ARTE!Brasileiros

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Arte!

ESPECIAL BRASIL-FRANÇA

publicações cartier-bresson


Confira a programação: anodafrancanobrasil.cultura.gov.br

A França dos monumentos já faz parte da nossa imaginação


Mas tem uma outra França que você nem imagina ANO DA FRANÇA NO BRASIL. A FRANÇA MUITO ALÉM DO QUE VOCÊ IMAGINA. Em 2005, a França dedicou um ano ao Brasil. Agora, em 2009, é a nossa vez de retribuir. De 21 de abril a 15 de novembro, acontecem centenas de eventos em todas as regiões brasileiras para mostrar a riqueza e a diversidade da França contemporânea. Espetáculos, shows, exposições, palestras e debates proporcionam uma grande oportunidade para fortalecer ainda mais a parceria entre os nossos países nas áreas de cultura, tecnologia e economia. Participe.


Gerente Administrativa Eliane Massae Yamaguishi eliane@revistabrasileiros.com.br

Gerente Comercial Pedro Ivo Peixoto Ferreira pedroivo@revistabrasileiros.com.br

Assistente de Circulação e Marketing Gislaine de Oliveira gislaine@revistabrasileiros.com.br

Assistente de Marketing Isabel Torello isabel@revistabrasileiros.com.br Assinaturas e Parcerias Mario José da Silva mario@revistabrasileiros.com.br Estagiário Edson Lopes da Silva Copeira Irani Estrela Dantas

Arte! Diretor Responsável Hélio Campos Mello

Diretora de Planejamento Patrícia Rousseaux Editora Leonor Amarante

Pesquisa Ana Cândida Vespucci

Produção editorial Cândida Del Tedesco Repórter Helena Wolfenson

Revisora Lilian Brazão

Produtora Fotográfica Magali Giglio

Fotógrafa Luiza Sigulem

Chefe de Arte Marcos Magno

A revista Brasileiros é uma publicação da Brasileiros Editora Ltda.

Rua Mourato Coelho, 798 – 8º andar - Pinheiros 05417-001 – São Paulo – SP Tel.: (55 11) 3817 4802 redacao@revistabrasileiros.com.br comercial@revistabrasileiros.com.br CONSULTORIA EMPRESARIAL CEA, Consultoria Empresarial & Associados Luiz Antonio Castro CONSULTORIA CONTÁBIL, FISCAL E TRABALHISTA Oliveira & Nogueira Auditoria e Consultoria, Soluções Contábeis S/C Ltda. IMPRESSÃO IBEP Gráfica Avenida Alexandre Mackenzie, 619 05322-000 – Jaguaré – SP DISTRIBUIÇÃO Fernando Chinaglia Distribuidora S.A. Rua Teodoro da Silva, 907 20560-900 – Vila Isabel – RJ Código ISSN 1981-559X Tiragem: 30.000 exemplares

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João Paulo Beugger

Diretora de Planejamento Patrícia Rousseaux patricia@revistabrasileiros.com.br

Dora Levy

Galeria Passado Composto

Diretor Responsável Hélio Campos Mello heliocm@revistabrasileiros.com.br

Leonor Amarante

Adélia Borges

Rômulo Fialdini

BRASILEIROS EDITORA LTDA.

Arte!Brasileiros é o embrião de uma publicação dedicada à arte nacional e seu crescente espaço, aqui e lá fora. Alguns dos mais renomados profissionais desta área estão envolvidos nesta ideia. Entendemos que está na hora de dar aos artistas, ao mercado da arte, aos galeristas, colecionadores e especialistas brasileiros o espaço que eles merecem e, ao público, informação qualificada, transmitida de forma palatável e com o objetivo de levá-los a compartilhar cada dia mais, uma das expressões mais genuínas do indivíduo. A edição deste especial foi possível graças à garra e extremo profissionalismo de Leonor Amarante, jornalista e crítica de arte que edita a revista Nossa América do Memorial da América Latina e acaba de ser curadora da 5ª Bienal Internacional de Curitiba. Para produzi-lo nos baseamos, no projeto criado pela designer Dora Levy, artista gráfica desde 1980, autora premiada na área de projetos editoriais e identidade visual, entre outros produtos. Adélia Borges, jornalista e curadora especializada em design, escreveu especialmente sobre o Prêmio 2009 de Design. Augusto Massi, diretor presidente da Cosac Naify e Professor Doutor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo nos autorizou, em primeira mão, a publicar seu texto sobre CartierBresson, criado para o livro que a Cosac lança em setembro no Sesc. Claudia Jaguaribe, fotógrafa com formação em história da arte, cujos trabalhos são reconhecidos no Brasil e no exterior, participou dos bastidores da montagem da exposição de Matisse na Pinacoteca do Estado de São Paulo e nos brindou com vários Matisses recém-saídos das caixas. Sonia Guarita, museóloga e curadora, é coordenadora para assuntos regionais do Comitê de Ação Cultural e Educação do Conselho Internacional de Museus-ICOM/UNESCO, nos trouxe um pouquinho da nossa história e patrimônio.

Augusto Massi

A capa foi criada sobre detalhe fotográfico da obra em cristal e ferro do artista brasileiro Tunga. A partir desta edição, estamos trabalhando para que, em pouco tempo, ARTE!Brasileiros, se transforme em uma realidade periódica. Patricia Rousseaux Diretora de Planejamento Brasileiros Editora Ltda.

Rômulo Fialdini

A Revista Mensal de Reportagens

Douglas Maluta

Colaboradores

Claudia Jaguaribe


Brasil-França

Wilton Montenegro

por Leonor Amarante

embrar da influência da França na cultura brasileira é algo que nos faz percorrer um caminho filosófico-artístico e poético que nomeia o anônimo, recorda o esquecido e dá voz ao silêncio. Até os anos 1960, a cultura francesa tomava conta do mundo ocidental, não é por acaso que o idioma francês é o único falado oficialmente nos cinco continentes. No Brasil, havia uma comunicação cotidiana entre os dois países, via cultural. Os colégios de freiras se ocupavam da educação de uma elite juvenil feminina. A Universidade de São Paulo, em 1934, foi buscar na França intelectuais e cientistas para sofisticar seu quadro acadêmico e assim vieram Roger Bastide, Lévi-Strauss, entre outros. O intercâmbio entre a França e o Brasil vem de longa data e este ano toma vários espaços culturais. Na bienal de São Paulo, de 1951 a 1961, críticos franceses participaram do júri de premiação em sete edições, e artistas daquele país levaram prêmios em oito. Na contemporaneidade, Tunga foi o artista brasileiro que mais se destacou na França, onde fixou residência na década de 1980, e onde realizou várias exposições na galeria Daniel Templon, expôs no Grand Palais, Louvre e chegou à X Documenta de Kassel, convidado pela curadora da mostra, a crítica francesa Catherine David. Nosso especial relembra aqueles tempos de Tunga na iluminada e efervescente Paris da época. As Xifópagas Capilares da foto acima, são uma expressão do período. ARTE!Brasileiros também destaca algumas exposições importantes que movimentarão neste segundo semestre o Ano da França no Brasil, como o inesquecível Matisse, reverenciado por todos, que traz sua alegria à Pinacoteca do Estado de São Paulo; de Chagall, na Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte e em seguida no Rio de janeiro, com momentos singulares de uma vasta obra; Cartier-Bresson, que o público poderá apreciar em um significativo conjunto de fotografias. O design ganha vitrina na exposição do Museu da Casa Brasileira. Ainda nesta edição, um artigo especialmente elaborado para mostrar a magnitude do patrimônio francês que integra os acervos das mais importantes instituições brasileiras. E há muito mais! 5


agenda destaques

até 11 out

até 27 set

até 15 nov

Bertrand Planes O Ano da França no Brasil também figura na 5ª Bienal Latino-Americana de Artes Visuais – Vento Sul, que se realiza em Curitiba. Quem representa o país é o artista Bertrand Planes, com a videoinstalação Mar:3d. Ele mistura tecnologias novas e obsoletas a elementos da natureza para defender a tese de que a tecnologia não é a solução.

São Paulo De terça a sexta, das 10 às 18 horas MAC-USP – Cidade Universitária Rua da Reitoria, 160 Telefone: (11) 3091-3039 MAC-USP – Ibirapuera Pavilhão Ciccillo Matarazzo, 3o piso Telefone: (11) 5573-9932

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Divulgação

Divulgação

©Thomas Duval

Arte francesa e seus reflexos Os dois espaços do Museu de Arte Contemporânea da USP apresentam obras de artistas franceses e os reflexos da Escola de Paris na produção de outros artistas do acervo. Pinturas e esculturas de Georges Braque, Matisse e Kandinsky e obras sobre papel que passaram pelas mãos da galerista Denise René, nome forte do pós-guerra.

Patrick Jouin Ex-aluno de Philippe Starck, ele se tornou um ícone do design francês. Respeitado em todo o mundo, seus trabalhos abrangem de arquitetura a mobiliário, além de grandes projetos na área de urbanismo. A exposição propõe um passeio pelas ruas de Paris ao apresentar ambientes, equipamentos urbanos, móveis e objetos que ele criou nos últimos dez anos.

São Paulo De terça a domingo, das 11 às 20 horas Instituto Tomie Ohtake São Paulo Avenida Faria Lima, 201 (entrada pela rua Coropés), Pinheiros Telefone: (11) 2245-1900

Curitiba De terça a sexta, das 9 às 12 horas e das 14 às 18 horas Sábados, domingos e feriados das 12 às 18 horas Solar do Barão Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 533 Telefone: (41) 3321-3269


até 1o nov

Saint-Étienne, cidade do design O design pode ser uma ferramenta de desenvolvimento sustentável? Um grupo de artistas tentou responder à pergunta na última edição da Bienal Internacional do Design de Saint-Étienne. Os projetos que se destacaram podem ser conferidos na exposição que já esteve em cartaz em Brasília, passa agora pelo Rio, depois por Curitiba e São Paulo.

Chagall A mostra O Mundo Mágico de Marc Chagall – O Sonho e a Vida, organizada pela Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte, nos dá pistas de como Chagall constrói seu mundo surreal a partir de fragmentos do impossível. As 300 obras, entre pinturas, gravuras, guaches e esculturas, vindas da França, da Rússia e de coleções brasileiras, foram orquestradas e conseguidas com o esforço e o prestígio do curador Fábio Magalhães.

©Patrick Lorette

Lacroix Um luxo! São 105 peças e 80 croquis que ele próprio doou ao Centre National Du Costume de Scène, que estão em exposição no Museu de Arte Brasileira, da Fundação Armando Álvares Penteado, até 1o de novembro. Oportunidade rara de ver como Lacroix. Os figurinos estão agrupados em oito grandes vitrines, com alguns destaques, entre eles os trajes de Fedra, os preferidos do criador, e cujo espetáculo lhe rendeu um Molière.

Divulgação

Divulgação

São Paulo De terça a sexta, das 10 às 20 horas. Sábado, domingo e feriado das 13 às 18 horas. Museu de Arte Brasileira Rua Alagoas, 90 3 Telefone: (011) 3662-7000

Rio de Janeiro Até 4 de outubro De terça a domingo, das 10 às 21 horas Centro Cultural Banco do Brasil Rua 1º de Março, 66 Telefone: (21) 3808-2020 Curitiba De 22 de outubro a 21 de novembro De segunda a sexta, das 9 às 11 horas e das 14 às 17 horas Teatro Guaíra/Sala de Exposições Rua Conselheiro Laurindo, s/n (Praça Santos Andrade) Telefone: (41) 3304-7938 São Paulo De 30 de novembro a 31 de janeiro De terça a domingo, das 10 às 20 horas Centro Cultural Banco do Brasil, São Paulo Rua Álvares Penteado, 112 Telefone: (11) 3113-3651

Belo Horizonte Até 4 de outubro De terça a sexta, das 10 às 21 horas. Sábado, domingo e feriado das 14 às 21 horas. Casa Fiat de Cultura Rua Jornalista Djalma de Andrade, 1250 − Nova Lima − MG Telefone: (031) 3289-8900 Rio de Janeiro De 15 de outubro até 6 de dezembro De terça a sexta, das 10 às 18 horas. Sábado, domingo e feriado das 12 às 17 horas Museu de Belas Artes Avenida Rio Branco, 199 − Centro − RJ Telefone: (021) 2240-0068 7


agenda destaques exposição matisse na pinacoteca

Natureza-morta com aparador verde, 1928 8


A arte de viver A primeira exposição de Matisse no Brasil mostra o processo criativo do artista que, ao buscar o simples, abriu novos caminhos para a pintura texto Carlos Minuano colaborou Natasha Geenen foto claudia jaguaribe

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Crédito obrigatório: Succession H. Matisse

agenda destaques

Cor, linha, arabesco, espaço. Sem dúvida, temas

criativo do artista em suas diferentes fases e nuances.

de fundamental importância na obra do artista francês

A exposição apresenta coleções privadas e importantes

Henri Matisse (1869-1954). Mas para o velho mestre

acervos públicos, como o do Musée National d’Art Mo-

das cores, a criação artística precisava ir além. Consi-

derne – Centre Pompidou, em Paris, da Biblioteca Na-

derado, de maneira quase unânime, o mais importan-

cional da França e do Musée Matisse, localizado em Le

te artista do século XX, Matisse, inspirando-se em seu

Cateau-Cambrésis, cidade no extremo norte da França,

entorno imediato, subverteu os meios de representação

onde nasceu o pintor.

pictórica, colocando em xeque a pintura tradicional. A

Com um total de 93 obras, entre desenhos, esculturas,

arte de viver era para ele uma questão bem mais rele-

pinturas, gravuras e livros ilustrados, a mostra apresen-

vante. E os temas? Apenas mais um pretexto para criar. ta uma ideia panorâmica da obra do artista francês, ob“Matisse perseguia o simples, a cor pura, a linha au-

serva Regina Teixeira, curadora da Pinacoteca do Estado

têntica e em sua busca abriu novos caminhos para a

de São Paulo, que prestou assistência à curadoria fran-

pintura”, afirma Emilie Ovaere, curadora do Musée Ma-

cesa. “Será possível conhecer a correspondência entre

tisse de Le Cateau-Cambrésis, na França, e uma das

as diferentes técnicas utilizadas por ele.” A exposição

responsáveis pela primeira exposição individual do

que levou cerca de dois anos para ser organizada traz,

artista no Brasil – e a pioneira também da América La-

segundo a curadora brasileira, “uma visão generosa da

tina. A mostra Matisse Hoje, na Pinacoteca do Estado

obra de Matisse, como nunca se viu antes”.

de São Paulo, procura justamente explorar o processo

Instaladas nas salas climatizadas do museu, as obras fo-

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da década de 1940, uma das mais profícuas de matisse, a pinacoteca exibe, ao lado: Le cheval, l’écuyère et le clown / o cavalo, a amazona e o palhaço, 1947. abaixo, à esquerda: Jeune Femme a la pelisse blanche / jovem com pelerine branca, 1944. à direita: Intérieur jaune et bleu / interior amarelo e azul, 1946

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agenda destaques

Entre os destaques da exposição, a pintura Natureza-morta com Magnólia (1941), que para Matisse exemplificava sua teoria de que o segredo da criação artística resulta do equilíbrio meticuloso entre cores e linhas

ram divididas em cinco temas: paisagem, natureza-morta,

era inspirada, sobretudo, na vida, estivesse ela na for-

as mulheres nos interiores, o desenho e os papéis cola-

ma que fosse. Emoções, flores, mulheres ou em objetos

dos. No conjunto, fazem uma retrospectiva da carreira do

do cotidiano. “De alguma forma, ele nos diz que a arte é

artista. As paisagens de juventude, a fase de criação do

a vida e vice-versa”, conclui Emilie.

fauvismo e a série de odaliscas são alguns períodos de Matisse resgatados na mostra em São Paulo.

Matisse revisitado Principal evento das comemora-

“Precisei de uma mancha preta para evocar a reverbe-

ções do Ano da França no Brasil, a exposição Matisse

ração do sol sobre o mar”, comentou o artista em texto

Hoje traz ainda cinco artistas franceses contemporâ-

publicado no livro Matisse – Escritos e reflexões sobre a

neos, Cécile Bart, Christophe Cuzin, Fréderique Lucien,

arte, Cosac Naify.

Pierre Mabille e Philippe Richard, cujas obras dialogam

Aliando cor e desenho ao prazer e a emoção intensa

de alguma forma com o universo de Matisse. Mas a in-

da realização, fruto de sua relação sensorial com a arte

fluência matissiana não fica restrita apenas aos artistas

— direta e imediata —, Matisse abriu caminhos nunca

franceses, prova disso são as obras selecionadas para

antes percorridos. “Foi assim que surgiu a invenção

a exposição dos artistas brasileiros, Beatriz Milhazes,

revolucionária dos papéis recortados”, observa Emilie.

Rodrigo Andrade, Paulo Pasta, Dudi Maia Rosa, Felipe

Criação, porém, que também não o resume. Sua obra

Cohen e Waltercio Caldas. O público também poderá

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conferir na exposição o cotidiano de Matisse, flagrado pelas lentes de mestres da fotografia, como Henri Cartier-Bresson e Man Ray. Imagens não menos importantes, que serão exibidas na mostra, são as de dois documentários, Henri Matisse, de François Campaux (França, 22 minutos), realizado em 1946 – considerado um clássico, o artista aparece no filme desenhando em seu ateliê, num trecho em câmera lenta, e A Model for Matisse: the story of Henri Matisse, Sister Jacques-Marie and the Vence Chapel, com direção da americana Barbara Freed (EUA, 67 minutos). Esse filme aborda um de seus últimos trabalhos, os painéis de azulejos, vitrais e aparatos diversos que criou para a capela do Rosário, em Vence.

O gesto sensual de matisse no desenho Imaginação, s/d

Matisse é pop Mas, afinal de contas, por que Henri Matisse é tão admirado e suas obras tão valiosas? A pergunta parece simples, mas não é. Outros nomes, decisivos para arte no século passado, poderiam compor o pacote de indagações, como Picasso e Duchamp. Entretanto, o momento é oportuno para buscar uma resposta.

Olhos de criança Matisse buscava expressar-se de maneira genuína, foi isso que o levou a se distanciar dos métodos pictóricos tradicionais. Fator determinante para

É o que afirma a crítica de arte Sônia Salzstein, orga-

o conjunto de realizações do pintor, segundo o crítico de

nizadora do livro Matisse: Imaginação, Erotismo, Visão

arte Robert Kudielka, em artigo no livro Matisse: imagina-

Decorativa, Cosac Naify, coletânea de ensaios críticos

ção, Erotismo, Visão Decorativa. “O ‘reencontrar a pureza

lançada durante a exposição em São Paulo. “Mais do

dos meios (pictóricos)’ é libertá-lo do peso demasiado da

que nunca, me parece necessário uma recapitulação do

utilização, do monopólio cego pelo gosto e da instrumen-

modernismo”, afirma.

talização objetiva pela descrição do mundo visível.”

Não há duvidas, prossegue Salzstein, de que a mo-

“A cor existe em si mesma, possui uma beleza própria”,

dernidade encerrou um grande ciclo. “Tudo indica que

escreveu Matisse certa vez. Já em seu livro Escritos e re-

estamos mais livres dos preconceitos e das tantas in-

flexões sobre arte, ele afirma que nossa visão de mundo

terpretações redutoras, tão características das últimas

é corrompida, mais ou menos, pelos hábitos e, já naque-

décadas do século XX.” Para ela, somente o conformis-

la época, pelo bombardeamento de imagens prontas,

mo pode fazer crer que tudo já foi dito sobre artistas

provenientes dos mais diferentes meios, como cinema,

como Matisse. “Há algo nessa obra que instiga profun-

publicidade e outros. “São para a visão aquilo que o pre-

damente a sensibilidade contemporânea”, afirma.

conceito é para a inteligência.” E para não deixar o leitor

De fato. Não faltam indagações e argumentos nos

de mãos abanando, o mestre dá a receita: “É preciso

artigos, assinados por nomes de peso da crítica de

olhar a vida com olhos de criança”.

arte, como Louis Aragon, Roger Fry, Clement Greenberg, entre outros. A edição traz ainda um caderno de imagens, com quarenta reproduções coloridas e analisadas nos ensaios.

Exposição Matisse Hoje Pinacoteca do Estado de São Paulo. Praça da Luz, 2, Luz, São Paulo, SP. Tel.: 11 3324-1000. De 5/9 a 1/11. De terça a domingo, das 10 às 18 horas. R$ 6. Grátis aos sábados. 13


arte depoimentos

O PINTOR DOS PINTORES matisse deu a chave para muitos artistas compreenderem a cor com toda densidade e força próprias texto leonor amarante fotos luiza sigulem

em qualquer ângulo que se tente analisar a obra de

das”. Marcelo tem razão. Aclamado como pintor dos pin-

Matisse, chega-se inevitavelmente à experimentação, à

tores, Matisse recebe elogios de Tomie Ohtake, a grande

contemporaneidade e ao essencial. O conjunto de sua

dama da pintura brasileira. Aos 95 anos, ela diz apreciar

obra nos dá a dimensão da paixão pelo fazer, pela busca

a ambientação dos quadros. “Gosto do colorido, da téc-

obsessiva de chegar a uma síntese. É quase impossível

nica e da forma como ele trabalha as cores.” O que mais

não se alegrar perante os coloridos ousados que fazem

chama a atenção para ela é o forte caráter de Matisse

nossas retículas bailarem. O aspecto contagiante de

como pintor.

sua obra é quase um estudo à parte. Onde quer que

Paulo Pasta concorda. Revela que o mestre o influenciou

cheguem suas obras, filas quilométricas se formam, até

sob vários aspectos e foi sua porta de entrada na pintu-

mesmo em Paris, cidade onde ele morou por muitos

ra. “Ele é o simplificador da pintura. Aprendi a conden-

anos e os museus detêm as melhores obras de todas

sação de que ele tanto falava.” Essa condensação pode

as suas fases.

ser traduzida como ajuste na pintura para que ela ganhe

Em São Paulo a movimentação não é diferente. Afinal,

em estabilidade. “É como se ela sustentasse o olhar do

estamos falando da primeira grande exposição de Ma-

espectador”, explica. A simplicidade espantosa de Ma-

tisse no Brasil. O diretor da Pinacoteca do Estado de

tisse também é ressaltada por Pasta: “Ele nos ensina,

São Paulo, Marcelo Araújo, se declara um admirador

até hoje, o tratamento das cores. Com ele, as coisas

inconteste do pintor e, feliz, confessa que fazer uma ex-

não se pacificam, Matisse faz com que todas as partes

posição de Matisse, com tal abrangência, era um sonho

mantenham sua força. Esse ensinamento deu a chave

antigo que ele acalentava há anos. “Sou admirador de

para minha pintura, que eu, de fato, ainda não tinha”.

sua técnica que resulta numa obra que tem impacto até

confessa Pasta.

hoje.” A Pinacoteca investe pesado no sonho de Mar-

Assim como Paulo Pasta, Marco Gianotti é um dos

celo e dá oportunidade ao público de “viajar” através

pintores brasileiros mais respeitados. Na sua opinão,

das experimentações de Matisse em pintura, escultura,

Matisse é o responsável por trazer a cor ao plano ex-

desenho, gravura e tapeçaria. Diversidade é também a

pressivo. Gianotti lembra que entre 1905 e 1911, es-

marca do mestre francês, como se pode constatar na

pecialmente quando pinta Harmonia em vermelho, de

exposição. Como lembra Marcelo, “É curioso como Ma-

1908, Matisse inicia a representação do espaço, tendo

tisse é admirado por artistas de gerações e tendências

como base uma única combinação de vermelho. “Nesse

tão diferentes dele, como Iole de Freitas e Waltercio Cal-

momento, ele abre a espacialidade para a pintura. Per-

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marcelo araújo, diretor da pinacoteca do estado de são paulo (à direita), durante a abertura das caixas da megaexposição. Finalmente, um sonho de vários anos agora realizado. ao fundo, obra la mer / O MAR

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arte depoimentos

jovem vencedor do prêmio fundação bunge de pintura, categoria juventude, rodrigo cunha começou na arte como desenhista para depois lançar-se na pintura, exatamente como fez matisse mite que a cor não seja só cor local, mas pigmento com

mãe tinha uma reprodução do quadro dele, A Dança,

força motriz.” Gianotti fala ainda de Matisse aplicando

sobre a cabeceira de sua cama. Foi o primeiro artista

colagem de materiais sobre a tela, uma das maneiras

que tive contato em minha vida.” Mais tarde passou a

encontradas pelos artistas para afirmar a pintura como

se interessar por sua obra. “Um dos aspectos marcan-

uma superfície e também como algo construído a partir

tes da obra de Matisse foi sua posição quanto ao dese-

de camadas. “O eterno conflito entre o desenho e a cor

nho, que ele exercitou muito antes de tornar-se pintor.

parece se resolver, também para Matisse, por meio da

Eu também passei 17 anos desenhando até começar

colagem”. A cor parece estar presente no mundo de

a pintar.” Rodrigo diz não acreditar em talento, mas na

modo instável e efêmero: “É preciso organizá-las para

persistência das pessoas como Matisse. Ele trabalhou

que saiam do seu estado natural e penetrem no mundo

muito para atingir uma qualidade. “Não acredito em

da cultura”, conclui Gianotti.

talento, só no fazer contínuo.”

O mais jovem entre os entrevistados, Rodrigo Cunha,

Matisse acreditava fazer uma pintura alegre para alegrar

é o vencedor do Prêmio Fundação Bunge de pintura

o outro. E é isso que o público brasileiro está vivencian-

deste ano, na categoria Juventude. Aos 33 anos, ele

do na Pinacoteca, tomada pela alegria das cores do ge-

tem Matisse como companheiro de toda a vida. “Minha

nial e eterno pintor dos pintores.

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pelo mundo Cildo meireles

“O eterno conflito entre o desenho e a cor parece se resolver, também para Matisse, por meio da colagem” marco gianotti

“Matisse nos ensina, até hoje, o tratamento das cores. Com ele, as coisas não se pacificam, ele faz com que todas as partes mantenham sua força. esse ensinamento deu a chave para minha pintura que eu, de fato, ainda não tinha.” Paulo Pasta 17


artista tunga

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TUNGA, filho pródigo da frança pERSONALIDADE MARCANTE, tUNGA É UM DOS ARTISTAS BRASILEIROS CONTEMPORÂNEOS MAIS QUERIDOS DA fRANÇA ONDE COMEÇOU A EXPOR AINDA NA DÉCADA DE 1970, CHEGANDO AO lOUVRE E AO GRAND pALAIS

Foto: Divulgação

texto leonor amarante

Nos anos 1980, eu estava em Paris e um estalo na mi-

te. Talvez, por isso, tenha esquecido meu caderno de

nha cabeça me fez tentar ver a cena artística da cidade

notas na mesa do café.

com o olhar de Tunga. Ele morava lá há algum tempo,

Agora, anos depois de tantos outros encontros e repor-

tinha um vernissage na Galerie Daniel Templon, e eu era

tagens sobre seu trabalho, passo a mão no telefone e,

entusiasta de seu trabalho. Melhor impossível.

como se entrasse no túnel do tempo, me coloco virtu-

Tudo me levava a crer que eu estava buscando mais uma

almente com Tunga no café do Quarter Latin, onde nos

reportagem dentro dos limites do que o escritor Tom Wol-

despedimos em 1981, e retomamos o papo. “Paris e

fe chama de statusfera, aquelas matérias especiais, em

a França foram uma grande vitrina para meu trabalho.

que a gente aposta todas as fichas. Caminhamos pelo

Uma resposta natural de toda a cultura que assimilei

Quartier Latin, sentamos num café, ouvimos gritos segui-

e acumulei durante os anos que estudei arte, filosofia,

dos de um barulho de objetos atirados pela janela, rimos

psicanálise... A França foi uma plataforma possível”,

sem dar importância. Fiz algumas fotos dele, falamos de

ele comenta.

arte e da arte, era como se eu tivesse colocado todo

Tunga é muito mais que uma ponte poética entre a

meu sistema nervoso central a serviço desse encontro.

França e o Brasil. Marca território nos dois países. Não

O momento era de suave melancolia intelectual e cul-

é por acaso que ele retira minerais translúcidos do solo

tural, alternado por cenas cortantes, típicas de uma

brasileiro para plantá-los na França. O trabalho com

cidade muito aberta aos imigrantes. Ainda assim, Paris

essas esculturas transcende a geologia, é exercido

era de fato uma festa, de dia envolta em um clima su-

em enormes campos magnéticos associados a cristais

postamente comportado, para à noite transformar-se

energéticos. “Essa obra compõe-se de três portais de

em diva profana.

cinco metros cada um, executados com pedras brasi-

Voltei ao Brasil e publiquei uma matéria burocrática,

leiras. Ainda estamos trabalhando duro para finalizá-la,

sem brilho, omitindo o que me havia impressionado no

logo que estiver pronta será divulgada”, diz ele. Há qua-

Tunga “parisiense”. De certa forma, meio desconcertada

tro anos Tunga trabalha intensa e silenciosamente sem

por não ter descoberto a chave de um mistério que eu

expor nada, mas daqui até o final do ano apresenta o

imaginava existir na vida de Tunga. Descobri que eu não

resultado dessa empreitada em vários lugares.

tinha em mente como abordar tudo isso jornalisticamen-

Depois de Rússia e Índia, em novembro serão expostas 19


artista tunga

©Wilton Montenegro

em UMA PERFORMANCE INSTIGANTE DA DÉCADA DE 1980, TUNGA DIALOGA COM SUA CABEÇA DECEPADA E ATIRADA AO MAR. AO LADO, DEPOIS DE QUATRO ANOS SEM EXPOR, ELE VOLTA COM UM CONJUNTO DE ESCULTURAS feitas EM CRISTAL E FERRO e QUE VIAJARÁ PELO MUNDO, DA RÚSSIA À FRANÇA. a foto da capa de arte!Brasileiros é um detalhe dessa obra

outras peças executadas com cristais, mas de menores

mesma época, um dos ícones de sua obra: Xifópagas

dimensões, em Paris, na mesma Galerie Daniel Tem-

capilares entre nós (1985), em que a sedução pela

plon da rua Beaubourg, com a qual trabalha desde os

anormalidade ganha corpo e ele celebra, radicalmente,

anos 1980.

a proximidade do homem com ele mesmo. Dois anos

O trabalho de Tunga, que desde o início envolve várias

depois, Semeando sereias, com foco em um Tunga dra-

mídias (como vídeo, desenho, escultura, instalação,

mático, quase alegórico que “dialoga” com sua própria

performance, cinema), tomou impulso em Paris. São

cabeça decepada, com cabelos exageradamente cres-

ainda de 1980 as obras impregnadas de correntes, ca-

cidos e arremessada ao mar por ele mesmo.

belos, feltro e que chamavam a atenção da crítica. As

A França reconhece seu “filho” pródigo que, no ano do

esculturas de Tunga são núcleos que se juntam, suge-

Brasil na França, em 2005, chegou ao Grand Palais e

rindo uma troca de energia entre as partes do objeto.

ao Louvre, com duas exposições memoráveis. A convi-

O gosto pela arqueologia e pelas formas herméticas

te da crítica francesa Catherine David, curadora da X

acentua a presença de conceitos ligados às sensa-

Documenta de Kassel, na Alemanha, Tunga participou

ções matéricas. A recorrência do conceito faz com que

dessa festejada edição, ocupando uma das plataformas

um trabalho leve a outro. Foi assim que surgiu, nessa

de trem da cidade. Era Tunga, em seus melhores dias!

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Foto: Divulgação

artista tunga

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publicações cartier-bresson

A propósito de Henri Cartier-Bresson Texto de Augusto Massi, escrito especialmente para o livro Henri Cartier-Bresson: fotógrafo. Coedição Cosac Naify – Edições SESC-SP, 2009

Esse livro é uma síntese da trajetória de Henri Cartier-

facilite a vida do leitor. E somente um convívio prolon-

Bresson. Além de selecionar 155 fotos, o próprio artis-

gado com as fotos pode revelar as linhas de força que

ta tratou de agrupá-las em seis módulos, conferindo ao

estruturam o livro. A partir do quarto módulo, por exem-

volume uma fisionomia inteiramente nova. A unidade de

plo, fica claro que Henri Cartier-Bresson introduz a técnica

livros anteriores, Les Danses à Bali (1954), D’une Chine

do contraponto. Nesse brevíssimo módulo, o registro de

à l’autre (1954), Les Européens (1955), Moscou, vu par

rituais da vida religiosa – missas, procissões, funerais – é

Henri Cartier-Bresson (1955), Chine (1964), Vive la France

contraposto a imagens prosaicas de casais, mesclando

(1970), cede espaço a uma estrutura aberta, cuja arte

sagrado e profano. O mesmo procedimento está presente

combinatória permite ao leitor estabelecer vasos comu-

no módulo seguinte que, muito embora seja dedicado à

nicantes e associações inéditas. Ao critério cronológico e

arte do retrato – Faulkner, Truman Capote, Bonnard, Gia-

ao caráter de antologia, ele contrapõe o recurso da mon-

cometti, Ezra Pound, Matisse –, os apresenta intercalados

tagem, promovendo o encontro fortuito de duas realida-

por paisagens que, sob um emaranhado de formas quase

des distantes.

abstratas, sugerem um diálogo entre a natureza interior do

O módulo de abertura está sob o signo da rua. Tomando

artista e a realidade física do mundo.

o partido de André Breton – “A rua é o único campo de

Nesse sentido, vale reproduzir um comentário de Eric Ho-

experiência válido.” –, a maioria das fotos privilegia luga-

bsbawm, sobre a última imagem desse quinto módulo,

res de passagem, entroncamentos, pessoas em trânsito

tirada no Japão: “Uma fotografia de Henri Cartier-Bresson

ou abandonadas no solo comum da experiência urbana,

sem presença humana, sem nenhum traço de vida além

sejam figuras famosas ou anônimas, intelectuais ou pros-

de tufos de plantas, tem alguma coisa de inesperado. Mas

titutas, animais ou crianças. O segundo parte da cidade

o que há de mais vivo que esse redemoinho de água, es-

para o campo, da velhice à infância, da arte à natureza.

puma e luz? Assim como nas nuvens, nela podemos ver

O terceiro nos remete a manifestações de ordem política

formas nascidas de nossa imaginação. Um elefante? Uma

– um campo de deportados na Alemanha, a cremação de

baleia? Um dinossauro?

Gandhi, um comício em Paris, operários em Moscou.

Mas, ao contrário das nuvens, a água não espera a boa

Entretanto, é preciso frisar que nenhum dos módulos

vontade de quem observa. É preciso, portanto, a aptidão

fornece título, legenda ou qualquer outra indicação que

única de Henri para pegar intuitivamente o instante exato.

22


qUASE NADA ESCAPOU DO OLHAR ATENTO DO FOTÓGRAFO/REPÓRTER NA CAÇA DO COTIDIANO. O MESTRE do BRANCO E PRETO TANTO REVELA UM REALISMO PICTÓRICO QUANTO UM SENSUALISMO DESCONCERTANTE, agora reunidos em livro

Aptidão que também lhe permitiu realizar aqui um milagre

caminho, em 1979, para a legitimação definitiva de sua

dialético – exprimir em uma só imagem fixa a complexi-

obra. E, como sabemos, a fama costuma cristalizar os

dade, o infinito do movimento universal, que o filósofo

artistas em determinados rótulos. Por isso, me parece

Heráclito foi o primeiro a reconhecer como essência do

estimulante afrouxar um pouco a camisa de força do for-

universo. Seria uma belíssima página de rosto para um

malismo. Perito em perambular por linguagens fronteiri-

ensaio sobre sua filosofia.”

ças – pintura, cinema e fotografia –, Henri Cartier-Bresson

Por fim, no último módulo, irrompe o senso de humor do

– absorveu tanto o aprendizado da pintura cubista com

fotógrafo (reparem na sutileza pela qual uma simples per-

André Lhote, quanto o imaginário surrealista difundido por

na humana pode se transformar em um documento da

André Breton. A beleza de suas fotos surge justamente

vida social). Humor composto por distintas gradações,

desse equilíbrio entre várias visadas.

que oscilam entre o comentário cáustico sobre a tecno-

Talvez seja importante lembrar de que o mesmo artista,

logia e o elogio do ócio, entre a irônica observação da

considerado quase um sinônimo de elegância, nascido em

burocracia americana e a joie de vivre francesa. Em suma,

uma família burguesa proprietária de uma fábrica de li-

o leitor descobrirá, página a página, uma lógica oculta,

nhas para costura, também realizou Vitória da vida (1937)

cifrada, subterrânea.

e Espanha viverá (1938), dois notáveis documentários a

A publicação de Henri Cartier-Bresson, fotógrafo, abriu

favor dos republicanos, na Guerra Civil Espanhola. Além 23


publicações cartier-bresson

uM CLáSSICO DA FOTOGRAFIA MUNDIAL, CARTIER-BRESSON PODE TRANSFORMAR UMA CENA BANAL EM PURA POESIA. sEU FOTOJORNALISMO multifacetado FOI DISPUTADO PELAS MAIS IMPORTANTES REVISTAS DE SUA ÉPOCA

de simpatizante da esquerda, Cartier-Bresson colaborou

sico, ao modo de artistas como Morandi e Giacometti,

regularmente em Ce soir e Regards, publicações do Parti-

existe um Cartier-Bresson que sabe se retirar do mundo,

do Comunista Francês.

desaparecer, dar primazia aos objetos. Só fala de si me-

Na condição de fotojornalista, realizou mais de quinhen-

diado pelo outro. Um belo exemplo é Minha cama.

tas reportagens e participou do período heroico de revis-

Esse livro que a Cosac Naify e o Sesc colocam à disposi-

tas como Vu, Life e Harper’s Bazaar. Em 1947, ao lado de

ção do leitor brasileiro é uma pequena amostra do traba-

Robert Capa, David Seymour e George Rodger, fundou a

lho de Henri Cartier-Bresson, sempre em preto e branco,

Magnum, até hoje a principal agência dos fotógrafos in-

sem cortes, flash ou retoques no processo de revelação.

dependentes. Jamais procurou ser o que chamamos de

Vale frisar que um conjunto significativo permanece iné-

testemunha da história, mas um apurado senso de ob-

dito, milhares de fotos não passaram pelo crivo rigoroso

servação fez com que esse viajante incansável estivesse

do fotógrafo. É difícil em um texto tão breve dar a medida

sempre atento à experiência do grande mundo.

exata da importância de Henri Cartier-Bresson. Ele trans-

No plano intelectual, cultivou com parcimônia o ensaio,

cende o universo da fotografia.

mas O instante decisivo (1952) sem dúvida, é uma refle-

Quando penso em aproximá-lo de uma linhagem de artis-

xão incontornável sobre a fotografia. Discreto, fino, clás-

tas, um nome que me vem à memória é o de Montaigne.

24


artista chagall

O SONHO E DELÍRIO de Chagall UM DOS ARTISTAS PONTUAIS DO SURREALISMO, cHAGALL VIVENCIOU OS PRINCIPAIS EVENTOS HISTÓRICOS DE SEU TEMPO texto LEONOR AMARANTE

A mostra O mundo mágico de Marc Chagall – O Sonho e a Vida, organizada pela Casa Fiat de Cultura, de Belo Horizonte, nos dá pistas de como Chagall constrói seu mundo surreal, a partir de fragmentos do impossível. As 300 obras, entre pinturas, gravuras, guaches e esculturas, vindas da França, da Rússia e de coleções brasileiras, foram orquestradas e conseguidas com o esforço

Esquisse pour le cirque au village / Estudo para o circo na cidade

e o prestígio do curador Fábio Magalhães. Pelo seu olhar, o visitante passeia por fases marcantes da longa vida de Chagall, que nasceu na Rússia e morreu aos 98 anos, tendo sido testemunha de acontecimentos históricos. Sem se prender às amarras de um único suporte, Chagall se mostra vigoroso nas gravuras, como revela a série que ele fez para ilustrar As Fábulas de La Fontaine, supostamente próxima do universo infantil, mas dedicada inicialmente a adultos. Aberto a temáticas tão díspares quanto aos movimentos que o rodeavam, Chagall, judeu praticante, se esmera na execução de ilustrações para A Bíblia, outro bom momento da mostra em que ele interpreta algumas passagens do Antigo Testamento. Num voo diametralmente oposto, Fábio Magalhães foi busem que o artista trata da descoberta do amor e do sexo. Um grupo de pintores dialoga com Chagall, e o destaque fica para Ismael Nery, nosso bom surrealista. Vale a pena conferir a mostra que segue para outros estados.

Fotos: Divulgação

car também gravuras da série Daphnis et Chloé,

Village au cheval vert ou Vision à la lune noire / Vilarejo com cavalo verde ou Visão sob a lua negra 25


design prêmio 2009

Testemunhos do nosso tempo A exposição Ícones do Design - França–Brasil traz produtos emblemáticos dos dois países texto Adélia Borges

Os laços culturais entre a França e o Brasil são

setembro, e no Paço Imperial, no Rio de Janeiro, de

por demais conhecidos e festejados. No campo do

15 de outubro a 29 de novembro. O curador francês

design, contudo, eles ainda são relativamente frou-

Cédric Morisset idealizou a mostra como um ma-

xos. Nosso país concebeu suas primeiras escolas

peamento do design francês durante cerca de um

universitárias na área mirando na Alemanha; os fa-

século, e em sua seleção, que foi de Le Corbusier

bricantes brasileiros passaram da órbita das influ-

aos atualíssimos irmãos Bouroullec, propôs-se a

ências da Escandinávia para a Itália; e, quanto aos

apresentar “Símbolos fortes da criação moderna e

designers de produtos para o habitat, tinham Milão,

contemporânea, demonstrando a capacidade dos

até pouco tempo, como a meca única – indiscutível

designers em romper com códigos estabelecidos,

e reverenciada.

reinterpretá-los, encarnar o tempo presente ou an-

A falta de maiores intercâmbios com a França não

tecipar-se a sua época”.

era prerrogativa brasileira. A fama em moda da-

Com a intenção de estimular o diálogo entre a Fran-

quele país não era seguida por outros segmentos

ça e outros países, sugeriu exposições que cotejas-

criativos do design. Nos últimos anos, o governo e

sem o seu elenco sintético de 22 criadores com o de

associações empresariais locais investiram pesa-

outros países. A iniciativa estreou no Museu de Arte

do na corrida em busca da inovação, vista como o

Moderna de Buenos Aires, em 2008, em que o pro-

caminho para se destacar no cenário internacional. O então presidente François Mitterand deu o exemplo chamando um jovem então desconhecido, Philippe Starck, para renovar os interiores do Palácio dos Campos Elísios – um verdadeiro choque numa mentalidade em que ainda predominavam os estilos suntuosos. Seguiu-se uma intensa ação de valorização da criação francesa histórica e contemporânea, dentro e fora do país. É nesse contexto que se pode avaliar a exposição Ícones do Design – França / Brasil, apresentada no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, até 20 de 26


fessor e designer Ricardo Blanco ficou encarregado da seleção argentina. Convidada a responsabilizar-me pela escolha brasileira, penei para fazer uma síntese – pois, se as curadorias implicam não somente incluir algumas coisas, mas sobretudo excluir muitas outras, em uma exposição com tantas e tão dramáticas exclusões como esta, a subjetividade inerente ao trabalho curatorial é ainda mais evidente. Embora a mostra não tenha sido concebida como um paralelo entre os dois países, é possível enxergar alguns pontos em comum nas seleções. Ao contrário do senso comum, que vê o design como a cereja do bolo de objetos caros para a elite, ali se vê, de um lado, a caneta Bic, que revolucionou o Banquinho Bubu, Philippe Starck, 3 Suisses - 1991 / XO –1996

jeito de escrever no mundo e se tornou best-seller, com cerca de cem bilhões de canetas vendidas entre 1950, ano de sua criação, e o início dos anos 2000. De outro, as sandálias Havaianas, de 1964, que se popularizaram país afora como um calçado prático e barato, e recentemente conquistaram posição no universo do glamour, vendendo 20 milhões de pares em 60 países no ano de 2007. Na montagem da mostra, o arquiteto Zaven Paré reforçou

Chaise longue LC4, Le Corbusier, Pierre Jeanneret, Charlotte Perriand, 1928 - Cassina 1964

o caráter icônico de ambas as criações, utilizando um espelho para que o público pudesse ver não o objeto em si, mas o seu reflexo. Em um outro nível, tem-se a espreguiçadeira LC4, concebida em 1928 por Le Corbusier, Pierre Jeanneret e Charlotte Perriand. Fiel a seu fascínio pela estética industrial, Le Corbusier a chamou de “máquina de descansar”. O uso de tubos metálicos originalmente destinados à aviação chocou o mundo bem comportado das artes decorativas naquele momento, ainda presas aos veludos e estofados suntuosos nos estilos de todos os “Luizes”. Como lembra Cédric, ela se tornou “uma das peças mais celebradas da história do design, objeto referência dos mais Fotos: divulgação

imitados no mundo”. Do lado de cá do Atlântico, a rede pode ser vista como a nossa chaise longue por excelência. Se não tem a força midiática da LC4, é provavelmente um dos objetos de maior longevidade 27


vender os objetos do início do modernismo. Entre os objetos mais recentes, destacam-se as criações de Philippe Starck e dos irmãos Campana, que compartilham a capacidade de criar objetos que ecoam fundo no imaginário coletivo de nosso tempo. Starck é também um gênio do marketing, como se pode ver por um de seus últimos projetos, feito para a Baccarat, utilizando o requintado cristal preto. Por ter um manuseio complexo, com muitas perdas no processo produtivo, o que resulta em produtos extremamente caros − o material havia sido relegado a um público restrito. Starck propôs então a comercialização de copos em um estojo com seis exemplares, dos quais apenas um é perfeito, enquanto os outros têm pequenas imperfeições, batizando a coleção Luminária Eclipse, 1991, Maurício Klabin

exatamente de “um perfeito”. Ícones do Design – França-Brasil permite uma aproximação cultural entre os dois países e incentiva uma reflexão que é universal sobre o que são os ícones. “O que confere o estatuto de ícone a um objeto? A história? O sucesso comercial? A notoriedade?

no mundo. Nascida na América tropical, já fazia parte da cultura indígena quando os portugueses aqui

A escolha e o reconhecimento dos aficionados?”, pergunta o curador francês. Sua resposta: “Sem dú-

chegaram e foi plenamente assimilada pelos colo-

vida, tudo isso simultaneamente. Mas também, sem

nizadores. Permaneceu viva ao longo dos séculos e

dúvida, a capacidade do objeto de marcar simbólica

hoje pode ser vista de norte a sul do país, na casa

e visualmente a sua época, ao mesmo tempo em que

do rico e na casa do pobre, com um design que se

relega seu valor de uso a uma posição secundária”.

mantém basicamente o mesmo, no entanto sempre

Alguns critérios sobressaem mais do que outros em

incorporando variações.

cada um dos produtos da seleção. O conjunto dos

No campo dos equipamentos para o habitat, nem só

objetos expostos comunga, assim, cada um a seu

de criações espontâneas vive o design brasileiro. Na

modo, um valor que transcende o meramente fun-

faixa das décadas de 1930 a 1960, Joaquim Tenrei-

cional ou utilitário, incorporando também dimensões

ro, Sergio Rodrigues, Zanine Caldas, Lina Bo Bardi,

simbólicas e emocionais, intimamente relacionadas a

Paulo Mendes da Rocha e Michel Arnout compare-

processos culturais, sociais e econômicos. Na conflu-

cem com obras-primas de primeira grandeza, assim

ência de critérios, observa-se que a maioria dos ob-

como os franceses Jean Prouvé, Xavier Pauchard,

jetos atua como chaves de acesso à memória afetiva,

Pierre Paulin, Olivier Mourgue e Henry Massonnet.

estabelecendo uma conexão emocional, às vezes até

Suas peças ganharam recentemente uma valoriza-

amigável, com os usuários. Quase todos, ainda, ao

ção e passaram a ser vendidas a peso de ouro em

captar e expressar o espírito de seu tempo, acabam

antiquários modernos, neologismo dos estabeleci-

por transpassar o portal da temporalidade. Eles per-

mentos que se espalham pelo mundo, dedicados a

manecem sempre jovens; superando o tempo.

28


Luminรกria Bossa, 2005, Fernando Prado

Poltrona Bowl, 1951, Lina Bo Bardi

29


patrimônio

Os Franceses e o Patrimônio Natural a exuberante paisagem brasileira, sempre presente no imaginário europeu, compõe um cenário permanente no caleidoscópio criado por várias épocas e gerações texto sonia guarita

A natureza brasileira sempre atraiu os europeus,

acadêmicas que obedeciam a um “olhar europeu”.

seja pela riqueza do ecossistema que engloba tamanha

D. João considerava o ensino da arte como um processo

biodiversidade, diferentes topografias e marcos naturais,

importante para o desenvolvimento do país.

ou por registros fiéis de uma cultura local.

No dia 12 de agosto de 1816, assinou o Decreto de Cria-

O Rio de Janeiro, com sua magnífica baía, atraiu sobre-

ção da Escola Real de Ciências e Artes e Ofícios, contra-

maneira os franceses que aqui aportaram, cujo cenário

tando um grupo de nove artistas e sete artesãos, entre

contribuía para realizar seus velhos sonhos de terem en-

os quais Nicolas-Antoine Taunay, Jean-Baptiste Debret,

contrado finalmente, o jardim do éden.

Auguste Henri de Montigny e Charles Pradier que, sob a

As árvores gigantescas entremeadas pelas copas das pal-

chefia de Joachim Lebreton, iniciaram o ensino das artes

meiras; as tonalidades e perfumes inebriantes das flores;

no Brasil. A escola tornou-se o embrião da Academia Im-

o sabor das frutas selvagens; os sons dos pássaros ca-

perial de Belas Artes.

noros; o encontro com animais nunca vistos; o mar ora

Esse grupo desembarcou no Brasil quando a cidade do

revolto ou sereno; tudo contribuía para o deslumbramento

Rio de Janeiro chorava a morte da rainha mãe D. Maria

perante uma natureza misteriosa que não obedecia ao ci-

I e a Corte já se preparava para as festividades da acla-

clo das quatro estações!

mação do novo rei D. João VI e que devido às inúmeras

Desde o almirante Nicolas Durand de Villegagnon que aqui

insurreições no país teve de ser adiada.

aportou em 1556 – na tentativa de criar a França Antár-

Assim a comemoração deveria ser a mais solene e festiva

tica –, os inúmeros viajantes, entre os quais Saint Hillaire

possível, como demonstração da magnitude do soberano,

que maravilhado afirmou “quem seria capaz de descrever

e para tal, os artistas recém-chegados deveriam contribuir

as belezas que apresenta a baía do Rio de Janeiro... com

com suas experiências na construção de monumentos,

estas montanhas majestosas que a bordam e também a

baixos relevos, arcos triunfais e retratos dos personagens

vegetação tão rica e variada que orna seu litoral?”; até os

da Corte.

pintores da Academia que chegaram a convite de D. João

Em um primeiro momento, houve uma colaboração por

VI e fascinados, transformaram suas palhetas perante

parte de todos, mas logo começaram a surgir desaven-

tanto colorido e luminosidade.

ças e intrigas principalmente entre Taunay e Debret, uma

Foram esses artistas que melhor retrataram a paisagem

vez que o primeiro estranhava o fato de ter sido admitido

brasileira e a Baía de Guanabara durante do século XIX,

como pintor de paisagens, o que o colocava em posição

embora tenham aplicado seus conhecimentos e técnicas

inferior ao segundo, que figurava como pintor de história.

30


Museus Castro Maya, Rio de Janeiro, Brasil/The Bridgeman Art Library/Grupo Keystone

View from Mount Glória - Rio de Janeiro (c. 1820). oil on canvas, Taunay, Nicolas Antoine (1755-1830) vista do Morro da Glória - Rio de Janeiro

Cansados também por aguardar pela fundação da Acade-

gue fugir à realidade que se impõe; a luminosidade e o sol

mia que nunca se concretizou, os artistas se isolaram e

brasileiros intensificam os contrastes e as cores de sua

cada qual tomou seu destino.

pintura, agora impregnada de novos elementos como os

O pintor de paisagens e natureza, Nicolas-Antoine Taunay,

negros escravos, a brisa do mar, a majestade das monta-

instalou-se em uma propriedade na Floresta da Tijuca,

nhas e a riqueza da fauna e a flora do nosso país.

interessado em retratar a natureza como fizera anterior-

A produção realizada em um estúdio fechado, é substi-

mente na Itália, relembrando também a vegetação das

tuída pelo contato direto com a natureza, a céu aberto...

cercanias da Paris de sua infância.

e o resultado final será o do registro de uma paisagem

Assim, essas influências da antiguidade e do passado es-

eloquente e grandiosa!

tarão sempre presentes nas pinturas de Taunay. Lilia Moritz Schwarcz na sua consistente obra O sol do Brasil descreve uma tela do artista exemplificando “Os apectos mais reiterados nas telas de Taunay estão todos presentes, vacas a pastar, o céu esmaecido que toma metade do quadro, as figuras pequenas, a vegetação tropical, caracterizada por suas árvores singulares e que mais uma vez se parecem com as árvores italianas de Claude Lorrain”. Apesar de sua fidelidade ao passado, Taunay não conse-

Bibliografia Schwarcz, Lilia Moritz – O sol do Brasil. Editora Companhia das Letras SP – 2008 Beluzzo, Ana Maria – A Construção da Paisagem. Editora Metalivros – SP - 1994 Freitas Pinheiro, Eliane Canedo – Baía de Guanabara. Andrea Jacobsen Estúdio Editorial – RJ - 2005 Acervos Museológicos Pinacoteca do Estado/Coleção Brasiliana – SP Museu Nacional de Belas Artes – RJ Museus Castro Maia – RJ Museu Imperial – Petrópolis - RJ 31




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