Teologia Política

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE FILOSOFIA E CIENCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

Douglas Weege

Teologia Política Refletindo sobre os conceitos chaves de uma teologia política em Michel Foucault e Carl Schmitt.

Florianópolis, julho de 2011


Douglas Weege

Teologia Política Refletindo sobre os conceitos chaves de uma teologia política em Michel Foucault e Carl Schmitt.

Trabalho apresentado como requisito parcial para obtenção de aprovação na disciplina de Filosofia Política II, no curso de Filosofia, na Universidade Federal de Santa Catarina. Prof. Dr. Selvino Assmann

Florianópolis, julho de 2011.


Introdução O presente trabalho tem por intenção a exposição de conceitos chave na análise de Michel Foucault e Carl Schmitt no que concerne ao campo político. Antes de tudo, porém, faremos no Capítulo I um relato dinâmico sobre a evolução do pensamento político desde a antiguidade até o século XX. Tal relato é necessário para podermos ter um pano de fundo, ainda que panorâmico, para o que pretendemos apontar neste trabalho. No segundo capítulo trataremos de abordar a temática do poder, com base em algumas reflexões de Michel Foucault. O poder pastoral tratado pelo pensador nos possibilitará uma análise no que concerne a teologia política difundida de um modo mais abrangente em Carl Schmitt. Carl Schmitt foi comprometido com o regime nacional-socialista na sua primeira fase, e Conselheiro de Estado da Prússia a partir de 1933, foi impedido de lecionar após a Segunda Guerra Mundial, tendo-se retirado para a sua cidade natal em 1947. Alexandre Kojeve chegou a declarar que Carl Schmitt era o único alemão com quem valia a pena falar na República Federal. De fato, veremos no terceiro capítulo que o pensamento de Schmitt deveria estar amplamente conhecido em nossos dias, mas a realidade não é essa. Em Schmitt entenderemos propriamente a estreita relação entre Teologia e Política.


Capítulo I A evolução do pensamento político Fitando os olhos no que pretendemos aqui expor faz-se necessário uma apresentação sobre a evolução do pensamento político desde a antiguidade até o estado moderno. Obviamente não se trata de uma abordagem com ênfase nos extremos detalhes da história de nossa política, mas sim, de uma visão geral com intuito de podermos em seguida sistematizar aquilo que nos propomos, isto é, a relação político-teológica. Pois bem, iniciemos pela Grécia. Não é novidade que a idéia de ordenação jurídica da sociedade vem da Grécia. O “modelo” político da polis () proibia o interesse pessoal do indivíduo. Esse ideal só foi possível devido a pequena população e território limitado, do contrário, o Estado não poderia regular a vida dos cidadãos em mínimos detalhes. Antes da independência das cidades gregas, existia uma monarquia patriarcal. No século VII (700 a 600 a.C.), as oligarquias dos chefes dos clãs passam a exercer influência nas cidades. Porém, as freqüentes lutas entre facções diferentes e a participação das massas na vida política, exigindo governo competente, acabaram propiciando o aparecimento de tiranos. Geralmente, os tiranos, que se diziam protetores das massas, apoiavam-se num exército de soldados 1 mercenários e não numa verdadeira base social.

Após a queda da tirania, em 510, Atenas pôde alcançar a democracia que, no século seguinte, com Péricles, chegou ao apogeu. Como se sabe, a autoridade do Estado estava na assembléia que era composta de todos os cidadãos, com exceção dos escravos e estrangeiros. Tudo que concernia na criação de leis, investigação e fiscalização das mesmas competia à assembléia. Os poemas de Homero e Hesíodo possuíam os primeiros documentos em relação a concepção grega de lei. É interessante notar, principalmente pelo fato do que iremos expor a partir do próximo capítulo, que “a distinção entre religião e direito não é clara, porque a vontade dos deuses, por intermédio do rei, era a suprema fonte de autoridade”.2

1 2

NIELSEN, Henrique Neto, Filosofia Básica, pág. 218, 1986. IDEM, pág. 219.


Teríamos muito que falar ainda com relação aos poemas dos pensadores e poetas acima citados, entretanto, dois filósofos são fundamentais para clarificar o pensamento político da Grécia: Platão e Aristóteles. Platão entende a política como aquilo que pode tornar os homens justos e virtuosos. Em suas obras fica claro, no entanto, que os homens devem ser governados pelos melhores. Embora seu pensamento pareça ser um tanto utópico, concebia um Estado ideal onde a justiça atendia aos desejos e necessidades humanas. Posicionou-se de maneira clara contra os políticos sofísticos que entendiam que o direito nasce da força. Aristóteles, por sua vez, segue um estilo prático, lógico e sistemático diferente do Estado imaginário de Platão. A política em Aristóteles é uma ciência que deve procurar o bem-estar do homem. Em relação a formação do Estado defendeu que este deveria ter um pequeno território, com poucos habitantes, para que todos pudessem se conhecer e tivessem acesso à vida pública. Pensava ele desta forma por acreditar que, assim sendo, evitaria que uns se tornassem muito ricos e outros extremamente pobres. Vemos assim, mesmo que de modo extremamente panorâmico, que muitos dos pensamentos presentes na Grécia antiga permanecem até nossos dias. Fundamental para o que iremos tratar, no entanto, é o fato que citamos anteriormente de, no mundo grego, as questões governamentais estarem intimamente ligadas com os deuses, isto é, com o religioso. Falemos de Roma. O sistema governamental e jurídico romano representou alguns avanços. O Estado é um organismo necessário a vida social em que, diferentemente do pensamento platônico, não anula o indivíduo. Uma das coisas mais interessantes se tratando do pensamento político romano é que Roma não reconhecia o direito à rebelião, entretanto, por uma série de fatores, ela ocorreu por diversas vezes. O que dizer das idéias políticas dos primeiros cristãos? No novo testamento estão registradas importantes noções acerca da lei natural, sobre a igualdade humana e sobre a natureza do governo. Em várias passagens é possível perceber a justificação da doutrina segundo a qual o governo é uma instituição divina e que dele deriva toda a autoridade. Sendo assim, o sujeito se submeter ao Estado é um dever religioso. “O Estado é entendido como defensor da justiça, o governante como o


vigário de Deus e a obediência como essencial a vida política”. 3 É Importante ressaltar que estes conceitos constituirão a base do pensamento político por mais de um milênio. A adoção desta posição política estava relacionada com as necessidades de regulamentar as relações do governo de Roma com os interesses da igreja primitiva. O pensador medieval Santo Agostinho (354 – 430) também contribuiu no campo político com algumas idéias. O governo, segundo Agostinho, representa a vontade de Deus na terra, ao qual os cidadãos devem obediência. Entendeu a lei como expressão da vontade divina o que o motivou a não fazer diferenças entre Igreja e Estado, embora tinha muito claro que o Estado terrestre era imensamente inferior ao celestial. Além disso, influenciou muitos pensadores posteriores como São Tomás de Aquino, Dante Alighieri, Wyclif e Grotio. Já no século XIII um nome a ser lembrado é o de John Salisbury. A autoridade, segundo Salisbury, é estritamente eclesiástica. Estabeleceu a distinção entre o poder secular e o poder religioso. Uma das suas mais importantes idéias, por ser inovadora na época, residia no fato de um governante poder ser destituído. Continuando nossa brevíssima caminha pela história do desenvolvimento político nos deparamos com São Tomás de Aquino (1227 – 1274). Influenciado por Agostinho entendia o Estado como força protetora do povo. Íntimo da filosofia aristotélica, São Tomás foi reconhecido como quem buscava harmonizara razão com a revelação. Suas posições políticas sobre ordem, liberdade, justiça, direito e lei, assim como, suas concepções acerca do Estado e da sociedade são consideradas até hoje como contribuição efetiva para o estabelecimento de uma sociedade justa. Chegamos agora a um ponto crucial. Nos fins do século XV a Igreja viu destruídos os seus planos de supremacia e intervenção nos assuntos temporais. Maquiavel preocupou-se inicialmente com a independência da Itália e depois com o espírito de liberalidade e de especulação intelectual trazidas pelo Renascimento. Maquiavel é o primeiro pensador político a separar a política da Ética, excluindo de suas reflexões questões religiosas e morais. Para ele os princípios devem estar

3

Idem pág. 227.


subordinados ao bem 4 necessidades do Estado.

estar

público

e

as

Após Maquiavel romper, em suas reflexões no campo político, com as questões religiosas, Jean Bodin (1530 – 1596) “afirma que o poder judicial não é da competência dos reis, e que a justiça e a moralidade devem ser salvaguardados por magistrados e não por padres”.5 Thomas Hobbes (1588 – 1679) também fez críticas rigorosas em relação aos dogmas e doutrinas religiosos. Se opunha a católicos e puritanos pois, na época, a religião era uma ameaça a soberania. Questionou a interpretação dos textos bíblicos, a questão do celibato, a infalibilidade papal, a canonização dos santos, etc. Hobbes influenciou John Locke (1632 – 1704) que se opôs ao direito divino dos reis, segundo o qual representantes de Deus reconhecem, na coroação, que o monarca descende diretamente de Adão. Um nome importante a ser citado também é o de René Descartes (1596 – 1650). Descartes rompeu com o passado e pôs a ciência e a filosofia sobre um novo alicerce intelectual. O pensador viria a ser conhecido como o pai do racionalismo. A libertação do homem das concepções medievais acontece fundamentalmente com o surgimento do Iluminismo, no século XVIII. Intelectuais da Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos através de suas obras criticaram veementemente a religião, a política, a arte literária, etc. “A ciência tornou-se o novo deus e inspirou assombro numa nova geração de pensadores”.6 Através da contribuição da ciência para a conquista da natureza a idéia de que a razão humana era a única capaz de compreender o mundo começou a ficar em evidência. No campo político não foi diferente. Se pouco tempo antes do Iluminismo já se tinha idéias com relação a separação de Estado, Política e Governo para com a Teologia e/ou Religião agora, no Iluminismo, ainda mais. No século XIX a Alemanha é dominada pelo idealismo absoluto. Três nomes devem ser lembrados neste período: Fichte, Schelling e Hegel. Todos os três eram filhos de pastores protestantes e haviam estudado teologia. Sob a influência de Kant eles viam a consciência humana como o fato metafísico primeiro. Hegel considera o Estado como uma pessoa real, com suas vontades e anseios próprios, onde a 4

Idem, pág. 237. Idem, pág. 238. 6 LAW, Stephen Filosofia, pág. 37, 2009. 5


liberdade e individualidade manifestam-se pela razão. Através de uma série de construções que o próprio Hegel faz em sua obra “Filosofia do Direito” pode-se entender que é o Estado quem tem soberania e não o povo. Entretanto, o Estado deve encontrar sua expressão num indivíduo, isto é, o monarca que encarna a personalidade

do

Estado.

O

pensamento

político

de

Hegel

influenciou

veementemente o século XX. Tamanha foi sua influência que os seus seguidores dividiram-se em dois grupos: os hegelianos de direita e os hegelianos de esquerda. Enquanto o primeiro grupo não aceitava a dialética da história e desenvolveram a idéia do Estado absoluto sem nenhum conteúdo ético; o segundo grupo não aceitava a idéia de um espírito universal contribuindo assim para a concepção materialista da história de Marx e Engels. Os hegelianos de direita contribuíram para o aparecimento das doutrinas nazistas na Alemanha e facistas, na Itália. Os hegelianos de esquerda colaboraram para o desenvolvimento das diferentes doutrinas marxistas.7 Karl Marx (1818 – 1883) é o maior representante do socialismo científico. Para Marx era muito claro que quanto mais o industrial ganha, mais o operário fica pobre. Analisou fundamentalmente as questões econômicas e de capital, sendo assim, propôs uma mudança radical na sociedade com a abolição da propriedade privada dos meios de produção. Além de tudo, fez duras críticas ao fenômeno religioso da época. No século XIX ainda são importantes as presenças de Engels e Lenin. Engels juntamente com Marx redigiu o manifesto comunista e tinha em uma de suas conclusões algo extremamente forte, ou seja, afirmava que as classes sociais desaparecerão assim que o Estado for destruído e instaurado o socialismo. Lenin, por sua vez, causou algumas modificações importantes no modo de pensar o Estado. Segundo ele, o Estado é um instrumento da classe dominante e, sendo assim, não-representativo dos interesses conflitantes da sociedade. Desta forma buscava elaborar uma Teoria do Estado. No século XX temos a realização do pensamento político autoritário, tais como o fascismo e o nazismo. Como já mencionamos, a maior influencia no pensamento autoritário veio de Hegel. Segundo ele, o chefe político é o intermediário entra a nação e a história. O chefe é quem faz a história, por isso, não

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NIELSEN, Henrique Neto, Filosofia Básica, pág. 257, 1986.


foi difícil a Mussolini e a Hitler se sentirem condutores da história. Hobbes também contribuiu com o pensamento autoritário com algumas particularidades. Karl Mannheim em sua análise do pensamento político autoritário menciona que “sempre que a concentração de poder se torna excessiva, transforma-se em convite à tirania nas situações críticas” e mais: “um dos mais perigosos abusos de poder consiste em insuflar o medo, provocando o pânico para aproveitar-se da confusão”.8 Para encerrar nosso relato sobre a evolução do pensamento político precisamos citar a doutrina da segurança nacional. Elaborada inicialmente nos Estados Unidos no pós-guerra, quando a União Soviética passou a ser vista como rival irreconciliável. A doutrina foi divulgada pelo mundo, principalmente nas áreas em que aquele país tinha interesses econômicos e estratégicos. Já a divulgação proselitista ficou a cargo de grupos religiosos como a Ação Francesa e Opus Dei (Obra de Deus), que contava até poucas décadas atrás com 72.000 membros. No Brasil a doutrina da Segurança Nacional foi reelaborada pela Escola Superior de Guerra. A partir de 1964 o governo impôs atos institucionais, atos complementares, leis complementares e emendas a Constituição. Através da lei de segurança nacional, líderes sindicais, estudantes, intelectuais, políticos, altos funcionários do governo, juízes e militares tiveram que explicar bem explicadinho suas atividades políticas.

Capítulo II A questão central dos embates políticos Com base no primeiro capítulo podemos agora começar a delinear sobre o que pretendemos. Pensadores contemporâneos como Michel Foucault, Hannah Arendt, Giorgio Agamben, entre outros, nos auxiliam de maneira impar a elucidar a questão central dos embates políticos. Através do relato no capítulo anterior podemos perceber que sempre está presente nos períodos da história que destacamos o fenômeno do poder. De maneira particular tenho a impressão que tal fenômeno nos emerge a questão central dos embates políticos. Explico: Independentemente do contexto a que estamos expostos e/ou postos a grande questão concernente é o de se apropriar da

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MANNHEIM, K. Liberdade, Poder e Planificação, pág. 159.


razão, ou seja, a grande tentação do ser humano, como um todo, é acreditar ser o grande possuidor da verdade. O que quero dizer de maneira mais sucinta é que o domínio de algo, seja um debate intelectual ou não, seja algo material ou não, nos torna detentores de um certo poder. Vimos que na antiguidade se proibia qualquer tipo de interesse pessoal. A pergunta é: não havia tal interesse? Obviamente havia, entretanto, através da limitação de terras e da pouca população se tinha a possibilidade de dominar essas coisas e/ou interesses. O poder é algo que foi trabalhado de maneira assombrosa no fenômeno religioso. Na Grécia antiga o grande respeito que se tem para com os deuses reside no fato do grande poder que eles possuem. Seja no politeísmo ou no monoteísmo o que se reconhece, pelo menos para o fiel de determinada religião, é sumariamente que aquele em quem ele acredita tem poder. Pensando nisso é interessante notarmos como essa questão do poder, como o “tipo” de poder que o deus possui, invadiu ou foi posto no campo político. Assim como Deus o Estado possui suas próprias leis e vontades, se recorrermos a Hegel, e obrigatoriamente deve ser obedecido, caso contrário haverá algum tipo de punição. Foucault em sua obra descreve: “Não acredito que nossos sucessores, se refletirem um pouquinho, possam espantar-se por muito tempo com o fato de que, justamente nesse final do século XX, as pessoas tenham colocado, com tanta insistência, a questão do poder”.9 Para o pensador é inevitável a interrogação, já que, no século XIX (recente para a época que escreve) o mundo havia experimentado duas “epidemias” como o fascismo e o nazismo. Parece ficar claro que essas doenças foram possíveis por não se colocar um limite ao excesso de poder. Na realidade parece que a grande dificuldade é estabelecer o quando este limite está sendo sobreposto. Poderíamos, assim como o próprio Foucault supõe, enumerar uma série de “tipos” de poder, entretanto, parece-me que a manifestação do poder, independentemente do contexto, emerge para um fato: o domínio. O dominar as coisas e os seres se relacionava a deus ou aos deuses na antiguidade, no entanto, com o passar do tempo e mesmo lá (na antiguidade) já haviam pessoas que buscassem atingir tal coisa. Fato é que, ao longo da história do

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FOUCAULT, M. A Filosofia Analítica da Política, pág. 38.


pensamento político, percebemos uma evolução do modus operande do Estado. Enquanto num momento se proibia a defesa dos interesses próprios do cidadão, em outro, como o que vemos hoje em dia, o Estado é que defende seus próprios interesses. Na realidade, esse fator ocasionou muitas e muitas guerras. Sempre em razão do domínio, do poder. O poder pastoral mencionado por Foucault poderia ser visto, sem querer fazer um juízo de valor, mas já fazendo, como algo bom, no que concerne a direção do ser para uma vida virtuosa. Entretanto, este poder quando corrompido e utilizado para seus interesses pode ser algo extremamente destruidor. O poder é tanto mais individualizante quanto mais, paradoxalmente, ele for burocrático e estatal. Se o pastorado perdeu, em sua forma estritamente religiosa, o essencial de seus poderes, ele encontrou no Estado um novo 10 suporte e um princípio de transformação.

Não foram poucos os Estados que conhecemos na história da humanidade que tinham uma religião oficial. Gosto de pensar que todos, sem exceção, aderem a alguma religião. Para se ter uma vida religiosa basta ter uma vida regrada, com doutrinas bem definidas e rituais, mesmo que inconscientes, bem claros e significativos. A religiões que acreditam num deus, outras em mais e existem aqueles em que o indivíduo humano se define como o próprio deus. Pois bem, resumidamente, é possível verificar que todos acreditam em algo e aderem aquilo em que acreditam, isto é, todos vivem conforme aquilo que acreditam. Ninguém pode dizer: não acredito em nada. Pois este nada em que acredita conduz sua vida. Sendo assim, fica evidente que embates políticos também estão intimamente ligados com embates teológicos. As guerras são originadas pelo quê? Senão por crenças e ideais diferentes. São originadas com vista a um domínio sim, mas se quer dominar por qual motivo? Senão o de pensar que a melhor coisa é existir um povo só com as mesmas crenças. O grande problema é que cada individuo é uma nação. A questão do poder é, de fato, a questão central dos embates políticos, pois é através do poder que se conquista, que se domina e que se atinge o econômico, sempre ligado a questão política.

10

Idem, pág. 55.


Capítulo III A relação político-teológica Um dos autores mais interessantes que precisamos ter por base para clarificar a relação político-teológica, principalmente no que concerne a conceitos, é Carl Schmitt. O pensador afirma que “todos os conceitos concisos da teoria do Estado moderna são conceitos teológicos secularizados”. 11 É interessante notar o modo como o autor de diversas obras, como “Catolicismo Romano e Forma Política” e “Teologia Política”, aponta diversas analogias em relação ao Estado moderno e a teologia. Segundo Schmitt, o Estado interfere em todos os âmbitos da vida social e, em algumas das vezes, o compara a um deus, ou seja, o legislador onipotente. Onipotente, soberano, legislador, justo, etc. são vários dos termos sempre imanentes na teologia, mas a tempos adotados pelo político. Na realidade essa dualidade entre política e teologia por alguns pensadores, geralmente ligados a religião, não era bem quista. Um dos pontos centrais no pensamento de Schmitt é a distinção feita entre os conceitos de representação e delegação. “Representar quer dizer tornar visível e presentificar um ser invisível através de um ser publicamente presente”, 12 ou seja, o catolicismo romano representará o próprio Cristo. Na construção feita por Schmitt fica claro que mais do que representar o Cristo e torná-lo visível a Igreja Católica Romana é então o Cristo, que só pode se tornar presente e visível através de sua representação pela Igreja. A delegação, por sua vez, “a realidade que delega poderse-ia expressar a si mesma, sendo apenas por conveniência substituída por outra”. 13 Neste contexto, faz sentido o motivo pelo qual Schmitt entende que a situação política e espiritual contemporânea carece do princípio da representação. Por isso, a racionalidade contemporânea se opõe a racionalidade católica romana, mesmo assim, Schmitt não vê essa oposição como uma contraposição dialética. “...longe de ser compreensível como contraponto do mecanicismo e da racionalidade econômica e técnica, contrapondo esse que seria apenas pensável a partir desta mesma racionalidade, o catolicismo romano tem outro modo de pensa – caracterizável como jurídico ou 11

SCHMITT, C. Teologia Política, pág. 35. SCHMITT, C. Catolicismo Romano e Forma Política, pág. 10. 13 Idem, pág. 10. 12


institucional - , uma outra racionalidade – caracterizável como representativa - , que pelo pensar econômico e técnico não pode ser 14 abarcado nem compreendido”.

Notamos,

assim,

na

abordagem

do

pensador

a

incapacidade

de

representação da época do pensar técnico e econômico. Tanto o pensar técnico quanto o econômico exigem uma presença real das coisas, destituindo qualquer tipo de representação. Para o autor a Igreja católica romana surge como “um modelo paradigmático do Estado enquanto forma da sociedade política”.15 Em suma, o que Schmitt está enfatizando em sua obra é o processo de secularização de conceitos teológicos no pensar técnico e econômico, ou seja, na política. A secularização evidencia a incapacidade da sociedade moderna de conferir um fundamento para a ordem, ou ainda de construir uma ordem política. A Igreja mantém viva, neste contexto, a noção de autoridade sob o qual pode se abrigar uma autêntica prática política. Os séculos XVII e XVIII eram dominados por essa idéia; excluindo a forma decisionista de seu pensamento, um dos motivos pelos quais Hobbes, apesar do nominalismo e cientificidade das ciências naturais, apesar de sua redução do indivíduo ao átomo, permanece personalista e postula uma última instância concreta decisiva e também eleva seu Estado, o Leviathan, a uma pessoa monstruosa, justamente no sentido mitológico. Nele, isso não é antropomorfismo; disso ele estava inteiramente livre. Trata-se de uma necessidade metódica e sistemática de um pensamento jurídico. A imagem do arquiteto e construtor do mundo contém, entretanto, a falta de clareza do conceito de causalidade. O construtor do mundo é, simultaneamente, autor e legislador, ou seja, autoridade legitimadora. Durante todo o Iluminismo e a Revolução Francesa, aquele que 16 constrói o Estado e o mundo é olégislateur.

Segundo Schmitt, essa concepção teísta (decisionista), que compreendemos na citação acima, permanece até o século XIX, quando é substituída por uma concepção deísta. Se não há mais espaço para o milagre nesta nova concepção na esfera jurídica não há mais espaço para a exceção. Aparecem, portanto, duas

14

Idem, pág. 12. Idem, pág. 14. 16 SCHMITT, C. Teologia Política, pág. 44. 15


metafísicas na modernidade, ou melhor, duas teologias políticas. Uma seria expressa nas ideologias de inclinação/tendência liberal e informa uma compreensão da realidade em que predomina a idéia de imanência e a outra evidencia a noção de transcendência e seria de caráter decisionista, manifestando-se inicialmente no século XVII e mais tarde no pensamento contra-revolucionário, especialmente em Donoso Cortés, tão citado por Schmitt. Para o professor Helton Adverse, do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais, se o princípio decisionista não é incompatível com a metafísica moderna, então a secularização, que ela inegavelmente operou, guarda ainda um interesse político. Se isso for verdade, então a crítica de Schmitt à modernidade tem de ser avaliada a partir de sua leitura dos autores modernos que, em um contexto de secularização, conceberam a política em termos personalistas. Nesse caso, a secularização assumiria um outro papel na teoria de Schmitt: reivindicando a conexão entre teologia e política, oferece a única possibilidade de uma fundamentação para o político em um tempo no qual a perda da transcendência implica constantemente a ameaça de "esvaziamento do mundo".


Conclusão Podemos concluir através de tudo que aqui foi exposto que aquilo que denominamos historicamente como teologia e política relacionam-se intimamente. Há em certo sentido uma dualidade iminente, mas de outro ponto de vista não. Fato é que a teoria do Estado moderno, assim como já vimos em Schmitt, adotou e/ou se apropriou de diversas terminologias teológicas. Como se não bastasse tanto na análise de Foucault em relação ao poder como a estrutura e construção feita por Schmitt deixa claro que muitas vezes a própria religião já esteve adiantando uma série de questões que viria a se tornar realidade no pensamento político. Aliás, citando aqui Max Weber, percebemos através de sua obra “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” que, segundo o pensador, a reforma protestante contribui e muito com o progresso do capitalismo. Esta contribuição modificou em muitos aspectos a historio do pensamento moderno. Pois bem, dito isso, podemos assumir que conceitos como Soberania, Revelação, Representação, etc. tornaram-se fundamentais no processo de desenvolvimento da teoria do Estado moderno que contemplou questões da vida social humana.


Bibliografia

FOUCAULT, Michel. A Filosofia Analítica da Política, editora Forense Universitária, 2ª edição, São Paulo, 2006.

LAW, Stephen. Filosofia, Jorge Zahar Editor, 2ª edição, 351 páginas, Rio de Janeiro, 2009.

SCHMITT, Carl. Catolicismo Romano e Forma Política, Hugin Editores, 1ª edição, 55 páginas 1998.

SCHMITT, Carl. Teologia Política, Editora Del Rey, 1ª edição, 152 páginas, Belo Horizonte, 2006.


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