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O MUNICIPAL N.º 353 - Junho/2010

ASSOCIAÇÃO DOS TÉCNICOS ADMINISTRATIVOS MUNICIPAIS

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A i r e s A n t ó n i o Fa g u n d e s R e i s Presidente da Câmara Municipal de Calheta

C A LHETA O Concelho da Calheta, da Ilha mais central dos Açores – São Jorge – conta actualmente com pouco mais de quatro mil habitantes. A vila, criada a 3 de Junho de 1534, por carta régia de El Rei D. João III, fica situada numa planície à beiramar, numa enseada (que lhe dá o nome) junto a montanhas altas que a cercam pelo Norte, com características de vila piscatória, com ruas a descer em direcção ao cais, onde o movimento se concentra e faz, desta estrutura, a “praça do município”. O concelho, composto pelas Vilas da Calheta e do Topo (que comemora, no presente ano, 500 anos de elevação a vila) possui outras três freguesias (Ribeira Seca, Santo Antão e Norte Pequeno), numa área de 126,51 Km2, onde a paisagem é marcadamente rural e as suas Fajãs, a principal referência de quem os visita. Destacamos o seu vasto património arquitectónico, invariavelmente ligado à Igreja, o traçado urbano de algumas das suas mais antigas localidades, uma figura de grande destaque europeu – o Maestro Francisco de Lacerda, e de forma muito particular o seu enorme património paisagístico que, pelos trilhos que serpenteiam a ilha desde a serra até às fajãs, pode e deve ser apreciado. Do ponto de vista cultural, as comu­nidades organizam-se normalmente em colectividades de cultura, recreio e des­ portivas, com especial destaque para as Sociedades Filarmónicas com ancestral tradição. A população, bastante devota do Divino Espírito Santo, tem enraizado o seu culto através de festas em sua honra que vão desde a Páscoa ao Pentecostes, num reflexo do seu culto e numa maratona que concentra toda a sociedade nestes eventos. São em número de centenas os emigrantes que regressam por esta ocasião. Ora por promessa ao Divino, ora para recordarem a tradição que muito respeitam. Com a ilha vizinha em frente (o Pico) e o canal que as separa, com o mar que sempre as uniu, sentimos aproximar-se, aos poucos, a tranquilidade do homem ilhéu que caracteriza esta gente e que só quem a visita com tempo dela pode desfrutar.

“O Municipal” - Sendo uma das mais antigas povoações da ilha de São Jorge, quais as principais actividades económicas do Concelho da Calheta? Aires Reis - A nossa principal actividade económica é a agropecuária, de forma particular a produção de leite, a partir do qual produzimos o famoso Queijo de São Jorge, num sistema de cooperativismo que se mantém desde o início do século passado. Neste momento, temos duas grandes cooperativas: a Finisterra – Cooperativa de Lacticínios do Topo, na zona oriental da ilha, e, na freguesia da Ribeira Seca, a Cooperativa Agrícola dos Lourais, que produzem quarenta por cento do nosso Queijo.

Anualmente, a referida produção, em toda a ilha, cifra-se nas 2.800 toneladas de queijo, o que para uma terra com cerca de dez mil habitantes, é bastante significativo. Uma outra importante actividade económica é a indústria de conservas de peixe que, na segunda metade do século vinte, tornou-se muito próspera e contribuiu significativamente para o nosso desenvolvimento económico. Chegámos a possuir duas fábricas de conservas, uma das quais extinta na década de oitenta e outra que foi recuperada e reactivada pelo Município em 1994, e que ainda hoje se mantém em funcionamento. A Santa Catarina - Industria Conserveira tem um papel


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O Concelho possui ainda uma empresa privada, na área do turismo, que promove desportos radicais, desde slide, canyoning e rappel, entre outros, aproveitando assim os recursos naturais que, reconhecidamente, existem na nossa terra. “O Municipal” - Como é sabido, o sistema de transportes influencia o desenvolvimento e dinâmica de um território, factor esse ainda mais acentuado quando se trata de um município de uma Ilha. Considera que o Município de Calheta, em particular, e a Ilha de São Jorge, em geral, estão bem servidos no que concerne à rede de transportes aéreos e marítimos inter-ilhas?

Vista parcial da Vila da Calheta

muito importante na economia do Concelho, tendo em conta o número de postos de trabalho que assegura, sobretudo mão-de-obra feminina, bem como a projecção da ilha, reflectida também na exportação do pescado. “O Municipal” - Em termos de sistema educativo e desportivo, considera o Sr. Presidente que o Município da Calheta oferece condições e infra-estruturas aos jovens em proporção à procura? Aires Reis - Penso que também nessa área correspondemos ao que nos é exigido pela população. Neste momento, apesar de possuirmos duas instituições desportivas, existem também clubes escolares, sendo que a modalidade com maior expressão, no Concelho, é o Voleibol. Possuímos equipas femininas e masculinas na série Açores com sucesso a nível regional. Temos ainda o Kickboxing, que também conquistou títulos regionais e nacionais. Outra modalidade também de grande significado é o futebol, cujos praticantes, nos diversos escalões, ascendem a uma centena, nos seus diversos escalões de formação e competição. Recentemente, o Município investiu fortemente na remodelação de um dos três Campos de Futebol existentes no Concelho. Trata-se do Campo de Futebol Municipal da Calheta, que foi alvo de uma profundas obras, tendo sido criadas todas as condições essenciais à prática da modalidade.

Aires Reis - Penso que ainda estamos muito longe de conseguirmos um sistema de transportes adequado, principalmente para o Grupo Central e em particular para as Ilhas do Triângulo (São Jorge, Pico e Faial). A nossa ligação com a Ilha Terceira é muito importante e, este ano, no que diz respeito ao transporte marítimo de passageiros, pura e simplesmente não existiu. O que veio a afectar de sobremaneira todo o movimento na ilha e, em particular, os empresários da área do turismo. Por outro lado, no que diz respeito às ligações inter-ilhas do Triângulo, pretende-se um sistema de transportes moderno. Um sistema que promova uma crescente ligação de uma com as restantes ilhas. Ligações diárias, duas vezes por dia, que permitam o transporte de passageiros e de viaturas, e que possibilitem a criação de relações comerciais mais fortes entre elas. A verdade é que isso tarda em acontecer, mas considero que será inevitável num futuro próximo. “O Municipal” - Teve lugar de 21 a 25 de Julho mais uma edição do Festival de Julho, e a edição de 2011 já está agenda para os dias 20 a 24 de Julho. Qual o objectivo do Festival? Aires Reis - O primeiro Festival de Julho aconteceu em 1990, pelo que comemorámos, este ano, o seu vigésimo aniversário. Pretendemos, com a sua realização, criar um cartaz cultural e turístico de grande dimensão para a nossa ilha. Hoje, praticamente todos os concelhos açorianos têm um grande acontecimento cultural na época do Verão,


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e existe, por isso mesmo, um fluxo de turismo interno muito interessante que gira à volta destes eventos. O Festival conseguiu o seu espaço e hoje podemos afirmar que faz todo o sentido a sua realização. Em primeiro lugar, porque o fomos transformando numa “montra” das iniciativas que são desenvolvidas pelos agentes culturais, desportivos e turísticos do Concelho e da Ilha, ao longo do ano. Depois, porque o que trazemos de fora são iniciativas interessantes e de grande qualidade. Por último, porque as características do próprio espaço onde as festas se desenrolam – o cais da Calheta – é dos espaços mais apropriados para este género de eventos, nos Açores. Esta linha, pela qual nos temos pautado, tem trazido resultados surpreendentes no que se refere ao número de visitantes que temos por aquela ocasião, ou seja, na segunda quinzena de Julho, bem como no estímulo da criatividade local. Acresce ainda referir que esta aposta possibilita-nos realizar o festival com custos bastante mais reduzidos, o que é decisivo para a sua continuidade. “O Municipal” - Quais as actividades e espectáculos a que os visitantes podem assistir?

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Desde a Fajã dos Vimes, famosa pelas suas colchas de tear e o café ali produzido, à Fajã de São João conhecida pelas suas vinhas, pela transumância, vulgarmente intitulado “mudas para as fajãs” e a Fajã da Caldeira de Santo Cristo, famosa pela sua lagoa - único local onde se reproduzem as amêijoas na natureza. As fajãs são, de facto, um mundo à parte. “O Municipal” - Que análise faz da evolução das competências e atribuições das autarquias locais? Aires Reis - Acho que as competências aumentam a cada dia, ora por iniciativa legislativa, ora por falta ou deficiente legislação, sobretudo para Concelhos pequenos onde os poderes central e regional se encontram mais distantes, o que promove a assunção de competências por parte de quem está mais próximo da população e que são as autarquias locais. Entendo mesmo que este problema não tem tido o devido entendimento por parte dos responsáveis, o que nos tem trazido sérios problemas. “O Municipal” - A propósito da reorganização da rede de escolas do 1.º ciclo do ensino básico, que comentário faz sobre o encerramento de algumas e a concentração dos alunos em estabelecimentos de maior dimensão?

Aires Reis - Em primeira instância, feiras de artesanato, Aires Reis - Compreendo a dificuldade em manter escolas exposições, recitais, teatro, desporto, concertos de com um número de alunos muito reduzido. No entanto, filarmónica, desfiles de marchas, dança, espectáculos entendo que cada caso deve ser visto em função da destinados ao público infantil, bem como os concertos realidade específica de uma sociedade. destinados a todo o público com bandas locais, regionais e nacionais, sempre com uma preocupação de diversificação, de forma a agradar e Fajã de São João valorizar o público. “O Municipal” - A nível turístico, quais as ofertas do Município de Calheta para quem o visita? Aires Reis - Destaco, como não podia deixar de ser, as Fajãs e os seus trilhos pedestres. As fajãs são resultado de abatimentos de terra, das rochas que nos circundam, seculares e humanizadas, em terreno plano, em geral cultivável, de pequena extensão, situadas à beira-mar.


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Penso no entanto que, por vezes, algumas destas situações poderiam ter sido evitadas se as entidades competentes tivessem tido a atenção que lhes era exigida. Ou seja, muitas vezes a falta de investimento público foi o grande motivo para a desertificação humana de algumas parcelas da região que têm vindo a regredir, chegando a este ponto, completamente indesejável para quem se preocupa com a importância de uma comunidade, por mais pequena que seja. “O Municipal” - O que acha da Proposta de Lei n.º 25/XII, que altera o regime jurídico da tutela administrativa em vigor? Aires Reis - Digamos que vem dignificar e reforçar a importância do poder local. Já há muito tempo que pensamos que seria de superior importância caminhar-se para uma maior responsabilização dos decisores políticos, em todos os patamares da administração pública. “O Municipal” - Qual é a sua opinião sobre a perda de mandato por não avaliação dos trabalhadores? Aires Reis - Como já referi, também sobre estas matérias, entendo que os decisores devem ser responsabilizados pelos seus actos. O que também me parece é que, por vezes, a legislação é feita aos impulsos. Conheço casos em que os processos, em determinada data, encontravamse perfeitamente cor­rectos do ponto de vista legal e, apenas porque a lei alterou as regras “a meio do jogo”, os autarcas foram responsabilizados e punidos por situações sem reverso imediato, o que considero inadmissível. A respeito da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, que aprova um conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), que comentário faz ao controlo do recrutamento de trabalhadores na Administração Local e à forma como este será efectuado? Considero que era necessário tomarem-se medidas deste género, tendo em conta a conjuntura actual. Tenho, no entanto, muitas reservas sobre se, da sua aplicação, vamos obter os resultados desejados ou se, por ventura, não seria essencial aprofundar mais as dificuldades de

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cada uma das autarquias e tomarem-se então medidas adequadas que viessem resolver, de facto, os problemas com que se confrontam. “O Municipal” - Qual é sua opinião sobre a redução do vencimento dos titulares de cargos políticos, gestores públicos e equiparados? Aires Reis - Acredito que poderá dar uma imagem de moralização. No entanto, considero mais uma medida avulsa, sem pensar nas consequências a médio-prazo, que podem ser preocupantes. “O Municipal” - Perante a redução das transferências para as autarquias locais - mas também para as regiões autónomas -, e a proibição de novos empréstimos, como encara o futuro da gestão autárquica, com estas restrições? Aires Reis - Outro erro tremendo. A redução das transferências para as autarquias está a provocar grandes dificuldades, principalmente às de menor dimensão. Perante um cenário como este, conjugado com o aumento de competências, como referi anteriormente, as perspectivas não podem ser animadoras. Aliás, considero mesmo que é um erro grosseiro tomarem-se medidas destas, tendo em conta que o desenvolvimento destas pequenas parcelas do país depende quase exclusivamente das autarquias. Logo, decisões deste género levam-nos a concluir que o caminho que estamos a seguir, vai no sentido de dificultar cada vez mais o desenvolvimento de todas as parcelas do país, em particular as menos populosas. No que se refere à proibição de novos empréstimos, entendo ser mais uma medida de “secretária”, ou seja, uma medida tomada por quem não conhece, nem se esforça por conhecer a realidade do país. Enfim… Admitamos que será mais fácil tomarem-se medidas com esta ligeireza de espírito, do que ir ao fundo da questão e promoverem-se soluções que permitam, a cada município, resolver os seus problemas, naturalmente com regras a cumprir, mas sem os “afogar” com um mero despacho de quem, muito possivelmente, nunca foi nem chegará a ser autarca, vá-se lá saber por que razão…


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