Caderno de resumos

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CADERNO DE RESUMOS IV JORNADA DE ESTUDOS SOBRE ETNICIDADE DE PERNAMBUCO 9 A 11 de Novembro de 2011 ISBN 978-85-406 0132-1

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Catalogação na fonte Bibliotecária Maria do Carmo de Paiva, CRB4-1291

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Jornada de Estudos sobre Etnicidade de Pernambuco (4. : 2011 : Recife, PE). Caderno de Resumos da IV Jornada de Estudos sobre Etnicidade de Pernambuco / Alexandre Gomes, Rafael Rodrigo Batista, Renato Athias [organizadores]. – Recife: Programa de Pós-graduação em Antropologia da UFPE, 2011. 65p.

Promoção: Programa de Pós-graduação em Antropologia (UFPE). Realização e organização: Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etncidade (NEPE/UFPE) eNúcleo de Diversidade e Identidades Sociais (NDIS/UPE).

1. Antropologia. 2. Etnicidade - Congressos - Pernambuco. 3. Etnologia. 4. Identidade social. 5. Grupos étnicos. I. Gomes, Alexandre. II. Batista, Rafael Rodrigo. III. Athias, Renato. IV. Título. 301 CDD (22.ed.) 39 CDU (2.ed.)

UFPE (CFCH2011/01)

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IV JORNADA DE ESTUDOS SOBRE ETNICIDADE DEPERNAMBUCO Recife, 9 a 10 de Novembro de 2011

A temática da etnicidade tem estado presente em diversos contextos do mundo atual, tentando dar conta de fenômenos que explicitam variadas formas de diferenciação social. No Brasil, país multicultural e pluriétnico, o termo tem sido utilizado de forma indiscriminada, possibilitando muitos equívocos. Identidade étnica, interculturalidade, multiculturalidade, pluralidade cultural e transculturalidade, entre outros, são conceitos que se relacionam com a noção de etnicidade, mas tal afinidade não é devidamente tratada e aprofundada. Esta constatação nos impulsionou a propor um evento que pudesse dar conta dos diversos processos em que a etnicidade é acionada e, assim, criar um ambiente propício para o debate e para a interlocução entre pesquisadores e profissionais interessados no tema. A IV Jornada de Estudos sobre Etnicidade de Pernambuco debaterá as noções e conceitos acima referidos e sua interface com os processos sociais contemporâneos. Com tal propósito, o eixo condutor será Interculturalidade, Identidade e Movimentos Étnicos.

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Comissão Científica: Ângela Sacchi, Bartolomeu Tito Figueiroa, Carlos Sandroni, Carmen Lúcia Silva, Edson Silva, Edwin Reesink, Kelly Oliveira, Max Carneiro da Cunha, Peter Schröder, Renato Athias, Sandro Guimarães, Rita de Cássia Neves, Tânia Kaufman, Vânia Fialho Comissão Organizadora: Alexandre Gomes, Joelma Aguiar, Renato Athias, Vânia Fialho Organização do Caderno de Resumos Alexandre Gomes Rafael Rodrigo Batista Renato Athias Monitores: Jessica Coelho, Mariana Cândido de Souza, Bernardo Fortes Bruna Machado Mariane Cândido Promoção Programa de Pós-Graduação em Antropologia (UFPE) Organização e Realização Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade (UFPE) Núcleo de Diversidade e Identidades Sociais (UPE) Apoio: CAPES, CNPq, PROPESQ, PROEXT, ABA

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Programação Geral 9 de Novembro – Quarta Feira 14:00Abertura das Inscrições (Auditório do CFCH) 15:30 Mesa de Abertura da IV Jornada (Auditório do CFCH) 16:30 Conferência de Abertura: "Movilizaciones indígenas y conflicto de civilizaciones" Prof. Dr. Miguel Bartolomé (Instituto Nacional de Antropologia y História INAH - Oaxaca/México) 18:00 Coquetel de Boas Vindas e Lançamento de Livros

10 de Novembro – Quinta Feira 8:30 Mesa Redonda A Noção de Etnicidade nas Investigações Antropológicas hoje Coordenador: Peter Schröder (NEPE/UFPE) Expositores: Estêvão Palitot (UFPB), Kelly Emanuelly de Oliveira (NEPE), Rita de Cássia Neves (UFRN) 10:30 Mesa Redonda (Auditório do CFCH) Língua, Cultura e Etnicidade Coordenador: Edwin Reesink (NEPE/UFPE) Expositores: Stella Telles (UFPE), Adair Palácios (Profa. Emérita), Zilma Melgueiro (UFPE) 14:00 Grupos de Trabalho: I - Identidade, Etnicidade e Relações Interétnicas Coordenadores: Kelly Emanuelly de Oliveira, Wellington Bonfim, Ângela Sacchi, Carmen Lúcia Silva Auditório do CFCH (Térreo) II – Conhecimentos Tradicionais e Meio Ambiente; Coordenadores: Pedro Silveira, Peter Schröder, Rita de Cássia Neves Auditório II – PPGA – 13º andar do CFCH 7


III – Museus, Coleções e Patrimônio Cultural Coordenadores: Elaine Müller, Luiz Antônio, Bartolomeu Tito Figueiroa Auditório I – PPGA – 13º andar do CFCH IV – Antropologia Jurídica e Direitos Coordenadores: Mariana Figueirôa, Sandro Lobo, Vânia Fialho Sala de Aula 2o. Andar CFCH V – Cartografias Sociais e Identidade Coordenadores: Lucca Libertini, Raimundo Nonato, Hosana Celi Auditório III – PPGA – 13º andar do CFCH VI – Música, Dança e Etnicidade Coordenadores: Carlos Sandroni, Max Carneiro da Cunha e Sandro Guimarães Sala de Aula 2o andar do CFCH VII - Interculturalidade, Educação e Etnicidade Coordenadores: Edson Silva, Eliana Barros, Ma. da Conceição Lacerda, Renato Athias Auditório 3a. Andar CFCH VIII - Estudos Interdisciplinares sobre Judaísmo Coordenadores: Tânia Kaufman e Abel de Castro Arquivo Judaico de Pernambuco – Rua do Bom Jesus 18:00 - Exposição Fotográfica – Mostra de Filmes (Auditório do CFCH) Memórias Fulni-ô– Fotografias de Coleção Etnográfica Carlos Estêvão do MEPE - Organização: Anaira Mahin e Wilke Melo Filmes:

Capa de Índio- Direcão: Aelson Pataxo, Brasil 2010- 24 min; Três Guardiões do Axé de Pernambuco– Direção: Luca Pacheco, Brasil 2010, 32 min

11 de Novembro – Sexta Feira 8:30 –Fórum de Debates sobre Pesquisas em Andamento Coordenação: Alexandre Gomes e Ana Laura Loureiro Debatedor: Prof. Dr. Miguel Bartolomé Ver nomes dos expositores no Cadermo de Resumos página: 11:00 Apresentação dos Debates dos GT‟s 8


14:00 Mesa Redonda A questão quilombola no Brasil: tensões legais e conceituais Coordenadora: Vânia Fialho (NEPE/UFPE – ESEF/UPE) Expositores: Cintia Beatriz Müller (UFBA) André L. Videira de Figueiredo (UFRRJ), Mércia Rejane Batista (UFCG) 16:00 Conferência de Encerramento Identidade Étnica e Globalização Prof. Dr. Nicolás Guigou Universidade de la República do Uruguay 18:00 Encerramento

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RESUMOS GT I - Identidade, Etnicidade e Relações Interétnicas Coordenadores: Ângela Sacchi, Carmen Lúcia Silva, Kelly Oliveira, Wellington Bonfim Lina Maria Anselmo dos Santos Freitas (UESC - BA) A Descoberta do Outro: A Experiência na Escola Estadual Tupinambá A presente comunicação tem por objetivo relatar as experiências vividas por nós, bolsistas Capes, no Projeto PIBID, subprojeto História, ao longo do período em que estamos acompanhando as atividades na Escola Indígena Tupinambá de Olivença (EEITO), situada na Sapucaieira, zona rural do município de Ilhéus, ao longo desses 18 meses de atuação, bem como as dificuldades enfrentadas pela escola, desde a distância física e a má condição das estradas, aos problemas de cunho pedagógico. As condições da estrada não são apropriadas para levar crianças a uma escola, pois além de ter muitos buracos, o caminho contém ladeiras perigosas e a estrada é de barro. A prova disso é que, nos dias de chuva forte, a escola suspende as aulas. O ônibus também carece de cuidados, além de não comportar o número de estudantes e professores que utilizam o transporte diariamente. Propor uma escola indígena de cunho diferenciado, que almeje qualidade, simboliza um grande desafio ao sistema educacional do nosso país, bem como aos professores atuantes, exigindo das instituições e dos órgãos responsáveis novas definições, novas concepções, dinâmicas e mecanismos, que incorporem estas escolas e as beneficiem, incluindo-as no sistema oficial e respeitado-as dentro de suas particularidades. Essas particularidades são defendidas na LDBEN - 9394/96 que, além de afirmar que os currículos do ensino fundamental e médio devem conter uma base nacional comum, propõe que devem ser complementados por outros aspectos, que atendam às características e necessidades locais e regionais de cada sociedade, de sua cultura, economia e público participante. No referente às comunidades indígenas, é assegurado que, no tocante à parte diferenciada, tais como a utilização de suas línguas maternas, seus processos e métodos de aprendizagem e o conseqüente desenvolvimento de currículos e programas específicos, sejam respeitados. Para o cumprimento de tais demandas, estão sendo implantados programas cujos objetivos são proporcionar aos povos indígenas a afirmação de suas memórias e identidades étnicas, a partir, por exemplo, da valorização de suas línguas maternas e ciências. A mistura étnica dos índios se dá de forma dicotômica, pois, por um lado, provoca a perda de uma suposta essência cultural indígena, por outro lado, gera a população brasileira. Os Tupinambás de Olivença se afirmam enquanto grupo étnico em suas cerimônias religiosas e através do Porancy. (Re)Elaboram suas expressões culturais a partir e no universo do ambiente social onde estão inseridos. Ao considerar a cultura como parte do processo histórico, pensamos que a mesma precisa ser vista como expressão das relações, com diferentes sujeitos sociais interagindo, nos mais diversos espaços. As permanências ou alterações de determinados aspectos da cultura indígena são reflexos da convivência e relações com as populações nãoindígenas locais. Desse modo, uma das funções da EEITO é auxiliar na afirmação dessa cultura, transmitindo-a a parcela de jovens índios que ali estudam. Esses, por sua vez, têm demonstrado não só a absorção, como também manifestam um olhar crítico sobre a cultura

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indígena, tornam a afirmá-la à medida que apresentam-na para nós (não-indígenas), que passamos a conviver naquele meio. Iremos narrar nossa experiência a partir destes referenciais. (lina_historia@hotmail.com) Juliana Betarello Ramalho (PPGA-UFS), Wellington de Jesus Bonfim (Antropólogo - SE) Antropologia e Arqueologia: Contribuições no Estudo da Comunidade Quilombola Mussuca Escrevemos estas considerações pensando nas diferentes formas de usos dos espaços, que possam se constituir em relações interétnicas que indiquem identidades culturais diferentes, possíveis de serem percebidas na interface Antropologia e Arqueologia, no povoado Mussuca, em Laranjeiras-SE. Essas constatações partem, principalmente, da percepção da existência de sítios arqueológicos na região, que apresentam características multicomponenciais. A região que compreende o povoado Mussuca é uma comunidade quilombola (Certificada pela Fundação Cultural Palmares, em 2006) que, ao longo do tempo, foi ocupada de maneiras distintas. O local atualmente é ocupado por uma população identificada por quilombola, que se estabeleceu na região em, pelo menos, meados do século XIX. A Mussuca está entre áreas de grandes engenhos. Essa ocupação resulta na sua auto-definição enquanto quilombola (BOMFIM, 2007) Além disso, a região pode ser pensada como espaço de ocupação Tupinambá, a partir dos vestígios já encontrados na região. Segundo Cunha (1992), essa ocupação ocorreu desde, pelo menos, o século XVI, afirmação essa que corresponde com as idéias de Brochado (apud CUNHA, 1992), com base nas idéias de migrações Tupinambá ocorridas ao longo da costa do litoral brasileiro. Outros grupos indígenas podem ter ocupado a região, dos quais ainda não temos conhecimento. E ainda poderemos nos deparar com ocupações pré-coloniais diversas, anteriores às idéias de ocupações descritas acima. Pois já recebemos informais orais da população local de que pedreiras antigas desativadas continham pinturas rupestres, e essas eram arrancadas da parede dos abrigos para comercialização. Há outros relatos de abrigos da região que ainda estão intactos (essas informações foram adquiridas em comunicação pessoal com o antropólogo Wellington de Jesus Bomfim) As pesquisas atuais na região também estão demonstrando grande potencial arqueológico ligado ao material lítico (pedra lascada) Sabemos também que o estado de Sergipe é um espaço do qual se conhece muito pouco a respeito da ocupação pré-colonial. A referência mais lembrada são os trabalhos realizados em Xingó, e esse ainda deixou muitas lacunas interpretativas a serem resolvidas. Aqui estamos abordando a questão étnica na perspectiva de que os grupos, em seus elementos diacríticos de reafirmação identitária, se valem de fronteiras étnicas (Barth, 2000) Nesse sentido, estamos entendendo o tempo como a referência dessas distinções e mesmo de pertencimento. Portanto, grupo étnico em sua definição enquanto uma “categoria autoatributiva” (Barth, 2000), também poderia ser considerada na forma de uso do espaço. Diante disso, encontramos no povoado Mussuca material cerâmico histórico que pode corresponder ao contato indígena com os colonizadores, e também com a população quilombola. Encontramos material lítico (pedra lascada) e cerâmico que pode ser relacionada à ocupação Tupinambá ou, ainda, a ocupações pré-coloniais anteriores. Portanto, estamos lidando com um sítio ou uma área arqueológica multicomponencial. Por isso estamos pensando na multietnicidade, na verdade percebendo como um mesmo espaço pode ser ocupado de maneiras distintas e como as diferentes etnias se relacionaram com o espaço ao longo dos tempos, definindo suas formas de vida. Ainda não é possível

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afirmar que as populações escravizadas nos engenhos da região tenham mantido contato direto com os possíveis nativos outrora habitantes da área. No entanto, a forma que se valem da ocupação espacial pode seguir uma lógica semelhante, tendo em vista que o espaço físico oferece aos indivíduos condições adversas e favoráveis. Logo, os critérios de ocupação seguem as características ambientais próprias do espaço. Como a pesquisa ainda está no início, este trabalho só pretende instigar a discussão que será aprofudada depois de terem sido realizados mais trabalhos de campo de Arqueologia e Antropologia e análise de documentos históricos da região, bem como análise laboratorial das categorias de artefatos arqueológicos encontrados na região.(juliana.betarello@gmail.com; wdobugio@gmail.com) Luca Libertini O Templo Fo Guang Shan em Olinda: a Construção de uma Identidade Budista no Brasil Entre Humanismo Mahayana e o Localismo da Sanga. Este resumo trata de um trabalho de pesquisa em andamento, usando a metáfora de Rabinow de „encaixe‟, definido como um conjunto de redes conceituais e experienciais em via de definição, que focaliza, nesta primeira parte da pesquisa, a atenção sobre as componentes étnicas, chinesa e brasileira, da Sanga (sânscrito: “multidão”, “comunidade”) do Templo budista Fo Guang Shan, localizado em Olinda. O Templo em questão é a expressão do movimento do Budismo Humanista criado pelo venerável mestre Hsing Yün, um dos maiores representantes contemporâneos do Budismo Mahayana, e líder espiritual da maior organização monástica de Taiwan e da maior rede internacional de budistas leigos do mundo. Ao contrário da linhagem Theravada presente no sudeste asiático, o movimento humanista faz parte da tradição Mahayana ou “setentrional”, difundida no norte da Ásia, e agora no resto do mundo, que incorpora duas dais oitos escolas, Ch’an (Zen) e „Terra Pura‟, mas as outras seis continuam sendo influentes nos estudos dos textos, da literatura e na organização monástica. No caso específico, a atual mestre do Fo Guang Shan em Olinda, leva para a sociedade brasileira do nordeste uma mensagem inovadora, apresentada como um discurso atento a modernidade e a cultural local (minha definição de „Budismo Ocidental‟, etiqueta muito controversa na literatura sobre Budismo) Mas contrariamente às religiões tradicionais, católica, espiritista, pentecostais e afro-brasileiras, que são indissociáveis das relações sociais locais, o budismo Mahayana apresenta-se como uma ética holística além das fronteiras familiar, étnica ou nacional, baseada na consciência e na prática dos ensinos e não na associação a uma dada comunidade. Por esta razão, proponho a hipótese de tratar a religião como parte de um fluxo global de bens. O fim deste trabalho não é focalizar a atenção no conceito de „bem‟ como parte de um processo de commodification do mundo e de como a vida humana ficou mais sujeita à lógica do mercado. Ao contrário, concentro a minha atenção sobre a religião como modo de consumo positivo em termo de commodity, no sentido de que este media o encontro entre pessoas, populações e culturas de diferentes partes do mundo. Parte deste objetivo é sugerir que o consumo de um bem intangível e tangível no mesmo tempo, feito de práticas sociais envolvidas no alcançe de um maior justiça social, de rituais, de meditação e de consciência individual e altruística, não leva necessariamente ao aniquilamento de práticas sociais e religiosas locais, em relação à componente brasileira, ou de práticas e relações sociais e familiares de origem externa, em associação à componente chinesa. Este ponto leva ao outro lado da contemporaneidade e da globalização, que, todavia, não é de uma dinâmica recente, sendo parte, desde sempre, da história da humanidade, mas que, de um ponto de vista budista,

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rejeita a visão de um mundo em forma de mosaico, com fronteiras bem definidas, e enfatiza a relação intrínseca e mútua entre as culturas. Minha contribuição trata-se, então, de mostrar cada cultura como uma fusão de horizontes, produto de apropriações, de resistências, compromissos em contínua transformação, baseada sobre negociações, incoerências e contradições. Enfim, o budismo aqui parece jogar uma política de construção e produção de identidades, formada de múltiplos planos que se referem a contextos diferentes. Em primeiro lugar, ser budista pode significar elaborar uma identidade dentre um grupo de pessoas que escreve um passado budista que não tem, adotando antenados, como Buda e outros bodisattwas (sânscrito: “ser iluminado”), vindo de terras e culturas alheias. Em segundo lugar, ser budista significa identificar-se como membro de uma comunidade que associa várias componentes étnicas. Este processo de redefinição serve para cadastrar a identidade budista em uma dimensão coletiva e local. Em terceiro lugar, ser budista significa identificar-se também como membro de uma associação internacional, a Blia (Buddhist Light International Association), que junto aos rituais e as palestras e discursos dos mestres e ativistas, cria-se as condições para uma nova identidade, seja para os brasileiros, seja para os chineses de primeira e segunda geração (já de nacionalidade brasileira); onde ser budista significa manter uma ligação com o próprio passado, mas também, significa a participação em uma comunidade budista internacional, que supera o contexto étnico e nacional. Ludmila Farias (PPGA - UFPE) Um Estudo Sobre o Conceito de Representação: a Produção Audiovisual dos Pankararu do Sertão de Pernambuco Assistindo a um documentário de TV a respeito dos povos indígenas no Brasil, surgiu um questionamento sobre a manutenção das identidades étnicas no mundo contemporâneo globalizado. Este documentário foi produzido pelos próprios índios, através do Projeto Audiovisual no Brasil – Vídeo nas Aldeias. O que me chamou a atenção, foi a capacidade dos índios em usar recursos tecnológicos como um meio de “preservação” de sua cultura e tradição – que é o principal objetivo do projeto Vídeo nas Aldeias. Com esta questão em mente, me propus a realizar esta pesquisa entre os Pankararu, localizados a 482 quilômetros de Recife – PE, que já utilizam esse meio para produzir seus próprios registros. O presente trabalho tem como objetivo o estudo da produção audiovisual dos índios Pankararu, como material empírico para interpretação e análise de suas manifestações culturais. Como objetivos específicos, o projeto busca: 1) Catalogar o material audiovisual produzido pelos próprios Pankararu; 2) Analisar o tipo de documentação que é produzida, sobretudo os modos de produção e evidenciação da auto-representação do grupo; 3) Analisar e compreender o uso do audiovisual como instrumento de produção, documentação e preservação de registro e memória desse grupo, além do significado da utilização de tal instrumento; 4) Os motivos que os levaram a utilizar tais meios, as transformações ocorridas em decorrência desse uso: o que é que se preserva e o que se transforma diante do vídeo ou através do vídeo, com o vídeo? Além das conseqüências advindas do uso do audiovisual para a cultura Pankararu. O uso de tecnologias que permitem a realização de um vídeo por parte de povos indígenas é algo hoje recorrente, dada à facilidade em se ter um objeto/equipamento/tecnologia que realiza tal feito - celulares, câmeras digitais, filmadoras. Tais objetos, segundo Lourex (1994), possibilitam que registros sobre suas culturas sejam feitos a partir do olhar de si mesmo, com uma flexibilidade individual ou

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coletiva, e não a partir do olhar do outro. É nesse contexto que se propõe realizar a pesquisa entre os Pankararu, a partir da compreensão do uso de tal meio no momento atual e da significação do mesmo enquanto veículo de registro e disseminação da memória individual ou coletiva desse povo, produzido através do olhar do nativo e que, além de possibilitar uma abordagem da representação da identidade desse povo, é também um instrumento de auto-afirmação, enquanto etnia diferenciada. A memória, segundo Le Goff, em História e Memória (1990), é um conjunto de reações psíquicas através das quais o homem pode atualizar suas impressões passadas, ou que ele representa como passadas, e tem como propriedade a conservação de certas informações de interesse individual e/ou coletivo. Essa memória que, segundo Halbwachs, é produzida fora do indivíduo, e só existe de fato quando a mesma é vivida ou lembrada. Essa pesquisa sobre o conceito de representação na produção audiovisual entre os Pankararu terá por base metodológica a Etnografia. Serão realizadas observações participantes nas principais aldeias, entre os Pankararu, bem como nos grupos de indivíduos que produzem filmes e vídeos, através das quais buscarei compreender e analisar o uso do audiovisual como forma de registro entre eles, assim como a realização de um inventário das obras audiovisuais existentes, como um meio de facilitar a análise desse acervo. As observações serão registradas em diário de campo, além da coleta por meio de instrumentos tecnológicos para o registro de diálogos/entrevistas entre pesquisador e pesquisados, como a gravação de voz e/ou a produção de vídeo e a realização de imagens. Tais materiais, como o vídeo e a fotografia, em um momento posterior ao da pesquisa etnográfica, serão submetidas à análise de conteúdos, utilizando-se as técnicas assinaladas por Bardin (1997) Os dados coletados, assim como os resultados obtidos através deles serão inseridos como parte das fontes que irão auxiliar a elaboração da dissertação e o alcance das respostas dos questionamentos proferidos nos objetivos e na contextualização do problema, de forma a orientar possíveis projetos futuros dedicados à cultura dos povos pernambucanos etnicamente diferenciados. Esta pesquisa possibilitará ainda ampliar a produção de conhecimentos sobre a noção de representação social, amplamente usado nas disciplinas das ciências sociais, que desde Émile Durkheim, inova sobre os aspectos metodológicos, pois os dados etnográficos permitem, segundo o próprio Durkheim, as análises das “representações coletivas”, que podem ser compreendidas como “representações simbólicas” e, por sua vez, podem representar imagens da realidade social, permitindo assim, ampliar o debate no campo disciplinar da Antropologia Visual, entre as populações indígenas do estado de Pernambuco. (ludmilafribeiro@bol.com.br) Aline Pankararu Entre Serras (UFPE/CAA/PET), Expedito Fulni-ô (UFPE/CAA/PET), Romana Kambiwá (UFPE/CAA/PET), Caroline Leal (UFPE/PPGA/NEPE) O Processo de “Levantamento de Aldeia” em Pernambuco Através da História dos Líderes e das Líderes Indígenas. A pesquisa ora apresentada é desenvolvida pelos alunos/as da Licenciatura Intercultural, que compõe o Programa de Educação Tutorial Indígena – PET. Tem como objetivo investigar e compreender o fenômeno do “levantamento das aldeias” em Pernambuco, através da história de vida dos nossos antepassados, revelando o processo que vários antropólogos definiram como “emergência étnica”, a partir do ponto de vista dos pesquisadores/as indígenas. É uma investigação que está em fase inicial e busca contribuir

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com a produção de conhecimento sobre os povos indígenas em Pernambuco. Parte dessa história foi escrita por antropólogos, historiadores, sociólogos não-indígenas, mas não há uma pesquisa sobre este fenômeno social, político e religioso realizada por pesquisadores indígenas. Entendemos que este diálogo entre a produção científica indígena e a nãoindígena amplia e qualifica o debate acadêmico sobre a presença indígena no Nordeste. Nossa pesquisa se baseia na compreensão de que há uma importância científica nos próprios índios pesquisarem em seus povos, pois a forma de acessar a informação é diferente da do não-índio. A leitura e interpretação dos não-índios são diferentes dos olhares e interpretações dos índios e, mesmo entre estes últimos, há diferenciação, pois cada pesquisador/a pertence a um grupo de família, político ou religioso, distinto dentro da aldeia. Todas essas questões permeiam a nossa reflexão e experiência em campo. A metodologia da pesquisa consiste na história de vida. Cada povo elegeu, com a anuência da comunidade e lideranças, um personagem da sua história através do(a) qual investiga-se a história do povo. Elegemos esse método porque nos possibilita produzir um tipo de conhecimento específico e detalhado sobre o processo de resistência do povo, ao tempo em que torna pública as lutas específicas daqueles e daquelas que são importantes para a história indígena em Pernambuco. É também uma forma de visibilizar os (as) líderes indígenas e homenageá-los (as) através dessa pesquisa. Participam da pesquisa os povos Xukuru, Kapinawá, Fulni-ô, Pankararu, Entre Serras Pankararu, Kambiwá, Pankará, Atikum e Truká. A coordenação do PET Indígena é do professor Nélio Melo e a orientadora da pesquisa é a professora Caroline Leal. (carolinefariasleal@gmail.com) Rebeca Oliveira Duarte (PPGPC-UFPE), Alexsandro Medeiros do Nascimento (PPGPC/UFPE) O Impacto do Padrão Estético de Branquitude no Processo Avaliativo de Mulheres Negras em Cuidado Com os Cabelos. Este projeto foi elaborado através de estudos da disciplina Autoconsciência, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva. Será desenvolvido através do LACCOS – Laboratório de Estudos de Autoconsciência, Consciência, Cognição de Alta Ordem e Self, do referido PPG, a partir da indagação de como o padrão estético branco atua no processo autoavaliativo de mulheres negras, em relação ao cuidado com o cabelo. Enquanto categoria estrutural de nossa sociedade, o racismo impõe ao sujeito negro um modelo de identificação normativo, que é o modelo branco, a idealização da brancura (Freire, In Souza, 1983) Acobertado por práticas culturais, o racismo associa os aspectos fenotípicos a elementos desumanizadores ou depreciadores da pessoa negra. Deste modo, como ideologia hegemônica, busca conduzir a um consenso acerca de lugares raciais que organiza a experiência e a memória da sociedade brasileira, situando a branquitude – ancorada no modelo corporal branco (fenótipos), na relação de origem européia e tudo o que isso significa política e historicamente –, como padrão, o standard, ou seja, como representação mental de correção. Sendo o modelo branco canonicamente o belo e o bom, o elemento negro, destoando deste modelo, será identificado como o desvirtuamento do belo e do bom – portanto, o feio e o ruim. Isso está presente nas formas de abordagens acerca das características físicas negras. Encontramos, em textos de escritoras e pesquisadoras negras, depoimentos pessoais e de entrevistados(as) a respeito de alguns elementos do conceito canônico de “bonito”: o nariz deve ser afilado; os lábios, finos, pois do contrário serão “beiço”, como é chamada a boca negra. E o cabelo, se não é o cabelo

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liso do branco, é o “cabelo ruim do crioulo”. É o que Neusa dos Santos Souza chamava de “autoridade estética branca”, que “define o belo e sua contraparte, o feio... Ela [tal autoridade estética] é quem afirma: „o negro é o outro do belo‟”. A internalização desta autoridade se dá também pelo próprio negro porque, ainda conforme a autora, ela é quem conquista, “de negros e brancos, o consenso legitimador dos padrões ideológicos que discriminam uns em detrimentos de outros” (Souza, 1983: 29) Tal autoridade estética confirma o padrão como um dos construtos principais da Autoconsciência – a “atenção dirigida na direção do self”. O padrão é uma representação mental de comportamento “correto”, atitudes e traços considerados ideais que, na autoavaliação, consciencizando-se num autoaspecto, faz o Self emitir um juízo de distância entre seu estado atual e o referido padrão internalizado, desencandeando o afeto, sujeito a constituir um estado aversivo, no caso de incongruência frente ao padrão, ou um estado positivo, se o Self estiver em congruência com o mesmo (Silvia & Duval, 2001; Nascimento, 2008) Diante de uma real impossibilidade do Self atingir o padrão internalizado, o Self estará sujeito a um estado de incongruência crônica. Percebemos que as falas de pessoas negras estão saturadas de valores negativos acerca das próprias características: é comum surgirem palavras como “feio”, “ruim”, “duro”, “não gosto” ou outras demonstrações de baixa autoestima em autodescrições de negras e negros. Considerando que o padrão de correção vigente na sociedade brasileira se ampara no modelo branco, decorrente dos valores racistas impregnados pelo processo histórico de desigualdades entre negros e brancos, e percebendo que há, frequentemente, a indicação de um mal-estar com o que é considerado socialmente “cabelo ruim”; a pesquisa pretende realizar levantamento de narrativas pessoais de mulheres negras e de suas experiências com o cuidado estético, especialmente do cabelo, dado que é a parte do corpo negro mais facilmente modificável para perseguir o padrão de correção. Temos por hipótese que essa persecução atinge fundamentalmente o autoconceito e a autoestima das mulheres negras, sujeitando-as a um estado de incongruência crônica do Self e mantendo um estado de desestruturação étnica que favorece o racismo. Nesta primeira etapa, vem sendo realizado o levantamento de excertos de escritoras negras que apresentam tais narrativas, para, posteriormente, investigar o grau de incongruência do Self em mulheres negras, resultante de padrões estéticos racistas, presentes no cuidado com o cabelo através da aplicação de entrevistas em mulheres negras, com o intuito de mensurar o autofoco que tem em relação aos padrões estéticos com os cabelos e avaliar a relação entre o estado de incongruência, o grau de autofoco, a autoestima e o seu pertencimento. (rebeca.oliveiraduarte@gmail.com) Francisco Carlos Lucena (PE) Outras Narrativas: Reflexões Sobre a Formação de Identidades Negras no Quilombo de Santana - PE Esta pesquisa objetiva refletir sobre a construção de identidades negras na comunidade quilombola de Santana, localizada no município de Salgueiro, no sertão de Pernambuco. O trabalho de campo revela um intenso processo de reflexividade sobre a mistura racial, a noção de raça, a valorização do ser negro e o significado de quilombo. A pesquisa aponta elementos importantes no processo de ressemantização da identidade negra. Entre estes elementos, destacam-se o processo de auto-reconhecimento da comunidade como quilombola, a inserção de políticas públicas, as redes de contatos entre as comunidades quilombolas e o acesso significativo de pessoas da comunidade a faculdades locais. Tais elementos apresentam um quadro de novas possibilidades da identidade negra ser

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vivenciada em Santana. (fcluc@yahoo.com.br ) Carlos Fernando dos Santos (História - UFPE) A Etnogênese dos Índios Pankará: Organização e Mobilização na Década de 1940. Esse estudo é sobre o processo de etnogênese do Povo Pankará, ocorrido no final da década de 1940, no Estado de Pernambuco. Essa população habita as serras da Cacaria e Arapuá, localizadas no município de Carnaubeira da Penha, sertão de Pernambuco. Em suas narrativas orais, os Pankará afirmam que seu ancestral mítico veio da Serra Negra/PE, sendo o responsável por levar o ritual do Toré para as serras da Cacaria e Arapuá. Não localizamos informações oficiais sobre a existência de um aldeamento nas referidas serras no período colonial e imperial. Mas documentos históricos registram que nessas épocas, as citadas serras serviram de abrigo e refúgio para as populações indígenas habitantes nas margens do Rio São Francisco, índios envolvidos nos ataques às vilas sertanejas, negros e brancos fugitivos da Justiça. Atualmente, os Pankará afirmam ter parentescos com os índios Atikum, habitante na Serra do Umã/Floresta-PE, e com os Tuxá de Rodelas/Bahia. As relações são baseadas em laços familiares entre os indivíduos desses povos, formadas a partir de casamentos, e pelas memórias coletivas que compartilham. No final do século XIX, foram extintos os aldeamentos indígenas em Pernambuco, e houve a usurpação de suas terras. No mesmo período, ocorreram diversas perseguições aos grupos indígenas, que resultaram no seu “desaparecimento” oficial, sendo propagada a imagem do caboclo, do mestiço. Todavia, no século XX a situação se inverteu. Com a criação do Serviço de Proteção do Índio (SPI), as populações indígenas no Nordeste se mobilizaram e passaram a requerer desse órgão o reconhecimento oficial do Estado brasileiro da existência de índios na região e a assistência nas suas demandas pelo acesso a terra. A etnogênese dos índios Pankará ocorreu no final da década de 1940, quando eles auxiliaram os Atikum no seu reconhecimento para a instalação de um Posto Indígena na Serra do Umã (1949) Em troca, os Pankará passaram a receber assistência de Zé Brasileiro, o chefe do Posto Indígena Atikum. Os Pankará, junto com os índios Tuxá, foram até a Serra do Umã, convidados pelos Atikum, para ensinar a dança do Toré durante o processo de reconhecimento oficial do grupo. Logo após a instalação do Posto Indígena Atikum, os índios da Serra da Cacaria encaminharam petições a IR4 (Inspetoria Regional nº 4, do SPI), para seu reconhecimento enquanto indígenas. Solicitavam que a dita serra passasse para a tutela da Inspetoria, sendo entregue aos “caboclos”. No entanto, a agência indigenista oficial não atendeu imediatamente as demandas desses índios, e somavam-se a isso, as perseguições dos fazendeiros e a da Prefeitura de Floresta. A partir de 1952, o SPI passou a dar mais atenção à questão. Em 14 de julho de 1952, o antropólogo norte-americano William D. Hohenthal Jr. enviou o seu relatório de viagem pelo Nordeste brasileiro, informando de sua passagem pelo município de Floresta. Hohenthal visitou a Serra da Cacaria e constatou a existência de um grupo “remanescente”, que se denominava Pacará (ou Pacarai no plural) O antropólogo relatou a violência que os Pacarai enfrentavam dos fazendeiros e posseiros de Floresta, recomendando a transferência do Posto Indígena Atikum para as serras da Cacaria e Arapuá, pois elas seriam mais propícias para instalação do Posto. As observações de Hohenthal sobre os índios nas serras do Arapuá e Cacaria, possivelmente fizeram com que o SPI mudasse de atitude em relação aos índios residentes nelas. Em 1958, Raimundo Dantas Carneiro (Chefe da IR4), encaminhou ofício para o Agente do Posto Indígena Atikum (Zé Brasileiro), respondendo as queixas dos índios Luiz Limeira e Manuel Cirilo de

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Sousa, sobre as ameaças de invasão de suas terras na Serra da Cacaria. O Chefe da IR4 autorizou que as terras das duas serras fossem incorporadas às da Serra do Umã e os índios residentes nelas passariam a ser assistidos pelo Posto Atikum. Durante algum tempo, os Atikum e Pankará mantiveram uma relação de aliança política, marcada pelas viagens de uma serra a outra para dançar o Toré. Contudo, uma ruptura teve início na década de 1950 com a saída de Zé Brasileiro do Posto Indígena Atikum. Agravou-se na década de 1980, pela presença do narcotráfico dentro da área indígena, além da acirrada disputa interna pelo poder na Serra do Umã. Em 1999, os índios da Serra do Arapuá se mobilizaram para pedir o seu reconhecimento pelas lideranças na Serra do Umã, enquanto grupo pertencente à família Atikum. No entanto, foi uma ação de pouco sucesso, em virtude dessa falta de apoio por parte dos Atikum da Serra do Umã. Em 2003, durante o “I Encontro Nacional de Povos em Luta pelo Reconhecimento Étnico e Territórial”, promovido pelo CIMI (Conselho Indigenista Missionário) em Olinda/PE, os índios da Serra do Arapuá publicamente se auto-declararam Pankará, visando o seu reconhecimento pela sociedade brasileira e pelos poderes públicos, para serem assistidos em suas demandas específicas por terra, saúde e educação. (carlosfernando_1984@yahoo.com.br) Maíra Samara de Lima Freire (PPGAS-UFRN) Entre Cotidiano e Projetos: Considerações Sobre a Constituição de Identidades de Jovens Quilombolas em Capoeiras (RN) Esta pesquisa propõe pensar os (as) jovens quilombolas enquanto “sujeitos políticos”, tomando por base o cotidiano e os projetos sociais vivenciados no processo de organização política da “Comunidade de Capoeiras”, localizada no município de Macaíba (RN) Composta por cerca de 300 famílias que, nos últimos sete anos, iniciaram um processo de reconhecimento enquanto “comunidade remanescente de quilombo”. O trabalho rumou para a questão da construção das identidades, bem como, para o lugar desempenhado pela dança do “Pau-furado juvenil” neste projeto político-identitário. Como hipótese inicial do trabalho penso que a noção de juventude está sendo politizada e etnicizada através do processo de formação quilombola, ou seja, há a produção de uma juventude de perfil étnico operando em Capoeiras (samarafreiree@gmail.com) Helen Catalina Ubinger (UFBA) Nós somos felizes em ser Tupinambá": uma reflexão sobre identidade, religiosidade e ações políticas na comunidade Tupinambá da Serra do Padeiro (BA) O presente trabalho aborda a religiosidade e as estratégias políticas diferenciadas do povo indígena Tupinambá da Serra do Padeiro, sul do estado da Bahia, com foco na luta pela terra. Durante o trabalho de campo realizado entre 2010 e 2011, a investigação tem como enfoque uma exploração da relação entre a religiosidade e o território Tupinambá. Os interesses desta indagação emergem da interpretação das falas das pessoas que vivem na comunidade e que explicam que os seres sobrenaturais - os encantados - são os "donos" e os responsáveis pela demarcação da terra e por quaisquer decisões políticas tomadas na Serra do Padeiro. A identidade indígena Tupinambá deste grupo é intrinsecamente interligada com a memória e os símbolos carregados pelos encantados - especificamente o

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Caboclo Tupinambá. Segundo os Tupinambás, os encantados guiam a aldeia na vida e na luta atuais. Estas entidades são consideradas "sagradas", e é neste sentido que analisaremos como a área indígena Tupinambá da Serra do Padeiro tem se desenvolvido como um espaço religioso e como se institui a demarcação de um território sagrado, já que este é definido como "a morada dos encantados". Jamilly Rodrigues da Cunha (UFCG), Mércia Rejane Rangel Batista (UFCG) Refletindo Sobre as Principais Dificuldades na Implantação dos Direitos das Comunidades Quilombolas na Paraíba No Brasil, convive-se com a idéia de que vivemos numa sociedade harmoniosa, onde as três raças (branco, negro e índio) vivem de forma integrada, comungando dos mesmos direitos e deveres. Muitos autores discutiram e refutaram essa “teorização” do Brasil, já que no cotidiano o nosso país se apresenta como detentor de uma sociedade marcada por contrastes. Assim, a Constituição Federal de 1988 insere um novo cenário, pois num país acostumado a ignorar a situação dos grupos minoritários, passa-se a reconhecê-los e legitimá-los, enquanto detentores de direito. Destarte, o Art. 68 do ADCT, que garante o direito da terra às comunidades “remanescentes de quilombo”, é resultado de uma luta travada por intelectuais e movimentos sociais, haja vista à necessidade de desmentir o que já se tornou mito, ou seja, a democracia racial. Vale lembrar ainda que atrelado a esse momento de denúncias, se exigia uma ação reparadora em prol de muitos dos grupos étnicos que aqui viviam. O mais interessante é perceber que no Brasil legitimava-se a idéia de que essas minorias desapareceriam. O que vemos na contemporaneidade é a emergência dos mesmos. Diante disso, nosso objetivo consistiu em realizar uma análise acerca da implantação do Art. 68 frente às mais de trinta comunidades de remanescentes de quilombo que vivem atualmente na Paraíba, atentando para as dificuldades que se tem para a concretização dos processos de reconhecimento do direito territorial, bem como para a efetiva melhoria de sua situação econômico-social. (jamillycunhaantropologia@gmail.com) Carmem Sílvia Moretzsohn Rocha (UERJ - IFMS) Rituais de Umbanda e Construções Identitárias em Corumbá O objetivo deste trabalho é investigar as diversas imbricações que se manifestam nos rituais de umbanda na cidade de Corumbá, situada no Estado de Mato Grosso do Sul. A partir do início do campo, no terreiro intitulado “Tenda Nossa Senhora da Guia”, um dos mais conhecidos da cidade, descortinaram-se uma rede de familiares que herdaram a tradição de Mãe Cacilda, famosa curandeira que, por sua vez, é filha de Maria Theodora, ex-escrava, considerada um importante elo dessa família, que está em processo de registro como comunidade quilombola através da ACTHEO - Associação da Comunidade da Família Maria Theodora Gonçalves de Paula. A religiosidade sustenta, aprofunda e dialoga com outros elementos identitários como, por exemplo, o complexo conceito de negritude, presente no cotidiano dessa família. Através da observação participante, iniciada em setembro de 2011, pretende-se ampliar a pesquisa a outros terreiros, a fim de estabelecer comparações e analisar suas peculiaridades. O principal foco da pesquisa é compreender os significados representados nos rituais de umbanda, expressos através de suas músicas, orações, gestos, cores, imagens, enfim, da riqueza de elementos que os compõem e sua

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relação com as respectivas construções identitárias inseridas nesse contexto. (carmemsmrocha@gmail.com) Vitor Hugo Simon Machado (NEPCS-UFES) O Ciclo de Festas para São Benedito das Piabas: Modos e Sentidos das Interações Entre os Quilombolas do Baile de Congo e os Pescadores Indígenas da Vila Barreiras O presente trabalho tem por objetivo refletir sobre os modos e sentidos existentes nas relações/interações que ocorrem entre os quilombolas do território Sapê do Norte e os pescadores indígenas da Vila de Barreiras, quando da realização do ciclo de festas para São Benedito das Piabas. Tratasse de um ciclo de festas devocionais ao santo, que são realizadas por quilombolas e por pescadores indígenas da Vila de Barreiras. Os primeiros se expressam artisticamente através do Baile de Congo de São Benedito (Ticumbi) e os segundos, a partir do Jongo de Barreiras. O olhar focado neste ciclo de festas que se estendem durante quase três meses, entre novembro e janeiro, permite deslocar o olhar já consolidado nos estudos e escritos dos folcloristas sobre tais grupos e sobre as festas realizadas por ambos, levando-o aos sentidos construídos nas interações ao longo das fronteiras (Barth, 1969) simbólicas existentes entre estes dois grupos étnicos. Ambos os grupos vivenciam situações de estabelecimento de dádivas e contra-dádivas com São Benedito das Piabas, assim como também elaboram resposta às pressões e estímulos do Estado em seu macro processo gerador de identidades étnicas (Barth, 1994) Falar em festas no Brasil, é falar de mediações estabelecidas entre diferentes culturas, de celebrações coletivas envolventes, com performances próprias a cada ator, em cada “comunidade” festiva, de modos de apropriação e ressignificação de elementos oficiais, tais como datas históricas estabelecidas pelo Estado ou pela igreja, e também de criações próprias às “comunidades” festivas (AMARAL, 1998) Partimos do conceito de “construção cultural”, entendido como um processo de demarcação de fronteiras étnicas que fortalecem, ou mesmo criam, sentimentos de unidade em um dado grupo de famílias que, assim, realizam em conjunto a elaboração simbólica de valores e visões de mundo, se construindo culturalmente como grupos distintos em suas redes de relações sociais (TASSINARI, 2003) Um processo de constante construção cultural e afirmação comunitária, apoiado na reflexão das categorias locais “nossa tradição”, “nosso ritmo”, e do modo de tradução criativa do conceito de “tradição”, busco compreender as teias de significados elaborados na construção cultural de ambos os grupos abordados no presente estudo. Na dissertação de mestrado, intitulada O jogo cultural do Ticumbi (1981), Lira afirma que a apresentação do Ticumbi realizada em outros espaços, que não o local, e em outros momentos, que não o de sua festa, é tida pelo grupo como algo importante, que reafirma seu valor tradicional. Pois se apresentar fora da cidade de Conceição da Barra demonstra que o Ticumbi é reconhecido por pessoas de outros locais (LIRA apud PORTO, 2006) Esta afirmação de Lira pode ser pensada a partir de um tipo ideal proposto por Barth (1994), o chamado nível macro de elaboração da etnicidade. No caso do Ticumbi, a influenciada de “elementos e noções de identidade” vindas de um plano macro ocorrem com seu reconhecimento e atribuição de tradicionalidade por parte dos folcloristas ligados à UNESCO, durante o congresso internacional de folclore, realizado na década de cinqüenta (NEVES, 2008), e por outras ações, como reportagens e citações elaboradas pelos folcloristas e, mais recentemente, pelo processo de reconhecimento como patrimônio cultural brasileiro por parte do IPHAN. Estes eventos influenciam o modo como o grupo se pensa e se vê. No

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caso de Barreiras, este processo no nível macro ocorre com o reconhecimento do Jongo de Barreiras como patrimônio cultural brasileiro, também por parte do IPHAN, no ano de 2005. Temos aqui o que Barth destaca (1969 e 1994) como a ação do Estado no processo de elaboração da identidade étnica. Ou seja, quando o Estado, ao elaborar formas de distinção étnica a grupos especiais, que terão acesso a recursos econômicos específicos ou de distinção em relação aos demais, influencia na definição de identidades coletivas. (simonmachado.vh@gmail.com) Cristiany Morais de Queiroz (PPGA – UFPE) Sobre a Antropologia Brasileira: um Contraponto Entre Gilberto Freyre e Roberto Cardoso de Oliveira Este trabalho se propõe a traçar um contraste teórico e metodológico entre Gilberto Freyre e Roberto Cardoso de Oliveira. Para tal, ambos foram, inicialmente, contextualizados no âmbito da Antropologia Brasileira: o primeiro, como representante dos Estudos da Identidade Nacional e Democracia Racial, e o segundo, que se destacou a partir de seus estudos etnográficos em comunidades indígenas. Identificamos a influência que eles receberam de seus ancestrais teóricos, bem como a repercussão em algumas de suas obras. O estilo romanceado, imagístico e interdisciplinar do autor pernambucano versus o membro da Universidade de São Paulo, com posicionamento marxista e forte impregnação da Sociologia Clássica propriamente dita. (cristianymorais@terra.com.br) Bruno Ronald Andrade da Silva (PPGA – UFPE) O Circuito de Pesquisas dos Tabajara e Kalabaça de Poranga – CE O objetivo fundamental desse trabalho é analisar as pesquisas feitas pelos Tabajara e Kalabaça, dois povos indígenas que vivem no município cearense de Poranga, buscando perceber os diferentes contextos em que elas foram feitas, destacando os seus tipos, métodos, objetivos, os agentes envolvidos e as suas repercussões. Relacioná-las com uma possível reelaboração cultural engendrada pelos Tabajara e Kalabaça é o enfoque teórico que ilumina as reflexões sobre suas identidades. Tendo a escola indígena como cenário privilegiado para essas investidas e os professores indígenas como principais realizadores dessas pesquisas, escolhi fazer um trabalho de campo que acompanhasse o cotidiano dos professores a partir de suas práticas na escola e na comunidade. A idéia consiste no mapeamento dos espaços e discursos onde o tema “pesquisa” se sobressai. Desde a primeira vez que os visitei, sempre ouvia alusões às pesquisas já realizadas pelos grupos com certo entusiasmo, como se elas contribuíssem nos seus “renascimentos”, fortalecendo convicções que estabelecem o elo entre passado, presente e futuro. Dessa feita, procurei as noções acerca da produção de pesquisas entre os povos em questão. Percebe-se a utilização de variados suportes para a realização dessas pesquisas, destacando-se a escrita em um maior grau, o audiovisual e o museológico. Em quase todas as pesquisas existiu a presença de agentes distintos que contribuíram na realização delas. São pesquisadores acadêmicos, missionários da Igreja Católica, funcionários da SEDUC, funcionários de ONG's e educadores do Museu do Ceará. Em algumas pesquisas, houve a participação de mais de um desses agentes. Entre os Tabajara e Kalabaça de Poranga, pude identificar um circuito de pesquisas que tem como principais articuladores os professores indígenas, e estes envolvem em sua produção diferentes agentes. A minha relação com os professores que

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fazem as pesquisas aparece como outro lócus revelador das práticas de pesquisa dos Tabajara e Kalabaça. No convívio com os professores-pesquisadores, o caderno de campo motivou vários assuntos incitados, ora por mim, ora pelos interlocutores. Numa reunião de planejamento de professores, ao apresentar meus propósitos de trabalho, falei um pouco sobre o ofício do pesquisador. Tratei das entrevistas e das notas dos diários, abordando a relevância destas para a produção de dados na pesquisa, que prima pela observação participante. Ao falar sobre o caderno de campo, li um trecho que eu havia escrito, ocasionando, por parte dos professores, algumas considerações sobre suas experiências enquanto pesquisadores. Durante a coleta de informações, percebi que, inicialmente, as pessoas indicadas pelos professores para serem entrevistadas por mim eram as mais velhas, chamadas de “sábios”, que detinham um discurso ordenado sobre histórias da presença indígena na região, que já haviam sido entrevistados pelos professorespesquisadores indígenas. Algumas entrevistas realizadas com os “sábios” foram acompanhadas por algum professor indígena, que fizeram intervenções no conteúdo dos assuntos tratados. Percebo que tais intervenções são tão importantes quanto as narrativas dos “sábios”, haja vista que além de apontar para o que deve ser mostrado ao pesquisador, também aponta para as técnicas dos professores de conseguirem informações. Assim, o cotidiano dos professores (que inclui aulas, reuniões do Conselho Indígena de Poranga CIPO, reuniões de planejamento, relacionamentos com alunos, pais, mães e o restante da comunidade), seria passível de observações, das quais busquei perceber onde os discursos e as práticas de pesquisa se ressaltam. Essas perspectivas somam-se à leitura, à descrição e às análises dos materiais produzidos pelos professores indígenas. Seria, portanto, um misto de duas “viagens”: uma às aldeias Imburana e Cajueiro, e outra, ao circuito de pesquisas, transformando essas duas situações em fontes etnográficas. Entendo, assim, que esses materiais não se limitam aos seus suportes, mas a abrangência que as interfaces de um circuito de pesquisas acarretam, perpassa desde os agentes que interagem no âmbito de sua feitura, metodologias e finalidades até a sua repercussão (operabruno@hotmail.com) Kywza Joanna Fideles dos Santos (PPGC – UFPE) As Ações Afirmativas no Discurso Midiático A polêmica que se fez em torno das cotas raciais e que vem sendo reverberada pela opinião pública brasileira, tem reduzido o debate a uma perspectiva dualista (quem é contra ou a favor) – na maioria das publicações se posiciona contra –, de maneira superficial e manipuladora. Os grandes meios de comunicação não se dispõem a debater o tema de forma aprofundada e democrática, reiterando práticas discursivas que não interfiram na agenda midiática. Na última década, os veículos de maior circulação têm adotado uma postura extremamente conservadora em relação às Ações Afirmativas, pautada em idéias de miscigenação e cordialidade e no mito da democracia racial, ignorando toda a história de discriminação negativa, seja simbólica, social ou econômica, e de lutas pela emancipação dos negros no Brasil. Desse modo, pretende-se discutir como essas forças se dispõem no âmbito das disputas simbólicas, pois delas dependem a perpetuação, ou não, de certos mitos e tabus que imperam em nossa sociedade, como esses discursos fixam-se num lugar legitimado, silenciam, excluem e filtram as memórias em torno de uma “vontade de verdade” e “vontade de poder”. (kywzafideles@gmail.com) Oséias Ramos Marinho (PPGA – UFPE)

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Identidade e Hierarquia Entre os Turuporã do Rio Tiquié, Amazonas Neste projeto de pesquisa pretende-se realizar estudos entre os clãs Tukano pertencentes à família lingüística Tukano Oriental, também conhecidos como Ye‟pá Masã, a respeito das suas relações interclânicas e as repercussões nas configurações sócio-identitárias dos grupos pertencentes a tal família lingüística. Nesse sentido, a partir dos estudos etnográficos específicos do clã denominado Irêmiri-Hunsirõ, os Turoporã, e da coleta de dados em campo, será dada ênfase às dinâmicas dos processos identitários, atentando para os modos de hierarquização das relações nestes processos. Os membros deste clã encontram-se localizados no noroeste amazônico, na região do médio rio Tiquié e Castanho, a 350 quilômetros da sede do município de São Gabriel da Cachoeira/AM. Atualmente, a maioria está concentrada nas aldeias de São José I e II, (mohsã bu´á), Santa Luzia (bkrã batah), São Francisco (ûtantitha), Barreira (yuyutah), rio Castanho (bkya) Os demais se encontram espalhados nas demais localidades do Alto Rio Negro. O processo de comunicação cotidiana da população desta região ocorre, de modo predominante, no idioma Tukano, o “dahseyé”. Como diz Chernela (1983, p.60), “Na ausência deste, não há base para reciprocidade entre os grupos lingüísticos, nem uma estrutura de obrigações formais que os ligue entre si, sendo mínimo o contato mútuo”. Nestas comunidades (aldeias), as dinâmicas dos modos de organização social e política estão ligadas ao exercício de múltiplos papéis pelos moradores como, por exemplo, o “professor”, que também desempenha o papel de animador, liderança da comunidade, catequista, ao mesmo tempo em que zela pelo seu bem-estar social. A respeito da forma como tais atividades são diversamente organizadas, afirma Boa (1942, p. 56): “Podemos observar que certas atitudes são universalmente humanas, mas que em cada singular assumem formas específicas, ou ainda, que em certas sociedades a pressão social pode ser tão forte, que a atitude geral parece ter sido suprimida”. Na condição de membro do Clã “Turoporã”, a realização do trabalho etnográfico com o objetivo de investigar os modos pelos quais ocorrem divergências e unidades de ação nas reciprocidades interclânicas dos Yepa-Masã, está ligada à tentativa de descrever e analisar uma realidade etnográfica amazônica, a partir de uma perspectiva êmica ou “visão nativa”. Assim, por meio da descrição de conhecimentos empírico-tradicionais, práxis culturais e atividades de práticas agrícolas de subsistência – aí incluindo as coletas de frutas, de caça e pesca – e suas circulações entre os clãs, pretendem-se apresentar o que caracteriza as suas diferenças, compreendendo os mecanismos que definem os que são superiores, médios e aqueles situados na posição mais baixa na hierarquia local. Em outras palavras, os quem são “do rabo”, segundo expressão nativa. Ressaltando a necessidade de compreensão das relações de “irmandade” entre os membros de cada “Sibiling” denominados de “masã kurare”, divido o sistema social do Uaupés em quatro unidades na hierarquia ascendente: (1) o grupo de descendência local, (2) o sib, (3) a linguagem agregada e, finalmente, (4) da frátria. O parentesco é baseado em um „Dravidian‟, sistema do tipo sib, com o casamento entre primos cruzados bilaterais entre pessoas de sibs hierarquicamente, de ordem patrilinear. Como a maioria dos outros grupos do sistema de Uaupés, o Barasana são um grupo de descendência exogâmica, patrilineares e patrilocais, com uma estrutura social segmentar. Os grupos constitutivos vivem em assentamentos isolados, em unidades de 4 a 8 habitações, em malocas multifamiliares. Segundo o Sr. Álvaro Sampaio Tukano, do clã Turoponã (2006), “A maior parte dos conhecimentos que o clã havia herdado como elementos de identificação dos seus descendentes e para classe de geração, fora banidas e exoneradas após os primeiros contatos com os não-índios (missionários) na região do Rio

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Tiquié, que até então viviam unidos com alto nível de consideração entre os seus membros de diferentes clãs Yepá Mahsã”. O mesmo autor afirma: “O intercâmbio tradicional da prática de ritos de basesé, e no domínio de conhecimentos de elevação e de destruição de seus aliados e os opositores (práticas tradicionais de cura e malefício), estas magias que mais foram consideradas obras satânicas, com estes pressupostos ideológicos, lavando no total abandono. Os objetos utilizados nas práticas de prevenção e cura foram destruídos ou levados para os museus de seus parentes na Europa, ou na maioria das vezes trocados com anzóis ou tabaco”. (proformarinho@yahoo.com.br ) Herika Mauricio (Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães / FIOCRUZ – PE) A Sáude Bucal do Povo Indígena Xucuru do Ororubá na Faixa de 10 a 14 Anos Em mais de 500 anos de trajetória de contato dos grupos indígenas no Brasil com a sociedade não-indígena, muitas foram as transformações socieconômicas e culturais experimentadas em decorrência desse processo. Essas transformações ocorreram de diferentes formas, de acordo com o grupo indígena e seu contexto de vida, levando a mudanças no padrão de saúde bucal. A presente dissertação busca minimizar a escassez de trabalhos que revelem as condições de saúde bucal de povos indígenas no Brasil, especialmente na região nordeste e no Estado de Pernambuco. A partir do povo Xukuru do Ororubá, que constitui o maior contingente populacional étnico indígena no Estado de Pernambuco, realizou-se um estudo epidemiológico buscando melhor compreender a configuração do padrão de saúde bucal. O objetivo foi analisar a condição de saúde bucal do povo indígena Xukuru do Ororubá na faixa etária de 10 a 14 anos, em Pesqueira - PE. Trata-se de um estudo de corte transversal de base populacional, desenvolvido nos limites da Terra Indígena Xukuru. Sendo este estudo parte integrante do projeto “Saúde e Condições de Vida do Povo Indígena Xukuru do Ororubá, Pesqueira – PE”, o seu universo e amostra seguiram os cálculos utilizados por este projeto maior. Os dados coletados foram estruturados no software Epi-Info versão 3.4 (2007), sendo utilizado o programa estatístico SPSS 13.0® para análise do banco de dados. Foram realizados exames de saúde bucal em um total de 226 indivíduos da faixa etária de 10 a 14 anos, sendo encontrado o índice CPOD de 2,4. Observou-se que os Xukuru, de modo geral, apresentaram prevalência de cárie dentária uma pouco acima da média da população não-indígena brasileira na mesma faixa etária. Ressalta-se a importância do desenvolvimento de estudos longitudinais que permitam acompanhar ao longo do tempo o padrão de saúde bucal identificado pelo presente estudo. (herikamauricio@yahoo.com.br) Róbson de Araújo Siqueira (PPGA – UFPE) A Organização Política dos Ciganos Calon de Sousa-PB O trabalho visa analisar a organização política da comunidade cigana Calon de Sousa-PB, com enfoque no sistema hierárquico como categoria em análise. Esta comunidade é formada, em sua totalidade, por dois aglomerados: o Rancho de Cima e o Rancho de Baixo, distando entre si aproximadamente um quilômetro, e diretamente ligados por relações de parentesco. Na busca da garantia dos direitos de cidadãos sousenses, na luta por inclusão social e no emponderamento na cena política sousense, os Calon têm vivenciado dinâmicas estratégicas de organização visando a defesa dos interesses do grupo para convivência mais

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igualitária com os não-ciganos sousenses. O trabalho resulta de uma experiência etnográfica realizada, em maior parte, no Rancho de Baixo, na qual convivem, num mesmo aglomerado cigano, três comunidades dinamizadas entre si pela articulação dos seus chefes e líderes na construção de uma representatividade coletiva mais atuante e expressiva diante da realidade cigana constituída no território de Sousa. (robsonasd@yahoo.com.br) Jéssica Coêlho dos Santos (UFPE) Imagem, Memória e Documentação entre os Pankararu de Pernambuco A presente pesquisa intenta reafirmar a particularidade cultural dos povos indígenas. Partindo dos Pankararu, serão coletadas informações sobre a tradição oral que embasarão as memórias reproduzidas em audiovisual pelos mesmos. O movimento indígena em Pernambuco, na atualidade, se mostra passível ao recurso da documentação de imagem como estratégia de perpetuação da memória. Desde a mobilização interna até sua afirmação em âmbito nacional para os mais variados propósitos, de demonstração de poder, de determinação guerreira e de união. Tal recurso é usado como estratégia de registro para expressão da relação multicultural pluriétnica da indianidade pernambucana. Essa forma de expressão se torna cada vez mais delineada nas ações que se referem às suas práticas. Nessa ambiência, tratando especificamente do povo Pankararu, há o costume de resposta a tais estímulos visuais, refletindo sua busca por disseminação da sua identidade cultural, constituindo dessa forma alianças antes impensáveis sem que, com isso, seus usos e costumes sejam modificados radicalmente. Em certos aspectos, o recurso de captação de imagem é o meio pelo qual sua memória pode ser materializada e transmitida de forma a reafirmar seus valores e conhecimentos. É também uma maneira de transmitir sua demarcação identitária, permitindo a esses sujeitos serem, eles mesmos, atores de uma atividade que permite transcender seu espaço natural, estendendo-se para uma adesão do outro e trazendo esse outro para sua forma de ver o mundo, operando diretamente no resgate de uma memória elaborada nos seus saberes múltiplos sobre sua natureza, sua língua e seu imaginário. Nesse ínterim, as técnicas visuais contribuem para seu processo histórico de auto-afirmação enquanto coletividades que se reivindicam como indígenas, indo contrariamente à uma categorização que os denomina de "aculturados", nos modos de um meio urbano, e tendo recorrentemente sua identidade questionada pelos preconceitos comuns. Essas adversidades trazem, ou podem trazer, para si uma postura contrária à resignação e passividade, através de uma permanente manifestação protagonista e do exercício reiterado de confecção de uma autoimagem. Juliana Carvalho Paiva (PPGA/ UFBA) "Eles vão ter que escolher": reconhecimento de identidades coletivas - fundo de pasto ou quilombola Esta apresentação versa sobre a temática do reconhecimento de identidades coletivas de comunidades tradicionais. A pesquisa tem sido realizada em São Pedro, localidade rural do município de Monte Santo, no sertão baiano, que tem se configurado e se organizado politicamente enquanto comunidade de fundo de pasto. A problemática levantada refere-se à possibilidade de que o mesmo grupo vise o reconhecimento enquanto comunidade quilombola, questão que tem sido estimulada particularmente por mediadores externos, provenientes de movimentos sociais e de órgãos do governo estadual. Deste modo,

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procuro apresentar o presente momento etnográfico, recorte temporal de processos identitários nos quais estão em jogo os sentidos subjetivos e interpretações que os agentes estabelecem sobre estas duas categorias, as concepções de territorialidades subsumidas a cada uma delas, além de estratégias políticas que visam reconhecimento jurídico-formal e garantia de direitos reivindicados perante o Estado. (zanapaiva@hotmail.com) Emerson da Silva Rodrigues (PPGA – UFPE) Os Povos Indígenas de Roraima e a identidade O presente trabalho trata das relações sociais envolvendo as populações indígenas do estado de Roraima, na tríplice fronteira Brasil, República Bolivariana da Venezuela e República Cooperativista da Guyana, e os países que comercializaram e colonizaram essas fronteiras, durante os últimos três séculos. Relações foram impostas e forjadas por processos de tensões sociais e guerras, promovidas por diversos países que transitavam nessas fronteiras, com interesses variados. O resultado da política, comércio, as guerras por territórios e expansão das fronteiras envolvendo os três países, culminaram com os limites atuais. As identidades étnicas reconfiguraram-se, na atualidade, nesse espaço de fronteira interétnico, nacional e transnacional. A formação e a consolidação do território e estado brasileiro no extremo norte do país, fronteira com a Venezuela e Guyana, hoje Roraima, e a sua identidade nacional, foram forjados e formatados numa complexidade oriunda dos arranjos e interesses socioculturais, políticos e econômicos, por parte de diversos países e com objetivos diversificados. A esses fatos, somam-se as relações interétnicas das populações indígenas, que não ficaram à margem dos acontecimentos históricos, contribuindo para a construção do Estado-nação na região setentrional do Brasil. Ora como atores comerciais, escravos, explorados na sua mão-de-obra, ora como guias e carregadores nas demarcações dos marcos limítrofes durante a expedição do Marechal Rondon. Como guerreiros e como "soldados" arregimentados para lutarem contra os estrangeiros, nas chamadas "guerras interétnicas", como os guardiões das fronteiras fazendo a vivificação. Segundo Boaventura Santos "O Estado português necessitava de gente para guardar as fronteiras amazônicas, mas não conseguia organizar ali a produção e a distribuição, embora atribuísse a si essas tarefas." E mais recentemente, do século XIX ao XX, como escravos, vaqueiros, trabalhadores braçais, expropriados das suas terras através de violência física e social, ao qual foram submetidos por parte dos colonizadores, primeiro os portugueses, depois os colonizadores brasileiros, que lhes impuseram, desde o princípio, relações assimétricas em todos os níveis. Segundo OLIVEIRA "Na seqüência, os índios cooptados na aspiração civilizadora, enquanto prática de cidadania, foram vivendo uma cruel realidade de discriminação e preconceito na figura do "caboclo"• ou "brasileiro nato". Nesse contexto do Rio Branco em construção, a "nova sociedade local"•(brancos) expropriou o índio de tudo que lhe era essencial - identidade e terra, postulando que estaria convertido em cidadão e protegido por um Estado justo". A tríplice fronteira Brasil, Venezuela e Guyana produziu e imprimiu uma história com os diversos atores sociais, desde o passado, e que ainda hoje estão se consolidando como identidades nacionais nos espaços transnacionais e interétnicos. A complexidade das relações sociais são resultantes dos processos históricos seculares que ocorreram na tríplice fronteira. Atualmente, vêm a tona problemas variados, que se mesclam com as questões de fronteira e identidade e que, subjacente, remetem ao passado histórico. Interagem com as modalidades vigentes, as próprias tensões, como o estado e os atores indígenas trazendo a baila interesses diversos e

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conflitantes, do estado versus os direitos indígenas e as suas demandas sociais, políticas e territoriais. A essas problemáticas da atualidade, somam-se a identidade nacional e as identidades étnicas do lado do Brasil, com os países da fronteira. Transformando essa fronteira em um espaço de relações sociais interétnicas e transnacionais, devido a presença dos representantes e atores sociais diversos. (emersonbv_rr@yahoo.com.br) Tamires Batista Andrade Veloso (História / UESC-BA) Identidade e Religiosidade entre os Tupinambá de Olivença (Ilhéus - BA): 2000 a 2009 Em 2001, os Tupinambá de Olivença/Ilhéus-Bahia foram reconhecidos oficialmente como indígenas pela FUNAI. A primeira fase de demarcação do seu território concluiu-se em abril de 2009, com a publicação do Resumo do Relatório de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença. Neste relatório, entre os fatores apresentados para o reconhecimento étnico e territorial, é considerada a religiosidade como elemento fundamental: “[...] festas e rituais que caracterizam seu modo de ser e estar no mundo. [...] Desta forma, a vila continua a ser um local de referência para os Tupinambá que habitam nas diversas localidades do território, tendo papel relevante na reprodução física e cultural dos Tupinambá como um "povo": é ponto de referência na rede de relações familiares, na centralidade dos seus rituais e na realização de suas festas tradicionais”. (PAULA, Jorge Luiz de; MELO, Juliana Gonçalves & VIEGAS, Susana Dores de Matos. Resumo do Relatório Circunstanciado de Delimitação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença. In Diário Oficial da União. Nº 74, pp. 52-57, 20 abr. 2009, pp. 52-53) Da mesma forma, pensamos que o conceito de sincretismo pode ser entendido aqui em relação à religiosidade Tupinambá. Ainda assim, não há um abandono da condição de índio. As festas tradicionais dos Tupinambá de Olivença estão combinadas a rituais católicos: a praça da vila de Olivença e a igreja têm um papel simbólico e vivido fundamental para os Tupinambá de Olivença, pois lá se realizam as festas de santo, como a Festa da Puxada do Mastro ou de São Sebastião, a Festa de Nossa Senhora da Escada e a Festa do Divino Espírito Santo, momentos celebratórios que unem os índios que habitam nas várias localidades e têm o seu centro de organização e dinamização na vila (PAULA, MELO & VIEGAS. 2009, p. 54) Além destas festas, uma prática ritual foi retomada desde 2000, segundo o site Povos Indígenas no Brasil, o Porancim. O que permite pensar que a cultura brasileira, incluindo a dos Tupinambá de Olivença, é resultado da combinação de elementos de outras culturas e, mesmo, de outras etnias indígenas, dada a diversidade que compõe o povo brasileiro. No entanto, por vezes, visões negativas e positivas sobre o sincretismo brasileiro, especialmente em relação à religiosidade indígena, predominam. Ressaltamos que a presente pesquisa estuda a possível relação entre costumes, crenças e o reconhecimento da identidade indígena Tupinambá. Objetivamos também ponderar por que, às vezes, as condições físicas e culturais necessárias à manutenção, prevalência e perpetuação das tradições, não têm sido propiciadas e defendidas, como transparece entre aqueles que discordam do reconhecimento étnico e da demarcação territorial em Olivença. Esta postura pode ser acompanhada no artigo escrito pelos representantes dos proprietários de Olivença, intitulado "Exposição de Argumentos para Contestação do Relatório da FUNAI Emitido pelo DOU de 24 abr.09". “As terras pertencentes a aldeamentos extintos não podem ser consideradas terras indígenas. O Aldeamento Jesuítico de Nossa Senhora da Escada, extinto pelas Leis pombalinas se transformou em Vila de Olivença. Há um evidente desvio de finalidade do Decreto 1.775/96, norma programática que regulamenta e legitima o

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procedimento demarcatório de terras públicas indígenas da União. Esse decreto não é habilitado à demarcação de terras particulares”. (SILVA, Luiz Henrique Juaquim Da. Exposição de Argumentos para Contestação do Relatório da FUNAI Emitido pelo Dou de 24 abr.09. Ilhéus, 2009) Acreditamos que existe, ainda, em relação aos Tupinambá de Olivença, um quadro contemporâneo de desvalorização e não-reconhecimento destes índios. A título de demonstração, apesar de em 2001 os índios Tupinambá de Olivença serem reconhecidos como tais, a questão da identidade indígena e dos elementos que a decidem, não foi resolvida e ainda se constitui como objeto de discussão. Os Tupinikim foram fixados pelos Jesuítas em diversos aldeamentos pelo Brasil e na Bahia: em Trancoso, Cumuruxativa, Vale Verde e Olivença. Esses aldeamentos foram extintos em meados do século XVIII com a expulsão da Companhia de Jesus. Entretanto, nenhuma notícia histórica ou historiográfica os localiza [os Tupinambá] no Sul da Bahia, especialmente por se tratar da área dos Tupinikim, seus ancestrais inimigos. (SILVA, 2009) Pensamos que trabalhos como o nosso podem contribuir para o estudo dos acontecimentos de modo a desmistificar preconceitos e propor uma leitura crítica acerca da memória e história dos Tupinambá de Olivença. Neste sentido, acreditamos que esta pesquisa justifica-se por apresentar ponderações acerca da religiosidade Tupinambá de Olivença, contribuindo com o estudo da história sociocultural deste povo no sul da Bahia. (tammyveloso@hotmail.com) Isabel Cristina Rodrigues da Silva (PPGA – UFPE) Para além da regularização fundiária: um estudo sobre a implementação de políticas públicas na comunidade quilombola de Onze Negras. As mudanças causadas pelo capitalismo pós-industrial fizeram surgir novas formas de conflitos e novos atores sociais. A ação coletiva é analisada como efeito das crises estruturais, contradições, expressão das crenças e orientações compartilhadas (MELUCCI, 1989) As comunidade quilombolas são exemplo de grupos sociais nos quais a ação coletiva exerceu papel importante na disseminação das informações sobre os direitos étnicos. Muitas comunidades, até então identificadas como camponesas, foram estimuladas por instituições ligadas a Igreja, ao Terceiro Setor e aos movimentos sociais, especialmente o movimento negro, a reivindicar os direitos atribuídos a adesão ao rótulo quilombola, possibilitando a partir do recorte étnico ter acesso a regularização fundiária e demais benefícios relacionados a ela (ARRUTI, 2007) Nos últimos anos, as políticas públicas no Brasil, ao construírem seu campo de atuação, são pressionadas a dedicarem atenção específica aos grupos étnicos. Desta forma, as comunidades quilombolas vêm estabelecendo diálogo com o Estado na busca da inserção de suas demandas na agenda nacional de políticas públicas. Esse contexto possibilitou a organização das comunidades quilombolas, que passaram a reivindicar a implementação de ações do estado em seus territórios. O movimento quilombola começou a atuar como "sujeitos de direitos", apresentando as demandas da população quilombola. Os estudos em áreas quilombolas concentram-se na abordagem da regularização fundiária. Com a organização política das comunidades, outras questões são trazidas para o debate das políticas públicas, que incorporam em suas ações o recorte étnico. Essa discussão ultrapassa o reconhecimento de seu território, trazendo à tona a importância dos agentes envolvidos na reivindicação de direitos sociais e de cidadania. Este projeto propõe-se a analisar as estratégias acionadas pela comunidade quilombola Onze Negras no processo de implementação de políticas públicas em seu território. A comunidade está situada na região metropolitana do Recife, no

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município do Cabo de Santo Agostinho. A comunidade foi formada por um grupo de famílias negras que migraram para o município na década de 1940, para trabalhar na produção de cana-de-açúcar. Onze Negras tem a posse legal de suas terras e suas reivindicações estão voltadas para ações no campo da saúde, educação, assistência social e agricultura familiar. Quais políticas públicas são acessadas pelo grupo? Como têm sido acessadas? Como as pessoas da comunidade se organizam em torno da implementação das políticas públicas? Quais mecanismos são acionados? Quais os atores envolvidos? Como esse processo acontece? São indagações importantes que nortearão o desenvolvimento desta pesquisa. A antropologia tem um importante papel na construção conceitual das comunidades quilombolas. Os procedimentos metodológicos utilizados nesta pesquisa estarão centrados na observação etnográfica. Esta é um meio eficaz para compreender as interfaces da relação entre a comunidade Onze Negras e o Estado. A dinâmica do grupo e suas relações internas e externas são elementos importantes a serem analisados de forma a contemplar a visão dos atores sociais (lideranças comunitárias, moradores da comunidade, gestores e técnicos da prefeitura, secretarias estaduais e órgãos federais) envolvidos. Para compreender a história do grupo e sua inserção na luta política, será realizado um levantamento documental da comunidade. Assim, a pesquisa utilizará uma multiplicidade de técnicas de coleta de dados para garantir a compreensão de um tema tão complexo. Privilegiará a interconexão entre pesquisa qualitativa e quantitativa na "triangulação"•de dados, onde as informações extraídas de diversas fontes possam auxiliar na interpretação dos fatos sociais referentes ao tema em questão (MINAYO, 2005) (belrodriguess@ig.com.br) Elis da Silva Oliveira (História – UNIR) Religiosidade quilombola: festejos e devoções populares nas comunidades remanescentes de quilombo do vale do Guaporé – RO Nossa proposta de trabalho se estruturou em função da necessidade de uma maior compreensão do fenômeno da religiosidade comunitária dos diversos grupos quilombolas existentes no vale do Guaporé, em Rondônia, atendo-se à estruturação e composição do imaginário religioso dessas comunidades, a partir de seus componentes históricos e das diversas influências tanto sociais, quanto ambientais pelas quais estas populações passaram. Num contexto em que o catolicismo senhorial se impôs, mas onde as notáveis interveniências ameríndias e ambientais se fizeram sentir fortemente, além da própria herança cultural afro, surgiu um tipo específico de catolicismo popular marcado por arranjos e adequações próprias. Nosso objetivo é analisar as questões relativas ao processo de constituição da identidade cultural a partir da realização de festejos e devoções populares dos quilombos encontrados na região do Vale do Guaporé, ressaltando a importância e relevância do sincretismo religioso para a formação da mesma. Para a realização desse estudo, procedemos a um levantamento bibliográfico sobre as expressões da religiosidade popular e colonial no Brasil e na Amazônia, como também sobre a história do Vale do Guaporé. Dos estudos bibliográficos gerais, passamos a uma pesquisa documental e iconográfica sobre as questões da religiosidade das comunidades quilombolas do Guaporé. Realizamos, ainda, estudos de campo, com entrevistas, questionários e narrativas dos moradores das comunidades de Santo Antônio, Jesus e Pedras Negras. Essa etapa de campo nos permitiu entender as atualidades do contexto religioso e perceber as tendências existentes nas comunidades. Com nosso estudo podemos observar que as

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manifestações religiosas, por meio das festas e devoções populares como sendo o elemento fundamental para a interação social, moldam os aspectos socioculturais das comunidades e, ainda, suas lideranças políticas, por meio do patriarcado ou matriarcado. Estas lideranças se constituem a partir da longevidade da grande devoção aos ícones religiosos, neste caso representado pela figura dos santos católicos, o que lhe garante papel de destaque na comunidade e, em alguns casos, por terem habilidades de reza e benzedura. Além disso, podemos analisar que, a partir da fusão cultural de elementos religiosos, a figura dos santos e do Espírito Santo (Festa do Divino) acometem diversas reinterpretações, onde os elementos religiosos podem sofrer variações de comunidade para comunidade. (elisoliveiraa@gmail.com) Samuel da Luz Barros (UFPE/CEAD) O olhar de uma abordagem afrocêntrica: foco no funcionamento da psique humana O objetivo desta pesquisa consiste no âmbito de uma abordagem afrocêntrica, em fornecer elementos para estudar a psiquê africana e sua influência na saúde mental dos povos de culturas de matrizes africanas. Num primeiro momento, veremos uma visão panorâmica da diáspora africana e a vinda de negros para o Brasil. Num segundo momento, analisaremos os elementos que formam a psiquê africana e; num terceiro momento, abordaremos os pontos que influenciam a saúde mental dos povos de culturas de matrizes africanas. No decorrer deste trabalho, ressaltaremos a visão africana a respeito dos fenômenos psíquicos e do comportamento humano, mostrando como a psicologia afrocêntrica influencia e gera modificações à saúde mental dos povos de culturas de matrizes africanas. Vale ressaltar que a fundamentação teórica do estudo ancora-se numa revisão de literatura. A abordagem afrocêntrica pode ser entendida como uma perspectiva positiva e afirmativa da vida, da existência, da história, uma maneira singular e plural desse entendimento, uma filosofia de afroatitudes ou mesmo uma filosofia existencial, que se baseia fundamentalmente numa confiança na potencialidade interna dos organismos e num respeito pela individualidade, coletividade e pela singularidade e pluralidade humana, com foco nas culturas africanas. Os indivíduos possuem dentro de si vastos recursos para a autoconcepção, auto-entendimento, autocompreensão e para modificação de seus autoconceitos, de suas atitudes e de seus comportamentos. Esses recursos podem ser ativados se houver um clima passível de definição, de significados e significantes, de mútua transição do imaginário para o simbólico e do simbólico para o imaginário, e de atitudes e intervenções psicológicas facilitadoras. Há um ditado popular e mítico do Orisá Nana Buruku que diz: “tudo precisa morrer para germinar”. Isto é o princípio de uma pessoa emergente, nessa revolução silenciosa, quando se imagina que não há mais nada a fazer, surge ela com sua autodireção, criando novos caminhos, e é Esù que dá aos indivíduos, essas possibilidades, pois um de seus lugares ritualístico é a encruzilhada, significando que há muitos caminhos a seguir e percorrer, e todos passam por Esù Láaròyè. Quando explanamos a respeito da psiquê africana, logo tendemos a procurar explicações nas literaturas eurocêntricas, o que nos leva a cometer erros de interpretações a respeito da cosmovisão africana. Desde década de 80 e 90, os autores Asante e Kemet, já falavam de afrocentricidade, no sentido de que os africanos precisavam se colocar com uma postura de autoconsciência e de autodefinição, buscando dentro de sua própria cultura africana explicação para todos os eventos da humanidade. Neste sentido, a afrocentricidade não vem no sentido de descartar ou negar a eurocentricidade, mas sim, contra um princípio negativo causado pela supremacia branca

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(eurocêntrica), nas suas relações de poder e violência, dentre elas a escravidão imposta pelos europeus a milhares de africanos durante centena de anos, que levaram a mortes e aprisionamentos de milhões de pessoas. (samuelluzbarros@hotmail.com) Jussara Manuela Santos de Santana (PPGG/UFPB) Do Auto-Reconhecimento à Certificação, Luta e Resistência da Comunidade Quilombola de Caiana dos Crioulos-PB Este trabalho de pesquisa tem objetivo de interpretar as diversas formas de resistência das comunidades quilombolas da Paraíba, mas especificamente na Comunidade de Caiana dos Crioulos. Buscando através da legitimação dos seus direitos assegurados pela Constituição, tratados internacionais asseguradas e legitimadas pelo governo brasileiro. Através dos dados dessa pesquisa pretendemos contribuir com a discussão sobre os negros (as) na formação territorial, social e cultural do nosso Estado, sendo a estes negados no passando e na contemporaneidade a devida valoração. Utilizamos como principais referências teóricas, Anjos (1997), Ratts (2003), Arruti (2006), numa abordagem do território e questão étnica, Almeida (2005) e Haesbaert (2004), para discutirmos o território como ente de poder, Raffestin (1993) e Gomes (1997), o a discussão racial no Brasil e seus desdobramentos, Bastide (1955), Moura (1994) e Quijano (2007). João Paulo Peixoto Costa (PPGH/UFPI) Atrevidos gentios do Pajahú: táticas e confrontos dos últimos índios "livres" no Ceará Este artigo, que faz parte de uma pesquisa sobre a política indigenista e o cotidiano indígena na capitania do Ceará, durante o governo de Manuel Ignácio de Sampaio (1812 – 1820), pretende discutir acerca dos conflitos que envolveram esta autoridade, os proprietários rurais da região do Cariri, e os chamados “gentios do Pajahú”, os prováveis últimos índios não aldeados no Ceará, que na época vagavam próximo a vilas como Crato, Jardim e Missão Velha. Mapeando as varias oscilações, flexibilidades e dilemas que fizeram parte da história deste contato, o presente trabalho tenta visualizar as diversas maneiras pelas quais as elites político-econômicas se portaram diante desse grupo de “gentios”, que ameaçava prejudicar seus planos de desenvolvimento econômico e modernização, ao mesmo tempo em que se constituíam enquanto uma importante força de trabalho em potencial. Por outro lado, buscaremos observar como os índios do Pajahú se colocaram diante desse impasse que lhes apresentava as opções de se render ao aldeamento ou continuarem resistindo às investidas do poder disciplinar. (qdedo@hotmail.com) Nathalia dos Santos Klein (Ciências Sociais UFF) A manutenção da identidade étnica quilombola no contexto urbano em Oriximiná-Pará No município de Oriximiná um número cada vez maior de moradores das comunidades quilombolas tem deixado o interior para irem morar no centro urbano. A distância do local de origem trouxe conseqüências para a identidade dessas pessoas. Para o grupo ser

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quilombola sempre esteve ligado a um modo de vida especifico e, de certa forma, também a um local especifico. A mudança de domicilio não significa um corte das ligações com o local de origem. Os quilombolas da cidade ainda possuem familiares (irmãos, pais, filhos, etc) no alto do rio e mantêm contato com eles. Alguns ainda possuem suas casas nas comunidades de onde saíram. Um discurso muito comum entre os quilombolas que vivem na cidade é o desejo de retornar um dia para seus locais de origem, assim que as condições para permanência deles se tornarem possíveis. A maioria das famílias se mudou para que os filhos pudessem continuar os estudos que não são oferecidos no interior, onde o ensino só vai até, no máximo, o nono ano do ensino fundamental. Outro fator que motiva a mudança e a permanência no centro urbano são as oportunidades de emprego, na maioria das vezes como contratados temporários da prefeitura, ou na MRN (Mineradora Rio do Norte) e, mais recentemente, na mineradora de Juruti. O local de origem é relatado de forma idealizada e com um forte sentimento de nostalgia. Fala-se de um passado idealizado onde a comunidade existia em perfeita harmonia, até que algo externo ao grupo e ao local passou a exercer uma influencia negativa e a harmonia até então dominante foi desfeita. A nostalgia estrutural representa uma imagem de um passado ideal e irrecuperável. Essa idéia de um passado mítico, de um tempo antes do tempo, acaba funcionando, para quem esta longe da comunidade do interior, como um novo modo de afirmar a identidade quilombola. Fica claro que carregar uma identidade quilombola no centro urbano é diferente de ter essa mesma identidade no interior. Diferentes diacríticos, memórias e experiência são evocados dependendo da posição em que o individuo se encontra. As relações pessoais dos membros do grupo no centro urbano também diferem consideravelmente das relações mantidos no alto do rio de onde os quilombolas vieram. Porém nada disso muda a identidade dessas pessoas, eles continuam sendo quilombolas mesmo, de certa forma, integrados na sociedade urbana. O pertencimento a um grupo não depende exclusivamente de traços culturais igualmente distribuídos. Como no caso de Oriximiná, o que forma a identidade do grupo é uma comunidade imaginada a partir de significados compartilhados, que permitem uma compreensão e identificação mútua independente de onde um membro do grupo se encontre em um determinado momento. (klein.nathalia@gmail.com) Victor Hugo Araújo Montenegro de Lucena (Ciências Sociais/UFPE) Efeitos culturais e as atividades turísticas na região nordeste do Brasil Este artigo visa realizar uma reflexão sobre o atual estado da arte das pesquisas realizadas sobre as relações entre o meio social e o turismo na região nordeste do Brasil, mais especificamente os efeitos culturais ocasionados devido às atividades turísticas. Fomentando o debate sobre a importância de se estudar e pesquisar mais intensamente este tópico que ainda não recebe a relevância necessária. A proposta é analisar os principais trabalhos publicados nos últimos dez anos, período em que o turismo se intensificou, tornando-se uma das principais atividades comerciais da região e, como conseqüência, influenciando direta e indiretamente em mudanças no quadro social, nas relações étnicas existentes. (victorxhugo@msn.com) Indira Silva Souza (História/UESC) História, Memória e Identidade de um grupo familiar cigano em Itabuna: os Fortuna Rebouças e suas relações com a sociedade não cigana (1984 – 1993)

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Essa pesquisa conta com Bolsa de Estudo de Iniciação Científica do CNPq. Caminhando pelas ruas de Itabuna, por vezes, nos deparamos com pessoas que formam os grupos ciganos daquela cidade. Em nossa compreensão tais grupos e sujeitos constituem uma das dimensões socioculturais itabunense que formam parte de sua história. No entanto, pelo levantamento bibliográfico até agora realizado sobre o município, não encontramos trabalhos que analisem esta presença em sua formação histórica. Acreditamos que a presente pesquisa justifica-se, em grande parte, por ter como seu resultado principal contribuir com aqueles que desejam estudar os diferentes sujeitos que constituem aquela cidade, particularmente, os ciganos. Para isto iremos estudar as memórias individuais e coletivas do grupo familiar denominado como Fortuna Rebouças, acompanhando facetas de sua história e jornada até Itabuna, sempre considerando os prováveis modos de interação entre ciganos e não ciganos. É comum encontrarmos manifestações que descrevem os ciganos como “vândalos, trapaceiros, assassinos, violentos”, entre outros adjetivos, considerando sua presença como algo negativo para as cidades. A título de demonstração o jornal O Diário de Itabuna, em matéria publicada no dia 03 de Maio de 1980, utilizou da argumentação citada anteriormente para descrever os ciganos na cidade de Itabuna e região “Fazendeiro foi amarrado e espancado por ciganos”. In: O Diário de Itabuna, 03 de Maio de 1980, p. 06. O mesmo, O Diário de Itabuna, em 04 de Maio de 1984, publica outra matéria, “Ciganos foram condenados por assassinatos em Ubatã”. In: O Diário de Itabuna, 04 de Maio de 1984, p. 2, vinculando os ciganos à criminalidade. De acordo com o jornal, Valdecy Fiuza Barreto e Edney Barreto da Gama, ciganos da cidade de Ubatã (uma cidade não muito distante da cidade de Itabuna), foram julgados e condenados pelo assassinato do estudante Arivaldo. Não estamos aqui negando que o crime tenha ocorrido, mas assinalando que os ciganos quando são descritos pela imprensa local, quase sempre é para apontar sua relação com a criminalidade. Pensamos que estudar os Fortuna Rebouças permite, ao mesmo tempo, acompanhar aspectos da história deste grupo familiar cigano e da própria cidade de Itabuna. Moradores da Rua de Palha, localizada no Bairro Maria Matos, desde 1984, essa família, cotidianamente, (re)elaboram suas “formas de vivencias” (CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer – Petrópolis, RJ: Vozes, 1994) mantendo muito das suas tradições e cultura, através da oralidade presente em reuniões familiares, festa, vestimentas, cerimônias laços com outras famílias. Estas práticas tipicamente ciganas são, em grande parte, responsáveis pela identidade e tradições daquele povo, como bem analisam Vishnevsky (VISHNEVSKY, Victor. Memórias de um cigano. São Paulo: Duna Dueto, 1999) e Scherer (SCHERER, Mácio. A voz da cigana. Porto Alegre: Sulina, 1995) ao tratarem de outros grupos ciganos no Brasil. Do mesmo modo, este estudo busca questionar leituras que dicotomizam os ciganos e não ciganos. Apresentam os grupos familiares ciganos como não possuindo qualquer tipo de relação com outros grupos sociais. A proposta é assim também a discussão de certos mitos e preconceitos sofridos pela comunidade cigana. No caso particular dos Fortuna Rebouças e sua relação com a cidade de Itabuna, a trajetória inicia-se em 1984. No entanto, segundo informações fornecidas pelo chefe familiar seu Gerisnal Fortuna Rebouças, naquele mesmo ano seu grupo familiar viaja para a cidade de Jequié. Somente em 1993 os Fortuna Rebouças se fixam em Itabuna, permanecendo até os dias atuais (2011). Estas datas constituem nosso recorte temporal por permitir pensarmos sobre os caminhos que foram adotados por este Grupo Familiar até sua fixação em Itabuna.

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Rafael Ademir Oliveira de Andrade (UNIR) Etnicidade e Identidade em Contexto Urbano: Os Cassupá de Porto Velho (Ro) Em Rondônia podemos observar um fenômeno parecido ao apontado por Oliveira (Uma etnologia dos "índios misturados"? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais, Mana, 1998) em relação aos grupos indígenas no nordeste, um aumento significativo na população dos mesmos. Segundo o censo demográfico realizado nos anos de 1991 e 2000, a população indígena no estado aumentou de 4.134 para 15.859 neste período de tempo. Este fenômeno foi considerado de grande importância para o cenário político e social do Estado e destes grupos tendo certa visualização de trabalhos da área acadêmica e de entidades de apoio como profissionais da Universidade Federal de Rondônia e o Conselho Indígena Missionário (CIMI). Visando contribuir para este trabalho e apontando para uma necessidade específica, a pesquisa com o grupo indígena Cassupá se torna importante tanto para a comunidade acadêmica quanto para o grupo em si, concedendo maior visualização das dificuldades e da luta pelos direitos deste grupo, além de expandir o conhecimento antropológico brasileiro sobre como ocorrem estas configurações das estruturas sociais, visando expandir o conhecimento da antropologia sobre o homem e sua forma de “pensar a si mesmo”. A etnia conhecida como Cassupá foi expulsa de suas terras em meados da década de sessenta por garimpeiros, madeireiros e/ou fazendeiros. Foram então agrupados pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) em postos onde tiveram que conviver com a sociedade nacional (e seus aspectos culturais) e grupos desconhecidos ou que possuíam pouco contato. Por serem todos considerados “índios” foram agrupados e colocados sobre à mesma bandeira de “em processo de civilização”, característica comum do serviço que deveria proteger e não violentar. Os Cassupá e Salamãi habitavam uma região próxima à cidade de Pimenta Bueno, região sudeste do Estado de Rondônia. Hoje podemos encontrálos residindo em território urbano concentrados em uma terra perto da Rodovia Brasileira 364, quilometro cinco e meio sentido Porto Velho – Cuiabá, formando uma comunidade urbana (ou aldeia urbana). Também se encontram dispersos pelos variados bairros da cidade de Porto Velho, capital de Rondônia. Possuem em torno de duzentos membros e se encontram sobre a liderança do senhor Clóvis Cassupá. O grupo Cassupá se organiza em torno da Organização dos Povos Indigenas Cassupá e Salamãi (OPICS). Esta organização representa uma intenção de se constituírem enquanto coletividades, enquanto sujeitos coletivos, para “poderem se confrontar com seus Estados em melhores condições políticas.” (Bartolomé em As Etnogêneses: Velhos atores e novos papéis no cenário cultural e político, Mana, 2006, p. 44). As intenções desta organização são de: “resgatar raízes culturais” e a “inserção na sociedade do não-índio”, como decidiu na Assembléia dos Povos Cassupá-Salamãi de vinte e um de setembro de 2009, que tivemos a oportunidade de assistir. Os Cassupá em Porto Velho se ocupam das mais variadas atividades econômicas, desde ocupando cargos na administração pública, trabalho na rede comercial até estarem vinculados aos programas de bolsas do governo. A terra do quilômetro cinco e meio da BR 364 constitui um espaço distinto ao cenário urbano de Porto Velho, tendo em vista que as famílias que ali residem estão, apesar do contato diário com a comunidade circundante, vivendo suas relações de parentesco diretamente, ao contrário dos Cassupá que residem em bairros afastados. (rafael_ademir@hotmail.com)

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Carlos José Ferreira dos Santos e Taís Almeida Carvalho (História/UESC) A demarcação das terras indígenas em Olivença (Ilhéus/Bahia), a partir da organização dos índios Tupinambá (1980) e do Relatório da Funai (2008): contradições e contraposições. Esta pesquisa estuda o reconhecimento étnico e a demarcação das terras Tupinambá em Olivença (Ilhéus/Bahia) promovida pela FUNAI (13/05/2002 - 20/04/2009), tendo como inquietação refletir sobre a participação daquele povo nestas ações. O recorte cronológico e temático inicial parte da (re)construção da memória indígena feito por Professores e Comunidade Tupinambá de Olivença-PCTO, apresentado na publicação “Memória Viva dos Tupinambá de Olivença” (2007). Nessa publicação, a década de 1980 é assinalada como “reinício da resistência dos Tupinambá”, sendo apontada como fundamental para compreensão do reconhecimento étnico e demarcação territorial realizada pela FUNAI. Naquela ocasião, por exemplo, ocorreu a “visita de duas lideranças, Manoel Liberato de Jesus e Alício Francisco do Amaral a Brasília para reivindicar o direito à terra” (PCTO. Salvador: Associação Nacional de Ação Indigenista-CESE, 2007, p. 58). Após a publicação do “Relatório Circunstanciado de Delimitação da Terra Indígena Tupinambá” (FUNAI. Brasília: DOU, 20/04/2009, p. 52-57), o debate acerca da legalidade desta ação tem suscitado diferentes reflexões na mídia, entre a população local, no meio acadêmico e na justiça. A polêmica gerada, entre outras dimensões, referem-se à legitimidade dos Tupinambá de Olivença serem considerados como tais e mesmo como índios, questionando assim o reconhecimento étnico e a demarcação das terras. Após alguns meses da publicação do “Relatório Circunstanciado”, a Comissão dos Pequenos Produtores da Região Sul da Bahia-CPPRSB apresentou um manifesto contrário à demarcação, visando recorrer à justiça. Segundo os autores do texto, o objetivo era solicitar às autoridades “a nulidade do relatório de demarcação” emitido pela FUNAI, com o argumento de que “não existe literatura indicando a presença dos Tupinambá na região” (CPPRSB. “Exposição de argumentos para contestação do relatório da FUNAI-DOU de 20/04/2009”. Ilhéus: Digitado, 05/07/2009). Semanas depois a mesma Comissão recorreu judicialmente contra a demarcação. De acordo com os favoráveis à demarcação, a definição das fronteiras do território originário das populações tradicionais não tem como base somente a existência de uma “literatura sobre o assunto”. Segundo os documentos da FUNAI, incluindo o “Relatório Circunstanciado”, a delimitação de uma área indígena parte da concepção de que a auto-identificação ou auto-reconhecimento étnico é princípio fundamental nesse processo. Este entendimento consta dos “Procedimentos para a Identificação de Terras Indígenas: Manual do Antropólogo – Coordenador”, estabelecidos pela FUNAI e balizados pelo Decreto 1775/96, de 08/01/1996 e respaldo na Portaria MJ nº 14, de 09/01/1996. Nesta legislação estão fundamentados os conceitos e ações para a concretização da identificação das terras indígenas. No entanto, ressaltamos que auto-identificação étnica é um dos aspectos mais questionados por aqueles contrários à demarcação e, ao mesmo tempo, um dos eixos centrais da problemática desta pesquisa. Este debate nos remete ao campo conceitual relativo a (re)construção da memória. Falas como do índio Dionísio, ancião Tupinambá, refletem bem parte deste processo de (re)construção. Segundo Dionísio: “Eu sou índio, porque meu tronco, minha avó, meu avô, minha mãe, meu pai, são todos nascidos aqui em Olivença, estão todos sepultados ali, naquele cemitério daquela terra sagrada de Olivença, dessa aldeia!” (PCTO. Salvador: Associação Nacional de Ação Indigenista-CESE, 2007, p. 51). Morador do Acuípe (uma das áreas demarcadas como

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território Tupinambá), Dionísio possibilita acompanhar como os índios de Olivença “estabeleceram suas próprias capacidades de verem, interpretarem, influírem na história” (PORTELLI, A. “A filosofia e os fatos”. In: Tempos. RJ: Relume Dumará, 1996, p. 62). Pensamos que, possivelmente, a (re)construção da memória e identidade Tupinambá ocorreu num universo de “bricolagem” (CERTEAU, M. de. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 38-41), vivenciado ao longa da história daqueles índios de Olivença e, mais recentemente, influenciado pela aspiração de reconhecimento étnico e demarcação de suas terras. Assim, o presente estudo buscar contribuir com o debate sobre o reconhecimento étnico e acerca da demarcação do território Tupinambá em Olivença, refletindo principalmente acerca da participação daquele povo neste processo e ponderando sobre as possíveis contradições do discurso legitimador e antagônico do Estado, da Justiça, do saber acadêmico e dos que são contrários à demarcação. (carlos.josee@uol.com.br)

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GT II - Conhecimentos Tradicionais e Meio Ambiente Coordenadores: Pedro Silveira, Peter Schröder, Rita de Cássia Neves Denise Batista de Lira (PPGH – UFPE) Os Xucuru e Suas Relações Com o Meio Ambiente: Histórias e Memórias. A História Ambiental, fundada a partir da Escola dos Annales, obteve reconhecimento após a década de setenta do século XX. Sua forma de atuação ocorre através de algumas propostas: pela interdisciplinaridade, pela revolução nos marcos cronológicos e pela percepção da interação entre os seres humanos e o Ambiente (Natureza) Um dos grandes nomes da história ambiental, Donaldo Worster, afirmou que “A história ambiental objetiva trazer de volta à nossa consciência este significado da natureza e, com o auxílio da ciência moderna, descobrir algumas verdades recentes sobre nós mesmos e nosso passado”. E ainda: “o historiador ambiental deve enfrentar o antigo problema da humanidade, que tem que se alimentar sem degradar a fonte básica da vida” (WORSTER, 2002, p. 39) Tomando como ponto de partida a interdisciplinaridade proposta pela História Ambiental, utilizaremos também como fontes históricas as memórias, levando em conta suas potencialidades para a compreensão da construção do pensamento individual e coletivo de grupos sociais. O sociólogo Maurice Halbwachs não considerou a memória nem como um atributo da condição humana, nem a partir de seu vínculo com o passado, mas sim como resultado de representações coletivas construídas no presente, que tinham como função manter a sociedade coerente e unida. O significado das memórias para os Xukuru representa uma forma de afirmação de identidade e de seus direitos ao território, assim como de serem protagonistas de sua própria história. (SILVA, 2008) É a partir desses dois aspectos, Natureza e Memória, que pretendemos analisar as relações humanas e o ambiente entre os Xukuru, povo indígena que atualmente habita nos municípios de Pesqueira e Poção, no Agreste pernambucano, região situada em uma área de transição entre o Litoral e o sertão. O Agreste pernambucano desempenhou historicamente a função de fornecer gêneros alimentícios e mão-de-obra para o litoral e a lavoura da cana. A área indígena oficialmente demarcada, com 27.555 mil hectares, é dividida pelos próprios índios em três regiões: o Agreste, a Ribeira e a Serra, onde estão situadas vinte e cinco aldeias Xukuru. A maior parte da população vive atualmente da agricultura, com plantações principalmente de banana, feijão, mandioca, milho e hortaliças, além da criação de gado leiteiro e cabras (OLIVEIRA, 2006, p.14) Uma minoria também retira seu sustento da pesca, principalmente de peixes, embora também haja a comercialização do camarão. Após a retomada do território, passaram a ser fontes de preocupação entre os Xukuru de Ororubá, a continuação do uso intensivo de “defensivos agrícolas”, implantado no período industrial de Pesqueira pela sociedade “branca”, quando a área não era ainda demarcada. O prolongamento no uso desses agrotóxicos tem trazido conseqüências sérias para a saúde do agricultor, para o solo, as fontes de água, os animais e a vegetação que cerca toda a área plantada. Todavia, já existem formas de plantio dentro da própria área indígena sem o uso de agrotóxicos. Isso está acontecendo aos poucos dentro da comunidade, e é divulgado pelas lideranças. Os Xukuru também obtêm o sustento de suas famílias realizando outras atividades na Natureza, como a pesca e a caça. Os pescadores se concentram, em sua maioria, nas aldeias de Passagem e Pão–de-Açúcar, onde existe a Barragem de Pão-de-

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Açúcar, construída em 1987-1988; em outras aldeias existem apenas pequenos açudes. Apesar de afirmarem que a demarcação do território e a construção da Barragem trouxeram melhorias, garantindo um maior quantidade de peixes e animais para a caça, alguns indígenas reclamam do comportamento de seus companheiros índios quanto ao tratamento com a Natureza. E asseguram que essa conduta tem trazido prejuízos a todos os habitantes da aldeia próxima a Barragem, que vêm requerendo um novo procedimento com o Ambiente. Os indígenas também desenvolveram uma relação com a Natureza para a obtenção da caça, embora essa relação seja menos predatória que as demais. A demarcação da terra volta a ser um ponto de favorecimento para a aquisição do alimento e a preservação ambiental. Apesar de ainda existirem atos predatórios contra a Natureza, que não podemos deixar de afirmar ser uma herança também da colonização, a relação com o ambiente entre os Xukuru vem sofrendo alterações. E já ocorre uma movimentação das lideranças nesse sentido - podemos perceber isso por meio das afirmações nas entrevistas além da clareza dos próprios indígenas sobre a importância da preservação da natureza. (deniselira2003@yahoo.com.br) Eduardo Brasil (PPGA – UFPE) A Pesca de Lagosta de Icapuí: Entre o Legal e o Ilegal, o Artesanal e o Industrial. Nesse trabalho, pretendo discorrer sobre o conflito entre pescadores artesanais e industriais em Icapuí – Ceará. Vivemos no mundo sob a predominância do modelo de desenvolvimento capitalista industrial, no qual sua face neoliberal não oferece alternativas ao laissez-faire. Não há qualquer outra coisa que pareça plausível – nenhuma outra ideologia, nenhum outro sistema econômico-político. A principal questão, então, que as políticas públicas devem esclarecer é: como suceder na “nova” ordem mundial. Por quê? Porque esta nova ordem esconde a sua plataforma ideológica nos ditames da eficiência econômica e do crescimento do capital, no fetichismo do mercado livre, nas exigências da ciência e da tecnologia (Comaroff, 2001, p.73) Icapuí é um município do Estado do Ceará, localizado na zona litorânea a leste do rio Jaguaribe, a 200 quilômetros da capital, Fortaleza. Esse município não é só conhecido pela beleza de suas praias, mas também pela pesca de lagostas em suas águas. O Ceará é responsável por 70% das exportações da lagosta no país, e Icapuí é o maior produtor do Estado do Ceará. Há duas maneiras de pescar lagostas. Uma limpa, legal e sustentável, usando manzuás; e outra que polui, é ilegal e predatória, que se faz com marambaias, compressores e redes. Esses dois tipos de pesca acabaram por dividir o litoral de Icapuí em dois grupos rivais, com métodos e ideologias diferentes. As populações das praias de Retiro Grande, Redonda e Peroba pescam artesanalmente, usando manzuás; e os das praias de Barrinha, Barreira, Tremembé, Icapuí e Melancias, usam marambaias, caçoeiras, redes de arrasto e compressores de ar para mergulhar. Estes grupos estão vivendo uma verdadeira guerra na terra e no mar. O manzuá é uma armação feita de madeira e coberta com uma malha, com tamanho da perfuração adequada para não capturar lagosta miúda, onde são colocadas iscas, que servem de armadilha. As lagostas entram e não conseguem mais sair, sendo retiradas depois pelos pescadores. Essa é uma maneira limpa de pescar, que não causa danos ao meio ambiente. A marambaia é um tipo de pescaria onde o pescador leva para o mar uma diversidade de materiais (carcaça de carro, pneus, tambores etc), os fixando no fundo, em posições marcadas. Esses materiais atraem lagostas com uma maior facilidade, e acabam proporcionando uma pesca predatória, principalmente aliada ao compressor. Esse tipo de pesca é proibida através da Instrução

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Normativa do IBAMA N. 170 de 25 de março de 2008, e a pesca com compressor é proibida através da Instrução Normativa N.138 de 06 de dezembro de 2006. O Ibama estima que existam entre 50 e 100 mil marambaias em todo litoral cearense, sendo a maioria no município de Icapuí. A pesca artesanal de lagosta em Icapuí está situada no contexto do lugar colocado pelo pesquisador colombiano Arturo Escobar, que propõe que o lugar é descrito como “experiência de uma localidade específica, com algum grau de enraizamento, com conexão com a vida diária, mesmo que sua identidade seja construída, e nunca fixa”. (Escobar, 2005, p.134) O local é importante para maioria das pessoas e sua defesa como projeto não é irrelevante. Como coloca Haesbaert: “Enquanto a economia globalizada torna os espaços muito mais fluidos, a cultura, a identidade, muitas vezes re-situa os indivíduos em micro ou mesoespaços (regiões, nações) em torno do quais eles se agregam na defesa de suas especifidades histórico-sociais e geográficas” (Haesbaert, 2002, p. 92) Em nossa análise, os lugares não são naturalizados nem tem como fonte identidades autênticas e essencializadas. O desenvolvimento proposto pelos pescadores artesanais de Icapuí está desatrelado ao acúmulo de capital, e não tem o lucro como prioridade. É um desenvolvimento com mais sustentabilidade, em uma relação mais profunda homemnatureza. Esse tipo de desenvolvimento destoa do tipo proposto pelo capitalismo industrial. Modelo esse que é insustentável, como é colocado por Stanley J. Tambiah em seu artigo: “Conflito etnonacionalista e violência coletiva no sul da Ásia”: “O Human Development Report 1995 (elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) faz uma acusação demolidora à maneira como o desenvolvimento perpetua as desigualdades atuais, especialmente nos chamados países em desenvolvimento, afirmando que o desenvolvimento "não é nem sustentável nem merece ser sustentado". O Relatório arrola determinadas conseqüências assimétricas do crescimento econômico - e, eu poderia acrescentar, da construção forçada do Estado-nação - que exigem uma pronta ação corretiva. (Tambiah, 1997, p.7) A história que os pescadores artesanais de Icapuí vêm desenvolvendo no decorrer desse conflito é de resistência. Resistência ativa ao modelo de desenvolvimento capitalista industrial, buscando um tipo de desenvolvimento que minimize as mazelas sociais. Um tipo de desenvolvimento mais humano e sustentável, menos predatório com os recursos naturais, que possibilite condições para uma sobrevivência digna, sem a ditadura do consumismo e do fetichismo da mercadoria tão valorizados no capitalismo industrial, e com mais autonomia como atores sociais, para poder expressar suas diferenças culturais. Com a rápida escassez de lagosta no litoral brasileiro, ameaçando diretamente a vida de várias comunidades, é importante a reflexão no questionamento que Tambiah (1997) faz em seu artigo: “Será chegada a hora de abandonarmos a linguagem dos „obstáculos‟ ao „desenvolvimento‟ para falarmos da „resistência‟ ativa dos setores sociais subalternos a ele?”. Ou ainda como nos acrescenta Escobar, “distinguir aquelas formas de globalização do local que se convertem em forças políticas efetivas em defesa do lugar e das identidades baseadas no lugar, assim como aquelas formas de localização do global que os locais podem utilizar para seu benefício”. (edupbrasil@hotmail.com) Luclécia Cristina Morais (Biologia - UFPE) Conflitos Socioambientais em Pernambuco: um Caso De Injustiça Ambiental. A pesquisa relata o processo de criação de uma Reserva Extrativista no Litoral Sul do Estado de Pernambuco e aborda o conflito socioambiental existente entre os pescadores artesanais e os empreendimentos locais. Há nesse conflito dois tipos de enfoques

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ambientalistas: enquanto os pescadores artesanais buscam garantir a permanência em seus territórios e a proteção aos recursos naturais da região, os demais atores sociais existentes querem conservar a natureza, excluindo a presença humana. No estudo foi privilegiada a pesquisa qualitativa, através de entrevistas, como também observações em campo e consulta a fontes de pesquisa diversas. Esse exemplo de luta pela garantia de territórios tradicionalmente ocupados por povos que fazem uso comum da terra e possuem a atividade pesqueira como algo inerente à própria existência, constitui-se também como um exemplo de reelaboração da identidade de um determinado grupo (pescadores artesanais), na tentativa de terem reconhecido pelo Estado seus direitos de acesso a terra e a proteção dos recursos naturais ali presentes, a partir da inclusão destes na categoria de povos tradicionais. (lucrisms@gmail.com) Lígia de F. C. Fonseca (UFCG) Investigando os significados nos discursos políticos: as visões sobre produção agrícola, trabalho, povos indígenas e terras indígenas nos pronunciamentos de uma senadora. Atualmente nos debates políticos, quando se abordam temas como produção agrícola, trabalho, populações indígenas e terras indígenas, aparecem diferentes definições, muitas vezes pouco claras e genéricas. O presente artigo se constitui em procurar compreender significados nos pronunciamentos de uma senadora da República, que tem abordado o tema através da defesa do que se tem convencionado chamar de “agronegócio” e de sua importância econômica para o Brasil. Objetiva-se aqui compreender termos e noções utilizadas nos discursos políticos, contrastando com esforços analíticos produzidos no campo da antropologia. Ana Paula da Silva (UNIRIO – PROINDIO,UERJ), José Ribamar Bessa Freire (UNIRIO – PROINDIO-UERJ) Etnotaxonomia Tupinambá no Relato do Missionário Claude D’Abbeville Os povos indígenas possuem processos tradicionais de organização social, que determinam suas práticas de uso dos recursos de suas terras. Detentores de saberes particulares, constantemente recriados, acumulados durante milênios e transmitidos através da oralidade, esses conhecimentos tradicionais, que aqui preferimos denominá-los etnosaberes, estão entrelaçados às suas cosmologias, assim como profundamente articulados ao meio ambiente onde vivem. O bem-estar dos grupos depende dessas relações diretamente estabelecidas com ciclos e processos ecológicos vivenciados desde tempos imemoriais, que orientam a vida cotidiana e ritual, em uma interação saudável e equilibrada entre indivíduos, meio ambiente e o cosmo. Conforme Daniel Cabixi (1992), os conhecimentos dos povos indígenas são um sistema integrado de crenças e práticas. Em uma comunidade há um conjunto de informações compartilhadas, onde coexistem distintos especialistas em solos, em plantas, em animais, em remédios e rituais. Hoje, diversas pesquisas estão sendo desenvolvidas em todo o Brasil junto aos povos indígenas com objetivo, entre outros, de aprofundar nosso conhecimento acerca das práticas e técnicas próprias de investigação, sistematização de seus pensamentos. Processos extremamente elaborados, os saberes indígenas são como sofisticadas e complexas redes formuladas no tempo, a partir de refinadas práxis (Silva, 2011) Se hoje essas pesquisas têm revelado a sofisticação dos

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processos e práticas indígenas, além dos desafios frente aos novos tempos, muito pouco sabemos sobre os saberes tradicionais dos grupos que habitavam o Brasil quando os europeus aqui aportaram. É o caso, por exemplo, dos Tupinambá – um subgrupo dos povos Tupi, falantes de uma língua pertencente à família linguística Tupi-Guarani – que viviam, nos séculos XVI e XVII, na região dos atuais estados brasileiros do Rio de Janeiro, Bahia, Maranhão e Pará. Nesse caso, uma das possibilidades de recuperar essas informações – visto que eram povos da oralidade e, portanto, não deixaram nenhum relato escrito – se dá a partir da análise dos relatos de viajantes e missionários, tais como: André Thevet, Jean de Léry, Claude d'Abbeville, Yves d'Évreux, entre outros. Para além dos filtros e determinantes culturais, encontramos, dispersos nessas fontes, inúmeros fragmentos desses conhecimentos. Os dados versam sobre distintos temas, como o sistema agrícola – a dinâmica das roças, as espécies cultivadas e as variedades, indicando possíveis experimentos genéticos –, a organização socioespacial, os conhecimentos e usos dos recursos naturais de sua terra, práticas e técnicas de caça e pesca, os grafismos, os artefatos produzidos, a culinária, a tecelagem, a música, a mitologia, os rituais, etc. Ressaltamos, contudo, que diante das limitações impostas pela natureza dos documentos, torna-se difícil pensar certos temas, voltados, por exemplo, para o campo das classificações simbólicas, mais especificamente, para os pensamentos indígenas e suas complexidades. Aliás, convém lembrar que questionamentos desse tipo não faziam parte dos horizontes europeus. Tendo em vista esses problemas, indagamos acerca das possibilidades dessas fontes e através de um diálogo interdisciplinar entre História, Antropologia, sobretudo a Etnologia contemporânea e Linguística, refletirmos, entre outros aspectos, sobre o que denominamos Etnotaxonomia tupinambá. Essa análise está inserida no que o antropólogo Darrel A. Posey (1987) convencionou chamar de Etnobiologia. Essa estuda o “papel da natureza no sistema de crenças e de adaptação do homem a determinado ambiente. Nesse sentido, a etnobiologia relaciona-se com a ecologia humana, mas enfatiza as categorias e conceitos cognitivos utilizados pelos homens em estudo”. Nessa comunicação, entretanto nosso objetivo é discutir alguns aspectos da Etnotaxonomia tupinambá a partir do relato do missionário francês Claude d'Abbeville, intitulado História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas, publicada em 1614. (anap_almex@yahoo.com.br ; jrbfreire@yahoo.com.br) Helena Tenderini (PPGA.UFPE), Ana Cláudia Rodrigues (PPGA. UFPE), Jeíza Saraiva (PPGA. UFPE), Isabel Rodrigues (PPGA.UFPE) Os rios estão secando: notas sobre conflitos pela água no Oeste da Bahia. Este artigo é fruto da experiência adquirida no levantamento sócio-antropológico do Projeto "Proteção das águas nas sub-bacias hidrográficas do rio Grande, rio Correntes e margem esquerda do rio Carinhanha - Bahia. 2010". Visa discutir a situação vivenciada por comunidades tradicionais dos municípios, com a construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH's) em seus territórios. O debate engloba várias esferas de poder, o governo brasileiro, o estado da Bahia, o agronegócio de grãos-soja e movimentos sociais. As PCH's atingem diretamente as terras e os rios tradicionalmente ocupados por estas comunidades, e envolve questões relativas às identidades e reconhecimento étnicos, pois algumas se declaram indígenas e quilombolas. Nesse contexto, conflitos são instaurados e a relação entre comunidades, grandes agricultores e o Estado é marcada por uma série de desigualdades. A pesquisa, de caráter multidisciplinar, contou com a participação de profissionais da área de topografia e cartografia, biologia (fauna e flora), sociologia

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(realização de censo) e de antropologia. Procurou-se compreender o modo de vida, a relação com o uso e ocupação da terra e dos rios e a influência destes elementos na construção identitária das comunidades. Utilizou-se a abordagem etnográfica, entrevistas semi-estruturadas com informantes-chave, indicados pela própria comunidade, e levantamento de dados secundários. Outros instrumentos utilizados foram três tipos de calendários: o calendário semanal, com descrição das atividades cotidianas; o calendário anual agrícola, contendo as atividades de agricultura e pecuária; o calendário anual de festas e celebrações, além de tabelas de atividades divididas por gênero e saberes tradicionais. O trabalho de campo foi realizado em 2010, com duração de três meses e envolveu treze municípios do oeste baiano. Estrategicamente, dividimos os municípios por bacias hidrográficas, a do rio Grande, Corrente e Carinhanha, tributários do São Francisco. A ocupação econômica dos municípios que compõe o oeste baiano trouxe consigo desenvolvimento; mas com ele veio também a destruição do segundo maior bioma nacional, o cerrado. Fato este que ocorre desde a ocupação do espaço para criação de gado no início da colonização até os dias atuais, com a modernização agrícola, iniciada a partir da década de 1980. No oeste, cresce o número de pequenas centrais hidrelétricas (PCH's), irrigações inadequadas utilizando pivôs e expulsando comunidades tradicionais de suas terras. Com a chegada do agronegócio, percebe-se a diminuição das águas dos rios. A frase "os rios estão secando"•foi a mais escutada por nossa equipe. Dentre os municípios visitados, Formosa do Rio Preto e Cocos apresentam situações de conflitos mais graves. É prevista a construção de duas PCH's ao longo do rio Preto para irrigação de plantações de soja. Estas atingirão comunidades tradicionais centenárias, de origem indígena e quilombola. A população vem sendo ameaçada e forçada a sair do seu território. Em Cocos, nas comunidades de origem indígena, Salobro e Poços, a construção de barragens atingirão os talhados, grandes rochedos com pinturas rupestres de importância histórica e arqueológica. As comunidades reagem de diferentes maneiras. Em Formosa, reivindicam sua identidade quilombola e, em Cocos, articulam-se com movimentos sociais, principalmente o MABE e a CPT. Realizam manifestações, audiências públicas, além de impedir a entrada de técnicos de empresas públicas e privadas que chegam fazendo medições e instalar marcos, sem prestar nenhum esclarecimento aos moradores. As estratégias são diferentes, mas o objetivo é o mesmo: impedir a destruição de seus territórios. (acrodriguess@gmail.com) Bartolomeu Santos (Ciências Sociais/UFMG) A Relação do Conhecimento Tradicional com Implicações no Meio Ambiente Todos tem uma visão, um conhecimento tradicional, seja simples ou complexo. Às vezes, chega a ser um conhecimento limitado. Quando afirmamos saber o significado de uma palavra, nos baseamos em experiências vividas ou interpretadas por terceiros. Dessa forma, não percebemos a ligação mútua entre o meio em que vivemos e os conhecimentos tradicionais. Uma dança, por exemplo, não se resume ao simples ato de dançar ou comemorar. Coisas invisíveis estão por trás e justamente é isso que devemos observar. Devemos tentar compreender as causas; buscar informações para saber qual é o caminho analítico a ser seguido. Um conhecimento tradicional de uma comunidade indígena está ligado diretamente ao meio ambiente: habitantes de uma determinada região, que preservam e mantém a sua cultura, seguindo suas crenças, seus rituais e seus costumes. Eles fazem “pedidos aos deuses, para que a colheita seja boa, ou as criações não pereçam por

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falta de água”. Algumas comunidades (não só indígenas), tem uma crença em deuses próprios responsáveis pelas ações da natureza. Acreditamos em uma força que nos cerca, que emana da natureza. O conhecimento de uma comunidade é único, inclui diversidade biológica, redes intersocietárias e ecológicas de caráter diferenciado. Isso é percebido, aos olhos dos que não compreendem, como algo incomum. Contudo, cada átomo que compõe nosso universo gera uma ação que dá continuidade e que nos liga à nossa cultura e ao nosso meio-ambiente. (brother.b6@gmail.com) Luciana Galante (Ciências Sociais/PUC-SP) Investigação Etnobotânica na Comunidade Guarani Mbya de Tekoa Pyau Este estudo tem como objetivo analisar através de uma abordagem etnobotânica a relação que a comunidade Guarani de Tekoa Pyau estabelece com o ambiente, especificamente com o universo vegetal. Inseridos numa área reduzida e próxima a uma Unidade de Conservação, são muitas as especulações de que estariam privados de suas referências culturais e abandonando suas práticas. A Mata Atlântica, lugar ideal para se viver o nhandereko (modo de ser Guarani), é cheia de simbolismos que atrelados ao conhecimento refinado sobre seus recursos tem, para o povo Guarani, uma importância única. A sacralidade que os Guarani atribuem a certos vegetais nos leva a crer que longe de ser apenas uma reserva de recursos naturais a ser utilizada na cultura material, o Parque Estadual do Jaraguá adquire o status de “acervo cultural”, uma vez que muitas plantas e animais que lá circulam foram deixadas por Nhanderu (nosso pai) para que os Guarani pudessem sobreviver estando inclusive associados aos mitos de origem. A luta pela manutenção desses conhecimentos se faz através da educação tradicional em que a vivência, a oralidade, os mitos e os ritos possuem grande destaque. Além disso os Guarani buscam estabelecer um diálogo incansável com a nossa sociedade para que sejam ouvidos, compreendidos e tenham seus conhecimentos respeitados. Palavras chave: Guarani, etnobotânica, conhecimento, mitos, unidade de conservação. (lugalante@hotmail.com) Rita de Cássia Maria Neves (DAN/UFRN) Articulação entre saberes tradicionais e biomedicina nos índios Truká e Xukuru, em Pernambuco. Independente do grau de convivência, as populações indígenas utilizam de diversas práticas terapêuticas e interpretações acerca de sua doença. O principal problema que procuramos responder nesse trabalho é como as práticas de autoatenção, entre as quais incluímos as práticas biomédicas, atuam em diálogo ou em confronto com as Equipes Multidisciplinares de Saúde (EMS) nas áreas indígenas, possibilitando ou dificultando a execução da “atenção diferenciada” como proposta na legislação específica. Esse trabalho é resultado de uma pesquisa, com financiamento da FACEPE, que visa caracterizar a articulação entre os saberes tradicionais e a biomedicina na atenção à saúde nos Povos Indígenas de Pernambuco. Nesse texto apresentarei os resultados do trabalho realizado junto às EMS, nos índios Truká e Xukuru, Pernambuco. Quando falamos em atenção diferenciada, consideramos que a mesma deve ser pautada por um processo relacional de “tratamento e diálogo”, instrumento necessário para avaliação da atual política de saúde. (rcmneves@yahoo.com.br)

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Rafael da Cunha Cara Lopes (Saúde Coletiva/UNIFESP) Entre a Cura e o Tratamento: A complementaridade entre a biomedicina e as práticas tradicionais de cura dos Pankararu do Real Parque em São Paulo Os Pankararu vivem originalmente no sertão pernambucano, na região do submédio rio São Francisco, ou Vale do São Francisco. Sua área indígena está localizada entre os municípios de Tacaratu, Nova Petrolândia e Jatobá, dividida internamente em dois territórios (FUNAI, 1990 e 2000): Área territorial Pankararu, demarcada em 1996, e Área Territorial Entre Serras Pankararu, homologada em 2007 por intermédio de um decreto do Governo Federal, mas que ainda se encontra em situação de litígio para sua demarcação. Acompanhando o fluxo migratório das décadas de 1930 e 1940, conhecido como êxodo rural, caracterizado pela migração em massa de pessoas advindas do interior do país para as capitais da região Sudeste, alguns Pankararu – principalmente homens jovens – migraram para São Paulo. Em princípio, a maioria acumulava algum dinheiro em trabalhos temporários e voltavam à aldeia. Quando o dinheiro acabava migravam novamente e reiniciavam o ciclo (ARRUTI, 1996). Nas décadas de 1950 e 1960 esse fluxo foi acelerado e, com a chegada das esposas de alguns desses migrantes, iniciou-se a implantação dos primeiros núcleos familiares na cidade. O local de chegada na capital paulista era o bairro do Real Parque – às margens do rio Pinheiros, na Zona Sul da cidade – onde, junto com outros trabalhadores, apossaram-se de pequenos pedaços de terra que sobraram do loteamento original do bairro, em torno do alojamento destinado às obras do estádio Cícero Pompeu de Toledo do São Paulo Futebol Clube. A ocupação irregular do bairro formou uma favela, inicialmente conhecida como “favela da mandioca”, posteriormente assumindo o nome de “Favela Real Parque” (ALBUQUERQUE, 2010). Segundo dados da Associação SOS Comunidade Indígena Pankararu, atualmente são 670 Pankararu que vivem no Real Parque, além de uma população flutuante de 100 pessoas, que constantemente estão em trânsito entre São Paulo e Pernambuco, por vezes no mesmo movimento do fluxo migratório inicial, para visitar parentes, ou até mesmo, após atendimento pelo sistema público de saúde na capital paulista. Por sua importante organização política os Pankararu “paulistanos” se tornaram a primeira etnia indígena que vive em contexto urbano reconhecida pelo órgão indigenista oficial, a Fundação Nacional do Índio. Com isso ocorreram diversas conquistaram, entre elas, uma equipe do Programa Saúde da Família que presta atendimento exclusivo à etnia. Em um processo de ressignificação, o serviço oferecido por essa equipe foi incorporado a dinâmica de cura e tratamento dos rituais tradicionais Pankararu gerando uma relação de complementaridade entre as práticas. Na apresentação do trabalho buscarei analisar a articulação entre as práticas de medicina tradicional dos indígenas Pankararu que vivem na favela Real Parque, em São Paulo, e a biomedicina. Acompanhando como os Pankararu utilizam diversos recursos terapêuticos próprios para tratar as enfermidades que os acometem, sem que com isso deixem de utilizar os serviços biomédicos oferecidos pelo Estado. (rafaelcclopes@gmail.com) Nathally Pereira da Silva (Ciências Sociais UFRPE) Uma nova percepção: Agrofloresta como uma alternativa sustentável.

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Sabemos atualmente que uma grande proporção da Mata Atlântica já foi destruída e, que a natureza possui um ritmo muito mais lento em relação às necessidades de consumo da sociedade. Tendo em vista que esse fato é irreversível, é necessário que os seres humanos causadores dessa degradação - tentem amenizar essa situação no meio ao qual eles estão inseridos. Visando essa necessidade de reeducação entre o homem e o meio ambiente, é que se faz útil o sistema agroflorestal (SAF). A agrofloresta é um ato que induz o resgate entre o homem e a natureza, formando assim, uma sociedade sustentável. Segundo Lester Brown: “Uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz suas necessidades sem diminuir as perspectivas das gerações futuras” (Brown apud Capra, 2000). Nesse sistema agroflorestal, é possível reunir agricultura com conservação e recomposição ecológica. Nessa técnica alternativa do uso da terra, tenta-se proporcionar um rendimento sustentável ao longo do tempo. É possível reproduzir esse ecossistema perdido e, ao mesmo tempo, gerar uma agricultura sustentável, utilizando plantas do nosso consumo e auxiliando as plantas nativas a continuarem sua sucessão natural. Para isso utilizar o manejo adequado, ou seja, o conhecimento prévio tradicional. Esse saber local é muito útil para manejar corretamente a agrofloresta, pois é através dele que se expõe as distintas espécies da região, suas adequações ao ambiente e suas funções. Nessa situação, o saber tradicional é fundamental para existência de uma preocupação com o uso racional dos nossos recursos naturais, invés de só preocupar-se com a produção e o lucro imediato. Ao contrário, o SAF tenta proporcionar um rendimento sustentável ao longo do tempo. A maioria das pesquisas científicas da agricultura moderna, coerente com o paradigma dominante, tem sido dirigida para maximizar a produção, ao invés de otimizá-la, e para solucionar problemas de produção mais imediatos do que a resiliência ou sustentabilidade dos sistemas agrícolas. Tem-se enfocado apenas parte dos componentes do sistema agrícola ao invés do sistema como um todo e a avaliação dos seus resultados tem sido baseada primeiramente no retorno econômico a curto prazo e não na sustentabilidade do sistema a longo prazo. (PENEIREIRO,1999). O surgimento de novas técnicas que intencionam promover o desenvolvimento sustentável fazem parte da atual mudança de paradigma no campo científico e social. Recentemente, com as transformações climáticas, a exploração sem limites e o desenvolvimento da agricultura é notável essa nova idéia de estrutura social. Já não se trata apenas de uma visão “tradicional” “neutra”, e sim um posicionamento sócioambiental, de uma interferência humana na natureza a favor de ambos. Trata-se segundo Capra (2000, p.22) de: “uma mudança radical em nossas percepções, no nosso pensamento e nos nossos valores. E, de fato, estamos agora no princípio dessa mudança fundamental de visão do mundo na ciência e na sociedade, uma mudança de paradigma...” Esses valores dominantes que modelaram a nossa cultura por centenas de anos, vai sendo aos poucos ocupada por uma visão de mundo holística que: “concebe o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção de partes dissociadas,” (Capra, 2000). Assim, notamos que o conhecimento é uma ferramenta transmitida de geração em geração, o que explicaria uma evolução social do mesmo, o que recorre a elementos sócio-histórico-culturais, contradizendo o paradigma tradicional científico. Isso se trata do habito social que nada mais é, que o desenvolvimento do caráter específico de um indivíduo que o compartilha com os demais. Essa partilha de concepções viabiliza processos de trocas e experiências, substituindo aquele conhecimento tradicional que vem sendo preservado ao longo do tempo, e dá espaço a uma visão de transformações que vêm atravessando o processo histórico do conhecimento científico das sociedades e da natureza. Palavras-chave: agrofloresta; sustentabilidade; paradigma. (nathallysilvap@gmail.com)

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Jeruza Jesus do Rosário (UNEB) Saberes Afro-Brasileiros e o Trabalho Pesqueiro Feminino Este trabalho realiza-se na Resex Baía do Iguape, localizada no Recôncavo Sul Baiano. Nestes estudos, retrata-se o cotidiano das pescadoras na Resex Baía do Iguape em seu espaço, a percepção que estas mulheres possuem de si próprias neste espaço e a relação delas com o meio ambiente. Através da observação do espaço vivido, e sob o prisma da ciência geográfica, procurei diagnosticar a representação desse ambiente como cenário de vida e de trabalho, assim como o papel dele como mediador na transmissão de conhecimentos. Metodologia A pesquisa se desenvolveu a partir de reconhecimento do espaço de vida e de trabalho da mulher pescadora, levantamento fotográfico e o uso de entrevistas semi-dirigidas. Buscou-se privilegiar o uso da história oral visando a apreensão do modo de vida destas mulheres, suas vivências, o trato com a família, o modo de realização de seu trabalho, o modo como esta percebe e age no seu espaço. Questões Norteadoras Há a crença de que as comunidades tradicionais estão mais próximas da natureza e são motivadas por uma ética de conservação. Essa ética de conservação está, vejo eu, calcada nos paradigmas de imaginário, topofilia, relação sociedade versus natureza, visão holística, espiritualidade, afetividade, cultura e ecologia social, entre outros. Consoante a isto, tem-se que os processos educativos no candomblé, por exemplo, são concebidos por meio de uma educação integral. Melhores perspectivas se delinearam nas últimas décadas, já que se desenvolveram bastante e positivamente as pesquisas sobre “povos tradicionais”, sobretudo os desafios e conflitos em que estão inseridos, numa perspectiva interdisciplinar, construindo assim interfaces entre as ciências sociais e as ciências da natureza . Resultados As pescadoras constroem o seu espaço não apenas quando buscam o sustento, como também quando cuidam do seu meio, de seu lar e de sua família, o que abre possibilidades para a construção de uma educação que realmente empreenda uma reconstrução social. Para Pádua e Tabanez , a educação ambiental propicia o aumento de conhecimentos, mudança de valores e aperfeiçoamento de habilidades, condições básicas para estimular maior integração e harmonia dos indivíduos com o meio ambiente. Creio que trilhando caminhos de análises que levam em conta outras cosmovisões étnico-raciais, torna-se muito mais fácil a apreensão de valores como o da solidariedade com o planeta e com a própria humanidade rumo aos verdadeiros princípios da sustentabilidade. A Mãe-Terra sempre se colocou de forma muito generosa com seus habitantes e é chegada a hora de retribuir as dádivas concedidas, privilegiando a ideia de que nossas crenças podem sim ajudar no processo de revisão de comportamento humano para com a Natureza. Palavras-Chaves: pescadoras; saberes afro-brasileiros; sustentabilidade. (jeruzarosario@hotmail.com) Hélder Ferreira de Sousa (Turismo UFPI) A experiência da Associação Itacoatiara no PCPR: etnicidade e desafios à gestão indígena no Piauí O trabalho pretende investigar o seguinte contexto. A iniciativa de criar a Associação Indígena Itacoatiara, a primeira organização indígena do Piauí, teve como base a idéia de acesso à terra, pelas famílias indígenas do município de Piripiri – Piauí, através do Programa de Combate à Pobreza Rural – PCPR, programa de financiamento para compra e aquisição de terras através de organizações sociais, com recursos provenientes do Banco Mundial. Um dos motivos de interesse para adquirir a terra através deste programa foi a possibilidade de um “tratamento diferenciado” do grupo de famílias indígenas. Apesar do apoio de parte

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dos atores estatais em sua execução, a possibilidade desse tratamento diferente não existiu de fato, dado que há dificuldades da parte do próprio estado de lidar com a questão indígena no Piauí. Este fato é relevante em sentido de apresentar-se como impedimento de acesso e à ampla gestão por parte da organização. (hintwoi@ufpi.edu.br)

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GT III Museus, coleções e patrimônio cultural Coordenadores: Elaine Müller, Luiz Antônio e Bartolomeu Tito Figueirôa Alexandre Gomes (DAM-UFPE) Os Museus Indígenas e a Antropologia Nativa. Povos indígenas vêm se apropriando crescentemente da construção de espaços museológicos para o fortalecimento de sua organização política em todas as regiões do Brasil e do mundo. Se, “A tarefa da antropologia agora é a indigenização da modernidade” (SAHLINS, 1997), acreditamos que, através destes museus, constroem uma “antropologia nativa” (ABREU, 2007) que antropofagiza meios, técnicas e processos de representação, protagonizando a musealização dos seus patrimônios (memória, território, coleções) Consideramos musealização a projeção no tempo, em perspectiva processual e com visibilidade social, de fenômenos originados no fato museal: a relação homem-objeto em um cenário (RUSSIO, 1981) Algumas conhecidas experiências de protagonismo indígena na gestão do patrimônio e dos processos de musealização merecem destaque: o Museu Maguta dos Ticuna (FAULHABER, 2007; ABREU, 2007; FREIRE, 1998), o Museu dos Povos Indígenas do Oiapoque – Kuahí (CASTRO,VIDAL, 2001), os museus indígenas no Noroeste da América do Norte (Museu e Centro Cultural Kwagiulth e o Centro Cultural de U‟mista) (CLIFFORD, 2009), a rede de museus comunitários mexicanos (HERSCH, OCAMPO, 2004), entre outras. Entretanto, não encontramos na bibliografia histórica e antropológica, conceituações acerca dos museus indígenas, espaços polifônicos que primam pela especificidade local. Não há um tipo ideal de museu indígena. O que existem são diferentes formas de se apropriar deste espaço para a construção de memórias da diversidade e de estratégias relacionadas com a constituição das fronteiras identitárias (BARTH, 2000), de acordo com a multiplicidade étnica de cada realidade. Nestes museus, indígenas “não recusam a história: eles se propõem a responder por ela; pretendem orquestrá-la segundo a lógica de seus próprios esquemas” (SAHLINS, 1997) O Museu dos Kanindé é uma possibilidade. Foi criado em 1995, no Sítio Fernandes, zona rural de Aratuba (região serrana do maciço de Baturité – CE), região de um antigo aldeamento jesuítico do século XVIII. No mesmo ano de abertura do museu, um pequeno grupo de parentesco iniciou as mobilizações que resultaram na organização de um movimento de auto-afirmação étnica nos “Fernandes”, o que nos permite refletir sobre as relações entre dinâmicas identitárias, memória e cultura material. Um de nossos desafios é compreender e conceituar museus indígenas, dialogando com a antropologia contemporânea, cruzando as perspectivas dos modernos estudos sobre etnicidade com a antropologia dos objetos, conectados pelas reflexões de Marshall Sahlins, sobre história e cultura. (amanayparangaba@yahoo.com.br) Jéssica Francielle da Silva (Museologia - UFPE) A Ressignificação de Objetos Etnográficos no Processo de Musealização O presente trabalho trata-se de uma reflexão acerca dos sentidos atribuídos aos objetos etnográficos no processo de musealização. Os museus são espaços privilegiados de poder e

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memória, e é através da retórica dos discursos que se sustentam determinadas verdades historicamente construídas, a partir das relações de poderes entre pesquisadores e os “outros”. Desse modo, os objetos etnográficos são resultantes de relações de poder que constroem memórias, significados e atribuições (ou não) de importância aos objetos. A narrativa construída em uma coleção etnográfica é resultante de um olhar sobre o "outro" estudado, conhecido, pesquisado. Os sistemas classificatórios e as reclassificações dos objetos, que ocorrem com o processo de musealização, são construções sociais que se dão a partir dos olhares que os curadores têm sobre a cultura material, muitas vezes influenciando sobremaneira a forma como são apreendidos no espaço museológico. Os museus históricos oficiais ou tradicionais, criaram imaginários próprios para a nação e a eles associaram objetos representantivos dos grupos sociais privilegiados política e economicamente. Assim, musealizaram “uma história” para o Brasil. A partir do modelo de história construído pelo Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB), num momento em que concepções evolucionistas classificavam como inferiores ou atrasados os "outros" etnográficos, vão se construir grande parte das representações das coleções etnográficas e do que entendemos como história do Brasil (oficial), que estarão musealizadas em objetos das elites. A recontextualização dos objetos, com a atribuição de novos sentidos, gera tensões e confrontos, entre funções originais e a sua reinvenção, o que pode ser chamado de “violência museal”. Percebemos os museus como locais de produção, circulação, recepção e apresentação dos objetos étnicos. Desse modo, reforçamos a importância de exercitar um olhar crítico sobre as exposições e os objetos, lendo nas entrelinhas as facetas dos discursos dominantes. (jessica.francielle1@hotmail.com) George Michael Alves (PPGA – UFPE) Os Bacamarteiros de Caruaru: Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro. A nossa carta magna em seu artigo nº 216 diz: “Constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. O ano é 1988. Mesmo antes, em 1922, o movimento modernista já trazia a preocupação com a valorização da cultura brasileira. Só no ano 2000 é que foi feito um Decreto, o de nº 3551, que instituiu o registro de bens culturais de natureza imaterial. De acordo com Roque de Barros Laraia: “é ele uma manifestação tardia por parte do Estado em reconhecer o valor de nosso patrimônio cultural imaterial”. É importante levar em consideração que houve ações importantes por parte do estado, um exemplo é a criação do SPHAN – Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Porém, inicialmente, a preocupação era com os monumentos, o chamado patrimônio de “pedra e cal”, em detrimento das manifestações culturais, com o argumento de que os monumentos estariam em iminência de desaparecer, devido a ação do tempo e sem uma política de preservação, o que não aconteceria com as manifestações imateriais. O conceito de Patrimônio Cultural para Cecília Rodrigues (Oliveira, 2004), está intimamente relacionado ao conceito de cultura, como tudo o que caracteriza uma população humana ou como um conjunto de modos de ser, viver, pensar e falar de cada formação social. No Brasil, o assunto “patrimônio” vai aparecer na década de 1930, com o trabalho efetuado por Mário de Andrade, depois com o Projeto Pró-Memória, de Aloísio Magalhães No entanto, o patrimônio cultural-imaterial só terá uma maior atenção no encontro realizado na cidade de Fortaleza/CE, no ano de 1997 – quando foi redigida a “Carta de Fortaleza”. Recentemente

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é que estudiosos da área de patrimônio e instituições do Estado ligadas ao tema tem se preocupado em proteger bens culturais, que apresentam as diversas expressões formadoras da identidade nacional, buscando formas legais de preservação e salvaguarda desses bens, e de um instrumento técnico que estabeleça uma identificação sistemática: O INRC- Inventário Nacional de Referências Culturais, implantado no ano de 2000. Neste estudo, pretendo verificar a importância dos grupos de Bacamarteiros, especificamente os da cidade de Caruaru, agreste do estado de Pernambuco, percebendo esta tradição centenária que tem origens que remontam ao final da Guerra do Paraguai (1865), como “Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro”; conforme indicação de obra consultada e referência na temática, um livro escrito na década de 1960, intitulado: Bacamarte, Pólvora e Povo”, do pesquisador Olímpio Bonald Neto. Bacamarte é uma arma de fogo, de cano curto e largo, reforçada na coronha, definição dada no dicionário. Segundo o pesquisador Olímpio Bonald Neto “Bacamarte, boca-de-sino, reiuna – reúna, riuna, granadeira ou simplesmente BACAMARTE, são termos profundamente arraigados ao vocabulário regional do nordeste”. Justificando, assim, a popularização da arma no nordeste brasileiro, citada em obras de escritores, a exemplo de Euclides da Cunha, com “Os Sertões” (1929), e Mário Sette, com “A Filha de D. Sinhá” (1927) Na cidade de Caruaru há uma forte tradição em festas juninas, são trinta dias de comemoração aos santos católicos: Santo Antônio, São João e São Pedro, algo que está intimamente ligado aos Bacamarteiros, pois suas apresentações são quase que exclusivas neste período e vários grupos se apresentam reverenciando aos santos neste mês, por toda a cidade. Durante o período, podemos ver pelas ruas e avenidas da cidade o desfile de “Batalhões” de Bacamarteiros, cada um com seu “capitão” e seu “número”, como por exemplo o de nº 333, um dos mais tradicionais da cidade. Trajam uma farda de cor azul, lenço vermelho no pescoço, chapéu de palha ou couro, Bacamarte a tiracolo e um bisaco de munição. Tendo em vista que essa tradição acontece em outras regiões do estado e do Nordeste Brasileiro, o recorte deve-se ao grande número de grupos na cidade de Caruaru. Portanto, a contribuição inicial deste estudo é tentar entender como os grupos de Bacamarteiros estão: “simbolicamente associados às idéias de “identidade” e “memória” nacional” (GONÇALVES, 2007) De acordo com a idéia de “aura” formulada por Walter Benjamin, há nos grupos uma ênfase na “singularidade” e na “permanência”, pois “a aura de um objeto está associada a sua originalidade, a seu caráter único e a uma relação genuína com o passado”. De acordo com Aloísio Magalhães: “entre os bens imóveis e móveis preservados pelo valor histórico e os bens culturais particulares de criação espontânea individual que compõem nosso acervo artístico, existem bens e manifestações populares que não são reconhecidos, nem pela primeira nem pela segunda categoria que, no entanto, é a alma viva que faz pulsar a nação”. Portanto, o presente trabalho pretende verificar qual a posição ocupada pelos grupos de Bacamarteiros na cidade, dentro do contexto das diversas manifestações culturais locais. (george_michael_a@hotmail.com ) Luciana Gama (PPGA – UFPE) "Negro Brasileiro Negro": Como Entendemos Este Patrimônio? O presente trabalho tem como objetivo realizar uma revisão de alguns artigos da Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, do IPHAN, intitulada “Negro Brasileiro Negro” (nº 25) do ano de 1997. Vale salientar que a temática que liga e envolve toda essa publicação, entre resenhas e ensaios fotográficos, é voltada para as questões do patrimônio

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nacional e a importância da influência negra no reconhecimento e registro do mesmo. De acordo com Lucia Lippi, “Quem diz patrimônio, diz herança!”, de tal modo, neste número da revista a herança negra é discutida e descortinada, baseada nas diferentes cosmologias, corporalidades, consumo e tradições afro-brasileiras. (lcn.gama@gmail.com) Marcela Lidianny do Amaral (Turismo – UFPE) Avaliação da Qualidade dos Serviços Turísticos Através da Escala Servqual/Histoqual: um Estudo Sobre a Casa – Museu Magdalena e Gilberto Freyre. O presente estudo de caso revela sobre a necessidade dos museus serem entendidos como equipamentos de consumo do Turismo Cultural, a partir da metodologia da ferramenta da qualidade SERVQUAL e na adaptação desta para o chamado modelo HISTOQUAL, na avaliação da qualidade de serviços turísticos em locais de representação cultural e turística da capital pernambucana. Para isto, a Fundação Gilberto Freyre foi escolhida por ser uma instituição de notável reconhecimento e pelo trabalho eficiente na busca da posição da imagem de Recife como uma cidade cultural. O estudo se estruturou como pesquisa bibliográfica, avaliação documental e aplicação de questionário, utilizando a metodologia SERVQUAL/HISTOQUAL ,para então realizar o estudo de caso. Primeiro, pesquisou-se sobre a qualidade de serviços, turismo cultural e museus, ferramentas da qualidade, modelo SERVQUAL, adaptação para o HISTOQUAL. Estes temas formaram os subsídios principais para a discussão e finalmente a sugestões de uso de algumas ferramentas e estratégias de planejamento. O turismo cultural é uma variável do fenômeno turístico que tem como fim “o conhecimento de monumentos e sítios histórico-artísticos” (Carta de Turismo Cultural - ICOMOS, 1976) Além de ser uma prática, efetivamente, de lazer, o turismo, quando se apropria da cultura como carro-chefe, estimula o desenvolvimento local no tocante à informação histórico-cultural, a socialização, gera identidade, reconhecimento de pertencimento na própria comunidade, além de ser uma das áreas da atividade, quando bem planejada, com maior efeito positivo e diminuição dos impactos negativos locais. (WELLEN, 2009) (marcela.turismope@hotmail.com) Herivaldo Galvão Araujo (Hotelaria e Turismo – UFPE), Isabela Andrade de Lima (Hotelaria e Turismo – UFPE) Turismo Étnico em Equipamentos de Turismo Cultural Este artigo é resultado da pesquisa de iniciação científica financiada pela FACEPE/CNPq, intitulada “Turismo Cultural: Os Museus de Pernambuco e seus Potenciais Turísticos”, que pretende analisar os museus de Pernambuco enquanto equipamentos turísticos, tendo como escopo inicial a análise do Museu do Homem do Nordeste. Localizado na capital do estado de Pernambuco e fundado em 1979, a partir da junção dos acervos dos antigos: Museu do Açúcar, Museu de Antropologia e Museu de Arte Popular, o Museu do Homem do Nordeste possui um acervo de mais de 15 mil peças que revelam a influência da cultura indígena, européia, negra e sertaneja, na formação do Nordeste brasileiro. Este museu é ligado à Fundação Joaquim Nabuco. Academicamente, é dito que turismo cultural configura as “situações onde o papel da cultura é contextual, onde seu papel está para moldar a experiência do turista de uma situação em geral, sem um foco particular sobre a singularidade de uma identidade cultural específica” ou seja, “sem o engajamento de grupos étnicos que buscam produzir uma

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identidade a ser comprada pelos turistas”. Dentre as definições de turismo cultural, o turismo étnico é enfatizado como um subproduto. O conceito clássico de etnia remete a noção de origem, cultura, práticas sociais e raça, onde se considera o patrimônio histórico e cultural como elemento de identidade e diferenciação de um determinado grupo, bem como as interações sociais que ocorrem entre este grupo e a sociedade em seu entorno. Esse tipo de turismo envolve as comunidades representativas dos processos imigratórios europeus e asiáticos, as comunidades indígenas, as comunidades quilombolas e outros grupos sociais que preservam seus legados étnicos como valores norteadores de seu modo de vida, saberes e fazeres. O turista busca, neste caso, estabelecer um contato próximo com a comunidade anfitriã, participar de suas atividades tradicionais, observar e aprender sobre suas expressões culturais, estilos de vida e costumes singulares. Muitas vezes, tais atividades podem articular-se como uma busca pelas próprias origens do visitante, em um retorno às tradições de seus antepassados. O Museu do Homem do Nordeste atende a estes preceitos do turismo étnico desde a sua fundação, visto que não surgiu como casa-depósito de artefatos antigos, já sem função na sociedade; nasceu então com uma proposta étnica, cultural, sócioantropológica, que pretende demonstrar traços da cultura do homem do nordeste brasileiro. Fato evidenciado na fala do escritor e antropólogo Gilberto Freyre, em texto escrito em meados da década de 1980, para um projeto de catálogo do museu, presente hoje no livro Museus do Homem do Nordeste, que diz: “Nenhum desses museus brasileiros (visto que citara outros museus) realizou, ou realiza, funções que se assemelhem, em abrangência, no setor da Antropologia, alongando noutros setores, às que desempenha o Museu do Homem do Nordeste, da Fundação Joaquim Nabuco, sob critério principalmente socioantropológico, ao mesmo tempo que ecológico e histórico-social. Reúne documentação significativa, acerca do passado, da vida e da cultura de uma região tradicionalmente agrária, embora que pastoril (...) O Museu do Homem do Nordeste, pela sua abrangência e por suas originalidades, pode ser considerado museu principalmente sócio-antropológico de um novo tipo: inclusive por seu apoio sobre a ecologia tropical. Com características inteiramente próprias. Inconfundivelmente novas.” O museu mantém a sua proposta até os dias atuais, tanto que seu acervo é dividido em quatro grandes áreas, referentes ao acima citado: 1) Primeiros Habitantes: trata dos objetos da época indígena e do Brasil-colônia; 2) Religiosidade: desde o catolicismo popular aos apetrechos das religiões africanas; 3) Artes e Ofícios: a maior parte trás desde as peças de cerâmicas, a xilogravura e o cordel etc.; 4) Festas: onde se expõe itens da manifestação popular. A preocupação em manter a identidade sócio-antropológica do museu também aparece nos objetivos da nova exposição de longa duração: “Produzir uma nova exposição de longa duração para o Museu do Homem do Nordeste, contextualizada e pedagógica, que promova a compreensão e o respeito às diferenças regionais brasileiras, através do acervo histórico e antropológico do Museu; busque reintegrar os objetos à sua natureza original e auxilie o entendimento do que constitui a identidade nordestina, integrada ao conceito de nacionalidade brasileira.” Rodrigo de Azeredo Grünewald atesta que existem formas de turismo que “tomam por objeto aspectos de identidade e alteridade”. Esse choque cultural que o museu oferece é um dos maiores fatores de atração turística visto que o “(...) que se constrói como foco da visitação turística está na procura pelo diferente, pelo exótico, pelo outro que, na verdade, é buscado desde o início das jornadas turísticas”, tais como a prática de visitação ao Museu do Homem do Nordeste. (galvao_16@hotmail.com) Eliane Maria Gonzaga (Licenciatura Intercultural Indígena, OPIT – Organização dos Professores Indígenas Truká)

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Cultura Material e Imaterial Truká A Etnografia Indígena Truká atinge o objetivo de contribuir com todos aqueles que se dedicam ao campo da história indígena, ao indigenismo e aos movimentos indígenas. Ela serve, ainda, àqueles que estudam o patrimônio cultural do povo Truká, de um modo geral. Por outro lado, o registro colabora com a importância de se preservar a memória, reproduzindo-a, com a participação da comunidade. Ao longo de toda colonização do povo indígena Truká, foram gerados inúmeros conflitos de várias origens, tais como: antropológico, étnico-cultural, fundiário, sócio-ambiental, histórico, entre outros. O que levou a essa população a perdas de espaços territoriais, populacionais, associados a outros agravos, relacionados à questão de saúde, educação, moradia, subsistência e, principalmente, cultural, material e religiosos. Foram muitos os processos de discriminações enfrentados pelos Truká ao longo de sua trajetória. Contudo, o povo vem vivenciando processos de autonomia e reafirmação de sua identidade étnica e cultural. E foi transformando a natureza em arte, que os Truká hoje são olhados como Povo do Rio, com uma especificidade ímpar. A cultura imaterial tem uma ligação direta e indireta com a religiosidade, associada a seu respeito pelo rio São Francisco, ao território sagrado, aos rituais e manifestações religiosas, como o Toré, Mesa, Particular, São Gonçalo, Reisado, Penitentes e outros. Para o povo Truká, a cultura imaterial vem da terra, das águas, da caatinga, dos encantados, dos mitos, são nelas que buscam sua fonte de sabedoria e as preservam dentro de si. Percorrem o velho Chico pelo mato, pela terra, pelo passado histórico do povo: a exemplo das ruína de igrejas, de cemitérios, furnas, cafurnas, pedras e ilhas, fontes de vivência e sobrevivência da história. Ou, ainda, da fonte subsistência que não provém somente da agricultura, da pesca, da caça. Os Truká sobrevivem do que fazem com amor, da natureza tiram a matéria prima pra desenvolverem sua arte, expressa no barro, na palha, no macará, no puja, cataioba, quaqui e tantos outros. O projeto idealizado pelos professores e professoras Truká, sobretudo, é um magnífico trabalho, sendo compostos de entrevistas, relatos, diálogos, registros fotográficos e trabalhos em campo com os indígenas da comunidade. Cultura imaterial é uma concepção de patrimônio cultural que abrange as expressões culturais e as tradições de um grupo de indivíduos, que a preserva em respeito da sua ancestralidade para as gerações futuras. O povo Truká representa até os dias atuais as diversas formas de Cultura Imaterial, sejam nos rituais sagrados, nas matas, no rio e em todas as manifestações. A TERRA, por exemplo, é fonte de resistência cultural e espiritual, trabalhar com ela para os Truká tem uma simbologia que somente o próprio povo consegue explicar. Assim, isso é expresso na trajetória de Dona Bernadete (2010), que tem 46 anos e trabalha com o barro desde criança. Aprendeu com sua mãe e deseja repassar para seus filhos. Atualmente, trabalha ensinando o que aprendeu, nas escolas do povo. Segundo ela, trabalhar com o barro é muito mais que ver pronto sua escultura ou as panelinhas. A simbologia e importância que esse trabalho traz é a de manter viva uma cultura milenar, desde o buscar o barro no rio (para o quê a própria caminha horas), até sentir o barro entre os dedos. Para dona Bernadete, não tem sensação igual, gosta do que faz porque se sente bem fazendo. (elianegonzaga04@hotmail.com) Tatiana Maria da Silva (Turismo – UFPE), Isabela Andrade de Lima Morais (DHT/UFPE) A Casa Museu Magdalena e Gilberto Freyre e Seus Potenciais Turísticos

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A pesquisa pretende analisar a Casa Museu Magdalena e Gilberto Freyre, com a finalidade de criar possibilidades para torná-la atrativo turístico e inserí-la como roteiro de destino cultural. A Casa - Museu Magdalena e Gilberto Freyre é uma construção original do século XIX, reformada em 1881 e adquirida em 1930 por Gilberto Freyre, que manteve seu estilo colonial. Trata-se de um espaço que retrata o cotidiano de seu antigo morador, Gilberto Freyre, mas que, ao mesmo tempo, é um testemunho da vida pernambucana. O acervo revela traços da cultura e da sociedade pernambucana, sendo um importante atrativo turístico do Estado. Através da aplicação e análise de questionários de demanda turística, iremos identificar o perfil do turista cultural que visita este equipamento. Pensar os museus e sua relação com o turismo é algo essencial tanto para o desenvolvimento econômico, quanto para o desenvolvimento social e cultural, já que o turismo pode contribuir para a revitalização da identidade cultural, para a preservação dos bens culturais e das tradições. (tatimaria3@gmail.com; isamorais_@hotmail.com) Brena Barros (Arqueologia – UNIR), Tony Loss (Arqueologia – UNIR), Cliverson Gilvan Pessoa da Silva (Scientia Consultoria Científica), Silvana Zuse (Scientia Consultoria Científica) Cultura Material e Conservação: a Curadoria das Coleções Arqueológicas e Etnográficas do Museu Estadual de Rondônia (MERO) O Museu Estadual de Rondônia (MERO), fundado em 1965 em Porto Velho, abriga coleções arqueológicas e etnográficas representativas do universo da cultura material indígena do estado, adquiridas através de doações por parte de pesquisadores e membros da sociedade civil. Em 2010, a partir de uma parceria entre a Scientia Consultoria Científica e a Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer do Estado de Rondônia (SECEL) foi iniciado o Projeto de Curadoria e Organização dos Acervos Paleontológico, Pré-histórico, Histórico e Etnográfico do Museu Estadual de Rondônia. A curadoria, em andamento, visa à higienização, descrição, criação de um banco de dados e catalogação das coleções proporcionando, por conseguinte, condições adequadas que objetivam a minimização do processo de deterioração inerente aos acervos. O acervo do MERO é composto por coleções arqueológicas de diferentes regiões do estado: vasilhas cerâmicas inteiras de diferentes tamanhos e formas, peças líticas, oriundos de vários municípios de Rondônia, como lâminas de machado polidas, mãos-de-pilão e peças cerâmicas, zoomorfas e antropomorfas. Dentre os materiais etnográficos, destacam-se os trançados, arcos e flechas, bordunas, cocares de variadas etnias indígenas do Estado de Rondônia, dentre os quais os Suruí, Karitiana, Zoró e Pakanova. Os acervos museológicos, ademais de sua função de fonte primária de estudos básicos e aplicados, servem como testemunho histórico do desenvolvimento científico e cultural. A sua boa conservação, contribuirá para a disseminação do conhecimento da história regional, participando deste modo do processo de construção da identidade. (caroline.capv@hotmail.com;cliverson.gilvan@gmail.com; tonyloss@msn.com;silvana.zuse@yahoo.com.br) Maria das Vitórias (Museologia – UFPE) A Obrigatoriedade do Ensino da Cultura Indígena na Sala de Aula: a Lei da Invisibilidade – Um Estudo de Caso

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Sancionada pelo então presidente Lula em 10 março de 2008, a lei Nº 11.645 impõe, no Art. 26-A, que “Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”. Porém, a presença dessas minorias étnicas em materiais didáticos (livros, DVDs etc.) é quase nula, o que dificulta ao professor pôr em prática esta Lei. Tal ausência reforça a invisibilidade dos povos indígenas para a sociedade. Após uma visita monitorada ao Museu do Homem do Nordeste, os alunos do 8º Ano A/B (7ª série) da escola em que ensinamos tiveram como missão retratar o que mais lhes chamou a atenção no passeio. Num grupo de aproximadamente 60 adolescentes, apenas um referiu-se ao índio. Refletir sobre a construção social de imagens sobre populações indígenas a partir de espaços museológicos é o objetivo desta apresentação, a partir do estudo deste caso específico.(mvitoriat@hotmail.com) Iza Rayana (Museologia – UFPE) Maracatu, Patrimônio e Musealização em Nazaré da Mata O presente trabalho pretende refletir sobre a formação do Centro Cultural Mauro Mota, localizado no município de Nazaré da Mata, zona da mata pernambucana. Percebemos que a construção deste Centro vem proporcionando uma série de transformações sociais em Nazaré da Mata, a partir de relações estabelecidas entre um espaço musealizado e a população do município. Neste espaço, a população, estimulada pela Prefeitura Municipal, organiza empréstimos e expõe peças de diferentes grupos de Maracatu, de forma rotatória, com o objetivo de propor mais visibilidade a eles. Nosso objetivo é refletir, a partir da relação entre população e o Centro Cultural, acerca das concepções de patrimônio cultural (material e imaterial) e de como elas estão sendo construídas nesse ambiente museal. Com a musealização, os objetos passam de indumentária do maracatu à acervo museológico. Com este deslocamento, percebo que novos sentidos são atribuídos aos objetos, mesmo que, posteriormente, retornem aos corpos brincantes, para exercer uma função original, de traje de Maracatu. (izarayana@hotmail.com) Viviane Valença (Museologia – UFPE) A (Auto)Representação do Negro no Espaço Museológico:O Caso do Museu da Abolição – Recife (PE) É consenso entre os pesquisadores da memória social no Brasil, que a imagem sobre o negro que foi sendo construída em nossa sociedade privilegia determinados aspectos das suas experiências históricas como sujeitos sociais. (BITTENCOURT, 2008; CUNHA, 2008; SANTOS, 2008) Representados muitas vezes de forma pejorativa, aparecem em segundo plano, coadjuvantes da colonização, como força de trabalho, enquanto escravos. Esta é a imagem predominante dos negros nos espaços museológicos: foram apresentados através de objetos e documentos relacionados, de uma forma ou de outra, com uma condição de trabalhador escravizado. Os museus e instituições culturais apresentam-se como chave no processo de produção de imagens e imaginários, sendo necessário analisar os conteúdos e as formas de representar o negro em suas exposições. O presente trabalho tem por objetivo propor novas abordagens expositivas sobre questões da cultura negra a partir do estudo da (auto) representação de grupos religiosos de matriz africana no espaço

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do Museu da Abolição. Este museu traz uma inovadora proposta a partir do seu projeto de elaboração participativa (“Exposição em Processo”), que estimula a participação da sociedade na construção de sua exposição de longa duração. Através de pesquisas bibliográficas, analisaremos tais processos, incentivando novas formas de representação, de construção e de apreensão de discursos sobre cultura africana e afro-brasileira e suas inserções em nossa sociedade. (vivianne.valenca@gmail.com) Raíssa Souza (Museologia – UFPE) Entre o Quilombo e o Museu: Analisando Estereótipos e Representações Sobre o “Outro” Vivemos numa sociedade na qual os estereótipos ainda são, muitas vezes, as bases para a percepção sobre os “outros”, principalmente quando esses outros são comunidades indígenas e quilombolas. Somos condicionados a olhar para as diferenças tendo como parâmetro único nossa própria visão de mundo, muitas vezes naturalizada como verdadeira e “correta”. A partir desse foco, apresentaremos reflexões comparativas, provindas de uma experiência pessoal, no Quilombo Kalunga, interior de Goiás, e do trabalho como monitora, no Museu da Abolição (MAB), Recife (PE) Quais as expectativas criadas numa visita ao Museu da Abolição? Quais objetos pais e-ou professores esperam encontrar para ilustrar (e confirmar?) seus discursos? Qual é a reação das pessoas quando esses modelos não conferem com a realidade em questão? Isso resulta em frustração ou numa incitação? Será possível desconstruir os discursos dominantes historicamente? Muitas vezes, estes discursos são materializados nos espaços museológicos, através dos objetos. Buscando atentar para uma “educação do olhar”, ressaltamos a diversidade da realidade social e, principalmente, o reconhecimento da alteridade nos "outros" que, muitas vezes, podem ser nós mesmos. Portanto, questionamos: será possível construir um olhar plural num espaço no qual nunca houve uma “democracia de memórias”? (souzaraissaa@gmail.com ) Eliane Soterio (Museologia – UFPE) Pensando a Representação dos Negros nos Museus Brasileiros Nas representações construídas sobre a história do Brasil nos museus nacionais, muitas vezes, negros foram apresentados através dos objetos de torturas, refletindo determinada posição social historicamente ocupada na sociedade, modelo que, em linhas gerais, ainda é seguido até os dias de hoje. Seja nas pinturas, nas esculturas ou no conjunto da expografia dos museus tradicionais, o que está sendo representado é o poder e o domínio do branco sobre ele, lhe oprimindo, aniquilando imagens de uma postura ativa socialmente. Domínio este, representado por objetos provenientes das elites nacionais: sejam os objetos de torturas, usados para aprisionar escravos, sejam o ouro, a prataria, as vestimentas, que retratam o luxo e a ostentação dos antigos senhores de engenho, os novos burgueses, ou seja, a elite brasileira. (eliane.soterio@gmail.com) Anderson Santos (Museologia – UFPE) O Xangô no Museu do Estado de Pernambuco: a História de Uma Coleção, Entre o Significado Antropológico e a Folclorização

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Visamos ensaiar uma genealogia histórico-antropológica das forças que atuaram sobre a “Coleção de Culto Afro-Brasileiro – Um testemunho do Xangô pernambucano”. O Museu do Estado de Pernambuco salvaguarda esta importante coleção afro-religiosa, cujamaior parte dos objetos encontram-se guardados em reserva técnica: de 307, apenas 57 estão à mostra. O antropólogo e museólogo Raul Lody se debruçou sobre peças desse acervo e, por meio de seus estudos, remontou a situações nas quais esses objetos faziam parte de cultos afro-pernambucanos. A atuação de Lody na compilação de um catálogo foi e é de grande importância, em se tratando da representação do culto afro – pernambucano e dos terreiros de Xangôs, embora a própria exposição do MEPE careça de maior preocupação, organização e informação quanto a este acervo. Essa coleção foi adquirida nos terreiros do Recife da década de 1930, apreendida em meio à repressão sustentada no período do Estado Novo, implementado em Pernambuco pelas mãos do interventor Agamenon Magalhães. Em 1984, Lody descreve a coleção como um conjunto de peças de grande valor, que atestam a vida religiosa dos Xangôs. Assegura, também, que cada objeto representa uma intenção de culto, onde se incluem vários níveis de sincretismo com as imagens de santos católicos (Lody, 1983, p.15) O acervo é constituído de peças de diversos tipos e suportes, de tecidos a metais. Segundo Lody, temos as pedras sacralizadas, otás ou itas que, na liturgia do terreiro, são a parte mais importante do assentamento, sendo guarnecida com objetos em barro, metal, tecido, contas, búzios e outros (Lody, 1983, p. 16) O estudo dessa coleção, por parte de Lody, apresenta a sua importância como objetos devocionais, sua forma de fabrico e sua finalidade enquanto objeto ritual. Consideramos de suma importância para o estudo de cultura material dos objetos, perceber seus significados simbólicos. Estabelecemos um olhar para a trajetória histórica destas peças: os discursos que foram se formando sobre elas por meio de políticas públicas, as ações efetivas de intervenção no seu destino, sua apropriação por vários atores sociais para fins diferentes dos que tiveram inicialmente, enquanto objetos de culto e, por fim, a composição da exposição do Museu do Estado de Pernambuco. Partindo de um histórico da coleção, chegaremos ao estudo de cultura material do objeto simbólico. O fim destes cultos afroreligiosos foi anunciada antecipadamente, de forma leviana e teoricamente ingênua, pelo fato de terem sido muitas peças queimadas na fogueira da intolerância religiosa, servindo como prova de crimes contra o “progresso nacional” ou contra a “saúde mental da nação”. Expostos para serem estudados como objetos de medicina, simbolizando doenças, em museus sobre psicopatas, assim como folclorizados por intelectuais evolucionistas, ao serem enviadas para São Paulo. Passando a ser estudados, a partir de 1940, como arte retrospectiva histórica, no Museu do Estado de Pernambuco. Curiosamente, apenas após 40 anos elas foram percebidas como coleção museológica, de acordo com o olhar antropológico de Lody. Atualmente, se encontram disponíveis para a apreciação da população em geral, dos seus originais donos e das novas gerações de adeptos do culto de matriz africana, que foram impelidos a entender e aceitar a opinião dos primeiros estudiosos oficiais dessa coleção, quem construiu o discurso sobre o valor das peças. Está evidenciada a intenção de direcionar a percepção para valores antropológicos, deixando de lado a análise histórica, que poderia enriquecer o seu repertório, evidenciando possibilidades diferenciadas para a apreensão da sua trajetória. (andersonhistoria@hotmail.com )

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Marcela Rodrigues Frutuoso de Cerqueira (Museologia – UFPE) Reflexões Sobre o Museu Etnográfico na Contemporaneidade Apresentarei algumas reflexões originadas da palestra ministrada por Martine Segalen, intelectual francesa, no “II Seminário Internacional Ciência e Museologia: Universo Imaginário” na UFMG. Tal comunicação trouxe à tona questões problemáticas sobre museus etnográficos, que passam por dificuldades de identidade e políticas públicas. Ao exemplo do Museu Nacional de Artes e Tradições Populares (Musée National des Arts et Traditions Populaires), criado por Georges-Henri Rivière na França, e que teve seu fechamento em 2005, após 70 anos de existência. Esta realidade nos possibilita refletir sobre os fatores que causam o desinteresse dos visitantes nesta tipologia de museus, tanto internacionalmente quanto no Brasil. Estes museus, quando não se adaptam à expografia e museografia modernas, provocam um afastamento crescente da sociedade e grandes problemas relacionados à sua "vida útil" como espaços museológicos. (marcelafrutuoso87@gmail.com) Maximiliano Roger Alves Oliveira Junior (Museologia – UFPE) O Papel da Antropologia nos Novos Museus Indígenas Este trabalho pretende abordar as problemáticas da nova relação entre antropologia e museologia a respeito, principalmente, dos povos indígenas. Neste novo momento, o antropólogo não é mais “unânime” nesta relação de poder, na qual ditará como o objeto, o “Outro”, será traduzido. Os novos etno-museus são construídos dentro do próprio povo, com ativa participação dos índios. Este trabalho pretende, então, questionar qual o papel do antropólogo mediante este novo panorama do museu etnográfico. (maxmilianoroger@gmail.com ) André Luiz Cordeiro Vieira (Museologia – UFPE) O Museu Étnico e as “Alteridades Mínimas” O artigo se propõe a discutir, por um lado, o foco étnico da Política Nacional Museus, no que diz respeito ao índio, e de outro, a emergência de uma antropologia de “alteridade mínima”. A partir da análise dessa tensão e de uma breve perspectiva histórica dos museus étnicos no Brasil, o estudo analisa a exposição Arte Indígena de Victor Brecheret, como paradigma para a compreensão das questões étnicas indígenas, tanto no museu, quanto na arte propriamente dita. O trabalho aponta para a necessidade de pensar novas formas de inserção dos grupos étnicos nas instituições de memória, tendo em vista o raso aprofundamento destes nos seus processos de estetização. (andrevieira700@gmail.com) Danielle Agostinho da Silva (Museologia-UFPE), Danielly Souza Correia (Museologia-UFPE) Crítica a Antropologia: a Trajetória das Construções de Alteridades e Suas Representações nos Museus Este trabalho aborda a discussão sobre os aspectos críticos da formação de alteridades, que

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se desenvolve a partir da relação histórica entre o estudo antropológico e os museus. O marco do conceito da Antropologia parte do discurso de que “o outro não é igual a mim”. Este entendimento abre uma vertente para a análise da sociedade a partir dessa problemática social: que é preciso, para que uma sociedade funcione, existir diferentes graus de superioridade, em relação ao outro. É arriscado (ou como será possível) ver outras sociedades em nível de igualdade, sem inferiorizá-las? O programa imperialista abordado na Antropologia clássica, visava um empreendimento civilizatório do outro. A Antropologia era, então, compreendida como uma ciência construtora de alteridades estigmatizada pela busca do primitivo e na análise de categorias exóticas, a época da construção da alteridade radical. Nesse período, a Antropologia encontra no museu um lugar para apresentar as descobertas, colecionamentos e para efetuação de estudos. O museu, a partir desses estudos, é então compreendido na sociedade como um espaço necessário para os processos de tradução cultural e de legitimação dos sujeitos primitivos. Deste modo, partindo da análise do processo político atual da antropologia, recombinando-se novamente com o Imperialismo, este trabalho refletirá sobre como as construções das alteridades são refletidas no espaço do museu, pois, talvez não houvesse lugar mais propício para a exibição dos estudos antropológicos. Entretanto, a representação da cultura de outros povos, sob uma construção de alteridade radical, é um problema ainda hoje sentido dentro do espaço museal e objeto de crítica aos antropólogos. Se o museu, como reforçador de identidades, nesse contexto foi instrumento capaz de cristalizar imagens que foram criadas a partir dos estudos dos antropólogos, como será possível nos dias atuais alterar esse cenário de forma com que as culturas possam se auto-representar e que os demais as enxerguem como elas são e possam adquirir um conhecimento adequado sobre tal? Com o surgimento da alteridade mínima e estudos da antropologia urbana, qual impacto que isso causará no espaço dos museus e na museologia? (museoufpe2011@gmail.com) Rômulo José Benito de Freitas Gonzales (Museologia – UFPE) A Fotografia Como Instrumento de Musealização da Experiência Etnográfica A partir da necessidade dos antropólogos de compreender comportamentos, ritos e saberes em sociedades pouco conhecidas, o estudo etnográfico tornou-se um instrumento de busca de conhecimento, capaz de mostrar como vivem essas sociedades. Após o término da produção do material pesquisado, uma análise criteriosa se faz necessária, objetivando o esclarecimento social do objeto de estudo. A etnofotografia, apesar de ser ainda negligenciada como acervo museológico, é fundamental para comparações temporais entre povos, registrando as transformações culturais por eles sofridas. Os reflexos da Antropologia Visual permitem decodificar a mensagem social registrada na fotografia. Em alguns casos, certos registros fotográficos realizados por antropólogos, ao compor acervos em instituições de preservação de memória, convertem-se em importantes suportes de preservação. Por vezes, algumas peças colhidas em expedições etnográficas fazem sentido apenas se expostas em diálogo com as referências de seu uso original. A subjetividade da fotografia etnográfica possibilitou ilustrar a história das culturas, garantindo maior detalhamento do que o texto escrito. Coleções fotográficas de antropólogos como Katarina Real e Kurt Nimuendajú, enriquecem os acervos onde foram confiados. A busca pelo conhecimento mais amplo das manifestações culturais populares do nordeste brasileiro, levou Katarina Real a registrar diversas facetas desses movimentos. Kurt Nimuendajú, antropólogo que visitou diversas tribos indígenas da América do sul, fez importantes

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registros fotográficos que hoje integram a Coleção Carlos Estevão, do Museu do Estado de Pernambuco. Museus com forte temática etnográfica, como o Museu do Homem do Nordeste, no Recife, o Museu Goeldi, em Belém, e o Museu Etnográfico da Colônia Maciel, em Pelotas, contém em seus acervos vasta documentação fotográfica acerca de temáticas semelhantes. Cabe aos profissionais da área de documentação e conservação, criar meios para que os pesquisadores encontrem subsídios didáticos para a realização dos seus trabalhos. (romulobfgonzales@gmail.com) Martha Maria Pedrosa de Almeida (Museologia – UFPE) A Alteridade e as Exposições Etnográficas O processo de musealização iniciado com o colecionismo e com os gabinetes de curiosidades, carrega consigo a idéia de conhecimento de outras culturas através de objetos vistos como diferentes, exóticos e incomuns à sociedade ocidental. Nesse sentido, o conceito de identidade e também de alteridade começa a se fazer presente nas ciências, tendo a Antropologia como a ciência que tem o interesse no estudo desse “outro” e na construção do significado da alteridade. Dessa forma, o surgimento de instituições museais etnográficas faz com que a história dos museus e da antropologia perpassem entre si em alguns aspectos. Assim, a partir do conceito de alteridade e da observação das exposições etnográficas do Museu do Estado e do Museu do Homem do Nordeste, ambos localizados na cidade do Recife, pretende-se elaborar uma análise das exposições dessas instituições e refletir sobre o papel da Antropologia no espaço museal. (marthaalmeida61@hotmail.com ) Manuela Dias Melo (Museologia – UFPE) Antropologia e Museus: o Museu Enquanto Espaço de Interação, Construções Identitárias e Alteridade Entendendo o museu enquanto um espaço de interação, instituições que podem estabelecer uma ponte entre o passado e o presente, assim como representar o momento atual. O museu é um tipo específico de arquivo, um “guardião de memórias”. Atualmente, o museu ocupa uma posição importante nas questões relacionadas com a cultura e o patrimônio, deixando de ser um lugar apenas de contemplação, de uso de uma elite, para tornar-se um espaço de interação de seus acervos e patrimônio, com a comunidade, sua identidade e a sua memória, não apenas representando essas culturas, mas também sendo produzida por elas. O museu pode ser considerado um espaço de construção de identidades, pois é um lugar de produção de símbolos. Não podemos pensar o museu como um espaço neutro. A estética colocada pelo museu pode influenciar a realidade. A história da antropologia, segundo a tipologia criada por Mariza Peirano, faz um deslocamento da alteridade máxima, passando pela alteridade próxima, até chegar a alteridade mínima (o movimento autoreflexivo da antropologia) ou seja, “aqueles que antes eram olhados agora olham para si mesmos, tecendo seus auto-retratos”. O que assemelha-se a construção histórica dos museus. A construção de alteridade, pode ser considerada uma das questões centrais da antropologia, é imprescindível compreender a alteridade como a capacidade de conviver com o diferente. Entrar em um museu não é somente adentrar um edifício e olhar obras, mas também penetrar em um sistema ritualizado com a cultura e o social. (uela@hotmail.com)

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Joice Taiana Souza da Silva (Museologia – UFPE), Mariana Alves de Souza (Museologia – UFPE) O Museu Como uma Instituição de Disciplinamento e Produção da Alteridade Este trabalho visa, por meio de uma bibliografia diversa que abrange desde textos antropológicos até textos filosóficas, fazer uma abordagem acerca da relação entre a antropologia e os museus, apresentando o espaço museal como um lugar de produção da alteridade. Esse mecanismo da alteridade, por sua vez, trabalha na produção do “outro”, mostrando que nem sempre essa produção se dá de forma benéfica. Vamos perceber que o “outro” projetado por “nós” é constituído de minorias da nossa sociedade, que acabam sendo estigmatizadas pela “maioria dominante”, que procura “dominar” as minorias por meio de mecanismos disciplinares. Uma das maneiras de se conseguir essa dominação é se utilizando de instituições midiáticas como o museu, que acabam se tornando um espaço de disciplinamento. (mayualves@gmail.com) Jeremias Francisco da Silva (Museologia – UFPE) Museus: Processos e Construções Identitárias O presente trabalho tem o objetivo de discutir a construção de processos identitários nos museus, a partir da análise de momentos antropológicos distintos, tendo como ponto de partida os estudos de Leclerc e Agier, fios condutores das reflexões na busca de uma práxis que venha permitir a emergência de um efetivo diálogo entre os espaços museais e sociedade, pautados na construção de identidades negociadas e “alteridades mínimas”, onde os museus possam ser não apenas um local onde se mostra ou se preservas acervos, mas acima de tudo, um espaço aberto à ação. (jere11@uol.com.br) Karina Miranda (PPGA - UFS) Patrimônio Arqueológico no universo Xocó: observando os diversos saberes. O estudo compreende a discussão sobre a problemática dos estudos arqueológicos realizados em sítios pré-coloniais existentes nas atuais áreas indígenas do Nordeste brasileiro, especificamente o estudo de caso do universo Xocó. Nesses espaços, há uma grande concentração de material arqueológico correspondente a vários períodos de ocupação, pré-colonial e histórico. Analisando a produção arqueológica referente a esses espaços, busco discutir a importância do conceito de multivocalidade (GNECCO, 2010), a partir da atuação dos diferentes sujeitos (arqueólogos/indígenas) no processo de construção científica na Arqueologia. A partir da década de 1980, ocorre uma mudança epistemológica na disciplina. Nesse aspecto, três pontos essenciais são discutidos a partir dessa nova perspectiva. O primeiro corresponde à crítica aos postulados do Essencialismo, colocando em dúvida a credulidade do pensamento científico objetivo. O segundo discute a derrubada das fronteiras disciplinares, pois não se pode haver um método único em Arqueologia que determine a forma correta do fazer científico. Terceiro, que tem de se levar em consideração as formas de conhecimento que estão fora da academia, ou seja, apreender a multivocalidade (JOHNSON, 2000; GNECCO, 2010) Então, o que resta ao arqueólogo nessa nova percepção? Se despedir de seu jaleco branco, criador de uma autoridade efêmera, e compor a nova melodia das diferentes notas para a condição harmônica

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engendrada pelo pensamento pós-moderno. Condição que trás para essas populações a possibilidade de um diálogo linear, levando em consideração que esses espaços e a cultura material presente são ressignificadas e reutilizadas, muitas vezes para a legitimação e reafirmação de sua condição étnica. Para aplicação dessa nova vertente, intesecciono tal pensamento a proposta de Arqueologia Pública, defendida por (MERRIMAN 2004), acerca da necessidade dos arqueólogos conciliarem processos de natureza científica, técnica e social, quando em contato com as práticas e discursos dos grupos locais. (kflordelotus@hotmail.com) Julie Cavignac (PPGAS-UFRN) Patrimonializar o esquecimento: o museu da Boa Vista e a escravidão no Seridó (RN) Iremos apresentar a proposta de constituição de um acervo para a comunidade quilombola de Boa Vista (RN), projeto aprovado no quadro do edital PROEXT2011 - MEC que será realizado em 2012: a idéia é discutir conjuntamente com os protagonistas de um museu comunitário (inicialmente ponto de cultura) os dados históricos, arqueológicos e culturais que foram coletados durante a pesquisa para elaboração do relatório antropológico e outros que restam a levantar, bem como as estratégias de patrimonialização. O nosso objetivo é delinear um quadro para a memória da escravidão no Seridó, ao mesmo tempo de propor uma análise dos elementos elencados pelo grupo para se definir como tal. De fato, a lembrança parece se concentrar em alguns elementos oriundos de uma tradição cultural hoje reivindicada como patrimônio (Cunha 2009): expulsa da memória coletiva, a escravidão continua sendo um assunto atual e sensível. Questionaremos as tramas memoriais dos descendentes de escravos que são expressas principalmente pelo conjunto do corpus narrativo, por práticas devocionais e festivas - em particular o gosto pela dança (juliecavignac@gmail.com) José Roberto de Melo Ferreira (UFPE) Patrimônio Cultural e Percepção Religiosa do Sítio Arqueologico Boi Branco em Iatí-Pe A 280 km do Recife e 53 km da cidade de Garanhuns na Região do Agreste Meridional de Pernambuco, localiza-se o município de Iati. Na zona rural deste município encontra-se o sítio arqueológico, identificado como Boi Branco; alusão a uma fazenda experimental, do Governo do Estado, instalada ali por volta dos anos de 1980, para criação de bois da raça “nelores”. Nesta localidade encontra-se um assentamento do INCRA, fruto da luta dos trabalhadores rurais, na conquista pelas terras da antiga fazenda experimental do Estado, após comprovação de sua improdutividade. Nas terras da mesma, há um Sítio arqueológico que recebera o mesmo nome da Fazenda (Boi Branco). Trata-se de um patrimônio histórico-cultural, registro dos primeiros habitantes do nordeste, que habitaram a Mesorregião do Agreste pernambucano, há cerca de 6.000 anos (MARTIN: 1996), deixando seus registros e símbolos gravados nas rochas em forma de itaquatiaras e signogravuras (figuras rupestres), com as quais os nativos mantêm uma relação mediante a qual as mesmas são incorporadas como manifestações do sagrado, motivo de devoção da religiosidade local. O presente trabalho volta-se na direção de procurar entender as motivações para a construção de sentido religioso sobre o sítio arqueológico. Durante as

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primeiras observações no campo, identificamos algumas falas nativas que buscavam justificar as razões dessas práticas culturais. A religiosidade está presente na comunidade, desde a cruz que está plantada no pátio, em meio ao conjunto das residências, como dentro das referidas casas, em imagens de santos pintados e em esculturas de gesso, bem como rosários. As principais imagens recorrentes nas residências são as de Padre Cícero, Nossa Senhora do Carmo, Santa Bárbara e outros. A imagem de Nossa Senhora, segundo os nativos, encontra-se gravada nas rochas, em forma de itaquatiara. Não se trata de um caso isolado de interpretação, visto que os moradores além de acreditarem ver a imagem de Nossa Senhora, identificam igualmente marcas do pé de Jesus Cristo gravado na “Pedra Pintada”, outra forma como descrevem o sítio. Ao entrarmos em contato com as figuras rupestres do sítio arqueológico Boi Branco, meu primeiro interesse, enquanto graduando do Curso de Licenciatura em História da UPE/Garanhuns, era entender como a região foi habitada pelos primeiros grupos humanos da região, tendo os estudos das itaquatiaras e signogravuras presentes no “sítio” como objeto de análise. Meu interesse foi se modificando na medida em que fui percebendo as interpretações forjadas pelos nativos em relação aos meus objetos de pesquisa; as itaquatiárias. Uma das curiosidades despertadas foi entender o fenômeno cultural e a relação do nativo local com as figuras, compreendendo assim como o discurso religioso incorpora e/ou interpreta, ressignificando as figuras rupestres. Diante da constatação de que a religiosidade possibilitou uma forma interpretativa de conceber e dar significado a conquistado da terra da Fazenda, uma vez que para os nativos o que seria uma luta e uma conquista é vista como uma dádiva, o que contribui para ampliar as interpretações relacionadas às figuras rupestres. Segundo relatos dos nativos a conquista dessa propriedade se deu com a influência das C.E.B.s (Comunidades Eclesiais de Bases) isso porque se reuniam no entorno da Paróquia, do município de Águas Belas, aos domingos após as missas e surgiu a necessidade de reivindicar as terras da Fazenda, que segundo os mesmos estava abandonada. Os nativos se referem à construção de uma capela, promessa feita a Nossa Senhora pela conquista da terra, que ainda não foi concretizada. Pretendo desta forma, problematizar questões suscitadas mediante o contato com os nativos do Boi Branco no âmbito destas questões. Pretendo, ainda, verificar a relação dos nativos com o sítio arqueológico, bem como o há ressignificação do patrimônio na medida em que direcionam suas práticas religiosas para o local, para adorarem o que reconhecem como imagem de Nossa Senhora. Nessa perspectiva de entender a relação dos moradores com o sítio arqueológico, o objeto de estudo tem se mostrado um campo rico, despertando nosso interesse em buscar uma nova leitura que dê conta da compreensão do fenômeno apresentado, uma vez que, o sítio arqueológico do Boi Branco encontra-se em processo de reconhecimento como Patrimônio histórico-cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Arqueológico Nacional (IPHAN). Esta incursão traz a possibilidade de discutir outros aspectos, formas de entendimento do fenômeno cultural mediante a interpretação da relação dos moradores com as itaquatiaras ou signogravuras. (roberto.upe@hotmail.com)

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IV – Antropologia Jurídica e Direitos Coordenadores: Mariana Figueirôa, Sandro Lobo, Vânia Fialho Sandro Calheiros Lobo O Sistema de Justiça Indígena Xukuru do Ororubá A Dissertação intitulada “Construindo o pluralismo jurídico no Brasil: a experiência de harmonia coercitiva no povo Xukuru do Ororubá”, grupo étnico localizado nos municípios de Pesqueira e Poção, Estado de Pernambuco, Nordeste do Brasil, tem como objetivo compreender como esse povo tem criado suas próprias normas jurídicas e as aplicado entre seus membros, bem como entender como o Sistema de Justiça Indígena Xukuru do Ororubá se relaciona com o sistema de justiça estatal na perspectiva de um diálogo intercultural. Através do processo de territorialização dos Xukuru, foi possível explicitar como esse Sistema de Justiça se formou historicamente, como ele se apresenta na atualidade e quais os desafios atuais para sua consolidação, destacando quais os fatores internos e externos que possibilitaram o reconhecimento dos Xukuru como novos sujeitos sociais, os sujeitos coletivos de direitos. Compreender esse Direito como um saber local (GEERTZ, 2008), que está em constante diálogo com os saberes de outras culturas, nos permite discutir a existência de um pluralismo jurídico emancipatório no Brasil como garantidor da diversidade étnico-cultural em nossa sociedade e, desse modo, rever a ideologia do monopólio do Direito e da violência legítima pelo Estado. Os referenciais teóricos da Antropologia Jurídica, ponto de encontro do diálogo interdisciplinar entre Antropologia e Direito, são fundamentais para discutir a existência de um Sistema de Justiça Xukuru do Ororubá, especialmente quando compreendemos o Direito como parte integrante da cultura de um povo. Mariana Carneiro Leão Figueiroa (TJPE/ Faculdade de Direito de Olinda) Povos Indígenas e Pluralismo Jurídico: Manifestação da Interculturalidade O presente trabalho apresenta um debate em torno de um marco teórico – pluralismo jurídico – que permite delinear algumas pautas a se levar em consideração no estudo da aplicação do Direito pelo poder judiciário em contextos interculturais. Para o antropólogo Clifford Geertz, o Direito é apenas uma maneira de imaginar o mundo em meio a tantas outras, entretanto, é pautado numa determinada maneira de imaginar como as coisas devam ser (a lei) e como elas são (o fato), desenvolvendo com isso, um sentido de justiça que é sempre específico, “local”. Assim, é possível dizer que o Direito emerge da sociedade como um processo dinâmico no qual os grupos sociais criam normas para gerir a vida em coletividade, que não passam, necessariamente, pelo modelo jurídico estatal. A relação entre Direito, Estado e os povos indígenas, vem, desde o final do século XX, apresentando grandes avanços, a partir do reconhecimento de determinados direitos fundamentais, com vistas a proteger o direito desses povos a uma cultura própria no contexto das sociedades que integram e, assim, garantir o respeito à sua integridade étnica. Vários países da América Latina, inclusive o Brasil, reconheceram constitucionalmente esses direitos relativos aos povos indígenas, que implicam e exigem dos próprios Estados o respeito e a aplicação

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prática dos mesmos. A Convenção 169 da OIT – Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes – dispõe em seu artigo 8º que, ao se aplicar aos povos indígenas a legislação nacional, devem ser levados em consideração seus costumes e seu direito consuetudinário. A convenção 169 da OIT define, em seu artigo 8º, que: “Ao aplicar a legislação nacional dos povos interessados deverão ser levados na devida consideração seus costumes e instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Sempre que for necessário deverão ser estabelecidos procedimentos para solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação desse princípio”. No âmbito nacional, é possível afirmar que a Constituição Federal de 1988 foi um marco de visibilidade do “outro”, no sentido de reconhecer a diversidade cultural da sociedade brasileira de forma institucional/normativa, todavia, a garantia legal de direitos por si só, não garantem a sua efetivação política. O monismo jurídico foi instituído na sociedade ocidental por volta dos séc. XVII e XVIII, sob a influência do absolutismo monárquico e da burguesia revolucionária européia; postula que dentro de um Estado só cabe um Direito - no sentido de legitimidade – aquele positivado pelo Estado. Essa concepção se respalda em políticas de homogeneização cultural e centralização jurídico-política no modelo de Estado-Nação de cunho liberal. Desse modo, o objetivo do presente trabalho é apresentar, do ponto de vista teórico, a dificuldade que um Estado de tipo monista tem em perceber a justiça enquanto prática social e, por isso, explicitar a importância das teorias pluralistas nesse contexto: como se processa a alteridade entre os “diferentes”, em práticas sociais que envolvem relações de poder, como o judiciário?

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V – Cartografias Sociais e Identidade Coordenadores: Lucca Libertini, Raimundo Nonato, Hosana Celi Maria Jaidene Pires (NEPE/UFPE e NDIS/UPE), Hosana Santos (NEPE/UFPE e NDIS/UPE),Vânia Fialho (NEPE/UFPE e NDIS/UPE), Mariana Figueiroa (NEPE/UFPE e NDIS/UPE), Rita Neves (NEPE/UFPE e NDIS/UPE) Cartografia Xucuru O nova cartografia traz uma nova abordagem política que utiliza os instrumentos tradicionais de mapeamento, possibilitando discutir como os grupos e as comunidades percebem esses espaços e as diversas experiências espaciais. O povo indígena Xukuru do Ororubá, reside em uma terra de 27.555 hectares, no município de Pesqueira (PE), a 214 quilômetros de Recife, no agreste pernambucano. Esse grupo, que conta hoje com cerca de 12 mil pessoas (dados da Funasa de 2007) e 95% de suas terras desintrusadas, é reconhecido no cenário do movimento indígena nacional pela forte presença política de suas lideranças, seja na organização interna, seja no relacionamento com o Governo Federal. A cartografia Xukuru realizou uma oficina participativa com os representantes das instâncias de organização sócio-políticas que compõem o território indígena Xukuru do Ororubá, afim de elaborar uma projeção cartográfica deste território, considerando os eixos temáticos definidos na fase inicial do encontro. O tema escolhido pelas lideranças foi “Memória do território histórico do povo Xukuru; conquista territorial: processos de “retomadas” do território”. A oficina, teve o caráter participativo e o caráter processual - a cartografia enquanto um fim e enquanto um meio. O fascículo é pensado pelos Xukuru com uma finalidade de servir como instrumento de luta, como material pedagógicoeducativo e de fortalecimento da identidade do grupo. (hosanaceli@yahoo.com.br ; vrfps@yahoo.com.br ; marianafigueiroa@gmail.com ; rcmneves@yahoo.com.br ) Hosana Santos (UFPE), Vânia Fialho (UPE, PPGA-UFPE) Cartografia Conceição das Crioulas A cartografia de Conceição das Crioulas se propôs a realização de uma oficina participativa com representantes dos sítios que compõem o território quilombola de Conceição das Crioulas, a fim de elaborar uma projeção cartográfica deste território, considerando os eixos temáticos definidos na fase inicial do encontro. Para chegar em Conceição das Crioulas, corta-se todo o estado de Pernambuco, através da rodovia BR-232, até a cidade de Salgueiro. São mais dezessete quilômetros pela BR-116 em direção à cidade de Petrolina, até acessarmos uma estrada de terra, entrando à esquerda. São aproximadamente 42 quilômetros, depois que deixamos a rodovia federal, em meio à caatinga. São 550 quilômetros da cidade de Recife. A população de Conceição das Crioulas está estimada em 3.800 habitantes (AQCC, 2004), distribuída em dezesseis núcleos populacionais, denominados „sítios‟. Os sítios estão espalhados pelo território hoje identificado como de “remanescentes de quilombos” e apresentam certa heterogeneidade em relação à concentração populacional, mobilização política e assistência dos órgãos governamentais. Num primeiro momento, tivemos a sensibilização e divisão de tarefas, bem como trabalhamos questões introdutórias sobre identidade e sobre o que é ser quilombola; e também, sobre o que é ser de Conceição das Crioulas. Os temas escolhidos a serem

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abordados no fascículo, foram: áreas de conflitos; infraestrutura; cróqui; geração de renda e áreas de trabalho; desenvolvimento social e manifestações culturais. O fascículo tanto é um meio como um fim, pois é estratégia para apreensão da relação do grupo com o espaço físico, um acesso à memória. Possibilita a identificação de formas de representação, o empoderamento, onde os recursos tecnológicos utilizados dependem do objetivo. (hosanaceli@yahoo.com.br ; vrfps@yahoo.com.br ) Maria Marluce Sousa Gomes (ESEF-UPE), Vânia Fialho (UPE e PPGA-UFPE) Mapeamento das Organizações na Prática do Esporte, Lazer, Cultura e Recreação no Bairro de Santo Amaro O projeto intitulado Práticas e Espaços Sociais: uma cartografia dos espaços de mobilização do bairro de Santo Amaro objetiva compreender o bairro de Santo Amaro, localizado na cidade de Recife/PE, a partir da identificação dos seus espaços sociais. No caso deste subprojeto, vamos adentrar nesta temática priorizando as organizações de esporte, cultura, lazer e recreação formalmente institucionalizadas. Trata-se de uma proposta multidisciplinar que se apropria da categoria de “unidades de mobilização” para identificar os lugares de socialização da comunidade de Santo Amaro, conhecida por apresentar um dos maiores índices de violência dos centros urbanos brasileiros, a fim de destacar o seu potencial de mobilização política e identitária para subsidiar intervenções de políticas públicas pautadas na sua realidade. O projeto enfatiza os lócus de socialização e o olhar cuidadoso sobre eles e, a partir de um instrumental teórico e metodológico diversificado, pode dar visibilidade a aspectos ainda não percebidos das relações sociais. Assim, essa pesquisa busca, a partir de um referencial sociológico e antropológico e da concepção da realização de “cartografias sociais”, contribuir para a compreensão das questões urbanas que associam os movimentos sociais às motivações de cunho identitário e que, ao invés de compreender as manifestações culturais na cidade a partir de estigmas e estereótipos, buscará visibilizar as criativas estratégias de articulação política na tentativa de atingir uma “cidadania conquistada”. OBJETIVO GERAL: conhecer o bairro de Santo Amaro através das organizações sociais de esporte, cultura, lazer e recreação. OBJETIVOS ESPECÍFICOS: identificar as organizações sociais de esporte, cultura, lazer e recreação no bairro de Santo Amaro e caracterizar a sua relação com a comunidade. MÉTODOS: pesquisa de caráter qualitativo; utilização do método etnográfico, com o desenvolvimento das seguintes estratégias: mapeamento das organizações de cultura, esporte e lazer; realização de entrevistas semiestruturadas com integrantes da direção das organizações; análise documental do material referente às organizações; organização de um banco de dados com as organizações de Santo Amaro voltadas para cultura, esporte, lazer e recreação; Elaboração de um mapa com a representação das organizações identificadas. RESULTADOS E CONCLUSÕES: o projeto está em fase de coleta de dados, acontecendo com: visitas às associações, juntamente com os líderes comunitários; realização e análise de entrevistas. Dados preliminares mostram a importância da problemática do projeto para conhecer por dentro o bairro de Santo Amaro, pois as informações divulgadas pela mídia sobre o bairro não condizem com a realidade observada. As políticas públicas elaboradas para o bairro de Santo Amaro pouco consideram (ou não consideram) o conhecimento acumulado pelas organizações do próprio bairro. (marluceportela@hotmail.com )

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Emmerson Pereira da Silva (ESEF – UPE), Vânia Fialho ( ESEF-UPE e PPGAUFPE) Práticas e Espaços Sociais: Uma Cartografia dos Espaços de Lazer, Cultura e Esporte do Bairro de Santo Amaro O presente projeto objetiva compreender o bairro de Santo Amaro, localizado na cidade de Recife/PE, a partir da identificação dos seus espaços sociais. Trata-se de uma proposta multidisciplinar que se apropria da categoria de “espaço” para identificar os lugares de socialização da comunidade de Santo Amaro, conhecida por apresentar um dos maiores índices de violência dos centros urbanos brasileiros, a fim de destacar o seu potencial de mobilização política e identitária para subsidiar intervenções de políticas públicas pautadas na sua realidade. Esse projeto parte do pressuposto de que os espaços físicos constituem lócus de socialização e que o olhar cuidadoso sobre ele, a partir de um instrumental teórico e metodológico diversificado, pode dar visibilidade a aspectos ainda não percebidos das relações sociais. Assim, essa pesquisa busca, a partir de um referencial sociológico e antropológico e da concepção da realização de “cartografias sociais”, contribuir para a compreensão das questões urbanas que associam os movimentos sociais às motivações de cunho identitário e que, ao invés de compreender as manifestações culturais na cidade a partir de estigmas e estereótipos, buscará visibilizar as criativas estratégias de articulação política na tentativa de atingir uma “cidadania conquistada”. Objetivos Gerais: compreender o bairro de Santo Amaro a partir da identificação dos seus espaços sociais. conhecer os espaços de mobilização, do bairro de Santo Amaro, relacionados a esporte, lazer e cultura. Objetivos Específicos: identificar os espaços sociais de esporte, cultura e lazer no bairro de Santo Amaro; caracterizar os espaços sociais de esporte, cultura e lazer no bairro de Santo Amaro e sua relação com a comunidade. Métodos: pesquisa qualitativa , de cunho etnográfico, compreendendo as seguintes fases: reunião com lideranças comunitárias; definição de entrevistados, a partir da idéia de rede; observação dos espaços de socialização; definição de categorias tendo como base as entrevistas; e análise das mesmas; análise das representações espaciais dos moradores sobre os locais utilizados para socialização da comunidade; elaboração de mapa com os espaços identificados, classificando-os por tipo de atividade e faixa etária. Dados preliminares mostram a importância da problemática do projeto para conhecer por dentro o bairro de Santo Amaro; As informações divulgadas pela mídia sobre o bairro de Santo Amaro não condizem com a realidade observada; os espaços de socialização mesclam a informalidade da vida cotidiana com a lógica das unidades de mobilização protagonizadas pelos moradores do bairro. O bairro é formado por diferentes comunidades, às quais correspondem diferentes territórios. As estratégias de socialização indicam uma significativa diversidade de espaços utilizados de forma criativa para a experiência comunitária; ora os territórios são colocados como fronteiras para definição dos grupos sociais, ora eles são desconsiderados para enfatizar as reivindicações gerais do bairro. Há necessidade de se conhecer o bairro com maior profundidade, incorporando o levantamento histórico de resistência do lugar. (emmerson.pereira@hotmail.com )

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Vânia Fialho (UPE, PPGA/UFPE) Possibilidades de Cartografias Sobre a Imigração na Cidade de Milão: Dinâmicas e Espaços Sociais O trabalho procura discutir o intenso fluxo migratório e as estratégias de mobilização dos diversos grupos de imigrantes na cidade italiana de Milão. Dois aspectos são utilizados para o desenvolvimento da reflexão proposta: a análise dos jornais direcionados para diferentes categorias de imigrantes e a ocupação espacial da cidade por esses diferentes grupos. A Itália vem apresentando políticas que afirmam uma posição de intolerância e se mostra refratária a elementos diversificados e alienígenas, que se desdobram em tensões com, e entre, os imigrantes no cotidiano da cidade. Em termos de políticas públicas, há uma tendência de proteção de uma sociedade fundamentalmente italiana e, ora uma negação, ora uma reapropriação de categorias que parecem ameaçá-la. Estrangeiro e extra-comunitário são definições que identificam de maneira generalizada o imigrante. No entanto, outras emergem em situações sociais nas quais o imigrante aparece como "diferente", "estrangeiro", "exótico", "outro"; raça e etnicidade, por exemplo, são categorias incorporadas nos discursos. Simultaneamente à acomodação, à integração e à participação em curso nos locais de trabalho e de convívio social, tensões e conflitos são intensificados. A proposta, então, é valorizar dados desse cotidiano que possibilitam a elaboração de uma cartografia social da ação política dos grupos de imigrantes organizados e que permitem uma diferente leitura das dinâmicas sociais. A concepção de cartografia social é aqui tomada como uma proposta teórica e metodológica de “mapear esforços mobilizatórios, descrevendo-os com base no que é considerado relevante pelas próprias comunidades mapeadas. Trata-se aqui não da aplicação de categorias censitárias, populacionais ou autoevidentes, mas de comunidades que buscam se fazer ver e se reconhecer em um contexto de disputas simbólicas e também políticas. O trabalho enfatiza a necessidade de olhar para o fenômeno da migração de forma mais complexa, na tentativa de identificar os vários níveis de problemáticas e conflitos e, portanto, procurou apontar um caminho analítico possível para mediação dos aspectos micro e macrossociológicos que envolvem o fenômeno da migração. Foi possível perceber que as categorias mais particulares ou locais, são acionadas mais nos espaços de sociabilidade; o compartilhamento de uma referência étnica parece ser fundamental na criação de associações, mas que não quer dizer que as associações sejam impermeáveis à participação de outras categorias de nacionalidade; a afirmação de identidade de alguns grupos étnicos passa a ser importante quando este contraste se dá em relação a outros grupos étnicos e não em relação à uma sociedade anfitriã, como a italiana, nesse caso; e, por último que o racismo constitui uma categoria importante para a definição de uma atitude de xenofobia e se refere a um campo vasto de intolerância. (vrfps@yahoo.com.br) Luca Libertini Cosmologia, Objetos e Patrimonialização: A Aspiração Paiter Para uma Autonomia Cultural Neste trabalho apresento parte de uma pesquisa de campo realizada dez anos atrás na Amazônia, estado de Rondônia, junto com os Paiter-Surui, população de língua Tupímondé, e conduzida por conta da Universidade Cambridge (UK), no programa de pósgraduação, comparando alguns dados desta pesquisa com novos insights derivados do recente interesse dos Paiter para o uso de internet e, especificamente, no projeto Google

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Earth, uma proposta que tem origem no período da minha pesquisa de campo. Ao considerar o regime dos objetos e o recente fenômeno de internet, afirmo que vários fatores políticos, qual o uso que fazem jovens adultos do vocabulário institucionalizado e jurídico dos direitos humanos, junto com numerosos fatores culturais, como a relação entre o regime dos objetos e mito, a interação entre comunicação verbal e não-verbal, aspectos tangíveis e intangíveis da cultura; são todos elementos cruciais ao entendimento do que está atrás desta crescente demanda do que podemos chamar de “patrimonialização” da cultura Paiter. Este novo modo de existência tornou-se possível para os Paiter devido aos vários desenvolvimentos políticos, como o envolvimento de uma parte da comunidade indígena na vida política nacional e regional, em defesa dos direitos indígenas, inclusive o direito para um ensino escolar diferenciado. Observei uma demanda crescente entre os Paiter em levar em frente o uso da linguagem dos direitos humanos, como saída das condições de desvantagem nas quais eles foram condenados na recente história de conflitos interétnicos. Patrimônio pode ser a acumulação de uma grande variedade de objetos que tem um passado em comum, como também o conjunto de capacidades dos Paiter referente a uma sociedade, na qual a cosmologia designa um Cosmo não construído de uma vez por todas, mas ao contrário, um cosmo que está em contínua transformação e define as dimensões da vida do dia-a-dia, como também permite uma sociedade aberta às influências externas. Patrimônio cultural é um conceito com formas de expressões simbólicas através da articulação de idéias, construção de objetos e normas sociais. Um conceito mais amplo e atualizado de „patrimônio‟, comparado com aquele já existente anteriormente, foi reconhecido no Brasil com a adoção do Decreto Federal n. 3551 do 04/08/2000, que reconhece como bens intangíveis e como elementos de um patrimônio cultural o conhecimento, as festas, as celebrações, as cerimônias, as canções, etc. Agora que adquiriram o status de bens, estes elementos culturais indígenas podem ser considerados como „tombados‟? O termo tombamento gera questões sobre o projeto de vida e questiona o que os Paiter começaram fazer. O termo legal parece sugerir que um elemento cultural possa ser “congelado”. O risco é que o processo de patrimonialização possa paralisar a natureza dinâmica da cultura humana, condenando a criatividade ao estado de paralisia e empobrecimento da memória cultural. Eu acredito que os Paiter estão respondendo a tudo isso através do uso e da avaliação de instrumentos tecnológicos que a economia de mercado está oferecendo a eles. As estratégias de defesa do próprio território, demarcado no final dos anos sessenta do século passado, são agora elaboradas de forma nova usando recursos tecnológicos que as velhas gerações não tinham nem imaginados um dia poder usar. O uso da internet e de Google Earth pelos Paiter, mostra que eles assumiram a possibilidade de dar substância ao próprio projeto de vida, definindo o passado ancestral e a vida presente através da defesa da terra, tratando ambos como se fossem objetos formados de elementos tangíveis e intangíveis, no mesmo modo do regime dos objetos tradicionais Paiter, constituídos de forma, matéria e prática social.

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VI – Música, Dança e Etnicidade Coordenadores: Carlos Sandroni, Max Carneiro da Cunha e Sandro Guimarães Nívia Lopes Delmiro de Souza (Ciências Geográficas, LECgeo - UFPE) Diversidade Musical e Multiterritorialidades no Alto José do Pinho - Recife/PE. Este trabalho tem como objetivo elucidar a maneira como a diversidade musical do bairro Alto José do Pinho, em Recife-PE, vem contribuindo para a transformação do seu território. O reflexo desta nova configuração tornou-se perceptível nos usos dos seus espaços públicos e privados através de seus habitantes e visitantes, que utilizam tais espaços como cenário para desenvolver e contemplar manifestações culturais, expressadas através da musicalidade que aflora na comunidade. Na década de 1990, o município do Recife apresentava uma economia estagnada e um alto índice de desemprego (BARROS, 2005) No cenário cultural, ainda sofria os reflexos do movimento Armorial, que estava ligado à tradição e à valorização da cultura regional. Em meados da década de 1990, desponta no Recife o movimento Mangue Beat, liderado por Chico Science, influenciado tanto pela globalização e tecnologia digital, como pelos tradicionais ritmos da terra. À medida que este movimento se popularizou, alcançando os grandes mercados da música brasileira, estimulou o desenvolvimento e/ou divulgação de artistas das periferias recifenses, tal como as bandas do Alto José do Pinho, localizado na zona norte do Recife (PRYSTHON, 2004) Este bairro de Recife, inicialmente, recebia o nome de Alto do Munguba, por ser recoberto de capim e árvores baixas. No início do século XX, era apenas um morro íngreme no portal de entrada do bairro de Casa Amarela. Foi quando chegaram os primeiros moradores advindos da Zona da Mata Pernambucana, que construíram no local as primeiras casas de taipa (LEITE, 2009) Esses habitantes, trouxeram consigo seus próprios referenciais culturais. No processo de êxodo rural, ocasionado pela modernização e mecanização do campo, se direcionaram para as áreas periféricas da cidade do Recife. Sendo assim, o Alto José do Pinho é composto, desde a sua formação, por indivíduos de baixa renda, antigos agricultores, em sua maioria com um baixo nível de escolaridade. (niviadelmiro@hotmail.com) Judite Andrade da Silva (Secretária de Educação do Estado - PE) Maracatu, no Baque Virado das Alfaias o Cantar de Sua Nação O presente trabalho é resultado de uma pesquisa que tem por objetivo discutir a importância da tradição na formação dos maracatus. Nessa discussão, iremos comparar alguns estudos realizados pela nova historiografia, que tem observado os maracatus a partir de novos olhares, novas leituras, em contraponto à antiga historiografia, que determinava as suas origens, padrões, início e fim. A escassez de trabalhos sobre os maracatus tem levado muitos estudiosos a repetirem, em seus escritos, o que tinha sido citado por pesquisadores como Pereira da Costa, em Folk-lore Pernambucano, Luís da Câmara Cascudo, no Dicionário do Folclore ou, mais recentemente, Mário de Andrade em As Calungas dos Maracatus. Dentre os pesquisadores da nova historiografia que têm feito uma releitura sobre o tema, dialogaremos com Ivaldo Marciano de França Lima e Isabel Cristina Martins Guillen em Cultura Afro-descendente no Recife: Maracatus, valentes e catimbós e Maracatus e Maracatuzeiros:

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Desconstruindo certezas, batendo alfayas e fazendo histórias. Pensamos em trabalhar a partir dos anos 2000 a 2010, desenvolvendo tanto pesquisas bibliográficas, como também de campo e entrevistas. (juditeandradesilva@hotmail.com) José Roberto Feitosa de Sena (UFPB) Brincantes e Devotos: Dança, Arte, Festa e Religiosidade no Maracatu de Baque Solto Cruzeiro do Forte – Recife/PE A presente pesquisa tem como objetivo analisar parte das práticas culturais do Maracatu de baque solto Cruzeiro do Forte, localizado na região periférica da capital pernambucana. Em suas apresentações, a agremiação carnavalesca leva às ruas uma pluralidade de elementos artístico-simbólicos e religiosos, que dão sentido à “brincadeira”. Observamos, em nossa pesquisa de campo, que o maracatu é formado por múltiplos significados que o compõem, num universo de dança, música, arte, festa e religiosidade popular. Pretendemos interpretar parte desta “teia de significados” por meio de uma “descrição densa”, que nos possibilite refletir sobre o mosaico cultural popular desta manifestação de origem rural que hoje ocupa espaços urbanos e modernos do Grande Recife. (joseroberosena@hotmail.com) Climério de Oliveira Santos (PPGM – UNIRIO) Sonorizando Fronteiras: Convenção e Criatividade no Forró O que é forró? De que elementos sonoros e imagéticos ele é feito? O que uma música deve conter/não conter para ser reconhecida como forró entre especialistas e públicos? Como o artista atua no palco e fora dele para tocar e fazer “valer” o seu forró? Nos anos 1940 e 50, Luiz Gonzaga popularizou o baião que, além de um “ritmo”, passou a ser um termo metonímico agregador de outros “ritmos” – ou subgêneros –, como xote, arrasta-pé, rojão e forró, entre mais alguns. A partir dos anos 1950, Jackson do Pandeiro adicionou vários elementos a essa musicalidade. Gonzaga e Jackson são os dois maiores emissores de signos da “música popular nordestina”. A rede cooperativa (diversos profissionais, investidores, públicos, mass media etc.) que se formou em torno dessa “música que canta o Nordeste” cresceu, multiplicou-se e passou a utilizar o termo guarda-chuva “forró” para designar um gênero musical cada vez mais diversificado. No transcurso histórico, os envolvidos com forró firmam laços, reafirmam idéias, escolhem práticas e objetos, sedimentam referências, delimitam fronteiras que vão se constituir em elementos identitários. Esteado em preceitos de etnomusicologia e de ciências sociais e humanas – sobretudo antropologia e sociologia – e em trabalho de campo, esta comunicação discute e analisa algumas práticas sonoras de músicos envolvidos com forró e o ambiente que eles integram. No seu fazer musical, os atores sociais selecionam, lançam mão do que lhes parece adequado na atualidade, repudiam o que lhes parece antiquado, ou desagradável, exprimem seus interesses mediante discursos valorativos ou depreciativos, enfim, processam identidades. Este trabalho explora a idéia de que forró continua sendo um campo criativo e dinâmico de sonoridades, acordos e tensões, no qual os envolvidos não só reiteram convenções, como as transgridem e o fazem atuando nas “zonas fronteiriças”: interações entre forró e outras musicalidades. (zabumba2@gmail.com)

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Climério de Oliveira Santos (PPGM – UNIRIO) A Invenção do Forró No ano de 1912, uma peça teatral (burleta) escrita por Luiz Peixoto e Carlos Bettencourt e musicada por Chiquinha Gonzaga estreou no Rio de Janeiro e alcançou um grande sucesso. A peça intitulada Forrobodó narrava um baile popular na periferia carioca e não fazia qualquer referência ao Nordeste do Brasil. Até o ano de 1918, ninguém poderia “cantar o Nordeste” brasileiro, pois ele sequer existia no mapa. O Brasil era geograficamente pensado/dividido em duas regiões: Norte e Sul. O emprego do termo “Nordeste” como região emergiu da necessidade de se designar a área – parte do Norte – de atuação da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, órgão criado em 1919. Signos como “partida”, “saudade”, “calamidade” e correlatos latejam numa arena social que inclui o embate entre as elites dessas regiões na disputa pelo poder econômico-político, um grupo de intelectuais que formula um “Nordeste dizível” e a migração em massa de populações do Norte para o Sul. Em 1939, o “sanfoneiro” pernambucano Luiz Gonzaga desembarca no Rio de Janeiro, onde começa a tocar a música da moda do rádio – valsa, foxtrote, samba, choro etc. –, a qual, para ele, significava sobrevivência e ascensão social. Paulatinamente, Gonzaga vai percebendo e otimizando o potencial de mercado da musicalidade ligada às suas origens. Lançando mão de signos para representar o Nordeste, ele adapta alguns padrões sonoros dos violeiros repentistas e populariza o baião (músicadança) que, além de um “ritmo” – ou subgêneros –, passou a ser um termo metonímico agregador de outros “ritmos”, como xote, arrasta-pé, rojão e forró. A partir de 1953, Jackson do Pandeiro introduz várias inovações nessa musicalidade, tornando-se, ao lado de Gonzaga, um dos grandes codificadores de um Nordeste sonorizado. A coletividade (diversos profissionais, investidores, políticos, público, mass media etc.) que se formou em torno dessa “música que canta o Nordeste” cresceu, multiplicou-se e passou a utilizar o termo guarda-chuva “forró” para designar um gênero, ou melhor, um campo musical cada vez mais plural. Esteado em preceitos de etnomusicologia – bem como de antropologia e sociologia – e no trabalho de campo que venho realizando, este estudo pretende discutir/analisar algumas práticas sonoras e marcos históricos que desencadearam o surgimento do super gênero forró, por assim dizer, visto aqui como campo de atuação profissional ligado ao mass media e à indústria cultural. Exploro a hipótese de que, para além do talento e da agência de alguns artistas que se tornaram ícones, o surgimento e o desenvolvimento do forró – como música-dança representativa do Nordeste – estão vinculados a uma extraordinária conjunção de fatores sociais, econômicos, políticos e culturais que possibilitaram tal “invenção”. Desde a sua emergência até os dias de hoje, o forró vem transcorrendo como um campo dinâmico de sonoridades, acordos e tensões no qual os envolvidos não só vêm reiterando convenções, como as transgredindo, processando identidades e, constantemente, reinventando o referido campo. (zabumba2@gmail.com) Maria Acselrad (Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística – UFPE) A transmissão de saberes e poderes no Cavalo-Marinnho – corpo, dança e tempo A noção de diversidade cultural vem subsidiando debates sobre política e identidade, de forma cada vez mais recorrente, em nossa sociedade. Assim, se faz necessário que diferentes experiências de dança, concepções de corpo, saberes e fazeres sejam de fato

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discutidos. Lançar um olhar sobre a construção da corporalidade pode ser uma chave para compreensão de dimensões estéticas importantes de serem consideradas. Pensar o corpo em movimento pode levar a uma discussão sobre o que ele move quando dança. Este trabalho constrói sua reflexão com base na análise dos processos de espetacularização da brincadeira do Cavalo-Marinho, assim como dos embates de brincadores com os novos contextos de transmissão de saberes. Com o objetivo de levantar algumas questões sobre o lugar e os desafios colocados pelas culturas populares e tradicionais no cenário sóciocultural contemporâneo, em primeiro lugar pretendemos identificar aspectos presentes no discurso e na experiência da brincadeira que contribuam para o reconhecimento da existência do que poderíamos chamar de uma etnopedagogia (Lucas, Arroyo, Stein e Prass, 2003), senão característica do universo das culturas populares e tradicionais, certamente ligada à manifestação aqui em análise. E, em segundo lugar, compreender o porquê das dificuldades de implementação de projetos culturais na região que tem como objetivo principal promover a transmissão de saberes. (maria.acselrad@gmail.com) Érika Catarina de Melo Alves (Ciências Sociais – UFCG) Ao som do zabumba e do maracá: a dança construída pela família Levino na cidade de Taperoá - PB Há mais de um século, no município de Taperoá, no Cariri paraibano, constituiu-se uma dança chamada de Cambinda. A própria palavra Cambinda, segundo a pesquisa bibliográfica desenvolvida, teria origem africana (ver, dentre outros Trigueiro e Benjamim, 1978), sendo uma variação da palavra Cabinda, que é uma região na costa da Angola. Tratase de um grupo familiar, que aproveitando o festejo carnavalesco, sai às ruas desta cidade trajados de rei, rainha, vassalos, dama do passo, dama da boneca, Dona Leopoldina, mestre, contramestre e cambindas. Uma das características do grupo, é que sua tradição é entrelaçada com a história de um bairro e de uma família negra da cidade, os assim chamados Levino. Hoje, a “tradição”, como é enunciada pelos membros do grupo, está na sua quarta geração sobre o comando desta mesma família. Neste trabalho, exploraremos como as Cambindas Novas e seus integrantes são percebidos pela população local, onde elas se colocam e são vistos como um grupo distinto e singular no carnaval e na cidade de Taperoá. (erikacmalves@gmail.com)

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GT VII – Interculturalidade, educação e etnicidade Coordenadores: Edson H. Silva, Eliana Barros Ma. da Conceição Lacerda e Renato Athias Lídia Márcia Lima de Cerqueira Silveira (PPGE/UFPE) História e Educação Escolar de um Povo Bilíngue em Pernambuco: Fulni-ô e a relação com o Estado Educação diferenciada e intercultural? Esse trabalho é fruto da pesquisa “O Processo de Estadualização da Educação Escolar Indígena em Pernambuco: a Experiência do Povo Fulni-ô” que está sendo realizada por meio do Mestrado em Política Educacional, Planejamento e Gestão da Educação pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, tendo a CAPES enquanto Agência Financiadora. Estudar sobre o povo Fulni-ô nos aproximou de uma história de convivência secular com os não-indígenas, de um povo que apesar de ter sido expulso de suas terras por coronéis e jagunços, nunca desistiu dela e teimosamente voltava para sua aldeia, permanecendo lá até aos dias atuais. Falamos de um povo que apesar de ameaças e proibições não perdeu suas tradições, tornando-se o único povo bilíngue do estado de Pernambuco, pois mantém viva a língua materna Yaathe e fala a língua portuguesa, diversos tipos de cafurnas, o toré e mantém o ritual sagrado do Ouricuri para onde se retiram e permanecem 3 meses ao ano, de setembro a novembro. As relações interétnicas são estabelecidas de forma aparentemente amistosa, porém o preconceito é velado e mais difícil de ser enfrentado. Há uma relação de dependência entre indígenas e não-indígenas. De um lado os não-indígenas que residem, têm fazendas, comércios e até ao morrerem são enterrados em terras Fulni-ô, porque o cemitério da cidade também é terra indígena. De outro lado o povo Fulni-ô que depende da cidade para suprir suas necessidades de consumo e serviços. Em uma conversa com uma das coordenadoras pedagógicas da Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon ela comentou que as pessoas da cidade ameaçaram ir embora todas de uma vez, abandonarem a cidade e que os Fulni-ô tinham ficado aflitos ao imaginarem como viveriam sem elas. Além da dependência comercial e de serviços há outra que é financeira pela renda advinda dos arrendamentos de terras aos nãoindígenas. A Educação Escolar Indígena se insere em meio a esses conflitos. A Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon nasceu no (serviço de proteção ao índio) SPI e, portanto, sob uma visão integracionista dos povos indígenas, porém a história do povo Fulni-ô traz uma marca que fez a diferença nessa relação indígena-escola, a presença do Padre Alfredo Damaso que possuía grande força política e preocupação em reconhecer e fortalecer os povos indígenas, especialmente o povo Fulni-ô com quem estabeleceu relação tão próxima e respeitosa a ponto de ser uma personalidade de referência carinhosa e de gratidão para todos os indígenas Fulni-ô. De forma preliminar podemos nos questionar sobre a presença ou não da cultura indígena Fulni-ô no interior de suas escolas, especialmente na Escola Estadual Indígena Fulni-ô Marechal Rondon, campo de nossa pesquisa: com um público formado por crianças professores e funcionários indígenas, todos residindo e convivendo diariamente em comunidade na Aldeia Grande, como seria possível a sua cultura não fazer parte dessa escola, ainda que não esteja inserida diretamente no currículo formal? Eles são a cultura para onde forem, onde estiverem, a cultura estará com eles. A xanduca, espécie de cachimbo que é fumado e compartilhado pelos Fulni-ô entre si, inclusive algumas crianças e adolescentes, presente nos intervalos é um exemplo

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disso, bem como a forma de fazer a merenda com merendeiras de cócoras ou sentadas ao chão, as aulas de Yaathe, o sotaque próprio ou a forma de falar que mantém sua diferença em relação às pessoas da cidade, a tranquilidade e o diálogo estabelecido continuamente, crianças que se organizam em 5 ou 10 minutos e apresentam suas cafunas para visitantes, as conversas informais naturalmente realizadas por meio do Yaathe, dentre outros. No entanto por meio da pesquisa de campo também tem sido possível perceber as inúmeras dificuldades e embates políticos-administrativos enfrentados pelo povo Fulni-ô para fazer valer a sua Educação Escolar. A impressão inicial é a de que o Estado parece afirmar: “respeitamos a sua cultura, seus rituais desde que vocês se adéquem ao Sistema”. A defesa dos povos indígenas é por uma educação pelo e para o povo, respeitando as necessidades específicas de cada etnia, de maneira que cada povo conceba e construa a sua própria escola e que cada indígena seja feliz por ser indígena. Em Pernambuco os povos indígenas estão construindo a Educação Escolar Indígena do Estado por meio de longos debates envolvendo os 11 povos indígenas, representantes do próprio Estado e integrantes da sociedade civil organizada, como é o caso do Centro de Cultura Luis Freire, professores e estudantes das universidades engajados pela causa, tentando ao mesmo tempo debater e elaborar documentos que apresentem uma diretriz relativamente padronizada, mas que acima de tudo respeite as especificidades de cada povo. Educação Escolar Indígena em Pernambuco tem sido um processo que se desenha e redesenha à medida em que se vive. Ainda se tem muito a aprender e muito caminho a trilhar. Maria de Fátima Souza de França Cabral (UMa-Portugal) Práticas Educativas Interculturais Como Inovação Pedagógica na Escola Indígena Kambiwá Pedro Ferreira de Queiroz – Ibimirim/Pernambuco-Brasil. Esta comunicação constitui um recorte de uma pesquisa de doutoramento que está sendo realizada na Universidade da Madeira/UMa-Portugal. A questão que rege este estudo se instaura no contexto da institucionalização de uma educação intercultural como inovação pedagógica na comunidade indígena KAMBIWÁ. Trata-se, pois, de uma pesquisa etnográfica, no âmbito da institucionalização da Educação Escolar Indígena, diferenciada, num mundo globalizado, em que os saberes constituídos na escola têm sido vistos, pelos povos indígenas, como componentes de valorização da cultura local e como invariante cultural, no que se refere à inovação pedagógica das práticas educativas na comunidade referida. Com base nessa constatação, a pesquisa aponta como resultados parciais que, apesar das normas e regulamentos da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco estarem sendo revistos, considerando as especificidades das escolas indígenas, apresentamse, ainda, inúmeros desafios, como, por exemplo, quanto à adoção de metodologias e processos de avaliação que apoiem e reforcem práticas educativas interculturais como inovação pedagógica nas escolas indígenas regidas pela Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco. (mfranca5ster@gmail.com) Renato Athias (PPGA-NEPE-UFPE Paah Sak Tëg – Prática de Ensino, Escola e Interculturalidade entre os Hupd´äh

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As questões colocadas nesse trabalho são resultados de observações realizadas durante três etapas (2005 a 2007) do II Curso de Magistério Indígena, entre os Hupdah, Yuhup e Dâw, povos do Noroeste amazônico conhecidos como pertencentes a família lingüística Nadöb (os Maku, ou ainda Nadawhup); moradores do Alto Rio Negro. As principais inferências nesse trabalho estão colocadas no âmbito da antropologia e da etnolingüística apoiando a educação indígena tal como desenvolvida no Brasil como campo disciplinar. Nessas três etapas do referido curso de magistério indígena pode-se observar, de um lado, o crescente interesse dos 42 participantes, das etnias acima mencionadas, em buscar conteúdos para as escolas indígenas de suas comunidades. Sabemos, no entanto, que essas escolas foram criadas a partir de uma pedagogia missionária, salesiana e desenvolvida pelos povos Tukano e Arawak, no processo de contato com esses indígenas. De outro lado, esse curso de magistério busca apoiar-se em uma “pedagogia construtivista” e intercultural, onde os conteúdos são elaborados em conjunto com todos os participantes. Evidentemente, esses conteúdos e significações estão alicerçados na cultura e expressões desses povos no decorrer do curso. Uma das grandes questões colocadas pelos participantes está direcionada no âmbito das metodologias de ensino. Eles perguntam sobre como eles próprios devem “ensinar” nas escolas, em outras palavras: como podemos colocar em práticas esses conteúdos para os alunos da escola. Tal como vêm formuladas as questões nos apontam para um grande dilema na prática pedagógica: a existência de uma dificuldade crescente por parte dos professores indígenas no desenvolvimento de suas práticas de ensino em escolas que são significadas como sendo “escolas indígenas” sem, no entanto aprofundar o estabelecer um diálogo com as práticas tradicionais de transmissão de conhecimentos. Em última instância esse trabalho visa a discussão das práticas tradicionais indígenas de transmissão de conhecimentos no âmbito da educação escolar indígena entre os Hupdah na região do Rio Tiquié, Alto Rio Negro, Brasil. (renato.athias@ufpe.br) Erlon Fabio de Jesus Costa (UNB), Francisco de Moura Cândido Apurinã (UNB) Maria Helena Fialho (UNB) Nós e Todos: Possibilidades de um Diálogo de Saberes Entre a Educação Indígena Diferenciada e o Ensino Regular A proposta do trabalho é apresentar possibilidades de interface entre a educação formal regular e a educação indígena diferenciada, numa perspectiva voltada para os primeiros anos da vida escolar. Buscaremos traçar um paralelo a partir de um contexto cosmológico e das relações educacionais, dando um enfoque ao ciclo da infância. Como nos lembra Sahlins (1993, p.16, apud ALBERT, 2002, p.13), ao incluir o universo dentro do próprio esquema cultural, um povo abre um espaço definido na reprodução de sua comunidade imediata a seres e coisas que estão além dela. Deuses e inimigos, ancestrais ou afins, de várias formas, os outros representam a condição necessária da existência de uma sociedade. O que pretendemos nesse trabalho, é fazer o seguinte exercício: dado que o “outro representa a condição necessária da existência de uma sociedade”, interessa-nos pensar, de que forma esse “outro”, o “indígena”, através de suas sociocosmologias podem nos auxiliar na construção de projetos de educação escolar, na perspectiva intercultural, da valorização das diferenças. No encontro com esse “outro”, estabelecer relações de aprendizagens, de trocas, de respeito às diferenças étnico-culturais que formam a nossa sociedade. Interessanos pensar, portanto, em que medida podemos construir experiências de educação escolar, desde a educação infantil, onde as relações étnico-raciais sejam valorizadas e vivenciadas a

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partir desse encontro com o outro. Ademais, pretendemos pensar as relações étnicoraciais no contexto da educação infantil, sobretudo a partir do que determina a Lei 11.645/2008, que institui nos sistemas de ensino, públicos e particulares de todo o país, o ensino de história e cultura indígena. Dado que nossas relações interculturais, construídas ao longo de nossa história, buscaram, a todo o momento, descaracterizar as diferenças culturais que constituíam o nosso país, sobretudo as relacionadas aos povos indígenas e tendo em vista as novas exigências trazidas pelas Lei 11.645/2008; é de extrema importância construirmos outra forma de relação com os povos indígenas de nosso país, no sentido da valorização de suas histórias, cosmologias e culturas. (erlonfabiocosta@hotmail.com) Francielen Menezes Rocha (UESC-BA), Lorena Saraiva Lima (UESC-BA) O Eu e o Outro: as Relações Interétnicas na Escola Indígena Tupinambá de Olivença Esta comunicação discorre sobre a experiência da descoberta do outro, a partir da nossa atuação como bolsistas junto à Escola Estadual Indígena Tupinambá de Olivença (EEITO), por meio do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência – PIBID/CAPES/UESC. Neste contexto, foi possível observar o cotidiano escolar e perceber a relação interétnica estabelecida entre índios e não-índios. Nosso objetivo é oferecer uma contribuição na busca da compreensão sobre a diversidade sociocultural e às questões de alteridade no universo escolar indígena. Esta experiência se articula ao contexto da aprendizagem intercultural mais ampla, bem como busca analisar o papel que desempenha nas relações que esse grupo indígena mantém com os agentes da sociedade nacional. Nesse sentido, o processo presente nas interações dessas relações, ao longo de uma trajetória histórica brasileira, constitui-se em um contexto multifacetado e dinâmico. Assim, nossa atuação junto à Escola Estadual Indígena Tupinambá de Olivença, pautou-se na apreensão das relações interétnicas como experiências dinâmicas (dicotomia entre eu/outro), que possibilita desdobramentos práticos e teóricos. Esse trabalho, assim, procura ponderar acerca de novas perspectivas de compreensão das diferenças e das identidades culturais no universo escolar indígena. Segundo Carlos Skliar, a diversidade multiplica suas identidades, configurando o espaço de novos, múltiplos e ambivalentes significados. Entre a identidade (o eu, o mesmo) e a alteridade (o outro, o diferente) se produzem processos de tradução e de negociação. O reconhecimento do outro a partir dos complexos processos que constituem sua subjetividade, permitem compreendê-lo em sua alteridade. Reconhecer a alteridade implica acolher a diferença no “outro”. Esse olhar questiona as múltiplas linguagens e revela realidades sociais onde "os diferentes" se expressariam nos códigos e espaços concedidos. É sob esta perspectiva que a interculturalidade se preocupa com as relações entre seres humanos culturalmente diferentes uns dos outros. Intercultural, refere-se a um campo complexo, em que os múltiplos sujeitos sociais, de diferentes perspectivas epistemológicas, com diversas práticas e variados contextos sociais, dialogam. A perspectiva intercultural deixa de ser assumida como um processo de formação de conceitos, valores e atitudes. Passa a ser entendida como o processo construído pela relação entre diferentes sujeitos, criando contextos interativos. Nesse sentido é, propriamente, um sujeito que se insere num processo de interação com outros sujeitos. Um estudo mais atento também poderá revelar processos de significação e apropriação simbólica e material nas zonas de contato, indicando caminhos fecundos para se pensar a relação dentro e fora das aldeias indígenas. Este é o arcabouço

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teórico que utilizamos para narrar as experiências que vivenciamos como bolsistas junto à Escola Estadual Indígena Tupinambá de Olivença (EEITO), por meio do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID/CAPES/UESC. (francielen.menezes@gmail.com) Lucimara Tóffano Paulino (UESC-BA), Kaliana Oliveira da Hora (UESC-BA), Ramaiana Batista de Menezes (UESC-BA) História e Etnoterritório: Abordagens do Ensino de História O presente trabalho discorre sobre os resultados de uma experiência de intervenção dos bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência–História, realizado na Escola Estadual Indígena Tupinambá de Olivença, localizada no município de Ilhéus/BA, por meio da oficina “Olivença - tempo, território e memória Tupinambá”, realizada no ano de 2011, com os estudantes do ensino fundamental II. A temática “Territorialidade” considerou que a perpetuação da cultura indígena não ocorre sem o território. O propósito buscou a compreensão da dinâmica cultural e histórica do território ocupado pelos Tupinambá de Olivença, grupo étnico considerado extinto pela historiografia tradicional no fim do século XIX e que reaparece no cenário historiográfico no final da década de 1980, configurando-se como “remanescentes emergentes”, conforme aponta Pacheco de Oliveira em seus estudos sobre etnicidade no Nordeste Indígena. A proposta discutiu a apropriação do espaço ocupado pelos indígenas, a partir da sua inserção no aldeamento Nossa Senhora da Escada, possibilitando a reflexão por parte do estudante acerca de seu papel históricosocial, enquanto Tupinambá. A oficina tratou de aspectos do cotidiano Tupinambá no aldeamento, sobre a permanência e história dos indígenas, destacando a legitimidade na demarcação do território. Dessa forma, após as ações da oficina, que contou com recursos audiovisuais, imagens, relatos e depoimentos de pessoas da comunidade Tupinambá, com apoio teórico de autores que tratam do ensino de história, a exemplo de Cabrini (2000) e as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena, autores referentes a história indígena: Almeida (2010), Marcis (2004) entre outros; percebemos particularidades e abrangências da prática pedagógica em uma escola indígena, como a adequação da prática de ensino à realidade dos alunos e valorização da cultura e história. A proposta pedagógica apóia-se na Lei 11.645/2008, que tornou obrigatório o Ensino da Cultura Afro-brasileira e Indígena nas escolas regulares. Este encontro foi a oportunidade de apreender o assunto com quem o conhece: os atores e autores da História Indígena. Destaca-se que os materiais coletados serão utilizados na confecção de um material didático a ser distribuídos na rede regular de ensino. (marinhatoffano@homail.com; kalihistoria@bol.com.br ; ramaiana_batista@hotmail.com ) Lauro José de Albuquerque Prestes (UFRR) Povos Indígenas e Educação: Construíndo Práticas de Respeito à Diversidade em Roraima O objetivo deste paper é problematizar o conjunto de princípios e ações práticas que orientam o trabalho do professor indígena e/ou não-indígena frente ao Plano de Gestão da Educação Indígena de Roraima/RR. Evidencia-se com este estudo, a necessidade desta estrutura normativa em cumprir com os requisitos necessários para a oferta de uma

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educação escolar indígena diferenciada, que atenda as normas e diretrizes da política nacional (LEI Nº 10.172/01 do Plano Nacional de Educação; RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 3/99, art. 6º - § Único e art. 12; PARECER CNE Nº 14/99 – itens 3º; Decreto Nº 26/91; Portaria Nº 556/91) quanto à cobertura em educação das populações etnicamente constituídas, localizadas em território nacional. Busca-se pensar a trajetória de construção da Educação Indígena em Roraima, enquanto chave de interpretação para o reconhecimento e convivência com a diferença étnica em um contexto intercultural. (lauro.prestes@yahoo.com.br ) Dayse Sacramento de Oliveira (Secretaria de Educação - BA) Relações Entre a Educação, a Identidade e o Corpo de Meninas Negras em uma Escola de Paripe: Eu sou Preta(!)(?) O presente trabalho é fruto de uma pesquisa em andamento acerca das percepções de meninas negras, entre treze e dezoito anos, sobre traços simbólicos do corpo negro, alunas de um colégio da rede estadual de educação da Bahia, o Colégio Estadual Edson Tenório de Albuquerque (CEETA), localizado no bairro de Paripe, no subúrbio ferroviário de Salvador, que fizeram parte de um curso de Modelo e Manequim promovido pela escola citada. Considerarei como pertencentes ao segmento negro, neste trabalho, as pessoas classificadas pelo censo demográfico como “pretas e pardas”, ou ainda, aquelas que se autoclassificarem como negras, mesmo aquelas que apresentam a cor da pele “mais clara”, demonstrando a existência da mestiçagem. A motivação por um estudo desta natureza partiu de minha experiência pessoal, porém, o cotidiano de minha prática docente me fez identificar o discurso da negação e expiação acerca dos traços simbólicos do corpo negro, principalmente sobre a boca, o nariz e o cabelo. Entre os vários momentos de contato na escola que trabalho, houve três depoimentos, em especial, que me chamaram atenção. No primeiro, a menina fez a comparação dos seus cabelos crespos com esponjas de aço; no segundo, uma outra adolescente aponta a necessidade urgente de fazer uma cirurgia plástica para a redução do nariz, a fim de ter traços “finos” e “delicados” e, por fim, o terceiro, em que uma outra menina tem pesquisado na internet formas de maquiagem que diminuam os lábios. Neste sentido, as nossas provocações encontram eco nas pesquisas de Nilma Lino Gomes (2005), que assinala o ambiente escolar como campo de pesquisa sobre a negação da imagem por jovens negras, por entender que a identidade negra também é construída durante a vida escolar das estudantes. Numa escola em que os corpos são “ensinados, disciplinados, medidos, avaliados, examinados, aprovados (ou não), categorizados, magoados, coagidos, consentidos...”, segundo Corrigan, citado por Guacira Lopes Louro. Dentre as atividades desenvolvidas no curso, houve a relação entre aulas teóricas e práticas com militantes da causa da negritude da comunidade local e escolar, além de moradoras (es) do bairro de Paripe, a fim de (re) construir a memória e a trajetória dos povos africanos na constituição da/na sociedade brasileira e discutir as relações étnico-raciais na contemporaneidade. Este estudo tem como objetivo promover discussões sobre o processo de formação da identidade negra e suas estratégias de rasuras e permanências, a fim de entender este processo e suscitar alternativas às práticas pedagógicas tradicionais, as quais não têm incorporado o debate sobre as diferenças, mesmo com os avanços no sentido de combater preconceitos através de iniciativas de políticas, como a lei 10.639/03, que instituiu a obrigatoriedade do ensino da História da África e da Cultura Afro-Brasileira, após lutas dos movimentos sociais para construir espaços de inclusão e que contemplem a

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diversidade. As atividades propostas através do curso sugeriram a condução das estudantes na formação de uma imagem que representasse a estética negra, longe dos padrões eurocêntricos, identificados nos discursos de negação dos traços físicos como a boca, o nariz e o cabelo nas atividades iniciais do curso. A proposta contemplou uma oficina de estética afro, com ênfase nos penteados afrobrasileiros e uma oficina de automaquiagem, aliadas à oficina de Desfile em passarela e fotografia, com os resultados apresentados na culminância do Projeto Afro-Consciente “Valorizando as Áfricas, celebrando as africanidades” do CEETA, que está na sua quarta edição este ano. Este evento tem o caráter científico, político e cultural, que propõe dar voz ao silêncio da escola sobre as dinâmicas discriminatórias que são (re) produzidas pela mídia, pela negligência histórica da sociedade brasileira com a população negra e pelo não-reconhecimento da participação dos povos de África na formação do Brasil de forma violenta e perversa. (dayse.sacramento@gmail.com) Palloma Cavalcanti Rezende Braga (PPGA - UFPE) Projeto de Ilustrações Indígenas num Programa Básico Ambiental para os Índios Bororo Como forma de mitigação dos impactos ambientais que poderão ocorrer nas proximidades das aldeias bororo, localizadas nas Terras Indígenas Tandarinama, Jarudore e Tereza Cristina, em vista das instalações de uma linha de transmissão em 500 KV, foi criado o Projeto Básico ambiental para a etnia Bororo, cujo um dos subprogramas se refere à produção do conhecimento a partir de ilustrações indígenas. Essa produção, que irá compor a cartilha simplificada do EIA (Estudo de Impacto Ambiental), é uma ferramenta de registro interessante para os indígenas, na medida em que traduz as demandas sociais e ambientais que sustentam a cultura Bororo. Foram realizadas três oficinas de ilustrações, uma em cada Terra Indígena envolvida com o programa, com a colaboração das escolas bilíngües locais. Os desenhos produzidos por indígenas, com idade entre 5 a 17 anos, deflagram não só um profundo conhecimento acerca da importância em manter a natureza equilibrada, através de ilustrações dos recursos vegetais e animais que os rodeiam e que servem para o consumo, mais ainda, fundamentam as escolas bilíngües das aldeias bororo como instituições primeiras no trabalho de sustentação da cultura tradicional indígena. As ilustrações, que dizem respeito às especificidades culturais entre índios do Pantanal MatoGrossense, são, para os indígenas, formas de expressar elementos da natureza que devem permanecer fora da influência negativa e impactante exercidas pelas construções tecnológicas modernas. As figuras mais ilustradas pelos indígenas foram: desenhos de árvores, como jenipapo (bie), babaçu (noido), aroeira (burudi), e principalmente, árvore de ipê (ema) e pé de piqui (eko); e desenhos de animais, como o Peixes (acurara); o Tatu Peba (Okwaru), a Vaca (tapira), a Capivara (Akiwa), o Macaco (Juko) e a Cobra (Awagu) Os desenhos trouxeram ainda, como destaque, a importância das onças pardas e pintadas (Aigo e Adugo), animais ferozes que rodeiam as regiões indígenas do Pantanal, e estão, principalmente, nas margens do Rio São Lourenço (Pagubo cereu), rio que se localiza no quintal da aldeia Bororo Côrrego Grande, ou Gomes Carneiro (Terras Indígenas Tereza Cristina) A existência das onças são fundamentais para a continuidade de rituais específicos entre os Bororo, como o ritual do couro da onça, que ocorre durante a cerimônia fúnebre, conforme descreve com profundidade o padre Mario Bordignon, no livro “ADUGO BIRI Ritual do Couro da onça” (2010) Também foi referenciada nos desenhos, a importância das aves para o povo Bororo, principalmente das araras vermelhas (Nabure), das araras amarelas

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(koido) e do Papagaio (Kuritaga) Além dos recursos vegetais e animais, os desenhistas das oficinas também destacaram figuras de grande importância espiritual para os Bororo, como desenhos que ilustram o Baito, a Casa Central da aldeia, um dia referenciado pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss como a casa dos homens (1996), onde as mulheres eram proibidas de adentrar. Entretanto, na verdade, a casa central é um local onde dormem homens e mulheres solteiras da aldeia. O Baito tem significado sagrado na tradição Bororo, seu uso pelos indígenas segue regras, como, por exemplo, pessoas da metade Tugarege só podem adentrar no espaço do Baito pela porta do lado esquerdo, enquanto que pessoas da metade ecerae só podem adentrar pela porta que se localiza ao lado direito. Desenhos retratando as queimadas na região pelos fazendeiros como ações corriqueiras (Boru Eene Boa Todu), e desenhos que abordam a escassez de recursos animais no Rio Pogubo (Rio Vermelho), que passa nas terras indígenas Tandarinama e Jarudore, e que também vem ao encontro do rio São Lourenço, nas Terras Indígenas Tereza Cristina, também obtiveram destaque nas produções das oficinas. Nesse sentido, os desenhistas não só traduziram elementos da natureza que necessitam de atenção para que não venham a desaparecer, bem como, elementos da natureza que já estão em processo de degradação ambiental na região, em vista das instalações de linhas de transmissão e construções de rodovias. O objetivo desse trabalho será visibilizar o material produzido nas oficinas de ilustrações indígenas, propondo discutir o papel do Projeto Básico Ambiental como alternativa de diminuição de impactos em áreas indígenas. Também será interessante a discussão, a partir dos registros ilustrados, do que se tem produzido até hoje sobre os povos Bororo, como forma de reviver as produções literárias e antropológicas que abordam a tradição indígena do planalto Central Mato Grossense. (pallomabr@bol.com.br) Viviane Paiva (História - UESC) Relações interétnicas através da educação: aprender para compartilhar O trabalho pretende abordar ações vividas a partir da participação do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - Subprojeto de História, iniciado em 2010/2012. É um programa do Ministério da Educação, gerenciado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, cujo objetivo maior é o incentivo à formação de professores para a educação básica e a elevação da qualidade da escola pública. A proposta do subprojeto História da Universidade Estadual de Santa Cruz é de preparar discentes a fim de que possam, junto aos indígenas, perceber, construir e aprender meios eficazes para prática da Lei 11.645/2008-LDB nas escolas. Essa lei inclui, no currículo oficial da rede de ensino, a obrigatoriedade do estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. Ao tomar por base essa experiência, fez-se pensar nas possibilidades de convivência e na troca de informações, um aprendizado recíproco. À medida que aprendemos sobre eles, construímos um novo olhar sobre esse grupo indígena, quebrando tabus, ampliando nossos conhecimentos. Propomos a discussão sobre as dificuldades encontradas por professores da rede de ensino no município de Itabuna-Ba, em relação à aplicabilidade da lei e, ao mesmo tempo, refletimos sobre a possibilidade de realizarmos o ensino com base nos atores sociais indígenas de Olivença-BA. Além disso, apresentaremos o programa, sua metodologia e objetivo. Com o intuito de atender essa necessidade, o Programa de Iniciação à Docência proporciona aos bolsistas "beber da fonte", para que seja ofertada a sociedade um profissional capacitado para contribuir para a melhoria da qualidade do ensino no país. A atuação é na Escola Estadual Indígena Tupinambá de

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Olivença. O trabalho do PIBID-História/UESC é dividido em três fases. A primeira fase é de observação de aulas, participação em seminários e realização de um seminário, eventos, reuniões de pais e docentes, leitura de textos, debates e reuniões pedagógicas com a coordenação do subprojeto. Para facilitar o trabalho, os bolsistas foram divididos em uma escala de visitação à escola para não atrapalhar o andamento das aulas, sendo que, a cada dia, três ou dois bolsistas estão presentes na escola nos turnos matutino e vespertino. Passamos um bom período observando o funcionamento da escola, as práticas pedagógicas dos docentes, o significado da escola para os pais e estudantes, as dificuldades enfrentadas pelos alunos. Na segunda fase, passamos a atuar de maneira direta na escola, em aulas e oficinas, nos reunimos com o supervisor para preparar as oficinas com temáticas destinadas a construção de material pedagógico diferenciado, para as turmas de Educação infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. Pretende-se coletar trabalhos realizados por alunos de faixa etárias e série diferentes, para produzir material de ensino sobre os Tupinambás de Olivença. Essa produção é a terceira fase, mas ainda não foi iniciada. Todavia, enquanto discentes do curso de história, buscamos aprender sobre a história de resistência, lutas, atos de violência, preconceitos, discriminação, dos indígenas. Professores da rede municipal de ensino solidificam uma imagem construída por "outros", sobre os índios (em especial sobre os Tupinambás de Olivença), contribuindo para que as agressões e a não aceitação desse povo permaneçam e continue crescendo através dos alunos, crianças curiosas sedentas por conhecimento. Ademais, faz uma reflexão sobre o ensino de história indígena nas escolas municipais de Itabuna, com depoimentos sobre a imagem do índio na escola, a partir da experiência de estágio em duas escolas de Itabuna. Questões serão avaliadas, como o descaso do governo, ao tomar procedimentos que contribuam para (in) formação dos professores da rede, a fim de que aprendam estratégias e a história do grupo étnico mais próximo; ou descaso dos professores, ao não agirem de forma a motivar que os alunos construam suas próprias opiniões sobre os índios Tupinambás. Concluímos percebendo a relevância do programa para formação diferenciada dos bolsistas e a responsabilidade social dos mesmos. (viviam-paiva@hotmail.com ) Marta Ribeiro Sena (Pedagogia UNEB) O Silenciamento do Preconceito Étnico-Racial na Prática Pedagógica da Educação Infantil A presente comunicação tem como objetivo analisar a relação entre alunos e professores sobre a questão do preconceito étnico-racial na educação infantil. O referencial teórico que subsidiou a análise desta pesquisa está pautado em (CAVALLEIRO, 2000,2001; FAZZI, 2004; MUNANGA, 2003; SCHWARCZ, 1996; SILVA 2005; LEI 10. 639/ 2003). Assim parti da observação da realidade da Escola Municipal de Educação Infantil, (Emei), seguida de questionários com os professores e conversas informais com as crianças. Abordarei como o preconceito etnico-racial se apresenta na sala de aula e de que forma ele atinge os sujeitos neste espaço escolar. Foram observados os comportamentos dos alunos diante de situações de preconceitos raciais, como a escola trabalha o processo de socialização infantil e a prática pedagógica desses professores relacionando-a a Lei 10.639/03 que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira no currículo escolar. A diversidade étnica da sociedade e do espaço escolar é um tema que parece não ter importância para o desenvolvimento escolar. Percebeu-se que ao se falar sobre preconceito racial na educação infantil a maioria das professoras afirmam existir, mas quando se questiona a forma que elas trabalham para acabar com esse preconceito verifica-se em suas

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falas que a preocupação em trabalhar as questões étnicas ainda ocorre de forma irrisória, sobretudo nas datas comemorativas. Portanto percebe-se que a preparação dos profissionais da educação para lidar com situações de racismo na escola é indispensável para se fazer uma educação para a diversidade étnica. Maria Rita Py Dutra (PPG Ciências Sociais/ UFSM Rompendo Barreiras: relação entre capital cultural e consciência Este estudo teve por objetivo identificar os fatores predominantes na relação entre capital cultural e consciência racial na escolha da profissão de cinco professoras negras que atuam nos anos iniciais na rede de ensino do município de Santa Maria-RS. O problema que norteou meu trabalho foi “qual a relação entre o capital cultural e a consciência racial na escolha da profissão de professoras negras?”, investiguei se a formação intelectual dos agentes sociais pesquisados de alguma forma influenciou sua opção profissional. O objetivo geral da pesquisa foi identificar os fatores determinantes na construção do capital cultural e consciência racial na escolha da profissão dessas professoras. Os objetivos específicos foram identificar as expectativas de professoras com relação a sua profissão; identificar as evidências de consciência racial entre as professoras entrevistadas; relacionar as evidências do capital cultural entre as professoras pesquisadas; relacionar como a consciência negra das professoras se reflete em sua prática docente e por fim, verificar a metodologia de trabalho adotada pelos agentes sociais da pesquisa, em seu fazer pedagógico, com relação à temática étnico-racial. Optei em trabalhar com a etnografia e empreguei outras técnicas, como a observação participante, entrevistas semidirigidas e abertas, grupo focal e trajetórias de vida. A pesquisa aconteceu em duas escolas: uma Escola Municipal de Ensino Fundamental, situada na região oeste da cidade, onde trabalhavam quatro professoras negras e, em uma Escola Estadual de Ensino Fundamental, localizada na região leste do município, onde atuava a quinta professora afrodescendente. Realizou-se também em dois momentos, no primeiro, foi apresentada a pesquisa, com realização de observações e entrevistas. No segundo, a partir do mês de agosto, a pesquisa foi sobre trajetórias de vida das entrevistadas. Bourdieu (2000, p. 189) conceitua trajetória como uma “série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessantes transformações”. Considero que a pesquisa “Rompendo barreiras” virá se somar às pesquisas de trajetórias já realizadas, acrescentando os fatores determinantes na construção do capital cultural institucionalizado e da consciência racial, na escolha da profissão dessas professoras. O povo negro na condição de escravizado, atravessou o Atlântico e aqui chegando enfrentou a barreira da linguagem, dos trabalhos forçados, da preservação de sua identidade, seus valores e crenças, até do acesso à escola, pois a ela era impedido de frequentar. Reconhecendo a educação como fator de inclusão social e sem o conjunto de relacionamentos sociais influentes que uma família ou indivíduo pode contar para a sua manutenção e reprodução, foi através do encaminhamento de suas filhas para os cursos de Magistério que a família negra buscou a ascensão social. Até que ponto a consciência racial incidiu sobre a escolha da profissão? Como se evidenciam a consciência racial e o capital cultural dentre as entrevistadas? São respostas que obterei ao final dessa pesquisa, daí sua importância. É neste cenário que apresento os resultados iniciais da pesquisa “Rompendo Barreiras”, ainda em andamento. (mrpy54@gmail.com)

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Painel dos Projetos de Pesquisas em Andamento Coordenação: Alexandre Gomes e Ana Laura Loureiro Gloria Scappini (Universidad Católica de Assunción - Paraguay) El antecedente nacionalista-indigenista como contexto de etnicidad truncada en el Paraguay. Este proyecto de investigación tiene como eje el estudio del proceso de etnicidad vivido por el pueblo Mbya-Guarani en Paraguay a partir de un análisis de sus prácticas de movilidad espacial hacia los centros urbanos. A partir del análisis socio-histórico de la construcción formal y no formal del imaginario nacional paraguayo y la función del símbolo indígena en los procesos de reproducción de sistemas de representación coloniales, se intenta articular la observación de los fenómenos de indianidad actuales como reacciones o consecuencias - según el caso - del peso de una política indigenista aplicada dentro del marco de la corriente de pensamiento histórico-político novecentista, comúnmente llamada ¨nacionalismo-indigenismo”. Se trata entonces, a nivel metodológico, establecer líneas de lectura de la realidad étnica Guaraní en el Paraguay haciendo hincapié en los mecanismos de construcción y alimentación de la memoria colectiva nacional y el paradigma desatado por una presencia urbana que claramente rompe con los imaginarios, oponiendo el icono ancestral del origen Guaraní del pueblo paraguayo a la contemporaneidad de una presencia Guaraní muy contemporánea y por ende molestosa. (gloria.scappinimeza@gmail.com) Lorenzo Grimaldi (PPGA/UFPE) Ser Q’ueqchi’: religião, identidade e conflito armado em Guatemala Este trabalho consiste em uma elaboração dos dados recolhidos em dois momentos de pesquisa entre os Maya-Q‟ueqchi‟es da região do Petén em Guatemala: o primeiro em 2005, durante um período de seis meses, e o segundo em 2007, durante um período de três meses. A partir da analise de um ritual, o Mayejak (culto as montanha sagradas), proponho um estudo das dinâmicas sociais, relacionadas com as mudanças religiosas no contexto da guerra civil, que levaram a formação da identidade étnica Q‟eqchi‟. Naquelas que o antropólogo inglês Richard Wilson chama de “comunidade tradicional sagrada”, a relação com as montanhas sagradas é mantida pelos anciões, que nos sonhos tem visões dos espíritos das montanhas - tzuultaq‟as - e aprendem suas características, caráter, sexo, em um verdadeiro processo de antropomorfização das montanhas. As montanhas sagradas que rodeiam a comunidade são, assim, conhecidas pelos seus membros através da intermediação dos anciões, que guiam os rituais. No meu estudo, pude analisar a dinamicidade da figura dos tzuultaq‟as, que não representam uma herança pré-colombiana estática. Ao contrário, eles se formaram no curso das experiências pré-colombiana, colonial e pós-colonial. A guerra civil começou em 1960 e terminou com a firma dos acordos de paz em 1996. Durante esses anos, o conflito armado chegou nas aldeias Q‟ueqchi‟es de diferentes formas. No começo, uma das estratégias de contra-guerrilha era aquela dos assassinatos planejados, cujas vítimas foram as pessoas com capacidade de agregar a comunidade, curandeiros, xamãs, catequistas, entre outros. As conseqüências mais

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dramáticas do conflito chegaram nos anos 80-82, com os governos de Lucas Garcia e Rios Montt, quando foi planejada e executada a política da terra arrasada (anos nos quais Rios Montt, pertencente a igreja evangélica „O verbo‟, apoiou o desenvolvimento das igrejas neopentecostais em Guatemala) Inteiras comunidades acusadas de ter alguma relação com a guerrilha foram exterminadas, outras, que tiveram maior sorte, foram organizadas militarmente pelo ex[ercito. Em alguns lugares, foram criadas as aldeias-modelo, aonde foram reunidas pessoas de diferentes comunidades. Também foi criada a instituição da Patrulha de Autodefesa Civil (PAC), onde todos os homens foram armados na „presumida‟ defesa da própria comunidade contra „os terroristas subversivos‟ - segundo a propaganda do exército – em uma verdadeira militarização das comunidades rurais. A situação de guerra foi o catalisador do nascimento dos movimentos indígenas, onde dirigentes políticos tiveram um papel fundamental em criar - a partir de elementos existentes – uma imaginação coletiva ligada à identidade indígena em geral, e étnica, em particular. Analisando os movimentos indígenas nos paises centroandinos, o antropologo Ramón Pajuelo Tevez mostra como: “as lutas indígenas do presente não são tanto o resultado da permanência de identidades indígenas – isto é, da suposta continuidade de seus rasgos prehispânicos a pesar do transcorrer do tempo – mas bem de processos contemporâneos, recentes, de „reinvenção‟ de ditas identidades e culturas”. Fenômenos contemporâneos que levam ao surgimento de mobilizações étnicas. No caso do Guatemala e dos Q‟eqchi‟es isto foi possível conjuntamente com outros processos igualmente relacionados ao conflito, dois dos quais serão analisados nesse trabalho. Primeiro a instauração de um espaço emotivo de extrema vulnerabilidade, que chamamos de espaço da morte, segundo a terminologia de Michael Taussing (Cultura del terrore, spazio della morte) A existência desse espaço é relacionada à destruição ou afastamento dos espaços sociais e simbólicos a través dos quais diferentes comunidades construíam diferentes identidades baseadas nas “comunidades sagradas tradicionais”. A violência do conflito obrigou, em muitos casos, ao abandono dos lugares nativos, a condições extremas de precariedade de vida na selva, à perca de um sistema de referência baseado na religião. Nos anos 70, depois do Concilio Vaticano II, o trabalho dos catequistas foi de incrível importância na mudança das antigas estruturas de poder gerontocráticas, disponibilizando um novo universo simbólico e apoiando o movimento indígena na criação de um sentimento de resgate da tradição, da cultura Q‟eqchi‟, contribuindo assim à formação da identidade étnica. O antropólogo inglês Richard Wilson, no seu texto Ametralladoras y espiritus de la montaña, enfatiza a importância da Igreja Católica e dos catequistas na formação da identidade étnica: “As pessoas falam de si mesmas como pertencentes a uma localidade, uma comunidade ou um município. O Q‟ueqchi‟ era simplesmente a língua falada e a palavra Q‟ueqchi‟ indicava mais uma capacidade lingüística do que uma etnicidade. A igreja católica utilizou em seus cursos o conceito de „o Queqchi‟‟, para significar valores e características culturais compartilhadas, que na realidade podiam mudar. Uma identidade étnica baseada na língua, que no passado foi débil, foi potenciada, sem duvida, com muita força”. Minha pesquisa tenta ver a formação dessa „alteridade‟ como um processo que acontece por diferentes dinâmicas sociais ligadas ao conflito armado (ação dos catequistas, situação subjetiva denominada de „espaço da morte‟, ação dos movimentos indígenas), tentando conjugar relações de poder nacionais e globais com história e cultura local e com o contexto emocional subjetivo. (piesencamino@yahoo.it)

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Rodrigo Oliveira Braga Reis (PPGA-UFPE) Territorialidades e Conflitos em Fronteira: Os Matsés Na Fronteira Brasil-Peru A pesquisa em andamento insere-se na temática da relação entre etnicidade e nacionalidade como expressões identitárias interrelacionadas em um espaço sócio-cultural de fronteiras políticas entre países. As fronteiras configuram-se espaços em constante transformação, os quais possibilitam observar as estratégias dos Estados e das populações locais de definição e redefinição territorial. Constituem-se, portanto, em tema profícuo para análises dos processos migratórios, dos conflitos sociais e da formação de identidades étnicas, nacionais e transnacionais. A consolidação dos Estados-Nacionais latino-americanos a partir do século XIX, fundamentou-se em relações sociais, políticas e econômicas desenvolvidas no período colonial. O processo de estabelecimento das fronteiras geopolíticas através da delimitação territorial e de políticas para garantia da soberania nacional e, ao mesmo tempo, nacionalização das populações indígenas das regiões de fronteira, representou – para os povos ameríndios que sobreviveram à violência da colonização européia – a continuidade de violentas práticas jurídicas, políticas e ideológicas. A este respeito, a literatura informa que a região de fronteiras entre Brasil, Colômbia e Peru, se consolidou sobre o território ancestral de diversas etnias, dentre elas os Ticuna e os Matsés. Refletimos sobre a temática da etnicidade e nacionalidade em fronteiras, de forma geral, e, em especial, sobre os Matsés. Apesar da vasta literatura etnológica existente sobre os povos Pano, muito pouco se escreveu sobre os Matsés. Entre as pesquisas realizadas sobre os Matsés no Peru, encontramos duas teses de doutorado (Romanoff, 1984; Matlock, 2002) e alguns trabalhos manuscritos (Calixto, 1985, 1986a, 1986b, 1987) No Brasil, há uma dissertação de mestrado (Coutinho Jr., 1993), trabalhos etnológicos de pequeno porte produzidos por antropólogos nos estudos preliminares e campanhas para a demarcação da Terra Indígena do Vale do Javari (Cavuscens, S. & Neves, L. J., 1986) e o próprio relatório de identificação (Coutinho Jr.,1998) Informações mais recentes sobre os Matsés no Brasil estão sendo produzidas pela equipe do Centro de Trabalho Indigenista - CTI, especialmente por Beatriz de Almeida Matos, que além dos relatórios e informativos da referida organização indigenista, defendeu em 2009 a dissertação intitulada: “Os Matsés e os Outros – elementos para a etnografia de um povo indígena do Javari”. Neste trabalho, adotamos a noção de território enquanto aquele materializado no espaço como um campo de forças, definido e delimitado por relações de poder (RAFFESTIN, 1993), disputadas e/ou combinadas entre o poder do Estado e o poder do grupo. Em outras palavras, o território é uma construção social, sujeita às transformações históricas que produzem diferentes grupos humanos em contínua interrelação, os quais competem pelo controle e apropriação de recursos econômicos e pelo poder político dentro de um espaço geográfico definido. Para tanto, a utilização de técnicas de Cartografia Social apresenta-se como caminho viável para a construção de uma base empírica dos fluxos, mobilidade e assentamento dos Matsés na fronteira, de suas principais características socioculturais e da complexidade de suas relações étnicas e interétnicas. Fundamentada conceitualmente na investigação-ação-participativa, nos parece ser a ferramenta mais adequada para a aproximação da comunidade e do modo como ela constrói, delimita e significa seu espaço geográfico, socioeconômico e histórico-cultural. Isto se torna possível a partir da elaboração coletiva de mapas, a qual desperta processos de comunicação entre os participantes e põe em evidência diferentes tipos de saberes que,

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juntos, produzem uma imagem coletiva do território. Serão elaborados mapas do passado, do presente e do futuro, assim como "mapas temáticos", que nos permitam um maior conhecimento do entorno (mapas: administrativo e infra-estrutural, econômico, ecológico, mapa da rede de relações e de conflitos) Estes mapas configuram-se como instrumentos de motivação, reflexão e redescobrimento do território em um processo de consciência relacional, convidando aos habitantes do território a falar sobre eles próprios e as territorialidades. Juntamente com a construção dos mapas, poderão ser utilizados outros instrumentos, como: entrevistas (abertas e estruturadas), observação participante, assim como instrumentos vivenciais, que podem ser: oficinas, trabalhos em equipe, narrativas de experiências cotidianas, plenárias, criação simbólica e material visual. Após a elaboração desta base empírica, procederemos a contraposição entre as informações dos Matsés coletadas no campo através da construção dos mapas, das entrevistas e das narrativas – e as informações oficiais, entendidas como aquelas oriundas das instituições e ações governamentais, tanto do Peru quanto do Brasil. (roliveiraam@gmail.com) Daniela Amoroso (Escola de Dança e Programa de Pos-Graduação em Artes Cênicas/UFBA) Configurações Estéticas em Danças do Brasil: Reflexões Sobre Etnia, Corpo e Contemporaneidade Este trabalho tem como objetivo principal problematizar a criação em dança contemporânea a partir das danças populares, aqui chamadas de “danças do Brasil”. Como ponto de partida, apresenta-se três disparadores conceituais. O primeiro trata da questão da folclorização da dança popular, quando apresentada como espetáculo de dança; o segundo trata da tradução das danças populares em espetáculos de dança, a partir de pesquisas de campo in lócus e da realização de laboratórios de criação; e o terceiro, se refere à criação a partir da apreensão da estética própria das danças populares. Entende-se que essa contextualização revela tensões que contribuem para trazer à tona uma questão presente nos estudos de dança contemporânea: a busca de um corpo que comunique a contemporaneidade. Este estudo resume as discussões realizadas no âmbito do nascente Grupo de Pesquisa em Configurações Estéticas das Danças do Brasil, sob minha responsabilidade, na Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia. Atualmente, o grupo conta com duas bolsistas envolvidas. (daniamoroso@hotmail.com) Nilvânia Barros (PPGA - UFPE) Entre as Imagens dos Ramkokamekrá: Memória Social, Fotografia e Curt Nimuendajú Podemos pensar a coleção etnográfica Carlos Estevão de Oliveira enquanto totalidade, sem nos deter nas especificidades que compõem este acervo. Mas, se dedicamos um olhar mais atento, vamos perceber o seu caráter heterogêneo e o grande número de itens nela contidos, encontrando outras diversas coleções correspondentes aos mais de 50 povos representados por imagem ou pelos objetos deslocados. Em meio a essa diversidade, identificamos o acervo do povo Ramkokamekrá-Canela, que contém cerca de 90 objetos etnográficos, 60 fotografias e a cópia de um manuscrito correspondente aos estudos do povo Timbira. Todo esse material foi coletado e produzido por Curt Nimuendajú ao longo de seis visitas que fez ao povo Canela entre os anos de 1928 e 1936.Desse modo, as fotografias do povo Ramkokamekrá, constituem um corpus riquíssimo para iniciarmos um

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estudo sobre memória social, já que essas fotos são um registro etnológico de 1935, ou seja, registram a vida diária desse povo antes da intervenção do Serviço de Proteção do Índio (SPI) e correspondem a um aspecto importante da organização social: o Kokrit, uma sociedade cerimonial cuja festa não é mais celebrada entre eles. A etnografia desse povo corresponde ao núcleo central da maior monografia de Curt Nimuendajú, The Easterns Timbira (1946) – primeiro trabalho de fôlego sobre a etnia Timbira, editada e traduzida por Robert Lowie.Este projeto se dedica ao conjunto fotográfico do povo Ramkokamekrá, sem deixar de compreendê-lo junto aos demais objetos e documentos do acervo que remetem ao povo Canela. Desse modo, a partir destas fotografias, pretende-se analisar a representação do Kokrit, uma indiscutível referência da memória social desse povo. Para isso, será empreendido um estudo sobre as distintas abordagens que a teoria antropológica tem desenvolvido a respeito da memória social e sobre o uso da imagem fotográfica enquanto instrumento de pesquisa e promoção dessa memória, estabelecendo um diálogo profícuo entre os trabalhos de Maurice Halbwach (1990), Roland Barthes (1984), Boris Kosssoy (1999, 2001) e Myrian Sepúlvera dos Santos (1993, 1998, 2003) O que esse conjunto fotográfico de 1935 pode revelar aos novos membros da sociedade Kokrit, se a fotografia representa um meio de conhecimento da cena passada e, portanto, uma possibilidade de acesso à memória visual do homem e do seu entorno sociocultural? Ao estudar a dinâmica de mudança e identificação de um ritual, através do confronto entre as imagens, a etnografia realizada por Nimuendaju e outra que será produzida no trabalho de campo, buscamos apreender as possibilidades do uso da fotografia enquanto instrumento de promoção do trabalho antropológico, no intuito de abranger e iluminar a compreensão do conceito de memória dentro de um grupo social. A nossa visão sobre o passado é construída com ajuda dos dados que temos do presente. A memória apóia-se sobre um “passado vivido”, mais do que sobre o passado apreendido pela história escrita. Tudo o que nos lembramos do passado faz parte de nossas construções coletivas do presente. A memória coletiva é a memória da sociedade, da totalidade significativa em que se inscrevem e transcorrem as micromemórias pessoais, elos de uma cadeia maior. Como o passado se conserva após ter sido vivenciado? Como os indivíduos situam as experiências que foram vividas em diferentes momentos? Myrian Sepúlveda dos Santos, ressalva que a lembrança do passado não é o ato individual de recordar, mas o resultado de laços de solidariedade, e, como tal, só pode existir porque foi constituída em relação a todo um conjunto de noções e convenções comuns, presentes em pessoas, grupos, lugares, datas, palavras e formas de linguagem, razões e idéias, isto é, em toda a vida material e moral das sociedades das quais nós fazemos ou fizemos parte. Ou seja, a memória é pensada através da experiência de indivíduos que se relacionam entre si e estão localizados no tempo e no espaço, onde os atores e convenções sociais “reconstroem o passado cotidianamente” (SANTOS, 1993, p.150) O presente projeto tem como objetivo geral analisar a memória sobre o ritual Kokrit dos Ramkokamekrá-Canela, através das fotografias de Curt Nimuendajú, realizadas em 1935, uma indiscutível referência da memória social desse povo. E também salientamos como objetivos específicos: i) apontar os principais pontos de continuidades e transformações dos Ramkokamekrá, a partir do registro etnográfico de Curt Nimuendajú; ii) realizar um estudo iconográfico das fotografias; iii) elaborar uma etnografia sobre as sociedade cerimoniais dos Ramkokamekrá, em especial a do Kokrit. Diversos atores – sejam indivíduos, grupos ou nações – utilizam o patrimônio e a memória com o intuito de fortalecer identidades e defender interesses específicos. Nesse sentido, as noções de patrimônio, museu e memória podem ser entendidas não só enquanto construção social, mas especialmente como uma forma de conhecimento. Assim, vamos considerar o museu

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como um lugar da memória e um lugar de memória, ou seja, tanto em um sentido etimológico, quanto através da propalada acepção do historiador Pierre Nora (1984), que define os lugares de memória a partir de três níveis: enquanto lugar material, onde a memória social é ancorada e apreendida pelos sentidos; lugar funcional, cuja função é a de alicerçar memórias coletivas; e como lugar simbólico, onde a memória coletiva e as identidades se revelam/expressam. O intuito principal desta pesquisa não está na alusão às práticas e políticas de salvaguarda da(s) memória(s), mas sim em utilizar a compreensão e os elementos compartilhados pela memória coletiva de um grupo como meio de apreender as possibilidades teóricas e reflexivas que a discussão sobre a memória social pode trazer para o saber antropológico.(nilvaniam@gmail.com ) Kywza Fideles (PPGC – UFPE) O Discurso da Negritude na Música Popular Brasileira Os discursos negritudinistas delinearam uma estética da negritude, desde os primeiros movimentos dentro das tradições afro-religiosas até a influência e reelaboração dessas tradições dentro da música popular brasileira, passando pelo discurso de identidade negra nos diversos ritmos e estilos musicais brasileiros, a exemplo do samba em seus momentos distintos, da MPB das décadas de 1970, 1980 e 1990 e do afro-pop baiano das primeiras décadas citadas, que toma novas dimensões a partir de sua reelaboração no axé music no final do anos 1980 e início da década de 1990. Dentro desse universo, o discurso da negritude passa por momentos distintos, desde as primeiras manifestações das tradições culturais afro-brasileiras até a música popular e a consolidação de alguns gêneros como o samba, o reggae e a MPB no nicho maistraem. Nesse sentido, propõe-se discutir como o processo de reelaboração, desvanecimento e transformação do discurso da negritude tem se dado na música popular brasileira nos últimos anos do século XX e nos primeiros anos deste século. A música popular brasileira sempre esteve permeada e composta nas identificações com a africanidade e com a negritude. Desse modo, faz-se necessário investigar os contornos dos discursos negritudinistas na música a partir da década de 1970 e os caminhos percorridos até então para novos processamentos desses discursos na cultura midiática. Dentro deste universo, com suas fissuras e ramificações, temos como objetivo traçar um perfil dos precursores da negritude moderna na música brasileira e comparar com produções atuais neste sentido. Vale salientar que o objeto se restringe a música e artistas que ocupam um lugar privilegiado na cultura do mainstream. Dessa forma, pretende-se mapear esses perfis do discurso negritudinista a fim de compreender o modo como os mesmos são reelaborados e se reconfiguram, chegando ao momento atual de novas articulações em torno do próprio conceito de negritude. Nesse trabalho, especificamente, tentarei mostrar como estas perspectivas negociam e se dispõem no campo da disputa simbólica. (kywzafideles@gmail.com)

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