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“Já durante algum tempo, organizações se mobilizaram na luta em defesa do Rio São Francisco e contra a transposição, pois o rio tem uma relação histórica com os Povos. A APOINME1 elegeu como prioridade a luta contra transposição. Por diversas oportunidades tentou convencer o Governo da inviabilidade desse projeto. Depois veio o julgamento do Supremo Tribunal Federal - STF, que foi uma decisão tendenciosa, política, influenciada pelo Governo. Isso é um desrespeito. A Constituição assegura direito ao território. Nesses anos, outros tratados foram ratificados, a exemplo da Convenção 169, e as demandas nunca foram garantidas, principalmente as territoriais. A Organização Internacional do Trabalho OIT precisa ficar sabendo que o Brasil não respeita a Convenção 169. A APOINME decidiu fazer um levantamento sobre os impactos desses projetos para os povos indígenas na região do São Francisco. Se esse rio morrer um dia, será uma grande desgraça para todos nós. O projeto é imoral, é inconstitucional sob o ponto de vista dos Povos Indígenas. A gente quer que os Povos externem sua indignação com essa cultura autoritária do Estado. A mobilização cresce justamente em razão da ausência de consultas. O Governo simulou consultas, mas não contemplou Povos Indígenas. Os índios apareceram por iniciativa própria, pelo fato de termos representação no Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, isso deveria ter sido respeitado. A transposição é um dano irreversível, a gente não concorda com isso. Na verdade o Estado Brasileiro vem desenvolvendo uma ação de negação da identidade étnica e, portanto, territorial. Povos reivindicam regularização fundiária há anos e eles não querem fazer porque tem um projeto específico para essa região”. (Uilton Tuxá – Coordenador da APOINME). “Nós lideranças dos Povos Indígenas ribeirinhos, Tuxá de Rodelas, Tuxá de Ibotirama, Tumbalalá, Kiriri de Muquem de São Francisco, Pankararu, Xocó e Truká, e várias lideranças dos Povos Indígenas de Pernambuco,Bahia, Paraíba e Alagoas: Xucuru, Kambiwá, Pankararu, Pipipã, Kapinawá, Pataxó Hãhãhã, Potiguara e Geripankó, queremos afirmar nosso repudio ao Projeto de Transposição do Rio São Francisco, pois a nossa sobrevivência econômica e cultural depende do rio. É deste que irrigamos a terra para plantar e pescamos o peixe para comer. Nossos rituais sagrados tem tudo a ver com o rio, nossas ciências estão nas águas do Velho Chico”. (Carta Aberta dos Povos Indígenas de Pernambuco, Sergipe,Alagoas e Bahia) 1
Figura 1: Uilton Tuxá (NECTAS, 2008) e liderança Pipipã (ZINCLAR/2007).
APOINME – Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.
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EXPEDIENTE PARCERIA • APOINME – Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste. Minas Gerais e Espírito Santo • AATR – Associação de Advogados dos Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia • NECTAS/UNEB – Núcleo de Estudos em Comunidades e Povos Tradicionais e Ações Socioambientais • CPP – Conselho Pastoral l dos Pescadores/NE • CIMI – Conselho Indigenista Missionário APOIO • Projeto de Articulação Popular pela Revitalização do Rio São Francisco • Projeto Nova Cartografia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil/Cartografia dos Povos e Comunidades Tradicionais do São Francisco (UFAM/NECTAS/UNEB) ORGANIZAÇÃO DA PUBLICAÇÃO Alzeni Tomáz Carlos Eduardo Chaves Emília Teixeira Juliana Barros Juracy Marques Manuela Schillaci Martina Feliciotti Sandro Tuxá Uilton Tuxá PROJETO GRÁFICO Ana Paula Arruda FOTOS João Zinclar | Nectas | CPP
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INTRODUÇÃO ..................................................................................................................7
1. O RIO SÃO FRANCISCO OU OPARÁ: “PAI E MÃE DA NAÇÃO INDÍGENA” .................. 9 1.1. BARRAGENS NO SÃO FRANCISCO: POVOS DESAGUADOS DE UM “RIO QUASE MORTO” ................................................................................................ 1 2
2. O PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO E A VIOLÊNCIA DO ESTADO CONTRA OS POVOS INDÍGENAS ................................................................................................................... 18 2.1. IDENTIDADE E DISCRIMINAÇÃO ÉTNICA ...................................................... 23 2.2. CONSULTA PRÉVIA, DIREITO À PARTICIPAÇÃO E À INFORMAÇÃO ............. 26 2.3. DIREITOS TERRITORIAIS ............................................................................... 30 2.4. ACESSO AOS BENS NATURAIS; À DIVERSIDADE ECOLÓGICA E AOS RECURSOS TRADICIONAIS ................................................................................. 34 2.5. VIOLÊNCIA, CRIMINALIZAÇÃO E ACESSO À JUSTIÇA ................................... 38 2.6. DESENVOLVIMENTO AUTODETERMINADO ................................................. 40
3. RESPONSABILIDADE DO GOVERNO BRASILEIRO E RECOMENDAÇÕES ................... 45
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................. 47
ANEXOS A) ANEXO I - ETNOMAPAS DOS POVOS INDÍGENAS DO SÃO FRANCISCO ATINGIDOS 5
COM A TRANSPOSIÇÃO ...................................................................................... 49 B) ANEXO II - IMAGENS GERAIS DOS POVOS INDÍGENAS DO NORDESTE IMPACTADOS COM A TRANSPOSIÇÃO DO SÃO FRANCISCO .............................. 61 C) ANEXO III - FOTOS DA PRESENÇA DO EXÉRCITO EM TERRITÓRIO INDÍGENA DO EIXO NORTE E LESTE DA TRANSPOSIÇÃO ........................................................... 65
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O presente relatório denuncia os impactos decorrentes do projeto de transposição das águas do Rio São Francisco e a inobservância, por parte do Governo Brasileiro, dos direitos reconhecidos aos Povos Indígenas em tratados internacionais e mesmo na Constituição Federal. Foi construído a partir de oficinas realizadas entre os meses de agosto e outubro de 2008, com 9 Povos Indígenas diretamente afetados pelo Projeto de Transposição: Truká, Tumbalalá, Pankararu, Anacé, Tuxá, Pipipã, Kambiwá, Xocó e Kariri-Xocó, localizados nos estados da Bahia, Pernambuco, Sergipe, Alagoas e Ceará. Teve o apoio e assessoria da APOINME - Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo, em parceria com a AATR Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia, o NECTAS - Núcleo de Estudos em Comunidades e Povos Tradicionais e Ações Socioambientais da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), o Projeto Nova Cartografia Social do Brasil da Universidade Federal da Amazônia (UFAM) e o CPP - Conselho Pastoral dos Pescadores através do Projeto de Articulação Popular pela Revitalização do Rio São Francisco2. Em meio a uma série de outras políticas e déficits sociais, étnicos e ambientais que assolam os Povos Indígenas do Nordeste, o caso foi escolhido pela magnitude de seus impactos negativos sobre vários territórios indígenas da Bacia do São Francisco e por ameaçar a própria sobrevivência do rio, também conhecido como Rio Opará (rio-mar), que é um dos bens de maior valor simbólico e material na trajetória desses povos. 2 3
O Rio São Francisco é o 3º maior rio do Brasil, com quase 3 mil km de extensão, em torno do qual vivem mais de 14 milhões de pessoas, destacando-se entre essas muitos povos e comunidades tradicionais. O Projeto de Transposição das águas do Rio São Francisco é um megaprojeto que, segundo o Governo, visa levar as águas do rio para os estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, no chamado Nordeste Setentrional. Prevê a construção de dois canais, com mais de 600 km de extensão, em seus dois eixos Leste e Norte - e a construção de mais duas hidrelétricas - Riacho Seco e Pedra Branca3. Os impactos ambientais, econômicos, sociais e culturais na área das obras da transposição vem sendo negligenciados pelo Governo Brasileiro, que nega sua interferência negativa em territórios indígenas, quilombolas e ribeirinhos. No geral, as vozes ativas dos Povos Indígenas Truká, Tumbalalá, Pipipã, Kambiwá, Pankararu, Tuxá, Kariri-Xocó, Xocó e Anacé denunciam o imenso passivo socioambiental - ainda não reparado pelo Governo Brasileiro - gerado pelas 7 hidrelétricas e cerca de 30 barramentos até então construídos e, em relação ao projeto de transposição, reclamam: 1) o reconhecimento de suas identidades étnicas e territoriais; 2) o direito de serem devidamente informados e consultados a respeito da transposição, com respeito à Convenção 169 da OIT e à Constituição Brasileira; 3) o direito pleno aos seus territórios e desmilitarização das áreas que se encontram
As oficinas com os Povos contou com o apoio da OXFAM GB Brasil/União Européia (www.oxfam.org.uk). Parecer Preliminar nº 18/2001, do Ministério Público Federal.
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invadidas pelo Exercito Brasileiro para execução de obras, e desintrusão de outras áreas invadidas por posseiros, fazendeiros e empresas que tem desencadeado conflitos violentos em terras indígenas; 4) o direito de acesso à justiça para questionar os direitos indígenas ameaçados pela transposição, peremptoriamente negado pelo Supremo Tribunal Federal; 5) a garantia de segurança e de um tratamento justo e igualitário pelo sistema de justiça do país, fazendo cessar as ações
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violentas e criminalizadoras que são impunemente cometidas contra lideranças indígenas; 6) o direito à autodeterminação indígena e um modelo de desenvolvimento sustentável que respeite a natureza e seus modos de vida e de produção; propõem um plano alternativo de resolução do problema de democratização da água, na direção da convivência com o Semi-Árido, e a priorização de investimentos públicos na revitalização do Rio São Francisco.
O São Francisco é pai e mãe da nação indígena e do povo ribeirinho. Cacique Neguinho Truká Mas, o maior tesouro que a gente tem aqui é o Rio São Francisco. A gente não dá ele por nada na vida, certo? Não tem nada que compre esse patrimônio. Pajé Raimundo Xokó
Da nascente à foz, o Rio São Francisco atravessa um contínuo território tradicional ocupado há mais de 9 mil anos atrás. Hoje nos seus mais de 2.800 km de extensão estão distribuídos 32 Povos Indígenas, em 38 territórios: Kaxagó, Kariri-Xocó, Tingui-Botó, Akonã, Karapotó, Xocó, Katokin, Koiupanká, Karuazu, Kalankó, Pankararu, Fulni-ô, Xucuru-Kariri, Pankaiuká, Tuxá, Pipipã, Kambiwá, Kapinawá, Xukuru, Pankará, Tupan, Truká, Pankararé, Kantaruré, Atikum, Tumbalalá, Pankaru, Kiriri, Xacriabá, Kaxixó e Pataxó. A população estimada é de cerca de 70 mil indígenas4. O Rio São Francisco representa 60% das reservas de águas do Nordeste Brasileiro. Reconhecido, desde o Brasil Império, como o Rio da Integração Nacional, alimenta seis estados: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Goiás, além do Distrito Federal. E abrange, em sua bacia, 504 municípios, ou 9% do total de municípios do País. Liga o Sudeste ao Nordeste, nascendo em Piumi/ MG, e desembocando entre Piaçabuçu/AL e Brejo Grande/SE. Encontra-se inserido na região do Semi-Árido Brasileiro, percorrendo os biomas mais ameaçados do País: o Cerrado
e a Caatinga, caracterizados por concentração de chuvas em determinados períodos do ano e longas estiagens.5 Na falta de políticas eficazes de aproveitamento hídrico e distribuição das águas, sobretudo das chuvas e subterrâneas, a região caracteriza-se por uma extrema falta de acesso à água por maior parte de sua população, em especial nas áreas rurais, onde também se concentra a maior parte dos Povos Indígenas. O bioma predominante é a Caatinga, termo originário do tupi-guarani e que significa Floresta Branca. Nesse cenário, explica-se, em parte, a imensa importância que o Rio São Francisco assume para os povos dessa região, atraindo migrações, determinando a existência de povoados e orientando o processo de territorialização de muitas etnias indígenas do Nordeste. Seu leito foi de crucial importância como caminho de entrada no interior do País6 e também nos momentos de resistência e luta indígena contra as tentativas de dominação física e cultural por parte dos colonizadores.
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Ecologias do São Francisco, Juracy Marques. Informação disponível em www.integracao.gov.br. 6 Registros históricos destacam, entre os séculos XVII e XIX, o intenso trabalho missionário, com a formação de diferentes aldeias de catequização em larga extensão do Rio São Francisco, sobretudo no sertão entre Bahia e Pernambuco (marco inicial das obras da transposição): "Sobre as aldeias o autor informa que são povoadas por inúmeros índios de várias nações e que muitas delas são povoações muito bem ordenadas, com suas ruas e praças. Algumas aldeias possuíam um Capitão Mor com patente de Governador, e Capitão General, sendo todas registradas no espiritual pelos clérigos e religiosos. É interessante destacar que, nesse momento (séc. XVIII), existiam 27 aldeias em Pernambuco, sendo que 23 ficavam localizadas no chamado sertão de Cabrobó, significando então uma concentração de indígenas 5
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Este significativo valor do Rio São Francisco ressoa de modo unânime nas narrações das comunidades: o rio foi e é vital para a sua sobrevivência física e cultural, seja no modo de produção (a agricultura de vazante, a pesca artesanal, a pecuária), seja na manutenção de seus rituais e cultura (os encantados da água, a história do povo, as ruínas, os cemitérios, as pinturas, etc).
F igura 2: Índio Truká no Rio São Francisco em Cabrobó/PE. (ZINCLAR/2007)
Dependemos desse rio pra tudo. Ele é nossa vida. Aqui a gente pesca, navega. Pra ir pra todo lado a gente precisa navegar. Ele é tudo na vida do povo Tumbalalá. (Cecília Tumbalalá) Do rio, vêm a comida, a água de beber, tomar banho, lavar roupas, as áreas de vazante para plantar e criar os animais. (Liderança Truká) É o rio a coisa mais importante. Daqui se tira o sustento, daqui se povoa os encantados de luz. Daqui tem os pés de árvores, daqui tem os passarim, as lontra, os sinais de vida e de morte. Nós e o rio é um só. (Adailson - Pajé Truká) O Rio São Francisco não só pra os indígenas, mas pra toda população ribeirinha é tudo, porque vocês sabe que o nosso corpo setenta e cinco por cento é água. O nosso corpo setenta e cinco por cento sendo água, o que nós somos sem água? Nada. E esse rio que foi a maior riqueza dos anos passados, daí de Piranhas até Penedo, de um lado e de outro, era cheio de lagoas e lagoas. E as lagoas existem de um lado e do outro. E nelas era plantado arroz nas beiradas, plantava milho, feijão de corda e era uma riqueza e o peixe que ficava... (Heleno - Liderança Xocó) O rio também tem grande importância simbólica no contexto da cosmologia e das crenças religiosas dos índios. "O Rio São Francisco é a nossa vida". No rio,
estão localizados os encantados da á g u a 7, q u e i n s p i r a m r i t u a i s e constituem a força e própria identidade coletiva de um povo.
bastante acentuada numa região onde a população era bastante reduzida. E, embora, a atividade principal - criação de gado - implicasse numa imobilização de mão de obra bastante reduzida, mesmo assim fazia-se necessário dispor-se de trabalhadores. Esta é uma questão que não pode ser descartada quando estamos pensando na situação das aldeias nesse trecho do São Francisco. Sabendo que, muitas dessas aldeias surgiram a partir das concentrações indígenas pré-existentes, podemos aquilatar o grau de ocupação da região no momento anterior a sua conquista. (Batista, 1992). Batista, apud Estudos Etnoecologicos, FUNAI, 2005. 7 Os Encantados são "índios vivos que se encantaram", voluntária ou involuntariamente e, por isso, o culto a eles, como insistem os Pankararu, não pode ser confundido com o culto aos mortos. Os "encantamentos" de "índios vivos" que geraram os atuais Encantados, no entanto, envolviam as extintas cachoeiras de Paulo Afonso e de Itaparica. Suas narrativas contam que o surgimento dos Encantados e dos próprios Pankararu deve-se ao encantamento de toda uma população de índios que teriam se jogado na cachoeira de Paulo Afonso. Eram esses Encantados, que passaram a habitar a cachoeira e que tinham origem em todas as "nações" antigas, que se comunicavam por meio do estrondo das águas, prevendo desgraças, mortes ou mesmo novos encantamentos. Depois desse encantamento coletivo, que dá
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Também nos nosso ritual tem o encantado que a gente se identifica, que tem o encantado das águas e o das matas, então tem essa tradição com rio que a gente nunca deixa de ter (...) Com tanto projeto o rio surpreende. Tem interferência com os Encantados. Tem certo lugar no rio, como uma cachoeira, que é de muita importância. É um local onde a gente tem mais o contato com espiritual. Se o rio baixa tanto a água, aquela cachoeira não tem mais a mesma força que tinha. Então tudo dos nossos Encanto tem haver com a água, como ela tá com o tempo. É uma coisa tão forte o Encantado com nosso ritual que é uma escolha da natureza ele estar naquele lugar. Os Encantados estão naquele lugar da natureza, quanto mais forte a água, mais os Encantados estão presentes. (Cacique Cícero Tumbalalá) No ritual dos Encantados tem a ciência do Rio São Francisco... Tem gente que trabalha na corrente da Sereia, Mãe D'Água... Muita cura de criança invocada pela Mãe D'Água. O Pajé me contou que viu muitas vezes a Mãe D'Água, tal vida tal morte. (José Leonardo Gomes - Tuxá) A dimensão cosmológica é mencionada por todos os povos, que lamentam os impactos consequentes dos grandes projetos que modificaram substancialmente a formação do Rio São Francisco, enfraquecendo-o e
consequentemente interferiram nos mitos, nas crenças, nos costumes e nas formas de reprodução da vida. "Os Encantados ficam sem rumo, sem lugar pra ficar e sem rumo fica nosso Povo!" (Fernando Pankararu).
Figura 3: Rio São Francisco em Morpará/BA. (ZINCLAR, 2007)
origem à própria aldeia, pensada enquanto unidade espiritual, outros índios, depois de serem anunciados e de passarem pela devida preparação, podiam continuar se encantando. Segundo os Pankararu, o segredo do encantamento é o núcleo da própria identidade da aldeia. (ARRUTI, Maurício, citado por Estudos Etnoecologicos, Funai, 2005). Também nas comunidades os encantados são forças espirituais associados aos animais e plantas (MARQUES).
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1.1. AS BARRAGENS NO SÃO FRANCISCO: POVOS DESAGUADOS DE UM RIO QUASE MORTO
Figura 4: Cascata das Hidrelétricas do São Francisco (slides da tese do Dr. Juracy Marques).
Ao longo das últimas quatro décadas, o Rio São Francisco vem sofrendo uma série de intervenções, sobretudo a partir dos anos 70, marcados por grandes projetos desenvolvimentistas. A destruição de suas matas ciliares, a poluição - consequência dos efluentes urbanos e industriais - o monocultivo de soja e cana-de-açúcar e os grandes projetos de irrigação contribuem, dia a dia, para sua degradação. O rio encontra-se numa péssima situação ambiental. As hidrelétricas existentes foram responsáveis pela remoção forçada de 8
mais de 150 mil pessoas, entre as quais vários povos indígenas, compulsoriamente deslocados; os projetos de irrigação, públicos e privados, ocupam uma área de 342 mil hectares e se expandem através do uso de mãode-obra escrava e degradante8; 500 mil ribeirinhos9 sofrem com a inexistência ou a precariedade do abastecimento de água e falta de saneamento básico; o rio já perdeu 95% de suas matas ciliares e o mar, devido à menor força da vazão na foz, já avançou 50 km rio adentro10.
Relatório de Impactos socioambientais da Bacia do São Francisco da Articulação Popular pela Revitalização (CPP/ CPT), 2008, disponível em http://www.ecodebate.com.br/2008/11/05/relatorio-denuncia-injusticas-sociais-eambientais-no-sao-francisco-primeira-parte/. 9 Comunidades ribeirinhas são aquelas que habitam as áreas marginais aos rios que formam as Bacias Hidrográficas, no caso, do São Francisco, e para viver dependem fundamentalmente delas, do que lhes oferecem como condições de vida os ecossistemas mantidos pelo rio. 10 Em Relatório da Articulação Popular do Baixo São Francisco 2008 diz que "A cunha salina do mar já avançou, de 1998
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Figura 5: Avanço do mar destruiu o Povoado Cabeço na Foz do Rio São Francisco em Sergipe. (ZINCLAR, 2007)
Tais impactos têm influência direta sobre o modo de vida dos índios da Bacia do São Francisco. Por diversas vezes, ouvimos expressões que relatam a situação atual do São Francisco para os Povos Indígenas: "o rio tá fraco", ou o "rio tá quase morto", "o rio vai virar cacimba", "o rio já foi transposto em energia"11. Um índio pescador fala sobre a salinização da água com a diminuição da vazão: "Água salgada tá chegando até Propriá, por aí. Já se pega peixe da água salgada na margem do São Francisco, e nunca foi visto isso. Tá vendo como é as coisas? Tá danificando cada vez mais e eu não estou achando nada disso correto." (Pajé Raimundo Xocó). Destaca-se que o excessivo número de empreendimentos hidrelétricos no rio já provocou a dizimação, deslocamento forçado e destruição do patrimônio arqueológico e cul-
tural de muitos Povos Indígenas, que arcam com um enorme passivo social, étnico e ambiental. Sem a devida compensação pelo Governo Federal, ainda hoje pleiteiam a recomposição dos territórios perdidos, acesso à água, demarcação de territórios, revitalização do rio, repatriamento do patrimônio cultural material, dentre outras demandas. Suportam igualmente alguns danos irreversíveis, como perda de lugares sagrados inundados pelas águas das barragens.
As barragens de Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Complexo Paulo Afonso I, II, III e IV, e Xingó foram responsáveis por um violento processo de expulsão dos povos, a exemplo dos Tuxá de Rodelas, que há mais de 20 anos vêm tentando negociar com a CHESF Companhia Hidrelétrica do São Francisco a finalização da demarcação de todo o seu território tradicional e o ressarcimento pelas consequências dos deslocamentos para Inajá (PE), Ibotirama (BA) e Rodelas Nova (BA).12 A índia Dorinha Tuxá comenta o episódio do desaparecimento do território do Povo Tuxá sob as águas represadas do Rio São Francisco com a formação do lago artificial da Barragem de Itaparica, suas consequências e o descaso do órgão oficial de assistência aos índios, uma vez que os estudos do processo demarcatório de suas terras se encontram parados desde 1999 na FUNAI:
Fomos retirados com água pelo gogó porque tinha que sair, senão nós ia morrer afogado. Dizendo eles que 6 meses ia dar nossa terra e até hoje não tem nossa terra. Através disso é que nós vive, nós hoje sofre. Onde é que vocês já viram índio sem terra, terra é sempre a 2008, cerca de 50 km de rio adentro, o que provoca fortes impactos no controle da vazão ecológica e cortes drásticos no suprimento de sedimentos e nutrientes em até 96% na foz e zona costeira. A consequência é uma transformação errônea no curso do rio por causa dos processos erosivos e o desaparecimento de muitas espécies nativas de peixes que não conseguem mais fazer a piracema, impactando fortemente a manutenção de muitas comunidades de pescadores artesanais que vivem desta atividade. De fato, os ecossistemas ao longo da bacia se encontram altamente comprometidos. 11 Relatório descritivo das oficinas realizadas entre os meses de agosto e outubro com os povos indígenas da Bacia. APOINME, AATR, NECTAS/UNEB, CPP, dezembro de 2008. 12 Tese de Juracy Marques.
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terra. Perdemos nossa cultura, tradição dos antigos, do arco e flecha, cultura do pato, da capivara, do camaleão, da galinha d´água, veleiro, tudo que tinha nas águas. Através disso, sem terra, sem trabalho, nossos filhos caíram na bebida, sem ter uma firma pra trabalhar. Por isso é que hoje nós vivemo encurralado, sacrificado, sofrido, fomos os primeiros habitantes desse território, daqui a pouco, então, chegou o homem branco para tirar nossa paz. Relatórios da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) 13 apontam os efeitos de Sobradinho sobre os índios da Bacia, sobretudo
o comprometimento da qualidade da água e perda de áreas de vazante para plantações:
De acordo com os índios, o rio São Francisco, após a implementação das barragens, principalmente Sobradinho, já não é mais o mesmo, nem com relação ao volume de água tampouco com relação à oferta de peixes. Os Truká relatam que a qualidade da água também foi afetada, apresentando cor amarelada e cheiro forte no inverno. O grande número de esgotos das cidades despejados no rio e a falta de vegetação nas margens são fatores que caracterizam a situação de degradação ambiental do rio.... relataram que o rio não tem mais peixe como antigamente.Também foi a Barragem de Sobradinho, que trouxe impactos diretos para a agricultura e a pesca deste povo. Com relação à agricultura, após a barragem, os Truká viram-se forçados a mudar sua forma de plantio. O plantio era feito "de vazante", ou seja, nas épocas em que o rio baixava, deixando a terra fértil e rica em matéria orgânica. Todos sabiam quais as épocas do ano em que deveria ser colocada a roça com diversas espécies: feijão, mandioca, milho, cebola, batata, cana de açúcar. Esse era o "tempo da natureza", no qual os índios podiam programar seu trabalho e esperar resultados. Atualmente, as águas do rio dependem do "tempo dos homens" e é extremamente difícil para os índios plantar nas vazantes, pois não existe previsão de quando as águas vão baixar. Com a perda quase total do plantio de vazantes, os índios são obrigados a plantar "de molhação", ou seja, com sistemas de irrigação. Esta forma de plantio requer investimentos financeiros que nem sempre estão disponíveis para as famílias. A índia Maria Tumbalalá denuncia no mesmo sentido, destacando os impactos
da má qualidade da água na saúde dos índios:
Quando Sobradinho solta água aí é que fica água preta, suja, que vem trazendo os pau. Carrega os pau até aqui e quando chega aqui a água tá preta. Tem criança com gripe, diarréia. Dá muita coceira também. E muita doença de pele. No inverno é quando Sobradinho solta as águas. 13 Estudos Etnoecológicos Truká, Tumbalalá, Pipipã e Kambiwá , FUNAI, 2005. A Fundação Nacional do Índio - FUNAI é o órgão do Governo Brasileiro que estabelece e executa a Política Indigenista no Brasil, dando cumprimento ao que determina a Constituição de 1988.
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Figura 6: Assoreamento em Ibotirama/BA e morte de peixes pela poluição em Lagoa Grande/PE. (ZINCLAR, 2007)
A UHE Itaparica e a UHE de Paulo Afonso trouxeram também muitos prejuízos ao Povo Pankararu, pois além de elevar significativamente o número de ocupações de não-índios em suas terras, dada a expulsão de famílias camponesas sem o devido reassentamento por parte da CHESF, teve influência bastante negativa em todo
universo identitário e cosmológico dos indígenas, ao inundar seus sítios sagrados, sobretudo as cachoeiras de Paulo Afonso e Itaparica, morada dos Encantados, figuras centrais da sua cosmologia. O Cacique Pedro fala sobre a perda das bases econômicas e religiosas para os Pankararu:
As perdas das margens do Rio para nós foi grande, mas, o não índio pensa que a gente já perdeu, mas o Rio está no coração da gente e vamos conquistar. Rio São Francisco tem a perna do rio Moxotó, a perna do rio Mandantes, mas eles cortaram... Saíram encurralando a gente, Inajá, Tacaratu, Tacaratuzinho, pegaram tudo. A gente foi tão prejudicado... tem seu Manoel que fazia mel, rapadura, aqui na margem do rio quando fizeram a Usina Luis Gonzaga (Itaparica). A gente tinha uma cachoeira dos nossos rituais, não perguntaram nada, hoje não temos permissão nem para entrar, apesar das cachoeiras tarem alagadas. Pra pescar tem que pedir permissão, uma coisa que é nossa. Prejudicou a caça. As cascatas de barragens14 geraram uma situação de extrema pobreza para maior parte da população indígena, com falta de acesso a bens vitais como a água, terra e alimentação. Tal situação, ao contrário da imagem historicamente associada, não foi nem é conseqüência da seca15 na região, mas
sim da exploração pelas próprias elites econômicas nordestinas e por grandes empresas nacionais e multinacionais, que violaram sistematicamente os direitos da população local. Energia e água serviram não ao povo, mas a grandes empreendimentos de mineração, irrigação, siderurgia e
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Denominação dada aos sete barramentos sucessivos no São Francisco, (Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Complexo Paulo Afonso I, II,III e IV e Xingó), maior do Brasil (MARQUES). 15 A seca diz respeito às consequências para os indivíduos do período de baixa e irregular precipitação pluviométrica na região semi-árida, inferior à perda de água por evapotranspiração devida a grande incidência da luz solar. Esta região é caracterizada pela nítida divisão entre um período seco (mais ou menos entre maio e outubro) e um período chuvoso (mais ou menos entre outubro e abril). O período chuvoso é marcado pela irregularidade das precipitações no tempo e no espaço, o que pela imprevisibilidade gera insegurança quanto ao abastecimento hídrico para consumo humano e uso agrícola e pecuário, com consequências comumente desastrosas. Isso porque não se evoluiu na previdência da captação, armazenamento e gestão eficiente das águas quando elas estão disponíveis. Vale ressaltar que o Semi-Árido Brasileiro, por ser o mais populoso do mundo, é também o mais chuvoso, com uma precipitação de 700 bilhões de m3 anuais (cf. Aldo Rebouças et alii, "Águas doces do Brasil", 2001).
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carcinicultura. A corrupção nos investimentos públicos na região é marca histórica, estando as elites acostumadas a serem beneficiadas pelos governos federal e estadual através
da chamada "indústria da seca" 16. Exemplo disso é o retrato do povo Tumbalalá em relatório oficial da FUNAI17:
Quase toda Terra Indígena não possui água encanada, apenas a aldeia Pambu possui, e os índios levam em latas a água do rio para usarem em casa com a alimentação e para beber. Praticamente nenhuma aldeia tem casas com banheiros e saneamento básico, implicando no aparecimento de baratas e ratos e conseqüentemente trazendo doenças para os índios. As escolas nas aldeias, em sua maioria, estão comprometidas em sua infra-estrutura. Outro problema de saúde é a incidência de barbeiros nas casas de barro, maioria entre os Tumbalalá. Aos jovens que terminam o ensino médio, não restam muitas opções a não ser "voltar pra enxada". Os postos de saúde têm atendimento lento e faltam muitos remédios "a gente faz o chá da receita", afirma o Cacique Cícero Tumbalalá comentando a dificuldade de obter remédio.
Figura 7: Retomada do Povo Tumbalalá em Curaça/BA e Truká em Cabrobó/PE. (CPP, 2008)
A situação fundiária - de demarcação territorial e segurança de posse - para os índios é extremamente precária. Isso deve-se à lentidão dos procedimentos administrativos em curso na FUNAI, associada ao lobby de grandes grupos econômicos que tentam 16
atravancar esses processos. Vários povos como os Tumbalalá, Pipipã e Anacé ainda não têm terra demarcada; outros, como é o caso dos Truká, Tuxá e Kariri-Xocó aguardam há anos a revisão dos limites da demarcação, feita a menor pela FUNAI; ainda há casos
A "indústria da seca" é componente de um discurso ideológico de atribuir à seca a causa das desigualdades no Nordeste do Brasil. Utilizando-se deste discurso grupos econômica e politicamente dominantes da região aproveitamse da condição de miséria dos nordestinos para aportar recursos, na maioria das vezes públicos, em proveito próprio. Um estudo patrocinado pelo Banco Mundial fez uma análise bastante minuciosa sobre a irrigação no Semi-Árido, tendo em vista estudar a correlação entre a agricultura irrigada e a diminuição da pobreza na região. Durante as três últimas décadas, foram investidos mais de US$ 2 bilhões de recursos públicos em obras ligadas à irrigação, destinados ao abastecimento de 200 mil hectares no Semi-Árido, dos quais 140 mil considerados produtivos (Relatório Articulação Popular pela Revitalização do São Francisco). 17 Estudo etnoecológico Tumbalalá, FUNAI, 2005.
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como os do Pankararu, que tiveram terra demarcada mas o Governo não realizou o processo de desintrusão dos invasores.
tamento, criminalização e adoção de discursos depreciativos e negativos da identidade indígena.
A luta territorial e as diferentes visões de desenvolvimento redundam em diversos conflitos entre grupos indígenas e outros grupos sociais e com o próprio Estado. Esses conflitos passam pela violência policial e assassinatos de lideranças indígenas, invasão de terras por posseiros, desma-
Exemplo emblemático dessa situação de violência é a vivenciada pelo povo Truká, com várias lideranças assassinadas e criminalizadas, o que motivou denúncia em reunião da ONU - Organização das Nações Unidas em Genebra. A seguir, trechos do discurso da liderança Truká:
O povo indígena Truká, do qual faço parte, está submetido a um clima de terror imposto por grupos de extermínio formados por indivíduos ligados a Polícia Militar de estado de Pernambuco, narcotraficantes e pistoleiros a serviço de invasores de nossas terras, gerando um clima permanente de insegurança, limitando a mobilidade das comunidades e inclusive a realização de nossas práticas culturais e ritos religiosos. No dia 30 de junho, enquanto todas nossas aldeias estavam reunidas numa celebração comunitária, agentes da Polícia Militar, sem portar identificação alguma, invadiram o local e executaram duas pessoas de nossa comunidade, a liderança Adenilson dos Santos Truká e seu filho Jorge, de apenas 17 anos, na frente de 600 pessoas, entre elas crianças e nossos anciãos e anciãs, deixando aterrorizada toda a comunidade. Todo o contexto apontado bem releva a dívida histórica que o Estado Brasileiro têm com os Povos Indígenas da Bacia Hidrográfica do São Francisco, cabendo-lhes políticas afirmativas que garantam os territórios e o respeito à sua cultura, rituais, acesso a bens naturais e promovam o desenvolvimento autodeterminado de suas condições de vida. O passivo deixado pelos grandes empreendimentos, a degradação ambiental, a expropriação das águas e terras e as sucessivas diásporas provocadas já deixaram marcas por demais profundas
tanto de miserabilidade social quanto no extermínio cultural indígena para que qualquer outra intervenção venha ocorrer de modo semelhante e impune. Este cenário, portanto, é nosso ponto de partida irrenunciável para se compreender como se aporta o Projeto de Transposição, se numa perspectiva de reconhecimento ou de negação acumulada dos direitos indígenas, reproduzindo práticas históricas atualmente rechaçadas no Sistema Internacional de Direitos Humanos.
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Se o rio se acaba a gente se acaba, a transposição vai deixar o rio em poço, essa obra é uma serpente que começa nos Truká para alimentar o dragão (Porto Pecem)... Na verdade a transposição é para trazer mais água para esses projetos que estão na nossa terra, para os políticos. Aqui é o rabo da serpente, é onde tá o veneno. Cacique Jonas Anacé É o Governo o maior invasor de nosso território. Cacique Neguinho Truká
O Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, também conhecido como Projeto de Transposição, é apresentado pelo Estado Brasileiro como a solução definitiva para o fenômeno da seca de que é alvo a região do Semi-Árido do Nordeste do país. No plano teórico, o projeto tem como pretensão, através da construção de dois grandes canais com mais de 600 km de extensão, abastecer de água 12 milhões de pessoas, 268 municípios e irrigar 300 mil hectares de terras, ao custo total de 6,6 bilhões de reais. A obra inclui a construção de mais duas barragens hidrelétricas (UHE Pedra Branca e UHE Riacho Seco), 9 estações de bombeamento, 27 aquedutos, 8 túneis e 35 reservatórios, ou seja, uma complexa obra de engenharia num rio que está degradado. É a maior obra de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento Econômico do governo Lula e a perspectiva é de que mais de 8.000 índios sejam diretamente atingidos18. Segundo o Estado Brasileiro, o projeto servirá ao abastecimento de localidades que
atualmente não possuem fácil acesso à água e que sua implantação não causará impactos negativos às comunidades ribeirinhas e ao próprio Rio São Francisco. Entretanto, a seca e a dessedentação das populações humanas e dos animais será a parte de menor cobertura do projeto, uma vez que as regiões do Semi-Árido mais susceptíveis às secas permanecerão distantes do benefício dos canais e adutoras. O texto divulgado do próprio projeto governamental afirma que apenas 4% das águas transpostas serão destinadas à chamada população difusa, espalhada nas caatingas, 26% serão para uso urbano e industrial e 70% para projetos de irrigação.19 Apesar de ser notória em toda a Área de Influência Direta (AID) do Projeto a presença de áreas de preservação ambiental, reservas indígenas, comunidades remanescentes de quilombos e outros bens e grupos sociais de valor inestimável, o Estudo de Impacto Ambiental não apresenta sequer uma linha sobre as relações entre as comunidades afetadas pela obra e a utilização que fazem do patrimônio cultural, arqueológico e
18 Parecer Preliminar nº 18/2001 do Ministério Público Federal referente ao Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco. O ponto de captação de água do Eixo Norte do projeto se localiza a menos de 80 metros da Ilha de Assunção, Terra Indígena Truká (município de Cabrobó-PE) já demarcada e atravessa seu território ainda em processo de demarcação, e o traçado do chamado Eixo Leste do projeto, no trecho V, atravessa a Área Indígena Pipipã, e passa próximo à Terra Indígena Kambiwá. 19 Leitura do Projeto de Transposição na integra em www.integracao.gov.br/saofrancisco.
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Figura 8: Canais da Transposição do Eixo Norte e Leste com impactos nos Território Indígenas (Mapa adaptado pela Articulação São Francisco Vivo).
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histórico ou ecológico da região. Limita-se tão somente à fl. 74 identificar como impacto negativo do Projeto "o risco de interferência com o Patrimônio Cultural", e à fl. 81 do mesmo documento, se reconhece que "A região do Projeto de Integração é rica em sítios arqueológicos... a maioria deles, nas margens e leitos dos rios". Mas, ainda assim, considerandose apenas as tribos localizadas nas imediações das obras, principalmente no estado de Pernambuco (Truká, Kambiwá, Pipipã) noticiase cerca de 7.138 índios atingidos, apesar de outros estudos confirmarem a existência de "34 terras indígenas e 153 comunidades negras tradicionais, somente nas áreas do Médio e Baixo São Francisco, passíveis de sofrer os impactos decorrentes da obra" (Parecer Preliminar nº 18/2001, referente ao Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco).20 Mais diretamente, a construção dos canais e do sistema de bombeamento da transposição passará pelos territórios do povo Truká, Tumbalalá e Pipipã (Eixo Norte e Leste) e pelos danos que provocará na vazão de água do rio afetará não menos diretamente os povos indígenas ribeirinhos como Tuxá, Xucuru-kariri, Xocó, Kariri-Xocó e outros próximos à margem (Pankararé, Pankararu, Kalangó, Geripankó, Kaxangó, Kalancó, Akonã, dentre outros). No Eixo Norte, interligando-se ao Complexo Portuário de Pecém, atinge o povo Anacé, no Ceará. A barragem de Pedra Branca implicará na
inundação de parte do território do Povo Truká e Tumbalalá, divisa de Bahia e Pernambuco. Mais abaixo do rio, em nível mais embrionário de estudo de viabilidade, tem-se a previsão da construção da barragem do Pão de Açúcar que afetará a vida sobretudo dos Povos Indígenas do Baixo São Francisco, como Xocó e Kariri-Xocó.21 O Projeto tem sido contestado por diversas organizações da sociedade civil e por povos ribeirinhos, indígenas e quilombolas da bacia, tanto pela falta de participação e consulta aos povos diretamente afetados, quanto pela necessidade e efetividade dos fins que visa atender22: benefício de grandes projetos, que acirrarão a disputa pela água na região do SemiÁrido, implicará na maior degradação do rio e consequentemente afetará modos de vida, produção e costumes de todos os grupos que povoam historicamente a Bacia do São Francisco.
Figura 9: Ocupação em canteiro de obras da transposição (ZINCLAR, 2007)
20 Nesse sentido, a nota técnica nº 34 P/2005, produzida pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (Índios e Minorias) do Ministério Público Federal, com o objetivo de analisar a qualidade das informações a respeito das chamadas "populações tradicionais" da área de influência do projeto, afirma:"A limitação do EIA na previsão dos impactos já estão expostas, pois os primeiros efeitos do projeto de integração do Rio São Francisco sobre os diversos grupos sociais da Bacia do São Francisco, não contemplados no EIA, já são evidentes para grande parte população brasileira. O Projeto tem gerado grande mobilização social, reportagens na imprensa, discussões e documentos, são muitos questionamentos a respeito dos aspectos sociais, especialmente no que se refere às comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas. Nas áreas receptoras, o Projeto tem gerado nas populações muitas expectativas quanto à geração de emprego, retorno de atividades agrícolas, aumento de renda, mas também temores de serem expulsas ou reassentadas em função da implantação do canal e das invasões em razão da provável valorização da terra. Nas áreas doadoras a desinformação e a insegurança das populações é noticiada por toda a imprensa. 21 Sobre os Estudos de Impactos Ambientais das UHE Pedra Branca e Riacho Seco, ver www.ibama.gov.br/licenciamento. 22 Em julho de 2006, as relatorias nacionais da Plataforma Brasileira DHESCA realizaram uma missão investigativa e apontaram as seguintes constatações: total falta de informação sobre o projeto de transposição; falta de diálogo com a população local sobre as razões e impactos do projeto; a convivência com a seca e falta de água a metros do rio;
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O Comitê de Bacia do Rio São Francisco, que tem a competência de aprovar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia de acordo com a Lei nº 9.433/1997, posicionou-se contrariamente ao Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional, admitindo o uso da água somente nos casos de consumo humano e dessendentação animal, desde que comprovada a escassez, e após terem sido adotadas as medidas de infraestrutura e gestão para atendimento das demandas contidas nos Planos das Bacias Receptoras.23 No que toca ao componente indígena, a manifestação da FUNAI foi no sentido de não apresentar óbices desde que realizados os estudos etnoecológicos com os povos afetados. Inicialmente foi proposta uma plotagem para levantamento com 10 povos potencialmente atingidos, mas injustificadamente tal número foi reduzido para 4: Kambiwá, Pipipã, Tumbalalá e Truká. Antes mesmo de concluídos e discutidos esses estudos com as comunidades, o Presidente da FUNAI à época, Mércio Pereira
Gomes, apresentou parecer favorável ao projeto, em que pese todos os estudos trazerem elementos e posições que significavam a rejeição do Projeto pelos Povos, bem como reiteraram os impactos negativos sobre os territórios indígenas.24 As diversas irregularidades flagrantes na implementação do Projeto de Transposição, a exemplo da insuficiência dos estudos de impacto ambiental e ofensa ao direito de participação, levaram a sucessivas interrupções por ordem judicial. Foram mais de quinze ações judiciais em diversos estados brasileiros.25 Entretanto, em 19 de dezembro de 2007, a Suprema Corte Federal - instância máxima da Justiça Brasileira -, negou-se a apreciar os recursos jurídicos apresentados pelas organizações da sociedade civil, considerandoas ilegítimas, para tanto, a Suprema Corte restringiu à legitimidade aos entes estatais e só julgou recurso do Ministério Público Federal, onde proferiu entendimento pela legalidade do Projeto e que o mesmo não afetava negativamente terras indígenas.
Havendo, tão somente, a construção de canal passando dentro de terra indígena, sem evidência maior de que recursos naturais hídricos serão utilizados, não há necessidade da autorização do Congresso Nacional. Ora, se o projeto, efetivamente, não aproveita recursos hídricos dentro de terras indígenas, entendo que a autorização do mercantilização com a cultura dos carros-pipa como mecanismo de abastecimento; concentração fundiária e a falta ou ausência total do Estado na efetivação dos direitos fundamentais, como educação, saúde, moradia, transporte, trabalho digno, dentre outros. Nesse sentido, destacam-se as observações do jornalista Washington Novaes no seu texto "Transposição: uma nova fantasia, o mesmo desfile"(www.edital.org.br): "Mesmo levantando mais de 40 questões, o Ibama concedeu em 2005 licença prévia. Sabendo que 70% da água seria para irrigação e 26% para o abastecimento de cidades, e não para proporcionar "uma caneca de água para as vítimas da seca". Que não estava equacionada a questão dos subsídios necessários para uma água que poderia custar até cinco vezes mais que a então disponível. Que a maior parte da água transposta iria para açudes onde se perde até 75% por evaporação. Que havia enormes discrepâncias a cada citação do número de beneficiados (12 milhões ou 7,24 milhões ou 9,02 milhões ou 7,21 milhões) e dos hectares irrigados (161 mil ou 186 mil). Mais grave que tudo: o próprio estudo de impacto ambiental dizia que 20% dos solos que se pretendia irrigar "têm limitações para uso agrícola"; e "somados aos solos líticos, notadamente impróprios, respondem por mais de 50% do total" das terras que seriam irrigadas. Não bastasse, "62% dos solos precisam de controle, por causa da forte tendência à erosão". Ainda assim, concedeu licença prévia ao projeto, pois as objeções do Comitê de Gestão haviam sido ignoradas pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, onde o Governo Federal, sozinho, tem a maioria dos votos." 23 Deve-se reiterar que o PISF prevê mais de 70% das suas águas para fins de irrigação e carcinicultura e não para fins de consumo humano e animal. Muito menos foi comprovada a escassez nas Bacias Receptoras conforme critério previsto no Plano da Bacia do São Francisco. 24 Informações prestadas verbalmente por representantes da CGPIMA (Coordenação Geral de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente), da FUNAI. Ofícios foram encaminhados, mas não respondidos. 25 (AC 981; ACO 820, 857, 858, 869, 870, 871, 872, 876, 873, 886) Ações referentes à Transposição do Rio São Francisco.
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Congresso Nacional não seria necessária... Apenas há indicação de que será construído um canal, segundo extraio das alegações das partes, que passará dentro de terra indígena... O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais... argumenta ser desnecessária autorização do Congresso Nacional para realização de "uma obra hidráulica, no caso, um canal que apenas atravessará a pretensa terra indígena, possa ser enquadrado como aproveitamento dos recursos hídricos dessa comunidade indígena. Ao contrário, os Pipipans enfrentam escassez de água para irrigação e serão beneficiados pelo Programa de Desenvolvimento das Comunidades Indígenas."26 Tal posicionamento, considerado extremamente político pela opinião pública, violou frontalmente as garantias constitucionais de acesso à justiça, em especial das organizações indígenas, e do direito de participação e consulta prévia às comunidades afetadas por qualquer projeto governamental, tenha ele impactos positivos ou negativos, o que cabe aos próprios povos também mensurar. Com o processo de licenciamento liberado pela Justiça Brasileira e licença de instalação concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, as obras dos canais já começaram em plena área do povo Truká, na Ilha de Assunção (PE), e do Pipipã, no município de Floresta, ambas tocadas pelo Exército Brasileiro, tornando o território uma zona militarizada. Desse modo, o projeto de transposição do rio São Francisco corre por cima das terras e vozes indígenas. Nos debates gerais e posicionamentos institucionais, os três poderes instituídos -
Governo Federal (executivo), o Congresso Nacional (legislativo) e STF (judiciário) - não enfrentaram a questão, preferindo tangenciar sob os mais variados argumentos, desde que inexistem índios nas áreas por onde passam os canais, de que não haverá prejuízos e eles serão só beneficiados ou de menosprezar a necessidade da consulta e audiências públicas. Os estudos etnoecológicos realizados pela FUNAI mal foram levados em consideração tanto sob o ponto de vista dos impactos negativos quanto do diálogo com os Povos Indígenas, restando explicita a contrariedade entre os próprios posicionamentos oficiais. Em relação ao que determinam diversos tratados internacionais sobre direitos dos Povos Indígenas, como a Convenção 169 da OIT e ao que foi reconhecido no próprio texto da Constituição Brasileira, podemos concluir que a implantação do Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco pelo Governo Brasileiro viola os seguintes dispositivos:
Figura 10: Luta contra as atrocidades do Estado Brasileiro - Invasão do Exército em Território Truká. (ZINCLAR, 2007) 26
Voto do Ministro relator Menezes Direito na ACO 876, julgada pelo STF no dia 19 de dezembro de 2007.
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2.1. IDENTIDADE E DISCRIMINAÇÃO ÉTNICA (art.1.2, 3º e 4º da Convenção 169; art. 5º, 215 e 216 da Constituição Federal) O artigo 1.2 da Convenção 169 reconhece a autodefinição como critério definidor do pertencimento étnico a uma comunidade indígena e nos seus artigos 3º e 4º condena quaisquer práticas discriminatórias decorrentes da afirmação da identidade indígena, devendo o Estado oferecer medidas que resguardem bens, instituições e culturais dos povos 27 . Além disso, o Governo Brasileiro comprometeu-se, através do decreto 6040/07, a "reconhecer, com celeridade, a autoidentificação dos povos e comunidades tradicionais, de modo que possam ter acesso pleno aos seus direitos civis individuais e coletivos." A Constituição Federal, nos seus artigos 5º, incisos 215 e 216, reconhecendo a diversidade dos grupos formadores da sociedade brasileira e o seu caráter pluriétnico, determina a proteção e valorização das diversas manifestações
culturais e modos de criar, fazer e viver desses povos, destacando especificamente os Povos Indígenas e Afro-brasileiros. Os Povos Indígenas do Nordeste, entretanto, considerados por empresas e governos como entraves à implantação de políticas desenvolvimentistas associadas a um uso intensivo e irracional de bens naturais, tem seus direitos de participação e autodeterminação sistematicamente negados a partir da negação de um outro direito, que é o da auto-afirmação identitária. Assim, em vários processos, como é o caso do conflito acerca do Projeto de Transposição, tem se tornado comum a propagação de um discurso que, sustentado em estereótipos preconceituosos, nega a existência de índios na região, acusando-se aqueles que assim se autoidentificam como mentirosos, charlatões, aproveitadores.28
A gente diz dos dois espantos da sociedade: o primeiro é "Nordeste tem índio"? E aí quando nos vê: "Você é índio?”. Nos perguntam "Vocês moram em casa"? "Você usa roupa?". Tem o estereótipo, as idéias errôneas... ora, nós somos seres humanos que evoluem, nenhuma cultura é estanque. ...o que me torna diferente é que tenho uma cultura diferente, uma identidade, uma história deixada por nossos antepassados, sou uma guerreira porque a gente tem uma luta pelos povos desse país, luta pela sustentabilidade física e material. (Eliza - Liderança Pankararu)
27 Convenção 169, OIT Artigo 1.2. A consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção (Autoidentificação). Artigo 3 - 1. Os povos indígenas e tribais deverão gozar plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação. As disposições desta Convenção serão aplicadas sem discriminação aos homens e mulheres desses povos. 28 De acordo com João Pacheco de Oliveira, "diferentemente dos Yanomami ou de outros poucos que habitam em regiões recuadas do país, os povos indígenas do Nordeste não se encaixam comodamente nas representações difusas sobre os índios. Absurdo seria, no entanto, negar-lhes direitos preferenciais à terra sob o argumento que já não são mais índios, punido-os agora, uma segunda vez, pela destruição trazida pela dominação colonial. Melhor seria pensalos como Povos Indígenas, como objeto de direitos coletivos, distanciando-se do mito da primitividade e das improcedentes cobranças que o senso comum instiga a cada momento.Contraditando o senso-comum, a presença indígena no Nordeste é bastante significativa, assume inclusive uma grande importância demográfica, ambiental e política, sendo sobretudo de extrema relevância para se refletir sobre os múltiplos horizontes políticos possíveis na relação entre o Estado e os Povos Indígenas no Brasil" (Oliveira, 1993).
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Figura 11: Área de retomada do povo Tumbalalá. (CPP, 2008)
Com toda minha luta encontrei muita resistência do não índio com a minha mistura de raca, mas nunca baixei a cabeça, nunca dei ouvido para as coisas que diziam ao povo,da minha pessoa, porque diziam sempre que nos Tumbalalá não existia mais índio, tinha gente que ate `as vezes diziam piada comigo, mas isso nunca tirou a minha vontade de lutar e para um dia conseguir... (Cacique Cícero Tumbalalá) Em relação ao Projeto de Transposição, houve momentos em que o Governo reconheceu os Povos Indígenas como afetados, inclusive para afirmar, numa pretensa tutela, que ao contrário do que pensavam, seriam beneficiados pelo Projeto. 29 Em outros momentos, representantes dos poderes públicos explicitamente negaram a existência de terras indígenas nas áreas de influência do Projeto.30 O estado do Ceará, por exemplo, tem imposto severos óbices quanto ao direito ao autoreconhecimento e regularização do território do Povo Anacé. A Prefeitura de Caucaia, município onde estão localizados os Anacé, encaminhou para órgãos oficiais do 29
Governo Federal um documento afirmando que naquele município não haveria qualquer área pertencente aos índios. Por trás disso, o interesse é facilitar o mais rápido possível à implementação do Porto de Pecém e a transposição das águas que lhe servirá.31 No município de Cabrobó/PE, onde circulam Truká e Tumbalalá, meios de comunicação, comerciantes, promotoria pública e prefeitura promovem desqualificação identitária dos índios mobilizados para intervir no projeto, acusados desrespeitosamente de "vândalos, selvagens, contrários ao progresso, canelacinza, ladrões, índios falsificados", "supostos", "pretensos" índios. Um episódio é narrado pela índia Maria Tumbalalá:
Decisão do STF na ação judicial ACO 876. Pronunciamento do representante do Ministério da Integração Nacional durante o Congresso de Ciências Socais e Barragens, realizado em novembro de 2007, no Centro de Convenções, Salvador, Bahia. 31 Complexo Portuário de Pecém. 30
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Teve uma reportagem que dizia bem assim : "Os supostos índios tiveram aqui para não deixar a audiência publica acontecer". Porque eles mascararam? Porque o Ministério da Integração queria que tivesse as audiências publicas, que o povo fosse lá e dissesse que o povo tinha referendado a transposição, e quando diz os supostos índios, eles querem dizer que não tinha sido os índios que tinham ido lá, mas todos sabiam que os índios estavam lá. Outro exemplo refere-se à possível construção da hidrelétrica de Riacho Seco, obra que servirá ao bombeamento das águas da transposição, onde os dados do georeferenciamento afirmam que não há terras indígenas na região, apesar de todos saberem que em Curaçá - município que
sabidamente será atingido - localiza-se a aldeia Tumbalalá, com cerca de 1500 índios e índias que vivem no Povoado de Pambu. O próprio parecer do Ministério Público Federal, que trata dos impactos da transposição em terras indígenas, também aponta :
Populações locais são tratadas como obstáculo ao desenvolvimento e "problema ambiental”. Desse modo não são considerados plenamente os impactos que a população sofre com o empreendimento. Os atingidos não são tratados como Cidadãos, como sujeitos da sua história, portadores de forte relação e importância para a manutenção do ambiente.32 Por fim, a realização de investimentos milionários em projetos que contrariam interesses indígenas, como o da transposição, em contradição com os poucos investimentos
em políticas sociais nas aldeias indígenas, é denunciado pela índia Cecília Tumbalalá como prática de racismo institucional contra os índios, associados a "bichos do mato":
Dói na gente, porque a gente sabe que o governo tem dinheiro pra isso, tem recurso. Os cofres públicos tão cheios de dinheiro, tanto que a gente vê a sacanagem que tá acontecendo aí e nesse mundo esquecido o povo acha que não vive gente, que aquela pessoa não vive, que aquela pessoa não tem um corpo, não tem um coração, não tem uma vida. Aí eles fazem de conta que a gente não vive, a gente vegeta, vive nos mato que nem bicho, entendeu? O que eu fico mais triste é isso, porque eles sabem que a gente existe, sabe que aqui tem aldeia, sabe que tem um povo.
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O projeto prevê uma siderúrgica, uma refinaria de petróleo e usinas termoelétricas, e a demanda de água prevê expansão futura com "a interligação dos açudes Pereira de Miranda e Sítios Novos, através de canal; a construção dos açudes Cauhípe, Anil e Ceará; e a integração com o Sistema Metropolitano de Fortaleza, com a entrada em operação do Açude Castanhão". A transposição do Rio São Francisco se encaixa nesta etapa. De acordo com o projeto, o Eixo Norte retira água em Cabrobó (PE), levando-a para a Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Nesse último, a água chega ao Rio Jaguaribe, de onde segue para o Açude do Castanhão, seu destino final, segundo a proposta do Governo Federal. Informação disponível em http://74.125.95.132/search?q=cache:r1FI09buorgJ:www.abrandh.org.br/ index.php%3Farquivo%3Dnoticias%26artigo%3D87+complexo+portuario+de+pecem+transposi%C3%A7ao&hl=ptBR&ct=clnk&cd=5&gl=br
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2.2. CONSULTA PRÉVIA (art. 6º da Convenção 169), DIREITO À INFORMAÇÃO E PARTICIPAÇÃO A Constituição Federal, no § 3º do art. 231, no capítulo constitucional que trata exclusivamente das populações indígenas, estabelece que o aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas só pode ser efetivado com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas,33 reconhecendo internamente importante princípio do Direito Internacional no que se refere aos direitos das comunidades tradicionais, que é o Princípio do Consentimento Livre e Informado, estabelecido no art. 6º da Convenção 169 da OIT.34 Igualmente em outros dispositivos constitucionais, estruturam-se garantias de exercício da cidadania e da participação popular na gestão das políticas governamentais como garantias da existência de um Estado Democrático de Direito. O art. 225, § 1º , I, da Constituição Federal, por exemplo, obriga o Poder Público a dar publicidade ao estudo prévio de impacto ambiental exigido nos empreendimento de grande porte; a Resolução CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente) 237/97, em seu art. 3º, determina a obrigatória realização de audiências públicas por meio da qual deve se 33
expor aos interessados o conteúdo do EIA e do RIMA - Relatório de Impacto do Meio Ambiente, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito, reforçando ainda que a audiência pública deverá ocorrer em local acessível aos interessados (Resolução CONAMA 09/97,Art. 2º, § 4º). A participação comunitária na tutela do meio ambiente também é objeto do Princípio 10 da Declaração do Rio de 1992.35 Contrariando os dispositivos citados, o governo não realizou nenhum procedimento de consulta prévia junto aos Povos Indígenas afetados pelo Projeto de Transposição, tão pouco submeteu o Projeto à autorização do Congresso Nacional com a ouvida das comunidades indígenas afetadas, como manda o artigo 231 da Constituição Federal. As poucas audiências realizadas aconteceram nas capitais dos estados, distantes portanto da Bacia e dos Povos diretamente interessados. Desta forma, vê-se uma evidente lesão ao princípio constitucional da autodeterminação dos Povos, alienando diversas populações tradicionais - ribeirinhas, quilombolas e indígenas - de participarem de um processo decisivo para suas vidas.
Art. 231. § 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. 34 Artigo 6 1. Ao aplicar às disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente; b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes; c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim. 2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas. 35 O melhor modo de tratar as questões ambientais é com a participação de todos os cidadãos interessados, em vários níveis. No plano nacional, toda pessoa deverá ter acesso adequado à informação sobre o ambiente de que dispõem as autoridades públicas, incluída a informação sobre os materiais e as atividades que oferecem perigo em suas comunidades, assim como a oportunidade de participar dos processos de adoção de decisões. Os estados deverão facilitar e fomentar a sensibilização e a participação do público, colocando a informação à disposição de todos. Deverá ser proporcionado acesso efetivo aos procedimentos judiciais e administrativos, entre os quais o ressarcimento de danos e os recursos pertinentes.
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Nas poucas audiências públicas havidas sobre o Projeto, a apresentação do EIA-RIMA não ocorreu de forma satisfatória, já que os vícios e omissões dos estudos resultaram em um debate com base em informações
viciadas e em "não informações". Assim, como um elemento de comprovação do desrespeito ao direito à informação, tem-se o parecer do Tribunal de Contas da União (TCU - TC-011-659-2005-9) ao afirmar que:
Falhas, imprecisões e omissões do EIA, apresentados pelo Parecer de n.º 31/05, afetam o caráter científico do estudo e compromete seus resultados. Mesmo porque quem participou das audiências públicas não tomou conhecimento de todos os impactos que serão gerados pelo empreendimento. ...as falhas e omissões levantadas pelo Ibama, e citadas nesta instrução, são demasiadamente sérias para serem relegadas ou postergadas. Sobre a ausência de consulta prévia e informada depõe Cícero Marinheiro, Cacique do Povo Tumbalalá, que Desde a primeira audiência que se teve, que na realidade não era audiência, a gente assinava uma lista de presença para legitimar o que eles colocavam lá, que eles achavam que era pauta do projeto deles. Mas quando você colocava várias e várias reivindicações, isso nunca foi para o papel, a gente, tanto nós quanto o Povo Tumbalalá, nunca fomos considerados parte disso. Então da primeira que se teve em Salgueiro e as outras que aconteceram na qual a gente pode participar foi tudo na "tora" mesmo: a gente chegar, entrar e ocupar e estar se fazendo notar a nossa presença lá dentro, mas nunca fomos convidados para discussão com o governo relacionados ao projeto. No mesmo sentido, o Pajé Suíra , do Povo Xocó diz: Já tiveram aqui diversos pessoal com as organizações sociais. O governo mesmo não veio aqui fazer audiência, o Governo nunca esteve não.
Figura 12: Discussão dos impactos da transposição nos territórios tradicionais por partes dos índios. (ZINCLAR, 2007)
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Vale ressaltar que, embora o Projeto da Transposição sequer tenha previsto audiências públicas nos locais de recepção das águas, o Governo do Ceará convocou audiências para discutir o Complexo de Pecém. Entretanto, os indígenas, principais impactados e detentores de direitos originários sobre a área de influência do Projeto, não foram convocados para que manifestassem sua opinião. Ainda assim, o Povo Anacé organizou-se e compareceu à audiência, onde manifestou contrariedade com os termos do projeto proposto e obteve das autoridades públicas presentes a afirmação de "que não tinham o direito de intervir na política de desenvolvimento do seu território por não terem território demarcado pelo Governo Federal". Ainda como afronta ao direito à informação e participação, denúncias reiteradas apontam que o Governo partiu para estratégias informais de negociação, vendendo a transposição como moeda de
troca para garantia de outros direitos constitucionais dos povos indígenas - que são obrigações do Estado por si só e cujo cumprimento já se encontra bastante deficitário -, fazendo confundir o exercício da cidadania e da participação com possíveis favoritismos a um ou outro povo que aceitasse o Projeto. Somado a isso, cita-se uma intensa propaganda institucional, divulgada em veículos de massa, informando o projeto como algo voltado para matar a sede da população, sendo que os impactos negativos foram convenientemente silenciados, assim como os reais objetivos da transposição. Relatos apontam idas esparsas de representantes do Ministério da Integração Nacional - sem caráter de audiência ou consulta pública - condicionando a aceitação da transposição à garantia de outros direitos indígenas - como casas, banheiros, estradas, manipulando informações e sem esclarecer os reais objetivos do Projeto:
Nós fomo ouvido assim até certo ponto, mas eles ouviram a gente e não disseram nada (...) E, na verdade, eles vieram nem ouvir a gente, vieram tentar negociar, calar a boca dos Povos Indígenas (...) Fizemos cobrança, aí essas coisa tá na revitalização: é moradia, banheiro nas comunidades e demarcação das terras indígenas. Inclusive tá no convênio alguns recursos para a FUNAI fazer esse levantamento fundiário e pagar indenização (...) Eles trouxeram um documento que no documento dizia que era a primeira etapa da negociação em relação à transposição. Eu disse: "olhe, se não mudarem nesse documento aí a palavra negociação nós não vamo fazer nada aqui". Em nenhum momento vou dizer que sou a favor da transposição, eu fui contra, sou contra e vou ser contra. Nem funcionando, mesmo depois de 1 mês feita, se a gente puder, mesmo depois, a gente faz ela parar. Então a palavra negociar não existe, nós estamos apenas cobrando o que é de direito e o governo tem obrigação com a gente. (Cacique Cícero Tumbalalá) Vieram aqui pelo Governo de Pernambuco, foi até um parente nosso, como FUNASA. Falava que era bom, mas isso não intimidou a gente. Vieram com promessas, que ia trazer casas, irrigação... Já tivemos uma reunião com os Povos Indígenas, nenhum foi a favor...nem sabemos direito o que é a transposição; tem gente do Ministério da Integração que mentiu muito pra gente aqui; o Governo chega 28
dizendo: 'Pipipã é um povo sofrido, deve ter água, casa, saúde, quando a transposição chegar vou dar isso'; você tá com fome, tem que ter alimento, eles chegam com a alimentação, mas a gente não sabe o que essa alimentação vai trazer mais tarde; casa, saúde, é obrigação do Governo, não tamo negociando, eles pensam que é porque a gente mora aqui no mato, a gente vai engolir tudo que eles querem. (Cacique Vlademir Pipipã) A afetação de territórios indígenas, sem consentimento e sem participação dos seus povos, com má qualidade das informações, também viola a Convenção sobre Diversidade Biológica e as Diretrizes Alwe Kon para Avaliação de Impactos Sobre Povos Indígenas. Segundo tais diretrizes, "o consentimento fundamentado prévio corresponde a diversas fases do processo de avaliação de impactos devendo considerar-se os direitos, conhecimentos, inovações e práticas das comunidades indígenas e locais, o uso dos idiomas e processos adequados, garantia de tempo suficiente para ministrar informações precisas, verdadeiras e legalmente corretas. Qualquer modificação na proposta inicial requererá um novo consentimento fundamentado prévio das comunidades".
Além da violação ao princípio do consentimento livre e informado, os fatos denunciados afrontam o direito-dever de todo cidadão de ter acesso à informação em poder do Estado. Associando o direito à informação ao exercício da liberdade de expressão, os documentos internacionais conferem-lhe um amplo embasamento. No âmbito regional (Sistema Interamericano), por exemplo, o acesso à informação em poder do Estado revela-se fortemente consubstanciado nas convenções e declarações, nos entendimentos da Comissão, bem como na Jurisprudência emanada da Corte. Encontra-se protegido pela própria Carta da OEA - Organização dos Estados Americanos, pela Carta Democrática Interamericana, pela Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, pelo artigo 13 da Convenção Americana e pela Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão. Nesse sentido e, segundo alguns autores, ampliando o conceito de liberdade de informação estabelecido pelo Pacto de São José, assinalou a Corte Interamericana: "[A] liberdade de expressão é, enfim, condição para que a comunidade, na hora de exercer suas opções, esteja suficientemente informada.Portanto, é possível afirmar que uma sociedade que não está bem informada não é plenamente livre".
Figura 13: Ação de despejo dos Povos Indígenas e movimentos sociais do canteiro de obras da transposição em território Truká. (ZINCLAR, 2007)
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2.3. DIREITOS TERRITORIAIS (art. 13 a 15 da Convenção; art. 231 da Constituição Federal) O direito dos povos indígenas a seus territórios está consagrado no art. 231 da Constituição Federal, que os define como terras ocupadas tradicionalmente pelos índios, às quais eles têm direitos originários. A Constituição de 1988 exigiu a demarcação de todas as terras indígenas no prazo de 5 anos. O artigo 231 e seus parágrafos elevaram à categoria de Tema Constitucional o conceito de terra indígena, que sustenta o direito territorial indígena, a saber: "terras tradicionalmente ocupadas pelos índios" são as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (CF, art. 231, §1º). A Constituição Federal estabelece que as terras tradicionalmente ocupadas pelos 36
indígenas fazem parte do patrimônio da União, garantindo aos indígenas que as ocupam sua posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.Veda igualmente qualquer processo de remoção forçada.36 Os artigos 13 a 18 da Convenção 169 também garantem aos povos indígenas o direito às terras que ocupam e a proteção contra qualquer intrusão ou invasão, determinando que os governos deverão respeitar a importância que as terras ou territórios tem para as culturas e valores espirituais dos povos indígenas, assegurando-lhes direito de posse e propriedade através de procedimentos apropriados e punindo com severas sanções qualquer intrusão não autorizada nessas terras ou qualquer uso não autorizado das mesmas por pessoas alheias.37
Art 231 - § 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. 37 Artigo 13 1. Ao aplicarem as disposições desta parte da Convenção, governos deverão respeitar a importância especial que para as culturas e valores espirituais dos povos interessados possui a sua relação com as terras ou terrítorios, ou com ambos, segundo os casos, que ele ocupam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos coletivos dessa relação. 2. A utilização do termo "terras" nos Artigos 15 e 16 deverá incluir o conceito de territórios, o que abrange a totalidade habitat das regiões que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma. Artigo 14 1. Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes. 2. Os governos deverão adotar as medidas que sejam necessárias para determinar as terras que os povos interessados ocupam tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse. 3. Deverão ser instituídos procedimentos adequados no âmbito do sistema jurídico nacional para solucionar as reivindicações de terras formuladas pelos povos interessados. Artigo 16 1. Com reserva do disposto nos parágrafos a seguir do presente Artigo, os povos interessados não deverão ser transladados das terras que ocupam. 2. Quando, excepcionalmente, o translado e o reassentamento desses povos sejam considerados necessários, só poderão ser efetuados com o consentimento dos mesmos, concedido livremente e com pleno conhecimento de causa. Quando não for possível obter o seu consentimento, o translado e o reassentamento só poderão ser realizados após a conclusão de procedimentos adequados estabelecidos pela legislação nacional, inclusive enquetes públicas, quando for apropriado, nas quais os povos interessados tenham a possibilidade de estar efetivamente representados. 3. Sempre que for possível, esses povos deverão ter o direito de voltar a suas terras tradicionais assim que deixarem de existir as causas que motivaram seu translado e reassentamento. 4. Quando o retorno não for possível, conforme for determinado por acordo ou, na ausência de tais acordos, mediante procedimento adequado, esses povos deverão receber, em todos os casos em que for possível, terras cuja qualidade e cujo estatuto jurídico sejam pelo menos iguais aqueles das terras que ocupavam anteriormente, e que lhes permitam
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O Projeto da Transposição, entretanto, por si já representa uma invasão aos territórios dos povos indígenas Truká e Pipipã, vez que se encontram ocupados por homens do Exército Brasileiro e com acessos
interditados para garantir o início das obras. Em junho de 2007, o povo Truká foi despejado por ordem judicial, solicitada pelo Governo Brasileiro, do seu próprio território em Pernambuco.
O primeiro ponto é a invasão do território, não tem mais como negar que o território é nosso, uma das práticas do governo era tentar dizer que a terra não era da gente. Então, não somente o território do Povo Truká está sendo invadido, tem o território do Povo Pankararu, o território dos quilombolas que estão à frente, que vai ser cortado também pelo canal, e lá onde vai se receber a água, no Ceará e no Rio Grande do Norte também está dentro de territórios tradicionais. (Cacique Neguinho Truká) Os processos de demarcação realizados pela FUNAI desenvolvem-se de forma muito lenta. Como muitos territórios inserem-se em áreas diretamente afetadas tanto pelo Projeto da Transposição quanto por outros empreendimentos desenvolvimentistas, os Povos argumentam que o Governo não quer demarcar justamente para deixar essas áreas liberadas para as empresas. Povos como Tuxá, Truká e Pankararu, por exemplo, tiveram territórios demarcados a menor e aguardam há anos a
revisão de limites pela FUNAI. Outros povos atingidos, a exemplo dos Anacé, Pipipã e Tumbalalá não tem nenhuma área demarcada enquanto a construção dos canais avança por eles. A já propalada escassez de água do rio e sua retirada significativa para fins industriais, como prevê a transposição, agravará também a forma de assentamento da terra e as condições para desenvolvimento de atividades agrícolas, como bem narra a índia Maria Tumbalalá:
...E para contribuir mais com a falta de terra para o Povo Tumbalalá trabalhar vem a questão da água, que ao longo dos anos grandes empreiteiras viram o povo que está no poder lançar um projeto que visa lucros. Esse projeto da CHESF para tomar nossas terras... E tomar essa terra como? De que forma? Toma a terra quando a gente não tem água para trabalhar na terra, porque quem pode botar uma bomba elétrica? Quem tem condições de comprar combustíveis para os motores funcionarem? Quem tem condições de a cada dia, a cada mês, ir criando uma estrutura para colocar a bomba, o motor? Porque a água está se afastando muito mais da terra, então aí a gente vê as construções de barragens, a gente está nessa luta para conquistar a terra, mas a terra com água. Porque como é que o povo vai viver com a terra sem água? E a gente já teve a barragem de Sobradinho, agora está aí a transposição. cobrir suas necessidades e garantir seu desenvolvimento futuro. Quando os povos interessados prefiram receber indenização em dinheiro ou em bens, essa indenização deverá ser concedida com as garantias apropriadas. 5. Deverão ser indenizadas plenamente as pessoas transladadas e reassentadas por qualquer perda ou dano que tenham sofrido como consequência do seu deslocamento. Artigo 18 A lei deverá prever sanções apropriadas contra toda intrusão não autorizada nas terras dos povos interessados ou contra todo uso não autorizado das mesmas por pessoas alheias a eles, e os governos deverão adotar medidas para impedirem tais infrações.
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No que se refere à posse da maior parte dos territórios indígenas, impera hoje um passivo de expropriação e de remoção forçada por projetos de barragens anteriores e pela presença de mega-empreendimentos turísticos e industriais. Os Tumbalalá ainda vivenciam inúmeros conflitos por reassentamento em seu território da barragem de Itaparica: “já fomos atingidos há vários tempos com a barragem de Sobradinho e com o assentamento de Pedra Branca, aonde foi colocado várias pessoas de outras regiões por causa da barragem de Itaparica. E é uma ameaça porque está dentro do nosso território e está dando trabalho de ser demarcada por causa desse reassentamento." Os Tuxá sofrem com a inexistência de atividades produtivas porque não há terras pra trabalhar fora do seu território tradicional, inundado com o enchimento do reservatório de Itaparica. Não há produção na aldeia e os indígenas sobrevivem de uma Verba de Manutenção Temporária (VMT) repassada pela CHESF, que já se tornou permanente, dada a falta de produção e ausência de investimentos públicos na aldeia.38 Os Pipipã, na aldeia Faveleira, também tem que lidar com conflitos com inúmeros posseiros dentro do seu território. Os Kariri-Xocó têm seu território invadido por fazendeiros e pela CODEVASF - Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco. Os Anacé vêm sendo perseguidos e alijados dos 38
Figura 14: Eixo Leste da transposição - ocupação do Exército na agrovila 6 do Icó Mandantes - Floresta/PE onde moram os índios Pipipã desaldeados. (ZINCLAR, 2007)
seus direitos ao território tradicional devido à desapropriação de suas terras tradicionais, iniciada em 1996, com a previsão de ocupação do território Anacé para a instalação do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP)39. A relação entre o Complexo Industrial e Portuário de Pecém e a Transposição do Rio São Francisco é bastante evidente para o Povo Anacé. As estruturas que vão receber as águas da transposição, no Canal do Trabalhador, já se encontram instaladas. Houveram pressões para que os Anacé abrissem mão de parte considerável de seu território em que estivessem previstas obras relativas ao CIPP a fim de tornar "viável" o procedimento de regularização, demonstrando o seu comprometimento com os interesses políticoeconômicos que envolvem a ampliação do CIPP ou a falta de "vontade política" de enfrentar estes interesses. É evidente, que o Porto de Pecém é uma das caixas prestas do sentido para construção do Projeto de Transposição. Por trás deste grande empreendimento estão as eletes do
Sobre tal situação depõe Toinha Tuxá que "antes a gente plantava muito arroz, feijão, na Ilha da Viúva, agora o rio é mais diferente da cidade velha. Ele era mais corrente, a pesca tá difícil. Lá a gente trabalhava no que era da gente, agora não, quem tem terra é os branco. Os mais velhos sempre diziam que ia chegar o dia de o rio virar poço". E também o índio José Leonardo Gomes assevera que a "Velha Rodelas tinha terra pra trabalhar e produzir algumas coisas. Hoje o povo jovem Tuxá não sabe o que é trabalhar na agricultura, muitos não sabem pegar na enxada" 39 Trata-se de um mega-empreendimento, realizado em parceria com grandes empresas multinacionais tais como Votorantim, que já teve sua primeira fase implantada com a construção e instalação do Porto de Pecém sobre o território Anacé. E agora está sendo fortalecido e ampliado, com a previsão de instalação de um complexo industrial que envolve geração de energia através de termoelétricas, energia eólica, além de siderúrgicas, usinas de carvão, estruturas para o aumento de importação e exportação de gás, além da duplicação da rodovia BR 222. Portanto, existe uma forte campanha em favor do pólo industrial por parte do próprio Governo do Estado do Ceará, que entende a regularização do território Anacé como um entrave para a consecução de seu projeto desenvolvimentista.
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Nordeste em detrimento da condição de vida dos Povos Índigenas que estão na área de intervenção da obra. A lógica atual que justifica a transposição das águas do São Francisco, situa os Povos Indígenas como impactadores das obras e não como impactados. Portanto, a ordem política no Brasol é: “Que saiam os índios”. Grande parte do território Anacé atualmente não se encontra mais em sua posse, mas tomado por posseiros e grandes empresas,40 sob o argumento de que o seu território seria destinado a obra de "utilidade pública". O próprio estado do Ceará, agindo de forma ilegal no processo de desapropriação e afirmando que as famílias indígenas não seriam "proprietárias”, pagou indenizações irrisórias e forçou a saída do Povo Anacé de seu território, num verdadeiro genocídio cultural, com a expulsão de praticamente a
aldeia inteira de Bolsos e atingindo gravemente a Aldeia Matões. Cerca de 90 famílias já foram expulsas da terra tradicional e alojadas em três assentamentos (Novo Torém, Forquilha e Monguba). Pretende-se retirar as demais famílias para a conclusão do CIPP. Diante dos dados acima, podemos flagrar o vergonhoso descumprimento por parte do Governo Federal no que tange à garantia dos direitos territoriais dos Povos Indígenas, tanto por omissão ao não tomar medidas para demarcar e reprimir invasões e intrusões em tais terras, quanto por ação direta, através do incentivo e execução de projetos econômicos voltados para interesses alheios e contrários aos dos Povos Indígenas, como é o caso da transposição do Rio São Francisco, onde o Governo federal figura como maior invasor.
Figura 15: Ocupação do canteiro de obras da transposição em território indígena. (ZINCLAR, 2007) 40 O cercamento e destruição das árvores frutíferas e lagoas pelos posseiros que adquiriram títulos de domínio sobre áreas indígenas são resultado de um processo de desterritorialização indígena, originando a formação de latifúndios e destruição ambiental conforme o relato do Cacique Anacé que teve "que suar, fazer economia pra mim puder comprar um lote de terra, pra fazer minha casa pra mim morar. Agora por quanto? Por 3 mil. E esse terreno está dentro da área indígena, é terra indígena. Mas tive de comprar do posseiro sabendo que a área é indígena. Comprei a terra por 3 mil sabendo que a terra era nossa".
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2.4. ACESSO AOS BENS NATURAIS; DIREITO À DIVERSIDADE ECOLÓGICA E AOS RECURSOS TRADICIONAIS (artigo 231 e 225 da Constituição Federal; artigo 15 da Convenção 169 da OIT; artigo 8º da Convenção sobre Diversidade Biológica)41 Nos últimos 30 anos desmatou-se 70% de toda a Caatinga existente na região; o modelo implantado desmatou também a população; não tem peixe, não pode usar transporte de canoa, pessoas dependem da bolsa família; se chove há 30 anos o que chove hoje a produção seria 4 a 5 vezes maior; mas o problema é que tudo tá degradado e a capacidade de produção não é a mesma; a 3 km do São Francisco tem carro-pipa. Desse jeito quem acredita que transposição irá resolver problemas da população ribeirinha? Medidas estruturais urgentes precisam ser tomadas. Desassentar o índio, o quilombola, o pescador para botar onde, se a escola de todos foi a terra, o rio? O problema é o modelo de assentamento, que não resolve. Com a transposição, os pobres vão morrer de sede vendo o rio à sua frente. É o que se vê onde moro: mais ou menos oito meses de carro-pipa por ano. (Heleno - Liderança Xocó) A preservação ambiental típica da relação que os Povos Indígenas cultivam com a natureza foi suprimida por um processo de intensa degradação na Bacia Hidrográfica do São Francisco. A situação do rio e do seu bioma predominante, a Caatinga, é extremamente precária, tanto no que diz respeito ao acesso à água do rio quanto no extermínio de maior parte de suas espécies tradicionais, como peixes, árvores, aves, matas, ervas, entre outros. Estima-se que mais de 70% da Caatinga já foi desmatada. O assoreamento e destruição das matas ciliares, decorrentes da super-exploração do rio para projetos desenvolvimentistas,
sobretudo hidrelétricos, tomaram uma proporção alarmante que levou muitos povos e organizações ambientalistas a promoverem uma campanha nacional chamada "Vamos Salvar o Velho Chico". Problema grave já é vivenciado pelos índios ribeirinhos localizados na região do Baixo São Francisco aproximados da foz do Velho Chico, como o Povo Xocó e Kariri-Xocó, que se vêem privados da pesca de alguns peixes nativos por causa dos impactos das barragens, que mexeram gravemente na vazão do rio e provocaram o avanço desmedido do mar sobre o rio, o que ameaça também o acesso
41 Artigo 15 - Acesso aos Recursos Naturais. 1. Os direitos dos povos interessados aos recursos naturais existentes nas suas terras deverão ser especialmente protegidos. Esses direitos abrangem o direito desses povos a participarem da utilização, administração e conservação dos recursos mencionados. 2. Em caso de pertencer ao Estado a propriedade dos minérios ou dos recursos existentes na terras, os governos deverão estabelecer ou manter procedimentos com vistas a consultar os povos interessados, a fim de se determinar se os interesses desses povos seriam prejudicados, e em que medida, antes de se empreender ou autorizar qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes nas suas terras. Os povos interessados deverão participar sempre que for possível dos benefícios que essas atividades produzam, e receber indenização equitativa por qualquer dano que possam sofrer como resultado dessas atividades. Considerando que o artigo 8º "j" da Convenção sobre Diversidade Biológica estabelece que os Países Partes sujeitos à suas leis nacionais respeitarão, preservarão e manterão os conhecimentos, inovações e práticas e promoverá sua aplicação mais ampla, com a aprovação e a participação daqueles que possuem esses conhecimentos, inovações e práticas e fomentará que os beneficios derivados da utilização desses conhecimentos, inovações e práticas sejam compartilhados equitativamente e que o artigo 22 determina que as disposições da Convenção não afetarão os direitos e obrigações das Partes da Convenção derivados de qualquer acordo internacional existente.
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à água potável. Outros já estão privados de acesso às margens do rio por estarem cercadas, como é o caso dos Pankararu.
Figura 16: Desmatamento da Caatinga pelo Exército no Eixo Norte. (ZINCLAR, 2007)
Muitos índios pescadores têm que andar quilômetros para ter acesso ao rio por causa das fazendas, assoreamentos e avanço extensivo de criatórios de tilápia por em-presas privadas. A destruição da vegetação por causa dos monocultivos acabou com boa parte das lagoas marginais, principal berçário dos peixes na região do Baixo São Francisco, hoje totalmente fragilizadas. Essas lagoas faziam
parte da cultura de prover os meios de subsistência dos indígenas. O controle da água pelas hidrelétricas, que aumentam e di-minuem o volume conforme os interesses energéticos, impactam substancialmente o biótico do rio e fazem muitos povos perderem as áreas de lameiros, utilizadas tradicionalmente para a chamada agricultura de vazante. O projeto de transposição, bastante priorizado em relação às ações de revitalização do rio, agrava ainda mais o cenário. Embora possua nove volumes e muitas páginas, o EIA/RIMA do Projeto não conseguiu analisar adequadamente e com profundidade os impactos ambientais. Essa conclusão é atestada ao longo de todo o Parecer 31/2005 do IBAMA, onde o próprio órgão responsável pelo licenciamento identificou omissões relevantes, a exemplo da insuficiência dos estudos sobre os impactos na fauna e na flora de um bioma tão complexo como a Caatinga e falhas na definição das áreas de influência, dentre muitos outros.42 O descompasso é que embora tenha reconhecido as lacunas e omissões no EIA/RIMA, o IBAMA - ao invés de determinar a realização de novos estudos antes de concluir pela viabilidade ambiental do empreendimento - decidiu por conceder a Licença, violando de forma flagrante o procedimento do licenciamento ambiental.
O Rio São Francisco está numa situação que não pode jamais se fazer um projeto desse... É um problema de todos esse projeto de transposição. É um problema nosso e a gente tem que estar batalhando, sofrendo, aconteça o que acontecer, contra esse Projeto. Que é um projeto que, além do rio estar na situação que está, morrendo, eles dizem que não, que o rio tem muita água, água boa, cristalina, suficiente para nações que estão na margem. Mas só a gente que nasceu e se criou sabe da história desse rio, que sabe a situação dele. Esse rio não está mais como era. (Cícero Marinheiro - Cacique Tumbalalá) 42
Como mais um elemento de comprovação das graves falhas ambientais do EIA/RIMA e do desrespeito ao direito de informação,tem-se a seguinte conclusão do Tribunal de Contas da União (TCU - TC-011-659-2005-9): "Falhas, imprecisões e omissões do EIA apresentados pelo Parecer de n.º 31/05, afetam o caráter científico do estudo e compromete seus resultados. Mesmo porque quem participou das audiências públicas não tomou conhecimento de todos os impactos que serão gerados pelo empreendimento. Apesar do Ministério da Integração declarar no ofício n.º 466/SE-MI que as críticas do Ministério Público Federal primavam pela cientificidade, as falhas e omissões levantadas pelo IBAMA, e citadas nesta instrução, são demasiadamente sérias para serem relegadas ou postergadas, como exemplo podemos citar:
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Tratando-se de complexa obra de engenharia, que retirará significativo volume de água de um rio bastante degradado, o Projeto causará ainda mais impactos na diminuição da vazão de água,
provocando mais salinização, sobretudo na foz. O Pajé Raimundo Xocó é taxativo, fazendo menção ao maior avanço do mar sobre as águas de São Francisco com o Projeto de Transposição:
Rapaz, eu tô achando que ainda vai ficar muito mais pior, fazer reservatório do Rio São Francisco aqui, quando fica bem ali, ói! Uma légua daqui pra ali! E a programação está no papel pra isso. Quando vai ser feito não sei, mas que já bateu, já! E isso vai ser ruim demais, não é muito bom, não! Fazer uns reservatórios aí, aí diz que essa água aí vai se acabar. Ou antes era a maré, antigamente a maré, agora é na margem do São Francisco, nunca fez isso! Água salgada tá chegando até Propriá, por aí. Já se pega peixe da água salgada na margem do São Francisco, e nunca foi feito isso. Tá vendo como é as coisas? Tá danificando cada vez mais e eu não estou achando nada disso correto. A transposição tende também a tornar mais difícil o acesso à água numa região onde a própria população ribeirinha padece com a falta de acesso à água potável, dada a falta de investimentos em sistema de distribuição. A finalidade da transposição das águas para abastecer grandes projetos de irrigação e novos empreendimentos industriais em outros estados, como é o caso do Porto Pecém no Ceará, prejudicará ainda mais a função de abastecimento humano e
dessendentação animal, usos prioritários conforme Plano Decenal da Bacia. O abastecimento de açudes tampouco significará a democratização da água; tais açudes já tem bastante água concentrada e privatizada em mãos de poucos. A água, levada por extensos canais, sofrerá intenso processo de evaporação, sendo bastante desperdiçada e ficará mais cara. Ou seja, os Povos Indígenas e ribeirinhos terão ainda mais dificuldades ao acesso à água.
Essa transposição quando ela parte daqui do São Francisco, se essa água vai pra lá, pra cá, pro Estado, uma das coisas tá na minha mente: não vai beneficiar a pobreza, tá na cara que não vai!. E continua: quando essa água chegar por lá, vai passar bem na porta do roceiro, do lavrador. Ele não vai ter direito de puxar aquela água pra jogar lá dentro do rancho dele, porque isso vai chegar lá muito caro. Ó, e não é só isso não, vai chegar onde? Na fazenda do usineiro, do a) os levantamentos florísticos e fitossociológicos foram deficientes, não observando o critério de sazonalidade, com a campanha, de campo realizada num período muito curto e com um número de parcelas amostrais relativamente baixo em relação ás dimensões da área afetada pelo empreendimento; b) ...os números obtidos, abaixo da maioria dos trabalhos realizados neste bioma, denotam que o esforço amostral foi insuficiente para uma caracterização mais precisa da flora local; c) o estudo apresenta um diagnóstico da área de influência direta, baseado principalmente em dados bibliográficos de todo o bioma... não é apresentado o esforço amostral empreendido nas campanhas de campo, nem a curva do coletor, o que dificulta a análise critica dos resultados apresentados; d) foram levantados dados primários apenas com entrevistas e revisão bibliográfica, ...o que impossibilita uma análise aprofundada da composição faunistica na AID; e) ...dados apresentados pelo EIA não permite a análise do comportamento sazonal das variáveis limnológicas (...)ressalta-se a ausência de pontos de amostragem em importantes corpos d´agua, tais como: rios Terra Nova, Mandantes, pajeu, Moxotó, Paraíba, riacho Mulungu e açudes Castanhão, Engenheiro Ávidos, São Gonçalo, Angicos, Chapéu, Entremontes e Atalho; f) ...existem lacunas (poucos pontos amostrados) no EIA apresentado em relação ao diagnostico da qualidade da água."
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latifundiário... Isso vai chegar lá pra fazer o que? Pra dar poeira, fazer uma barragem pro gado dele e nada que pobre não vai beber desta água. (Francisco Xocó) A transposição vai beneficiar os grandes proprietários. É uma coisa que vai passar, vai cortar, a gente não vai ser beneficiado, a água vai passar direto. (Inácio - Liderança Pipipã) A especulação com bens terra e água tende a aumentar muito as ameaças de expropriação, como já vem ocorrendo no Ceará com o Povo Anacé, vedados da prática do extrativismo vegetal e o acesso às lagoas para a pesca, que além de lhes garantir subsistência, são referências identitárias da relação de harmonia e sustentabilidade com o seu território: "Nós não podemos chegar num terreno desse aí. Aí tem muita manga, tá cheio de manga se perdendo no chão, a gente não pode entrar ai pra chupar. Aí tem muito coqueiro e a gente não pode pegar pra comer, de maneira nenhuma. Toda essa "plantêra" foi nossos antepassados que plantou. Eu não quero tomar nada de ninguém eu só to lutando pelo nosso direito, né?"(Cacique Jonas Anacé). Os impactos da transposição no acesso a determinados bens naturais interferem diretamente na preservação dos conhe-
cimentos e práticas tradicionais dos povos indígenas, bem como na diversidade biológica, mantida e também gerada por esses saberes tradicionais.Viola portanto o Direito aos Recursos Tradicionais, reconhecidos na Convenção sobre Biodiversidade, no art. do decreto 6040/07 e no art.15 da Convenção 169 da OIT. Esse direito "integra um conjunto de direitos fundamentais onde se incluem os direitos humanos e culturais, o direito à autodeterminação, e o direito sobre a terra e sobre o território. O Direito aos Recursos Tradicionais reconhece a autoridade das populações indígenas e comunidades locais sobre o uso de plantas, animais e outros recursos, tais como tecnologias e conhecimentos associados ao seu meio natural envolvente. Este tipo de Direito inclui e toma em consideração valores espirituais, estéticos, culturais e econômicos associados a estes recursos, níveis de conhecimento e tecnologias".43
Esse Projeto de Transposição que é uma ameaça também ao Rio São Francisco, que, quando se diz em ameaçar o Rio São Francisco, se diz em ameaçar todo o povo ribeirinho, principalmente os Povos Indígenas que são um povo tradicional, tem seus costumes antigos, querem viver da caça da pesca e do plantio de vazante, que é quando o rio enche, vaza e a gente planta naquela terra que o rio molhou. Então, vindo com a transposição tem outro projeto de barragem que dizem que é para ser feito, e essa barragem está incluído no território Tumbalalá. Então, é uma ameaça muito grave e que está precisando de muita força, de muita resistência do Povo Tumbalalá para que isso não venha acontecer. Aí vem as plantas medicinais, que acabou com isso, porque ele não tem controle, é soltar água em qualquer tempo e mata. Acabou com as plantas medicinais que a gente tinha. (Cacique Cícero Tumbalalá) 43
Sociedade Internacional de Etnobiologia.
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2.5. VIOLÊNCIA, CRIMINALIZAÇÃO E ACESSO À JUSTIÇA O artigo 12 da Convenção 169 estabelece que os povos indígenas deverão ter proteção efetiva contra a violação dos seus direitos e poderão iniciar procedimentos legais, seja pessoalmente, seja mediante os seus organismos representativos, para assegurar o respeito efetivo desses direitos. No seu artigo 18 determina que os governos deverão adotar medidas para impedir a prática de crimes ligados aos conflitos de terra e para identificar, julgar e sancionar de uma maneira exemplar os responsáveis pelos fatos cometidos.
No entanto, a insegurança territorial, pela falta de demarcação e a luta contra a transposição do Rio São Francisco, tem gerado inúmeros conflitos para os Povos Indígenas da Bacia do São Francisco. As ações violentas comportam desde o assassinato de lideranças indígenas (como foi o caso da ocorrência de 5 assassinatos do Povo Truká no últimos 4 anos ligados à luta territorial44) como processos judiciais de criminalização, com o forte aval de segmentos do Estado Brasileiro, conforme nos narra Cacique Neguinho Truká:
A própria criminalização de nossas lideranças é ligada a um sistema. Esse sistema não foge de dentro dos grandes projetos do governo, o que a gente vê é que quando você começa a incomodar o sistema, então é o primeiro grande passo que o sistema tenta é comprar a pessoa, não conseguindo isso chegam até a virar as costas para a gente, a não ouvir as denuncias que a gente faz relacionadas a ameaça de morte e termina acontecendo os assassinatos que acontecem dentro de nosso território... Porque assim, um dos comportamentos de quem usa uma farda nas corporações, tanto a Polícia Militar, Polícia Civil e Polícia Federal, o comportamento que eles tem contra nós é que nós somos fora da lei, dizem que a gente quer criar um estado dentro de outro... o que o estado faz? Ele financia a polícia não só para marginalizar a gente, mas matar, espancar e geralmente isso não dá em nada. Que em toda essa questão da discussão da transposição, uma das coisas que a gente sempre quis foi respeitar a lei, foi respeitar a democracia, o que não aconteceu do outro lado. E essa barragem é uma violação do que existe de lei no mundo, que se fale dos direitos humanos que pudesse condenar o Governo.
44 Em janeiro de 2001, os índios Truká José de Nô Félix e seu filho Nilson Félix foram sequestrados por homens da Polícia Militar de Pernambuco que estavam encapuzados. Três dias depois, os corpos de José e Nilson Félix foram encontrados pela Polícia Federal, degolados e carbonizados, sem que se tenha notícia de nenhum inquérito instaurado para apurar o caso. No dia 30 de junho de 2005, Adenilson dos Santos Vieira (Dena), 38 anos, e seu filho Jorge Adriano Ferreira Vieira, 17 anos, foram covardemente assassinados por 4 policiais militares à paisana, dentro da própria Terra Indígena Truká. O povo Truká indicou como os responsáveis pelo assassinato de Dena, que era perseguido não só pelos antigos posseiros da Ilha de Assunção, mas também pela Justiça, que visava lhe incriminar para desmobilizar a luta pela terra dos Truká, e de seu filho Jorge, policiais militares que integram o conhecido grupo de operações contra o tráfico de drogas na região, cujo lema é "A Mãe Cria e Nós Mata". Contudo, mais recentemente, no dia 23 de agosto de 2008, outra grande liderança indígena Truká, Mozeni Araújo, foi assassinado na cidade de Cabrobó por um pistoleiro, em razão da luta histórica de seu povo pela efetivação de seus direitos e no dia 04 de dezembro de 2008 o professor indígena José Rogério de Souza do Povo Pankararu, ambos sem apuração.
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Dizem que tem leis em nosso país, mas eu ignoro as leis do nosso país. É um modelo de país que somos mais perseguidos, são os mais pobres.45 O Projeto de Transposição em si tem sido implementado com o uso de força armada do Exército Brasileiro. Preterindo o diálogo, o Governo impôs à força o início das obras, cercando todo o canteiro de obras, que se
localiza em territórios do Povo Truká e Povo Pipipã, limitando o acesso dos Povos. Em junho de 2007, manifestantes foram despejados do local por ordem judicial e com auxilio de força policial.
As maiores ameaças hoje é o Projeto de Transposição, as barragens e o próprio governo, porque conhece todos os caminhos. Nós não tamo preocupados com os posseiros, nosso maior medo é o próprio Governo, ser preso, criminalizado isso a gente conhecia, mas dele invadir a gente não sabia. Nós temos uma área militar dentro do nosso território. (Cacique Neguinho Truká) O Cacique Pedro Pankararu questiona a presença do Exército nos canteiros de obras do Projeto de Transposição, afirmando que "o que o Governo faz, tá fazendo é uma guerrilha, bota o Exército, tá querendo fazer nessa transposição o que FHC fez nos 500 anos em Porto Seguro", numa comparação com a vergonha nacional infligida pelo governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso ao lançar mão de contingente militar para reprimir os protestos dos Povos Indígenas em plena festividade de comemoração dos 500 anos de descobrimento do Brasil. Por outro lado, medidas de responsabilização contra a ofensa dos direitos dos povos indígenas não são tomadas. Enquanto os assassinatos não são investigados, a transposição, apesar de todas
as flagrantes irregularidades, continua com o aval da Justiça Brasileira. O posicionamento da Suprema Corte concluiu absurdamente pela inexistência de impacto em terra indígena, contrariando fatos públicos e notórios, e mesmo documentos oficiais como os estudos etnoecológicos da FUNAI. Igualmente só proferiu pronunciamento sobre a ação judicial oferecida pelo Ministério Público Federal, julgando ilegítimas as ações oferecidas por organizações da sociedade civil. A Suprema Corte, através desse entendimento, violou o direito de acesso à justiça por parte de inúmeras organizações, dentre essas organizações indígenas , violando artigo 12 da Convenção 169 e também os artigos 5º e 232 da Constituição Federal46 e a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos47.
45 Surpreendentemente, no dia 11 de julho de 2005, o cacique Aurivan dos Santos Barros, conhecido como Neguinho Truká, à época recentemente empossado como representante dos índios da região no Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, foi preso pela Polícia Federal enquanto prestava depoimento sobre os assassinatos de seu irmão e de seu sobrinho. Mesmo tendo pedido para prestar depoimento na terra Truká por questões de segurança, a Polícia Federal o intimou a depor no município de Salgueiro, tendo então recebido voz de prisão em razão de um mandado expedido pela Comarca de Cabrobó por furto de duas cabeças de gado. De forma que, em 26 de novembro de 2008, o Cacique Neguinho Truká e mais 3 acusados, dentre eles seu irmão Dena, que teve o processo extinto após seu assassinato, foram absolvido da acusação de furto movida pela Promotoria do Estado de Pernambuco, por sentença da Justiça Estadual de Pernambuco, na qual o juiz Marcus César Gadelha afirmou que "os réus não poderão ser condenados por uma atitude que serviu para saciar a fome de seu povo quando do processo de retomada das terras indígenas que lhes pertenciam", também determinando que o cacique e os outros acusados receberão indenização pelos danos morais sofridos, estipulou em cem mil reais o valor que deverá ser pago a Neguinho, "por se tratar de cacique da etnia Truká e uma das maiores lideranças do Brasil". 46 Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. 47 Os artigos 7º e 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelecem que todos os seres humanos são iguais e têm direitos iguais perante a lei, e que "toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédios efetivos para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei”.
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2.6. DESENVOLVIMENTO AUTODETERMINADO O reconhecimento do direito de todos os Povos à livre determinação, em virtude do qual estes decidem livremente sua condição política e perseguem livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural, está consubstanciada na Carta das Nações Unidas, no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)48, assim como na Declaração e Programa de Ação de Viena. De acordo com o disposto no artigo 7º da Convenção 169 os povos interessados têm o direito de escolher suas prioridades no processo de desenvolvimento e de participar dos planos de desenvolvimento local que os afetem. No Brasil, as ações governamentais, de modo geral, não têm respeitado as especificidades étnicas e culturais que os Povos Indígenas configuram,
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o que implica, por um lado, na realização de planos de desenvolvimento inapropriados à realidade indígena e, por outro, em planos de desenvolvimento nacional que não observam, de modo complexo, a intensidade dos impactos que podem provocar aos povos indígenas.
Figura 17: Desenvolvimento é respeitar a cultura, assim fortalece a identidade dos povos. (ZINCLAIR, 2007)
Artigo 2 1. Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade. 2.Essa ação deverá incluir medidas: a) que assegurem aos membros desses povos o gozo, em condições de igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional outorga aos demais membros da população; b) que promovam a plena efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais desses povos, respeitando a sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, e as suas instituições; c) que ajudem os membros dos povos interessados a eliminar as diferenças sócio-econômicas que possam existir entre os membros indígenas e os demais membros da comunidade nacional, de maneira compatível com suas aspirações e formas de vida. Artigo 7 - 1. Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas, próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, esses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente. 2. A melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de saúde e educação dos povos interessados, com a sua participação e cooperação, deverá ser prioritária nos planos de desenvolvimento econômico global das regiões onde eles moram. Os projetos especiais de desenvolvimento para essas regiões também deverão ser elaboradas de forma a promoverem essa melhoria. 3. Os governos deverão zelar para que, sempre que for possível, sejam efetuados estudos junto aos povos interessados com o objetivo de se avaliar a incidência social, espiritual e cultural e sobre o meio ambiente que as atividades de desenvolvimento, previstas, possam ter sobre esses povos. Os resultados desses estudos deverão ser considerados como critérios fundamentais para a execução das atividades mencionadas. Os governos deverão adotar medidas em cooperação com os povos interessados para proteger e preservar o meio ambiente dos territórios que eles habitam. Artigo 19: Os programas agrários nacionais deverão garantir aos povos interessados condições equivalentes às desfrutadas por outros setores da população, para fins de: a) a alocação de terras para esses povos quando as terras das que dispunham sejam insuficientes para lhes garantir os elementos de uma existência normal ou para enfrentarem o seu possível crescimento numérico; b) a concessão dos meios necessários para o desenvolvimento das terras que esses povos já possuam.
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O Projeto de Transposição confronta-se totalmente com outras políticas de intervenção no Semi-Árido e de uso das águas, que é reivindicada há anos como condição para melhoria de vida dos povos ribeirinhos indígenas, a exemplo da imediata e urgente revitalização do Rio São Francisco. Em março de 2005, na Aldeia Tuxá de Rodelas, realizouse I Encontro dos Povos Indígenas Ribeirinhos com o objetivo de proporcionar uma reflexão coletiva sobre Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional e a construção de barragens que afetam tanto o rio quanto os Povos Indígenas e quilombolas49. Os debates giraram em torno de três eixos: a relação cul-
tural, social e econômica existente entre populações indígenas e o Rio São Francisco. O resultado do encontro foi um posicionamento geral favorável a um projeto que revitalize o Rio São Francisco, com a drenagem de sua calha, o reflorestamento, estudos sobre uso de agrotóxicos e utilização de produtos orgânicos, saneamento básico para os municípios à beira do rio e democratização do uso da água. Esse projeto de revitalização inclui também um plano de melhoramento das condições de vida de comunidades indígenas do SemiÁrido, com o uso equilibrado da água de lençóis freáticos, de superfície e da chuva, pelo armazenamento e gerenciamento de cisternas, poços, açudes e barreiros.
E aí, o que a transposição, o que os projetos que estão programados para serem executados nessa área, ela acaba com tudo que a gente criou. Acaba o quê? Acaba com um povo que há 500 anos, há mais de 500 anos, vem aqui se reagrupando, vem se reorganizando, e que agora reaparece de uma forma realmente organizada. De uma forma mostrando para o Estado como é que se conduz muitas coisas, para o próprio Governo do que é a tão falada agricultura familiar. A gente vê isso a todo momento no canal de televisão e meu povo sempre praticou isso. A gente sempre plantou orgânico que hoje todo mundo está valorizando e o que aconteceu? Com essa grande omissão tudo isso foi tirado da gente, a nossa maior preocupação e que faz parte da nossa identidade é a revitalização. A gente vem discutindo a questão da revitalização e todo mundo vem fazendo ouvido de mercador. Quando se fala de revitalizar, você tá falando hoje de saneamento básico, construção de casa, tratamento de água, disso, daquilo, você não está preocupado mesmo com as espécies que sumiram, com a mata ciliar do rio, os seus afluentes, nada disso o Governo coloca de forma clara. (Zé de Santa - Vice-Cacique Xukuru e representante da microregião da Apoinme em Pernambuco) Ao invés de investir milhões numa obra que não vai trazer benefício para as minorias, Governo deveria desenvolver projeto de desenvolvimento junto com as comunidades, pensar uma forma que a própria comunidade pudesse dar o rumo. (Liderança Kambiwá) 49 Estavam reunidos representantes dos povos ribeirinhos: Tuxá de Rodelas, Tuxá de Ibotirama, Tumbalalá, Kiriri de Muquém do São Francisco, Pankararu de Passagem, Xocó e Truká; de povos indígenas da Bahia: Pataxó Hãhãhã; da Paraíba: Potiguara; de Alagoas: Geripankó; de Pernambuco: Xukuru, Kambiwá, Pankararu, Pankará, Pipipã e Kapinawá.
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O distanciamento do Projeto da perspectiva indígena é pontuada no parecer do Ministério Público Federal, que admite que "a metodologia adotada resultou na construção de um conhecimento sobre os grupos indígenas concebido fora deles e não desde eles mesmos, a partir de uma perspectiva de familiaridade com o diferente os habitantes da região são considerados como meros receptores passivos das ações e facilmente adaptáveis a novas condições". Por outro lado, o EIA/RIMA apresentado pelo Empreendedor não apresenta alternativa senão a transposição para o objetivo do empreendimento, como se fosse essa a única a ser adotada, desconsiderando uma série de alternativas já praticadas pelos Povos Indígenas e ribeirinhos da Bacia do São Francisco e das bacias receptoras. 50 O mais contraditório e estarrecedor em tudo isso é que já foram comprovadas outras formas mais viáveis e menos custosas de convivência com
a seca no estudo Atlas Nordeste, realizado pelo próprio Governo através da Agência Nacional de Águas e que visa consolidar alternativas de oferta de água para as sedes municipais da região Nordeste do Brasil e do norte de Minas Gerais. A situação de extrema pobreza - falta de saneamento, água, energia, carência alimentar, problemas de saúde - está diretamente atrelada aos efeitos sócio-econômicos e ambientais das intervenções anteriores, sobretudo a construção de barragens e desvios de água para grandes projetos de irrigação. Muitas lideranças e mesmo estudos oficiais apontam que a transposição tende a piorar esse quadro51, comprometendo o desenvolvimento das comunidades, e denunciam que o Governo tem tentado "negociar" a implementação de políticas públicas obrigatórias, como construção de escolas , casas, estradas e postos de saúdes nas aldeias, atreladas à concordância com o Projeto de Transposição52.
Eles diziam que essa transposição viria, que estavam fazendo os estudo, mas agora é realidade. Em Cabrobó, está aí com muitos homens de fora, muita gente estranha que você passa numa praça e não vê uma pessoa de Cabrobó, só vê gente estranha. Você vai para um hospital não tem mais uma vaga para consulta, porque é o povo de fora que está se consultando. Então a gente tem que fazer essa luta, mas uma luta vendo o valor do povo, o valor da terra e o valor da água. (Maria Tumbalalá - Liderança) 50 Neste estudo, fica comprovado, conforme divulgado em site oficial , que para implementação destas alternativas de combate à seca seriam gastos R$ 3,6 bilhões e que seriam beneficiadas com a implementação total das alternativas, 20.751.929 de habitantes somente no Semi-Árido e um total de aproximadamente 34 milhões de habitantes se as obras forem feitas em todo o Nordeste, ou seja, um número 3 vezes maior do que o previsto, em tese, pelo Projeto de Transposição e com um gasto bem menor, inclusive. 51 O Relatório de Impacto Ambiental - RIMA, realizado em julho de 2004, prevê desde já algumas modificações no meio socioambiental, que devem ser consideradas, entre elas aquelas que expõem as comunidades indígenas a riscos como doença, invasão de terra, diminuição de recursos naturais (RIMA, 2004: 75): introdução de tensões e riscos sociais durante a fase de obra; ruptura de relações sociocomunitárias durante a fase de obra; risco de interferência com o Patrimônio Cultural; possibilidade de aumento e/ou de surgimento de casos de doenças entre as populações locais e os trabalhadores das obras, em especial, casos de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e AIDS; perda e fragmentação de cerca de 430 hectares de áreas com vegetação nativa e de hábitats de fauna terrestre; Interferência no deslocamento de animais, com a fragmentação de áreas com vegetação nativa; Aumento da atividade de caça e diminuição de populações cinegéticas; aumento na procura das terras mais próximas e mais aptas para o cultivo, gerando êxodo de pequenos produtores (posseiros, pequenos proprietários e produtores sem terra); aumento repentino e exagerado do valor de venda dos imóveis rurais, para elevar os valores de eventuais processos de desapropriação, como para a revenda posterior das áreas ocupadas, ou mesmo para a utilização produtiva das regiões quando os benefícios previstos se tornarem efetivos. 52 Entrevistas realizadas com Povos Truká, Tumbalalá, Pipipã e Kambiwá durante os dias 02, 03, 09 e 10 de agosto, em seus territórios, entre os estados da Bahia e Pernambuco.
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A gente percebe que quando se trata do interesse dos pequenos, dos que precisam de produzir pra poder sobreviver, o Governo não tem interesse nenhum de investir, de dar apoio. A exemplo do meu povo, que vive lá no alto sertão, no Semi-Árido, que tem aldeia que não tem sequer água para o consumo humano. E a gente já vem a muito tempo reivindicando abastecimento de água, poço artesiano pra poder oferecer água para aquele povo, e o Governo não dispõe de recurso pra isso. Mas quando se trata de um mega-projeto desse, que vem a beneficiar os poderosos, aí sim, o Governo pode, tem condições de fazer. Então isso é preocupante. (Zuca - Cacique Kambiwá) A atuação do Estado Brasileiro na garantia e proteção dos direitos sociais, econômicos e culturais dos povos (artigo 2º da Convenção 169 da OIT), bem como na concessão dos meios necessários para o desenvolvimento de suas terras (artigo 19 da Convenção 169 da OIT), não tem sido suficiente para garantir condições de sobrevivência dignas nem corrigir a situação de desigualdade sócioeconômica vivenciada por essa população. A compreensão de desenvolvimento defendida pelos Povos Indígenas distancia-se das premissas da "pobreza natural do SemiÁrido” e do “combate à seca" reproduzida no Projeto de Transposição e afirma a valorização da biodiversidade local e a necessidade de "convivência com o Semi-Árido". Entre as propostas alternativas, estão a universalização do acesso à água a partir da democratização da água estocada nos 70 mil açudes; o abastecimento da população urbana e rural dos municípios que estão na Bacia do São Francisco; o aproveitamento sustentável de todas as águas superficiais e subterrâneas; a redução significativa das perdas na
distribuição e no uso, o que tem alcançado até 50% da água aduzida; o reuso da água; a minuciosa captação da água de chuva que cai todos os anos no Semi-Árido53; reforma agrária apropriada ao Semi-Árido Brasileiro, orientada para a agricultura familiar; implementação de uma política que privilegie as ações de convivência com o Semi-Árido a partir dos interesses, aptidões da realidade local e familiar: cisternas de placas, mandalas, barragens subterrâneas, criação de pequenos animais, produção e armazenamento de forragens, demarcação dos territórios indígenas; demarcação e regularização dos territórios quilombolas; demarcação e regularização dos territórios das comunidades tradicionais ribeirinhas, dos fundos e feixos de pastos; regularização das terras públicas da União e dos estados, garantindo-as aos que ainda não possuem terra para viver e aumentando para aqueles que não têm terra suficiente para garantir um desenvolvimento verdadeiramente sustentável. Conservação e Utilização Sustentável da Biodiversidade; Recuperação de Áreas Degradadas e Combate à Desertificação.
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O Semi-Árido Brasileiro é o mais chuvoso do mundo: a chuva anual chega a 700 bilhões m3, a vazão dos rios temporários é de 58 bilhões m3 e como água do subsolo se dispõe de 36 bilhões de m3. Além disso a capacidade dos 70 mil açudes é de 36 bilhões de m3. A extração de apenas um terço dessas reservas representaria potenciais suficientes para abastecer a população nordestina (estimada em cerca de 47 milhões de pessoas), com uma taxa de 200 litros/pessoa/dia e ainda irrigar 2 milhões de hectares com uma taxa de 7.000 m³/ha/ano.
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Tivesse o mínimo de diálogo, talvez se a gente se sentasse, a gente poderia buscar soluções melhores fora da transposição. Nós precisa dessa terra, nós precisa desse rio... Que Lula enxergue que tá matando o rio, enquanto ele tá economizando, vendendo energia, tá matando nossos índios. Cacique Cícero Tumbalalá A análise da implantação do Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco revela assim graves e sucessivas violações de direitos fundamentais reconhecidos aos Povos Indígenas em tratados internacionais e na própria Legislação Nacional, sobretudo na Convenção 169 da OIT e na Constituição Federal. Isso gera, sob pena de se criar condições de irreversibilidade na garantia desses direitos, a premente necessidade de que instâncias internacionais e nacionais de defesa dos direitos humanos pronunciem-se sobre os fatos denunciados e recomendem ao Estado Brasileiro: a) Que suspenda imediatamente as obras e o licenciamento do Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco e das hidrelétricas de Riacho Seco e Pedra Branca até que se realizem as consultas prévias com os 32 Povos Indígenas da Bacia do São Francisco e que se encaminhe o projeto para autorização do Congresso Nacional, nos termos do que estipula a Constituição Nacional no seu artigo 49, XVI; b) Que seja promovida a retirada imediata do Exército Brasileiro do território do Povo Truká e da agrovila do Icó Mandantes onde moram integrantes do Povo Pipipã, dentre outros reassentados atingidos pela barragem de Itaparica; c) Que o Governo Brasileiro demarque e homologue as áreas reivindicadas para os territórios dos Povos Pipipã, Tumbalalá, Truká, Tuxá, Kalankó, Anacé e demais Povos Indígenas da Bacia do São Francisco; d) Que o Governo Brasileiro, como garantia ao direito ao desenvolvimento pleiteado pelas comunidades indígenas da Bacia do São Francisco, promova um amplo programa de Revitalização do Rio São Francisco, e promova políticas públicas que garantam a sustentabilidade social, econômica e cultural dos Povos Indígenas em seus territórios, bem como, políticas de Convivência com o Semi-Árido; 45
e) Que o Governo Brasileiro desenvolva ações eficazes no sentido de superar a abordagem criminalizadora de instituições do próprio Estado, como Forças Policiais, Ministério Público e Judiciário, sobre a luta política dos Povos Indígenas; que sejam adotadas medidas eficazes de apuração e responsabilização dos crimes cometidos contra lideranças indígenas; f) Que sejam reparados os passivos sociais, ambientais e econômicos dos projetos anteriores, sob responsabilidade principal da CHESF (Companhia Hidroelétrica do São Francisco).
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A) ANEXO I - ETNOMAPAS DOS POVOS INDÍGENAS DO SÃO FRANCISCO ATINGIDOS COM A TRANSPOSIÇÃO
Figura 18: Etnomapas Tuxá - Cartografia Social (MARQUES, 2008)
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Figura 19: Etnomapas Tumbalalรก - Cartografia Social (MARQUES, 2008)
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Figura 20: Etnomapas Pankararu - Cartografia Social (MARQUES, 2008)
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Figura 21: Etnomapas Kambiwá (1) e Anacé (2) - Cartografia Social (MARQUES, 2008)
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Figura 22: Etnomapa Pipipรฃ (1) e Mapa da Cartografia Social dos Trukรก (2) (MARQUES, 2008)
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Figura 23: Etnomapas Xoc贸 (1) e Kariri-xoc贸 (2) - Cartografia Social (MARQUES, 2008)
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Figura 24: Cartografia do Povo PankararĂş - Cartografia Social
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Figura 25: Cartografia do Povo Kambiwรก - Cartografia Social
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Figura 26: Cartografia do Povo Pipip達 - Cartografia Social
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Figura 27: Cartografia do Povo Trukรก - Cartografia Social
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Figura 28: Cartografia do Povo Tumbalalรก - Cartografia Social
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Figura 29: Cartografia do Povo Tuxรก - Cartografia Social
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ANEXO II - IMAGENS GERAIS DOS POVOS INDÍGENAS DO NORDESTE IMPACTADOS COM A TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO
Figura 30: Povo indígena Anacé participante da Oficina (NECTAS, 2008)
Figura 31: Povo indígena Kariri-Xocó participante da Oficina (NECTAS, 2008)
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Figura 32: Povo indígena Pankararu participante da Oficina (NECTAS, 2008)
Figura 33: Povo indígena Truká participante da Oficina (NECTAS, 2008)
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Figura 34: Povo indígena Pipipã participante da Oficina (NECTAS, 2008)
Figura 35: Povo indígena Kambiwá participante da Oficina (NECTAS, 2008)
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Figura 36: Povo indígena Tumbalalá participante da Oficina (NECTAS, 2008)
Figura 37: Povo indígena Tuxá de Rodelas participante da Oficina (NECTAS, 2008)
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Figura 38: Povo indígena Xocó participante da Oficina (NECTAS, 2008)
ANEXO III - FOTOS DA PRESENÇA DO EXÉRCITO EM TERRITÓRIO INDÍGENA NO EIXO NORTE E LESTE DA TRANSPOSIÇÃO
Figura 39: Canteiro de obras eixo Norte da transposição (ZINCLAR, 2007)
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Figura 40: Canteiro de obras eixo Norte da transposição (ZINCLAR, 2007)
Figura 41: Canteiro de obras eixo Norte da transposição (ZINCLAR, 2007)
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Figura 42: Canteiro de obras eixo Leste da transposição (ZINCLAR, 2007)
Figura 43: Canteiro de obras eixo Leste da transposição (ZINCLAR, 2007)
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Figura 44: Canteiro de obras eixo Leste da transposição (ZINCLAR, 2007)
Figura 45: Canteiro de obras eixo Leste da transposição (ZINCLAR, 2007)
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COLOPHON PARTNERS • APOINME - Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste. Minas Gerais e Espírito Santo • AATR - Associação de Advogados dos Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia • NECTAS/UNEB - Núcleo de Estudos em Comunidades e Povos Tradicionais e AçõesSocioambientais • CPP - Conselho Pastoral l dos Pescadores/NE •CIMI - Conselho Indigenista Missionário SUPPORT • Projeto de Articulação Popular pela Revitalização do Rio São Francisco • Projeto Nova Cartografia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil/Cartografia dos Povos e Comunidades Tradicionais do São Francisco (UFAM/NECTAS/UNEB) ORGANIZERS OF THIS PUBLICATION Alzeni Tomáz Carlos Eduardo Chaves Emília Teixeira Juliana Barros Juracy Marques Manuela Schillaci Martina Feliciotti Sandro Tuxá Uilton Tuxá ART DIRECTIONS Ana Paula Arruda PHOTOGRAPHY João Zinclar | Nectas | CPP TRANSLATION Margaret A. Kidd | Paul Wolters 72
INTRODUCTION ............................................................................................................ 75
1. THE RIO SÃO FRANCISCO OR OPARÁ: "FATHER AND MOTHER OF THE INDIGENOUS NATION" .............................................................................................. 7 7 1.1. DAMS ON THE SÃO FRANCISCO: PEOPLE WITHOUT WATER FROM A "NEARLY DEAD RIVER" ..................................................................................... 7 7
2.THE TRANSPOSITION PROJECT AND VIOLENCE BY THE STATE AGAINST INDIGENOUS PEOPLES .............................................................................................. 7 9 2.1. IDENTITY AND ETHNIC DISCRIMINATION (ART.1.2, 3 AND 4 OF THE 169 ILO CONVENTION; ART. 5, 215 AND 216 OF FEDERAL CONSTITUTION OF BRAZIL) 81 2.2. PRIOR CONSULTATION, RIGHT TO INFORMATION AND PARTICIPATION (ART. 6 OF ILO CONVENTION 169).................................................................................. 82 2.3. TERRITORIAL RIGHTS (ART. 13 TO 15 OF ILO CONVENTION 169; ART. 231 OF THE FEDERAL CONSTITUTION) .................................................................................................. 83 2.4. ACCESS TO NATURAL RESOURCES; THE RIGHT TO ECOLOGICAL DIVERSITY AND TRADITIONAL RESOURCES (ARTICLE 231 AND 225 OF THE FEDERAL CONSTITUTION; ARTICLE 15 OF ILO CONVENTION169; ARTICLE 8 OF BIOLOGICAL DIVERSITY CONVENTION) ......... 84 73
2.5. VIOLENCE, CRIMINALIZATION AND ACCESS TO JUSTICE ............................. 85 2.6. SELF DETERMINED DEVELOPMENT ............................................................. 85
3. GOVERNMENT RESPONSIBILITY AND RECOMMENDATIONS .................................. 87
BIBLIOGRAPHY ............................................................................................................. 89
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The Transposition of the waters of the Rio São Francisco1 undertaken by the Brazilian Government is a project that violates ethnical and territorial rights of Traditional Peoples and Communities, especially Indigenous Peoples, some of whom have already been affected by major hydroelectric dams. The Brazilian State, by undertaking the work without Prior Consultation of the affected Indigenous peoples and the National Congress, ignores the Brazilian Federal Constitution of 1988, ILO Convention169 to which Brazil is a signatory country, as well as other national and international legal instruments, especially those referring to territory, access to natural resources, biological diversity and traditional resources. Representatives of nine indigenous peoples co-operated to prepare this report: the Truká, Tumbalalá, Pipipã, Kambiwá, Pankararu, Tuxá, Kariri-Xocó, Xocó and Anacé. Together, they denounce largescale social and environmental impacts caused by the works that have been initiated in June 2007. This Report also relied upon support and guidance from APOINME - Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste (Articulation of Indigenous Peoples and Organizations in the Northeast, Minas Gerais and Espírito Santo), in partnership with AATR - Associação de
Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (Association of Attorneys for Rural Workers in the State of Bahia), NECTAS - Núcleo de Estudos em Comunidades e Povos Tradicionais and Ações Sócio Ambientais (Nucleus for Studies in Traditional Communities and People and Socio Environmental Actions) of the State University of Bahia) (UNEB Universidade do Estado da Bahia), Projeto Nova Cartografia Social do Brasil (New Brazilian Social Cartography Project, of the Federal University of the Amazon - UFAM) and with the CPP - Conselho Pastoral dos Pescadores (Pastoral Council of Fishermen) through the Project for Popular Articulation for Revitalization of the Rio São Francisco. The Indigenous People vehemently denounce the great social and environmental losses and damages that have been created by the construction the seven hydroelectric plants and approximately 30 dams constructed in the river so far and that the Brazilian Government has not yet acknowledged. Regarding the transposition project, they demand: 1) Recognition of their ethnic and territorial identities; 2) The right to be duly informed and consulted as respects the transposition, as stipulated by ILO Convention 169 and by the Brazilian Constitution;
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The Rio São Francisco represents 60% of water reserves in the Northeast region of Brazil. Recognized since the Brazilian Empire as the River of National Integration, it supplies six states: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Goiás, in addition to the Federal District. Its basin embraces 504 municipalities, or 9% of all municipalities in the country. It links the Southeast region to the Northeast. Its source is located in Piumi (Mato Grosso) and flows to Piaçabuçu in Alagoas and Brejo Grande in Sergipe. It flows through the semi-arid Brazilian region, through the nation's most threatened biomes: the Cerrado and Caatinga, characterized by intense periods of rain and long dry seasons.
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3) Full rights to their territories and demilitarization of areas that have been occupied by the Brazilian Army to guarantee the execution of the works, and the liberation of other areas invaded by settlers, farmers and companies, which have precipitated violent conflicts in the Indigenous lands; 4) the right of access to the courts of justice in order to question the threats posed upon Indigenous rights by the transposition, peremptorily denied by the Federal Supreme Court; 5) the guarantee of security and of fair and equal treatment by the country's judicial system, putting an end to the violent and criminalizing actions that are committed
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with impunity against Indigenous leaders; 6) The right to Indigenous self-determination and a model of sustainable development that respects nature, the way of life and production of the indigenous; an alternative plan to resolve the issue of water democratization, based on coexistence with the Semi-Arid climate, and prioritization of public investment in the revitalization of the S達o Francisco river. The main elements of the Report are hereby summarized. For the full report, please access: http://www.cimi.org.br/pub/publicacoes/ 1241549933_relatapoinmetransp.pdf
The Rio São Francisco is the father and mother of the Indigenous nation and river dwelling people. Neguinho Truká Indian Tribal Chief But, the greatest treasure we have here is the Rio São Francisco. We don't give him away for anything in life, right? There is nothing that could buy this heritage. Raimundo Xokó Shaman
Reports from indigenous people affected by the transposition works dramatically demonstrate that this project is reproducing historical practices that the current International Human Rights System totally opposes. This, because the Indigenous Peoples are denied their rights in many aspects.
cultural dominance by colonizers.
In order to understand the impact of these works some comments are unfolded on the relationship of these People with the primary river in the Northeast Region. The São Francisco River is treasured, throughout its course, by the Indigenous Peoples as one of the most valuable resources in the Northeast Region for both its symbolic and material value.
From headwaters to its bay, the River crosses a continuous traditional territory occupied for more than nine thousand years. Nowadays, in its 2,800 km extension, 32 Indigenous Peoples are distributed among 38 territories: Kaxagó, Kariri-Xocó, TinguiBotó, Akonã, Karapotó, Xocó, Katokin, Koiupanká, Karuazu, Kalankó, Pankararu, Fulni-ô, Xucuru-Kariri, Pankaiuká, Tuxá, Pipipã, Kambiwá, Kapinawá, Xukuru, Pankará, Tupan, Truká, Pankararé, Kantaruré, Atikum, Tumbalalá, Pankaru, Kiriri, Xacriabá, Kaxixó and Pataxó2. The estimated population is approximately 70 thousand people.
It has caused and guided migrations, determined populations and guided the process of territory demarcation of many ethnic Indigenous groups in the Northeast. Its riverbed was crucial as an entry point towards the country's interior. It also has been motive for Indigenous resistance and fights against physical and
The significance of the Rio São Francisco finds unanimous resonance in the narratives of the communities: the river was and is vital to their physical and cultural survival, including river regime adapted agricultural methods, traditional fishing, livestock husbandry, etc. as well as to maintaining Indigenous rites, culture and religious beliefs.
1.1 - DAMS ON THE SÃO FRANCISCO: PEOPLE WITHOUT WATER FROM A "NEARLY DEAD RIVER" Over the past forty years the São Francisco River has been undergoing a series of interventions, especially since the 1970s, marked by large-scale development 2
projects. Destruction of riparian forests, pollution - a consequence of urban and industrial effluents (used-water discharges) -, soy and sugar cane monocultures and
Ecologias do São Francisco, Juracy Marques.
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large scale irrigation projects contribute on a daily basis to the degradation of river. In fact, the S達o Francisco river is in deplorable environmental conditions. The construction of the hydroelectric power plants in the river caused the forced removal and dislocation of over 150 thousand persons, among whom are several Indigenous peoples; Irrigation projects, public and private, occupy an area of 342 thousand hectares and are expanding through the use of slave labor and labor in degrading circumstances; Five hundred thousand riparian people suffer from the absence or precarious supply of water and basic sanitation; The river has already lost 95% of its riparian forests (forests along the river sides that retain water and avoid erosion) and the sea, as a result of the weakened river flow at the mouth of the river, has advanced 50 km. into the river. These impacts directly influence the way of life of Indigenous Peoples in the S達o Francisco Basin. The large number of hydro power projects has already provoked population decimation, forced dislocation and destruction of archaeological and cultural patrimony of many Indigenous Peoples, resulting in large scale social, ethnic and environmental liability. Without due compensation by the Federal Government, they still plead for recomposition of lost territories, access to water, demarcation of territories, river revitalization, repatriation of cultural patrimony material, among other demands. They likewise endure forms of irreparable damage, such as loss of sacred places flooded by dam waters. Literal cascades of dams created a situation of extreme poverty for most of the Indigenous populations, with no access to vital recourses such as water, land and food. This situation, contrary the image 78
that is historically associated with this fact, does not result from drought in the region, a supposed lack of water, but from exploitation by the economic elites in the region as well as by large national and multinational companies that systematically violated the rights of the local population. Electric power and the stored water have not served the people, but rather the large mining companies, irrigation-based largescale agriculture, the iron and steel foundries, the livestock farming. Corruption in public investments in the region is a matter of historical record; elites are accustomed to being beneficiaries of federal governments through what is suitably called the "drought industry". All contexts reveal the historical debt that the Brazilian Government has with the indigenous People in the S達o Francisco Hydrographic Basin. Affirmative policies need to be created to ensure their territories, respect for their culture and rituals, access to natural resources and to promote self determined development for their lives. The damages that remain from these large enterprises, the resulting environmental degradation, the expropriations of water and land and successive diasporas have already left the deep scars. The scars of social misery and the extermination of Indigenous culture are too bad to allow any other infrastructural project in a similar way and with similar impunity. Therefore, this scenario is our starting point to interpret the manner in which the Transposition Project is developed: whether it is realized in recognition of Indigenous rights, or that it will add up to the historic denial and negligence of indigenous rights. Which would reproduce historical practices that are in clear opposition to the present International Human Rights System, as well as the very Federal Constitution of Brazil.
The Rio São Francisco Integration Project with the Northern Northeast Hydro Basins, also known as the Transposition Project, is presented by the Brazilian Government as the final solution for the drought phenomena that hits the Northeast Semi-Arid region of the country. The undertaking includes the construction of another two hydro electric dams (called Pedra Branca and Riacho Seco), nine pumping stations, 27 aqueducts, eight tunnels and 35 water reservoirs, in other words, it is a complex engineer work in a degraded river. It is the Lula Government's largest infrastructure project in the PAC (Program for Accelerated Growth). In theory, the project would construct two large channels over 600 km in length, to supply 12 million people and 268 cities with water and to irrigate three hundred thousand hectares of land, at a total cost of 6.6 billion Brazilian Real (approximately 2.5 billion euros or 3.5 billion dollar according to the currency exchange rate of august 2009). According to the Brazilian Government, the Project will supply locations that at present have no easy access to water. Its implementation is said to be without negative impact to either riverside communities or to the São Francisco. However, drought and human and animal thirst will be the least addressed part of the project, since the Semi-Arid regions most exposed to drought will remain far from the channels and aqueducts. The Project text that the government issued confirms that only
4% of transposed waters will reach the socalled diffuse population, spread throughout the Caatingas; 26% will be used for both urban and industrial use and 70% for irrigation projects. The so-called AID (Area of Direct Influence) is well known to contain environmental preservation areas, Indigenous reserves, the remaining quilombo communities and other social groups and resources of inestimable value. In fact, the perspective is that more than eight thousand Indians will be directly affected. Yet the Environmental Impact Study does not include a single sentence on the relationship between affected communities and use of cultural, archaeological, historical or ecological patrimony of the region. The Project has been questioned by several civil society organizations as well as river dwelling communities, fishermen, Indigenous peoples and quilombolas in the Basin. Of particular note is the absence consultation of the people that are directly affected and their participation in the decision making. Especially on the necessity and the effectiveness of the project. First, since the main benefits are for large (irrigation) projects, which will increase water disputes in the Semi-Arid region; And second, since the project will result in further degradation of the river and therefore affect the way of life, production and habits of all groups historically living in the São Francisco Basin. The São Francisco River Basin Committee, with the authority to approve the Plan of Hydro Resources of the Basin according to Law No. 9.433/1997, was opposed to the São Francisco River Integration with the Northern Northeast Basins Project. It would only al79
low for the use of water for human consumption and for animal thirst, and only if scarcity is proven and after infrastructure and management measures were adopted to address demands under the Receptor Basins Plan.3 Regarding the Indigenous component, the Funai (the Federal Organ for Indigenous Affairs) did not object to the project, as long as ethnological studies of affected people were carried out. Initially a plan to survey 10 affected communities was proposed, however without any explanation, this number was reduced to four: Kambiwá, Pipipã, Tumbalalá and Truká. Even prior to the conclusion and discussion of the studies with the communities, Funai's then president, Mércio Pereira Gomes, issued a favorable opinion on the project, although all studies present elements and facts for which the people involved rejected the Project. It also reinforced negative impacts on Indigenous territories.4 All irregularities seen in the implementation of the Transposition Project have led to a series of court ordered interruptions. For example, because of the lack of environmental impact studies and abrogation of participatory rights. There have been more than 15 court orders in several Brazilian states. However, on December 19, 2007, the Federal Supreme Court, the highest power in the Brazilian Judicial system, refused to recognize and judge the judicial actions presented by civil society organizations, considering them to be illegitimate. The Supreme Court only recognized legitimacy to judicial actions presented by state agencies and judged only those appeals made by the Federal Public Ministry. These were deferred by the judges, who stated 3
that the project were legal and that it would not negatively affect Indigenous lands. Such positioning, considered to be highly political by public opinion, violates directly the constitutional guarantees of access to justice, in this case, especially for Indigenous organizations, as well as the right to prior information and participation in the decision taking. A right that is guaranteed to communities that are affected by any Governmental project, be it for positive or negative impacts, which is to be valued by the affected communities themselves. As the project has been licensed by the Brazilian Justice system and by the Brazilian Environmental Institute, the works on the channels have already started in the region of the Truká people, on Assunção Island (PE), and in the region of the Pipipã people, in the city of Floresta. In both cases it's the Brazilian army that is executing the work, in effect making the territory a militarized zone. Therefore, the transposition project of the Rio São Francisco is taking place on the Indigenous land, disregarding the consequences on the indigenous land and with disregard to the indigenous voices. In general debates and institutional positioning, the three powers of government, the Federal Government (executive), the National Congress (legislative) and the STF (judiciary) avoided to face this question, preferring, rather, to deal with different arguments. Such as: the non-existence of Indigenous in the area where the canals will go through, that there will be no harm and that, in fact, they will benefit from the project. Meanwhile they continue to disregard the need of consultation and public hearings.
It should be noted that the PISF-study foresees that more than 70% of the transported water is intended for irrigation and cattle raising and not for human consumption. On top of that, water scarcity has not been proven for the receiving basins, as was anticipated as a criterion in the São Francisco Basin plan. 4 Information verbally given by representatives of CGPIMA (General Coordination for Indigenous and Environmental Patrimony), of Funai. Documents were delivered but remained answered.
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The very ethno-ecological studies undertaken and presented by the Funai were not taken into consideration, not the reported negative impacts nor the outcomes of the dialogue with the Indigenous People, thus explicitly showing the opposition and antagonism between the different positioning of the different state organs.
In the following we list the various violations of the rights of Indigenous peoples as stipulated by international treaties such as ILO Convention 169 on the rights of the Indigenous People, and as recognized in the text of the São Francisco Water Transposition Project by the Brazilian Government.
2.1. IDENTITY AND ETHNIC DISCRIMINATION (ART.1.2, 3 AND 4 OF ILO-CONVENTION 169; ART. 5, 215 AND 216 OF FEDERAL CONSTITUTION) The Brazilian Government has compromised itself, through decree 6040/07, to "recognize, with celerity, the self identification of traditional peoples and communities, for their full access to civil, individual and collective rights". The Federal Constitution, under Article 5, sections 215 and 216, recognizes the diversity of the groups that form Brazilian society as well as its ethnic plurality, determines the protection and valorization of the diverse cultural manifestations and modes of creating, making and living of these people, specifically highlighting the Indigenous Peoples and the Afro Brazilians. However, as in many other projects, the various party in favor of the Transposition, deny the existence of the Indians in the region, including many state authorities. The indigenous are accused of being liars, charlatans and profiteers. Buttressed by preconceived stereotypes, this has become common discourse. Denying their identity, these parties equally deny any rights to the indigenous, like their participation and selfdetermination rights. This negation constitutes a plain denial of another, internationally recognized right, as set forth in the United Nations Convention 169, of the International Labour Organisation (ILO). Brazil is signatory party of this convention. Article 1.2 recognizes and affirms that the only defining criterion on eth-
nic provenance of an indigenous community is self-definition. In other words, the only one who can determine whether or not someone is indigenous, is that very own indigenous community. Further more, under Articles 3 and 4 the Convention condemns any discriminatory practice in the affirmation of Indigenous identity. So , rather then deny their existence, the State must take measures to safeguard goods, institutions and culture of the indigenous people. There were moments, regarding the Transposition Project, when the Government recognized the Indigenous People as affected. But this was only to suggest that the would benefit from the project, allowing the government to pretend a beautiful guardianship over them. In other instances, representatives of the public powers explicitly denied the existence of Indigenous land in the areas covered by the Project. An example of this denial refers to the planned construction of the Riacho Seco Hydroelectric Power Plant, that will provide electricity and water to pump into the Transposition canal. The preparatory geo-reference data state that there are no Indigenous lands in the region, although all are aware that in Curaçá - a municipality certain to be impacted - there is the Tumbalá village, with about 81
1500 indigenous men and women, living in the Pambu village. Lastly, investments on the scale of millions of dollars in projects that oppose Indigenous interest, such as the transposition, are in sharp contrast to the scant investments in
social policies for the indigenous. As such, this attitude is considered as institutional racism. The report from the Federal Public Ministry, dealing with the impact of the transposition in Indigenous lands, also shows that:
"The local populations are treated as obstacles to development and as an 'environmental problem'. Therefore the impacts experienced by the population due to the enterprise are not fully taken into consideration. Affected people are not treated as Citizens, as actors within their own history, carriers of strong relationship with the environment and importance for its maintenance and well-being."
2.2. PRIOR CONSULTATION (ART. 6 OF 169 CONVENTION), RIGHT TO INFORMATION AND PARTICIPATION The Federal Constitution, in ยง3 of Article 231, which is the chapter that deals exclusively with the Indigenous population, establishes that the utilization of water resources in Indigenous lands can only take place with the permission of the National Congress, hearing the affected communities. This internally recognizes the important principle of the International Right that refers to the rights of traditional communities, which is the Principle of Free and Informed Consent, as established in Article 6 of Convention 169 of the ILO. Contravening the provisions cited, the Brazilian Government did not conduct any proceeding of prior consultation of the Indigenous peoples affected by the Transposition project, nor did it submit the project to the National Congress for authorization. The few hearings that were held, were conducted in the State capitals, therefore distant from the Basin itself and distant of those peoples directly interested. Thus, a plain and clear disrespect is observed to the constitutional principle of self determination of the peoples, denying various traditional populations - river peoples (ribeirinhas), quilombolas and indigenous 82
the right to participate in a process on decisions that directly influence their lives. As a further affront to the right to information and participation, repeated denunciations indicate that the Government entered into informal negotiation strategies, selling the transposition as exchange currency. In exchange for the approval of affecter communities, the authorities offer other goods or services that in fact already are constitutional rights of the indigenous people. In other words, these are 'gifts' that are already obligations of the State to provide to the Brazilian citizens, but that were never delivered. Services such as access to water, social housing, schools and social programs. This negotiation of state obligations as favors to one or another people in exchange for their approval of the project handles as favoritism what should be the exercise of full and free citizenship and participation in society, as guaranteed by constitutional law. Added to this, there is many reports of intense institutional propaganda, released through mass media, advertising the project as an undertaking to quench the thirst of the population, while negative impacts are conveniently silenced, as well as the real objectives of the transposition.
Besides representing the violation of free and informed consent of the affected citizens, the facts denounced equally affront the right and duty of all citizens to have access to information in the
hands of the State. International conventions and jurisdiction provide an ample foundation for the importance of the right to information to enable the exercise of full and free citizenship.
2.3. TERRITORIAL RIGHTS (ART. 13 TO 15 OF THE 169 CONVENTION; ART. 231 OF FEDERAL CONSTITUTION) The right of the indigenous peoples to their territories is consecrated in Article 231 of the 1988 Federal Constitution. It confers originary rights to the indigenous over the land that is traditionally occupied by them. Moreover, the Constitution demanded demarcation of all Indigenous land within a period of five years (that would be 1994). Article 231 and its paragraphs elevated the concept of Indigenous land to category of Constitutional Text. It affirms indigenous territorial right, namely: "traditional lands occupied by indigenous" are those they inhabit in a permanent character, utilized for their productive activities, those indispensable to preservation of the environmental resources necessary to their well being and those necessary to their physical and cultural reproduction, according to their uses, customs and traditions (CF, art. 231, §1). The Federal Constitution establishes that land traditionally occupied by the Indigenous people is patrimony of the Federal Union, guaranteeing to the Indigenous peoples occupying them, the permanent possession and exclusive usufruct of the riches of the soil, rivers and lakes existing in them. It likewise forbids any process of forced removal. The Transposition Project, however, in and of itself, represents violations of these constitutional rights and guarantees. For one thing, in June 2007, the Truká people were dispossessed, by a court order, at the request of the Brazilian Government, of their own territory in Pernambuco.
Second, the territories of the Truká and Pipipã indigenous peoples have already been occupied by the Brazilian Army and with accesses interdicted to others to guarantee the initiation of the works. Overall, it can be observed that the processes of demarcation conducted by the FUNAI develop very slowly. Considering that the deadline was 1994. And nowadays many territories are found in areas directly affected by the Transposition as well as other supposed development projects, the various indigenous peoples argue that the Government does not want to demarcate precisely in order to leave these areas free to the companies. People such as the Tuxá, Truká and Pankararu, for example, had their demarcated territories reduced and have waited for years for the revision of the boundaries by the FUNAI. Other peoples who are impacted, like the Anacé, Pipipã and Tumbalalá have not had any territories demarcated while the construction of the canals advances on them. Given these data, and others, presented in the full version of the report, we are confronted by the shameful non-compliance of the Federal Government in guaranteeing and preserving the indigenous territorial rights. At one hand by plain omission in the demarcation process and the failure to fend off invasions and occupations of those lands. On the other hand, by direct state action through incentives to and execution of economic projects that are opposed to interests of the indigenous people. In fact, in the case of the Transposition Project the Federal Government figures as the greatest invader. 83
2.4. ACCESS TO NATURAL GOODS; THE RIGHT TO ECOLOGICAL DIVERSITY AND TRADITIONAL RESOURCES (article 231 and 225 of federal constitution; article 15 of 169 ilo convention; article 8 of biological diversity convention) The environmental preservation which was due to the specific relationship that the Indigenous People cultivate with nature, was suppressed by a process of intense degradation in the hydrographic Basin (Bacia) of the Rio São Francisco. The situation of the river and its predominant biome, the Caatinga, is extremely precarious, in terms of both access to water of the river and extermination of most of its traditional species, such as fish, trees, birds, forests and plants, among other elements. It is estimated that more than 70% of the Caatinga is already deforested. Silting of the river and destruction of the riparian forests, resulting from over-exploitation of the river for development projects, especially hydroelectrics, have taken an alarming toll. This has led many people and environmental organizations to promote a national campaign entitled "Vamos Salvar o Velho Chico", or: Let´s Save Velho Chico. (Velho Chico being the nickname of the Rio São Francisco). Grave problems are already experienced by the Indians living near the mouth of the Velho Chico along the river located in the region of the Baixo São Francisco. Peoples such as the Xocó and Kariri-Xocó people, are deprived of native fish due the impact of the dams. These seriously interfere with the flow of the river, causing a combination of a decrease in the river flow and a strong advance of the sea up the river. This, among other things, threatens access to potable water. Others, like the Pankararu, are already deprived of access to the banks of the river because they have been fenced off. 84
Many Indigenous fishermen have to walk great distances to access the river because of farms that have been installed, silting and the great expansion of aquaculture of tilapia fish by private companies. Destruction of vegetation caused by monoculture has destroyed most of the river margin lagoons, the primary fish nursery in the lower São Francisco region, leaving today only a fragile ecosystem. These lagoons provided means of subsistence for the Indigenous people. Control of the water flow by hydroelectric power plants, which increase and decrease the volume according to energy criteria, has a substantial impact on the river biology and causes many people to lose marshland areas, traditionally used for dry season agriculture, when receding rivers leave fertile soil margins. The transposition also tends to make access to water more difficult in a region where the river population itself suffers from lack of access to drinking water, due to lack of investment in a distribution system. The aim of the transposition of the water is to supply large irrigation projects and new industrial enterprises in other states, like the Port of Pecém in Ceará, which will even further prejudice the water supply for both humans and for watering of livestock. While exactly these were stated as priority uses in the Plano Decenal da Bacia (Ten Year Basin Plan). The supply of water to water basins would hardly signify the democratization of water; as such basins have concentrated and privatized - a substantial amount of water in the hands of a few. Water, carried through long canals, will suffer an intense process of evaporation, caus-
ing substantial losses making it more expensive. In other words, the indigenous peoples and riverside people will have even greater difficulty to access water. In turn, the Transposition and the limitation
of access to water and natural resources will directly interfere in the preservation of knowledge and traditional practices of the Indigenous people, as well as in biological diversity, which is both maintained and generated by such traditional knowledge.
2.5. VIOLENCE, CRIMINALIZATION AND ACCESS TO JUSTICE Article 12 of Convention 169 establishes that the Indigenous people shall have effective protection against violation of their rights and that they shall be able to initiate legal proceedings, be this personally or through representative organs, to safeguard the effective respect of those rights. Article 18 determines that Governments must adopt measures to prevent the commission of crimes connected to land conflicts and to identify, judge and sanction, in an exemplary manner, those people responsible for deeds committed. However, territorial insecurity, due to lack of demarcation and the struggle in opposition to transposition of the Rio São Francisco, has generated several conflicts for the indigenous people in the São Francisco Basin. Acts of violence range from the murder of Indigenous leaders (as was the case in the occurrence of the five Truká people murdered in the context of their territorial struggles in the last four years) to judicial processes of criminalization of indigenous leaders, with strong endorsement by segments of the Brazilian Government. The Transposition project itself has been implemented by force by the Brazilian Army. Instead of seeking dialogue, the Government
imposed the initiation of the work, by force. The excavation works located in the territories of the Truká People and Pipipã People have completely been fenced off, limiting the free access of these peoples. In June 2007 demonstrators were removed from the area by court order and with the use of police force. On the other hand, accountability measures against the abrogation of the rights of indigenous peoples are not taken. While murders are not investigated, the transposition, despite all of the flagrant irregularities, continues to enjoy endorsement by the Brazilian Justice system. The positioning by the Supreme Court absurdly concluded the non-existence of impact on Indigenous lands, contradicted by facts that are both public and notorious, including official documents such as the ethnological studies by the Funai. Similarly absurd was the decision to only judge the judicial action by the Federal Public Ministry, judging illegitimate the actions proposed by civil society. The Supreme Court, by means of this interpretation, violated the right of access to the justice system for innumerable organizations, amongst them indigenous organizations, violating not only Article 12 of Convention 169, but also Articles 5 and 232 of the Federal Constitution as well as the Universal Declaration of Humans Rights.
2.6. SELF DETERMINED DEVELOPMENT Recognition of the right of all Peoples to free determination, which allows them to freely decide their political condition and to freely pursue their economic, social and cultural development, is recognized and affirmed in the
United Nations Charter, in the International Pact of Economic, Social and Cultural Rights, in Convention 169 of the International Labor Organization (ILO), as well as in the Vienna Declaration and Program of Action. 85
The Transposition Project stands completely and totally counter to all other intervention policies in the Semi-Arid and to the use of water, demanded for years as a condition for improvement of life for the river dwelling indigenous people. The demand for immediate and urgent revitalization of the Rio São Francisco is and example of this. In March 2005, in the Tuxá village Rodelas, the first meeting of river dwelling indigenous people took place with the objective of presenting a collective reflection on the Rio São Francisco Integration Project with the Hydroelectric basins of the Northern Northeast and construction of dams that affect both the river dwellers, the Indigenous Peoples and the Quilombolas. The debates centered around three axis: the cultural, social and economic relationship that exists between the Indigenous populations and the Rio São Francisco. The result of the meeting was a general positioning favorable to a project that revitalizes the Rio São Francisco, with the drainage of its channel, reforestation, studies on the use of agrotoxins and utilization of organic products, basic sanitation for municipalities along the river and democratization of the use of water. This revitalization project also includes a plan for improvement of living conditions for the semi-arid indigenous communities, with the balanced use of the groundwater, surface and rain water, storage and management of cisterns, wells, weirs and springs. On the other hand, EIA/RIMA proposal presented by the entrepreneur did not present an alternative other than the transposition, as if it were the only choice available, ignoring a series of alternatives already practiced by the Indigenous and riverside people of the São Francisco Basin and of the receptor basins. What is most contradictory and appalling in all of this is that other forms of coexistence with the drought conditions have proven more viable and less costly, as presented in the study "Atlas Nordeste", prepared by the Government 86
itself through the National Agency of Waters. This project seeks to consolidate alternatives for water supply in the main settlements of the municipalities of the Northeast region of Brazil and of the north of the state of Minas Gerais. The comprehension of development as defended by the Indigenous People distances itself from the premises of "natural poverty of the SemiArid" and of "combating drought", false premises that are being reproduced by the Transposition Project. Their comprehension affirms the value of local biodiversity as well as the necessity of "coexistance with the Semi-Arid". Among proposed alternatives is universalization of access to water by the democratization of the water that is stored in seventy thousand water basins spread over the region; water supply to the urban and rural population in the cities in the São Francisco Basin; making good sustainable use of all superficial and underground waters; significant reduction of loss in distribution and use of water, which has reached up to 50% of water conveyed; reuse of water; the careful capture of rain water that falls every year in the Semi-Arid; agrarian reform adapted to the Brazilian semi-arid, oriented toward family agriculture; implementation of policies that privilege initiatives to co-exist with the SemiArid according to local interests, characteristics and familiar reality, such as: cistern construction (ater tanks), circular small-scale mandala irrigation, subterranean dams, small animal husbandry, production and storage of forage, demarcation of indigenous territories; demarcation of quilombola territories; demarcation and regularization of traditional river communities areas; regularization of public land from the federal and state government, to distribute it to those who do not yet possess land to live on, while increasing the size of land for those who do not have sufficient land to ensure true sustainable development. Further more, the indigenous propose conservation and sustainable utilization of the regional and local biodiversity; recovery of degraded areas and combating desertification.
If there were at least some dialogue, perhaps we could sit down, we could look for better solutions other than the transposition. We need this land, this river... Lula must see that he's killing the river, while he is there saving, selling power, he's killing our Indians. Cícero Tumbalalá Tribal Chief The River is the most important thing, it provides us our living, its where the enchanted light people come from. Here we have the trees, we have the birds, the otters, the signs of life and death. We and the river are one. Adailson Truká Shaman
Analysis of the implementation of the Project of Transposition of the Waters of the Rio São Francisco thus reveals serious and successive violations of fundamental rights of the Indigenous People that are recognized in international treaties and in National Legislation, especially the ILO Convention169 and the Brazilian Federal Constitution of 1988. In order to avoid that the indigenous rights are irreversibly violated, it extremely urgent and necessary that international and national human rights entities pronounce themselves over the reported facts and recommend to the Brazilian State: a) That it immediately suspend the work and the licensing of the Project of Transposition of the Waters of the Rio São Francisco as well as Riacho Seco and Pedra Branca Hydroelectric Plants until prior consultation is undertaken with the 32 Indigenous Peoples of the Bacia do São Francisco and that an authorization project is delivered to the National Congress, under terms stipulated by the Federal Constitution under Article 49, XVI; b) That the Brazilian Army be withdrawn immediately from the territory of the Truká People and from the village Icó Mandantes where the community of Pipipã People live, among others people that were affected by the Itaparica dam and resettled in that village; c) That the Brazilian Government demarcate and confirm the areas claimed as territories of the Pipipã, Tumbalalá, Truká, Tuxá, Kalankó, Anacé and other Indigenous Peoples of the Bacia do São Francisco; d) That the Brazilian Government, as guarantee of the right to development revindicated by the indigenous communities of the São Francisco basin, provide an ample program of Revitalization of the Rio São Francisco, and promote public policies that guarantee social, economic and cultural sustainability of the Indigenous People in their territories, as well as policies of coexistence with the semi-arid; 87
e) That the Brazilian Government take action to end the criminalizing attitude towards the political struggle of the indigenous peoples taken by institutions of the Brazilian state itself, such as the police forces, the Public Ministry and Judiciary; that effective measures of investigation and accountability be adopted for the crimes against indigenous leaders; f) That there be repairs to social, environmental and economic liabilities of previous projects, under principal responsibility of CHESF (Companhia HidroelĂŠtrica do SĂŁo Francisco - SĂŁo Francisco Hydroelectric Company).
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COLOFÓN SOCIOS • APOINME - Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste. Minas Gerais e Espírito Santo • AATR - Associação de Advogados dos Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia • NECTAS/UNEB - Núcleo de Estudos em Comunidades e Povos Tradicionais e AçõesSocioambientais • CPP - Conselho Pastoral l dos Pescadores/NE •CIMI - Conselho Indigenista Missionário APOYO • Projeto de Articulação Popular pela Revitalização do Rio São Francisco • Projeto Nova Cartografia dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil/Cartografia dos Povos e Comunidades Tradicionais do São Francisco (UFAM/NECTAS/UNEB) ORGANIZADORES DE ESTA PUBLICACIÓN Alzeni Tomáz Carlos Eduardo Chaves Emília Teixeira Juliana Barros Juracy Marques Manuela Schillaci Martina Feliciotti Sandro Tuxá Uilton Tuxá DIRECCIONES DE ARTE Ana Paula Arruda FOTOGRAFÍA João Zinclar | Nectas | CPP TRADUCCIÓN Margaret A. Kidd | Paul Wolters 92
INTRODUCIÓN .............................................................................................................. 95
1. EL RÍO SÃO FRANCISCO O OPARÁ: "PADRE Y MADRE DE LA NACIÓN INDÍGENA" . 97 1.1. REPRESAS EN EL SÃO FRANCISCO: PUEBLOS DESAGUADOS DE UN "RIO CASI MUERTO" .................................................................................................. 97
2. EL PROYECTO DE TRANSPOSICIÓN Y LA VIOLENCIA DEL ESTADO CONTRA LOS PUEBLOS INDÍGENAS ................................................................................................. 99 2.1. IDENTIDAD Y DISCRIMINACIÓN ÉTNICA (ART.1.2, 3º Y 4º DEL CONVENIO 169; ART. 5º, 215° Y 216° DE LA CONSTITUCIÓN FEDERAL) .................................... 101 2.2. CONSULTA PRÉVIA (ART. 6º DEL CONVENIO 169), DERECHO A LA INFORMACIÓN Y PARTECIPACIÓN ............................................................................................. 102 2.3. DERECHOS TERRITORIALES (ART. 13 A 15 DEL CONVENIO 169; ART. 231 DE LA CONSTITUCIÓN FEDERAL) ................................................................................. 103 2.4. ACCESO A LOS BIENES NATURALES; DERECHO A LA DIVERSIDAD ECOLÓGICA Y A LOS RECURSOS TRADICIONALES (ARTÍCULO 231 Y 225 DE LA CONSTITUCIÓN FEDERAL; ARTÍCULO 15 DEL CONVENIO 169 DE LA OIT; ARTICULO 8º DEL CONVENIO SOBRE LA DIVERSIDAD BIOLÓGICA) ............................................ 103 2.5. VIOLENCIA, CRIMINALIZACIÓN Y ACCESO A LA JUSTICIA.......................... 104 2.6. DESARROLLO AUTODETERMINADO ........................................................... 105 93
3. RESPONSABILIDAD DEL GOBIERNO Y RECOMENDACIONES .................................. 107
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 109
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El Rio São Francisco es padre y madre de la naciòn indígena y de los pueblos que viven en sus orillas. Cacique Neguinho Truká Todavía, el mayor tesoro que nosotros tenemos aquí es el Rio São Francisco. No lo vamos a entregar por nada en la vida,¿ entienden? No hay nada que pueda comprar este patrimonio. Pajé Raimundo Xokó
La Trasposición de las aguas del Río São Francisco 1 es una obra del Gobierno brasilero que viola derechos étnicos y territoriales de Pueblos y Comunidades Tradicionales, en particular de los Pueblos Indígenas, parte de ellos ya afectados por Proyectos de grandes hidroeléctricas. El Estado brasilero, realizando esta obra, sin la Consulta Prévia de los pueblos indígenas afectados y del Congreso Nacional, no respeta la Constitución Federal del 1988, el Convenio 169 de la OIT del cual es signatário, entre otros instrumentos jurídicos nacionales y internacionales, en particular donde trata de los derechos territoriales, acceso a los recursos naturales, a la diversidad biológica y a los recursos tradicionales. Los Pueblos Indígenas Truká, Tumbalalá, Pipipã, Kambiwá, Pankararu, Tuxá, KaririXocó, Xocó y Anacé juntamente, elaboraron este Relatório que denuncia los imensos impactos socioambientales causados por la obra, que se encuentra en curso desde junio 2007. La construción de este Relatório tuvo también el apoio y la asesoría de la APOINME - Articulación de los Pueblos y Organizaciones Indígenas del Norteste, Mi-
nas Gerais y Espírito Santo, en colaboración con la AATR - Asociación de Abogados de los Trabajadores Rurales en el Estado de Bahía, el NECTAS - Núcleo de Estudios en Conunidades y Pueblos Tradicionales y Acciònes Socioambientales de la Universidad del Estado de Bahía (UNEB), el Proyecto Nova Cartografia Social de Brasil de la Universidad Federal de Amazônia (UFAM) y el CPP - Consejo Pastoral de los Pescadores por meio de la Articulación Popular para la Revitalización del Rio São Francisco. Las vozes activas de los Pueblos Indígenas denuncian el imenso pasivo socioambiental - que todavía el Gobierno Brasilero no ha reparado - generado por las 7 hidroeléctricas y de alrededor de 30 barreras hasta hoy construídas y, en relación al Proyecto de Transposición, reclaman: 1) El reconocimiento de sus identidades étnicas y territoriales; 2) El derecho de ser debidamente informados y consultados sobre la Transposición, con respecto al Convenio 169 de la OIT y a la Constitución Brasilera;
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El Rio São Francisco representa el 60% de las reservas de agua del Norteste Brasilero. Reconocido, desde el Brasil Imperio, como el Rio de la Integración Nacional, alimenta seis Estados: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Goiás, incluyendo el Distrito Federal. Y abraza, en todo su cuenca, 504 municípios, el 9% del total de municípios del País. Interliga el Sureste al Norteste, naciendo en Piumi/MG y desembocando entre Piaçabuçu/AL y Brejo Grande/SE. Se encuentra enserido en la región del Semi-Árido brasilero, atravesando los biomas mas amenazados del país: el Cerrado y la Caatinga, caracterizados por concentraciones de lluvias en determinados períodos del año y largas sequìas.
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3) El derecho completo a sus territorios y desmilitarización de las areas que se encuentran invadidas por el Ejército Brasilero para ejecución de obras, y desalojo de otras areas invadidas por terratenientes, hacendados y empresas que producieron conflictos violentos en tierras indígenas;
estan siendo empunemente cometidas contra líderes indígenas;
4) El derecho de acceso a la justicia para defender los derechos indígenas amenazados por la Transposición, perentoriamente negado por el Supremo Tribunal Federal;
6) El derecho a la autodeterminación indígena y un modelo de desarrollo sustentable que respete la naturaleza y sus modos de vida y de producción; proponen un plano alternativo de resoluciòn del problema de la democratizaciòn del agua, en la dirección de la convivencia con el Semi-Arido, priorizando las inversiones públicas de revitalización del Rio São Francisco.
5) La garantía de seguridad y de un tratamiento justo y egualitário por el sistema de justicia del país, haciendo cesar las acciónes violentas y criminalizadoras que
Los principales elementos del Relatório siguen aquì resumidos. Para tener acceso al relatório integral: http:// www.sendspace.con/file/8d207e
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Los relatos de los Pueblos indígenas afectados por las obras de la Transposición muestran de forma drástica como esta obra está reproduciendo prácticas históricas atualmente rechazadas en el Sistema Internacional de Derechos Humanos, negando en muchos aspectos los derechos de los Pueblos indígenas. Para poder comprender la dimensión de los impactos de esta obra en varios territorios indígenas son necesarios unos comentarios sobre la relación de estos Pueblos con el principal Rio del Norteste. El Rio São Francisco es uno de los recursos de mayor valor simbólico y material en la vida de los Pueblos Indígenas del Norteste: atrajo migraciones, determinó la existencia de pueblos y orientó el proceso de territorialización de muchas etnias indígenas del Norteste. Su curso ha sido de importancia crucial como camino de entrada en el interior del País y también en los momentos de resistencia y lucha indígena contra los intentos de dominación física y cultural por parte de los colonizadores.
Desde el manantial hasta la boca, el Rio cruza un territorio tradicionalmente ocupado desde mas de 9 mil años atrás de forma continuada. Hoy dia largo sus 2.800 km de extensión estan distribuidos 32 Pueblos Indígenas, en 38 territorios: Kaxagó, Kariri-Xocó, Tingui-Botó, Akonã, Karapotó, Xocó, Katokin, Koiupanká, Karuazu, Kalankó, Pankararu, Fulni-ô, Xucuru-Kariri, Pankaiuká, Tuxá, Pipipã, Kambiwá, Kapinawá, Xukuru, Pankará, Tupan, Truká, Pankararé, Kantaruré, Atikum, Tumbalalá, Pankaru, Kiriri, Xacriabá, Kaxixó y Pataxó 2. La población estimada es de alrededor de 70 mil indígenas. Este significativo valor del Rio São Francisco resuena de modo unanime en las narraciones de las comunidades: el rio fué y es vital para sus sobrevivencia física y cultural, sea en el modo de producción de la agricultura menguante, la pesca artesanal, la cría, etc., sea en la manutención de sus rituales, culturas y de las creencias religiosas de los indígenas.
1.1. REPRESAS EN EL SÃO FRANCISCO: PUEBLOS DESAGUADOS DE UN "RIO CASI MUERTO" En el curso de las ultimas cuatro décadas, el Rio São Francisco sufre una serie de intervenciones, sobretodo a partir de los años 70, marcadas por grandes proyectos desarrollistas. La destrucción de las selvas que cubrían sus orillas, la contaminación consecuente a las descargas urbanas y industriales, el monocultivo de soya y caña de azúcar y los grandes proyectos de riego contribuyen, dia dia, a su degradación. 2
El rio se encuentra en una pesima situación ambiental. Las hidroeléctricas existentes han sido responsables de la remoción forzosa de mas de 150 mil personas, entre las cuales varios Pueblos indígenas, violentemente desalojados; los proyectos de riego, públicos y privados, ocupan una area de 342 mil hectareas y se extienden utilizando mano de obra esclava en trabajos degradantes; 500 mil abitantes de las orillas sufren por la inexistencia o la precariedad del
Ecologias do São Francisco, Juracy Marques.
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abastecimiento de agua y falta de saneamiento básico; las orillas del rio ya perdieron el 95% de sus selvas y el mar, a causa de la menor fuerza del caudal en la boca, ya avanzò 50 km rio adentro. Estos impactos tienen influencia directa sobre el modo de vida de los indígenas de la Cuenca del São Francisco. Se destaca que el numero elevado de empresas hidroeléctricas en el rio ya provocò la decimación, el desalojo forzoso y la destrucción del patrimonio arqueológico y cultural de muchos Pueblos Indígenas, que sufren un enorme pasivo social, étnico y ambiental. Sin la debida compensación por el Gobierno Federal, todavía hoy luchan por la recomposición de los territorios perdidos, acceso al agua, demarcación de territorios, revitalización del rio, repatriación del patrimonio cultural material, entre otras demandas. Sufren igualmente algunos daños irreversibles, como pérdida de lugares sagrados inundados por las aguas de las represas. Las cascadas de las represas generaron una situación de extrema pobreza para la mayor parte de la población indígena, con falta de acceso a recursos vitales como agua, tierra y alimentación. Contrariamente a la imagen historicamente dibujada por medios y organismos estatales, esta situación no fué ni es consecuencia de la sequìa en la región, sino de la explotación por las propias elites económicas nortestinas y por grandes empresas nacionales y multinacionales, que violaron sistematicamente los derechos de
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la población local. Energía y agua no servieron al pueblo, sino a grandes empresas mineras, para el riego, para la siderurgia y la cría de camarones. La corrupción en las inversiones públicas es una marca histórica en la región, siendo las elítes acostumbradas a ser beneficiadas por los Gobiernos Federal y Estatal por medio de la llamada "industria de la sequìa". Todo el contexto indicado revela bien la deuda histórica que el Estado Brasilero tiene con los Pueblos Indígenas de la Cuenca Hidrográfica del São Francisco. Estos pueblos tienen derecho a políticas afirmativas que garanticen sus territorios, el respecto a su cultura y rituales, el acceso a los recursos naturales; que promuevan el desarrollo autodeterminado de sus condiciones de vida. El pasivo dejado por las grandes empresas, la degradación ambiental, la expropiación de las aguas y tierras y las sucesivas diásporas provocadas ya dejaron marcas demasiado profundas, tanto de pobreza social cuanto de exterminio cultural indígena, y por eso cualquier otra intervención semejante y impune sería irreversible. Este ecenário es nuestro punto de partida imprescindible para comprender como se pone el Proyecto de Transposición, si en una perspectiva de reconocimiento o de negación acumulada de los derechos indígenas, reproduciendo practicas históricas atualmente rechazadas dentro del Sistema Internacional de Derechos Humanos.
El Proyecto de Integración del Rio São Francisco con las Cuencas Hidrográficos del Norteste, también conocido como Proyecto de Transposición, es presentado por el Estado Brasilero como la solución definitiva para el fenomeno de la sequìa que afecta la región del Semi-Arido del Norteste del país. En plano teórico, el Proyecto tiene como pretensa, abastecer de agua 12 millones de personas, 268 municípios e irrigar 300 mil hectareas de tierras, por medio de la construcción de dos grandes canales con mas de 600 km de extensión, con costo total de 6,6 millardos de Reais. La obra incluye la construcción de otras dos represas hidroeléctricas (UHE Pedra Branca y UHE Riacho Seco), 9 estaciones de bombeo, 27 aqueductos, 8 túneles y 35 reservas de agua, o sea, una compleja obra de ingeniería en un rio que ya está degradado. Es la mayor obra de infraestructura del Programa de Aceleración del Crecimiento Económico del Gobierno Lula y la perspectiva es de que mas de 8.000 indígenas sean directamente afectados. Segundo el Estado Brasilero, el Proyecto servirá al abastecimiento de localidades que atualmente no tienen fácil acceso al agua y su implantación no causará impactos negativos sobre las comunidades ribereñas y sobre el propio Rio São Francisco. En el mientras, la sequìa y la utilizaciòn de agua por personas y animales serán la parte de menor cubertura del Proyecto, una vez que las regiones del Semi-Árido mas susceptibles a las sequìas permaneceran lejanas del benefício de los canales y aductores. El texto divulgado por el propio Proyecto gubernamental afirma que solo el 4% de las aguas transpuestas seran destinadas a la población rural, dispersada en las caatingas;
el 26% será para uso urbano y industrial y el 70% para proyectos de riego extensivo. A pesar de ser notoria en toda el Área de Influencia Directa (AID) del Proyecto la presencia de areas de preservaciòn ambiental, de reservas indígenas, de comunidades remanescentes de quilombos y otros grupos sociales de valor inestimable, el Estudio de Impacto Ambiental no presenta ni siquiera una linea sobre las relaciones entre las comunidades afectadas por la obra y la utilización que estan haciendo del patrimonio cultural, arqueológico, histórico y ecológico de la región. El Proyecto ha sido contestado por diversas organizaciones de la sociedad civil y por Pueblos ribereños, pescadores artesanales, indígenas y quilombolas de la Cuenca, sea por falta de participación y consulta de los Pueblos directamente afectados, sea por la necesidad y efectividad de las finalidades que quiere atender: el benefício de grandes Proyectos, que provocarán la disputa por el agua en la región del Semi-Árido, implicará la mayor degradación del río y consecuentemente afectará modos de vida, producciòn y costumbres de todos los grupos que pueblan historicamente la Cuenca del São Francisco. El Comité de la Cuenca del Río São Francisco, que tiene la competencia de aprovar el Plano de Recursos Hídricos de la Cuenca en acuerdo con la Ley nº 9.433/1997, se posicionó contrariamente al Proyecto de Integración del Río São Francisco con las Cuencas del Norteste, admitiendo el uso de agua solamente en casos de consumo humano y abastecimiento animal, desde que sea comprovada su escasez, y despues que 99
hayan sido adoptadas las medidas de infraestructura y gestión para la atención de las demandas contenidas en los Planos de las Cuencas Receptoras3. En lo que pertenece la componente indígena, la Funai4 se manifestó en el sentido de no presentar obstaculos, desde que fueron realizados los estudios etnoecológicos con los Pueblos afectados. Inicialmente fuè proposta una investigación para el levantamento de información sobre 10 Pueblos potencialmente afectados, pero este número fué reducido sin justificación a 04 (cuatro): Kambiwá, Pipipã, Tumbalalá y Truká. Antes de la conclusión de estos estudios y su discusión con las comunidades, el Presidente de la Funai en aquella época, Marcio Meira, presentó un parecer favorable al Proyecto, aunque todos los estudios llevaban elementos y posiciones que significaban el rechazo del Proyecto por los Pueblos, reiterando los impactos negativos sobre los territorios indígenas.5 Las diferentes irregularidades evidentes en la implementación del Proyecto de Transposición, por ejemplo la insuficiencia de los estudios de impacto ambiental y la ofensa al derecho de partecipación, llevaron a sucesivas interrupciones por orden judiciario. Fueron más de quince acciones judiciales en diferentes Estados Brasileros. En el mientras, el 19 de diciembre de 2007, la Suprema Corte Federal, instancia maxima de la Justicia Brasilera, se negó de apreciar los recursos jurídicos presentados por las organizaciones de la sociedad civil, considerandolas ilegítimas para eso. La Suprema Corte restringió la legitimidad a las entidades estatales y juzgó solamente el recurso del Ministério Público Federal,
donde declaró para la legalidad del Proyecto, porque este mismo no afectaba negativamente las tierras indígenas. Este posicionamento, considerado extremamente político por la opinión pública, violó descaradamente las garancias constitucionales de acceso a la justicia, en particular de las organizaciones indígenas, y del derecho de participación y consulta prévia de las comunidades afectadas por cualquier Proyecto gubernamental, sea que tenga impactos positivos sea negativos, que tienen que ser medidos también por los mismos Pueblos. Con el proceso de licenciamiento liberado por la Justicia Brasilera y licencia de instalación concedida por el Instituto Brasilero del Medioambiente, las obras de los canales ya comenzaron en medio de las areas del Pueblo Truká, en la Isla de Assunção (PE), y del Pueblo Pipipã, en el município de Floresta, ambas tocadas por el Ejército Brasilero, volviendo el territorio en una zona militarizada. De esta forma, el Proyecto de Transposición del río São Francisco pasa por encima de las tierras y voces indígenas. En los debates generales y posicionamientos institucionales, los tres poderes instituidos, Gobierno Federal (executivo), el Congreso Nacional (legislativo) y el Supremo Tribunal ederalF (judiciário), no enfrentaron la cuestión, preferiendo evitarla con varios argumentos, desde que no existen indígenas en las areas por donde pasan los canales, hasta que no harán daños y ellos serán solo beneficiados, y despreciaron la necesidad de consulta y audiencias públicas. Los estudios etnoecológicos realizados por la FUNAI fueron tomados en consideración de forma insuficiente tanto sobre el punto de vista de
3 Se tiene que repetir que el PISF preve mas del 70% de sus aguas para finalidades de irrigaciòn y cría de camarones y no para finalidades de consumo humano y animal. Mucho menos fuè comprovada la escasez en las Cuenca Receptoras conforme al critério previsto en el Plano de la Cuenca del São Francisco. 4 La Funai es la Fundación Nacional de los Indígenas, un organo de Gobierno. 5 Informaçiones prestadas verbalmente por representantes de la CGPIMA (Coordenación General de Patrimonio Indígena y Medioambiente), de la Funai. Ofícios fueron encaminados, pero no tuvieron respostas.
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los impactos negativos cuanto del diálogo con los Pueblos Indígenas, restando explicita la contrariedad entre los mismos posicionamentos oficiales. En relación a lo que determinan diversos tratados internacionales sobre derechos de
los Pueblos Indígenas, como el Convenio 169 de la OIT, y a lo que fué reconocido en el mismo texto de la Constituición Brasilera, podemos concluir que la implementación del Proyecto de Transposición de las aguas del Rio São Francisco por el Gobierno Brasilero viola los siguientes dispositivos.
2.1. IDENTIDAD Y DISCRIMINACIÓN ÉTNICA (ART.1.2, 3º Y 4º DEL CONVENIO 169; ART. 5º, 215° Y 216° DE LA CONSTITUCIÓN FEDERAL) El artículo 1.2 del Convenio 169 reconoce la autodeterminación como critério de pertenencia étnica por cualquier comunidad indígena y en sus articulos 3º y 4º condena cualquier practica discriminatória por afirmar la propia identidad indígena, debiendo el Estado ofrecer medidas que cuiden recursos, instituciones y culturas de los Pueblos27. Aunque, el Gobierno Brasilero se comprometió, por medio del decreto 6040/ 07, a "reconocer, con celeridad, la autoidentificación de los Pueblos y comunidades tradicionales, de modo que puedan tener acceso completo a sus derechos civiles, individuales y coletivos". La Constitución Federal, en sus articulos 5º, incisos 215 y 216, reconociendo la diversidad de los grupos que forman la sociedad Brasilera y su carácter pluriétnico, determina la protección y valorización de las diferentes manifestaciones culturales y formas de crear, hacer y vivir de estos Pueblos, destacando especificamente los Pueblos Indígenas y Afro-Brasileros. Los Pueblos Indígenas del Norteste son considerados por empresas y gobiernos como obstáculos a la implantación de políticas desarrollistas y son afectados por el uso intensivo y irracional de sus recursos naturales. Esos pueblos tienen derechos de participación y autodeterminación, que son sistematicamente negados a partir de la negación de un otro derecho, que es la auto-afirmación identitária. Así, en vários procesos, como en el caso del conflicto
sobre el Proyecto de Transposición, se ha vuelto comun la difusión de un discurso que, sustentado en estereótipos preconcebidos, nega la existencia de indígenas en la región, acusando de mentirosos y aprovechadores aquellos que identifican a si mismos como indìgenas. En relación al Proyecto de Transposición, hubo unos momentos en que el Gobierno reconoció los Pueblos Indígenas como afectados, incluso para afirmar, en una supuesta tutela, que contrariamente de lo que pensaban, serian beneficiados por el Proyecto. En otros momentos, representantes de los poderes públicos explicitamente negaron la existencia de tierras indígenas en las áreas de influencia del Proyecto. Otro ejemplo se refiere a la posibilidad de la construción de la hidroeléctrica de Riacho Seco, obra que será aprovechada por el bombeo de las aguas de la Transposición, donde los datos de la georeferencia afirman que no hay tierras indígenas en la región, a pesar de que todos saben que Curaçá município que seguramente será afectado se localiza en el pueblo Tumbalalá, con alrededor de 1500 indígenas que viven en el Poblado de Pambu. En fin, la realización de inversiones millionárias en proyectos que estan en contra de los intereses indígenas, como el de la Transposición, en contradicción con la falta de inversiones en políticas sociales en las 101
comunidades indígenas, es denunciada como practica de racismo institucional y étnico.
El mismo parecer del Ministério Público Federal, que trata de los impactos de la Transposición en tierras indígenas, también comenta:
"Poblaciones locales son tratadas como obstáculo al desarrollo y "problema ambiental". De esta manera no son considerados por completo los impactos que la población sufre por las empresas. Los afectados no son tratados como Ciudadanos, como sujetos de su história, portadores de una fuerte relación e importancia para cuidar el Medioambiente."
2.2. CONSULTA PRÉVIA (ART. 6º DEL CONVENIO 169), DERECHO A LA INFORMACIÓN Y PARTECIPACIÓN La Constitución Federal, en el parrafo 3º del art. 231, en el capítulo que trata exclusivamente de las poblaciónes indígenas, estabelece que el aprovechamiento de recursos hídricos en tierras indígenas solo puede ser ejecutado con autorización del Congreso Nacional, consultadas las comunidades afectadas, reconociendo el Princípio del Consentimiento Libre e Informado, establecido en el art. 6º del Convenio 169 de la OIT, por lo que se refiere a los derechos de las comunidades tradicionales. Contradiciendo los dispositivos citados, el Gobierno no realizó ningun proceso de consulta prévia junto a los Pueblos Indígenas afectados por el Proyecto de Transposición, ni siquiera sujetó el Proyecto a la autorización del Congreso Nacional consultando las comunidades indígenas afectadas, como declara el articolo 231 de la Constitución Federal. Las pocas audiencias realizadas acontecieron en las capitales de los Estados, lejanas entonces de la Cuenca y de los Pueblos directamente interesados. De esta forma, se muestra una evidente lesión del princípio constitucional de autodeterminación de los Pueblos, escluyendo varias poblaciones tradicionales ribereñas, quilombolas e indígenas, de la participación a un proceso decisivo para sus vidas. 102
Además de la violación del derecho a la información y participación, reiteradas denúncias comentan que el Gobierno adoptó estrategias informales de negociación, vendendo la Transposición como moneda de trueque para la garantia de otros derechos constitucionales de los Pueblos indígenas que son obligaciones del Estado y que todavía se han cumplido en una minima parte. Así se confunde el exercício de la ciudadania y de la participación con la posibilidad de favoritismos a uno que otro pueblo que acepte el Proyecto. Sumado a esto, se destaca una intensa propaganda institucional, divulgada en medios de masa, informando sobre el Proyecto como algo que llevará a matar la sed de la población, callando convenientemente sobre los impactos negativos, así como sobre los reales objectivos de la Transposición. Además de la violación del princípio del consentimiento libre e informado, los hechos denunciados negan el derechodeber de todos los ciudadanos de tener acceso a la información en poder del Estado. Asociando el derecho a la información con el ejercicio de la liberdad de expresión, los documentos internacionales le confieren un amplio fundamento.
2.3. DERECHOS TERRITORIALES (ART. 13 A 15 DEL CONVENIO 169; ART. 231 DE LA CONSTITUCIÓN FEDERAL) El derecho de los Pueblos indígenas a sus territorios está consagrado en el art. 231 de la Constitución Federal, que los define como tierras ocupadas tradicionalmente por los indígenas, que tienen sobre ellas derechos originários. La Constitución de 1988 exigió la demarcación de todas las tierras indígenas en un plazo de 5 años. El artículo 231 y sus párrafos elevaron a la categoria de Tema Constitucional el concepto de tierra indígena, que sustenta el derecho territorial indígena: "tierras tradicionalmente ocupadas por los indígenas" son las habitadas por ellos de forma permanente, las utilizadas para sus actividades productivas, las imprescindibles a la preservación de los recursos ambientales necesarios a su bienestar y las necesarias a su reproducción fisica y cultural, segundo sus usos, costumbres y tradiciones (CF, art. 231, §1º). La Constitución Federal establece que las tierras tradicionalmente ocupadas por los indígenas hacen parte del patrimonio de la Unión, garantendo a los indígenas que las ocupan su posesión permanente y el usufructo exclusivo de las riquezas del suelo, de los rios y de los lagos en ellas existentes.Prohibe igualmente cualquier proceso de remoción forzosa. El Proyecto de Transposición, portanto, ya representa una invasión de los territorios de los Pueblos indígenas Truká y Pipipã, que se encuentran ocupados por hombres del Ejército Brasilero y con accesos interdictos para garantir el início de las obras. En junio de 2007,
el pueblo Truká fué desalojado de su propio territorio en Pernambuco, por orden judicial solicitado por el Gobierno Brasilero. Los procesos de demarcación realizados por la FUNAI se desarrollan de forma muy lenta. Como muchos territorios estan en areas directamente afectadas tanto por el Proyecto de Transposición cuanto por otras empresas desarrollistas, los Pueblos argumentan que el Gobierno no quiere demarcar las tierras justamente para dejarlas libres para las empresas. Povos como Tuxá, Truká y Pankararu, por ejemplo, tuvieron territorios demarcados injustamente y esperan desde años la revisión de limites por la FUNAI. Otros Pueblos afectados, por ejemplo los Anacé, Pipipã y Tumbalalá no tienen ninguna area demarcada mientras que la construcción de los canales avanza en sus tierras. A partir de todos estos datos, podemos denunciar el avergonzoso incumplimiento por parte del Gobierno Federal en la garantía de los derechos territoriales de los Pueblos Indígenas, tanto por omisión, no tomando medidas para demarcar y reprimir las invasiones en aquellas tierras, cuanto por acción directa, incentivando y ejecutando proyectos económicos vueltos para interesses ajenos y contrarios a los de los Pueblos Indígenas, como es el caso de la Transposición del Río São Francisco, donde el Gobierno Federal figura como mayor invasor.
2.4. ACCESO A LOS BIENES NATURALES; DERECHO A LA DIVERSIDAD ECOLÓGICA Y A LOS RECURSOS TRADICIONALES (ARTÍCULO 231 Y 225 DE LA CONSTITUCIÓN FEDERAL; ARTÍCULO 15 DEL CONVENIO 169 DE LA OIT; ARTICULO 8º DEL CONVENIO SOBRE LA DIVERSIDAD BIOLÓGICA) La preservación ambiental tipica de la relación que los Pueblos Indígenas cultivan con la naturaleza fué suprimida por un proceso de intensa degradación en la Cuenca
Hidrográfica del São Francisco. La situación del río y de su bioma predominante, la Caatinga, es extremamente precária, tanto en relación al acceso al agua del río cuanto 103
al extermínio de mayor parte de sus espécies tradicionales, como pesces, arboles, aves, selvas, hierbas, entre otros. Se estima que mas del 70% de la Caatinga ya fué deforestada. La erosión y distrucción de las selvas ribereñas, decorrentes de la sobrexplotación del río para proyectos desarrollistas, sobretodo hidroeléctricos, tomaron una proporción alarmante que llevó muchos Pueblos y organizaciones ambientalistas a promover una campaña nacional llamada "Vamos Salvar el Viejo Chico". Problemas graves ya son vivido por los indígenas ribereños localizados en la región del Bajo São Francisco, cerca de la boca del Viejo Chico, como los Pueblos Xocó y KaririXocó, que se ven privados de la pesca de unos pesces nativos por causa de los impactos de las represas, que afectaron gravemente el caudal del río y provocaron el avanzo desmedido de la mar sobre el río, que amenaza también el acceso al agua potable. Otros ya estan privados del acceso a los margenes del río por estar cercadas, como es el caso de los Pankararu. Muchos indígenas pescadores tienen que caminar varios kilometros para tener acceso al río por causa de las haciendas, erosiones y avanzo extensivo de la cría de tilápia por empresas privadas. La distrucción de la vegetación por causa de los monocultivos acabó con buena parte de las lagunas marginales, principales lugares reproductivos de los pesces en la región del Bajo São Francisco, hoy totalmente fragilizada. Estas lagunas eran fundamentales para la subsistencia
de los indígenas. El control del agua por las hidroeléctricas, que aumentan y disminuyen el volumen conforme a los intereses energéticos impactan substancialmente el biótico del río y lleva a la pérdida de areas de lama, utilizadas tradicionalmente para la llamada agricultura menguante. La Transposición lleva también a hacer mas difícil el acceso al agua en una región donde la propia población rebereña padece con la falta de acceso al agua potable y de inversiones en el sistema de distribuición. La finalidad de la Transposición de las aguas para abastecer grandes proyectos de riego y nuevas empresas industriales en otros Estados, como es el caso del Porto Pecém en Ceará, afectaran todavía más la función de abastecimiento humano y animal, usos prioritários conforme el Plano Decenal de la Cuenca. El abastecimiento de lagos artificiales tampoco significará la democratización del agua; estos lagos ya tienen bastante agua concentrada y privatizada en las manos de pocos. El agua, llevada por extensos canales, sufrirá un intenso proceso de evaporación, siendo bastante desgastada y costará más cara. O sea, los Pueblos Indígenas y ribereños tendran todavía más dificuldades en el acceso al agua. Los impactos de la Transposición en el acceso a determinados bienes naturales interfieren directamente en la preservación de los conocimientos y practicas tradicionales de los Pueblos indígenas, bien como en la diversidad biológica, mantenida y también generada por estos saberes tradicionales.
2.5. VIOLENCIA, CRIMINALIZACIÓN Y ACCESO A LA JUSTICIA El artículo 12 del Convenio 169 establece que los Pueblos indígenas deberán tener protección efectiva contra la violación de sus derechos y podrán iniciar procedimientos legales, sea personalmente, sea por medio de sus organismos representativos, para asegurar el respecto 104
efectivo de estos derechos. En su artículo 18 determina que los gobiernos deberán adoptar medidas para impedir la practica de crimenes relacionados a los conflictos de tierra y para identificar, juzgar y sancionar de manera ejemplar los responsables por los hechos cometidos.
La inseguridad territorial, por la falta de demarcación y por la lucha en contra de la Transposición del Río São Francisco, generó varios conflictos para los Pueblos Indígenas de la Cuenca del São Francisco. Las acciones violentas conllevan el asesinato de lideres indígenas (como fué el caso de 5 asesinatos del Pueblo Truká en los ultimos 4 años relacionados a la lucha territorial) como procesos judiciarios de criminalización, con un fuerte aval de partes del Estado Brasilero. El Proyecto de Transposición en si mismo ha sido implementado con el uso de la fuerza armada del Ejército Brasilero. Ometiendo el dialogo, el Gobierno impuso con la fuerza el início de las obras, cercando todo el lugar de las obras, que se localiza en territorios del Pueblo Truká y Pueblo Pipipã, limitando sus accesos. En junio de 2007, manifestantes fueron desalojados del lugar por orden judicial y con el auxilio de la fuerza de Policía.
Por otro lado, no son tomadas medidas de responsabilización en contra de la violación de los derechos de los Pueblos indígenas. En cuanto los asesinatos no son investigados, la Transposición, a pesar de todas las evidentes irregularidades, continua con el aval de la Justicia Brasilera. El posicionamiento de la Suprema Corte concluyó absurdamente por la inexistencia de impacto en tierra indígena, contrariando hechos públicos y notórios, y también documentos oficiales como los estudios etnoecológicos de la FUNAI. Igualmente se pronunció solamente sobre la acción judicial ofrecida por el Ministério Público Federal, juzgando ilegítimas las acciones ofrecidas por organizaciones de la sociedad civil. La Suprema Corte violó así el derecho de acceso a la justicia por parte de varias organizaciones, entre estas organizaciones indígenas, violando el artículo 12 del Convenio 169 y también los articulos 5º y 232 de la Constitución Federal y la propia Declaración Universal de los Derechos Humanos.
2.6. DESARROLLO AUTODETERMINADO El reconocimiento del derecho de todos los Pueblos a la libre determinación, en virtud de la cual ellos decidan libremente su condición política y persigan libremente su desarrollo económico, social y cultural, está consubstanciada en la Carta de las Naciones Unidas, en el Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, en el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos, en el Convenio 169 de la Organización Internacional del Trabajo (OIT), así como en la Declaración y Programa de Acción de Viena. El Proyecto de Transposición contrasta totalmente con otras políticas de intervención en el Semi-Arido y de uso de las aguas, que son revindicadas desde años como condiciones para mejorar la vida de los Pueblos ribereños indígenas, por ejemplo la
inmediata y urgente revitalización del Rio São Francisco. En marzo de 2005, en la Aldeia Tuxá de Rodelas, se realizó el I Encuentro de los Pueblos Indígenas ribereños con el objetivo de proporcionar una reflexión colectiva sobre el Proyecto de Integración del Rio São Francisco con las Cuencas Hidrográficas del Nordeste y la construcción de represas que afectan el Río y los Pueblos Indígenas y Quilombolas. Los debates se libraron alrededor de tres ejes: la relación cultural, social y económica existente entre poblaciones indígenas y el Rio São Francisco. El resultado del encuentro fué un posicionamiento general en favor de un proyecto que revitalize el Río São Francisco, con el drenaje de su curso, la reforestación, estudios sobre el uso de agrotóxicos y utilización de productos organicos, saneamiento básico para los municípios 105
ribereños y democratización del uso del agua. Este proyecto de revitalización incluye también un plano de mejoramiento de las condiciones de vida de comunidades indígenas del Semi-Árido, con el uso equilibrado del agua de las reservas freaticas, de superfície y de lluvia, por el almacenamiento y gerencia de cisternas, pozos, lagos artificiales. Por otro lado, el EIA/RIMA6 presentado por el Gobierno no presenta alternativa afuera de la Transposición para el objetivo de las empresas, como si fuera esta la unica a ser adoptada, no tomando en cuenta una serie de alternativas ya practicadas por los Pueblos Indígenas y ribereños de la Cuenca del São Francisco y de las Cuencas receptoras. El hecho más contradictório en todo esto es que ya fueron comprobadas otras formas mas viables y menos costosas de convivencia con la sequía en el estudio Atlas Nordeste, realizado por el propio Gobierno por medio de la Agencia Nacional de Aguas y que quiere consolidar alternativas de oferta de agua para las sedes municipales de la región Nordeste de Brasil y del norte de Minas Gerais. La concepción de desarrollo defendida por los Pueblos Indígenas se distancia de las premisas de la "pobreza natural del SemiArido" y del "combate a la sequìa" reproducida en el Proyecto de Transposición y afirma la valorización de la biodiversidad local y la necesidad de "convivencia con el Semi-Arido". Entre las propuestas
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Estudio de Impacto Ambiental.
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alternativas, está la universalización del acceso al agua a partir de la democratización del agua almacenada en los 70 mil lagos artificiales; el abastecimiento de la población urbana y rural de los municípios que están en la Cuenca del São Francisco; el aprovechamiento sustentable de todas las aguas superficiales y subterráneas; la reducción significativa de las pérdidas en la distribución y en el uso, que ha alcanzado hasta el 50% del agua aducida; el reuso del agua; la minuciosa captación del agua de lluvia que cae todos los años en el SemiArido; reforma agrária apropiada al SemiArido Brasilero, orientada para la agricultura familiar; implementación de una política que privilege las acciónes de convivencia con el Semi-Arido a partir de los interesses, aptitudes de la realidad local y familiar: cisternas de placas, huertas, represas subterráneas, creación de pequeños animales, producción y almacenamiento de pastura, demarcación de los territorios indígenas; demarcación y regularización de los territorios quilombolas; demarcación y regularización de los territorios de las comunidades tradicionales ribereñas, de las areas de pastos; regularización de las tierras públicas de la Unión y de los Estados, garantiendolas a aquellos que todavía no poséen tierra para vivir y aumentandolas para aquellos que no tienen tierra suficiente para garantir un desarrollo verdaderamente sustentable. Conservación y Utilización Sustentable de la Biodiversidad; Recuperación de Areas Degradadas y Combate a la Desertificación.
Existiera un mínimo de diálogo, talvez se nos asentasimos, nosotros poderiamos buscar soluciones mejores fuera de la Transposición. Nosotros necesitamos de esta tierra, nosotros necesitamos de este río... Que Lula comprenda que está matando el río, en cuanto el está economizando, vendendo energía, está matando nuestros indígenas. Cacique Cícero Tumbalalá Es el Río la cosa más importante, de aqui viene el sustento, de aqui vienen los encantados de luz. De aqui vienen los árboles, de aqui vienen los pájaros, las lontras, los signales de vida y de muerte. Nosotros y el río somos una cosa sola. Pajé Adailson Truká
El análisis de implantación del Proyecto de Transposición de las Aguas del Río São Francisco revela así, graves y repetidas violaciones de derechos fundamentales reconocidos a los Pueblos Indígenas en tractados internacionales y en la propia Legislación Nacional, sobretodo en el Convenio 169 de la OIT y en la Constitución Federal. Esto genera la posibilidad de crear condiciones de irreversibilidad en la garantia de estos derechos, la urgente necesidad de que las instancias internacionales y nacionales de defensa de los derechos humanos se pronuncien sobre los hechos denunciados y recomenden al Estado Brasilero: a) Que suspenda inmediatamente las obras y el licenciamiento del Proyecto de Transposición de las Aguas del Río São Francisco y de las hidroeléctricas de Riacho Seco y Pedra Branca hasta que se realizen las consultas prévias con los 32 Pueblos Indígenas de la Cuenca del São Francisco y que se encamine el proyecto con la autorización del Congreso Nacional, así como estipula la Constitución Nacional en su artículo 49, XVI; b) Que sea promovido el retiro inmediato del Ejército Brasilero del territorio del Pueblo Truká y de la propriedad de Icó Mandantes donde viven integrantes del Pueblo Pipipã, entre otros reasentados afectados por la represa de Itaparica; c) Que el Gobierno Brasilero demarque y homologe las areas revindicadas para los territorios de los Pueblos Pipipã, Tumbalalá, Truká, Tuxá, Kalankó, Anacé y demás Pueblos Indígenas de la Cuenca del São Francisco; d) Que el Gobierno Brasilero, como garantia del derecho al desarrollo planteado por las comunidades indígenas de la Cuenca del São Francisco, promueva un amplio programa de Revitalización del Rio São Francisco, y promueva políticas públicas que garanticen la 107
sustentabilidad social, económica y cultural de los Pueblos Indígenas en sus territorios, así como políticas de Convivencia con el Semi-Arido; e) Que el Gobierno Brasilero desarrolle acciónes eficaces en sentido de superar el abordaje criminalizador de las instituiciónes del propio Estado, como Fuerzas de Policía, Ministério Público y Judiciário, sobre la lucha política de los Pueblos Indígenas; que sean adoptadas medidas eficaces de apuración y responsabilización de los crimenes cometidos en contra de lideres indígenas; f) Que sean reparados los pasivos sociales, ambientales y económicos de los proyectos anteriores, bajo la responsabilidad principal de la CHESF (Compañía Hidroeléctrica del São Francisco).
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