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Potencial energético e agrícola de lodo de Estações de Tratamento de Esgotos - ETEs: estudo de caso do lodo da ETE Serraria

Por Luciana Monteiro Moura, Márcia Regina Thewes, Bianca Dutra Rinker e Júlio Manoel Gomes*

* Luciana é Química Industrial pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenadora de Análises Químicas da Gerência de Gestão Ambiental e Tratamento de Esgotos do Dmae de Porto Alegre, RS, Brasil.

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* Márcia é Mestre em Qualidade Ambiental pela Universidade Feevale. Especialista em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Servidora aposentada da Gerência de Gestão Ambiental e Tratamento de Esgotos do Dmae de Porto Alegre, RS, Brasil.

* Bianca é Química Industrial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Líder da Equipe de Microbiologia Ambiental da Coordenação de Análises Biológicas da Gerência de Gestão Ambiental e Tratamento de Esgotos do Dmae de Porto Alegre, RS, Brasil.

* Júlio é Engenheiro Químico pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Líder da Equipe de Análises Instrumentais em Absorção Atômica da Coordenação de Análises Químicas da Gerência de Gestão Ambiental e Tratamento de Esgotos do Dmae de Porto Alegre, RS, Brasil.

Resumo

No processo de tratamento de esgotos é gerado um subproduto denominado lodo de esgotos. Com o aumento do volume de esgotos tratados, a quantidade de lodo produzido torna-se elevada. Muitas empresas de saneamento destinam esse subproduto a aterros sanitários, o que ocasiona gastos consideráveis com o transporte. Com intuito de dispor adequadamente e com custos satisfatórios, o lodo pode ser utilizado em áreas agrícolas, desde que seja higienizado (através de compostagem), pois contém contaminação biológica e química (agentes patogênicos e metais, respectivamente). Além disso, de acordo com o potencial energético, também pode ser utilizado como combustível ou provedor de energia para a própria estação de tratamento. Para aproveitamento na agricultura, fez-se uma composteira com o lodo estabilizado da ETE Serraria do Dmae e posterior avaliação química e biológica visando a sua classificação para uso na agricultura. Foi analisado o poder energético do lodo estabilizado, verificando a sua viabilidade como fonte de energia, para uso na própria estação onde é produzido.

Palavras-chave: lodo de esgoto, compostagem, potencial energético, sustentabilidade.

Introdução

As empresas de saneamento assumem, perante a sociedade, a grande responsabilidade de cumprirem com eficiência a prestação de serviços e, ao mesmo tempo, serem financeira e ambientalmente sustentáveis. Leis ambientais, como a Lei do Saneamento Básico (Lei Federal n o 11.445/2007) e a Política Nacional de Saneamento Básico, dão as diretrizes para a gestão municipal do saneamento básico, compreendida pelo planejamento, prestação de serviços, regulação, fiscalização, participação e controle social (PMSB, 2015).

Em Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul, um dos órgãos da gestão municipal responsável pelo saneamento básico é o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), o qual responde pela captação de água bruta, tratamento e distribuição de água potável para os seus cidadãos, e também é responsável pelo recolhimento e tratamento do esgoto sanitário.

Do tratamento do esgoto sanitário são gerados resíduos, cujo destaque é o lodo formado nesse tratamento. O termo “lodo” tem sido utilizado para designar os subprodutos sólidos do tratamento de esgotos (Von Sperling, 2005). O volume de lodo produzido nas Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs) tornou-se um grande problema para as empresas de saneamento, uma vez que há legislações rigorosas para o transporte (NBR 13221/2003) e para o uso na agricultura (CONAMA 375/2006), por conter agentes patogênicos e químicos. A maior parte do lodo gerado no Brasil ainda é destinada aos aterros sanitários, os quais, além de perpetuar a geração de poluentes, representam elevados custos operacionais (Paggiani et al., 2006).

Muitas empresas optam em transportar o lodo para aterro sanitário, o que, dependendo da localização, torna-se um valor pecuniário elevado, muitas vezes sendo o maior gasto de uma estação ou o segundo, ficando atrás dos gastos como energia elétrica. Também pode ser usado na agricultura, através da reciclagem agrícola (Von Sperling, 2005), pois possui potencial como fertilizante, já que pode conter os principais nutrientes para adubar o solo. Outra solução seria utilizar as cinzas para fabricação de cimento e cerâmica (Godoy, 2013).

O uso de resíduos de esgotos como fonte de matéria orgânica no solo é uma prática cada vez mais comum, principalmente em áreas próximas a centros urbanos. A utilização criteriosa de lodo como fonte de Nitrogênio na agricultura, além do baixo custo como fomento à produção, é extremamente relevante do ponto de vista econômico e ambiental, pois representa uma possibilidade de solução para o problema de disposição final do biossólido no ambiente (Andreoli et al., 2001).

Os organismos existentes no esgoto se concentram no lodo durante o processo de sedimentação, pois grande parte dos agentes patogênicos coprecipita junto às partículas orgânicas. Dentre os microrganismos do lodo são encontrados vírus, fungos, bactérias e parasitos (protozoários e helmintos), muitos deles patogênicos, representando risco à saúde humana e animal (Andreoli et al., 2001).

O princípio higienizador da compostagem é a eliminação ou redução dos microrganismos patogênicos pela elevação da temperatura obtida com o processo de biodegradação da matéria orgânica (Andreoli et al., 2001).

Estima-se para a ETE Serraria uma produção média de lodo de 96 m³/dia (PMSB, 2015). Segundo levantamento realizado pela Equipe de Gestão de Resíduos da Coordenação de Gestão Ambiental (C-GEAMB) da Gerência de Gestão Ambiental e Tratamento de Esgoto - GATE do Dmae, no período de janeiro a dezembro de 2016, a ETE Serraria produziu 5.268 toneladas de lodo, já na forma estabilizada. Após ser recolhido em caçambas estacionárias apropriadas para transporte, o lodo é encaminhado para Unidade de Triagem e Compostagem (UTC) do Departamento Municipal de Limpeza Urbana de Porto Alegre (DMLU) e posteriormente enviado para o aterro sanitário Minas do Leão/RS. A disposição final, que inclui coleta, transporte e destinação desse resíduo, gerou um custo em torno de R$ 797.000,00 no ano de 2016.

O lodo removido dos reatores do tipo UASB é considerado estabilizado e pode ser encaminhado diretamente para desaguamento (NBR 12209/2011). Também chamado de biossólido, o lodo estabilizado é o lodo cuja biodegradação foi realizada por processos aeróbios ou anaeróbios de forma a não apresentar potencial de geração de odor (CONAMA, 2004).

Os altos custos de destinação do lodo desafiam as companhias de saneamento municipal. Gastos com transporte do lodo têm sido um desafio para o Departamento. Ao mesmo tempo, estudos mostram quão valiosa é a matéria lodo para fins agrícolas, pois se trata de resíduo rico em matéria orgânica (Pires, 2017) e com possível conteúdo energético (Rosa et al., 2014).

O objetivo deste trabalho é avaliar o potencial energético e a caracterização química e biológica do lodo oriundo do tratamento de esgotos da ETE Serraria, e propor alternativas de destinação adequadas para o Departamento, com sustentabilidade ambiental e econômica.

Figura 01: Vista Superior da Estação de Tratamento de Esgotos Serraria

Fonte, PDE, 2013

Metodologia

O município de Porto Alegre dispõe de 10 estações de tratamento de esgotos, sendo a ETE Serraria a maior delas. Situada na Estrada da Serraria, 2.893, Região Sul do município, com área de 5,3 hectares, a ETE Serraria tem oito (8) módulos, que operam em paralelo. Cada um deles apresenta capacidade máxima para tratar 500 l/s. O alcance populacional do projeto da ETE Serraria é de 1.080.000 habitantes (PMSB, 2015). A figura 01 mostra uma vista superior da Estação de Tratamento de Esgotos Serraria.

O processo de tratamento inclui unidades de tratamento preliminar por gradeamento e desarenação, tratamento primário em reatores UASB (reatores anaeróbios de fluxo ascendente) seguidos pelo processo denominado Unitank, que permite o tratamento cíclico das etapas de aeração e sedimentação. A fase sólida do processo Unitank é recirculada para o UASB para sofrer adensamento. A expectativa de redução desse volume da fase sólida é de 60%. Esta fase sólida então é conduzida para a unidade de

desidratação, desaguando nas centrífugas. O lodo desidratado é recolhido em caçambas de acordo com a Instrução de Trabalho, Plano de Qualidade da ETE Serraria – operacional (IT 451), para posterior transporte à Unidade de Triagem e Compostagem (UTC) do Departamento Municipal de Limpeza Urbana de Porto Alegre (DMLU) (PMSB, 2015). Podemos observar na figura 02A, foto das centrífugas nas quais o lodo é desaguado e 02B, foto das caçambas para recebimento do lodo desaguado.

Figura 02A: Centrifugas no qual o lodo é desaguado.

Figura 02B: Caçambas com o recebimento.

No Parecer Técnico n o 02/2017 da GATE, de janeiro a dezembro de 2016, a ETE Serraria tratou 39.830.157 m³ de esgoto doméstico, o que correspondeu a um percentual de 62,55 do volume total do esgoto tratado no município de Porto Alegre. Essa mesma estação removeu 5.508 toneladas de DBO, correspondendo a 70,82% da remoção total de carga orgânica observada em 2016. A população equivalente contribuinte para essa ETE foi de 332.255 habitantes nesse período.

Para a realização do estudo do lodo da ETE Serraria construiu-se uma composteira nos fundos de uma garagem na GATE. A composteira ficou delimitada por uma área de vegetação, local escolhido por causar menor impacto ao ambiente. A área construída foi de 6m 2 (4m x 1,5m). A figura 03A apresenta a formação da composteira, primeira camada, folhas da varrição GATE. Na 03B, a segunda e terceira camadas com serragem e lodo da ETE Serraria e na 03C, a composteira concluída.

Para o preparo da compostagem inseriu-se lodo da ETE Serraria, folhas recolhidas da varrição da GATE e serragem, gerando um volume de 4,2m 3 (4m x 1,5m x 0,70m) em uma área de 6m 3 (4m x 1,5m). A quantidade do material adicionado na composteira foi calculada pelo número de carrinhos de mão inseridos com o material recolhido. A medida do carinho de mão é de (0,75m x 0,65cm x 0,26m) totalizando um volume de 0,13m 3 . A quantidade de carrinhos de mão com folhas e varrição foi de 85 (11,05m 3 ), 10 carrinhos de lodo (1,3m 3 ) e 23 carrinhos de serragem (2,99m 3 ).

O início da composteira foi em julho de 2016, com a inserção dos materiais. A primeira camada foi formada por três carrinhos de folhas de varrição, na segunda camada, foram inseridos 17 carrinhos de serragem e na última camada um carrinho de lodo desidratado. Diariamente foram adicionadas folhas de varrição do pátio da GATE e, semanalmente, o lodo, até 15 de setembro de 2016.

O período da compostagem foi de julho de 2016 a abril de 2017. Após a primeira remessa de adição da serragem (17 carrinhos) foram incluídos mais três carrinhos desse material quinzenalmente, no mês de setembro, com o objetivo de obtermos melhor resultado da dessecação do lodo.

O término de inserção de materiais na composteira ocorreu em 15 de setembro de 2016, e as análises foram finalizadas em abril de 2017, período este importante para avaliar a decomposição do lodo, com a consequente formação do composto com nutrientes para uso agrícola. Para melhor aeração do lodo foram feitos quatro revolvimentos de compostagem, com uso de um garfo tipo rastel, com quatro dentes. Este procedimento foi realizado bimestralmente.

Figura 03A: Formação da composteira - Primeira camada, folhas da varrição GATE.

Figura 03B: Formação da composteira - Segunda e terceira camada, serragem e Lodo da ETE Serraria.

Figura 03C: Formação da composteira - Composteira concluída.

Segundo Fernandes et al., (2001) o processo de compostagem pode ser simplificadamente representado pelo esquema mostrado na figura 04. À medida que o processo de compostagem se inicia, há proliferação de complexas populações de diversos grupos de microrganismos (bactérias, fungos, actinomicetos), que vão se sucedendo de acordo com as características do meio.

Figura 04: Esquema simplificado do processo de compostagem

(Fernandes et al, 2001)

Para a análise da compostagem, coletaram-se porções aleatórias dentro da composteira. Essas porções foram colocadas em recipiente de polipropileno para efetivar a mistura e, após, foram distribuídas nos laboratórios da GATE.

As análises microbiológicas foram realizadas a cada adição do lodo e também na retirada do material decomposto após quatro meses e após sete meses de decomposição. No mês de janeiro de 2017 foi realizado revolvimento, verificação da temperatura e umidade nas profundidades e coleta para análises químicas e microbiológicas, como mostradas na tabela 01, onde estão apresentados os dados de profundidade, temperatura e umidade do material da composteira. O equipamento utilizado foi um termohigrômetro.

Tabela 01: Dados de profundidade, temperatura e umidade do material na composteira.

Profundidade 0,40m | Temperatura 29,9°C | Umidade 48%

Profundidade 0,50m | Temperatura 29,9°C | Umidade 48%

Profundidade 0,60m | Temperatura 31,5°C | Umidade 51%

As análises do lodo estabilizado da ETE Serraria e o produto final da compostagem foram realizados nos laboratórios da GATE. Para a caracterização do lodo, os parâmetros físicos, químicos e biológicos analisados foram: umidade, nitrogênio total de Kjeldahl, pH; 26 metais (Cu, Pb, Zn, Ba, Cr, Cd, Mo, Ni, Hg, As, Se, Ca, Mg, Al, P, Fe, Mn, B, Sb, Na, Li, V, Co, Ag, U e Be); as análises microbiológicas Escherichia coli e colifagos (todas essas análises são reconhecidas pela Norma ISO/ IEC 17025:2005, pela Rede Metrológica/RS), ovos de helmintos e salmonella. A caracterização do potencial calorífico, Carbono (C) e Nitrogênio (N) foram realizados no Laboratório de Processamento Mineral da UFRGS (Laprom). As análises foram realizadas de acordo com as instruções de trabalho dos laboratórios. O procedimento para determinação de metais foi por espectrometria de emissão atômica com ICP - OES e referência USEPA 6010D. Desconsiderando o urânio, os metais são reconhecidos pela Norma ISO/IEC 17025:2005. Para determinação do poder calorífico foi utilizada a bomba manual calorimétrica IKA C-200. Devido à excessiva umidade do lodo estabilizado (em torno de 80%), esse material foi seco a 60º durante 24 horas antes de ser analisado, pois na metodologia empregada do uso da bomba calorimétrica não obtinha a ignição para o start da análise.

Resultados e Discussão

Na amostragem do lodo bruto, os resultados para estanho não foram detectados (ND), o limite de quantificação para esses metais é 0,001 mg/g. Na tabela 02, estão apresentados os resultados dos metais do lodo estabilizado, composto e indicação da unidade e concentração máxima permitida (CONAMA 375/2006) para o lodo bruto e o produto formado na compostagem, requisitos mínimos de qualidade do lodo de esgoto ou produto derivado destinado à agricultura.

Tabela 02: Resultados obtidos dos metais e requisitos máximos do CONAMA 375/2006.

Parâmetro - Unidade - Lodo Estabilizado - Composto - CONAMA 375/2006*

Cobre - mgCu/g - 0,346 - 0,108 - 1500

Chumbo - mgPb/g - 0,059 - 0,026 - 300

Zinco - mgZn/g - 0,709 - 0,283 - 2800

Bário - mgBa/g - 0,510 - 0,21 - 1300

Cromo - mgCr/g - 0,035 - 0,019 - 1000

Cadmio - mgCd/g - 0,003 - 0,001 - 39

Molibdênio - mgMo/g - 0,010 - ND - 50

Níquel - mgNi/g - 0,020 - 0,008 - 420

Mercúrio - mgHg/g - 0,001 - ND - 17

Arsênio - mgAs/g - 0,001 - ND - 41

Selênio - mgSe/g - ND - ND - 100

*Concentração máxima permitida no lodo de esgoto ou produto derivado (mg/Kg), base seca.

Com base nos resultados analíticos observa-se uma redução da quantitativa dos metais na compostagem, isso pode ter acontecido pela necessidade que os microrganismos têm dos mesmos micronutrientes requeridos pelas plantas: Cu, Ni, Mo, Fe, Mg, Zn e Na são utilizados nas reações enzimáticas, porém os detalhes desse processo são pouco conhecidos (Fernandes et al., 2001). Em relação ao cálcio, ao compararmos o valor no lodo estabilizado com o produto formado pela compostagem observa-se aumento no resultado. Podem ter sido incorporados na composteira materiais que contribuíram para esse pequeno aumento. Na tabela 04, estão apresentados os parâmetros físico-químicos analisados do lodo estabilizado e composto.

Tabela 04: Resultado dos parâmetros físico-químicos do lodo estabilizado e do composto.

Parâmetro - Unidade - Metodologia - Lodo Estabilizado 28/06/2016 - Composto 03/01/2017

pH - --- - Eletrométrica - 8,4 - 5,8

Umidade - % - Gravimétrica - 80 - 62

NTK - mgN/g - Colorimétrica - 1,32 - 0,72

Observa-se uma diminuição nos valores do pH, umidade e nitrogênio total de Kjeldahl (NTK) no composto em relação ao lodo estabilizado. A mistura com outros materiais (folhas e serragem) e o período de descanso podem ter contribuído para essa redução.

A composição elementar de C e N, segundo dados do Laprom, resultaram, para o lodo estabilizado, os valores de Carbono (C= 31,41%) e Nitrogênio (N=5,22%). Com esses valores, a relação C/N é igual a seis.

Segundo Fernandes et al. (2001), os microrganismos necessitam de Carbono como fonte de energia e de Nitrogênio para a síntese de proteínas. É por esta razão que a relação C/N é considerada o fator que melhor caracteriza o equilíbrio dos substratos. Teoricamente, a relação C/N inicial ótima do substrato deve se situar em torno de 30. Tanto a falta de Nitrogênio quanto a falta de Carbono limitam a atividade microbiológica. Se a relação C/N for muito baixa, pode ocorrer grande perda de Nitrogênio pela volatilização da Amônia. A relação C/N do lodo estabilizado da ETE Serraria é 6.

O lodo é um resíduo rico em Nitrogênio, apresentando relação C/N entre 5 e 11. Ele necessita, portanto, de um resíduo complementar rico em Carbono e pobre em Nitrogênio para que a mistura, criteriosamente determinada, apresente relação C/N em torno de 20 ou 30 (Fernandes et al, 2001).

O ensaio para determinação do poder calorífico foi realizado em duplicata, resultando: 10844 J/g e 10635 J/g. A média dos valores, 10740 J/g, foi convertida em kWh, resultando 3x10 -3 kWh/g (3kWh/ kg). Um lodo muito estabilizado, que perdeu muito de sua fração orgânica, também perdeu muito de seu potencial calorífico (Fernandes et al., 2001), o uso do lodo estabilizado para fins energéticos não é eficiente, uma vez que a parcela do biogás oriundo do tratamento não se encontra em grandes proporções.

Em 2016, a ETE Serraria produziu no seu processo de tratamento de esgotos 5.268 toneladas do lodo estabilizado. Com o resultado do poder calorífico, estima-se uma produção de energia de 3x10 3 kWh/ton. O poder calorífico da fração sólida volátil do lodo de esgoto pode chegar a 3,3 kWh/kg, semelhante ao da lenha, possibilitando uso como combustível (Pegorini et al., 2006). Uma lâmpada de 60 W acessa por 12h diárias durante 30 dias consome 21,6kWh de energia. Teoricamente, sem levar em consideração a energia requerida para secar o lodo após o deságue em centrífugas, que ainda possui excessiva umidade (em torno 80%), a estação poderia acender 139 lâmpadas por tonelada de lodo produzido. Segundo Rosa et al, a fim de viabilizar o seu potencial combustível, propõe-se sua secagem até a umidade de 10%. Porém, como não foi realizado estudo para cálculo de energia para levar o lodo a uma umidade final de até 10%, estima-se que para fins energéticos o lodo da ETE Serraria seja inviável.

Na tabela 05, seguem os resultados das análises microbiológicas do lodo estabilizado e composto.

Tabela 05: Resultados das análises microbiológicas do lodo estabilizado e composto. (disponível no PDF da publicação, pág. 28)

De acordo com os resultados microbiológicos, houve diminuição da contagem do total de helmintos, assim como a salmonella resultou ausente. A higienização do lodo na composteira não foi eficiente em relação a E.coli, podendo relacionar esse fator pelo local onde estava o produto a ser decomposto, o qual ficava na sombra, com pouca incidência solar e a temperatura não ultrapassou 31°C. Para haver higienização do lodo, uma alternativa é a compostagem, segundo Andreoli et al, para os processos aerados (reator biológico ou leiras estáticas aeradas), a temperatura deve ser superior ou igual a 55°C durante pelo menos três dias. Para a compostagem em leiras revolvidas, a temperatura deve ser igual ou superior a 55°C durante 15 dias, sendo que neste período deve haver no mínimo cinco revolvimentos. A inativação dos microrganismos patogênicos ocorre principalmente através da via térmica, ocasionada pelo aumento da temperatura na fase de maior atividade do processo (Von Sperling, 2005).

A classificação do composto, considerando a última amostragem realizada (CONAMA 375/2006) para Salmonella, o produto derivado (composto formado) é considerado Classe A. Já para os ovos viáveis de helmintos seria classificado como B. Em relação aos coliformes termotolerantes (Thewes, 2005), multiplica-se pelo fator 0,8 o resultado de E.Coli para obtenção da concentração, o que resultou em 7,5x10 4 NMP/g, correspondendo a composto Classe B. Pela concentração de patógenos, a utilização de lodo de esgoto ou produto derivado enquadrado como classe B é restrita ao cultivo de café, silvicultura, culturas para produção de fibras e óleos, com a aplicação mecanizada, em sulcos ou covas, seguida de incorporação, respeitadas as restrições previstas no art. 15 e no inciso XI, do art. 18 desta Resolução (Conama 375/2006).

A figura 04 mostra a planta conhecida como Falsa Érica Rosa (Cuphea hyssopifolia): no balde 04 A plantada com o composto formado com o lodo da ETE e no 04B com composto comum (sem o lodo estabilizado).

Observa-se o melhor crescimento da planta com o composto formado em relação ao plantado com composteira comum.

Figura 04: Falsa Érica Rosa plantada com o composto obtido do lodo estabilizado e sem lodo estabilizado.

Conclusão

A produção de lodo oriundo do tratamento de esgotos é crescente e isso corresponde a medidas a serem adotadas pelas companhias de saneamento, tanto no aspecto ambiental como no aspecto financeiro.

Uma das possibilidades de destinação final para o lodo estabilizado é o uso na agricultura, pois tem níveis consideráveis de nutrientes. Dependendo da caracterização química e biológica, pode ser utilizado apenas em área de reflorestamento por conter agentes patogênicos. Esses constituem um importante elemento de limitação ao uso do lodo na agricultura, porém é fator facilmente controlado por meio da adoção de soluções técnicas de higienização que levem à eliminação do patógeno (Andreoli et al, 2001), o que comprovamos através da diminuição dos agentes patogênicos do lodo estabilizado da ETE Serraria após passar pelo processo de decomposição na composteira.

Passados dois meses do início da inclusão de materiais na composteira, observou-se presença de minhocas e pássaros na superfície, em busca por alimentos e confirmando ausência de mau odor.

Ainda pela presença de alguns agentes patogênicos, o uso desse composto formado não é viável em plantações de hortaliças, por exemplo. Já o lodo estabilizado poderia ser utilizado para reflorestamento, uma vez que possui nutrientes, e a concentração de metais não causaria danos ao ambiente.

Creditamos ao local escolhido para a composteira e ao pouco revolvimento os fatores determinantes de não ter ocorrido eliminação dos agentes patogênicos. A pouca exposição solar pode explicar a temperatura que chegou à casa dos 30°C, não sendo suficiente para eliminar esses microrganismos patogênicos.

Para fins energéticos, devido à excessiva umidade, a utilização do lodo fica inviabilizada. Segundo Von Sperling, 2005, o poder calorífico do lodo aumenta através da redução da umidade.

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