[cap 1] A Prisioneira

Page 1

1

F

ogo, pensou Cassie. Só o que via à sua volta eram as cores intensas do outono. O amarelo alaranjado do bordo-açucareiro, o vermelho vivo do sassafrás, o carmim dos arbustos de sumagre. Era como se o mundo todo ardesse com o elemento de Faye. E eu estou presa no meio disso. O enjoo na boca do estômago de Cassie piorava a cada passo que ela dava pela Crowhaven Road. A casa vitoriana amarela no final da rua estava linda como sempre. Os raios de sol formavam um arco-íris, como um prisma que pendia na janela mais alta. Uma menina de cabelos compridos e castanho-claros a chamava da varanda. — Rápido, Cassie! Está atrasada! — Desculpe — disse Cassie, tentando se apressar quando o que realmente queria era dar meia-volta e fugir para o outro lado. Teve a súbita e inexplicável convicção de que seus pensamentos íntimos deviam estar transparecendo no rosto. Laurel daria uma olhada nela e saberia tudo o que aconteceu com Adam na noite anterior, e tudo sobre o trato com Faye. 7

Círculo_Secreto_A-Prisioneira.indd 7

19/04/2012 08:50:43


Mas Laurel apenas a pegou pelo pulso e a conduziu para dentro da casa, subindo até o quarto de Diana, que estava parada na frente do grande armário de nogueira; Melanie estava sentada na cama. Sean, no banco da janela, inquieto, esfregando os joelhos com as palmas das mãos. Adam estava ao seu lado. Ele levantou a cabeça quando Cassie entrou. Ela encontrou aqueles olhos cinza-azulados só por um segundo, e foi o suficiente. Eram da cor do mar no que ele tinha de mais misterioso, iluminado pelo sol na superfície, ocultando profundezas incompreensíveis. O restante do rosto era o mesmo de sempre: cativante e intrigante, o orgulho aparecendo nas maçãs do rosto pronunciadas e na boca determinada, mas também havia sensibilidade e humor. Seu rosto parecia diferente só porque na noite passada Cassie tinha visto aqueles olhos azuis meia-noite com paixão e sentido aquela boca... Nem por palavras, olhares ou gestos, disse ela a si mesma intensamente, olhando o chão, porque não se atrevia a levantar a cabeça de novo. Mas seu coração estava tão acelerado que ela esperava ver a frente do suéter palpitando. Ah, meu Deus, como conseguiria cumprir seu juramento? Era preciso uma quantidade incrível de energia só para se sentar ao lado de Melanie e não olhar para ele, para bloquear o calor carismático de sua presença em sua mente. É melhor se acostumar com isso, disse Cassie a si mesma. Porque será assim muitas vezes a partir de agora. — Que bom, estamos todos aqui — disse Diana. Ela se aproximou e fechou a porta. — Esta é uma reunião fechada — continuou, virando-se para o grupo. — Os outros não 8

Círculo_Secreto_A-Prisioneira.indd 8

19/04/2012 08:50:43


foram convidados porque não sei se eles têm os mesmos interesses que a gente de verdade. — Você está atenuando — disse Laurel em voz baixa. — Eles vão ficar chateados se descobrirem — comentou Sean, os olhos negros disparando entre Adam e Diana. — Que fiquem — disse Melanie sem emoção alguma. Seus olhos cinzentos e frios estavam fixos em Sean e ele corou. — Isto é muito mais importante do que qualquer ataque que a Faye possa ter. Precisamos descobrir o que aconteceu com aquela energia maligna... E agora. — Acho que sei um jeito — informou Diana. De uma bolsa de veludo branca, ela retirou uma pedra verde delicada numa corrente de prata. — Um pêndulo — disse Melanie imediatamente. — Sim. E isto é peridoto — explicou Diana a Cassie. — É uma pedra visionária... Não é, Melanie? Em geral usamos quartzo transparente como pêndulo, mas desta vez acho que o peridoto é melhor... É mais provável que pegue vestígios da energia maligna. Vamos levá-lo ao lugar onde ela escapou e ele vai se alinhar com a direção que a energia tomou, começando a girar. — Assim esperamos — murmurou Laurel. — Bem, a teoria é essa — disse Melanie. Diana olhou para Adam, que estava estranhamente calado. — O que você acha? — Acho que vale a pena tentar. Mas vai exigir muito poder mental. Temos todos de nos concentrar... Especialmente porque não estamos com o Círculo completo. — Sua voz era calma e equilibrada, e Cassie o admirou por isso. Ela 9

Círculo_Secreto_A-Prisioneira.indd 9

19/04/2012 08:50:43


manteve o rosto voltado para Diana, mas na realidade seus olhos estavam fixos no armário de nogueira. Diana se virou para Cassie. — E você? — Eu? — disse Cassie, assustada, despregando os olhos da porta do armário. Não esperava ouvir pergunta alguma; não entendia nada de pêndulos ou peridoto. Para seu pavor, ela sentiu seu rosto corar. — Sim, você. Pode ser inexperiente nos métodos que usamos, mas em grande parte do tempo você deve sentir as coisas. — Ah. Bem... — Cassie analisou seus sentimentos, tentando ver além da culpa e do terror que a dominavam. — Eu acho... que é uma boa ideia — disse ela por fim, sabendo o quanto parecia desajeitada. — Por mim, tudo bem. Melanie revirou os olhos, mas Diana assentiu com seriedade, como fizera com Adam. — Muito bem então, só o que podemos fazer é tentar — disse ela, baixando o peridoto e sua corrente de prata na palma da mão esquerda e fechando-a com firmeza. — Vamos. Cassie não conseguia respirar; ainda vacilava com o impacto dos olhos verde-claros de Diana, ligeiramente mais escuros do que a pedra, mas com a mesma transparência delicada, como se tivessem uma luz brilhando por trás. Não posso fazer isso, pensou ela. Ficou surpresa ao ver como tudo era simples agora que ela olhava nos olhos de Diana. Não posso fazer isso. Terei de contar a Faye... Não, vou contar a Diana. É isso. Vou contar a Diana eu mesma, antes que Faye o faça, e vou conseguir que ela acredite em mim. Ela vai entender; Diana é tão boa, ela vai ter de entender. 10

Círculo_Secreto_A-Prisioneira.indd 10

19/04/2012 08:50:43


Todos se levantaram. Cassie também se ergueu, virando-se para a porta numa tentativa de esconder a agitação — Devo contar a ela agora mesmo? Pedir que fique aqui um minuto? —, quando a porta se abriu na sua cara. Faye estava parada na soleira. Suzan e Deborah encontravam-se atrás dela. A loura arruivada parecia cruel, e a cara fechada habitual da motoqueira estava ainda mais sombria do que de costume. Atrás delas estavam os irmãos Henderson; Chris franzindo as sobrancelhas e Doug sorrindo de um jeito selvagem que era perturbador. — Indo a algum lugar sem a gente? — disse Faye. Ela falava com Diana, mas seus olhos estavam fixos em Cassie. — Não mais — murmurou Laurel. Diana soltou um suspiro profundo. — Não acho que estejam interessados — disse ela. — Vamos seguir a energia maligna. — Não estamos interessados? Quando todos vocês estão tão ocupados? É claro que só posso falar por mim, mas estou interessada em qualquer coisa que o Círculo faça. E você, Deborah? A cara fechada da motoqueira mudou brevemente para um sorriso de malícia. — Eu estou — disse ela. — E você, Suzan? — Eu estou interessada — concordou Suzan. — E quanto a você, Chris? — Eu estou... — Está bem — disse Diana. Seu rosto estava corado; Adam se postou a seu lado. — Nós entendemos. É melhor com um Círculo completo mesmo... Mas onde está o Nick? 11

Círculo_Secreto_A-Prisioneira.indd 11

19/04/2012 08:50:43


— Não faço ideia — disse Faye friamente. — Ele não está em casa. Diana hesitou, depois deu de ombros. — Vamos fazer o melhor que pudermos com o que temos — disse ela. — Vamos para a garagem. Ela gesticulou para Melanie e Laurel e elas foram primeiro, passando às cotoveladas pelo grupo de Faye, que parecia querer ficar para discutir mais. Adam se encarregou de Sean e o pôs porta afora, depois começou a conduzir os Henderson. Deborah e Suzan olharam para Faye e seguiram os rapazes. Cassie ficou para trás, na esperança de uma chance de falar a sós com Diana. Mas a amiga parecia ter se esquecido dela; estava ocupada encarando Faye. Por fim, de cabeça erguida, passou pela menina alta que ainda bloqueava parte da porta. — Diana... — chamou Faye. Diana não olhou para trás, mas seus ombros se retesaram; ela estava ouvindo. — Vai perder todos eles — continuou, dando sua risada indolente enquanto Diana ia para a escada. Mordendo o lábio, Cassie avançou furiosamente. Um bom empurrão em Faye, ela pensava. Mas Faye a contornou tranquilamente, bloqueando a porta. — Ah, não, você não. Precisamos conversar — disse ela. — Não quero conversar com você. Faye a ignorou. — Está aqui? — Ela passou rapidamente ao armário de nogueira e puxou uma maçaneta, mas a gaveta estava trancada. Todas estavam. — Que droga. Mas você pode descobrir onde ela guarda a chave. Quero essa chave o mais rápido possível, entendeu? 12

Círculo_Secreto_A-Prisioneira.indd 12

19/04/2012 08:50:43


— Faye, você não está me ouvindo! Eu mudei de ideia. Não vou fazer nada. Faye, que esteve zanzando pelo quarto como uma pantera, tirando proveito desta oportunidade única de examinar as coisas de Diana, parou de repente. Então se virou devagar para Cassie e sorriu. — Ah, Cassie — disse ela. — Assim você me mata. — Estou falando sério. Mudei de ideia. — Faye se limitou a sorrir para ela, recostando-se na parede e balançando a cabeça. Seus olhos dourados de pálpebras pesadas cintilavam de diversão, a cabeleira preta caindo pelos ombros quando mexia a cabeça. Ela nunca estivera tão bonita — nem tão perigosa. — Cassie, vem cá. — A voz de Faye estava um pouco mais tensa, de impaciência, como uma professora que fala com muita tolerância com uma aluna atrasada. — Deixa eu te mostrar uma coisa — continuou, pegando Cassie pelo cotovelo e a arrastando para a janela. — Agora olha lá para baixo. O que você vê? Cassie parou de lutar e olhou. Viu o Clube, o grupo da escola de New Salem, os garotos que assombravam — e aterrorizavam — alunos e professores. Viu que se reuniam na entrada da garagem de Diana, com as cabeças brilhando sob os primeiros raios do poente; o louro arruivado de Suzan transformando-se em vermelho, os cachos escuros de Deborah com um toque de rubi, o cabelo comprido e castanho-claro de Laurel, o castanho e curto de Melanie e o louro desgrenhado dos irmãos Henderson, todos destacados pelo brilho avermelhado do céu. 13

Círculo_Secreto_A-Prisioneira.indd 13

19/04/2012 08:50:43


E ela viu Adam e Diana, próximos, a cabeça de Diana apoiada no ombro de Adam. Ele a abraçava de um jeito protetor, o cabelo escuro como vinho. A voz de Faye veio de trás de Cassie. — Se contar a ela, vai matá-la. Vai destruir sua fé, tudo em que ela mais acredita. E vai tirar dela a única coisa em que ela confia, de que ela depende. É o que você quer? — Faye... — Cassie fervilhava. — E aliás, vai ser banida do clube. Você sabe disso, não sabe? Como acha que Melanie e Laurel vão se sentir quando souberem que você andou se agarrando com o namorado de Diana? As duas nem vão falar com você de novo, nem mesmo para completar o Círculo. O coven também será destruído. Os dentes de Cassie estavam trincados. Ela queria bater em Faye, mas não adiantaria nada. Porque Faye tinha razão. E Cassie pensou que podia suportar ser rejeitada, ser uma pária na escola de novo; até pensou que suportaria destruir o coven. Mas a imagem do rosto de Diana... Isso mataria Diana. Quando Faye terminasse de contar, a mataria. A fantasia de Cassie de confessar a Diana e conseguir que ela compreendesse desapareceu como uma bolha de sabão estourando. — E o que quero é tão razoável — continuava Faye, quase cantando. — Só quero olhar o crânio um pouquinho. Sei o que estou fazendo. Você vai pegar para mim, não vai, Cassie? Não vai? Hoje? Cassie fechou os olhos. Através das pálpebras fechadas, a luz era vermelha como fogo.

14

Círculo_Secreto_A-Prisioneira.indd 14

19/04/2012 08:50:43


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.