Humanos

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Sumário

Agradecimentos..................................................................................................... 9

Dedicatória............................................................................................................. 10

Introdução.............................................................................................................. 11

1. A Origem.......................................................................................................... 13 1.1. A Origem a luz da história.................................................................. 13 1.2. A Origem a luz da Antropologia.......................................................... 15 A. A colaboração de Lamarck e Darwin.......................................... 17 1.3. A Origem a luz da filosofia.................................................................. 21 1.4. A Origem a luz da teologia................................................................. 24 1.5. Em defesa do Criacionismo................................................................ 26

2. A Composição.................................................................................................. 31 A. O ser criado por Deus era Humano...................................................... 31

3. A Mutação........................................................................................................ 37 3.1. Influência externa............................................................................... 39 3.2. Influência interna................................................................................ 42 3.3. O Bicho Homem................................................................................. 44

4. Epidemia e Extinção........................................................................................ 47 4.1. Epidemia: Evidências desumanizantes na sociedade brasileira........ 47 A. Ludwig Feuerbach ...................................................................... 48 B. Karl Marx .................................................................................... 50 C. Sigmund Freud ........................................................................... 51 D. Émile Durkheim ........................................................................... 53 E. Karl Barth e Dietrich Bonhoeffer ................................................. 55 F. A Religião como Epidemia...………………………………………. 57

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4.2. Extinção: Evidências humanizantes no mundo e no Brasil................. 62 A. Martin Luther King Jr……………………………………………….. 62 B. Ronaldo Lidório........................................................................... 69 C. A “Religião Inicial” extinta............................................................ 71

5. O Antídoto......................................................................................................... 77 5.1. O antídoto é objetivo........................................................................... 78 5.2. O antídoto é indiscriminável................................................................ 84 5.3. O antídoto é necessário...................................................................... 86 A. Cristo, como antídoto, torna possível a vida em comunidade..... 86 B. Cristo, como antídoto, torna possível a vida com dignidade....... 90 C. Cristo, como antídoto, torna possível a vida humana................. 94

Conclusão............................................................................................................. 100

Bibliografia............................................................................................................ 102

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Agradecimentos

Não poderia deixar de agradecer as pessoas responsáveis que possibilitaram minha pesquisa e estudo aqui exposto. Agradeço em primeiro lugar a Deus que sempre esteve comigo nos momentos difíceis desta caminhada e por me abençoar num ambiente acadêmico de muito valor. A Ele sou grato por me privilegiar ter um aprendizado sem igual na Faculdade Latino-Americana de Teologia Integral, a qual me capacitou através de professores e mestres que se doaram em meu benefício. A estes devo gratidão pela paciência, ensino e confiança depositada.

Não menos importante agradeço as igrejas que fizeram e sempre farão parte de minha história. Dentre elas preciso aqui registrar três: 1ª Igreja Batista Nacional em Timbó – SC; Comunidade Batista da Paz, São Vicente – SP e Igreja Presbiteriana do Brasil de Tietê – SP.

Devo gratidão a muitas pessoas, mas existem algumas em especial que seria injusto não mencionar, pois possibilitaram a realização deste projeto. Alegro-me em citar: Ivone Botelho, diretora da Faculdade Latino-Americana de Teologia Integral, que sempre esteve me apoiando de algum modo e me encorajando a perseverar diante das dificuldades; Pr. Disney Naftaly Macedo, exemplo de fé e amor em Cristo; Pr. Jorge Henrique, exemplo de serenidade na vida cristã, bem como, pastoreio; Pr. Reinaldo, exemplo de atitude cristã nas mais variadas circunstâncias; Pr. Jadson, exemplo de alegria em servir a Cristo; Aos irmãos João Batista e Dilze, que me acolheram como filho e me ensinaram princípios que jamais esquecerei.

Além das pessoas que já mencionei minha maior homenagem aqui não poderia ser outra senão a minha família. Sem eles não teria chegado até aqui. Agradeço a meu pai, Alberto Weege; a minha mãe, Ivone Weege e ao meu irmão, Jonas Weege; todos estes exemplos de vida, de amor e de esperança. A estes não posso deixar de conferir todo mérito pela minha formação e aprendizagem. Agradeço a vocês – família – pelo apoio e confiança conferidos a mim durante toda minha vida.

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Dedicatória

Dedico todo este projeto e aventura intelectual a minha esposa e companheira de ministério Graziele Cristina dos Santos Weege, alguém que tem me ajudado e auxiliado a cada dia a entender o amor de Cristo e assim perceber que não basta existir é preciso viver; viver o amor de Cristo, viver como humano!

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Introdução

O que é ser humano? Foi refletindo sobre esta pergunta que nos aventuramos a pesquisar e delinear pensamentos, bem como, fundamentos até hoje já utilizados quanto a esta questão. A pergunta não é nova. Ao longo dos séculos os filósofos já se perguntavam: O que, de fato, é o homem? No entanto, nosso intuito, nas devidas proporções, é o de ir mais a fundo e entender não só o que é o homem, mas descobrir e aludir o que, realmente, é ser humano. Para isso, no entanto, sentimos a mesma necessidade que René Descartes certa vez sentiu, quando este se arriscou desfazer-se de todas antigas opiniões que até então tinha como verdadeiras, ou seja, o de combater e esquecer todos os conceitos já anteriormente formulados para que novos e mais bem fundamentados pudessem surgir. Este, portanto, foi nosso passo inicial.

No capítulo primeiro estão enunciadas de modo panorâmico e breve, antigas teorias que até hoje tem se dado crédito no que se refere à origem de nosso objeto de estudo, isto é, o homem. Nossa intenção nunca foi outra senão a de questionar tais teorias, bem como, seus fundamentos utilizados para as posteriores teses até hoje, majoritariamente, aceitas. Sem muito embaraço, nosso intuito neste capítulo será de analisar tais teorias (antigas, embora aceitas até os dias de hoje) para poder decidir se as mesmas são dignas ou não de crédito. As teorias, assim como, seus alicerces que derem qualquer margem e motivo para dúvida será automaticamente rejeitada para nossa proposição posterior. Pois, como já mencionamos, nosso passo inicial para atingir de modo coerente nosso objetivo e meta é desprezar todas antigas falsas opiniões, mesmo que, vale lembrar, tais teorias têm sido aceitas até nossos dias.

Tendo como pressuposto a conclusão do capítulo primeiro, que não nos possibilita informar aqui, fitamos os olhos no capítulo seguinte na composição do homem. Uma análise um tanto sintética, porém muito fundamental para compreensão total de nossa pesquisa. Depois disso, apontamos certa mutação ocorrida na história do homem. Capítulo este que explicamos e associamos apropriadamente tópicos dos dois capítulos anteriores. Com isso, acreditamos ficar

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evidente que muitas das antigas opiniões concernentes ao conceito humano já não sejam possíveis de ser aceitas.

Visto isso, precisamos especificar neste instante alguns termos que serão utilizados principalmente no quarto capítulo, diz-se de: “Religião” e “Religião Inicial”. Ao mencionarmos o termo ou palavra religião isoladamente estaremos nos referindo à religião em geral, ou seja, o fenômeno religioso em si. Vale dizer, neste sentido que o fenômeno religioso é presente em todas as doutrinas ou crenças. Sendo assim, destacamos que religião difere da religião inicial. Ao mencionarmos religião inicial estaremos tratando do movimento cristão, ou seja, do evangelho e novidade de Jesus Cristo, aquele mesmo de Nazaré. Portanto, religião significará em nosso texto qualquer crença em um deus supremo como causa; mero conjunto de dogmas e práticas próprias de uma confissão religiosa; manifestações ritualísticas; crença, devoção, piedade e reverência às coisas que se têm como sagradas. 1 Entretanto, a religião inicial remeterá ao evangelho e ensino de Jesus; tudo que Ele ensinou sobre o amor, bondade, justiça, etc. Ainda no capítulo quatro destacaremos evidencias tanto desumanizantes como humanizantes no mundo e no Brasil.

No quinto capítulo finalizaremos co-relacionando tudo que já terá sido abordado para então expormos o que é necessário para o homem. Além disso, estará explícito em nossa esclarecida abordagem o que é, de fato, ser humano. Inferimos ainda ao leitor que tenha atenção no fato de novos termos e conceitos surgirem ao longo do texto, entretanto, sempre que isto acontecer será claramente e facilmente explicado o uso do termo ou palavra. É sempre bom lembrar: este projeto e dissertação é uma reconstrução conceitual do que é ser humano. Atente para os novos princípios que surgirão no decorrer da leitura. “O homem é uma corda, atada entre o animal e o além-do-homem – uma corda sobre um abismo. Perigosa travessia, perigoso a-caminho, perigoso olhar para trás, perigoso arrepiar-se e parar. O que é grande no homem, é que ele é uma ponte e não um fim: o que pode ser amado no homem, é que ele é um 2 passar e um sucumbir”.

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HOUAISS, Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa, 1.0.5, (verbete – “religião”). LEBRUN, Gerard, Os Pensadores: Nietzsche, São Paulo, 2000, Nova Cultural, pág. 211.

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1. A Origem

Para dar início ao processo de reconstrução conceitual do ser humano é preciso evidenciar aquilo que será a base sólida, isto é, o fundamento de nosso pensamento. Tratando-se de uma reconstrução obviamente existe a necessidade de devastar os pilares de construções feitas anteriormente. No entanto, para isso faz-se necessário a percepção do princípio, ou seja, da origem da humanidade, incluindo nisto o todo e o tudo. É evidente que a origem é de fato o grande alicerce para toda e qualquer construção posterior. Por isso, nos detemos a seguir a traçar um panorama tanto da própria história como de outras ciências em geral com respeito às origens, para então apresentar uma exposição conclusiva com respeito ao assunto, que cremos ser o ponto chave tanto de uma má formulação conceitual como para uma definição coerente e significativa do tema proposto, ou seja, o humano!

1.1. A origem a luz da História

Segundo os relatos históricos há quatro bilhões de anos vulcões e terremotos sacudiram a terra, ainda desabitada. Cerca de 500 milhões de anos depois, nos mares que acabaram de se formar, apareceram às primeiras formas de vida. Já há 600 milhões de anos atrás existia um único continente na terra, grande e deserto. Os mares eram povoados por medusas, esponjas, corais, trilobites e moluscos. Depois de alguns milhões de anos, começa a diferenciação dos peixes. Há 300 milhões de anos alguns animais e plantas deixam o ambiente marinho e conseguem viver em terra firme. Na água, multiplicavam-se as espécies de peixes. Há 200 milhões de anos os répteis conquistaram o ar, a água e a terra. Os dinossauros passaram a dominar o mundo. Entre os vegetais desenvolveram-se as coníferas, pinheiros, abetos e sequóias. Há 100 milhões de anos depois de contínuos movimentos da superfície terrestre, os continentes começam a ter a forma atual. Apareceram então os mamíferos e as aves. Entre as plantas verdes desabrocharam as primeiras flores coloridas. Enfim, há um milhão de anos o aspecto da terra já é igual ao de hoje. Como os dinossauros desapareceram, os donos do mundo passaram a ser os

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mamíferos. Caçando pelos grandes prados e pelas savanas encontramos o animal mais evoluído, o homem. 3

Este seria um breve panorama histórico a respeito da origem tanto do universo quanto do homem. Especulativo para alguns, consistente pesquisa e estudo para outros. Fato é que a maioria dos livros históricos começa suas narrativas com um sistema se não igual, mas muito parecido como este relatado no parágrafo anterior. E este crescente histórico sobre as origens é também verificado em outros relatos e narrativas sobre a pré-história.

Nos livros históricos constam que a pré-história estende-se desde a origem do homem, estimada em três milhões de anos, até o aparecimento da escrita, por volta de 4.000 a.C. À pré-história é dividida em três períodos denominados como: Paleolítico (pedra lascada); Neolítico (pedra polida); e Idade dos Metais (cobre bronze, ferro, etc.). Esta divisão da pré-história esclarece ainda mais aquilo que já mencionamos como crescente histórico sobre as origens e principalmente nos leva a fitar os olhos com atenção nas tendências e, quem sabe, evidências de uma história evolutiva ou evolução histórica.

No período paleolítico o homem estava ainda num estágio muito primitivo e, consequentemente, utilizava-se de técnicas um tanto rudimentares. Além disso, é interessante notar que a evolução do homem é classificada de acordo com o desenvolvimento do cérebro. Exemplifica-se com: Australopithecus; Homo Habilis, dois milhões de anos a.C.; Homo Herectus, um milhão de anos a.C.; e Homo Sapiens, que já possuía as características do homem moderno, por volta de 100.000 anos a.C.

Já no período mencionado como Neolítico ou de Pedra Polida é iniciado há aproximadamente 10.000 a.C. Neste o homem passou por uma grande revolução. Não só usava armas e utensílios feitos de pedras mais elaboradas, como também, desenvolveu a agricultura e domesticou os animais. Como resultado tornou-se sedentário. Há também registros de que Em 7.000 a.C. já havia cidades grandes. 3

DELAZERI, Jaci J., et all, Guia Intensivo de Ensino Globalizado, São Paulo, 1990, Edelbra, pág. 884.

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A Idade dos Metais, no entanto, é contemporâneo ao surgimento da escrita, o que significou um grande salto no desenvolvimento da sociedade.

Mesmo concedendo aos estudiosos e pesquisadores sugestivos traços evolutivos, a própria história assume que as origens exatas do homo Sapiens, espécie à qual todos os seres humanos pertencem, segundo as ciências, “estão sujeitas às amplas especulações baseadas em uma pequena quantidade de fósseis, estudos anatômicos, genéticos e em registros geológicos”.

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Entretanto, mesmo

assim, é quase unânime a preferência de que realmente nossos antepassados eram primatas. Enfim, o que a história relata é sumariamente que tudo passou por um processo evolutivo em sua origem, inclusive nosso objeto maior de estudo nesta pesquisa, o homem.

1.2. A origem a luz da Antropologia

A história utiliza-se de outras ciências mais específicas para que suas narrativas sejam elaboradas. Quanto à origem sua grande fonte não poderia ser outra senão a antropologia que por se deter exclusivamente a estudar o homem, principalmente em seus aspectos sociais, necessita informar de onde o mesmo veio. O antropólogo Ralph Linton bem que tentou em seu livro não assumir uma posição arrogante de ser o dono da verdade ao se tratar das origens quando afirmou: “Muitos pormenores acerca da origem e desenvolvimento do homem são ainda desconhecidos (...)”. Porém, logo em seguida na mesma frase assume com toda propriedade: “mas que nossa espécie evoluiu a partir de alguma forma inferior de vida, já não é posto em dúvida por quem quer que esteja familiarizado com os fatos”. 5

Assim como ele, tantos outros seguem a mesma tendência de começar seus

escritos antropológicos na defensiva, para algumas linhas adiante dar brilho as suas mais legítimas crenças no que diz respeito à origem do homem, exceto, é claro, alguns poucos antropólogos cristãos. Neste sentido, se torna contraditório em tais

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VÁRIOS AUTORES, Escola Viva: Programa de pesquisa e apoio escolar, módulo 5 pág. 3. LINTON, Ralph, O Homem, Uma Introdução à Antropologia, São Paulo, 1981, Martins Fontes, pág. 15. 5

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afirmações ocasionando e resultando assim certa indignidade de aceitação objetiva, no sentido de universal.

Para seu notável credo, de que o homem é um animal aperfeiçoado, a antropologia utiliza-se de pesquisas significativas. Segundo ela as diferenças mais expressivas entre os homens e os símios, isto é, os macacos não estão em sua anatomia, mas em seu comportamento. Porém, para a antropologia uma das maiores provas de que os homens vieram do macaco está no fato de que muitos de nossos (supostamente) ancestrais ou parentes próximos começaram a se comportar como homens muito antes de terem aparência de homens. Diz-se isso pelo fato de, especulativamente, num determinado momento estes mencionados antepassados dos homens se utilizarem de implementos como o fogo e, provavelmente, a linguagem, bem como, a vida social. Além disso, admiti-se a preferência de uma evolução por causa da estrutura corpórea do homem classificado como: vertebrado, mamífero e, finalmente, membro de uma ordem especial de mamíferos, os primatas.

É lógico que isto não poderia sustentar e muito menos provar algo inevitavelmente complexo como a origem da chamada raça humana. Por isso, a antropologia necessitou de mais embasamentos para sua tese. Precisou obter bases que fossem mais sólidas e complexas, no sentido de comprovar de modo mais eficaz o seu credo. “A estrutura do braço e dos ombros humanos traz o testemunho mudo de um hábito há muito 6 perdido, o de balançar-se de galho em galho”.

Para ter esta eficácia a antropologia utilizou-se da paleontologia, como percebemos na citação acima. Muitos fósseis encontrados foram examinados e logo utilizados para comprovar de maneira mais rebuscada a evolução do homem.

Mas a antropologia não conta apenas com o auxílio da paleontologia como alicerce do seu credo, mas também, de ciências como a biologia, a geologia, a zoologia e as chamadas ciências culturais. É importante dizer que em tese quanto mais elementos são reunidos para a sustentação de um credo com mais facilidade e reverência ele será aceito. É claro que para isso, os elementos, argumentos e 6

Idem, pág. 17.

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possíveis provas precisam de fato corresponder com a complexidade do problema. De fato, as ciências em geral se uniram em suas observações para defender uma mesma teoria. Esta união não poderia gerar outra coisa senão a quase unânime preferência pela teoria da evolução.

A. A colaboração de Lamarck e Darwin.

Como vimos de modo abreviado, muitos conceitos foram elaborados pelas ciências citadas anteriormente (e continuam sendo), no entanto, pretendemos abordar com mais clareza a teoria da evolução, provavelmente a sistematização mais polemizada do século XIX. “No século XIX, mais especificamente em 1840, Boucher de Perthes utiliza o termo homem préhistórico para discutir como seria sua vida cotidiana, a partir de achados arqueológicos, como utensílios de pedra, cuja idade se estimava bastante remota. Posteriormente, em 1865, John Lubock reavaliou numerosos dados acerca da Cultura da Idade da Pedra e compilou uma classificação em que enumerava as diferenças culturais entre o Paleolítico e Neolítico. Com a publicação de dois livros, A Origem das Espécies, em 1859 e A descendência do homem, em 1871, Charles Darwin principia a 7 sistematização da teoria evolucionista”.

Nem sempre o credo de que o homem é um animal de fato aperfeiçoado foi aceito pela maioria. Explícitamente esta colocação começou a ser feita com mais propriedade por Charles Darwin em suas obras no século XIX. Darwin sistematizou de tal maneira a teoria da evolução que gerou debates até hoje sem fim em alguns campos das ciências. Não só isto, como colocou em dúvida a crença popular na existência de Deus. Antes de Charles Darwin porém houve outro teórico da evolução aos nossos olhos importante e que vale ser mencionado, o pesquisador francês Jean-Baptiste Lamarck.

Lamarck, assim como Darwin, foi um dos primeiros a negar o postulado aceito majoritariamente até o século XVIII no mundo ocidental de que cada espécie,

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WIKIPEDIA, A Enciclopédia Livre, Antropologia, Web/Internet.

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animal ou vegetal, tinha sido criado independentemente, por ato divino e a propor um mecanismo pelo qual a evolução se teria verificado.

A partir da observação de que fatores ambientais podem modificar certas características dos indivíduos, Lamarck imaginou que tais modificações se transmitissem à prole: os filhos das pessoas que normalmente tomam muito sol já nasceriam mais morenos do que os filhos dos que não tomam sol. A necessidade de respirar na atmosfera teria feito aparecer pulmões nos peixes que começaram a passar pequenos períodos fora d'água, o que teria permitido a seus descendentes viver em terra mais tempo, fortalecendo os pulmões pelo exercício; as brânquias, cada vez menos utilizadas pelos peixes pulmonados, terminaram por desaparecer. Assim, o mecanismo de formação de uma nova espécie seria, em linhas gerais, o seguinte: alguns indivíduos de uma espécie ancestral passavam a viver num ambiente diferente; o novo ambiente criava necessidades que antes não existiam, as quais o organismo satisfazia desenvolvendo novas características hereditárias; os portadores dessas características passavam a formar uma nova espécie, diferente da primeira.

A doutrina de Lamarck foi publicada em Philosophie zoologique (1809; Filosofia zoológica), e teve, como principal mérito, suscitar debates e pesquisas num campo que, até então, era domínio exclusivo da filosofia e da religião. Estudos posteriores demonstraram que, apenas o primeiro postulado do lamarckismo, estava correto; de fato, o ambiente provoca no indivíduo modificações adaptáveis; mas os caracteres assim adquiridos não se transmitem à prole. Portanto, aparentemente Lamarck explicava porque a girafa tinha o pescoço comprido, explicava as dimensões do aparelho digestivo dos herbívoros, a membrana das patas dos gansos e vários outros fatores que diferenciavam as espécies. Alguns professores como Bolsanello e Van Der Broock até citaram as explicações de Lamarck, mas logo após, George Cuvier, a maior autoridade em Ciências Naturais na época, arruinou com Lamarck afirmando que seus princípios eram falsos. “Nem a função cria o órgão inexistente, nem a herança de caracteres adquiridos”. George Cuvier disse: “Lamarck construiu pequenos edifícios com bases fictícias e arquitetou um sistema que pode agradar à imaginação de um poeta, mas que não pode suportar por um momento o exame de um anatomista”. 18


Diferente do decreto feito por Cuvier com relação a Lamarck, Darwin se saiu melhor. Charles Darwin publicou em 1859 The Origin of Species (A origem das espécies), um livro de grande impacto no meio científico que pôs em evidência o papel da seleção natural no mecanismo da evolução. Darwin partiu da observação segundo a qual, dentro de uma espécie, os indivíduos diferem uns dos outros. Há, portanto, na luta pela existência, uma competição entre indivíduos de capacidades diversas. Os mais bem adaptados são os que deixam maior número de descendentes. O darwinismo estava fundamentalmente correto, mas teve de ser complementado e, em alguns aspectos, corrigido pelos evolucionistas do século XX para que se transformasse na sólida doutrina evolucionista de hoje. Os pensamentos de Darwin e seus contemporâneos sobre a origem das diferenças individuais eram confusos. Predominava ainda o conceito lamarckista de que o ambiente faz surgir nos indivíduos novos caracteres adaptativos, que se tornam hereditários. Um dos primeiros a abordar experimentalmente a questão foi o biólogo alemão August Weismann, ainda no século XIX. Tendo cortado, por várias gerações, os rabos de camundongos que usava como reprodutores, mostrou que nem por isso os descendentes passavam a nascer com rabos menores. Weismann estabeleceu também a distinção fundamental entre células germinais e células somáticas.

Além do que já falamos é importante dizer que ao longo dos anos o evolucionismo passou por algumas fases importantes, como a fase dogmática e a fase cética. A fase dogmática ocorreu até 1900, na verdade conhecida como „Euforia evolucionista‟. Olhamos inicialmente a tese de Lamarck, destruída por Cuvier, e depois a de Darwin, que foi aceita pela cultura da época, mesmo contendo contradições de outros cientistas, fisiológicos, biólogos, etc. Nesta época qualquer argumento levantado contra a teoria darwiniana não se dava o crédito. A partir de 1900 os favoráveis da evolução começaram a cair em si e como conseqüência começou a esfriar o entusiasmo, ou melhor, a euforia evolucionista. Os causadores do esfriamento foram, em sua maioria, a mocidade estudantil e professores materialistas. Se por um lado havia a inovação sensacionalista, do outro havia a relação ou/a identificação do homem com os animais. A fase cética foi de 1900 até 1935. Neste período a onda devastadora do evolucionismo já havia se esfriado e então era o momento oportuno para os criacionistas contra-atacarem.

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Os argumentos iniciais nem foram levados à ciência, mas sim, ao conhecimento vulgar ou bom senso. O que diz o bom senso? Primeiro; que os seres vivos se reproduzem invariavelmente numa continuidade filética, ou seja, cães geram cães e gatos geram gatos. Esta objeção é reconhecida por um dos mais eminentes cientistas, e insuspeito porque evolucionista: o professor André Cailleux, mestre de conferências na escola de altos estudos em Paris. Em seu tratado de geologia indagou: será que as espécies derivam umas das outras? E responde: a natureza atual não autoriza uma resposta… entretanto, entende-se nisto que um homem não pode vir de um macaco, como sugerido. Segundo; o senso comum ainda desafia o evolucionismo com a pergunta: porque não vemos hoje na natureza as inumeráveis formas de transição que deveriam marcar as passagens ou transformações de gêneros? O próprio Darwin reconheceu a questão como objeção de peso, e não lhe deu resposta.

Em suma os argumentos darwinianos evolucionistas foram principalmente cinco: a) acreditava que as espécies das coisas vivas são mutáveis e intercambiáveis. Elas vêm à existência, modificam-se e perecem; b) A maioria das espécies (incluindo homem) é capaz de uma multiplicação tal que, se não for impedida, em breve tornará a terra um lugar impossível de ser habitado; c) A multiplicação é impedida mediante a competição entre as espécies e no seio de cada espécie. A luta pela sobrevivência obtém a redução numérica necessária; d) As variações inerentes e adquiridas pelas espécies são transmitidas para os membros seguintes, por meio da herança genética; e) As condições descritas nos pontos anteriores produzem uma seleção natural geral, de tal modo que as variações fundamentais sobrevivem, e as desfavoráveis perecem. Esse fator traz a existência novas espécies sendo que ocorre a sobrevivência das espécies mais aptas.

Darwin colaborou e muito com a antropologia através de suas pesquisas e conclusões. Com base na história da antropologia podemos afirmar que Darwin é, de certo modo, um divisor de águas, pois é através de seus estudos que nasce de modo significativo a chamada antropologia física. “... é difícil compreender como traços, que do ponto de vista da seleção natural são de valor neutro para a

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sobrevivência, possam jamais ser eliminados de uma 8 linhagem”.

No entanto, a própria antropologia física assume que mesmo compreendendo claramente o processo de seleção natural, tem dificuldades de compreender como esse processo pode fixar tantas características que diversificam as formas humanas atuais.

Entretanto, através das colaborações de Lamarch e Darwin, assim como, dos estudos da paleontologia, da geologia, da biologia, da zoologia entre outros, a antropologia não tem dúvida. O homem de fato é um animal aperfeiçoado.

1.3. A origem a luz da Filosofia

Como já mencionamos aquilo que historicamente tem sido defendido como certezas de onde tudo se originou e simultaneamente os aspectos e áreas em que a antropologia se baseia para qualificar sua tese do início de tudo, não poderíamos deixar de dialogar também com a filosofia e principalmente com os filósofos que verdadeiramente se expuseram a estudar e pensar com mais propriedade sobre o assunto. Portanto, olharemos com mais atenção para os filósofos pré-socráticos que se puseram a tentar de alguma forma explicar o começo, ou melhor, “procuraram saber se há um princípio único que dirija e ordene todas as coisas do mundo, em seus diversos e contraditórios aspectos”.

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Tratando-se dos pré-socráticos,

falaremos então de: Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Todos de Mileto, formando assim a escola de Mileto.

É importante dizer que é justamente esta procura por um princípio único que irá mais tarde fazer com que Aristóteles classifique os filósofos pré-socráticos como fisiólogos, isto é, estudiosos da phisis. “A palavra grega phisis pode ser traduzida por natureza. Mas seu significado é mais amplo. Refere-se também a realidade, não aquela pronta e acabada, mas a que se encontra em movimento e transformação, a que nasce e se desenvolve. Nesse sentido, a 8

LINTON, Ralph, O Homem, Uma Introdução à Antropologia, São Paulo, 1981, Martins Fontes, pág. 37. 9 SIQUEIRA, A. Bernardete, História da Filosofia, São Paulo, 1999, Nova Cultural, pág. 24.

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palavra significa 10 manifestação”.

gênese,

origem,

Sendo assim, os filósofos pré-socráticos se caracterizam justamente por se deter a estudar as origens, isto é, o princípio único, que será expresso pela palavra e/ou termo arché, que quer dizer comando.

Vale dizer que os pensamentos de Tales foram interpretados por outros filósofos. “Aristóteles, autoridade máxima para as interpretações de toda a época pré-socrática diz que, segundo Tales, o princípio único, ou seja, arché de todas as coisas é o estado de umidade, em outras palavras, a água”.

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Para esta conclusão

notou-se que os alimentos e as sementes dos animais e das plantas são úmidos, assim como, que a terra flutua sobre a água. “Segundo Tales, a água, ao se esfriar, torna-se densa e dá origem a terra; ao se aquecer transforma-se em vapor e ar, que retornam como chuva novamente esfriada. Desse ciclo (vapor, chuva, rio, mar, terra) nascem às diversas formas de vida, vegetal e 12 animal”.

No entanto, este pensamento tem sérias dificuldades, pois transparece de alguma maneira, que não depende apenas da água a origem de todo o resto, mas também, de certa temperatura (frio ou quente) para que da mesma se originem as coisas. Assim sendo, o que seria o frio ou o calor? Talvez, pensando assim, fosse, até mesmo, uma causa anterior a água, deixando, portanto alguns vácuos em seu pensamento. Além disso, como defender a água como um elemento pré-existente? Mesmo assim, este problema não se tornou um desafio apenas para Tales resolver, mas para a própria filosofia.

Na mesma época que Tales, vivia Anaximandro. Anaximandro destaca-se como o primeiro a citar o termo princípio. Ele mencionava sobre o indeterminado, isto é, um elemento que dá origem a tudo, mesmo que desconhecido em si mesmo. Para Anaximandro, o ápeiron, era o princípio e o elemento das coisas existentes.

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Idem, pág. 24. MARIAS, Julian, História da Filosofia, São Paulo, 1999, Nova Cultural, pág. 16. 12 SIQUEIRA, A. Bernardete, História da Filosofia, São Paulo, 1999, Nova Cultural, pág. 26. 11

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Este ápeiron, chamado também de indeterminado ou ilimitado, este princípio das coisas era para ele algo eterno, não criado, mas fundamentalmente caracterizado por movimento e agitação constantes e eternas. Nestes movimentos ou manifestações surgiriam outras substâncias. O ápeiron descrito por Anaximandro também pode ser intitulado por arché, ou seja, a base de tudo, o inicio de tudo e, enfim, o ponto de partida de todas as coisas. O que é interessante notar, no entanto, e vale fitar os olhos nisso, é que, como Champlin nos esclarece, “conotações que rotineiramente são empregados à divindade são atribuídas à arché, como por exemplo, ser imortal; não-gerado; imperecível; transcendental e, obviamente, eterno”.

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Portanto, o ápeiron descrito por Anaximandro não era apenas um

conceito físico, mas também, metafísico e teológico. Comparado a Tales, Anaximandro dá (apenas) um passo a mais na direção da independência do princípio em relação às coisas particulares.

Contrariando Tales e Anaximandro, e, de certo modo, sendo o meio termo dos dois, Anaxímenes, discípulo de Anaximandro, não considera nem a água nem o apeíron como arché. Ele substitui estes elementos (ápeiron e água) entendendo que o ar sim é que é o princípio único de tudo. Ocupa-se de um elemento não tão abstrato como o ápeiron e nem tão palpável como a água. “O ar rarefeito é fogo; mais condensado, nuvens, água, terra, rochas, segundo o grau de densidade".

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De modo um tanto que otimista poderíamos ver nestes três pensamentos e prismas algumas questões que hoje parecem lógicas, mas que em suas épocas provavelmente tiveram crédito com quem quer que fosse. Sem menosprezo podemos dizer que estas questões já foram de alguma forma superadas e não se pensa de fato em nem um destes três elementos citados por Tales, Anaximandro e Anaxímenes como possíveis princípios únicos de tudo o que veio tornar a ser. No entanto, em suas épocas com certeza a dificuldade seria de explicar de onde, no entanto, tornaram a existir estes elementos citados e, pior, como poderia ser explicado uma possível pré-existência destes materiais? Portanto, a estes pensamentos resta torcer por uma melhor evidencia de suas teses e/ou

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CHAMPLIM, R. N., Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, São Paulo, 2001, Hagnos, pág. 155. 14 MARIAS, Julian, História da Filosofia, São Paulo, 1999, Nova Cultural, pág. 17.

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possibilidades. De fato, é necessário muita “fé” para que se admita o próprio homem ter vindo ou apenas da água, ou do apeíron, ou do ar!

1.4. A origem a luz da Teologia

Em contraste com outros pensamentos e teorias a respeito das origens do universo e do homem, que já vimos anteriormente, estão os argumentos teológicos. De antemão o que vemos através da teologia é que sua principal e primordial base para seus argumentos é a Bíblia. Apesar de mesmo entre os teólogos existirem algumas correntes ou linhas com respeito à interpretação do relato bíblico das origens não há definitivamente uma controvérsia de onde tudo, inclusive o homem, teria se originado, isto é, a partir de Deus. A Bíblia ou palavra de Deus, como alguns preferem, contém o relato de como tudo teria se originado. Os relatos bíblicos indicam que todo o universo foi criado por Deus e o ápice dessa criação teria sido o homem. Porém, há algumas linhas quanto a este relato da suposta criação que vale citar.

A discussão sobre a questão da origem do homem entre os teólogos iniciase através de seu fundamento principal, a bíblia, e não podia ser diferente. Ao que parece temos dois relatos referente à criação do homem. O primeiro em Gn 1.26-27 e o segundo em Gn 2.7, 21-23. Parece de opinião majoritária que o escritor de Gênesis juntou duas narrativas da criação, a primeira, de Gn 1.1-2.3, e a segunda, de Gn 2.4, 25; e que as duas são contraditórias e/ou diferentes.

15

Laidlaw, citado

por Berkhof, assume o uso de duas fontes pelo autor de Gênesis, mas não assume de maneira alguma a possibilidade de contradição entre os textos, isto pelo fato de considerar que o segundo relato da criação não leva em conta a criação geral. Com isso, a proposta é que o primeiro relato contém a narrativa da criação de todas as coisas na ordem em que ocorreu, enquanto o segundo reuni as coisas em sua relação com o homem, sem identificar a ordem cronológica do aparecimento do homem na obra criadora de Deus. Além disso, esclarece que tudo que o precedeu serviu para preparar uma “adequada habitação para o homem como o rei da criação”. 15 16

16

Embora, toda interpretação mereça questionamento, no sentido de

BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, São Paulo, 2004, Cultura Cristã, pág. 167. Idem, pág. 167.

24


discussão, a proposição destes que assumem as duas narrativas e não admitem tais “teorias” como distintas parecem estar coerentes se tratando do sentido literal dos textos. Sendo assim há mérito na proposição, bem como, aceitação majoritária.

Quanto ao relato de Gn 1.26-27 Hodge aponta duas implicações. A primeira concerne que o corpo do homem foi formado pela imediata intervenção de Deus, ou seja, ele não cresceu e nem foi produzido mediante algum processo de desenvolvimento. A segunda evidencia que a alma derivou-se de Deus, isto é, Ele soprou no homem o fôlego de vida, ou seja, aquela vida que o constituiu um homem, uma criatura vivente portadora da imagem de Deus.

17

Vale lembrar que Hodge com

estas duas implicações coloca em xeque as ciências que não aceitam sequer a origem a partir de Deus, no sentido de não haver qualquer utilização de material orgânico, muito menos que Deus soprou propriamente a vida no homem, sopro este sem o qual, segundo Hodge, o homem não viveria, seria apenas um objeto inanimado.

Talvez o debate mais difícil de ser resolvido pelos teólogos diz respeito à literalidade ou não das narrativas de Gênesis. Uns defendem que a origem do universo e do homem ocorreu literalmente como está no texto bíblico, outros, no entanto, acreditam que é apenas uma linguagem figurada para ilustrar e exemplificar que todo o universo bem como o homem foram, de fato, criados por Deus. Porém, mesmo com aquela ou esta posição é evidente o acordo final entre os teólogos de que Deus realmente é o criador de todo o universo, toda vegetação, animais e, principalmente, o homem.

Os teólogos não poderiam entrar em desacordo quanto à origem do homem, pois se acontecesse estaria em xeque toda a crença do cristianismo. Bastaria, no entanto, uma falha neste sentido para que toda teologia, bem como, teólogos ficassem aquém dos argumentos filosóficos, antropológicos e da própria história. Abordaremos este fator com mais vigor no tópico seguinte. Entretanto, mesmo havendo as várias tendências e maneiras de interpretar os relatos bíblicos com respeito à criação das coisas e principalmente do homem, não há qualquer

17

HODGE, Charles, Teologia Sistemática, São Paulo, 2001, Hagnos, pág. 485.

25


desacordo quanto às origens das espécies entre os teólogos, ao que parece a posição quanto a isso é unânime, ou seja, o homem é criatura de Deus.

1.5. Em defesa do criacionismo

Com os olhos atentos a tudo que já mencionamos é que podemos chegar a um denominador comum. Analisando cada um dos tópicos narrados até agora é perceptível de forma clara algumas divergências e controvérsias no que se refere à origem. Estas divergências e controvérsias podem ser apontadas principalmente a priori do processo de toda e qualquer formulação propriamente construída, ou seja, identificam-se como controvérsias não somente as conclusões a que chegam os pesquisadores e estudiosos, mas principalmente, as bases para tais conclusões. É pensando exatamente nessas controvérsias (encontradas a priori, isto é, as bases) que queremos neste momento nos deter a concluir de modo satisfatório e bem fundamentado sem deixar espaços para uma não assimilação do fundamento proposto. Por isso, a intenção é de mencionar, neste momento, de modo seguro e coerente do porque da adoção de uma e não de outra interpretação das origens, diga-se de passagem, principalmente do homem.

Acredito estar claro que dentre todas as interpretações adotadas que citamos anteriormente tratando-se da origem está o debate entre duas teorias, ou seja, a teoria da evolução em contraste com a teoria da criação. Por isso, é através deste debate que podemos alcançar relevante alicerce para nosso pensamento.

Comparando a história, assim como, outras ciências que citamos e finalmente a teologia, parece que a teoria da evolução e a teoria da criação utilizam-se de bases completamente distintas e isto é um tanto equivocado. Rotula-se que a teoria da evolução é estritamente científica (pelo fato de contar com a ajuda de tantas áreas das ciências para especular suas teses) sem a necessidade de fé; enquanto a teoria da criação parece ser rotulada como não científica existindo e sendo verdade apenas para aqueles que contêm fé. Mas, segundo Adalto Lourenço (respeitado cientista brasileiro), tanto a teoria criacionista quanto a teoria evolucionista são científicas (pela razão de ambas se utilizarem de áreas das ciências como paleontologia, zoologia, geologia, antropologia, etc), bem como, ambas exigem ou 26


necessitam do elemento fé (pelo fato de até hoje não terem sido provadas racionalmente de modo objetivo, ou seja, universalmente).

18

Adalto nos lembra sim,

que a proposta criacionista “está muito baseada no que a bíblia diz, isto é, Deus um ser vivo criou seres vivos; e, por outro lado, a evolução diz que, simplesmente, causas naturais e espontâneas produziram seres vivos”.

19

De fato, para a sociedade

em geral verifica-se que tanto uma quanto outra teoria encontra suas dificuldades de aceitação. Mas para chegarmos a uma conclusão coerente, ou seja, adotarmos de modo mais seguro uma e não outra teoria podemos fazer uma análise daquilo que são as bases de suas teses. Então, tendo isso como objetivo vale à pena refutar de modo simultâneo o que as experiências e pesquisas científicas têm a nos dizer.

As pesquisas científicas recentes analisam as similaridades entre o homem e o possível antepassado do homem, isto é, o macaco. Adalto Lourenço, que já mencionamos, mais uma vez nos esclarece algo extremamente importante no que diz respeito a essas pesquisas. Ocorreu que de 99,4 % de todo material genético analisado afirmou-se que a diferença existente entre os macacos e o homem é de aproximadamente 0,6%. Bem, inicialmente isto parece convencer a muita gente de que realmente o homem possa ter vindo do macaco. No entanto, o que Adalto menciona, é que estes 99,4% de todo material analisado representa apenas 97 genes, isto é, se pegarmos todo material genético que é um mínimo de 30000 genes supondo que tudo é duplicado, ou seja, você teria 15000 genes. Então, 97 genes de 15000 resultam em 0,65%. Estes 0,65% de todo material genético da uma diferença de 0,6%. Portanto, 100% daria uma diferença de 92,3%, ou seja, somos 92,3% diferentes dos macacos. 20

Outra observação feita pelo cientista de forma ironizada quanto à questão das similaridades (ou biodiversidade) está no fato de o homem ter em si cerca de 76% a 78% de água, assim como o melão. Ironizando, diz que olhando apenas para a questão das similaridades poder-se-ia dizer que o homem veio do melão. No entanto, isto parece ser universalmente desprezado. 21

18

LOURENÇO, Adalto, Palestra Criação e Evolução, Igreja Batista Nova Filadélfia, DVD 2. Idem. 20 Idem. 21 Idem. 19

27


De uma forma ainda cômica, Lourenço destaca, tratando-se novamente de biodiversidade, as distâncias genéticas. Em uma pesquisa nessa área os cientistas pegaram o citocromo “C” de 47 formas de vidas diferentes e compararam umas com as outras. Depois de ter feito isto a pergunta feita foi: Qual forma de vida tem o citocromo “C” mais parecido com a cobra cascavel? Para surpresa de muitos, o homem é quem tem o citocromo “C” mais parecido com o da cobra cascavel. No entanto, estas similaridades não parecem convencer universalmente e, diga se de passagem, nem uma minoria de que o homem tem a cobra cascavel como seu antepassado. 22

É importante notar que o primeiro exemplo citado e analisado por Adalto Lourenço (na questão das similaridades entre o homem e o macaco) foi uma pesquisa que deu muita repercussão na mídia como uma possível prova do evolucionismo e de, posteriormente, nosso parentesco com os macacos. No entanto, uma importante declaração feita pelo cientista e que vale ser destacada é que não existe a possibilidade de se provar cientificamente o evolucionismo através de uma comparação limitada a algumas similaridades, ou seja, se for a intenção comparar dois seres para quem sabe querer provar o aperfeiçoamento daquele ser gerando uma nova espécie é necessário a comparação de todo o material genético disponível e, ainda assim, haveria a possibilidade de uma certa precipitação em qualquer conclusão. No entanto, no primeiro exemplo (a três parágrafos acima) Adalto Lourenço destaca que foram apenas analisados 97 genes de um total mínimo de 15000. Mesmo que, como foi mencionado, 99,4% destes 97 genes comprovam que a diferença entre os macacos e os homens é de 0,6% não pode haver a presunção de se acreditar que igualmente os outros 14903 genes nos darão a mesma resposta; e, de fato, não dão. O cientista em uma breve análise proporcional nos alude de que visando o mínimo de 15000 genes teríamos uma distinção entre os macacos e o homem de 92,3%. Ora, é necessário muita fé para acreditar em 0,65% de 100% do que em uma coerente comparação de todo material disponível.

Com isso, a crença de que o homem é um animal aperfeiçoado parece ser ilusória. A história apenas nos mostra e relata fragmentos daquilo que outras áreas

22

Idem.

28


como a antropologia tentou fundamentar de modo mais eficaz. No entanto, parece que mesmo a antropologia está aquém da teologia com suas próprias fontes de estudo. Aceitando ou não, a teologia em si mesma parece dar resposta a muitas discussões antes mesmo de estas questões serem desenterradas. A história relata o surgimento do mundo a partir de uma explosão diferentemente daquilo que a teologia alude. Assim também, parece ser a crença da antropologia que o mundo proveio do nada e o homem surgiu de um aperfeiçoamento evolutivo. No entanto, quanto a origem do homem a teologia também está em lado oposto tanto a história quanto a antropologia. Interessante ainda é notar os argumentos dos pré-socráticos que explicam, ou tentam explicar, que tudo veio a surgir (no caso o universo, bem como, seus seres viventes) por obra da arché tido como o indeterminado, ou a água, ou o ar; possivelmente pensava-se também em elementos como o fogo e a terra. No entanto, não há qualquer menção de onde os mesmos elementos vieram a existir. Bem, a teologia que tem como principal base os chamados Escritos Sagrados ou a Bíblia menciona tanto como foi criado o mundo como veio a surgir a água, o ar, o fogo, a terra e todos os outros elementos existentes, bem como, plantas, animais e, separadamente, o homem.

De fato, como já falamos, tanto uma quanto outra teoria, isto é, tanto o evolucionismo como o criacionismo exigem a presença de fé. Ambos também são científicos; ambos não conseguem responder de modo satisfatório no sentido de objetivamente e universalmente as questões das origens. Entretanto, em nosso pensamento uma teoria parece transparecer de modo mais significativo e coerente sua posição. Falamos assim, da teoria da criação.

Assumimos, portanto, adotar a teoria da criação como a base sólida de toda nossa pesquisa posterior. Crendo que esta teoria nos deixa mais seguros para uma melhor compreensão mais a frente do motivo da afirmação de uma extinção do ser humano. Vale destacar e dizer que esta adoção se dá pela convicção de que muitos e incontáveis pesquisadores e, principalmente, cientistas, até mesmo, evolucionistas chegaram a reconhecer num instante de suas vidas uma obra de criação muito maior do que qualquer surgimento a partir do nada ou por obra do acaso.

29


“Isaac Newton certa vez questionou: De onde surgiu toda ordem e beleza que vemos neste mundo? Dr. Albert Einstein indagou: Quero saber como Deus criou o mundo? E no livro Cosmos, Bios, Theos, cujo texto foi produzido por 60 cientistas de todo o mundo, inclusive 24 ganhadores do prêmio Nobel, Henry Margenaw, co-editor e físico da universidade Yale, argumentava que: ...só há uma resposta convincente para explicar a enorme complexidade e as leis do universo – a criação por um Deus onisciente e 23 onipotente”.

Enfim, a evidência de que de algum modo tudo tornou a existir por uma obra criadora de Deus parece ser em algum momento na vida do homem ser aceita universalmente. Mesmo se não entrássemos no mérito de o homem ser ou não um animal aperfeiçoado não teríamos dificuldade alguma que mesmo assim a ação de Deus foi de fato eminente e surpreendente. Entretanto, aludimos que sim! O homem não é um animal aperfeiçoado, do contrário, é criatura a imagem e semelhança de Deus. Como já foi referido, Deus um ser vivo criou seres vivos.

Com a ajuda do, já mencionado, cientista brasileiro Adalto Lourenço, cremos não existir margens para uma crença evolucionista, mas sim, ao contrário, ou seja, que o ato da criação divina é, verdadeiramente, inequívoca e coerente com a própria essência do homem.

Ainda, no que se refere a este ato criador de Deus, vale registrar que é este fundamento que futuramente, ao longo do texto, explicitará com mais clareza nosso argumento e/ou pensamento. Não só uma colaboração neste sentido, como também, um traço significativo para dar respostas a perguntas das quais nunca foram respondidas, pelo menos não de modo claro e objetivo.

2. A COMPOSIÇÃO.

23

Idem.

30


Com base no capítulo anterior sabemos que o homem não é um animal aperfeiçoado, mas sim, criatura a imagem e semelhança de Deus.

Dito isto,

podemos destacar algumas características essenciais desta criatura, ou seja, aquilo que torna o homem, de fato, humano.

2.1. O ser criado por Deus era humano

Como adotamos por base que o homem é criatura de Deus é preciso aqui olhar de modo teológico e filosófico a composição do mesmo. Entretanto, faz-se necessário fitar os olhos no livro de Gênesis para uma melhor compreensão do ser criado por Deus. “Então disse Deus: „Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os grandes animais de toda terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão‟. Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Deus os abençoou e lhes disse: „Sejam férteis e multipliquemse! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra‟. Disse Deus: „Eis que lhes dou todas as plantas que nascem em toda terra e produzem sementes, e todas as árvores que dão frutos com sementes. Elas servirão de alimento para vocês. E dou todos os vegetais como alimento a tudo o que tem em si fôlego de vida: a todos os grandes animais da terra, a todas as aves do céu e a todas as criaturas que se movem rente ao chão‟. E 24 assim foi”.

O relato bíblico mencionado acima contém muitas evidências, ou melhor, características a respeito do ser criado. A narrativa menciona, até mesmo, Deus informando ao homem tudo aquilo que lhe estava dando, como também, esclarecendo ao homem suas responsabilidades como ser vivente. Mas há algo no texto que chama atenção de qualquer pessoa logo de início. A história bíblica afirma que Deus criou o homem a Sua imagem, conforme a Sua semelhança e é neste ponto que precisamos dar mais atenção neste momento, principalmente por isto implicar mais adiante em uma relação entre os mesmos.

24

GÊNESIS 1:26-30, NVI.

31


Louis Berkhof cita que os primeiros „pais da igreja‟ indicavam plenamente que a imagem de Deus no homem consistia principalmente das características racionais e morais do homem, e em sua capacidade para santidade, ao contrário, outros deles incluíam o fato das características corporais.

25

Irineu e Tertuliano diferenciavam a

imagem e a semelhança crendo que a primeira referia-se as características corporais e a seguinte na natureza espiritual do homem. Clemente de Alexandria e Orígenes, porém, discordavam de qualquer analogia corporal e defendiam a teoria de que a palavra „imagem‟ indica as características do homem como tal, e a palavra „semelhança‟, as qualidades não essenciais ao homem, mas que podem ser cultivadas ou perdidas. Também apoiaram esta idéia Atanásio, Hilário, Ambrósio, Agostinho e João de Damasco. Para Pelágio, entretanto, a imagem significa apenas que o homem possui razão para conhecer a Deus de livre arbítrio, ou seja, para que o homem pudesse escolher o bem e praticá-lo; e para que tivesse a capacidade de liderar a criação inferior. 26

Outras controvérsias de pensamento estão presentes entre Lutero e Calvino. Lutero não buscava a imagem de Deus em nenhum dos dons naturais do homem, tais como as suas faculdades racionais e morais, mas sim, exclusivamente na justiça original e, portanto, considerava a imagem como inteiramente perdida devido ao pecado. Calvino, no entanto, afirma que a imagem de Deus abrange tudo aquilo em que a natureza do homem supera a de todas as outras espécies de animais.

27

No

entanto, tudo o que já foi mencionado a este respeito faz sentido apenas em partes.

No texto hebraico a palavra traduzida por imagem é

~l,c,

(tselêm)

que pode ser traduzida também por estátua, modelo e/ou desenho. Já a palavra traduzida por semelhança é

tWmD> (dimüt) que pode ser traduzida também por

cópia, forma, feição e/ou imagem. Dito isto, podemos afirmar que as palavras imagem e semelhança são mencionadas como sinônimos e, no máximo, uma poderia estar dando ênfase ao sentido da outra.

25

BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, São Paulo, 2004, Cultura Cristã, pág. 187. Idem, pág. 187. 27 Idem, pág. 187. 26

32


“As palavras imagem e semelhança são empregadas como sinônimos e uma pela outra e, portanto, não se referem a duas coisas diferentes (Gn 1:26; 5:1; 9:6 etc.). é possível que a palavra „semelhança‟ tenha sido acrescentada a palavra „imagem‟ para expressar a idéia de que a imagem era uma imagem muito semelhante, perfeita. Deus é o original do qual foi feito o homem. Portanto o homem não só leva a imagem de Deus, mas também é a sua 28 própria imagem”.

Mesmo sabendo e podendo afirmar com base no original hebraico que o homem foi criado a imagem e semelhança, ou seja, no modelo, cópia, feição e forma de Deus, a pergunta principal persiste em continuar, ou seja: Em que isto implica?

Bem, afirmamos desde já que estas implicações são o que tornam veementemente o ser criado por Deus humano. Entretanto, por isso, as implicações não são (apenas) meras hipóteses, mas sim, propriamente aquilo que compõe de fato o homem. É justamente esta composição, do homem, que o torna diferente de um animal sendo distinguido dos mesmos e, finalmente, denominado humano. Embora isto esteja claro para nós, de que a composição definirá ou não tal homem como humano, estas implicações (imagem ou semelhança) ainda não são. Pois, há componentes que estarão presentes de fato em todos os homens, mas há outros que estarão visíveis apenas nos homens classificados humanos. Enfim, o que é grande neste sentido é a descoberta de que somente a imagem e/ou semelhança de Deus no homem é que o torna humano. É importante dizer ainda em relação a isto que se trata de uma visibilidade integral da imagem e/ou semelhança de Deus no homem, ou seja, não há credito, no sentido de humano, em fragmentações divinas no homem (no quinto capítulo abordaremos isto com mais profundidade). Portanto, vale dizer que o homem só é de fato humano quando carrega, ou melhor, leva em si integralmente a imagem de Deus. Antes que me rotulem como radical, irreal ou digam que esta afirmação, de que o homem só é humano quando leva em si a imagem de Deus, se trata de uma impossibilidade permanente citarei com clareza no quinto capítulo grandes filósofos e pensadores que, através de suas observações, mencionaram da mesma maneira tal proposição, mesmo que sem citar a palavra deus diziam de fato sobre o mesmo. Mas agora cabe a nós identificar as implicações do que é a imagem ou semelhança de Deus já que temos a priori de 28

Idem, pág. 188.

33


que é justamente isto e suas posteriores implicações que torna ou identifica o homem como humano ou não. “Segundo os teólogos reformados e a maioria dos teólogos de outras divisões da igreja, a semelhança do homem com Deus incluía os seguintes pontos: Sua natureza intelectual e moral; Deus é Espírito, a alma do homem é um espírito. Os atributos essenciais do espírito são: a razão, a consciência e a vontade. Um espírito é um agente racional, moral e, portanto, também um agente livre. Assim, ao criar o homem a sua imagem, Deus o dotou com aqueles atributos que pertencem à sua própria natureza como espírito. O homem é, por isso, distinto de todos os demais habitantes deste mundo, e está colocado incomensuravelmente acima deles. Pertence a mesma ordem de ser que o próprio Deus, e por isso é capaz de ter comunhão com seu criador. Tal conformidade de natureza entre o homem e Deus não só é a prerrogativa distintiva da humanidade, no que tange às criaturas, mas também a condição necessária de nossa capacidade de conhecer a Deus, e, portanto o fundamento de nossa natureza 29 religiosa”.

Parece ficar claro neste montante mais uma vez que o que torna o homem humano é a semelhança a Deus. Sem esta semelhança o homem seria um animal como qualquer outro da criação. Embora isto, é interessante destacar como é possível então o homem ser homem e não ser humano simultaneamente. Cremos que para essa distinção, novamente há a colaboração das evidentes características. De modo muito sintético, porém complexo, poderíamos dizer que: O homem não é humano quando em si esta ausente à imagem e/ou semelhança de Deus. Existem elementos que não podem não se fazer presentes no homem, pois se isto acontecesse de fato tal ser não seria homem. O homem criado por Deus já foi criado com estes elementos, entretanto, estes elementos diferem das implicações da imagem de Deus. Para entender claramente isto teremos por base o primeiro homem criado, ou seja, Adão. A palavra para o nome Adão no original hebraico é

~d'a'

(adam) e seu

significado consiste em designar a espécie humana, ou o ser humano, ou a própria humanidade, o homem e, finalmente, o homem como indivíduo. Com isso, é possível entender que o primeiro homem a existir de fato já nasceu humano, ou seja, ele foi 29

HODGE, Charles, Teologia Sistemática, São Paulo, 2001, Hagnos, pág. 555.

34


criado perfeito. Relacionava-se com Deus intimamente. Deus o colocou no chamado jardim do Éden para que o homem cultivasse o jardim. Não somente isto, mas também, foi dado ao homem a responsabilidade de dar nome “a todos os rebanhos domésticos, às aves do céu e a todos os animais selvagens”.

30

É possível imaginar

o relacionamento que havia entre o homem e Deus para que Deus confiasse ao homem dar nome a sua própria criação. Convenhamos, existia aí um relacionamento muito profundo de confiança.

Então, este primeiro homem além de conter em si a imagem de Deus, porque fora feito perfeito e humano, carregava também em si outros elementos que caracterizam qualquer homem posteriormente como homem. Dentre vários elementos, podemos dizer que todo homem em sua essência já nasce com dois elementos principais, isto é, razão e inclinação. Adão não era diferente. Foi criado também com estes elementos, do contrário, Deus não teria a necessidade de dizer: coma dessa árvore e não desta! Mas disso falaremos no capítulo seguinte. Importante é esclarecer que todo homem só é homem se contem em si razão e inclinação, do contrário, seria qualquer outro animal, mas não homem. A questão é como o homem lida com estes dois elementos. Razão e inclinação não fazem parte da imagem de Deus, mas sim, são dois elementos primordiais na composição do homem. E, obviamente, quem permitiu e criou o homem desta maneira foi Deus. Pensando nisto, Deus sabia que a qualquer momento Adão, por ter em si razão e inclinação, poderia escolher não obedecer a Deus, ou de forma mais peculiar, poderia escolher seguir seu próprio caminho sem Deus. O homem em sua composição natural é um ser que tem escolha própria. E isto sim corresponde, nas devidas proporções, a imagem de Deus, que tem também suas próprias escolhas. Proporcionalmente, temos em vista que há uma grande diferença, já que o homem é mera criatura. Mesmo assim, por alguma razão Deus o fez um ser com “vontade própria”.

Vale a pena relembrar de modo breve o projeto de Deus na obra da criação. De fato, o projeto de Deus era muito simples, porém com alguns riscos. É importante de antemão deixar claro que Deus não se frustrou em seu projeto, mas isto será

30

GENESIS 2:20, NVI.

35


entendido no decorrer desta dissertação. Então, o projeto de Deus era basicamente que o homem cultivasse sua criação e, de modo mais específico, o jardim ao qual Deus o inseriu; assim como, que o homem se relacionasse com Deus deliberadamente. Ora, para isso, logicamente, era necessário que o homem pudesse fazer suas próprias escolhas. Pois qual a possibilidade de se relacionar com algo ou alguém voluntariamente se este não tiver vontade própria. Pois bem, constou no projeto de Deus o desejo de o homem relacionar-se com Ele de modo deliberado e voluntário. Por isso, então Deus o fez com vontade própria.

Criando Deus o homem com vontade própria se expôs a alguns riscos. Um deles o de haver, portanto, a possibilidade de o homem não ter a vontade de se relacionar com Deus, ou, de algum modo, de o homem quebrar este relacionamento. Como poderia ser quebrado? Qual o sentido de se ter vontade própria se há apenas uma opção? Nenhum. Por isso, pensando nesta relação deliberada por parte do homem, Deus permitiu que em sua criação houvesse outra opção. Opção esta, que se o homem escolhesse, quebraria sua relação com Deus e que teriam sérias conseqüências, as quais Deus mesmo avisou de antemão.

Deciframos

assim,

alguns

aspectos

extremamente

importantes

da

composição do homem, seja ele humano ou não. No caso do primeiro homem já afirmamos anteriormente que de fato era humano. Aliás, o ser humano perfeito. Nele havia os elementos de qualquer homem, isto é, razão e inclinação; bem como, as implicações da imagem de Deus, ou seja, o cuidado ou cultivo da criação de Deus, bem como, o Jardim do Éden, especificamente; a responsabilidade deste cultivo; o relacionamento até então voluntário com Deus; entre outras implicações que abordaremos nos capítulos seguintes. Enfim, e, portanto, nunca é demais ressaltar que o ser criado por Deus era, de fato, humano.

36


3. A mutação

Até aqui vimos de onde nosso objeto de estudo teve sua origem. Lançamos as possibilidades e teorias até hoje supostas, no que diz respeito à origem do homem, mas concluímos que o mesmo veio a existir através da obra criadora sobrenatural de Deus. Assumindo assim como fundamento e alicerce forte para nossa reconstrução a teoria criacionista da vida do homem. Como conseqüência, derrubamos alicerces que em nosso ponto de vista colaboraram para um conceito já de uma longa data deturpado, isto é, o do ser humano. Não sem sentido, nos propomos a analisar de modo filosófico e teológico, nas devidas proporções, este ser que a priori adotamos ser criatura de Deus. Analisamos sua composição como homem em si, assim como, suas implicações por ser a imagem e/ou semelhança de Deus, crendo que esta segunda é que o torna de fato humano. No entanto, nos referimos, além disso, que este ser por causa do próprio projeto de Deus foi criado por Ele com vontade própria e que a qualquer momento poderia de alguma forma criar sérias complicações no projeto de Deus. Pois bem, é sobre isso que nos detemos neste instante.

Foi questionando alguns problemas do mundo atual que pudemos perceber que, novamente, a teologia não nos deixa sem resposta. Foi este um grande fator que nos levou corajosamente a adotar, sem medo de errar, que o homem foi criado verdadeiramente por Deus. Somente a teologia menciona um fator histórico que responde a toda e qualquer “revolta” do homem moderno. “Revolta” no sentido de buscar entender do porque de tantas guerras, injustiças sociais e, até mesmo, a falta de compaixão para com o próximo.

No capítulo anterior mencionamos que Deus fez o homem e este homem em si tinha vontade própria. Mesmo ele sendo, como falamos humano, poderia a qualquer momento escolher não se relacionar mais com Deus e assim dar espaço para uma mudança, ou melhor, transfiguração e mutação em seu ser primeiro, ou seja, ser humano. “Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o Senhor Deus tinha feito, disse à mulher: É assim que Deus disse: Não

37


comereis de toda árvore do jardim? Respondeu-lhe a mulher: Do fruto das árvores do jardim podemos comer, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais. Então, a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal. Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu. Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si. Quando ouviram a voz do Senhor Deus, que andava no jardim pela viração do dia, esconderam-se da presença do Senhor Deus, o homem e sua mulher, por entre as árvores do jardim. E chamou o Senhor 31 Deus ao homem e lhe perguntou: Onde estás”?

É necessário voltarmos um pouco para entendermos bem o que o texto acima está dizendo. Como mencionamos no capítulo anterior Deus criou o homem com vontade própria. Ora, logicamente só é possível dizer que alguém tem vontade própria se de fato em seu meio existem possibilidades. Tendo em vista, novamente, que no projeto de Deus estava o intuito de o homem se relacionar com ele de modo voluntário e deliberado nota-se que foi necessário a existência de possibilidades para o homem. Se imaginarmos um objeto de nosso cotidiano como um simples tênis, diga-se de passagem, criado por nós, perceberemos que ele não tem vontade própria, isto é, não há a possibilidade de não ser usado como calçado. Ele mesmo, por ser objeto e não ter em si vontade própria existi apenas para nos servir de calçado. Convenhamos se Deus nos tivesse feito sem vontade própria, isto é, como um objeto, não existiria a possibilidade de sequer relacionarmos com ele, mais do que isso, não haveria chance de não se relacionar e, sendo assim, Deus não veria seu projeto realizado porque ou nos relacionaríamos com ele por ser feitos deste modo sem qualquer outra opção, logo, sem vontade, ou nem nos relacionaríamos por ser simplesmente um objeto. Pensando nisto, podemos dizer que é justamente esta vontade própria que torna o homem, homem de fato! Agora, nunca é demais lembrar que isto ainda difere de o homem ser humano.

O relato bíblico mencionado narra o fator histórico que responde a questões do tipo: Porque há tanta maldade no mundo? Porque tanta desigualdade social? 31

GENESIS 3:1-9, RA.

38


Porque tanta infelicidade pessoal? Porque tanta irresponsabilidade para com a saúde? Enfim, todos estes questionamentos que parecem estar presentes dia após dia em nossas vidas.

Mencionamos anteriormente a questão da vontade própria com que o homem lhe dava quando foi criado no seu estado perfeito. Entretanto, o relato menciona o momento em que o homem utilizou-se desta vontade para sofrer a chamada e conhecida “queda da humanidade”. Ora, o próprio termo utilizado por todos os teólogos e filósofos nos remonta e nos alerta a algo, ou seja, a queda do humano no homem. Esta queda foi proporcionada por um elemento na composição do homem que mencionamos anteriormente como inclinação. O homem só é um animal distinto dos outros animais por ter em si a razão, pois bem, quando esta razão é deixada de lado o homem se torna mero animal irracional escolhendo sempre de acordo com suas inclinações. Ao escolher através de suas inclinações o homem está deixando de lado o humano que está dentro de si, ou seja, a imagem de Deus que é ou, pelo menos, deveria ser soberana as inclinações do homem. Esta não assimilação das inclinações por parte da razão é o que faz o homem deixar de lado a humanidade gerada pela imagem de Deus, ou, até mesmo, o que faz o homem deixar de ser humano. A “queda da humanidade” relatada nas Escrituras Sagradas é, de fato, o relato da mutação do ser, inicialmente, humano. Esta mutação ocorreu por via de duas influências principais.

3.1. Influência externa

No texto vemos claramente que num certo momento a tal serpente achegouse a mulher e nada mais fez se não questionar aquilo que Deus já os havia orientado, isto é, não comer da árvore que está no meio do jardim. Ora, isto nos deve remeter ao que acontece quando algumas questões que temos como certas são questionadas. Antes deste relato não há nenhum outro mencionando se Adão ou Eva estavam se perguntando do porque não comer do fruto daquela árvore. Sendo assim, poderíamos partir do pressuposto de que se não há narrativa alguma anterior neste sentido é porque de fato ambos nunca pensaram na possibilidade de comer tal fruto. Aliás, se até então só se relacionavam com Deus e Ele os orientou a não comer porque se o fizessem morreriam, logo, não haviam feito, até o diálogo 39


com a serpente. Outra questão a ser debatida, correlacionada ao que mencionamos, é se os dois sabiam de fato o que significava morte. Porque até então ninguém havia morrido, como então poderiam ter uma base para crer que, realmente isto acontecesse? Ora, isto implica algo extremamente coerente, biblicamente falando, com o relacionamento que Deus planejou ter com o homem, ou seja, a confiança do homem para com Deus deveria ser de tal modo que não fosse necessário para Deus explicar ao homem o que aconteceria (no caso morreriam) se eles não fizessem o que Deus lhes orientava. O projeto de Deus para o homem era que os mesmos se relacionassem com Ele voluntariamente e deliberadamente, ou seja, de uma forma real e sincera a tal ponto de Deus dar ao homem responsabilidade de cultivo do seu jardim e dar nomes aos animais, mas isto requer confiança plena. Não a espaço para dúvida. Entretanto, a influência externa por parte da serpente trouxe a tona uma dúvida, ou melhor, uma falta de confiança que até então não havia. Ora essa dúvida não é típica do humano, gerado pela imagem de Deus; mas sim, de uma parte da composição natural do homem, que chamamos de inclinações.

Neste emaranhado de acontecimentos uma pergunta um tanto óbvia seria: Porque Deus permitiu a aproximação da serpente já que sabia da composição natural do homem e, respectivamente, de sua vontade própria? Mais uma vez a resposta é única: porque Deus fez o homem para que o mesmo se relacionasse com Ele de forma voluntária e isto não aconteceria se Deus não permitisse que questões normais da vida, como possibilidades diversas, não se aproximassem do homem.

Vale citar ainda alguns aspectos desta influência externa. Derek Kidner em seu comentário sobre o Gênesis menciona que a serpente (tentador) começa sua fala com a mulher com uma sugestão e não argumentos. Aludi um tom de incredulidade – “„É assim que Deus disse…? ‟ – e ao mesmo tempo perturbador e lisonjeiro; procurando afirmar a falsa idéia de que a palavra de Deus está sujeita ao nosso julgamento”.

32

Penso que todos sabem o que dúvidas podem gerar na mente

do homem e, consequentemente, como esses pensamentos provocados podem se tornar ações na maioria das vezes desprezíveis e intoleráveis.

32

KIDNER, Derek, Gênesis, Introdução e Comentário, São Paulo, 1979, Mundo Cristão, pág. 63.

40


Como o texto mesmo narra, realmente a serpente era sagaz e sabia onde poderia destruir o relacionamento até então pleno entre Deus e o homem, ou seja, pondo a palavra de Deus em dúvida. A serpente que já havia deturpado a fala de Deus ao homem continuou. “Eva é jeitosamente atraída, e, acrescentando: nem tocareis nele, corrige com exagero o erro, aumentando o rigor de Deus”.

33

Segundo

Kidner, a conversa chegou a tal ponto que a mulher acabou dando ouvidos a uma criatura em lugar do Criador, seguiu suas impressões pessoais contra as instruções recebidas, e estabeleceu para sua meta a auto-realização. 34 “Disse a serpente a mulher: Certamente não morrerão”!

35

Como vemos em

Gênesis 3:4 a serpente afirma categoricamente que ambos não morreriam se comessem do fruto, opondo-se inteiramente a Deus. Neste ponto, portanto, está a palavra da serpente contra a de Deus. Não só a serpente assumiu, diante da mulher, uma posição “igual” a Deus, como também, fez com que a mulher mesma questionasse a fala de Deus colocando-se assim no mesmo patamar. No entanto, o resultado, como vimos no parágrafo anterior, acabou sendo desastroso. Com a colaboração desta influencia externa por parte da serpente a mulher acabou tomando o fruto e comendo-o, bem como, fez o homem em seguida. “Assim o tentador lança sua crua afirmação contra a palavra e as obras de Deus, apresentando o amor como inveja, o serviço como servilismo e um mergulho suicida como um salto para a vida: „Tudo isto te darei… ‟; o esquema se repete nas tentações 36 de Cristo, e nas nossas.”

Afirmamos, sem medo de errar, que a influencia externa foi fundamental para queda do humano no homem, ou melhor, queda da humanidade. Pois, é no cotidiano de nossa vida que podemos perceber que sem a colaboração de aspectos exteriores não faríamos algumas coisas, isto é, não tomaríamos algumas atitudes que tomamos. Por isso, é imprescindível não levar em consideração esta influencia que não só alimentou e colaborou para a queda do homem como participou da mesma. É bom lembrarmos, teologicamente falando, que antes mesmo de o homem

33

Idem, pág. 63. Idem, pág. 64. 35 GENESIS 3:4, NVI. 36 KIDNER, Derek, Op. cit., pág. 64. 34

41


sofrer a queda já havia acontecido uma queda no mundo espiritual, mas não falaremos disso por não nos interessar neste instante, frisamos apenas para registrar que esta influencia foi essencial para que o homem caísse na tentação da serpente. Entretanto, não somente o homem sofreu esta influência externa como também uma influência interna que nos dedicaremos a meditar em seguida.

3.2. Influência interna

Inicialmente, podemos dizer que existi uma linha muito tênue entre as influencias mencionadas anteriormente, ou seja, externas, e as influencias que trataremos agora, isto é, internas. Mesmo assim, as identificamos como distintas.

A influencia interna que tratamos aqui está muito vinculado com o intelecto do homem ou, quem sabe, seu próprio senso filosófico do pensar. Embora, mencionamos que até a conversa com a serpente o homem, quem sabe, não tivesse pensado ou questionado a fala de Deus é possível que em seu inconsciente isto tivesse ocorrido, mas isto ainda não é um problema muito grande. O problema maior nada mais é o que acontece com qualquer homem até hoje. Basta uma palavra para questionarmos e analisarmos tal situação, e, quem sabe, nos enxergarmos em um alto nível. Ora, no instante em que a serpente questionou a palavra de Deus, o homem (Adão e Eva) naturalmente em seu inconsciente avaliou tal fala e pôs-se a analisar a fala de Deus. É importante entender neste momento que esta influencia interna nada mais é do que resultado da externa ocorrida anteriormente. Esta justamente foi a intenção da serpente. Gerar no homem uma dúvida tal que o fizesse confiar em suas inclinações e desconfiar, consequentemente, de Deus. Embora tudo isto e outros aspectos que poderíamos mencionar o grande fato neste ínterim que influenciou e muito qualquer atitude e decisão foi o verso 5 de Gênesis 3. “Deus sabe que, no dia em que dele comerem, seus olhos se abrirão, e vocês, como 37 Deus, serão conhecedores do bem e do mal”.

A grande influência interna que colaborou com a queda do homem não foi outra senão a grande tentação de ser como Deus. O orgulho e a soberba tomaram 37

GÊNESIS 3:5, NVI.

42


conta do homem. O anseio por se nivelar a Deus. Estar no lugar mais alto. Tudo, enfim, se resumo na busca de ser como Deus. Até nossos dias este anseio se faz presente, mesmo que mascarado e escondido, mas se faz presente.

Na história da humanidade grandes pensadores assumiram que não sabiam lidar com o poder. Após tê-lo ansiavam ter mais e a soberba tomava conta de sua mente. Imaginemos o fato, isto é, a possibilidade que a serpente lançou sobre o homem. A possibilidade de serem como Deus! Vimos num dos capítulos anteriores que até então o relacionamento que tinham com Deus era pleno, no entanto, nisto também se fazia presente o reconhecimento de que Deus de fato era o criador de todas as coisas. Imagine o homem ter a possibilidade, mesmo que em seu pensamento, de poder ser como Deus. Ora, de fato isto contribuiu e muito para a queda do homem. Hodge afirma que a “dúvida, a incredulidade e a soberba foram os princípios que conduziram ao fatal ato de desobediência”.

38

A mulher não só duvidou de Deus,

como também, acreditou na serpente (que afirmou que não morreriam) e, finalmente, desejou um conhecimento proibido. Berkhof, com outras palavras, menciona que “Adão se colocou em oposição a Deus, recusou-se a sujeitar a sua vontade a vontade de Deus de modo que Deus determinasse o curso de sua vida”.

39

Não obstante, afirma ainda algo

veementemente sério, profundo e complexo, isto é, que “Adão tentou ativamente tomar a coisa toda das mãos de Deus e determinar ele próprio o futuro”.

40

A

influência interna mesmo sendo de algum modo resultado do diálogo com a serpente não é menos importante e, do contrário, é o que torna realmente a queda como rebelião para com Deus. Não uma possível rebelião, mas a própria rebelião. Foi a ação do homem de pensar que poderia ser como Deus. A incredulidade e o orgulho do intelecto foram tão fortes que o fizeram (o homem) a ter satisfação ao comer do fruto.

38

HODGE, Charles, Teologia Sistemática, São Paulo, 2001, Hagnos, pág. 580. BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, São Paulo, 2004, Cultura Cristã, pág. 206. 40 Idem, pág. 206. 39

43


Vale a pena entrelaçar de modo coerente estas duas influências. Podemos afirmar sem medo de errar que Deus não foi o culpado pela queda do homem e muito menos a serpente, apesar de sua colaboração, a culpa de fato recai sobre o homem que agiu com sua vontade própria. Falamos sobre as suas inclinações a alguns momentos atrás e o homem resolveu agir com elas por duvidar do caráter e da fala de Deus, bem como, da orientação que Deus já havia promulgado. Interessante notar, portanto, que a atitude tomada pelo homem com a colaboração das influências externas e internas resultou aquilo que queremos denominar neste instante como bicho homem.

3.3. O bicho-homem

Neste tópico é possível sintetizarmos aquilo que será nosso debate posterior. Portanto, não nos cabe aprofundar neste momento, mas sim, trazer a olho nu o que de fato originou a queda do homem relatada nas Escrituras Sagradas.

De modo muito sucinto já falamos que a queda da humanidade representa um período, ou melhor, um momento e um ato de transfiguração ou, como intitulamos este capítulo, mutação do ser humano. Como o próprio termo propõe é a queda do humano no homem. A pergunta a se fazer é: O que esta transfiguração e/ou mutação resultou, ocasionou e gerou? Denominamos o ser posterior a queda como bicho homem e iremos mencionar o que isso quer dizer.

Já identificamos no desenrolar do assunto que o homem é humano quando em si está presente a imagem de Deus. Ora, a atitude adâmica foi uma rebelião para com esta imagem achando ser capaz de ser como ela, senão maior. Esta soberba e orgulho presentes em Adão sem dúvida já não se trata da imagem de Deus e nem de elementos humanos, ou seja, isto significa, em certo sentido, que a queda do humano no homem já havia ocorrido antes mesmo de sua atitude que, de certo modo, foi apenas o ato de assumir tal rebelião. Portanto, após a queda, com a ausência não só da imagem de Deus, mas também, de um relacionamento com o mesmo o humano em Adão se perdeu. Com isso, originou-se o que chamamos de bicho homem.

44


O humano e o bicho homem têm características completamente diferentes. São características distintas tanto no intelecto como na própria vida. Interessante analisarmos o quadro comparativo abaixo.

HUMANO Religião

-

Busca

BICHO HOMEM

ter

um - Acha-se capaz de viver

relacionamento. -

Busca

evangelho

sozinho.

viver de

o - Vive uma religião ou

Cristo uma religiosidade (outras

(cristianismo). Sociedade

-

Luta

religiões).

por

uma -

Luta

pela

sua

sociedade justa e pelo realização pessoal. seu bem.

- Oprime os mais fracos.

- Busca ajudar a quem precisa. Pensamento filosofia

e/ou Segue

uma

filosofia Segue

cristã.

uma

filosofia

materialista, narcisista e edonista.

O que vemos com o quadro acima são as distinções em três áreas diferentes, mas ambíguas ao mesmo tempo. O que acontece de fato é que a primeira mencionada definirá o resultado de outras atitudes subseqüentes, ou seja, dependendo da adoção feita no campo religioso por parte do homem isto afetará, ou melhor, influenciará diretamente seu comportamento diante da sociedade, bem como, seu pensamento e/ou filosofia de vida.

Ora, o bicho homem originou-se através da queda do homem (que já mencionamos) na atitude inicial de o homem imaginar-se sem Deus, pensando e sendo tentado a pensar em viver sem Ele. Em nosso quadro fica evidente a postura completamente distinta do humano e do bicho homem.

Certa vez Plutarco, um grande filósofo e pensador, afirmou que não basta existir; é preciso viver. É com razão que menciona o “existir” distinto do “viver”.

45


Vamos entender isto. O existir se encaixa perfeitamente com o bicho homem. Ser este que pensa apenas em si; não depende sequer de Deus; quem sabe de uma religião. Este ser é capaz de oprimir ao mais fraco para que sua realização pessoal encontre sucesso. Busca no material algo que satisfaça e dê sentido a sua existência, mas de fato não irá encontrar. Este ser… sim este: o bicho homem… nunca irá “viver”, apenas “existir”. Isto é certo! Pois alguém já disse ser impossível “viver” sem amar e/ou sem o amor. Ora quem pensa apenas em si não encontra tempo para outros, somente para amar a si mesmo. Se é que poderíamos definir o amor diríamos que amar nada mais é do que morrer em si para renascer no outro. Se não se “vive” sem amor e não se ama sem morrer em e para si torna-se impossível para o bicho homem “viver”. Portanto, a triste história do bicho homem é que ele sempre poderá “existir”, mas em sua existência nunca poderá “viver”. Diferente é o humano. Se por um lado o “existir” se encaixa perfeitamente com o bicho homem o “viver” se encaixa plenamente com o humano. Se não há a possibilidade de “viver” sem o amor o humano encontra no seu Deus isto que lhe poderia faltar. O humano depende de Deus e procura lutar por uma sociedade justa e pelo bem da mesma; não somente como também antes de tudo tenta e busca viver o evangelho de Cristo. Cristo que doou sua vida para que outras vidas pudessem “existir”, mas não apenas “existir” como também “viver” de fato. Enfim, é o humano que busca a Deus e tem Cristo em seu coração que não apenas “existi”, mas também, “viver” de fato. É ele, o humano que, com Cristo, aprende a amar morrendo para si para que outros possam viver, bem como, ele mesmo!

Finalmente, a mutação se dá na ausência do humano no homem, ou melhor, no instante em que isso ocorreu, isto é, na queda do homem influenciada e colaborada pelas influencias externas e internas originando assim o bicho homem.

46


4. Epidemia e Extinção.

Vale citar de modo sintético o que já abordamos até aqui para que tudo esteja sempre claro em sua mente. Primeiro, abordamos o aspecto da origem do homem, nosso objeto de estudo, e chegamos à conclusão que o mesmo foi, realmente, criado por Deus, ou seja, o homem não é mero animal aperfeiçoado. Segundo, e com este pressuposto anterior, buscamos explicar de modo panorâmico a composição do ser criado por Deus. Concluímos que ele (o homem) foi feito perfeito por Deus e que de fato em seu estado original era humano. Porém, mesmo humano e perfeito em sua composição havia elementos que qualquer homem possui em si, isto é, razão, inclinação e, consequentemente, vontade própria. Através de ceder a sua vontade própria a inclinação o homem desobedeceu a Deus e sofreu a queda. Enfim, e terceiro, com base nos dois itens já mencionados esta queda do homem ocasionou no ato aquilo que denominamos como a mutação do ser humano. A mutação e seu ato se deram por causa de influencias externas e internas que originaram o que chamamos posteriormente de bicho homem. Ora, sabendo disto podemos agora de maneira coerente identificar na sociedade em geral a presença e a ação do bicho homem e ver que de fato esta “epidemia” (da desumanização) tem infestado o mundo todo. Entretanto, contrapondo isto pretendemos também neste instante destacar e encontrar a presença e a ação do humano e nossa sociedade e/ou no mundo em geral. O que ficará evidente é que ser humano está na moda em nossos dias e que a extinção do mesmo só tende a aumentar. Vejamos, portanto, em que âmbitos se encontram espalhados a epidemia do bicho homem e onde são encontrados os extintos humanos.

4.1. Epidemia: Evidências Desumanizantes na Sociedade Brasileira.

É com grande tristeza que olhamos para a sociedade brasileira e percebemos a “olho nu” algumas evidências capazes de desumanizar o homem, isto é, retirar aquilo que havia de humano no homem.

A epidemia do bicho homem na realidade tem vários nomes e bem conhecidos em nossos dias e, principalmente, em nosso país miscigenado. Poderíamos inferir nisso a realidade do fenômeno religioso, ou melhor, a 47


religiosidade (especificamente) brasileira. Tratando-se disso não nos interessa delimitar se esta religiosidade desumanizadora é católica, evangélica ou de outra “seita” qualquer (se é que poderíamos falar assim). No que se refere ao fenômeno religioso tudo está no mesmo patamar, ou seja, a religiosidade não é desumanizante pelo fato de ser ou não de origem católica ou evangélica, mas ela mesma, a religiosidade é resultado ou puramente fato de um estigma desumano. Gedeon Alencar nos afirma em seu livro que “no Brasil, quem é seita e quem é igreja? Depende muito mais de quem está afirmando. Ou acusando”.

41

Neste sentido o que

há de real na afirmação de que “esta religião é bíblica e cristã ou não” sendo que cada um defende a sua, por assim dizer, lei, regra ou norma de religião! Com isso, entendemos que a religião, neste sentido, se torna um agente desumanizador da sociedade e do mundo. É interessante notar que numa perspectiva iluminista as “religiões mundiais”, ou melhor, as “religiões vistas” são de alguma maneira, deturpações da “religião inicial”, natural e originária. Neste caso, mais uma vez, se tornam agente desumanizador do indivíduo e da sociedade. Neste ponto, afirmamos (sem medo) que as “religiões vistas” são o mal de nosso século ou, como temos intitulado: a epidemia presente em meio a nossa sociedade brasileira. Nunca é demais relembrar que tal epidemia desumaniza o homem. Portanto, o que veremos a seguir é que a religião, diferentemente da “religião inicial” (ponto este que diferenciamos na introdução), não está preocupada em ser agente de transformação para uma sociedade melhor (intenção da religião inicial), mas sim, deturpou-se de tal maneira a colaborar para a desfiguração natural originária do próprio homem, isto é, a mutação do homem, ou melhor, a desumanização do mesmo.

A. Ludwig Feuerbach. Num contexto europeu onde a “tese que ganhou ampla aceitação alegava que as diversas religiões não passavam de meras invenções concebidas por 41

ALENCAR, Gedeon, Protestantismo Tupiniquim: Hipóteses Sobre A (Não) Contribuição Evangélica À Cultura Brasileira, São Paulo, 2005, Arte editorial, pág. 22.

48


sacerdotes… cuja motivação era a preservação de… e status social”,

42

Ludwig

Feuerbach traz em sua tese novas possibilidades de aceitação aos que já estavam cansados e esgotados com a situação religiosa da Europa. A tese de Feuerbach era nada mais que: “… os seres humanos eram os responsáveis pela criação de suas divindades e religiões, que por sua vez incorporavam as concepções idealizadas de suas aspirações, necessidades e medos humanos”.

43

Ora, posteriormente essas implicações remetem a precipitação,

por parte de Feuerbach, em de alguma forma generalizar as, digamos assim, agências religiosas e consequentemente desprezar a Deus bem como sua verdadeira existência. Entretanto, algo de valor pode ser visto em sua tese e obra, isto é, que no contexto religioso brasileiro de fato é visível a elaboração de certo deus e consequentemente algumas convenções com respeito a regras e normas formuladas somente e simplesmente pelos “sacerdotes” para promulgar as pessoas certo rito; certo “lugar de refrigério”; certa crença; mas que em suas motivações estão as dissimuladas tendências e procura por domínio social e intelectual. Este fenômeno de certa maneira social por causa da fome e desejo por status por parte destes ditos “sacerdotes” colabora para (novamente) a desumanização do homem e sua sociedade.

É lógico que a obra de Feuerbach veio a calhar perfeitamente para aqueles que já estavam de algum modo protestando em relação a situação religiosa da Europa, mas embora isto, este fato pode sim ser perceptível também em pleno século XXI na sociedade brasileira. Entretanto, mesmo com esta colaboração digamos assim reflexivas é preciso alertar que se a religião pode ser fruto da imaginação do ser opostamente está o evangelho de Jesus, que não é mera religião, mas disso falaremos mais a frente.

Entretanto, com base em Feuerbach podemos afirmar que o motivo pelo qual a religião se torna um agente desumanizador da sociedade é que: Ela é, subjetivamente, mera invenção sacerdotal que tem o intuito de exercer domínio

42

MCGRATH, Alister E., Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica: Uma Introdução A Teologia Cristã, São Paulo, 2005, Shedd Publicações, pág. 605. 43 Idem, pág. 606.

49


sobre a sociedade e neste sentido não possibilita o homem ter opiniões próprias e tomar atitudes individuais, mesmo que essas sejam atitudes beneficentes para a sociedade como um todo. Feuerbach afirma que: “A religião é projeção das necessidades humanas, uma expressão do mais absoluto lamento da alma humana”. 44

B. Karl Marx.

Se Feuerbach entende a religião (que temos chamado aqui de antígeno e/ou a própria epidemia) como forma de objetivação do sentimento humano, diferentemente, mas similarmente Karl Marx a entende como fruto da alienação socioeconômica e, sendo assim, nos acompanha parcialmente em nossa afirmação de que a religião é agente desumanizador da sociedade.

Embora seja nítida a influência de Feuerbach no pensamento de Marx, sua tese fora superada. Marx afirma que: “o homem cria a religião; não é a religião que cria o homem…”

45

ou seja, a religião é fruto da alienação tanto no campo

econômico como social. No pensamento de Marx a religião não só é originada por causa da alienação como também cooperadora da mesma. É como se a ideologia criada e formulada posteriormente atingisse certo grau de autonomia e que agora ela é quem realiza e colabora para a alienação, no sentido de não ter base alguma, forças ou capacidade de tomar atitudes para mudar alguma coisa. Ela se torna desumanizante pelo fato de formar pessoas que aceitam e suportam a própria alienação econômica. Marx conclui que se essa alienação não existisse a religião seria desnecessária.

A teoria de Marx por não ser compreendida acabou sendo vulgarizada na história e, consequentemente, vivenciou-se a oposição entre igreja e marxismo. Para Marx a religião é expressão do mundo real e também protesto contra este mundo. Esta afirmação parece ser a mais vivificada no fenômeno religioso brasileiro. É interessante que o momento histórico em que o Brasil está evidencia claramente e infelizmente uma guerra de religiões. A pergunta a ser feita é: o que isto tem a 44 45

Idem, pág. 608. Idem, pág. 607.

50


somar para a sociedade? Basta olharmos para a influencia religiosa em meio a sociedade para respondermos que: a religião no Brasil nada tem somado para com a sociedade. Usando as palavras de Marx: No Brasil o que vemos é claramente a religião como expressão do mundo real.

A religião no Brasil é expressão do mundo real de modo muito óbvio. Vê-se no Brasil injustiça social; e nas igrejas brasileiras (representantes religiosos) este fato não é diferente. Transparente é no Brasil a luta pelo poder e status; e nas igrejas mais uma vez a realidade não é diferente. No Brasil o cidadão é valorizado ou desvalorizado pelo que tem ou deixa de ter; nas igrejas a realidade é idêntica.

Como um professor costuma falar: na ânsia de se elaborar uma teoria ou tese que venha responder e transformar de modo significativo a sociedade como um todo o risco que se corre é de jogar a água suja fora com o bebê junto. E neste mérito, se Marx agiu ou não desta forma, não quero entrar em discussão neste momento, mas que a religião de fato tem sido expressão do mundo real não se pode discutir.

É sempre bom lembrar: A ação religiosa de fato tem sido a ação do bicho homem, tem sido a postura de desumanizar o homem; tem sido o espalhar do antígeno desumanizador gerando assim a epidemia até então descontrolada de ser um agente desumanizador da sociedade.

Portanto, se houver a pergunta: Porque a religião é um evidente agente desumanizador da sociedade? Marx nos responde: Pelo fato da religião ser majoritariamente fruto da alienação socioeconômica!

C. Sigmund Freud.

Freud influenciado também pelos respectivos pensamentos de Feuerbach e Marx dá outra tonalidade em seu pensamento com respeito a religião, mas não sai da harmonia.

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Freud analisa os conceitos religiosos como: “Ilusões, a mera satisfação dos desejos mais primitivos, mais poderosos e mais prementes do ser humano”.

46

Como

psicanalista não tinha como enxergar no fenômeno religioso outra relação senão a de pai para com o filho. Freud fez isto de modo sucinto, mas profundo. Acredita que nada mais seria senão um retrocesso infantil na idade adulta por causa de algum trauma ou mau relacionamento na infância entre pai e filho. Se na infância tinha um pai que não se preocupava, agora na religião havia descoberto um pai todo amoroso; se não infância tinha um pai que não lhe dava nada, agora na religião havia conhecido um pai que queria lhe dar tudo do bom e do melhor. Mas as conseqüências também poderiam ser inversas, mesmo que com menos ocorrência, ou seja, se tinha um pai violento; imaginaria que na religião o pai também seria violenta e assim por diante.

Para entender a teoria de Freud com respeito a religião de modo mais claro basta indicarmos veementemente o ponto central de como ele vê a religião, ou seja: como satisfação dos desejos. Pensando no contexto religioso brasileiro vemos a quantidade de „religiões‟ presentes no país. Invariavelmente com regras diferentes; vestimentas diferentes; até mesmo, um modo de falar diferente. Convenhamos, existe hoje no Brasil religião pra todos os gostos e, assim sendo, cada qual irá escolher aquela que de alguma forma satisfaça seus desejos. Por isso, embora a teoria de Freud tenha sido e muito criticada e deturpada, nas medidas proporções faz sentido; e muito! O homem busca justamente em qualquer campo ou área da vida ou sociedade elementos que satisfaçam seus desejos e para Freud a religião nada mais é senão um agente na sociedade que manipula o ser para sua própria satisfação.

Como já defendemos em Feuerbach e Marx a não generalização de tais teorias o mesmo afirmamos aqui. Não se pode generalizar e dizer que toda igreja (instituição representante de religião) seja um órgão formado para manipular e satisfazer os desejos do homem, mas também, não se pode menosprezar tal teoria, as duas anteriores que já vimos e agora a de Freud, dizendo que tudo não passa de falsas interpretações ou falsas teorias a respeito da realidade, porque de fato não

46

Idem, pág. 608.

52


são. Sem generalizar podemos dizer até aqui que tanto o que já mencionamos a respeito dos pensamentos de Feuerbach; Marx e agora Freud estão sumariamente corretos com respeito ao fenômeno religioso.

Como fizemos com os outros dois pensadores, podemos agora em Freud inferir a mesma pergunta: Porque a religião é um agente desumanizador da sociedade, em nosso caso – sociedade brasileira? Freud argumenta: pelo fato da religião, na maioria dos casos, não passar da criação da mente das pessoas para a satisfação de seus respectivos desejos não realizados na infância.

D. Émile Durkheim.

Numa visão um tanto que panorâmica a respeito do pensamento de Durkheim com relação a religião parece ficar visível aos olhos sua defesa para a permanência da religião em meio a sociedade, pensando ser a mesma “boa”. “A religião não é somente um sistema de idéias, é antes de tudo um sistema de forças. O homem que vive religiosamente não é somente o homem que se representa o mundo de tal ou tal maneira, que sabe que outros ignoram; é antes de tudo um homem que experimenta um poder que não se conhece na vida comum, que não sente em si mesmo quando não se encontra em estado religioso”. 47

A importância que Durkheim dá a religião é muito efetiva. Em seu pensamento esta justamente a idéia de que com a religião o homem vive de fato melhor. Não enxerga a religião somente como algo alienador, mas sim, como uma fonte onde pessoas possam encontrar um sentido para a vida e assim, quem sabe, fazer uma sociedade melhor, ou como ele prefere uma vida coletiva melhor. Porém, o que é visível neste pensamento, mesmo que aparentemente coerente (e de fato é) é que é uma linha bastante aproximada com o pensamento de Max Weber. Weber em um de seus ensaios destaca três protagonistas da religião, isto é, três agentes religiosos que são: o profeta, o sacerdote e o feiticeiro. No entanto, a postura de Durkhein parece ser a idéia do sacerdote – de manter uma continuidade 47

ALENCAR, Gedeon, Apostila Sociologia da Religião, FLAM, 1° Semestre, 2007.

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comportamental para que assim se estabeleça uma sociedade eficiente, porém, parece-nos que ao longo da história isso já não funcionou, ao contrário, colaborou para que na religião também existisse, de certa maneira, uma burocracia, por assim dizer, religiosa.

Não que o pensamento de Durkheim seja completamente inaceitável, pelo contrário, é coerente com aquilo que acontece na relação entre religião (rito) e sociedade. De fato, a religião pode sim proporcionar ao ser uma mudança de pensamento e assim torná-lo um ser melhor, mesmo que este ser mesmo não mude nada a sociedade. Porém, parece que Durkheim segue por um caminho que não deixa margem para uma defesa em relação a religião, mas ele mesmo tenta fazer isso. A conotação de a religião ser algo bom para a sociedade não cabe neste ensaio de Durkheim.

É possível concordar plenamente que a religião em si provoca no indivíduo alguma mudança, talvez por causa até mesmo dos ritos propostos, no entanto dizer que isso é bom para a sociedade é um tanto perecível. O pensamento de Durkheim nos ajuda a esclarecer mais ainda a idéia que já temos mencionado, isto é, de que a religião

promove

uma

ação desumanizadora

na

sociedade.

Concordamos

plenamente com o pensamento de Durkhein, exceto em seu juízo de valor quanto a isto, ou seja, pensamos ser coerente a tese de que a religião seja de alguma maneira um agente que dite regras em meio a sociedade, mas não vemos algo positivo neste poder emergente dado a religião. Principalmente não é possível ver isto como bom pelo fato de, como já falamos, historicamente a religião não proporcionar (sem generalizar) mudanças significativas e objetivamente boas para a sociedade. Portanto, cabe a nós julgar tudo o que vemos hoje na sociedade (especificamente) brasileira para concluirmos que de fato tudo o que há surgiu ou é resultado de atitudes e caminhos seguidos há séculos atrás.

Visando a história do Brasil fica claro para nós a (não) colaboração da religião para a sociedade brasileira, pois se utilizou do poder para enriquecer; utilizou-se do poder para escravizar; utilizou-se do poder para manipular e não deixar espaço para outro domínio; no entanto, a violência não era menor, a injustiça não era menor, a desvalorização do negro e do pobre não era menor. Por isso, novamente com a 54


ajuda do pensamento de Durkheim, mas com outro enfoque, o resultado é o mesmo: A religião é a epidemia difícil de ser eliminada de nosso país. Não só isso como também é o mecanismo que desumaniza o homem; retira o que há de humano no homem para torná-lo um bicho, isto é, o bicho homem.

E. Karl Barth e Dietrich Bonhoeffer.

Outra perspectiva interessante em relação a religião tem suas origens no cristianismo, principalmente na teologia dialética de Karl Barth. Na teologia dialética de Barth a religião nada mais é senão, como nos auxilia McGrath, “construção exclusivamente humana, em geral um ato de desafio diante de Deus”.

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Quanto a

religião ser construção humana Barth assume a postura dos outros pensadores já citados nos tópicos anteriores, no entanto, é importante perceber que através de Barth a idéia surge de origem cristã. “A religião é vista como uma busca aos céus, a atitude por meio da qual a humanidade procura por Deus”.

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Barth, através de sua formação que se deu no protestantismo liberal alemão, sintetizou de modo coerente que a religião (criada pelo homem) não passava de uma torre de babel. Num contexto onde a cultura do protestantismo dominante daquele período dava total ênfase e importância a uma religiosidade humana Barth tenta de alguma forma ilustrar ou exemplificar que isso não era a proposta original de Deus. Com isso, uni-se perfeitamente aos pensamentos e teorias formuladas por Feuerbach e Marx quando os mesmos criticam a invenção da religião pelo homem.

Portanto, é possível resumir o pensamento de Barth em relação a religião no seguinte prisma: a religião como criação humana em contraste com a revelação de Deus.

Não todos, mas a maioria destes pensadores que criticaram a religião ou, pelo menos, a questionaram em algum momento; de fato, nunca criticaram o que poderíamos chamar de “religião inicial”, ou seja: a revelação de Deus; seu Filho, o Cristo e sua obra na cruz. No máximo alguns nem cogitavam ou nem acreditavam 48 49

MCGRATH, Alister E., Op. citi, São Paulo, 2005, Shedd Publicações, pág. 609. Idem, pág. 609.

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em tal crença. Porém, mesmo os adeptos de tal crença, ou melhor, os próprios cristãos criticam ou já criticaram a religião. Ora, nunca criticaram a “religião inicial”, mas sim, a que acabou sendo distorcida e/ou incorporada na sociedade, se tornando assim mera instituição. O momento histórico que Barth vivenciou, assim como outros pensadores críticos da religião vivenciaram, é exemplo claro e categórico desta institucionalização da própria religião. E a critica está justamente neste fato. “Barth vê o fenômeno da religião como algo cuja atuação no cristianismo ocorre da mesma forma como em outras áreas: os valores culturais são impostos ao evangelho e acabam por se confundir com ele. A grande preocupação que ele tinha em relação a esse fato devia-se principalmente a luta da igreja alemã da década de 1930, que sofrera, conforme Barth acreditava, um processo de 50 incorporação dos ideais alemães a fé cristã”.

Assim, a religião passa a ser mera instituição social, ou como nossos pensadores já afirmaram construção e criação do homem. Sendo assim, poderíamos afirmar que dependendo dos valores adquiridos pela sociedade em geral isso irá dissimular majoritariamente nos valores que a religião irá assumir; e, neste sentido, a religião se torna mera projeção das necessidades humanas, como já vimos em Feuerbach; se torna mero agente alienador, como nota-se em Marx; se torna mero mecanismo para satisfação dos desejos do ser, como vimos em Freud; e, consequentemente, conclui-se que a religião não passa de invenção humana, como alude Barth; e, por isso, é indigna de crédito.

Novamente, a religião não passa de um agente desumanizador e as evidências disso são notórias na sociedade brasileira, onde o número daqueles que se dizem zelar pelos direitos humanos; dignidade humana; justiça social; uma correta distribuição de renda; só aumentam, mas a mazela para o povo brasileiro continua, ou seja: a religião no Brasil em nada colabora para transformação da sociedade. A religião é epidemia evidente!

Mesmo assim, Dietrich Bonhoeffer pensava um pouco diferente em relação a Barth.

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Idem, pág. 610.

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“Em 5 de abril de 1943, Bonhoeffer foi preso pelo Gestapo, acusado de envolvimento em uma conspiração contra Adolf Hitler. Nos dezoito meses que passou no presídio Tegel, em Berlim, ele escreveu sua famosa obra Cartas e ensaios da prisão, na qual ele reflete sobre a questão da identidade de Jesus Cristo em um mundo emancipado, em um tempo completamente destituído de religião. Ele defendia de forma apaixonada a idéia 51 de um cristianismo sem religião”.

A defesa de Bonhoeffer no que se refere ao “cristianismo sem religião” significa defender a fé que se fundamenta na auto-revelação de Deus em Cristo. Acreditava que o Cristo crucificado representava um paradigma bastante apropriado de Deus para um mundo moderno, pois mostrava um Deus que admitia ser expulso do mundo e pregado na cruz. O mesmo problema que Barth enfrentou em sua expressão “abolição da religião”, Bonhoeffer encontra em seu termo “cristianismo sem religião”. Alguns interpretaram esta expressão alegando o fim de qualquer vida cristã comunitária e o rompimento com as tradicionais idéias cristãs. No entanto, nunca foi o que Bonhoeffer de fato afirmou. Pelo contrário, defendeu que a vida que Cristo levou deveria ser exemplo para a sociedade de homens e que esta vida não era mera religião, ou seja, não era mera invenção ou instituição de homens. Portanto, assim como outros pensadores, Bonhoeffer nos ajuda a esclarecer e fundamentar nossa afirmação que: a religião de fato é um agente desumanizador! Pois deturpada da “religião inicial” tornou-se mera instituição preocupada mais com certo status aristocrático do que outra coisa!

F. A religião como epidemia.

Até aqui, neste capítulo, citamos diversos pensamentos de vários estudiosos a respeito da religião para podermos agora, de modo eficaz, afirmarmos com propriedade que a religião, ou melhor, a mera religião não passa de uma epidemia. É bom lembrar que toda e qualquer epidemia tem caráter transitório e ataca

51

Idem, pág. 611.

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simultaneamente grandes números de indivíduos numa determinada localidade. Ora, não é isso que vemos no fenômeno religioso brasileiro?

Esta epidemia atinge todos os meios e contextos que conhecemos e por si mesma consegue dominar e domesticar todo e qualquer indivíduo, mesmo sendo ele (anteriormente) humano. Não sem motivo temos afirmado nos tópicos anteriores que a religião, assim sendo, é um excessivo agente desumanizador da sociedade, ou seja: ao dominar e domesticar todo e qualquer indivíduo, mesmo sendo ele humano, consegue veementemente arrancar aquilo que há de humano no homem tornando-o bicho homem capaz apenas de alienar-se perante a sociedade. O humano transformado pela religião em bicho homem não faz outra coisa senão viver religiosamente correto, ou seja, faz algo aqui e ali se achando grande ser diante de Deus e dos homens. Como se não bastasse, a religião o faz criador de um deus em sua mente para que este realize seus desejos e o faça sentir-se um grande ser em meio à sociedade. O que se pode perceber é que no momento histórico em que vivemos esta epidemia é pouco combatida; Isto quando há tal interesse!

Pensando nisto, é importante destacarmos aqui o que a epidemia gera na sociedade para então ser compreendido de modo mais claro a afirmação: a religião como epidemia! Ou então: a religião como agente desumanizador da sociedade!

Ariovaldo Ramos em uma de suas análises comparativa entre igreja e cidade ou sociedade nos remete algo de muito valor. Assume que para entendermos a sociedade é necessário entender um elemento fundamentalmente presente neste contexto, isto é, a “fome”. Segundo ele, este elemento proporciona uma melhor compreensão da realidade da sociedade atual. Por isso, em sua obra destaca três aspectos sumariamente importantes no que se refere a “fome”. Primeiro, o aspecto fisiológico da “fome”: que nada mais é senão a procura explícita por alimento. Nisto vê-se problemas como a seca, a miséria, a falta de emprego, etc., problemas estes que levam as pessoas a uma (apenas) busca por sobrevivência em meio à sociedade. Segundo, o aspecto social da “fome”: caracterizado pelo desejo de mudar de status, isto é, melhorar seu nível social. Isto ocorre pelo fato de que filho de fazendeiro, fazendeiro deve ser; filho de comerciante, comerciante deve ser; ou seja, há pouca possibilidade de mudança social em seu mundo de origem, por isso, 58


busca na sociedade elevar de alguma forma seu status. E, terceiro, o aspecto existencial da “fome”: talvez o mais complicado em nossos dias. Neste há o desejo de ver grandes sonhos realizados e, para isso, está disposto a fazer qualquer coisa. 52

Vale a pena entender o que isso tem haver com nossa proposição. Entendendo estes três aspectos da “fome” podemos afirmar que tal elemento

está presente a priori em qualquer indivíduo. No entanto, como se origina isto e o resultado posterior é o que podemos identificar como sendo responsabilidade (possivelmente) do fenômeno religioso emergente. A religião atual encoraja o ser a buscar “vitória”, “conquista” e ser “próspero” em tudo o que faz. Ora, neste sentido é correto afirmar que a “fome” do indivíduo nunca irá diminuir sendo que a religião colabora em reabastecer a luta pelos seus próprios ideais.

Logicamente qualquer um pode concluir que na realidade individualista vivente não há a possibilidade de todo indivíduo conquistar seus ideais e atingir suas metas e sonhos, até porque isso implica direta ou indiretamente na perda por parte de alguém. Assim sendo, para os que não satisfazem sua fome, seja ela fisiológica social ou existencial, o resultado será de três realidades fundamentais: Primeiro, a realidade da competição: que ocorre pela falta de possibilidades para muita gente faminta; Segundo, a realidade da solidão: onde após a competição ninguém é amigo de ninguém, mesmo havendo milhões de pessoas ao redor umas das outras; Terceiro, a realidade da relação meramente econômico-financeira: ocorre quando a pessoa é valorizada pelo que tem e não pelo que é. 53

Essas três realidades são vigentes não num mundo humano, mas sim, num mundo onde é predominante a presença do bicho homem. Por isso, é importante olharmos no contexto brasileiro que tipo de indivíduo há dentro das igrejas, sejam elas evangélicas ou não; que tipo de indivíduo freqüenta qualquer que seja tipos de ritos religiosos e/ou seitas, como algumas classes de religiosos irão chamar. Ora, seja onde for o que será visto é a realidade da competição, pessoas se sentido só e

52

RAMOS, Ariovaldo, Veja Sua Cidade Com Outros Olhos: Ação da Igreja na Cidade, São Paulo, 1995, Sepal, pág. 5. 53 Idem, pág. 5.

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pessoas valorizando umas e outras pelo que tem e não pelo que é. Infelizmente a própria religião colabora para com isso agindo e existindo alienada da sociedade.

A religião como epidemia é uma verdade inegável em pleno século XXI. Mas vale destacar que esta realidade não é de hoje. Com razão em 1951 a Sociedade Internacional de Estudantes da Bíblia (International Bible Students Association) produziu uma obra intitulada como: “Que tem feito a religião pela humanidade”? Com razão também dedicaram a obra para todas as pessoas de boa vontade de qualquer raça ou nação, pela exposição da falsa religião e a vindicação da verdadeira! Ora, já havia sem dúvida certa angústia pela não colaboração religiosa ao longo dos anos. De fato, há séculos esta epidemia vem se alastrando e hoje a dificuldade é de, como alguém já disse: separar o trigo do joio.

Entretanto, podemos indicar de modo seguro que, mesmo existindo vários fatores que colaboram para uma desumanização da sociedade, a religião é o agente e instrumento que proporciona tais fatores se desenvolverem. Sendo assim, se torna indigna de um juízo de valor favorável, ou seja, não possibilita ser conotada como boa. Portanto, a religião pode ser vista como fonte e matriz de todos os fatores desumanizantes visíveis na sociedade. Cabe a nós explicar dois principais estágios que nos fundamentam fazer tal afirmação, são eles: secularização e legitimação. Vamos utilizar o termo secularização como “processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos a dominação das instituições e símbolos religiosos”.

54

É neste sentido e pensamento que começamos, finalmente, a

reconhecer de modo (agora) simples e claro a afirmação de que: a religião é fonte exemplar para qualquer fator desumanizante posterior.

Exemplos bem expressivos do processo de secularização são: a separação de igreja e estado; expropriação das terras da igreja; ou emancipação do poder eclesiástico. É interessante notar que como há uma secularização da sociedade e da cultura também há uma secularização da consciência. Isto implica, no entanto, principalmente no contexto ocidental, que a secularização tem colaborado para uma 54

BERGER, Peter L., O Dossel Sagrado: Elementos Para Uma Teologia Sociológica da Religião, São Paulo, 2003, Paulus, pág. 119.

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produção numerosa de “indivíduos que encaram o mundo e suas próprias vidas sem o recurso às interpretações religiosas”.

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Isso ocorre principalmente pelo fenômeno

produzido pela secularização conhecido como: pluralismo.

A secularização da consciência, mencionada no parágrafo anterior, nada mais é senão este fenômeno do pluralismo. Tal fenômeno indica característica fundamental da secularização, ou seja: que a secularização bem como a situação pluralista “não se limitam aos aspectos socioestruturais da religião, eles afetam também os conteúdos religiosos, isto é, o produto das agências religiosas de mercado”.

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Sendo assim, através da permissividade da religião de se secularizar

(diferente da “religião inicial” que não permiti espaço para tal acontecimento) aderindo ao pluralismo e, conseqüentemente, (re) negociando seus valores torna-se não só mero agente desumanizador, mas também, fonte criadora para os demais fatores desumanizantes da sociedade.

Visto a secularização, podemos compreender o segundo estágio pelo qual passa a religião e que permiti defini-la como matriz de todo e qualquer fator desumanizante da sociedade. Dizemos assim da legitimação. “Por legitimação se entende o saber socialmente objetivado que serve para explicar e justificar a ordem social; em outras palavras, as legitimações são as respostas a quaisquer perguntas sobre o porquê dos dispositivos institucionais. Elas 57 podem ser de caráter cognoscitivo e normativo”.

É interessante notar que “a religião legitima as instituições infundindo-lhes um status ontológico de validade suprema, isto é, situando-as num quadro de referência sagrado e cósmico”.

58

Ora, neste sentido, é evidente que a religião nada mais faz

senão legalizar seu próprio processo secularizante anterior. A legitimação assim é apenas a aceitação, assimilação, normatização e adoção de resultados do processo secularizante. Diga-se de passagem, muito mais haver com certa burocracia institucional, embora a religião, como mencionamos, procura justificar certas ações

55

Idem, pág. 120. Idem, pág. 156. 57 Idem, pág. 42. 58 Idem, pág. 46. 56

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como sendo divinas e sagradas. Enfim, a legitimação é a ação utilizada pela e na própria religião que busca justificar de modo “santo” o processo da secularização, ocorrido anteriormente.

Portanto, através destes dois estágios vivenciados pela religião e vale lembrar: não ocorrido na “religião inicial”; afirmamos, novamente, que a religião é: fonte e matriz de todos os fatores desumanizantes presentes na sociedade. Estes dois estágios não só alertam a isso, como também, reafirmam toda análise feita anteriormente a respeito da religião como epidemia com base em: Feuerbach, Marx, Freud, Durkheim, Barth e Bonhoeffer. Entretanto, especificado a epidemia emergente no mundo e, principalmente, na sociedade brasileira podemos agora apresentar as evidências da extinção dos humanos no mundo e no Brasil.

4.2. Extinção: Evidências Humanizantes no Mundo e no Brasil.

Como vimos anteriormente a então epidemia (religião) não nos deixa dúvida de que majoritariamente a sociedade está infectada por tal vírus e que o mesmo resulta sérios problemas a serem resolvidos, diz-se sobre: injustiça social; má distribuição de renda; preconceitos raciais e/ou sociais; uma vida indigna; doenças psico-somáticas (muito presente em nossos dias); saúde em geral; etc. Porém, felizmente no meio deste caos epidêmico podemos destacar no mundo e no Brasil os humanos estão extintos, isto é, de modo muito raro eles existem e tem colaborado para um mundo melhor. Vale, portanto, destacar neste momento as evidências humanizantes presente no mundo bem como no Brasil.

A. Martin Luther King. “Não há nada mais trágico neste mundo do que saber o que é certo e não fazê-lo. Não posso ficar no meio de todas essas maldades sem tomar uma atitude”. 59

Esta frase reflete bem e resume de modo seguro a vida de Martin Luther King Jr.,

um dos homens mais lembrados na história da humanidade. É pensando na vida que este homem levou que abordaremos neste instante a extinção dos humanos. 59

SHUKER, Nancy, Os Grandes Líderes: Marthin Luther King, São Paulo, 1987, Nova Cultural, pág. 7.

62


Em 15 de janeiro de 1929 nascia Martin Luther King Jr., em Atlanta, na Geórgia. Nestes meados dos anos 30 os negros do sul dos Estados Unidos eram obrigados a conviver com a humilhação das leis segregacionistas então em vigor. De acordo com tais leis os negros só podiam sentar em lugares especiais na parte de trás do ônibus e bondes. E, se a parte da frente estivesse lotada, tinham de ceder seus lugares para que os brancos não ficassem em pé,

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mas não era só isso. Em

todas as áreas da sociedade americana havia divisões entre negros e brancos. Existiam salas de espera para negros e salas de espera para brancos; lavatórios para negros e lavatórios para brancos; bebedouros para negros e bebedouros para brancos. Nesta realidade crescia Martin Luther King Jr.

Estes são (apenas) alguns poucos exemplos do que acontecia na época. Neste ínterim a preocupação dos pais negros estava em proteger a dignidade e auto-estima de seus filhos. Os pais de Martin Luther King Jr. para evitar tais humilhações decidiram nunca utilizar o sistema de transporte público. Isso só foi possível pelo fato da família King ser próspera o suficiente para possuir um carro e uma casa a três quarteirões da igreja em que seu pai e seu avô foram pastores.

Nesta época onde o pequeno Martin era apenas uma criança ainda o sofrimento esmagador quem sofria era seus pais. O pai de Martin era filho de um meeiro (trabalhador rural pobre que cultiva a terra de outro, com quem divide o resultado da colheita), ele vira seu pai (avô do pequeno Martim) ser enganado e humilhado por brancos. Viu-o bater na esposa, depois de tentar afogar a raiva e a frustração no álcool. Também viu um negro ser condenado sem julgamento e, em seguida, linchado, simplesmente porque os brancos o achavam presunçoso. Saiu de casa aos 15 anos e dirigiu-se a Atlanta a pé, com seu único par de sapatos pendurado no ombro. E assim, em seguida, batalhou muito para dar uma vida mais digna a sua futuramente família.

Após alguns anos King (pai) já havia formado sua família e dado, com muita luta, uma bela vida, na medida do possível. Martin Luther King Jr. quando

60

Idem, pág. 15.

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adolescente foi um aluno brilhante. Sempre manteve boas notas. Gostava muito de história, inglês e música. No segundo grau, era um rapaz bastante ativo tanto intelectual quanto socialmente. No entanto, antes mesmo do pequeno Martim ir para escola foi informado do problema entre negros e brancos. Isso ocorreu pelo fato de ter um amigo branco. Na época não havia colégios para brancos e negros estudarem juntos. Por isso, antes do momento de entrar na escola o então amigo de Martim lhe chegou dizendo com muita tristeza que não podiam mais ser amigos e nem brincar juntos pelo fato de Martim ser negro e, por isso, terem que estudar em colégios diferente. Quando isto ocorreu o pequeno Martim na mesa do jantar contou aos pais o que havia acontecido. Mesmo Martim sendo pequeno os pais não responderam e explicaram ao menino de outra maneira senão falando sobre todas as humilhações e injustiças que tinham que suportar. Embora isso, fizeram questão de dizer a Martim o seguinte: “Jamais pense que você é menos do que qualquer outra pessoa; Lembre-se, sempre, de que você é alguém”. Ao ouvir o que os pais lhe contaram Martim ficou chocado e decidiu então odiar os brancos.

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É importante notar que crescendo num meio de desigualdade racial Martim começava a ser alimentado e desafiado a fazer alguma coisa que mudasse tal situação. E assim aconteceu. Martim acabou se tornando no futuro um grande revolucionário desta causa. É bom dizer que já tinha tido um exemplo desta luta em casa pelo fato de seu pai ser também um grande defensor dos direitos dos negros. Não cabe a nós mencionar todos os detalhes da vida de Martim Luther King Jr., mas entendermos em que época nasceu e em que realidade que cresceu, pois isto já basta para analisarmos sua vida e atitude.

Com base nisso podemos compreender o motivo pelo qual a grande causa de King foi lutar pelos direitos dos negros do Sul dos Estados Unidos. O problema principal da realidade dos anos 30 era o olhar desumano por parte dos brancos a respeito dos negros. É lógico que nunca se pode generalizar. No entanto, as leis daquele país defendiam tais prismas (contra os negros) o que nos leva a afirmar de modo óbvio que a maioria da população e, principalmente, a população dominante economicamente (os brancos) estavam de pleno acordo com tais leis. Ora, os

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Idem, pág. 19.

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negros não eram vistos de outra maneira senão como verdadeiros animais. Sem qualquer direito a uma vida digna. Por isso, é preciso destacar aqui que King nunca buscou defender que os negros eram melhores ou mais homens do que os brancos, não! Sua luta se resumia em lutar pelos direitos dos negros, direitos estes que os brancos já gozavam. Direito a uma vida digna.

Após sua adolescência e antes de se tornar o homem revolucionário que foi é importante destacar alguns pontos interessantes na história de Martin Luther King Jr. Logo aos 18 anos foi ordenado pastor pela Igreja Batista Ebenezer, Atlanta. Um ano mais tarde se formou no Morehouse College. Três anos depois (1951) tornou-se Bacharel em Teologia pelo seminário Crozer e, mesmo assim, ainda ingressou na Faculdade de Teologia de Boston. Em junho de 1953 casou com Coretta Scott, companheira que viveria muitas alegrias e lutas ao seu lado. Um ano após ter casado assumiu o lugar do pastor da Igreja Batista da Avenida Dexter, em Montgomery. Enfim, diante a tantos momentos marcantes e importantes na vida de King, existi um dia que foi imensamente especial para ele, trata-se do dia 28 de agosto de 1963. Todos estes momentos que citamos anteriormente são importantes, mas agosto de 1963 se tornou um marco na história de King. Neste dia ele anseia a possibilidade de seu sonho começar a ser realidade. Trata-se do passo inicial para uma verdadeira revolução que parecia impossível de acontecer.

King, antes de 1963, passou sete anos reivindicando os direitos dos negros do sul dos Estados Unidos. Foi preso mais de dez vezes devido a sua luta pelos negros. Mas embora isso, sempre acreditou que com a ajuda da mídia ele e seus companheiros de luta iriam atrair a atenção da opinião pública e conquistar, até mesmo, algum apoio da população branca. “O dia 28 de agosto de 1963 amanhecia quente e abafado. Da janela de seu quarto no Willard Hotel, em Washington, um homem troncudo, usando um fino bigode, assistia ao nascer do sol. Era um pastor negro da Geórgia, e passara a noite toda trabalhando num discurso, enquanto sua mulher dormia no quarto ao lado. Assim que o texto final ficara pronto, o pastor o havia despachado rapidamente para que pudesse ser datilografado e distribuído à imprensa. Aquele seria um dia importante para Martin Luther King Jr. – e para os Estados Unidos da América –, um dia no qual o

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reverendo esperava que houvesse um grande avanço 62 na sua luta por uma grande causa”.

A citação acima nos remete bem o que estava para acontecer em agosto de 1963. Neste dia King seria o último orador de um evento em frente ao Lincoln Memorial, um grande monumento construído em homenagem ao presidente que havia abolido há escravidão cem anos antes. “Estava programada também uma passeata organizada por A. Philip Randolph, um velho líder trabalhista negro; e outros membros da luta pelos direitos civis negros. Eles queriam mostrar ao congresso norte-americano que os projetos de lei sobre os direitos civis recém-apresentados contavam com amplo apoio popular, tanto de negros quanto de brancos. As propostas acabavam de ser enviadas ao 63 legislativo pelo presidente John F. Kennedy”.

Neste evento, os líderes da manifestação, esperavam em torno de 100 000 pessoas. King ao ligar a televisão para ver o andamento da manifestação se deparou com a imprensa afirmando que não havia mais que 25 000 pessoas no local. Entretanto, os líderes da manifestação afirmaram a King que o número de pessoas presentes estava perto de 90 000. “Os participantes iniciariam a marcha atrás da Casa Branca, cruzariam os grandes parques em volta do Washington Monument e terminariam a caminhada diante do Lincoln Memorial, onde começariam a música e os discursos”. 64 King e sua esposa se juntaram a multidão e se orgulharam do que viram, pois se tratava de um momento significativo para a história da humanidade. Viram seus compatriotas marchando com dignidade, bem como, os manifestantes cantando spirituals e avançando. Enfim, aquela marcha que se estimava em 100 000 pessoas já ultrapassavam os 250 000.

Quando King subiu ao palanque foi recebido através de aplausos por mais de 250 000 pessoas que estavam ali ansiosas para vê-lo e ouvi-lo. Em seu discurso não somente lembrou-se de Lincoln e da proclamação da emancipação, mas recordou que os negros ainda não estavam livres, pois estavam presos através da segregação e isolado pela pobreza, mesmo inseridos num país extremamente rico. 62

Idem, pág. 7. Idem, pág. 7. 64 Idem, pág. 10. 63

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A história de Martin Luther King Jr. nos faz enxergar o raro humano que pode ser visto na história do homem. Ele foi alguém que se dispôs a lutar por uma causa. Não uma causa particular, mas algo que era necessário para toda sociedade. Lutou pela dignidade dos negros, até então não vivenciada. Colocou-se em situações de risco não por sua própria causa, mas por uma causa de toda humanidade. A causa que é, ou deveria ser, do humano. King buscou retomar e demonstrar que os negros, assim como, os brancos mereciam uma vida digna. Pois só vive como humano quando se vive com dignidade. É importante mencionar que todo ser tem direito a uma vida digna, porque isso é princípio de ser humano. Todo homem tem direito a educação; direito a saúde; direito a caminhar com sua família em qualquer local, sendo ele público. Entretanto, a realidade dos anos 30 no sul dos Estados Unidos era de brancos poderosos oprimindo aos negros pobres e fracos. No meio disso tudo foi que se levantou uma voz humana, ou seja, um ser humano de fato para lutar pelos negros e seus direitos. “Após seu discurso e todo o evento ocorrido o então presidente Kennedy recebeu os líderes da marcha na Casa Branca, concordou que aquele fora um dia inesquecível e declarou que a proposta para nova legislação tinha seu apoio total, e que 65 certamente seria aprovada pelo congresso”.

De fato, com seu discurso, King não só arrancou lágrimas dos que ouviam como fez com que o então presidente Kennedy apóia-se veementemente a nova legislação. É claro que era um marco na história e apenas um começo do grande sonho de King. “Eu tenho um sonho: que um dia,… os filhos de ex-escravos e os filhos de ex-senhores de escravos possam se sentar juntos à mesa da fraternidade”. 66

Martin Luther King Jr. foi e é um exemplo raro de ser humano na nossa história. Com seu exemplo podemos destacar fundamentalmente um elemento que precisa necessariamente estar contido no conceito de humano, isto é: dignidade. Todo homem só pode de fato ser humano se em si existe dignidade. Isso não significa que o pobre não seja digno por não ter muitas posses ou condições a uma 65 66

Idem, pág. 11. Idem, pág. 11.

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vida melhor, não! Significa dizer que mesmo o pobre precisa entender que ele merece por direito a uma vida digna. O humano não é necessariamente aquele que tem dignidade em sua vida, no sentido de: uma educação digna, vestimenta e alimento digno, família digna; mas, principalmente, aquela que possui em sua razão que merece viver dignamente. Isto é: aquele que tem dignidade na sua vida, mas não se importa com os mesmos direitos que outro homem e mulher têm não pode (jamais) ser chamado humano; no entanto, aquele que não tem tal dignidade, mas a busca e luta pela dignidade de outros homens e mulheres de fato é humano.

Um antigo e errôneo conceito de humano baseava-se principalmente em diferenciar o homem dos animais denominando o homem como ser racional e, por isso, “humano”; e o animal como irracional e, por isso, desumano. Entretanto vejamos com óbvios olhares. O que há de racional no homem quando o mesmo não se importa com seu próximo e semelhante mesmo sabendo que tal ser possa, até mesmo, morrer da fome; ou, como acontece muitas vezes, se tornar um marginal pela má distribuição de renda que há no mundo inteiro? Muito mais coerente e racional seria distribuir corretamente a renda da nação para que não se multiplicassem a violência, na maioria das vezes por causa da corrupção política; a prostituição, já que sem dinheiro isso se tornou uma fonte de renda para mães solteiras; o tráfico de drogas, já que isso se tornou fonte de renda para meninos de rua que passam fome e até mesmo para universitários que não tem emprego para pagar sua faculdade. Ora, neste sentido, o humano e a atitude humana se definem na luta pelos direitos de qualquer pessoa, ou seja: direito a comida, direito a educação, direito a saúde, direito a moradia e etc. Portanto, quando esta luta e preocupação não se faz presente em determinadas pessoas elas não podem ser chamadas humanas, porque se fossem tanto humanas como racionais perceberiam que a injustiça para com o ser é o que provoca consequentemente a falta de segurança, num mundo onde os homens dominam; falta de comida; numa terra que proporciona alimento a todo ser; falta de lar, numa nação ou país com terras e terras desabitadas. Ora, não é humano não se interessar pelo direito a uma vida digna das pessoas, do contrário, isto é irracional, ilógico e desumano, isto é, ser mero animal irracional, ou: bicho homem.

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Martin Luther King Jr. é um exemplo de ser humano, pois lutou por uma vida digna mesmo quando não tinha, assim como, lutou pela dignidade dos outros, mesmo quando já a possuía.

James Baldwin, escritor negro, escrevendo sobre o que sentiu ao ouvir o discurso de King mencionou: “Naquele dia, por um momento, parecia que estávamos nas alturas e podíamos ver a nossa herança; talvez pudéssemos tornar o reino dos céus realidade, talvez a ansiada igualdade deixasse de ser 67 aquele sonho que sonhamos com agonia”.

B. Ronaldo Lidório.

Assim como aludimos Marthin Luther King Jr. como um exemplo de humano e de atitude humana não podemos deixar de lado outro homem que merece ser mencionado aqui, principalmente por ser um exemplo no cenário brasileiro, trata-se do pastor e missionário Ronaldo Lidório.

De modo bem mais breve de como fizemos com King queremos aqui também citar apenas alguns dados da vida de Lidório, pois o que importa neste instante é principalmente mencionar e aprofundar um pouco mais na causa que tem defendido na sua vida.

Lidório, como já mencionamos, é missionário presbiteriano (APMT) e, além disso, membro da missão AMEM o qual tem atuado no plantio de igrejas entre grupos não alcançados no Oeste Africano e na Amazônia Brasileira. É doutor em Antropologia Cultural e Missiologia.

Há pouco mais de 10 anos atrás Lidório deixou seu país e confortos para ir para o Oeste da África evangelizar a tribo dos Konkombas. Sua intenção e causa era unicamente de levar o evangelho do Cristo para aquele povo. Levar nada mais do que dignidade para aquelas pessoas. Pessoas que mereciam e tinham o direito assim como todas de conhecer o Jesus da bíblia. Os seis primeiros meses foram 67

Idem, pág. 11.

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utilizados apenas para mapear a área e, se possível, ao menos encontrar a tal tribo que sequer sabiam onde ficava. Nesta situação recebeu uma carta de um amigo pastor do Brasil perguntando a ele quantos Konkombas ele já havia convencido sobre o evangelho de Cristo. Na situação que tava resolveu responder educadamente que ainda não havia encontrado a tribo. Há mais de 20 tribos Konkombas, mas a tal tribo que ele tinha ido pra evangelizar ainda não tinha encontrado. Eles iriam trabalhar com a tribo Bimompeu que era uma das tribos mais isoladas dos Konkombas. Sendo assim, Lidório decidiu, junto com sua esposa e dois guias africanos, fazer uma expedição para encontrar a tal tribo. A única informação que tinham é que a tribo se localizava depois do rio Mola. Entretanto, também não sabiam nem onde ficava tal rio.

Após alguns dias de expedição a sua esposa se cansou e ficou em uma aldeia a qual tinham passado. Mais dois dias caminhando e os dois africanos que estavam com ele passaram mal do estômago e falaram que precisavam ficar em uma aldeia por perto para melhorar. O desânimo tomou conta do coração de Lidório e ele sabia que se ficasse ali na aldeia não seguiria adiante. Decidiu então deixar os guias africanos e andar por mais um dia. Ele começou a caminhar no outro dia bem sedo sozinho, era uma época de chuva, havia água por todo lugar naquela planície. Quando percebeu não podia sequer se mover, não havia possibilidade de continuar sua expedição. Na madrugada entediado começou a questionar a Deus com respeito a tudo o que estava acontecendo e passando. Em seus questionamentos expôs seu desânimo e mencionou que aquela seria a última noite que passaria naquele lugar. Então, de repente, ouviu um barulho. Quando olhou viu uma garça e ela saiu dali voando. Lidório continuou olhando para a ave e quando se deu conta viu a ave pousando na outra margem de certo rio. Naquela mesma margem havia outras tantas garças. E então lembrou que a tribo ficava após certo rio. Não se enganou. Estava em frente ao rio do qual tinham lhe dado à informação. Avançou para outra margem do rio e ali encontrou a tal tribo.

Onde aquela ave voou foram feitos anos mais tarde uma clínica; uma escola e a primeira igreja dos Konkombas. A intenção de Lidório não foi apenas de evangelizar aquele povo teoricamente, mas levar a eles dignidade da qual tinham direito. Direito a educação, a saúde e a conhecer o verdadeiro Deus. Sua atitude de 70


fato assim como a de Martim Luther King Jr. e outras personalidades são exemplos de ser humano no mundo e no Brasil. Pois, como já mencionamos no tópico anterior: o humano é aquele que além de lutar pela sua dignidade luta também pela dignidade dos outros. Não há humanidade em quem luta apenas por seus interesses desprezando com isso a dignidade dos outros. C. A “Religião Inicial” extinta.

As causas, lutas e atitudes humanas realizadas por Martin Luther King Jr. e Ronaldo Lidório são exemplos da “religião inicial”, a qual está em extinção. A “religião inicial” diferentemente da mera religião sempre se preocupou e defendeu a dignidade do ser, bem como, os seus direitos. A “religião inicial” não é outra senão a promulgada e esclarecida por Jesus Cristo. Poderíamos mencionar como clímax da “religião inicial” o cuidado e a preocupação para com qualquer pessoa, denotada nas Escrituras Sagradas como: Ame o próximo como a si mesmo! Ora, amar requer cuidado e preocupação com o próximo. Requer a luta por qualquer pessoa que tem sido de alguma maneira injustiçada e/ou tem sido humilhada e oprimida. Na “religião inicial” o grande exemplo disso é Jesus Cristo.

Jesus não só ensinava e declarava tal cuidado para com o próximo como exercia tal função. Lutou pela causa dos mais fracos em toda sua vida. Abandonou aspectos que poderiam ser de seu conforto para lutar pela causa dos humildes. Daqueles que como todos tinham direito as mesmas coisas que qualquer pessoa da sociedade. Jesus nasceu, cresceu e morreu para que todas as pessoas pudessem vir a se tornar humanas novamente. Ora, neste sentido é correto afirmar que esta “religião inicial” está (e muito) extinta em nossos dias.

Já que até aqui temos construído algo para que o conceito de humano seja de fato reconstruído vale dizer o que significa ser e não ser gente, ou melhor, ser e não ser humano a luz deste Cristo, que foi o humano por excelência. Vejamos então primeiramente o que a luz de Cristo não é ser humano.

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Não ser humano é o mesmo que ser bicho homem, termo que já usamos anteriormente, no entanto, é neste instante que precisamos aprofundar tal suposição. Para isso, ou seja, ficar claro o conceito do que é ser humano e do que é ser bicho homem utilizaremos dois textos das Sagradas Escrituras.

Em Êxodo 20:1-17 e Deuteronômio 5:1-21 encontramos o relato que denuncia quem o homem é quando não é humano, ou seja, define o bicho homem. Estes dois relatos mencionam de modo um pouco diferente a mesma coisa. Vamos adotar em nossa breve análise o texto de Êxodo. Alguns interpretam estes textos como a Lei de Deus, como regras as quais o homem precisa cumprir para ser filho de Deus. No entanto, entendemos que embora seja lei, esta Lei está muito mais do que ditando regras. Está apresentando quem o homem quando em si não está presente à imagem de Deus. Em outras palavras, o texto está enunciando quem o homem é quando não é humano e, portanto, referindo sobre quem e como é o bicho homem. O verso três de Êxodo nos remete a primeira característica do bicho homem, ou seja, que este em sua natureza cria deuses que não existem ao invés de ter Deus como seu Senhor. O texto diz: “Não terás outros deuses além de mim. Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer coisa no céu, na terra, ou nas águas debaixo da terra”.

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É interessante perceber que o texto se remete ao futuro,

ou seja, não “terás”; não “farás”; isso nos indica e implica perfeitamente que quando algo acontece ao homem este deixa de fazer certas coisas das quais ele já fez algum dia por não ser humano e ser bicho homem. É característica de o bicho homem tentar criar algum tipo de deus para adorar. Por isso, sente a necessidade de fazer algo palpável e visível já que em si não contém a imagem do único Deus real. O homem em sua composição normal é um ser adorador e, por isso, quando não se relaciona com Deus procura fazer e/ou criar um. Outra característica forte do bicho homem está no verso 13 que diz: “Não matarás”.

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Novamente vemos o verbo no futuro o que implica novamente que algo

precisa ocorrer para que o bicho homem deixe de ser quem é e passe a não matar mais. Não se trata apenas de matar no sentido fisiológico. No capítulo cinco do evangelho de Mateus percebemos que Jesus indica que o princípio é muito mais 68 69

ÊXODO 20:3-4, NVI. ÊXODO 20:13, NVI.

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profundo do que isso, ele diz: “Vocês ouviram o que foi dito aos seus antepassados: Não matarás, e quem matar estará sujeito a julgamento. Mas eu lhes digo que qualquer que se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento”.

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Ora, o que

Jesus está inferindo é que o humano, que segue a “religião inicial” (que já mencionamos em linhas anteriores), não somente não mata, mas também, não se ira contra seu irmão. No entanto, isso é característica sumariamente desumana: tanto o ato de matar como o ato de se irar.

O texto de Êxodo segue veementemente citando ainda outras características do bicho homem. Por exemplo, o bicho homem não honra pai e mãe (verso 12); é um ser adultero (verso 14); é alguém que furta (verso 15); além disso dá falso testemunho e cobiça a casa, mulher e servos ou servas do próximo (versos 16 e 17). Mas fundamentalmente há uma característica em particular que é realmente significante no bicho homem assim como a primeira que já destacamos. Tanto Jesus se refere a isso como o mandamento primordial como pode ser visto também no livro de Levíticos 19:18, ou seja: “Não procurem vingança, nem guardem rancor contra alguém do seu povo, mas ame cada um o seu próximo como a si mesmo”.

71

No

evangelho de Mateus Jesus afirma: “…ame o seu próximo como a si mesmo”.

72

Novamente o que percebemos através destes dois textos é um conselho. O conselho de amar ao próximo como a si mesmo. Inferi-se neste sentido que tais homens aos quais está sendo dirigido este conselho não viviam de tal forma, ao contrário, viviam despreocupados com o próximo, isso quando não procuravam se vingar por algum motivo. Jesus em Mateus resumo toda lei do Antigo Testamento em duas, isto é: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. O bicho homem é aquele que vive uma mera religião, a qual já temos mencionado. Cumpre alguns ritos e se acha merecedor da aceitação de Deus. De fato, nestas atitudes ele demonstra que não ama a Deus acima de tudo e muito menos que ama ao próximo.

O humano é completamente diferente do bicho homem e por isso ele está instinto. Humano é aquele que segue e vive a “religião inicial” proclamada por Jesus.

70

MATEUS 5:21-22, NVI. LEVÍTICOS 19:18, NVI. 72 MATEUS 22:39, NVI. 71

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É o ser que tem Deus e sua vontade como prioridade e amar ao próximo é seu estilo de vida. Não é aquele que diz amar quando não ama, mas sim, o humano é aquele que ama e depois proclama determinado amor. Não é difícil notarmos no mundo e na sociedade brasileira a ausência deste amor. Algumas pessoas até mencionam da boca pra fora quando de fato não vivem tal realidade. Tratando-se de Brasil notamos que as igrejas que até tem falado em nome de Deus proclamam um amor jamais demonstrado por elas mesmas. Segundo estatísticas a mais de 30 milhões de pessoas no Brasil que se denominam seguir a Jesus, no entanto, estas mesmas 30 milhões de pessoas não fazem qualquer diferença na sociedade. Aliás no Brasil não notamos de modo vasto princípios que caracterizam a “religião inicial” ensinada por Cristo. Com isso, vale lembrar: a “religião inicial” está extinta!

Nunca é demais lembrar: humano é aquele que tem si a imagem de Deus, bem como, seu caráter; é aquele que vive acima de tudo a “religião inicial” de Cristo. Basta olharmos para a questão financeira das pessoas em geral e mais especificamente ao contexto das igrejas brasileiras. No Antigo Testamento das escrituras Sagradas às pessoas como forma de gratidão a Deus davam certa parte da sua colheita diante o altar de Deus. A função do sacerdote era de recolher estas ofertas e entregá-las as pessoas mais necessitadas do momento. As ofertas não eram utilizadas para dar salário para o sacerdote ou coisa do tipo, mas, imensuravelmente, para ser dividida entre todo o povo de Deus. Aos mais necessitados se distribuía grande parte das ofertas e assim sucessivamente. Ora, a igreja convencionou tais ofertas dízimos. O nome e a palavra dízimo em si não tem qualquer problema, mas problema é como se defini para que tal palavra seja utilizada em nossos dias. Hoje as ofertas das igrejas no Brasil servem para dar um ótimo salário ao pastor da igreja; as ofertas e o “sacralizado” dízimo servem para aumentar os templos, assim como, reforma-los; no entanto, onde ficou aquela parte onde o sacerdote reunia todas as ofertas e redistribuía para o povo de Deus, hoje da igreja? Enfim, parece que algumas coisas estão bem longe da realidade da “religião inicial”.

É olhando para algumas atitudes de Jesus que podemos entender o que de fato é ser humano. Vamos destacar dentre tantas obras de Jesus Cristo apenas três que cremos resumir toda causa da sua vida. Primeiro, Jesus curou. Em muitas 74


passagens bíblicas vemos que Jesus curou paralíticos, curou cegos (alguns de nascença), curou traumas, curou feridas, curou dores, curou as mais diversas enfermidades, mas não só isso, Jesus também curou a alma das pessoas. Curou muita gente da tristeza, do cansaço, do ódio, do rancor e ira, da soberba, etc. Notase neste aspecto que humano necessariamente é o ser que em algum momento foi curado por Deus. Precisamos entender bem isso. Mencionamos no capítulo dois que o ser criado por Deus era humano. E este ser por ser humano era também perfeito. Ser perfeito significa obviamente não ter defeito, ou seja, aquele ser que se caracteriza por ser completo, total e exato. Pois bem, ser curado por Jesus implica em uma possibilidade de volta a perfeição. Uma possibilidade de ser humano novamente. Por isso, algo que precisa acontecer ou ter acontecido para que um homem ou uma mulher diferentemente de ser bicho homem se denomine humano é o estado de já ter passado pela cura de Cristo, seja tal cura de: enfermidade física ou espiritual.

Outra atitude por parte de Jesus que implica e resulta em alguém ser ou não humano refere-se a ser liberto, ou seja: Jesus liberta. Além de Jesus ter curado muita gente, assim como já mencionamos, Ele também libertou muitas pessoas. Libertou do pecado, da desgraça, da morte eterna, de uma vida indigna, da religiosidade e escravidão à mesma. Ser liberto é ser posto em liberdade, ser livre, solto, não sujeito a, salvo de, aquele que supera preconceitos, padrões estabelecidos (no caso: religiosidade). Ora, Jesus em determinado momento e debate afirma aos que estão lhe ouvindo: conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. Em outro texto do relato bíblica afirma que Jesus é esta verdade. Então, neste aspecto podemos dizer que outro princípio que definirá alguém como humano é se este foi, de fato, liberto por Jesus. Ser humano, portanto, é em algum momento ter experimentado a liberdade que Cristo proporciona.

Uma terceira atitude e obra de Cristo é a salvação. Além de curar e libertar Jesus também salva. O humano é aquele que é salvo por Cristo. A salvação de Cristo majoritariamente é o resultado da cura e da libertação realizada anteriormente. Assumimos aqui a impossibilidade de alguém ser salvo sem antes ter experimentado a cura e a libertação de Jesus. Ora, sendo assim, humano é aquele que é de fato salvo por Cristo e não apenas diz ser; é aquele que consequentemente 75


irá proclamar tal cura e libertação. Há cura sem salvação e há libertação sem cura, mas não há salvação sem cura e libertação.

Mas a pergunta a ser feita neste ínterim é: para que ser curado, liberto e salvo? Parafraseando o texto bíblico a resposta de Jesus seria: Só após você ser curado, liberto e salvo irá se tornar humano e, deste modo, irá viver “amando a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo”. A “religião inicial” é extinta por que ser humano está raro e extinto. Falamos no capítulo um da impossibilidade do homem ser um animal aperfeiçoado e/ou evoluído, entretanto, diríamos que se há um tipo de evolução no mundo, essa evolução é destrutiva. Destruindo principalmente o humano que havia no homem transformando-o em mero animal, em mero bicho homem, capaz de se satisfazer com uma mera vida religiosa.

Humano é aquele que olha para o próximo com o olhar de Cristo e vê nele a possibilidade de cura, libertação, salvação e, consequentemente, a possibilidade do nascer de um novo humano. Humano é aquele que não se limita a fazer o bem quando precisa perder algo, porque sabe que o que irá ganhar é maior do que tudo. Enfim, Infelizmente, humano é aquele que não se vê todo dia e nem em qualquer esquina porque sua raça é extinta.

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5. O Antídoto

Embora vivamos nesta realidade da epidemia e, consequentemente, extinção humana entendemos que há sim um antídoto para aqueles que perderam em si os valores e éticas humanas.

Como vimos no capítulo anterior à epidemia desumanizante tem feito com que o mundo cada vez mais se deteriore. A violência aumenta; as injustiças sociais não acabam; e, como se não bastasse, a religião que deveria ser o agente de transformação da sociedade (por se dizer representante de um Deus que zela por justiça e igualdade de alguma forma) é grande ferramenta desumanizante do homem. Pensando nisso queremos agora partir para o, digamos assim, acabamento de nosso edifício indicando de modo seguro qual seria, ou melhor, qual é o grande antídoto para tal epidemia. Não por acaso começamos a indicar isso nos últimos parágrafos do quarto capítulo. Fitando os olhos nisso e com toda análise que já fizemos não há outra resposta para tal epidemia senão o evangelho e as notícias de Jesus Cristo, bem como, seu próprio estilo de vida.

Anteriormente citamos de modo breve o elemento proposto por Ariovaldo Ramos que nos traria esclarecida análise a respeito da crise da sociedade, isto é, a fome. Pois bem, é com base neste mesmo elemento que podemos notar a necessidade de um antídoto para saciar tais tipos e níveis de fome. O problema da epidemia da desumanidade (alimentada pela religião), diferente de qualquer outra epidemia, é que quem está contagiado por esta não sabe ou não compreende e, até mesmo, não quer qualquer tipo de “remédio” para esta determinada doença denotada como desumana. Ora, isto realmente emerge uma séria questão, ou seja: Já que o homem contagiado pela desumanidade não vê a necessidade de tal antídoto será mesmo que tal “remédio” ou antídoto surtiria algum efeito? Pois bem, como falamos não se trata de uma epidemia qualquer! Sendo assim, precisamos destacar algumas verdades que compõe tal antídoto e que o torna assim merecedor de crédito. Sendo merecedor de crédito verifica-se que o antídoto não é um pressuposto de cura, mas sim, é a própria solução para que o bicho homem restabeleça o humano em seu ser. Portanto, sendo o evangelho de Jesus Cristo e

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Ele mesmo o próprio antídoto, faz-se necessário destacar porque tal proposição é verdadeira, já que a mesma não é e não tem sido aceita majoritariamente.

5.1. O Antídoto é objetivo É sempre bom lembrar que o antídoto mencionado não é uma “possibilidade” de remédio para o desumano, mas é propriamente uma transformação e resgate do humano que havia no homem. Vale dizer que este antídoto é Jesus Cristo, aquele mesmo de Nazaré. Neste sentido, os efeitos de tal antídoto proporcionam no ser: cura, libertação e, consequentemente, salvação. Pois bem, a primeira verdade a ser destacada que comprova a realidade de que Jesus é o único que pode curar a desumanidade presente no bicho homem, bem como, libertá-lo e salvá-lo é que este antídoto, Cristo, é objetivo.

Objetivo não está sendo usado aqui (apenas) para expressar que tal proposição tem um fim, um alvo ou um propósito, apesar de fazê-lo, mas principalmente para conotar que Jesus e sua própria vida como antídoto é realidade objetivada, ou seja, serve para humanizar qualquer pessoa no mundo, qualquer sociedade do planeta e em qualquer contexto e cultura existente na face da terra. Deste modo, tal antídoto se torna único fundamentalmente por ser resposta à epidemia global.

Claramente vê-se tanto através da mídia como no dia a dia as tentativas de respostas ou antídotos para tal epidemia (esclarecida no capítulo anterior). A fome, elemento que temos mencionado ser a base para entendimento da crise na sociedade, está presente no ser. Todo ser busca de alguma forma satisfazer e acabar com a sua fome. Para uns a fome é fisiológica. A busca não é outra senão a de se alimentar ou alimentar sua própria família. A fome fisiológica pode ocorrer por vários motivos, ou seja: seca, miséria falta de emprego, etc. No entanto a questão é: de que forma a sociedade possibilita este ser a satisfazer e acabar com sua fome? Já vimos também e infelizmente que a sociedade está completamente desumana e individualizante. Com isso, a preocupação dos que vivem nela é extremamente individualista

rejeitando

assim

qualquer

ajuda

ou

exterminando

qualquer

possibilidade de matar a fome do outro. Estas são posições e atitudes referentes à 78


sociedade que caracteriza visivelmente a epidemia que está aí, é bom lembrar, colaborada pela religião. Simultaneamente a isto, o ser que já vive na miséria e que a sociedade não permiti qualquer possibilidade de melhora, irá se entregar facilmente a qualquer proposta que lhe gerar de alguma maneira esperanças de acabar com sua fome e da sua família, mesmo que esta proposta coloque em risco sua própria vida, a vida de sua família e, geralmente, a sua liberdade. Um exemplo disso são muitos que por não conseguir entrar no mercado de trabalho preferiram arriscar suas vidas no tráfico de drogas, furtos ou qualquer outra coisa do tipo.

Ora, se a fome é algo que não pode ser desprezado na realidade do ser e, de fato, não pode; todo e qualquer veículo, no sentido de organização, corporação, instituição e/ou teoria; deve ser rejeitado e desprezado se o mesmo não considerar tal elemento, que é fundamental para análise da sociedade e de quem vive nela. Como falamos: algo objetivo é aquilo que pode ser aceito universalmente, ou seja, qualquer resposta que carrega em si mecanismos capazes de solucionar ou dar diretrizes que resolverão determinado problema. O antídoto que já afirmamos ser objetivo é objetivo também por responder soluvelmente à fome.

Se tratando da fome, especificamente, fisiológica vemos em Mateus 14:13-21 um relato muito interessante sobre a preocupação e importância que Jesus dá a tal elemento. Não só é perceptível a preocupação de solucionar o problema de uma multidão de aproximadamente cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças, como existe a intenção de resolver determinado problema o quanto antes. Jesus é o antídoto que independe daquilo que tem em mãos para solucionar problemas. Enquanto vemos a política de hoje discursando e formulando projetos em longo prazo para que toda pessoa fosse (num futuro distante) alimentada, Jesus, em sua cosmo visão, enunciaria a miséria como resultado da forma como a sociedade foi organizada, de modo que poucos são beneficiados em detrimento de muitos. A situação descrita em tal narrativa é que após Jesus haver curado muitas pessoas dentre uma multidão os discípulos se aproximaram Dele alertando, provavelmente, o entardecer e a fome que as pessoas já começavam a sentir. Além disso, alertaram a Jesus que o lugar que estavam era deserto não havendo nada para se comer e que, por isso, Ele deveria despedir a multidão para que a mesma pudesse ir e comprar seus próprios alimentos. No entanto, Jesus exorta aos discípulos que não era 79


necessário a multidão sair daquele lugar e que eles, os discípulos, deveriam alimentar tal multidão. Ora, os discípulos alertaram novamente a Jesus que só tinham consigo cinco pães e dois peixes. Jesus, no entanto, pediu os pães e os peixes e olhando para o céu agradeceu ao Pai pelo alimento. Partiu o pão e os peixes e deu para que os discípulos levassem a multidão. Jesus não só alimentou toda aquela multidão no exato momento como os discípulos ainda recolheram doze cestos cheios de pedaços que sobraram. Cristo, diferente da política moderna, alude que a fome fisiológica necessita ser solucionada pela sociedade o quanto antes, independentemente das circunstâncias.

A realidade que vivemos é que há muito mais do que cinco pães e dois peixes nas mãos dos políticos, assim como, de nós, a própria sociedade. Entretanto, a diferença é que por causa da extinção humana os homens não são capazes de dar alimento sólido a todas as pessoas que existem na terra e, pior do que isso, permitem que algumas pessoas acabem morrendo pela falta de comida.

Jesus é antídoto universal e objetivo por ter e dar resposta à fome fisiológica. A solução não é outra senão a inexistência de ricos poderosos e de pobres oprimidos e injustiçados. Neste sentido, enquanto houver milionários esbanjando alimento à mesa, simultaneamente haverá um pobre desempregado morrendo da fome ou se entregando a marginalidade para satisfazer-se fisiologicamente. É sempre bom lembrar que tal elemento é reflexo da desumanidade epidêmica do mundo. No entanto, Jesus é antídoto para tal situação.

O antídoto também é objetivo por responder a fome social. Vale relembrar que a fome social é aquela que está ligada veementemente ao desejo do ser de mudar de status, isto é, de melhorar seu nível social. Esta busca é principalmente relacionada à filosofia do ter dos últimos séculos, ou seja, claramente vemos em nossos dias que o ser é valorizado pelo que tem e não pelo que é realmente. Corelacionando isso já não importa mais o caráter da pessoa, mas sim, quais posses ela contém porque dessa maneira o interessa de outras pessoa nela será maior, afinal de contas o utilitarismo presente nos relacionamentos deixa de lado o ser real para receber algo do ser, digamos assim, “mascarados”. Tal fome é presente em todos os níveis sociais, mas pelo fato de que quem pouco tem ser, 80


consequentemente pelo que falamos mais desprezados e deixados a margem da sociedade, este busca com mais intensidade tal satisfação. Ora, Jesus não deixa de lado tal fome.

Há muitas pessoas que sofriam de tal fome com quem Jesus se relacionou e inseriu de algum modo na sociedade. Ele fazia isso muitas vezes publicamente valorizando a pessoa inferindo assim o direito que cada ser tem de ser reconhecido como cidadão de uma mesma sociedade, isto é, direito de igualdade! No contexto bíblico nota-se o quanto as mulheres eram desvalorizadas; o quanto homens leprosos eram excluídos do convívio comunitário; viúvas; órfãos, etc. Muitas eram as pessoas oprimidas e envergonhadas diante de todos e, por isso, tinham certa fome social para ser satisfeita. Nada mais era do que a busca por certo reconhecimento, nem que tal reconhecimento fosse apenas de eles assim como outros também eram pessoas.

Em João 5:1-15 vemos a história de um homem paralítico por trinta e oito anos. Segundo a narrativa havia em Jerusalém um tanque chamado betesda e neste mesmo tanque algumas vezes descia um anjo do Senhor e agitava as águas. Sendo assim, o primeiro que entrasse seria curado de qualquer doença. Por este motivo, neste lugar havia muita gente enferma esperando o mover das águas. Jesus estando no lugar aproximou-se do homem e sabendo do estado em que estava há anos lhe perguntou se queria ser curado. O homem menciona a Jesus que quando as águas se moviam não havia ninguém que o ajudasse a entrar no tanque para ser curado e que enquanto tentava se mover até o tanque outro chegava antes dele. Jesus então diz ao homem para pegar sua maca, levantar-se e andar. No mesmo instante o homem ficou curado. Convenhamos, tal homem era deixado à margem da sociedade, completamente desvalorizado. Talvez motivo para menosprezo de muitos. Entretanto, Jesus cura tal homem. Não somente para que voltasse a andar, mas para que o mesmo se sentisse incluído novamente ao mundo. Jesus é antídoto também para a fome social.

Outra prova mais clara ainda da preocupação resolutiva de Jesus para com a fome social é narrada em Mateus 9:20 onde uma mulher que sofria de hemorragia por nove anos imaginava que apenas tocando nas vestes de Jesus seria curado e 81


assim aconteceu. Ora, na época uma mulher com tal hemorragia era menosprezada e oprimida pela sociedade, sem qualquer valor. Jesus reconhecendo tal fé a curou.

Tantos outros acontecimentos remontam também a preocupação de Jesus e fazer com que cada uma sinta-se incluído na sociedade e não fora dela. Certa vez conversou com uma mulher samaritana o que era inadmissível para os judeus. Primeiro só pelo fato de ser mulher; e segundo, pelo fato de ser samaritana. Judeus e samaritanos eram essencialmente rivais. Alem destes acontecimentos, vemos Jesus valorizando as crianças, bem como, as exaltando; valorizando também muitas mulheres; enfim, muitos que eram menosprezados ou por não serem judeus e sendo assim considerados pecadores; ou, no contexto machista existente, por ser mulher. Enfim, Jesus é o antídoto objetivo também por resolver e satisfazer a fome social das pessoas. Não fosse assim não afirmaria: “Pois todo aquele que a si mesmo se exaltar será humilhado, e todo aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado”, como em Mateus 23:12; e: “Então lhes disse: Quem recebe esta criança em meu nome, está me recebendo; e quem me recebe, está recebendo aquele que me enviou. Pois aquele que entre vocês for o menor, este será o maior”, como em Lucas 9:48. 73

Finalmente, para compreendermos de modo real a objetividade de Jesus Cristo como antídoto, é preciso enunciar também que o mesmo preocupa-se em solucionar a fome existencial.

A fome existencial é o fator mais grave da epidemia. O ser foi e tem sido tão desumanizado

que

a

maioria

das

doenças

das

últimas

décadas

são

psicossomáticas, ou seja, causadas por problemas psicológicos e/ou existenciais. O stress tomou conta do ser e desta forma o abala na sua saúde. Além disso, a fome existencial é a fome de ver grandes sonhos realizados, tal fome promove em determinadas pessoas o sonho de construir um mundo a sua imagem e semelhança, quando isso é extremamente impossível. Ora, em metrópoles a milhares de pessoas nas ruas todos os dias, no entanto, todos os dias também estão presentes no meio

73

NVI.

82


desta multidão pessoas que estão se sentindo sozinhas, estressadas, amarguradas, rancorosas e etc. Para esta fome Jesus também formula solução.

Um exemplo da fome existencial, do sonho de construir o mundo a sua imagem e semelhança, do qual já falamos muito, refere-se à desobediência de Adão para com Deus que ocasionou à origem do bicho homem, a epidemia desumanizante colaborada pela religião e, consequentemente, a extinção do humano.

Outro exemplo de tal fome foi a construção da torre de Babel narrada em Gênesis 11:1-9. Ora, a busca e sonho de tais homens era sumariamente de serem reconhecidos, famosos e exaltados. No entanto, Deus não permitiu o acontecimento.

Poderíamos citar ainda de modo geral o caso dos próprios Fariseus que sempre buscavam fazer com que o mundo estivesse abaixo de suas leis e normas. Tais escribas satisfaziam-se interpretando a Lei de Deus como convinha para sua religiosidade. Entretanto, Jesus atacou dia após dia tal posicionamento.

Jesus é visto, portanto, como antídoto objetivo pelo fato de ser o único a dar resposta convincente e transformadora a estes três tipos de fome. Este antídoto torna-se universal por ser capaz de curar os três tipos de fome; libertar as pessoas fisiologicamente, socialmente e existencialmente; bem como, é capaz de salvar as pessoas de três angústias: primeiro, de não ter do que se alimentar; segundo, da não satisfação de reconhecimento por parte da sociedade; terceiro, da não realização pessoal de construir um mundo ao seu dispor.

Quando o ser passa por este tratamento (cura, libertação e salvação), pode ser chamado humano. É bom entender neste sentido que Jesus se torna e é objetivo por transformar o ser. Se existir a fome por alimento, Jesus alimenta materialmente, mas principalmente emocionalmente; se tem desejo por status, Jesus o ensina a ser o menor de todos; se tem anseio por fazer um mundo ao seu dispor, Jesus o faz ser disposto para o mundo. Ora, como já falamos, os efeitos do antídoto que é Jesus são: cura, libertação e salvação. O ser deixa o estado de bicho homem e passa ao estado de humano. Só se considera humano necessariamente quando o ser passa 83


por estes três efeitos do antídoto. É bom lembrar: é possível ser curado e não ser salvo; é possível também ser liberto e não ser salvo; mas jamais é possível ser salvo sem antes ser curado e liberto. O ser torna-se humano novamente ao atingir o último efeito do antídoto que é Jesus, isto é, ser salvo por Ele!

Por isso, Cristo é antídoto objetivo e universal: por responder especificamente e claramente aos determinados tipos de fome não apenas satisfazendo os desejos e vontades, mas principalmente, através de seus efeitos mudando os valores do ser, fazendo com que o mesmo vá deixando sua imagem irracional e animalesca para tornar-se novamente humano. Sem atingir ou chegar ao último efeito o ser toma meramente atitudes do humano quando de fato não é!

5.2. O Antídoto é indiscriminável

Por razões óbvias sendo o antídoto da extinção humana objetivo, isto é, universal é digno de crédito e, sendo assim, impossibilita que antídoto seja descriminado. Vamos entender por quais razões o antídoto é indiscriminável.

Quando falamos que tal antídoto não possibilita descriminação por ser objetivo não estamos afirmando que o mesmo necessariamente é aceito universalmente, até porque já mencionamos anteriormente que majoritariamente o contrário é que ocorre, ou seja, Cristo – o antídoto – é desprezado ou por não ser conhecido ou por não ser visto como necessário. Tais pensamentos e posições são resultantes da própria epidemia que torna o ser, assim como, o faz pensar ser autosuficiente.

Com base nisso, identificamos o antídoto como indiscriminável por ser um antídoto único para tal epidemia. Alguém poderia colocar: Toda epidemia em si exige um antídoto específico! Sim é verdade, mas em nosso caso especificamente trata-se de um antídoto que não pode ser criado, feito e formulado. Isso implica mais do que qualquer outro tipo de “remédio” que este unanimemente não pode ser desprezado ou descriminado. É bom esclarecermos neste sentido a diferença entre não ser aceito e ser descriminado.

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De modo simples alguém poderia dizer que não ser aceito e ser descriminado é a mesma coisa, no entanto, cabe neste momento propor tal distinção dos termos utilizados nesta pesquisa. De modo claro e simples dizemos que: algo aceito é algo praticado, ou seja, algo que se concorda, que se sujeita a fazer, que aprova, que reagi, que dá como certo e verdadeiro, que reconhece, admiti e recebe para executar tal função.

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Ora, neste sentido aceitar o antídoto é se dispor a passar

pelos seus três efeitos citados no tópico anterior, isto é: cura, libertação e salvação. Já o outro termo indiscriminável significa de modo simples: algo que não se pode discriminar. Neste sentido, algo que não se pode colocar a parte, não se classifica, não se especifica, não se exclui, não se pode desprezar.

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Sendo assim,

conseguimos distinguir algumas diferenças de termos.

Sendo assim, o antídoto é indiscriminável por um fator em particular, tal fator é a coerência entre fé e razão que o antídoto proporciona e defende. Ao longo da história o que se faz é dicotomizar, ou seja, dividir em duas partes e/ou em duas categorias fé e razão. No entanto, o que parece ficar evidente é que tal antídoto não parece diversificar tais elementos e se o faz em nenhum momento menospreza um para utilização de outro. Ambos sempre estão presentes. Aliás, há quem defenda, de fato, a impossibilidade de abandono de um elemento em benefício do outro ou vice-versa.

É lógico que este assunto entre fé e razão não é simples e de fato renderiam muitas páginas, mas a intenção é de identificar estes elementos sempre presentes em Jesus. Assim como, não há fé sem razão também não há razão sem fé. Alguém já disse: “Fé que pensa; Razão que crê”! Essa é uma realidade. A relação entre fé e razão não compromete qualquer crença e muito menos qualquer teoria, ao contrário do que muitos pensam traz coerência tanto a crença como a teoria. Por isso, tal relação presente em Jesus é que o torna indiscriminável em qualquer âmbito do mundo.

Tendo em vista, portanto, que tal antídoto é objetivo, indiscriminável e, simultaneamente, não aceito de modo unânime e majoritário cabe a nós identificar 74 75

HOUAIS, Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa 1.0.5. (verbete – “aceitar”). Idem, (verbete – “indiscriminável e discriminar”).

85


que o problema da não aceitação está na metodologia e o processo de apresentação do antídoto, vale a pena lembrar – Cristo.

5.3. O Antídoto é necessário

Ora, se para a desumanidade somente um antídoto é viável essa realidade torna tal antídoto indispensável e necessário. Não só é necessário por ser objetivo e indiscriminável, como destacamos anteriormente, mas principalmente, por ser única fonte de cura, libertação e salvação (algo que também temos mencionado algum tempo). Vale a pena, portanto, destacarmos porque o antídoto proposto é necessário mais do que qualquer outra coisa. Isso pode ser feito através de comparações.

Tudo no que se refere à teoria ou algum tipo de regra e dogma pode ser comparado a Cristo – o antídoto. Já notamos vários elementos que a religião proporciona na sociedade, aliás, vimos que esta é grande agente desumanizador das pessoas. A religião resulta essa desumanidade por ser mera instituição priorizando muito mais ritos do que uma real prática de comunidade no meio global. Ninguém combateu mais a religião do que o próprio Jesus. Em outras palavras Jesus sempre mencionou que o orgulho em cumprir a lei torna tal atitude indigna de crédito e, neste sentido, desumano. A necessidade por Jesus é grande, embora as pessoas não percebam na maioria das vezes. Alguns fatos a respeito de Cristo tornam-no o único antídoto necessário capaz de curar o bicho homem, ocasionando assim a restauração dos humanos ou, em outras palavras, o resgate do humano que havia no homem.

Já que a religião em nossos dias visa tanto resultado, diferente da religião inicial, podemos destacar a necessidade por Cristo olhando para aquilo que Ele pode proporcionar a sociedade se esta for curada, liberta e salva da epidemia.

A. CRISTO, como antídoto, torna possível a vida em comunidade.

Enquanto vivemos uma época em que a religião proporciona e alimenta a competição em meio a sociedade por causa de seus interesses políticos, Jesus diferentemente torna possível a vida em comunidade. 86


Os tipos e níveis de fome em meio a sociedade irão resultar com auxílio da religião, que não se opõe neste sentido, algumas realidade importantes de serem destacadas. A realidade da competição; a realidade da solidão e a realidade da relação meramente econômico-financeira. Ora, cada uma dessas realidades tem suas particularidades, mas apesar disso são resultantes de um mesmo fator, isto é, a desumanidade. A desumanidade, reflexo da ausência de Deus, como um vírus destruidor necessita veementemente do antídoto para que o humano, já extinto, não desapareça de vez.

Quanto a realidade da competição parece difícil ver uma solução. Entretanto, o antídoto possibilita tal efeito. O problema é este antídoto ser aceito e ser visto como necessário. Em relação a isto, entendemos que o modo pelo qual o antídoto tem sido apresentado é fator fundamental para que o mesmo seja aceito. Mas convenhamos, numa sociedade que é predominante o desejo e anseio de ter autoridade e ter poder, nas devidas proporções, não há interesse em acabar com a competição dos bichos, sempre é bom lembrar, o bicho homem. Por isso, vemos que a grande responsabilidade nesta situação está sobre os raros humanos que ainda existem, ou seja, aqueles que passaram pelo tratamento do antídoto e chegaram ao final do processo, isto é: cura, libertação e salvação. A estes cabe a responsabilidade de apresentar de modo sério e correto o antídoto para que este possa tornar possível a vida em comunidade.

Fitando os olhos nisso alguém poderia questionar: sendo os humanos portadores do antídoto (do contrário não seriam humanos), e embora seja rara sua presença, tal apresentação não deveria ser perfeita com relação ao antídoto e, consequentemente, aceita universalmente pela sociedade epidêmica? Para responder a esta questão faz-se necessário pressupor duas situações. A primeira: se não houvesse qualquer argumento e/ou defesa a favor da própria epidemia a resposta a questão seria sim – a apresentação do antídoto por parte dos portadores seria perfeita e consequentemente aceita de modo objetivo e universal. A segunda: se houver qualquer argumento e ou defesa a favor da epidemia a resposta a questão é não – mesmo a apresentação do antídoto por parte dos portadores ser perfeita não possibilitará universalmente a aceitação no que se refere ao antídoto. 87


Com isso, vemos que a realidade vivente é a segunda, ou seja, que aqueles que estão infectados pela epidemia desumanizante ainda a defendem por estarem completamente irracionais e indispostos a viver em comunidade.

Ainda há outro fator alarmente que prejudica a apresentação do antídoto através dos extintos humanos, ou seja, aqueles que falam e nome do antídoto quando de fato não são portadores dele e, obviamente, não carregam consigo a imagem e reflexo de Cristo.

A realidade da competição presente na sociedade necessariamente mudará quando os que estão presentes na sociedade mudarem. Aí então começamos a notar a dificuldade de aceitação do antídoto, mesmo ele sendo extremamente necessário.

Outra realidade que destacamos acima foi a da solidão. Logicamente as realidades

da

sociedade

se

interligam

uma

resultando

outra

e

assim

sucessivamente. Se há competição, como falamos, consequentemente haverá uma desvalorização da pessoa independentemente de quem ela for. Com isso, a possibilidade de se viver em comunidade torna-se ainda mais complicada. A esta realidade (da solidão) o antídoto também é necessário. Cristo possibilita um abandonar da solidão em detrimento da conquista de comunhão e unidade. Na religião também é visível tal realidade (da solidão), pessoas que buscam de alguma forma realizarem ritos para se sentirem acolhidos, mas tal ação sempre será frustrada a curto, médio ou longo prazo. Entretanto, o antídoto, nunca se esqueça – que é Cristo, privilegia o ser a viver a unidade e a comunhão que a vivência em comunidade pode proporcionar.

A terceira realidade da sociedade, não menos importante, que mencionamos e vale destacar é a realidade da relação meramente econômico-financeira, em outras palavras: a relação utilitarista entre os membros da sociedade. Esta realidade é muito significante e característica do século XXI, onde o ser é valorizado pelo que tem e não pelo que é. Só há relação entre duas pessoas se ambas tem algo a oferecer uma a outra, do contrário cada qual em seu lado. Ora, numa sociedade onde a competição é presente e a solidão é resultado da competição, pois ninguém 88


é amigo de ninguém, a relação meramente econômico-financeira vem para caracterizar o momento histórico e, digamos assim, “dar nome aos bois”.

É nesta relação utilitarista que se convencionam os valores morais, a ética, o sagrado e se sacraliza o material, ou melhor, o próprio ser. Pois bem, neste ajuntamento de bichos homens faz-se necessário a ação e efeitos do antídoto que é Cristo.

Numa realidade de competição o único antídoto necessário é Cristo que possibilitando a cura, libertação e salvação proporcionará consequentemente uma realidade sem competição e com muito mais igualdade social. Mas o antídoto é objetivo e desta maneira torna possível também que ao invés da sociedade viver uma realidade de solidão viva, através dos efeitos de Cristo, a realidade da comunhão e unidade. Após a aceitação do antídoto e de vivificar-se a cura, a libertação e a salvação por parte de Cristo o ser fica impossibilitado de relações utilitaristas, porque isso é característica do bicho homem, no entanto, agora – sendo humano, a relação é acompanhada pelo antídoto e desta maneira faz com que o ser valoriza quem a pessoa é e não o que ela tem a oferecer. É uma relação de profunda amizade e suporte, no sentido de cuidado, um ao outro.

Sendo estas três realidades mudadas e transformadas através do antídoto a sociedade torna-se uma comunidade. Se na sociedade do bicho homem há competição, na comunidade do humano há cooperação; se na sociedade do bicho homem há perda de identidade, na comunidade humana deve haver pleno autoconhecimento; se na sociedade do bicho homem há solidão, na comunidade humana deve haver comunhão. Enfim, Cristo, como antídoto, torna possível esta vida em comunidade, onde o ser é valorizado pelo que realmente é e tem acesso irrestrito aos valores da sociedade.

76

Ora, com vista nestas realidades da sociedade

e nisto que o antídoto proporciona vê-se claramente a emergente necessidade de Cristo – o antídoto.

76

RAMOS, Ariovaldo, Veja Sua Cidade Com Outros Olhos: Ação da Igreja na Cidade, São Paulo, 1995, Sepal, pág. 13. (Parafraseando o segundo parágrafo da página 13 do livro citado).

89


B. CRISTO, como antídoto, torna possível uma vida com dignidade.

Tendo por base que Cristo, como antídoto, torna possível a vida em comunidade, assim também, possibilita que os seres que compõem a sociedade tenham uma vida com dignidade. A dignidade pode ser vista como direito de todo ser, seja humano ou não. Neste sentido, o anseio de Cristo é que todos vivam com dignidade. É bom dizer que o fato de uma pessoa ser humana, em nossa conotação de humana, não o possibilita necessariamente uma vida com dignidade, pois a presença ou ausência de dignidade é resultado e reflexo, principalmente, pelo modus vivendi da sociedade. Se o modus vivendi da sociedade não for o da comunidade e, consequentemente, ser uma realidade de competição, solidão, bem como, relacionamentos utilitaristas; a dignidade de vida será permitida apenas aos ricos e poderosos, mesmo ela sendo direito de todo homem, vale lembrar, seja humano ou não.

Pensando nisso, vemos novamente com clareza a necessidade que a sociedade global tem pelo antídoto, mesmo sem reconhecer. Sendo a dignidade um direito de todos, mas impossibilitada objetivamente numa realidade que despreza a vida em comunidade só se torna possível através do antídoto, que é Cristo. Neste sentido, a dignidade tornar-se-á real, objetivamente falando, na medida em que a sociedade for aprendendo a viver em comunidade e isto, como vimos, é possível (também) através de Cristo.

No contexto brasileiro existem leis e normas as quais todo habitante do país tem direito de usar e reivindicar. As crianças têm seus direitos, são eles: direito a escola; saúde; comida; casa; entretanto, nem todas as crianças gozam destes direitos. Ora, ter dignidade nada mais é do que gozar de seus direitos, bem como, vivê-los de fato. Há na constituição do povo brasileiro o relato daquilo que é direito de todo ser do país, no entanto, o pobre e oprimido sequer ficam sabendo de tais direitos.

Um grande exemplo da não informação dos direitos no Brasil é visto

quando o pobre usa o serviço de saúde pública, imaginando que o governo está lhe fazendo um favor, quando na verdade ele mesmo está pagando por isto em taxas que aparecem sem qualquer explicação nos impostos, conta de água ou luz.

90


Ora a dignidade do homem está ligada fundamentalmente aos direitos estabelecidos de qualquer ser em qualquer nação. Visto isto, torna-se interessante fitar os olhos em alguns pontos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O artigo XXIII da Declaração diz o seguinte: “Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão se necessário, outros meios de proteção social. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para 77 proteção de seus interesses”.

Com os olhos para isso podemos afirmar que o homem vive com dignidade quando goza deste direito, ou seja, quando em sua vida é presente uma remuneração justa e satisfatória capaz de lhe fazer viver com dignidade, bem como, proporcionar isso a sua família. Neste sentido, a remuneração só é satisfatória se for capaz de garantir a família educação, saúde e alimentação. É bom olhar com atenção e ver que isto é direito de todo ser. Ao utilizar Direitos Humanos a declaração está veementemente verdadeira, pois a pessoa se torna humana quando seus direitos são vivificados ou vivenciados no que se refere a cura, libertação e salvação do homem todo e todos os homens através do antídoto. Esta dignidade integral do ser é reflexo dos efeitos de Cristo, isto é, após a sociedade já viver de fato como comunidade. Embora o direito que acabamos de mencionar diz respeito e é conferido a todo ser, esta não é a realidade de muitas pessoas no mundo. Ao contrário disso, há homens e mulheres que não tem o privilégio de escolher em que e como quer trabalhar. Precisam lidar com qualquer tipo de emprego para de alguma forma saciar sua fome e a fome de sua família. Se a Declaração Universal dos Direitos Humanos aponta neste artigo que todo ser humano merece uma vida digna em relação a trabalho e a uma remuneração satisfatória pelo mesmo, podemos dizer que muitos que não vivem com esta dignidade ainda não se tornaram humanos de

77

BIBLIOTECA VIRTUAL DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, Declaração Universal de Direitos Humanos, Web/Internet.

91


fato. Sei que esta afirmação faz brotar várias questões na mente do leitor e as mesmas serão respondidas mais a frente.

Quase que como uma continuidade ao artigo XXIII da Declaração Universal de Direitos Humanos está o artigo XXV. “Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bemestar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em fora de seu controle. A maternidade e a infância tem direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora de matrimônio, 78 gozarão da mesma proteção social”.

O que dizer aos pais que mal conseguem alimentar os filhos, quem dirá proporcionar a ele boas roupas e uma boa casa! No Brasil, principalmente, os ricos e poderosos tem de tudo a oferecer a sua família e filhos, mas isso não os torna humanos. Viver com dignidade é viver com saúde e bem estar; é viver tendo o que comer e o que vestir, como qualquer outra pessoa; é ter direito a segurança em todas as dificuldades possíveis (desemprego, doença, viuvez, etc.). Convenhamos, no Brasil há dois tipos de pessoas: aquelas que tem acesso a tudo e vivem com dignidade; e aqueles que não tem acesso a nada e desta maneira vivem a margem da sociedade.

Até aqui, como já falamos, pode surgir algumas perguntas: a primeira é como é possível viver com dignidade e não ser humano, já que, tem se afirmado neste tópico que Cristo, que é o antídoto para o bicho homem, torna possível a vida com dignidade? E, a segunda: como é possível ser humano e não viver uma vida com dignidade ao mesmo tempo, já que, só se torna humano através do antídoto que é Cristo e este proporciona dignidade na vida do ser?

As duas questões podem ser respondidas através de uma só resposta, mas vamos explicá-la claramente. Logo no primeiro parágrafo deste tópico afirmamos

78

Idem.

92


que a dignidade é reflexo, ou seja, resultado do modo pelo qual vive a sociedade. A dignidade não é característica do humano, mas resultado da realidade presente na sociedade. Se a realidade for de comunidade, logicamente todos, sem exceção, viverão com dignidade. Entretanto, a realidade emergente da sociedade é a epidemia. Tal epidemia proporcionou ao longo dos anos realidades como: competição, solidão e relacionamentos utilitaristas dentre outras. Desta maneira é possível que um ser se torne humano, mas continue a viver sem dignidade; assim como, é possível a um ser desumano viver com dignidade. É bom termos em mente que dignidade difere de ser digno. Ser ou não ser digno não está em foco aqui, mas sim a dignidade. Como já alertamos: dignidade é o gozar dos direitos do homem como um todo.

Ora, qualquer dúvida ainda pode ser tirada através da resposta da seguinte pergunta: O que, portanto, torna um ser humano? Em suma, qualquer ser torna-se humano quando sofre, ou melhor, passa e atravessa os efeitos do antídoto, é bom lembrar: cura, libertação e salvação. Esta passagem e transformação ocorrida não implica a uma iminente vida com dignidade, pois dignidade é resultado da realidade da sociedade. Por isso, o antídoto é objetivado. Pelo fato de tornar possível a vida em comunidade e, desta maneira, possibilita a todo ser uma vida com dignidade. Enfim, é possível tanto o ser humano não viver com dignidade como o bicho homem viver com dignidade em sua vida. Por isto, ser possível a necessidade pelo antídoto é urgente em meio a sociedade.

Infelizmente, a sociedade está longe de se tornar comunidade, pelo fato (também) dos humanos estarem extintos, e consequentemente o ser está longe de viver com dignidade. Pior ainda, é que a realidade proporciona dignidade a burguesia poderosa e dominadora tornando o pobre e oprimido cada vez mais pobre e sem qualquer dignidade em sua vida. O pobre vive, ou melhor, tenta viver sem saúde, sem alimento, sem educação (escola), etc.

O artigo XV do Estatuto da Criança e do Adolescente menciona que: “A criança e o adolescente tem direito a liberdade, ao respeito e a dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como

93


sujeitos de direitos civis, humanos 79 garantidos na Constituição e nas leis”.

e

sociais,

A liberdade refere-se, como remete o artigo XVI o direito de ir, vir e estar nos locais públicos e espaços comunitários; opinião e expressão; crença e culto religioso; brincar, praticar esportes e divertir-se; participar da vida familiar e comunitária sem discriminação; participar da vida política, na forma da lei; buscar refúgio, auxílio e orientação.

80

O artigo XVIII também irá mencionar o dever de

todos em velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento e aterrorizante, vexatório ou constrangedor. 81

Uma vida com dignidade para a criança é o direito de estudar, comer, vestir, etc.

Embora isso, inda há muita realidade de abuso sexual neste contexto bem como violações.

Enfim, seja criança, adolescente, jovem, adulto ou idoso, todos tem direito a viver com dignidade. Tal dignidade é expressa e vivificada quando o ser ter o privilégio de gozar de seus prazeres. No entanto, a dignidade só poderá ser vivenciada por todos quando a sociedade viver em comunidade. A percepção da necessidade do antídoto é veemente para que muitos possam experimentar uma vida digna. Entretanto, isso só é possível através de Cristo. Cristo, como antídoto torna possível a vida com dignidade, ou seja, uma vida com segurança, com saúde, com alimento, com remuneração qualificada, com um lar adequado para a família, etc. Neste sentido, podemos relembrar que por tais motivos o antídoto tanto é objetivo como indiscriminável e, logicamente, necessário. Necessário para possibilitar a vida em comunidade, assim como, tornar possível a vida com dignidade.

C. CRISTO, como antídoto, torna possível a vida humana.

Este é o momento do projeto onde precisamos explicar de modo ímpar o motivo pelo qual enxergamos Jesus Cristo como antídoto que torna possível a vida humana. 79

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Casa Civil, Lei n° 8069: Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990, Web/Internet. 80 Idem. 81 Idem.

94


É na trajetória de vida de Jesus que percebemos o conceito verdadeiro e real do que é ser humano. Se isso é visível em e através de Sua vida podemos afirmar categoricamente que Ele, Jesus Cristo é o maior, senão único, exemplo de humano da história. Tendo isto como pressuposto é possível citar agora, mais do que nunca, o que caracteriza o humano.

Ser humano não é meramente aquele que existe, mas, fundamentalmente, aquele que encontra vida em sua existência. Sendo assim, todo ser existe, mas só os humanos vivem. Viver é mais do que existir porque a vida impossibilita a realidade da morte, entretanto, na existência a morte é real. O humano necessariamente é aquele que vive e vive independentemente de sua existência. Ora, Cristo ilustrou isso muito bem em sua história. Dessa maneira a primeira característica que podemos destacar em relação ao humano, com base em Jesus, é que ele não somente existi, mas vive de fato.

Os conceitos de vida e existência utilizados na sociedade global parece ser muito relativo e sumariamente similar. Por isso, faz-se necessário aqui especificar o que vem a ser viver e o que implica existir neste projeto. O existir é muito bem empregado por Jean Paul Sartre. Segundo seu pensamento, o existir se explica fundamentalmente através da fenomenologia de Husserl e o ser e tempo de Heidegger. Ele então conota que o mundo é povoado por seres Em-si, que seria “qualquer objeto existente no mundo e que possui uma essência definida”.

82

Este

ser Em-si não tem consciência de si ou do mundo, mas existe por uma finalidade. Neste sentido, o que existi é finito. Sartre faz certa distinção do ser mencionado em relação a consciência do homem. Esta consciência ele denota como o ser Para-si. “É o Para-si que faz as relações temporais e funcionais entre os seres Em-si e ao fazer isso constrói um sentido para o mundo em que existi. O Para-si não tem uma essência definida”. 83 Em outras palavras o Para-si não é resultado de uma idéia préintencionada na mente da pessoa, mas o próprio mecanismo que definirá o que é e o que não é determinada essência. Em suma Sartre propõe de modo coerente que a existência precede e governa a essência. Neste modo de pensar o relativismo pós82 83

WIKIPEDIA, A Enciclopédia Livre, Jean-Paul Sartre, Web/Internet. Idem.

95


moderno ganha força, já que, dessa maneira, cada ser tem a liberdade de fazer de si o que quiser. No entanto, vale lembrar que isso é legitimamente correto no que se refere a existir.

Como já temos deixado de modo bem sujestivo não é novidade referir que este existir, o qual explicamos no parágrafo anterior, é completamente diferente de viver. É lógico, nosso exemplo disso é Cristo. Ele afirma com todas as letras: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”.

84

Em relação ao seu viver destaca: “Se alguém

quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”.

85

Neste

sentido, viver conforme ensinado por Cristo, parafraseando suas afirmações é: No caminho ou história de sua existência, deixe completamente de lado o individualismo e/ou suas próprias vontades e interesses, tome para si as suas próprias dificuldade e cruz e daí então me siga, conheça a minha verdade e viva a minha vida. Ora, o viver não permite a realidade da morte porque morte nada mais é senão uma, digamos assim, passagem e porta para uma vida ainda mais plena. A existência, como já falamos é finita, conquanto, a vida e o viver de Cristo é infinito e real.

Com isso, evidencia-se a característica primordial do humano, ou seja, a vida. É viver realmente e/ou plenamente e não apenas existir. Pontuando nossas comparativas entre o humano e o bicho homem é possível dizer que o bicho homem é aquele que existi e que é finito, diferentemente do humano que é o ser que vive e é infinito.

Mas Cristo, como antídoto, não torna possível aos existentes apenas o viver, isto é, a vida humana, mas também possibilita que este ser “reconfigurado” em humano influencie outros personagens na história da sociedade. Confere-se assim, que o que caracteriza também o ser humano é o amor. O amor torna-se indispensável para a vida a qual Cristo propõe. só é possível viver plenamente com o amor. O amor é o elemento chave para uma história sem a realidade da morte (lembrando que falamos de morte no sentido de inexistência ou deixar de existir). Se há algum tipo de morte na vida de Cristo e ocasionada pelo seu amor não é outro senão a morte do eu. “Amar é morrer em si para renascer no 84 85

JOÃO 14:6, NVI. MATEUS 16:24, NVI.

96


outro”. Certo escritor desconhecido mencionou esta frase e provavelmente sabia do que estava falando. O amor caracteriza fundamentalmente o humano. É um elemento sempre presente. É este elemento que vai mover o ser a se preocupar com o bem mútuo da sociedade. É a presença ou não deste elemento que irá definir algum progresso global ou não. Vê-se nos dias de hoje ausência de amor. Quem em pleno século XXI morre em si, ou seja, deixa de lado todos os seus interesses e vontades para que outra possa ser curado, liberto e salvo? Um filme muito interessante para se assistir chama-se “Anjos da Vida” que retrata a história de homens comuns que se preparavam fisicamente e psicologicamente para arriscar suas próprias vidas em resgate de outros. Amar, de modo breve e simples, é a atitude de se colocar disponível a morte para que outros possam tornar a vida.

O viver que caracteriza o humano só é possível através do amor. O amor também era algo presente na vida de Cristo. Seu caminho e verdade eram nada mais que caminhar para a morte – do eu – para que toda uma raça pudesse tornar a existir. Esta atitude remonta o amor e o viver que torna possível ao homem uma vida humana.

O entender o que é viver e o entender o que é o amor são importantes, mas estas compreensões nunca farão sentido se o homem não aprender ou não se disponibilizar a caminhar em tais verdades de vida e amor. Entretanto, não há várias maneiras para essa disponibilização. Só existe um antídoto, como já temos anunciado a algumas páginas. Este antídoto é Jesus Cristo, aquele de Nazaré. somente através Dele a epidemia que desumaniza o homem pode ser combatida e vencida. Cristo anula a morte. Nele não há tal realidade. Ele venceu a morte.

Tudo o que falamos até aqui, desde o título de nosso projeto até agora, remonta a uma verdade: ser gente, ou melhor, ser HUMANO significa ser igual a Jesus Cristo. Desta maneira, podemos olhar em volta de todo o mundo; em qualquer continente, em qualquer nação e país, em qualquer estado, em qualquer cidade, em qualquer bairro e em qualquer rua; e chegar a conclusão de que nunca na história se viu um ser humano de fato igual a Jesus Cristo. Aquele mesmo. Que foi caçado ao nascer para ser morto. Que foi humilhado, maltratado, crucificado pelos de seu próprio povo sem qualquer acusação lógica por uma razão: Ele vivia humanamente; 97


preocupando-se com o povo, curando o povo, libertando, dando o que comer e o que vestir. Além disso, Jesus resgatava a identidade das pessoas dando-lhes, colocando-as em evidência quando todos criticavam. Ele realmente demosntrou o que é ser humano. Provou que humano é aquele que vive não para si, mas em favor e por amor aos outros.

Cristo, como antídoto, torna possível uma vida em comunidade. Onde não há diferenças de: classe, cor ou religião. Nessa comunidade há humanidade, onde todos comem a mesma comida, vestem as mesmas roupas e participam da mesma colheita. Na comunidade há amor, não ódio; há humildade, não orgulho; há cuidado um com o outro e não desinteresse. Na comunidade não há competição, há unidade; não há solidão, há comunhão; não há relações utilitaristas, há o compartilhar; não há bicho homem, mas há seres Humanos.

Cristo, como antídoto, torna possível uma vida com dignidade. A cura, libertação e salvação de Cristo abrange o ser como um todo. No que diz respeito a sua dignidade não é diferente. Cristo sempre defendeu a causa dos mais oprimidos e hoje não é diferente. O humano é caracterizado também por aquele que se preocupa com a dignidade do ser. A vida com dignidade é resultado e reflexo de uma vida em comunidade que só é possível através do antídoto.

Enfim, Cristo, como antídoto, torna possível a vida humana. Viver humanamente nada mais é do que viver os reflexos e resultados ocasionados pela cura e libertação, bem como, salvação.

Tendo por base o que já falamos, que Cristo é o antídoto único para a epidemia global, este antídoto faz-se extremamente necessário para uma possível cura global, libertação universal e, porque não, uma salvação objetiva concreta. É sempre bom ter bem claro que o antídoto – Jesus Cristo – é plenamente objetivo, isto é, não só é cura uma localidade, mas também, torna possível a humanidade em todas as culturas e em todas as partes do mundo. O antídoto, por isso, se torna indiscriminável, ou seja, é impossível discriminá-lo e/ou deixá-lo de lado. Mesmo que Ele não seja aceito, ainda assim, não pode ser colocado a margem 98


ou excluído como qualquer outra tentativa de resposta a epidemia. De modo breve, Ele é indiscriminável por ser único e única resposta, não há outra! Portanto, entendendo

que

o

antídoto

é

objetivo

e

indiscriminável

Ele

torna-se

fundamentalmente necessário para que a vida humana possa se estabelecer e acontecer.

Necessário

por

proporcionar

uma

comunidade;

necessário

por

proporcionar a dignidade; e, necessário por proporcionar, como resultado, a própria vida humana

Em tudo o que foi mencionado neste capítulo está um único intuito: que se entenda que ser gente ou ser humano significa ser igual a Jesus. Com esse pressuposto é visível e fácil de identificar que a raça humana está (quase) extinta do planeta.

99


CONCLUSÃO Aqui expomos as evidências da falta de humanidade no mundo ao qual pertencemos. Sempre fomos chamados humanos por sermos também definidos como seres racionais, diferentes dos animais. Mas o que é ser racional? Será (apenas) o fato de saber distinguir o certo do errado? Será (apenas) o fato de ver uma criança passando fome e entender que isto é injustiça? Ou será (apenas) a mera capacidade de somar, subtrair, multiplicar e dividir? Pretende-se aqui demonstrar que ser racional, isto é, ser humano, é muito mais do que saber, conhecer e ter informações sobre. Aristóteles certa vez disse: “Viver como um homem significa escolher um objetivo e dirigir-se para ele com toda a conduta, pois não ordenar a vida a um fim é sinal de grande estupidez”. A estupidez não parece ter haver com nada que seja racional, pois basta dizer que algo ou alguém é estúpido e isto indicará que se trata de um objeto inútil, de um ser irracional ou com tal atitude. Mas quem não vive ou não viveu a estupidez? Plutarco, um grande filósofo e poeta grego, afirmou: “É preciso viver, não apenas existir”. Muitos animais que classificamos como seres humanos existem no mundo, mas quantos deles vivem de fato? O que é viver? Poder-se-ia perguntar. Será só a oportunidade de respirar, trabalhar e ter família entre outras coisas? É preciso viver, como já foi mencionado. Harry Benjamim diz: “Não queira acrescentar dias à sua vida, mas vida aos seus dias.” Não há vida para ser humano algum sem um elemento em especial, o amor. Mas nem respondemos ainda o que é viver de fato? Bem, o interessante é que as respostas se encontram em outras perguntas, como por exemplo: Se amar é o elemento essencial para se viver de fato, como amar? E o que é o amor? “Ama e faz o que quiseres. Se calares calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos.” Isto é o que Santo Agostinho nos fala sobre o amor. Em resumo alguém que não me recordo o nome, mas com certeza, com muita sabedoria, também disse: “Amar não é mais que morrer em si para renascer no outro”. Viver de fato, poder-se-ia dizer, nada mais é que amar. Mas quem ama assim? E no que este amor resulta?

100


Este amor resulta em sacrifício e morte. Sacrifício de não viver para si mesmo, mas para os outros. Morte para nós mesmos e vida para os outros. Isto é ser humano? Alguns diriam que sim e, talvez, outros não. Todos buscam seus interesses na sua existência, mas isto dá vida? Penso que não. Fernando Pessoa já disse certa vez que “morrer é apenas não ser visto” e, de fato, o grande problema do qual o século XXI enfrenta são seres e mais seres que se denominam seres humanos, mas que lutam e guerreiam para estar em evidência. Não sabem morrer para elas mesmas. O exemplo a ser seguido e necessário ser vivido para que a comunidade humana possa ser real é Jesus Cristo de Nazaré. Não há outro caminho, outra verdade e outra vida que seja exemplo igual Este Homem. Para a vivificação deste exemplo em qualquer vida precisa haver a disponibilidade de seguilo. No entanto, seguir a Cristo implica e negar a si mesmo, tomar a sua cruz para então o seguir. Enfim, o que fica aqui é um pedido ao bicho homem, torne-se ser humano (seguidor de Cristo) no sentido mais real. Homem: aprenda a viver; aprenda a amar; aprenda a se sacrificar e a morrer, pois só assim podes ser humano!

101


Bibliografia

ALENCAR, Gedeon, Protestantismo Tupiniquim: Hipóteses Sobre A (Não) Contribuição Evangélica À Cultura Brasileira, 1ª edição, São Paulo, 2005, Arte editorial, 160 p.

BARNES, Jonathan, Filósofos Pré-Socráticos, 2ª edição, São Paulo, 1997, Martins Fontes, 367 p.

BERGER, Peter Ludwig, O Dossel Sagrado: Elementos Para Uma Teologia Sociológica da Religião, 4ª edição, São Paulo, 2003, Paulus, 194 p.

BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, 2ª edição, São Paulo, 2004, Cultura Cristã, 720 p.

BROWN, Colin, Filosofia e Fé Cristã, 2ª edição, São Paulo, 2007, Vida Nova, 279 p.

CHAMPLIN, R. N., Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia 5ª edição, São Paulo, 2001, Hagnos, Vol. 3, 686 p.

DELACAMPAGNE, Christian, História da Filosofia no Século XXI, 1ª edição, Rio de Janeiro, 1997, Jorge Zahar Editor, 308 p.

DELAZERI Jaci Jr., Guia Intensivo de Ensino Globalizado: 1º e 2º graus, supletivo e vestibular, 1ª edição, Erechim - RS, 1990, Edelbra, 884 p. GONZALES, Justo L., Dicionário Ilustrado Dos Intérpretes Da Fé, Santo André – SP, 2005, Academia Cristã, 701 p.

HODGE, Charles, Teologia Sistemática, 1ª edição, São Paulo, 2001, Hagnos, 1711 p.

102


KIDNER, Derek, Gênesis, Introdução e Comentário, 1ª edição, São Paulo, 1979, Mundo Cristão, 208 p.

LEBRUN, Gerard, Os Pensadores: Nietzsche, São Paulo, 2000, Nova Cultural, 464 p.

LIDÓRIO, Ronaldo, Konkombas: O Nascer da Igreja Numa Tribo no Oeste Africano, 1ª edição, São Paulo, 2002, Cultura Cristã, 158 p.

LINTON, Ralph, O Homem, Uma Introdução à Antropologia, 11ª edição, São Paulo, 1981, Martins Fontes, 470 p.

MARIAS, Julian, História da Filosofia, 1ª edição, São Paulo, 1999, Nova Cultural, 480 p.

MCGRATH, Alister E., Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica: Uma Introdução A Teologia Cristã, 1ª edição, São Paulo, 2005, Shedd Publicações, 659 p.

MONDIN, Battista, O Homem, Quem é Ele?, São Paulo, 1980, Edições Paulinas, 320 p.

OLIVEIRA, Manfredo Araújo de, A Filosofia na Crise da Modernidade, 1ª edição, São Paulo, 1989, Edições Loyola, 195 p.

RAMOS, Ariovaldo, Veja Sua Cidade Com Outros Olhos: Ação da Igreja na Cidade, São Paulo, 1995, Sepal, 46 p.

SHUKER, Nancy, Os Grandes Líderes: Martin Luther King Jr., São Paulo, 1987, Nova Cultural, 91 p.

SIQUEIRA, Bernardete Abrão, História da Filosofia, São Paulo, 1999, Nova Cultural, 480 p.

103


Bibliografia complementar

ALENCAR, Gedeon, Apostila Sociologia da Religião, FLAM, 1° Semestre, 2007.

BÍBLIA SAGRADA, Nova Versão Internacional, São Paulo, 2000, Editora Vida, 1000 p.

BÍBLIA SAGRADA, Revista e Atualizada, 2ª edição, São Paulo, 2003, Vida Nova, 1938 p.

HOUAIS, Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa 1.0.5.

LOURENÇO, Adalto, Palestra Criação e Evolução, Igreja Batista Nova Filadélfia, DVD 2. NOVO TESTAMENTO INTERLINEAR GREGO-PORTUGUÊS, Barueri – SP, 2004, Sociedade Bíblica do Brasil, 979 p.

Citações internet

www.wikipedia.com.br, (Página 15; 94; 95).

www.culturabrasil.pro.br, (Página 90).

www.planalto.gov.br, (Página 93).

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