores, apesar de legalizarem o direito à greve85 e, simultaneamente, o direito dos patrões ao lock-out, no que ficou conhecido como «decreto-burla». A classe trabalhadora, até então identificada com o ideário republicano, percebe o engano e desilude-se, as greves sucedem-se, incluindo greves gerais. A resposta dos republicanos é clara, proclamando-se contra as greves e organizando manifestações populares de protesto para colocar fim ao que denunciam como manipulação da reacção jesuítica e agitação anarquista. Consideram as greves focos de desorientação social, prejudiciais à economia da República e atentatórias ao novo regime. Em 1911, por iniciativa da carbonária e de batalhões de voluntários, manifestam-se no Terreiro do Paço mais de 60000 pessoas, “…protestando energicamente contra as greves, no actual período histórico” 86 e declarando o apoio ao governo provisório. Acusam os trabalhadores de instrumentos nas mãos dos adversários da República e os sindicalistas de se encontrarem a soldo dos monárquicos. A ideia dos republicanos é a de uma República “que foi feita pelo povo e para o povo e, os sacrifícios d’agora terão a recompensa do futuro.”87. Mas não se sacia a fome com adiamentos e é o proletariado rural, até então adormecido88 , que lavrará as principais lutas dos trabalhadores no Sul do país, Alentejo e Moita. 85 Decreto com força de lei (Ministério do Fomento), 6 de Dezembro de 1910 86 O Século, 16 de Janeiro de 1911 87 Diário de Notícias, 15 de Janeiro de 1911, p.3 88 Barreto, José, “Jorge Coutinho e ‹‹O despertar dos trabalhadores rurais›› (1911); Análise Social, vol. XX, 1984


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Moita, Concelho de 2ª ordem, do Distrito de Lisboa, integra duas juntas de paróquia, a da sede do Município (Nossa Senhora da Boa Viagem) e a de Alhos Vedros (S. Lourenço). Duas paróquias, duas realidades distintas. A vila da Moita, sede do Concelho, impelida por uma economia marítima e rural, de proprietários (lavradores), jornaleiros (trabalhadores rurais) e marítimos, onde se concentram os principais contribuintes líquidos do concelho, exporta pelo rio sal, vinho, frutas, legumes; Alhos Vedros, periférica, esquecida no tempo pelas administrações monárquicas, sem iluminação, sem calcetamentos, e com inúmeras carências ao nível do ensino oficial, lembra uma terra “inhabitada”89 . Possui, no entanto, já um pulsar industrial, com a instalação de três fábricas de cortiça: exporta sal, vinho e cortiça (rolhas e quadros). As lutas laborais e as greves nos primeiros tempos da República reflectem esta dualidade: na Moita, onde foram criados os sindicatos dos marítimos e dos trabalhadores agrícolas, greves dos arrais e dos trabalhadores rurais; em Alhos Vedros, greves dos trabalhadores rurais e dos corticeiros 90. Os proprietários também se organizam, constituindo o Sindicato Agrícola da villa da Moita, com alvará do Governo da República, de 5 de Julho de 1911,91 o “…mais importante da margem Sul do Tejo, graças ao esforço, tenacidade e união dos pequenos e grandes lavradores deste concelho...” 92, com edifício na Praça da República. A Associação de Classe dos Marítimos da Moita do Ribatejo só é fundada em 1913, mas são os homens do mar os primeiros a declarar greve, ainda em Outubro de 1910. Marítimos de Alcochete, Moita e Aldegallega, insurgem-se contra os quinhões que os arraes de terra recebem em cada viagem, igual aos das tripulações, sem terem de se expôr ao perigo das intempéries93. 89 O Domingo, 31 de Março de 1912, p.2 90 Retrato em Movimento do Concelho, Câmara Municipal da Moita, Moita, 2004, p. 129 91 Diário do Governo, 6 de Julho de 1911 92 Moita Ilustrada, 1916 93 Diário de Notícias, 26 de Outubro de 1910

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Aumentos de salário das tripulações, impossibilidade de despedimento sem aviso prévio de oito dias e comprometimento dos proprietários não exercerem represálias sobre os trabalhadores em greve, são algumas das reivindicações da classe. Na indústria corticeira, uma das mais importantes para o país e com milhares de trabalhadores, antes da revolução já declaravam greves, após a implantação da República reforçam as suas reivindicações, procurando melhorar salários e garantir postos de trabalho, exigindo a proibição da exportação da cortiça em bruto. O trabalhador rural constituía a parte mais significativa do proletariado do Concelho e aquele com a existência mais precária e miserável. De pé descalço, analfabeto, mal remunerado e maltratado pela exploração de sol a sol, rude, o homem do campo vivia ainda na angústia da incerteza de trabalho, dependendo do calendário sazonal dos trabalhos agrícolas, do tipo de sementeira e da simpatia dos patrões. Na praça um amontoado de homens e de capatazes regateavam e combinavam os jornais diários, que mal davam para o sustento das famílias94, com preços constantemente negociados e renegociados. Com o advento da República o trabalhador agrícola desenvolve uma consciência de classe e organiza-se em associações para reivindicar as promessas que escutara aos republicanos. E é assim que na Moita, tal como em Aldegallega, Sarilhos Grandes e Jardia, são criadas associações de classe para lutar pelos direitos dos trabalhadores, as quais mantêm entre si relações muito solidárias, que lhes permitirão concertar as acções de greve. Reivindicam melhorias nas condições de vida da classe e a instituição de uma tabela de preços dos trabalhos agrícolas. Os trabalhadores não consentem adiamentos na resolução da sua miséria, o descontentamento cresce e rebentam greves na Moita, Aldegallega, Alcochete e Setúbal. A luta dos trabalhadores rurais por melhores condições materiais faz-se sentir praticamente durante todo o ano de 1911 e primeira metade de 1912, confluindo na Moita grande parte das acções de luta e manifestações. 94 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas e Sessões da Câmara Municipal da Moita, 1906 a 1913, Fl. 130


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Os conflitos entre as partes são acesos, havendo notícias de invasão de propriedades, com devastação de plantas e árvores 95, lutas entre grevistas e trabalhadores que desrespeitam as greves, confrontos com a cavalaria da guarda republicana, perseguição pelos agricultores que, armados de espingardas, percorrem propriedades para caçar grevistas, e prisões. Em Maio de 1911 concentram-se na Moita dez mil pessoas 96, levando os agricultores a assinar, nos paços do concelho, melhores salários e uma tabela de preços igual para todos 97, entre os 400 e 600 réis para os homens. Por trabalho igual, recebem as mulheres menos 100 réis diários 98. O preço do serviço dos rapazes será indicado pelos trabalhadores aos patrões 99. E a tabela era para respeitar posto que um fazendeiro da Moita levou mesmo duas pauladas na cabeça, por ter contratado mulheres para trabalho no campo e se haver recusado a pagar pelos preços fixados100. A magnitude e a frequência das manifestações impressionam desagradavelmente os republicanos, que as tomam como verdadeiras insurreições contra o regime e caluniam os trabalhadores. Os grevistas defendem-se, enviando à redacção de O Mundo – jornal afecto ao Partido Republicano – um grupo de delegados dos trabalhadores rurais e marítimos para declarar que os trabalhadores da Moita estiveram sempre ao lado da República e se conservam contra qualquer manejo reaccionário, sem prejuízo das reivindicações económicas que entendem dever fazer 101. 95 A Capital, 23 de Agosto de 1911 96 Ribatejo, 9 de Novembro de 1911 97 O Mundo, 28 de Maio de 1911 98 O Domingo, 28 de Maio de 1911, p. 2 99 O Mundo, 28 de Maio de 1911 100 O Domingo, 2 de Julho de 1911, p. 2 101 O Mundo, 21 de Maio de 1911

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A luta continua. Em meados de Agosto de 1911, os trabalhadores rurais da Moita declaram nova greve e no final do mês rumam, mais uma vez, a Lisboa, à sede do Governo Civil, deslocando-se em fragatas com estandarte da associação de classe e bandeira nacional, acompanhados de membros da classe marítima, protestando junto de Eusébio Leão pelo encerramento da associação por parte do administrador do concelho, Costa Cabedo. Acompanhouos o deputado Gastão Rodrigues 102. Na sequência do movimento de solidariedade com os trabalhadores rurais de Évora, em Janeiro de 1912, rebenta uma greve geral promovida pela União dos Sindicatos, que paralisa Lisboa e assume proporções de violência revolucionária que se estendem à Moita, Setúbal e Aldegallega. O Governo decreta o estado de sítio no distrito de Lisboa e na Moita o administrador Costa Cabedo, recentemente nomeado para o cargo, morre às mãos de um grupo de trabalhadores rurais, na sua maior parte de Aldegallega e Sarilhos Grandes. Foram condenados nove trabalhadores, num julgamento constituído por jurados seleccionados entre os que mais contribuições pagam ao Estado, agricultores e monárquicos. À excepção da lei do descanso semanal, o registo político dos republicanos é de dissociação manifesta com as aspirações dos trabalhadores. A repressão violenta sobre o proletariado consumará definitivamente o divórcio com a República. Na Moita, a posição da Câmara republicana face à luta dos trabalhadores ficou logo traçada, passados quinze dias após a implantação da República, assente mesmo em acta de 26 de Outubro 1910: “A Câmara deliberou reunir novamente às seis horas da tarde para ver se liquida a greve dos marítimos.” 103.

102 O Mundo, 29 de Agosto de 1911 103 C. M. Moita, Sector do Arquivo Geral, Livro de Actas das Sessões da Câmara Municipal da Moita 1906 a 1913, Fl. 113v


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Fragateiro da Moita

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Fragateiros em greve

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Mulheres ceifando

36 | TRABALHADORES RURAIS EM GREVE, em Maio de 1911 concentraram-se na Moita mais de dez mil trabalhadores.

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6 AS PRIMEIRAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS NA REPÚBLICA

Em Novembro de 1913 realizam-se as primeiras eleições municipais da República, que apeiam o Partido Republicano do poder, derrotado por uma lista neutra, constituída por uma amálgama de “monarchicos, evolucionistas e ainda alguns republicanos de Alhos Vedros.”104. A diferença foi de 8 votos. Pedro Celestino de Oliveira, derrotado em 1908, na lista monárquica, avança para a presidência da Câmara em 1913, acompanhado de alguns correligionários dos tempos do antigo regime, como Francisco Moreira Júnior, e de elementos que entretanto se desprenderam do campo republicano, como Manuel Maria de Azevedo Rua, antigo vereador pela lista republicana (independente), em 1908, nomeado posteriormente administrador da Moita, em 1910, e que assumirá a presidência da Comissão Executiva do Município da Moita, em 1914, na sequência das eleições de 1913. O Partido Republicano descarregou a ira denunciando publicamente a pressão cacique de Manuel Martins Gomes Júnior, arrematante dos lixos da cidade de Lisboa, que ameaçou não fornecer quem votasse contra ele105. Numa economia assente numa agricultura instalada em terrenos pobres e necessitada de adubo, o lixo ou lamas da cidade de Lisboa eram vitais e por essa mesma razão, simultaneamente, fonte de poder. Parte muito significativa dos eleitores eram proprietários ligados à terra e o anterior chefe monárquico, Manuel Maria Antas Barbosa, que presidiu, pôs e dispôs do Concelho segundo a sua vontade e autoridade incontestada, durante largos anos, fora também arrematante do lixo da cidade de Lisboa. João Martins Gomes, irmão de Manuel Martins Gomes, o “rei do lixo”, que entrou na vereação monárquica em Janeiro de 1908 e saiu logo no mês seguinte, derivado da remodelação do executivo municipal, na sequência do atentado ao rei, integrou as listas do Partido Republicano nesse mesmo ano, tendo sido o candidato mais votado. 104 O Mundo, 1de Dezembro de 1913 105 Idem, Ibidem


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Em 1913, apresenta-se novamente a votos, desta vez contra o Partido Republicano, e vence. A derrota dos republicanos democratas na Moita deveu-se, assim, quer a divergências no seu seio quer a situações pouco edificantes em termos de coerência de princípios. Na véspera das eleições, em Outubro, Nicephoro de Oliveira, presidente da comissão administrativa do Município da Moita em exercício (1913), abandonava o cargo para ocupar o lugar remunerado de encarregado dos serviços de limpeza. Tinha assegurado durante dois anos (1911-1912), em regime de substituição, as ausências do presidente efectivo, Luis Fortunato da Fonseca, deputado em Lisboa. Em Alhos Vedros, para as eleições da Junta da Paróquia, o Partido Republicano vence por uma margem de 13 votos e segura o poder, sendo eleitos António Luis Rigueirinho, António dos Santos Estrela, Francisco Simões Gonçalves e Ricardo Ribeiro. Cinco anos de administração republicana no Município (1908-1913), com a mudança de regime de permeio, foram insuficientes para o Partido Republicano consolidar a sua posição e manter-se no poder. O Partido Republicano Português sempre foi falho de harmonia e nunca escondeu as tendências fratricidas, acabando por desmembrar-se em democratas, unionistas e evolucionistas. Os republicanos locais seguiram-lhe o exemplo. A Moita prosseguiu a sua economia marítima e rural, dependente da agricultura, dos lixos e dos barcos e, simultaneamente, acolhendo a instalação da indústria corticeira em Alhos Vedros. A desigualdade nas condições de vida e de subsistência, entre proprietários e trabalhadores rurais e entre patrões e operários, não se alteraram. Arrais, salineiros e corticeiros continuariam a lutar terminada a aventura da 1ª República, já entrado o Estado Novo.

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Congresso do Partido Republicano Evolucionista

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Afonso Costa

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Sala do Congresso


CRONOLOGIA 1880 | Comemorações do Centenário de Camões. 18 de Agosto de 1881 | Inauguração de um centro republicano na vila de Alhos Vedros. 1890 | O Ultimatum inglês. Foi neste contexto de descontentamento político que nasceu a letra e a música de A Portuguesa que vai dar origem ao futuro hino nacional. A Monarquia armara-se de uma lei de imprensa, designada pelos republicanos pela Lei das Rolhas que ficou em vigor até 1899. 31 de Janeiro de 1891 | Revolta republicana na cidade do Porto que saiu malograda. 1894 | O partido republicano encontrava-se fraco e desorganizado, a maior parte das comissões de base dissolveram-se; os centros e os clubes estavam vazios; os jornais haviam sido amordaçados. O PRP estava reduzido a um punhado de intelectuais da classe média, isolados das massas. 1902 | O partido entrou em dissolução. O Congresso retirou ao Directório todo o poder efectivo e entregou-o a três Juntas Directivas: Norte, Centro e Sul. 1903 | A chamada geração do ultimatum começou a dura tarefa de reconstituir o Partido Republicano. 1903-1905 | A questão dos Tabacos. Foi um escândalo político-económico que envolveu empréstimos contraídos pelo governo, ligados ao contrato dos tabacos. 4 de Dezembro de 1906 | Foi criado um Triângulo Maçónico na Moita, formado por três mestres maçons e que vai dar origem à Loja “Boa Viagem”. 1906-1907 | A ditadura de João Franco. O escândalo dos adiantamentos foi outro escândalo político, envolveu os ministros da Fazenda dos dois partidos rotativos que foram, desde 1887, concedendo verbas à Casa Real, sem o conhecimento das Cortes. 27 de Janeiro de 1907 | Notícia da criação da Comissão Municipal Republicana na vila da Moita, tendo por presidente Nicephoro de Oliveira.

25 de Março de 1908 | – Comício realizado na praça de touros da vila da Moita, em que tomaram parte diferentes oradores, entre eles o Dr. António José d’Almeida. 5 de Abril de 1908 | Eleição dos deputados para o Parlamento. Os deputados republicanos eleitos pelo círculo de Setúbal foram Estêvão de Vasconcelos e Feio Terenas. 10 de Maio de 1908 | Foi instalada na Moita a Loja Maçónica “Boa Viagem” que recebeu o número 275. Praticava o rito francês.

CRONOLOGIA

8 de Março de 1908 | Manifestação republicana na vila da Moita, com a presença de muitos republicanos, entre os quais os Drs. Proença e Fonseca. Pelo Sr. Florêncio dos Santos foi-lhes oferecido um jantar.

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30 de Outubro de 1908 | Realização de uma conferência de propaganda eleitoral, pelo membro do Directório do Partido Republicano, Dr. Bernardino Machado, no Centro Republicano da Moita. 1 de Novembro de 1908 | Eleições Municipais ganhas pelos candidatos republicanos. Na Moita a votação republicana ganhou por 130 votos. 29 de Novembro de 1908 | Nas freguesias deu-se a eleição das Juntas de Paróquia. 5 de Dezembro de 1908 | Reunião para a eleição da Comissão Municipal e Direcção do Centro Republicano da Moita. 21 de Dezembro de 1908 | Tomada de posse das Juntas de Paróquia. 16-21 de Abril de 1909 | Realização do Congresso Municipalista, na cidade de Lisboa, com uma delegação da Câmara da Moita. 23-25 de Abril de 1909 | Realização do Congresso Republicano, na cidade de Setúbal, com a presença da Câmara da Moita, através do Presidente e de um vereador. Igualmente teve a participação do Centro Republicano Dr. Bernardino Machado. 31 de Maio de 1909 | Comício realizado em Setúbal contra o convénio luso-transvaliano e sobre o adiamento das cortes. A Moita estava representada pela Comissão Municipal Republicana. 28 de Novembro de 1909 | Conferência realizada nos Paços do Concelho, na vila da Moita, sobre Instrução e Métodos de Ensino, proferida pelo professor Dr. Borges Grainha. 13 de Fevereiro de 1910 | Conferência de propaganda republicana, realizada pelo jornalista Dr. Magalhães Lima, no Centro Republicano Dr. Bernardino Machado, na vila da Moita. 7 de Março de 1910 | Conferência de propaganda republicana, realizada pelo patrono do Centro Republicano da Moita, Dr. Bernardino Machado. 28 de Agosto de 1910 | Eleições gerais, consideradas as mais importantes de toda a história da monarquia constitucional, em que o Partido Republicano Português elege 14 deputados. 14 de Agosto de 1910 | Conferência de propaganda eleitoral, realizada por Alfredo Ladeira, em Sarilhos Pequenos.

CRONOLOGIA

16 de Agosto de 1910 | Conferência realizada por César da Silva, na vila da Moita.

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21 de Agosto de 1910 | Comício na vila da Moita, com os oradores Dr. Fernandes Costa, Dr. Celestino de Almeida, Feio Terenas, Sá Pereira e Ferreira Pacheco. 3 de Outubro de 1910 | Os dirigentes revolucionários republicanos decidem pôr o movimento em marcha. Um doente mental desfere três tiros sobre o Dr. Miguel Bombarda. 3 de Outubro de 1910 | Revolucionários da Moita partem para Vale de Zebro para tomar parte no assalto ao quartel.


4 de Outubro de 1910 | A revolução republicana tem inicio à 1 hora da madrugada, termina às 9 horas da manhã do dia 5; 32 horas revolucionárias. O Vice-Almirante Carlos Cândido dos Reis, por julgar perdida a revolução, suicida-se. 4 de Outubro de 1910 | Proclamação da República na Moita. 4 de Outubro de 1910 | Através de telegramas apreendidos Machado Santos toma conhecimento de que a bandeira republicana fora hasteada na Moita. 5 de Outubro de 1910 | Teófilo Braga assume provisoriamente a Presidência da República. Às 11 horas da manhã, Eusébio Leão anuncia da varanda da Câmara Municipal de Lisboa, e sob o entusiasmo popular, a proclamação da República Portuguesa. Pela tarde, o rei, a rainha D. Amélia e outros membros da família real embarcam para o exílio, na praia da Ericeira. 5 de Outubro de 1910 | População da Moita festeja a implantação da República. 8 de Outubro de 1910 | Expulsão dos jesuítas. 16 de Outubro de 1910 | Comitiva da Moita participa nos funerais de Miguel Bombarda e Cândido dos Reis. Outubro de 1910 | Marítimos da Moita, Alcochete e Aldegallega declaram greve. 3 de Novembro de 1910 | Publicada a Lei do Divórcio. 13 de Outubro de 1910 | Figura da República impressa nos selos. O busto alegórico da República adoptado oficialmente foi criado por Simões d’Almeida, em 1908. 6 de Novembro de 1910 | Decreto que regulamenta o direito à greve. 7 de Dezembro de 1910 | Tomada de posse da Comissão Administrativa do Concelho da Moita. 20 de Dezembro de 1910 | Criada a Junta Democrática de Vigilância, proposta pelo Centro Republicano. 10 de Janeiro de 1911 | Lei do Descanso Semanal. 18 de Fevereiro de 1911 | Lei do Registo Civil. 20 de Abril de 1911 | Lei de Separação do Estado da Igreja.

28 de Maio de 1911 | Eleições legislativas. Luiz Fortunato da Fonseca, presidente da Comissão Administrativa do Concelho da Moita, é eleito deputado pelo círculo n.º 38. Maio de 1911 | Confluem na Moita milhares de trabalhadores rurais em greve, levando os agricultores a assinar, nos paços do concelho, melhores salários e uma tabela igual para todos.

CRONOLOGIA

22 de Maio de 1911 | Escudo substitui o Real como unidade monetária.

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11 de Junho de 1911 | Primeira sessão da Assembleia Nacional Constituinte, estabelecendo-se “A Portugueza” (1890), de Alfredo Keil, como hino nacional, e a bandeira nacional. 18 de Junho de 1911 | Edição nº1 de A Victoria, semanário republicano radical, dirigido por José Pedro d’Oliveira Parreira. Junho de 1911 | Trabalhadores rurais manifestam-se na administração do concelho a favor da libertação de um preso. Confrontos provocam dois feridos. 5 de Julho de 1911 | Alvará aprovando os estatutos do Sindicato Agrícola da Moita. 21 de Agosto de 1911 | Constituição da República Portuguesa. 24 de Agosto de 1911 | Através das eleições de 24 de Agosto de 1911, Manuel de Arriaga foi eleito como primeiro Presidente da República. Agosto de 1911 | Trabalhadores rurais invadem propriedades de lavradores na sequência de lutas laborais. Setembro de 1911 | Trabalhadores rurais e marítimos da Moita manifestam-se junto do Governo Civil de Lisboa. 28 de Janeiro de 1912 | Proclamada a greve geral pela União dos Sindicatos Operários. 30 de Janeiro de 1912 | Decretado o estado de sítio em Lisboa. O administrador da Moita, Costa Cabedo, é vítima de atentado. 11 de Fevereiro de 1912 | Funeral de Costa Cabedo, em Lisboa. 6 de Maio de 1912 | Confrontos na Moita entre populares e soldados do regimento de Cavalaria 10. Morrem duas pessoas e é ferido o administrador do Concelho da Moita. 8 de Setembro de 1912 | Volta a realizar-se a Festa da Moita, interrompida por um ano. Um cortejo cívico substitui a procissão. 24 de Fevereiro de 1912 | Fundado o Partido Republicano Evolucionista. 27 de Fevereiro de 1912 | Fundado o Partido União Republicana

CRONOLOGIA

4 de Janeiro de 1913 | Fundada a Associação de Classe dos Marítimos da Moita do Ribatejo.

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1 de Setembro de 1913 | Edição n.º1 do jornal local O Espectro, dirigido por António Carvalho 16 de Novembro de 1913 | O Partido Republicano vence no Concelho da Moita as eleições suplementares para a Câmara de Deputados. 30 de Novembro de 1913 | O Partido Republicano é derrotado por uma lista neutra nas eleições para a Câmara Municipal.


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