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Este trabalho é um ensaio, um exercício de imaginar a cidade a partir de uma visão mais ampla onde moradia, convivência, e espaços públicos de qualidade se encontram e coexistem. Tendo como objeto de estudo a Vila Itororó, localizada na Bela Vista em São Paulo, pretende-se jogar luz sobre a longa trajetória de disputas entre o poder público e órgãos patrimoniais contra moradores pelo conjunto da Vila, evidenciando os processos de tecnocracia e limpeza social que terminaram por expulsar os moradores de lá.

1. introdução

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2. a vila

3. projetos anteriores

4. dados

5. uma nova vista para a vila

1. introdução

O presente trabalho tem como objeto de estudo a Vila Itororó na região da Bela Vista, cidade de São Paulo, e tem como objetivo propor um projeto de edificação habitacional que apresente soluções espaciais para o conflito entre moradia, voltada para a permanência daqueles que por décadas viveram na Vila Itororó (e foram expulsos para que a vila recebesse um centro cultural), e a alta demanda por espaços públicos de qualidade no centro de São Paulo. Para isso, serão feitas articulações entre os edifícios tombados, edifícios novos projetados, espaços públicos, acessos e passagens em toda a extensão da quadra da Vila.

Idealizada e construída à beira do que costumava ser o Rio Itororó por Francisco de Castro, a Vila Itororó é um conjunto arquitetônico de várias edificações construídas a partir de 1920 no distrito da Bela Vista em São Paulo. O intuito era construir no mesmo espaço a casa do próprio Francisco de Castro, residências para aluguel e espaços de lazer no interior da quadra. Utilizou para o palacete os restos da demolição do Teatro São José, atingido na época por um grande incêndio. Em torno do Palacete foram construídas 36 casas destinadas à aluguel para a renda da família de Francisco. O conjunto se distingue também pela primeira piscina particular construída na cidade de São Paulo, abastecida pelas águas do riacho Itororó.

“As casas da Vila Itororó não seguem os padrões tipológicos da maioria das vilas construídas no período. Construídas por arquitetos diletantes em um momento de transição entre técnicas pré-modernas e modernas, quando São Paulo vivia um crescimento exponencial, nela foram utilizados materiais de outras construções, desde portões que viraram armaduras de lajes cimentícias, até elementos ornamentais oriundos da demolição do Teatro São José.”

Instituto Pedra

Originalmente, o terreno de cerca de 4.500m² contava com 36 casas de aluguel e um palacete principal, moradia de Francisco de Castro. Na Época de sua construção, o Bixiga já era uma região boêmia, de vasta e agitada vida cultural, bem servida de infraestrutura e habitada de forma democrática pelas “camadas” sociais paulistanas. Essa Miscigenação, ou melhor, a não segregação social se refletia na Vila Itororó, cujos moradores eram tanto famílias imigrantes quanto burguesas.” LOURENÇÃO, 2011, p. 51

-Itororó – do Tupi Guarani i-tororó=o rio barulhento. Pequena cachoeira.

Fonte: Dicionário de Palavras Brasileiras de Origem Indígena – Clóvis Chiaradia

“Itororó” é um termo de origem tupi que significa “bica d’água”, através da junção dos termos ‘y (água) e tororõma(bica) . (https://www.dicionariotupiguarani.com.br/dicionario/itororo/)

Por volta de 1940 Francisco de Castro faleceu e sem ter quem herdasse a vila, a Vila Itororó vai a leilão e é adquirida pela Instituição Beneficente Augusto de Oliveira Camargo, responsável pela Santa Casa de Indaiatuba. A instituição cuida com zelo do conjunto até a década de 1970, quando a instituição para de se interessar na manutenção da vila, deixando de cobrar o aluguel dos moradores e chegando a derrubar algumas casas originalmente construídas na vila, que passa a se deteriorar e passar por um processo de subdivisão dentre os moradores. Os antigos inquilinos seguiam vivendo na vila apesar dos poucos recursos que tinham para cuidar de sua integridade física.

A partir da década de 1980 se inicia um processo complexo de disputa entre os moradores contra o poder público e órgãos de patrimônio. Em 1982 é iniciado o processo de tombamento da Vila Itororó no CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico).

O processo foi encabeçado por figuras públicas, majoritariamente arquitetos interessados no campo do patrimônio histórico, o que dá dimensão de um processo fundamentado em conceitos tecnocratas que alegavam a instituição de uma prioridade de interesse público, muitas vezes sem dar a devida importância ao uso do local ter sido perpetuado através de décadas como um lugar de moradia e tampouco pensando na memória da população que viveu lá por décadas.

A carta de Cesar G Bergstrom Lourenço, presidente do IAB-SP, endereça ao então presidente do CONDEPHAAT, ressalta o caráter histórico da vila como um exemplar “típico do processo de ocupação de quadras da cidade por habitações coletivas populares” e ressalta as “características peculiares” da vila, como o espaço monumental, o aproveitamento de fragmentos das peças do Teatro São José, ausência da monotonia e “o intenso aproveitamento para lazer de seu espaço interno, transformando-o quase que num logradouro público”. À essa altura, a vila já havia sido incluída no zoneamento da cidade como a Z8-200, entretanto o presidente do IAB-SP alega fragilidade nessa classificação. (fonte: processo nº 22.373/82 CONDEPHAAT). Em 1985 foi feita uma reunião para definir as diretrizes para a proteção da Vila, entre a Secretaria Executiva da Habitação e o CONDEPHAAT, sugerindo um programa de recuperação para a vila além do processo de tombamento e sugere também de forma inédita que seja garantido o uso habitacional e permanência dos moradores na vila. Somente em março de 2005 a Secretaria do Estado da Cultura decretou o tombamento da Vila Itororó, conforme a Resolução SC-9/05, levando em consideração aspectos físicos da mesma forma que foi apontado na carta do IAB, seu caráter pitoresco, criatividade na composição arquitetônica, além de sua implantação singular e a presença da primeira piscina particular da cidade. O tombamento definiu como diretrizes principais a preservação de volumetria das edificações e para a área envoltória deveriam ser mantidos os coeficientes de aproveitamento e potencial construtivos e cotas máximas dos imóveis existentes. Também estabelece o acesso público ao conjunto e fruição do bem tombado. Em 2006 o então prefeito José Serra declarou a quadra da Vila Itororó como de utilidade pública e em 2011 começa o processo de retirada dos moradores. Em entrevista à revista Projeto nº 86, Sérgio Ferro descreve o processo:

“[...] Em palavras mais diretas: a prefeitura declara a área como ‘utilidade pública’, despeja os moradores e entrega a área para empresas privadas, com uma série de privilégios, como vem ocorrendo no caso da desapropriação dos 105 mil m² da área residencial conhecida como ‘Cracolândia’. A desapropriação é um excelente negócio para a especulação imobiliária e uma miséria para o povo pobre.”

Nos anos que se seguiram, passam a ser apresentadas pelo poder público então alternativas de “amparo” para os moradores deixarem a vila, tais quais bolsa aluguel de 300R$ por um ano, cartas de crédito nos valores e 20 a 40 mil reais, auxílio no financiamento do CDHU em construção na rua Conde de São Joaquim e até mesmo o absurdo cheque para que as pessoas “retornassem à cidade de origem”. Os conflitos com a prefeitura aumentaram até que em 2011 começou um processo de remoção das famílias (neste momento, cerca de 70 a 100 famílias viviam no local) que terminaria somente em 2013.

Despejo

Eram seis e meia da manhã de 20 de fevereiro quando os oficiais de Justiça foram à Vila Itororó cumprir a reintegração de posse do imóvel. A ação contou com forte aparato da Polícia Militar, que cercou todo o quarteirão e impedia o acesso ao imóvel. Sob pressão da PM, os moradores retiravam o que podiam de suas residências e levavam seus pertences para a casa de parentes e amigos.

Segundo a Secretaria Municipal de Habitação, seis das oito famílias cadastradas no órgão recebiam auxílio-moradia no momento do despejo. A informação, porém, é contestada pelos moradores. Há 31 anos na Vila Itororó, Antonia Candido conta que o pagamento da primeira parcela da “bolsa-aluguel” no valor de R$ 300 mensais estava agendado para ocorrer em 28 de fevereiro – oito dias depois do despejo.

“Até lá ferem-se os direitos humanos, fere-se a Constituição, fere-se o Estatuto da Criança, do Idoso; fere-se tudo”, afirma.

Em 25 de fevereiro, ao procurar a Sehab, Antonia foi informada de que o prazo para o pagamento da bolsa-aluguel havia sido prorrogado para 7 de março. Segundo a Companhia de Desenvolvimento habitacional e Urbano (CDHU), responsável pelas futuras moradias o conjunto Bom Retiro C, para onde serão encaminhadas seis famílias, será entregue em março. O órgão, no entanto, não especificou quando as famílias receberão as chaves dos apartamentos.

Enquanto isso, os antigos moradores da vila passam por dificuldades. A família de Antonia mudou-se para um hotel, mas não sabe até quando poderá pagar pela estadia. Seu neto mais velho, de três anos, perdeu a vaga na creche. “E a vila lá, fechada”, lamenta.

O caso mais crítico é o de Maria Helena Catarinhuque, 58 anos. Por morar há menos tempo na Vila Itororó, ela não foi inserida no cadastro da Sehab para receber a bolsa-aluguel. Com problemas de saúde e sem ter para onde ir, Maria Helena foi levada na noite do despejo por voluntários para uma casa de acolhida na região central. Desde então, ela tem pernoitado por diferentes albergues e ainda aguarda uma solução definitiva.” matéria originalmente publicada no jornal Brasil de Fato

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