ATUALIDADE, PROFUNDIDADE E NARRATIVA LITERÁRIA:A REPORTAGEM COMO FATOR DE DISTINÇÃO NA REVISTA PIAUÍ

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CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

Thiago Luiz Stürmer

ATUALIDADE, PROFUNDIDADE E NARRATIVA LITERÁRIA: A REPORTAGEM COMO FATOR DE DISTINÇÃO NA REVISTA PIAUÍ

Santa Cruz do Sul, junho de 2010


Thiago Luiz Stürmer

ATUALIDADE, PROFUNDIDADE E NARRATIVA LITERÁRIA: A REPORTAGEM COMO FATOR DE DISTINÇÃO NA REVISTA PIAUÍ

Trabalho de conclusão apresentado ao Curso de Comunicação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo.

Orientador: Prof. Dr. Demétrio de Azeredo Soster

Santa Cruz do Sul, junho de 2010


Thiago Luiz Stürmer

ATUALIDADE, PROFUNDIDADE E NARRATIVA LITERÁRIA: A REPORTAGEM COMO FATOR DE DISTINÇÃO NA REVISTA PIAUÍ

Este trabalho de conclusão de curso foi apresentado ao Curso de Comunicação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo.

Dr. Demétrio de Azeredo Soster Professor orientador

Dra. Fabiana Piccinin

Ms. Paulo Pinheiro


AGRADECIMENTOS

Ao Demétrio, que orientou esta pesquisa, pela paciência com as limitações do aluno, pelos ensinamentos, pelas correções precisas. À Unisc, pela concessão da bolsa. À Muri, à família e aos amigos, pelo incentivo


A melhor notícia nem sempre é a que se dá primeiro, mas muitas vezes a que se dá melhor. (García Márquez, A melhor profissão do mundo)


RESUMO Partindo do princípio de que a revista Piauí, por suas características, representa um paradoxo no cenário do jornalismo contemporâneo, esta pesquisa busca explicitar como tal publicação se estabelece editorialmente. Para tanto traçamos um panorama histórico do surgimento e da evolução do jornalismo no formato revista e revisamos as discussões a cerca dos diferentes gêneros jornalísticos, com ênfase na evolução do jornalismo interpretativo, no qual se inserem os textos da Piauí. E depois de definirmos os aportes metodológicos utilizados, analisamos 15 reportagens da Piauí, com o objetivo de compreender quais os recursos que diferenciam os textos da Piauí de outras publicações, e como esses recursos são utilizados.

Palavras-chave: jornalismo interpretativo; revista; atualidade; profundidade; narrativa literária


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................8 1 FORMAÇÃO E IDENTIDADE DAS REVISTAS...............................................................11 1.1 O surgimento da revista......................................................................................................11 1.2 As revistas no Brasil...........................................................................................................13 1.2.1 A primeira grande revista brasileira: O Cruzeiro.............................................................14 1.2.2 A aposta na imagem: a revista Manchete.........................................................................18 1.2.3 O apogeu da reportagem: a revista Realidade..................................................................21 1.2.4 A última grande revista nacional: Veja............................................................................24 2 ALGUMAS DEFINIÇÕES PARA OS GÊNEROS JORNALISTICOS...............................28 2.1 O gênero interpretativo.............................................................................................................................31 2.1.1 Diferenciações entre jornalismo interpretativo e diversional..........................................35 3 PIAUÍ, UMA REVISTA DIFERENCIADA.........................................................................38 3.1 A valorização do texto em Piauí.........................................................................................46 4 DOS MÉTODOS DE ANÁLISE...........................................................................................52 4.1 A revisão bibliográfica........................................................................................................53 4.2 Estudo de caso..................................................................................................................... 4.3 Análise de conteúdo............................................................................................................54 4.4 Ferramenta de análise pessoal.............................................................................................55 4.4.1 As unidades de análise.....................................................................................................56 4.4.1.1Atualidade......................................................................................................................56 4.4.1.2 Profundidade.................................................................................................................57 4.4.1.3 Narrativa literária..........................................................................................................58 5 CARACTERISTICAS DAS REPORTAGENS DA REVISTA PIAUÍ................................62 5.1 Análise das reportagens......................................................................................................62 Alguns apontamentos................................................................................................................84 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................85 REFERÊNCIAS........................................................................................................................89


INTRODUÇÃO Autores de pesquisa em jornalismo sempre se dedicaram a compreender e delinear as transformações decorrentes da evolução da sociedade nessa atividade profissional e em sua produção. Ciro Marcondes Filho divide a evolução do jornalismo em quatro fases. A primeira fase é caracterizada por seus valores e literários, a segunda pelo estabelecimento da imprensa de massa e a terceira pela imprensa monopolista. A quarta fase, e atual, é definida pela implantação de novas tecnologias, pela disseminação da informação eletrônica e pela interatividade. A quarta fase começou na década de 1970, quando os meios digitais passar a interferir no jornalismo. Mas a grande mudança iniciou a partir da metade da década de 1990, com a transposição do conteúdo jornalístico para a internet. Hoje, os principais valores da produção jornalística são o impacto visual, a velocidade, a precisão e a atualização contínua. No entanto, nos últimos anos, estão se estabelecendo no mercado jornalístico veículos de comunicação em formato que contraria esses preceitos. Um exemplo é a revista Piauí. Criada em 2006 pelo documentarista João Moreira Salles, Piauí se caracteriza por privilegiar a escrita em detrimento a informação visual e por trazer reportagens aprofundadas, com textos longos e minuciosos ao invés de informações rápidas e curtas. Pouco antes da publicação da primeira edição da Piauí, João Moreira Salles ouviu de um famoso editor que uma revista com a que ele tinha condições de vender mais do que cinco mil exemplares por mês mercado do Brasil. Os mais otimista diziam que a tiragem poderia chegar a 10 mil exemplares. Na época da execução dessa pesquisa, eram comercializados por mês 60 mil exemplares da Piauí, e a tiragem estava em permanente crescimento. Essa monografia pretende auxiliar na compreensão dos motivos que fazem com Piauí tenha se estabelecido de forma tão contundente no mercado editorial nacional. Para isso, nos dedicamos a analisar o conteúdo publicado pela revista em questão. Para cumprir com esse objetivo, utilizamos de três técnicas de pesquisa bastante consolidadas nas pesquisas em jornalismo: revisão bibliográfica, estudo de caso e análise de conteúdo, além de um método pessoal que desenvolveremos especificamente para este estudo.


Inicialmente, afim de delinearmos a trajetória de evolução das revistas, fizemos um resgate histórico do formato, desde seu surgimento até a consolidação, que passa pela inovação trazida por títulos como Time, Life e The New Yorker. No Brasil, as revistas que mais se destacaram ao investir em jornalismo diferenciado foram O Cruzeiro, Manchete, Realidade e Veja. Cada uma dessas publicações, foi em seu tempo, inovadora. O Cruzeiro, revista fundada em 1928, foi a primeira a investir em nos textos aprofundados e na valorização das fotografias. Manchete, de 1952, consolidou o destaque às imagens – dessa vez em cores – e também investiu em boas reportagens. A revista Realidade, da Editora Abril, representa uma das melhores experiências nacionais no que tange ao jornalismo de revista com reportagens aprofundadas e texto literário. Veja, por sua vez, se consolidou ao investir na cobertura política – assunto que mais mobilizava o país à época de sua criação – e, mais recentemente, no denuncismo político e na opinião contundente. Avançando na pesquisa, revisamos uma discussão que embora exista formalmente no Brasil há pelo menos três décadas, continua motivando diferentes propostas de interpretação: as definições dos gêneros jornalísticos. Ao tratamos do tema, temos por objetivo a conceituação dos textos publicados na revista Piauí e a definição de suas características. Entendemos que os textos de Piauí tem características de dois gêneros distintos, o interpretativo e o diversional, ao serem escritos com técnicas literárias, na qual o autor se preocupa menos em seguir padrões e técnicas de redão jornalística para dar ao leitor uma visão mais humanizada dos fatos. Mas classificamos os textos como interpretativos porque eles têm compromisso com a atualidade, característica não encontrada nos textos de jornalismo diversional. No terceiro capítulo, tratamos da história e das características da publicação que é nosso objeto de estudo, a revista Piauí. Tal medida é importante para que possamos entender o contexto no qual a publicação se insere, quais os modos de produção da revistas, quem são os responsáveis por sua criação e quais suas características editorias. No quarto capítulo, identificamos e explicamos as operações teóricas e técnicas que compuseram a construção de nossa pesquisa. Como já foi dito, utilizamos, como técnicas de revisão bibliográfica, estudo de caso, análise de conteúdo.

Buscamos definir esses três


métodos de investigação e, dessa forma, justificar seu uso na resolução de nosso problema de pesquisa. Para definir como se caracterizam os textos da Piauí, analisamos as características comuns em 15 principais reportagens publicadas entre junho e outubro de 2009 na revista. Essas características são a atualidade, a profundidade e a narrativa literária. O que pretendemos é compreender como essas características estão inseridas nos textos da Piauí e qual seu papel, pois acreditamos que o formato das reportagens da revista são sua principal diferenciação em relação a outros veículos – e representam por isso mesmo elementos importantes da composição do sistema jornalístico atual.


1 FORMAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E IDENTIDADE DAS REVISTAS Neste primeiro capitulo, é preciso que recuperemos a trajetória de evolução do formato jornalístico alvo da pesquisa, a revista. Compreender as características e a desenvolvimento das revistas é importante para que possamos, adiante, compreender o contexto histórico no qual está inserido a revista Piauí e o modelo de jornalismo desenvolvido por esta publicação. Nas próximas páginas, faremos um resgate histórico sobre o surgimento do suporte revista, primeiro, no mundo; depois, no Brasil. Buscando objetividade e clareza, optamos por tratar de maneira aprofundada quatro títulos. São as revistas nacionais que mais se destacaram em toda a história, seja nos números de tiragem, prestígio, ou qualidade editorial. Cada uma delas, têm características particulares, mas todas foram, em seu momento, inovadoras. São as revistas O Cruzeiro, Realidade, Manchete e Veja. Mais que uma revisão biblio-historiográfica, trata-se de uma maneira de avançarmos em nosso problema de pesquisa, as características do jornalismo interpretativo produzido na revista Piauí. Ademais, ao se estudar títulos que investiram nas reportagens em profundidade como principal atrativo editorial, refletiremos, por conseqüência, sobre o surgimento deste tipo de produção jornalística e sua evolução até chegarmos ao seu formato contemporâneo, desenvolvido por Piauí. 1.1 O surgimento da revista Segundo pesquisas de Scalzo (2003) e Corrêa (2010), a primeira revista que pode ser classificada assim chamava-se Edificantes Discussões Mensais¹. A publicação foi lançada em 1663, na Alemanha. Apesar de assemelhar-se fisicamente a um livro, é classificado pelos autores como revista porque era segmentada – sempre trazia artigos sobre teologia – tinha periodicidade fixa, como denota seu nome, e era voltada para um público específico. Logo, publicações semelhantes foram lançadas em outros países da Europa. Todas tinha formato físico semelhante ao do livro e não se autodenominavam revistas. Mesmo assim, “deixavam clara a missão do novo tipo de publicação que surgia: destinar-se a públicos específicos e aprofundar os assuntos – mais que os jornais, menos que os livros”. (SCALZO, 2004, p.19).


The Gentleman’s Magazine, publicada em Londres em 1731, e The Ladies Magazine, lançada um pouco depois, em 1779, foram as primeiras revistas com formato semelhante ao que conhecemos hoje. Buscavam apresentar os temas de forma leve e agradável e reuniam assuntos variados - como os magazines, lojas que vendiam um pouco de tudo. A partir daí, o termo magazine passou a designar revista em inglês e em francês. Até o fim do século 18, com a evoluções na sociedade trazida pela Revolução Industrial1 e a conseqüente facilitação nos processos de impressão, já havia no mercado uma centena de publicações. A quantidade de títulos aumenta no mesmo ritmo em que os países se desenvolvem, o analfabetismo diminui, cresce o interesse por novas idéias. Ao longo do século 19, a revista ganhou espaço, virou e ditou moda. (...) Com o aumento dos índices de escolarização, havia uma população alfabetizada que queria ler e se instruir, mas não se interessava pela profundidade dos livros, ainda vistos como instrumentos da elite e pouco acessíveis. Com o avanço técnico das gráficas, as revistas tornaram-se o meio ideal, reunindo vários assuntos num só lugar e trazendo belas imagens para ilustrá-los. Era uma forma de fazer circular, concentradas, diferentes informações sobre os novos tempos, nova ciência e as possibilidades que se abriam para a população que começava a ter acesso ao saber (SCALZO, 2004, p. 20).

A revista que mais contribuiu para o progresso do gênero foi a Time. A publicação foi fundada em 1923 e continua sendo uma das mais prestigiadas do mundo. A Time foi a primeira publicação semanal de notícias de generalidades e inspirou, como veremos adiante, a criação da Veja, pela Editora Abril, 48 anos depois, em 1968. Os fundadores da Time queriam trazer as notícias da semana, organizadas em sessões, sempre narradas de maneira concisa e sistemática. dando-lhes contexto e opinião. “O homem ocupado não tem tempo para perder, achavam Hadden e Luce em 1923, antecipando uma verdade que hoje nos aflige ainda mais” (CORRÊA, 2010, On-line) Outro título destacado por Marília Scalzo (2004, p. 23) é Life, de 1936. A revista, fundada por Henry Luce – que também participou da fundação da Time – aproveita o desenvolvimento da fotografia para fundamentar-se justamente nas imagens. Outra característica foi a melhora na qualidade do papel, que aumentava ainda mais a valorização das fotografias. _________________________________ 1

Conjunto de mudanças tecnológicas iniciadas na Inglaterra meados do século XVIII e logo expandido para os outros países. Ao longo do processo, a era agrícola foi superada, a máquina suplantou o trabalho humano, uma nova relação entre capital e trabalho se impôs, novas relações entre nações se estabeleceram e surgiu o fenômeno da cultura de massa, entre outros eventos.


Dois fenômenos editorias do Brasil, O Cruzeiro e Manchete, seguem a fórmula criada na Life, como veremos mais adiante. Também considerada importante por Correa, e relevante no nosso trabalho, por ter inspirado o formato seguido por Piauí, é a revista The New Yorker, criada por Harold Ross em 1925, nos Estados Unidos, e que até hoje continua a ser uma das publicações mais prestigiadas no mundo. A revista se destaca pela reportagens em profundidade sobre pontos de vista originais e com narrativa literária. Como a Piauí, a The New Yorker publica contos de ficção, poesias e histórias em quadrinhos em praticamente todas as edições. É semelhante também a formatação gráfica das duas revistas, com prioridade para os textos – sempre longos – em detrimento às fotos. Credita-se à The New Yorker, ainda, a invenção do modelo de texto que chamamos de perfil. O perfil, define, Sérgio Vilas Boas é “um tipo de texto biográfico sobre uma – uma única - pessoa, famosa ou não, mas viva, de preferência”. O autor explica ainda as diferenças do perfil e da biografia do personagem. A biografia é uma composição superdetalhada de várias “textos biográficos” (facetas, episódios, convivas, pertences, legados, o feito, o não-feito etc.). Enquanto um biógrafo se detém em um extenso conjunto de inputs, o autor de um perfil se concentra em apenas alguns aspectos do personagem central. O personagem central – assim é melhor que “perfilado” (palavra horrível) – é a razão de ser de um perfil. Se a individualidade fosse banida do mundo e os humanos não passassem de robôs programáveis, sem estilo nem identidade, o gênero perfil simplesmente não existiria. O perfil se atém à individualidade, mas não ao individualismo vulgar. (VILAS BOAS, 2010, On-Line)

1.2 As revistas no Brasil Após delinearmos os principais momentos do surgimento do meio revista no mundo, passamos, agora, a tratar do desenvolvimento do formato e de sua identidade no Brasil. Como lembra Scalzo (2003), a história das revistas no país, como a história da imprensa em geral, em qualquer parte do mundo, confunde-se com a história econômica e industrial. Como a publicação de qualquer tipo de produção jornalística só foi permitida no Brasil depois da chegada da Família Real, em 1808, a primeira revista só foi impressa no país em 1812. Chamava-se As Variedades ou Ensaios de Literatura,e era produzida em Salvador. Como outras da época, era muito parecida com um livro e se propunha a publicar diversos assuntos, desde pequenas novelas até clássicos da literatura portuguesa, passando por anedotas e artigos científicos.


Em 1827, é impressa a primeira revista segmentada por tema, a reboque da beletrização da elite profissional do país recém independente. Chama-se O propagador das Ciências Médicas e foi publicado pela Academia de Medicina do Rio de Janeiro. E nesse mesmo ano surge a primeira revista feminina nacional, Espelho Diamantino. Dirigida às mulheres, a publicação tratava de assuntos que até hoje pautas as revistas de diversidade política, moda, teatro, literatura. Essas duas revistas - e a maioria das outras que existiam na época - foram extintas em pouco tempo, devido à falta de assinantes e de recursos. O cenário começa a mudar com a revista Museu Universal, de 1937, voltada a uma parcela da população recém-alfabetizada, com o propósito de oferecer cultura e entretenimento. Abusando do uso de ilustrações e com pequenos textos, Museu Universal era o meio ideal para essa que os recém conquistados leitores se informassem. Com essa fórmula, copiada dos magazines europeus, o jornalismo de revista brasileiro começou a se expandir. Conforme a pesquisa de Scalzo (2003) foram lançados centenas de títulos entre o final do século XIX e o inicio do século XX, durante a chamada Belle Époque. A maioria deles no Rio de Janeiro, centro político e cultural da república. Acompanhando as transformações científicas e tecnológicas, as revistas passam a apresentar um nível de requinte visual antes inimaginável. Começam a apareces as primeiras fotografias e ilustrações. Um dos títulos mais destacados é a Revista Ilustrada, fundada em 1860 por Henrique Fleuiss, que vale-se desses recursos gráficos. Mas a primeira revista a efetivamente usar o fotojornalismo no Brasil foi a Cruzeiro – inicialmente sem o artigo no inicio no nome –, sobre a qual falaremos a seguir. 1.2.1 A primeira grande revista brasileira: O Cruzeiro O Cruzeiro foi a principal revista brasileira da primeira metade do século XX. O projeto da publicação era foi idéia do jornalista português Carlos Malheiro Dias. Mas quem acabou comprando o título efetivamente iniciando sua impressão foi o dono dos Diários Associados2, Assis Chateaubriand. Chateaubriand, como conta Morais (1994, p. 177) na _________________________________ 2

Os Diários Associados chegaram a reunir 36 jornais, 18 revistas, 36 rádios e 18 emissoras de televisão, em todo o Brasil além da revista O Cruzeiro. Com a morte de Chateaubriand, em 1968, as empresas entraram em decadência, culminando, em 1980, com o fechamento da TV Tupi.


biografia que escreveu sobre o empresário e jornalista, tinha a intenção de desenvolver um produto jornalístico que atingisse todo o país. Por meio de amigos, tomou conhecimento das intenções de Malheiro Dias e, em 1928, com a ajuda do então ministro da Fazenda Getúlio Vargas, conseguiu o dinheiro necessário para comprar a idéia e iniciar O Cruzeiro. À época já proprietário da maior cadeia de jornais que existiu no país, Chateaubriand conhecia como nenhum outro o mercado editorial, suas possibilidades e demandas. Logo, O Cruzeiro tinha um projeto editorial definido: “Uma revista com papel de alta qualidade, repleta de fotografias, contaria com os melhores articulistas e escritores do Brasil e do exterior”. (MORAIS, 1994, 178). Cruzeiro seria semanal, com tiragem de 50 mil exemplares, que circulariam em todas as capitais e principais cidade do Brasil. O Cruzeiro surgiu no governo de Washington Luiz Pereira de Souza. Era um período de intensa migração do campo para as cidades. O Brasil registrava o aumento da vida urbana. Fábricas se espalhavam às dezenas. Para os leitores de O Cruzeiro, a revista era o reflexo do processo de modernidade pelo qual passava a sociedade brasileira. Em pouco tempo, a revista se firmou como a principal publicação nacional. E sua Redação foi pioneira ao tratar de reportagens profundas sobre questões nacionais. Nos 46 anos que circulou, inclusive no exterior, em países como Portugal, Argentina, Chile e México, O Cruzeiro foi considerada a maior revista da América Latina, chegando a uma tiragem de 700 mil exemplares na década de 1960, seu período-auge. Além lançar nomes na política e nas artes, o periódico foi um dos veículos de comunicação mais poderosos que o país já teve. Um exemplo é o próprio Getúlio Vargas, que O Cruzeiro ajudou a levar ao poder na década de 1930 e que também ajudou a depor em 1944. Moraes (1997, p. 194) destaca que O Cruzeiro valorizava a produção literária, refletindo o interesse de seu publisher pelas artes. Logo em suas primeiras edições, foi lançado um concurso de contos e novelas destinado a descobrir novos talentos da literatura. Em poucas semanas, mais de 400 trabalhos chegaram a redação da revista. Entre os dez finalistas dois nomes chamaram a atenção especial pela qualidade de sua produção e pela pouca idade. Um deles era o futuro general e historiador Nelson Weneck Sodré, autor do clássico História da imprensa no Brasil (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966), à época com 18 anos. O outro, do interior de Minas Gerais, era um jovem de 21 anos chamados


João Guimarães Rosa, que anos seria consagrado como um dos maior escritores em língua portuguesa. Serpa (2010) listou um conjunto de artistas – ilustradores, pintores e escritores – que colaboraram para O Cruzeiro: Portinari, Di Cavalcanti, Santa Rosa, Djanira, Ismael Nery, Enrico Bianco, Gilberto Trompowski, Anita Malfatti, Millôr Fernandes, Ziraldo, Carlos Estevão, Alceu Penna, Zélio (irmão de Ziraldo), Humberto de Campos, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Franklin de Oliveira, Austregésilo de Athayde e Manuel Bandeira. O Cruzeiro foi responsável pela implementação de uma nova forma de fazer jornalismo, antes nunca utilizada pela imprensa da época. Foi a primeira vez que a reportagem, modelo de texto jornalísticos estudado nessa pesquisa, foi explorada. Nunca antes houvera tanta preocupação com a diagramação, nem o uso de fotografias daquela forma, impressas em cores, ocupando páginas inteiras. Pode-se dizer que O Cruzeiro foi percussora do fotojornalismo moderno no Brasil. Foi, ainda, uma porta para o surgimento de vários nomes importantes no jornalismo, como David Nasser, na reportagem, e, na fotografia, Jean Manzon. Jean Manzon nasceu em Paris e trouxe muito da experiência francesa para o Brasil. Manzon contribuiu com a implementação das reportagens fotográficas em O Cruzeiro, utilizando a sua experiência de participação em grandes coberturas pela revista Match. Seu talento, e de seu parceiro na maioria das empreitadas, David Nasser, que trabalhava em O Globo e foi escolhido pelo próprio Manzon para ser sua dupla nas reportagens, modificaria por completo o jornalismo nacional. Manzon e Nasser foram os primeiros nomes da segunda fase de O Cruzeiro, iniciada a partir da década de 1940. O período foi marcado pelas reportagens semanais produzidas pela dupla. Juntos, eles participaram de coberturas históricas. Uma das mais famosas é a matéria Enfrentando os Chavantes!, publicada no do dia 24 junho de 1944. A tribo indígena habitava uma área muito isolada na Serra do Roncador, na fronteira do Mato Grosso com o Pará e foi mostrada pela primeira vez por meio das lentes de Manzon e descrita pelo texto de Nasser. Também fez muito sucesso, em junho de 1946, a reportagem Barreto Pinto sem Máscara, veiculada em 29 de junho de 1946 e que custou ao deputado a cassação do mandato.


Luiz Maklouf Carvalho repórter de Piauí, é autor do livro Cobras Criadas (2001), sobre a dupla, e descreve esse episódio: Em onze páginas, da 8 a 18, Manzon e Nasser apresentaram o deputado constituinte Barreto Pinto semidesnudo, em cuecas e fraque. Foi um escândalo, provocou enorme repercussão na mídia e levou à cassação de um restinho de mandato de Edmundo Barreto Pinto, do Partido Trabalhista Brasileiro – a primeira na história política do Brasil. (...) Barreto Pinto explicou, na ocasião, que recebeu os dois repórteres, em casa, a pedido do secretário de redação do Diário da Noite, Sebastião Isaías. E que deixou-se fotografar só com a casaca, em cuecas, porque os dois disseram que só iriam “aproveitar o busto”. (CARVALHO, 2001, p. 151-153).

Nasser, e todos os outros repórteres de O Cruzeiro, relatavam os fatos sem a preocupação com o modelo formal do texto jornalístico, que leva em conta a objetividade da informação. Os textos tinham traços ficcionais e narrativa literária, e em muitos deles, principalmente quando os autores tinham prestígio entre os leitores, caso de Nasser, era usada a primeira pessoa e o texto girava em torno do narrador e de sua ações e observações. O próprio repórter se transformava num personagem. Mas mesmo se tornando cada vez mais moderno, o jornalismo praticado em O Cruzeiro era descompromissado com a ética em vários sentidos. Em seu livro, Luiz Maklouf Carvalho (2001) conta algumas das artimanhas utilizadas pelos repórteres para conseguir matérias de sucesso. Um exemplo está no relato sobre a morte, inventada, do próprio Jean Manzon. A reportagem ficcionista aumentou o prestígio e a popularidade da dupla. Accioly Netto (1998), ex-diretor de redação da revista, também trata da falta de ética em O Cruzeiro em seu livro de memórias. Segundo Netto (1988, p. 51), muitas vezes as matérias das seções eram reaproveitadas das revistas do exterior. Fernando Moraes (1997, p. 370) lembra que muitos textos eram pagos por anunciantes, apesar de isso não ficar explícito aos leitores. O Cruzeiro começou a declinar a partir dos anos 60, com o desuso de suas fórmulas e o surgimento de novas publicações, como a revista Manchete, sobre a qual trataremos a seguir. A ruína chegou definitivamente em 1974, provocada pelas dividas que fizeram sucumbir também os outros veículos do Diários e Emissoras Associados. Além de perder parte do próprio prédio onde estava instalada na rua Livramento, o título O Cruzeiro foi cedido a Hélio Lo Bianco, em pagamento por suas comissões atrasadas (NETTO, 1998, p.164). Também as máquinas, importadas por mais de dois milhões de dólares, foram vendidas a preço de ferro-velho.


1.2.2 A aposta na imagem: a revista Manchete Manchete começou a circular em abril de 1952, um ano depois de Adolpho Bloch ter iniciado seu projeto. O fundador da revista era um imigrante vindo para o Brasil com a família em 1922, infeliz com o regime socialista na sua Russia natal. Bloch, empresário do setor gráfico, apostava que havia lugar no mercado para mais uma revista de circulação nacional, que poderia concorrer com O Cruzeiro. Com base na experiência adquirida nas tipografias da família, tanto na Rússia como no Brasil, alicerçava-se nas possibilidades de introduzir inovações editoriais na publicação e aprimoramentos técnicos no equipamento gráfico para vencer o desafio de concorrer com a poderosa revista de Chateaubriand. O primeiro número da Manchete estampava na capa uma bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e alardeava como exclusividades “Uma grande reportagem de Jean Manzon” e “A verdadeira vida amorosa de Ingrid Bergman”. O fundo escuro, contrastando com o dourado de uma carruagem que servia de cenário e com as chamadas emolduradas em vermelho. A intenção era lançar uma revista em estilo inteiramente novo, com alta qualidade gráfica, muitas reportagens a cores, investindo enfaticamente no aspecto visual. A inspiração publicação francesa Paris-Match, revista de alta qualidade, requintada, cuidadosamente impressa em sofisticado papel couché. Cercada por grandes nomes da imprensa dos anos 1950 e dando cobertura aos acontecimentos relevantes no país e no exterior, a Manchete logo se tornou uma das revistas de maior circulação no país na época. Tinha sucursais, representantes e correspondentes nas principais cidades do Brasil e do mundo, tais como São Paulo, Paris, Lisboa, Londres, Tóquio, Buenos Aires, Montevidéu e Nova Iorque. Segundo o editor Alvimar Rodrigues, entrevistado por Aragão (2010, On-Line) “o Adolpho, com a visão grandiosa que tinha, ele quis lançar essa revista [Manchete] como alguma coisa de muito melhor do que era a grande revista da época, que era O Cruzeiro”. De fato, a Manchete, ao ser lançada, rapidamente suplantou o sucesso de O Cruzeiro, pois se apresentava valorizando um outro aspecto visual, o colorido – muito prezado pelo público leitor em uma época em que a televisão nem existia e depois, quando disseminada, recebia somente imagens em preto e branco.


Levando em consideração as mudanças ocorridas na imprensa nos anos 1950, podemos perceber o quanto O Cruzeiro (embora tenha iniciado sua circulação em 1928) e Manchete se beneficiaram de tudo aquilo que tais transformações propiciavam: maiores recursos advindos da publicidade, novas técnicas de redação, novos modelos de câmaras fotográficas, jornalistas mais habilitados, fotógrafos com experiência profissional de alta qualidade. Manchete passou a dominar o mercado a partir dos anos 60, quando atingia tiragem semanal média de 400 mil exemplares. Um dos principais responsáveis por esse sucesso foi Justino Martins, editor da revista por 24 anos, desde 1959 até sua morte, em 1983. Antes, ele havia sido correspondente de várias publicações nacionais em Paris, onde entrevistou artistas como Picasso, Grace Kelly e Jean Genet e foi um dos primeiros jornalistas brasileiros a perceber a importância que as celebridades tem para as revistas ilustradas (CORRÊA, 2000). Assim, Manchete sempre deu destaque a atrizes e suas frivolidades. Justino acreditava que os assuntos preferidos dos brasileiros eram as celebridades, o cinema, o esporte, o crime e o dinheiro; também podemos incluir nessa lista o Carnaval que, anualmente, rendia prestigiadas edições especiais de Manchete. Mas, contam Gonçalves e Muggiati (In: BARROS e GONÇALVES, 2008), Justino era muito preocupado com o papel social da revista. Ele e Adolpho Bloch entravam em conflito constantemente porque o editor queria uma revista mais nacionalista, com mais crítica social e menos amenidades internacionais. Em 1977, Justino escreveu o seguinte relatório sobre Manchete: Sempre houve muita matéria estrangeira na Manchete, mas agora há um excesso de enlatados. A média atual é de 50% a 70% de assuntos estrangeiros. Os 30% nacionais são, em boa parte, de interesse exclusivo da publicidade. (BARROS e GONÇALVES 2008, p. 40)

Semelhante a O Cruzeiro, a publicação da editora Bloch também dedicava bons espaços às páginas de cultura. Sua vocação literária ficou evidente na séria chamada As obras primas que poucos leram. A série foi iniciada em 1972 e durou cinco anos sem interrupção. Nela, autores como Ruy Castro, Carlos Heitor Cony e Otto Maria Carpeaux escreviam sobre livros “famosos” para o grande público, mas que na realidade poucos haviam lido. A revista dedicava muito espaço ao cinema e foi sua Redação que usou pela primeira vez um quadro de cotação, onde os críticos avalizavam com estrelas a qualidade do produto artístico.


Além dos citado acima, entre os destaques no meio intelectual que trabalharam para Manchete, Andrade e Cardoso (2010, On-Line) identificaram Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Joel Silveira, Manuel Bandeira, Fernando Sabino, Nelson Rodrigues, Paulo Mendes Campos, Lígia Fagundes Telles, Antônio Callado, Sérgio Porto, Ciro dos Anjos, Jânio de Freitas e muitos outros. Jean Manzon, que despontou em O Cruzeiro foi o principal fotógrafo da de Manchete. Ao seu lado, estiveram Darwin Brandão, Gil Pinheiro, Gervásio Baptista, Fúlvio Roiter, Jader Neves etc. Gonçalves e Muggiati (In: BARROS e GONÇALVES, p.26, 2008) lembram que Manchete não tinha muita preocupação com a atualidade das noticias publicadas. Seu carrochefe era a qualidade da informação e não o ineditismo ou a velocidade. A redação concluía a edição da semana na segunda, a gráfica imprimia na madrugada e em parte da manhã das terça e o leitor recebia a revista sempre às quartas, dois dias depois, portanto. Mesmo assim, a revista fazia esquemas especiais para poder noticiar, na mesma semana, por exemplo, as eleições presidências americanas, cujo resultado tradicionalmente sai na terça à noite. A Redação preparava duas matérias e ficavam, ambas, prontas para serem publicadas. Depois de o correspondente confirmar o vencedor, a revista começava a ser impressa. A editora de Manchete, escreveu Bloch (2008), entrou nos anos 80 como uma empresa muito saudável financeiramente e editorialmente. À época, a tiragem da revista não baixava os 200 mil por semana e chegava a atingir um milhão de exemplares em edições históricas. Nesse período, a empresa inovou o mercado de revistas no Brasil ao aproveitar a influência de seu famoso semanário para lançar outros títulos. Ao todo, foram 18 novas revistas. Entre elas, algumas fizeram muito sucesso, como Manchete Esportiva, ilustrada sobre esportes; Jóia, direcionado ao público feminino; Sétimo Céu, que trazia fotonovelas e notícias sobre rádio e televisão; Fatos e Fotos, também semanal de atualidades; e a masculina Ele Ela. O declínio de Manchete começou a partir de 1983, com o surgimento da TV Manchete, que passou a concentrar todas as atenções e investimentos da família Bloch. A própria revista, perdeu qualidade, virou um mero boletim de divulgação da emissora de televisão da família, já que nem dos artistas da TV Globo podia mais falar. “Com esse desgaste todo, Manchete começou a sofrer progressivas quedas nas vendas, sem que a empresa fizesse qualquer investimento para virar o jogo” (GONÇALVES e MUGGIATI In: BARROS e GONÇALVES, 2008, p. 49. Ano a ano, a revista era cada vez menos prestigiada, sua equipe


era cada vez menor. A extinção oficial veio em 2000, com o pedido de autofalência da Editora Bloch. 1.2.3 O apogeu da reportagem: a revista Realidade Capitaneada por Roberto Civita, filho do fundador da Editora Abril, Victor Civita, Realidade nasceu quase por acaso. Roberto queria fazer uma publicação para ser encartada em jornais de domingo. Chegou a fazer um acordo com os proprietários da Folha de São Paulo e do Jornal do Brasil, mas quando estava tudo pronto para começar, Otávio Frias de Oliveira, proprietário da Folha, deu para trás e o projeto morreu. “Roberto foi ver o pai para contar a triste história, e terminou com a clássica pergunta: E agora, o que é que eu faço? Faz uma revista, respondeu o pai.”. (CORRÊA, 2010, On-line) Então Roberto chamou um time de excelentes repórteres, fotógrafos excepcionais alguns deles americanos esperando uma oportunidade assim para fotografar o Brasil - e fez uma revista que até hoje é considerada a melhor experiência em reportagens no Brasil. Além disso, Realidade é especialmente importante na nossa pesquisa porque, de todas publicações nacionais sobre as quais tratamos, pode ser considera a mais semelhante à Piauí, principalmente pela qualidade e pelo formato de suas reportagens. Realidade começou com uma tiragem experimental de 5 mil exemplares, em sua edição de número zero, em 1966. Sua segunda edição já saia com 250 mil exemplares, todos vendidos nos primeiros três dias na banca. A partir daí, a ascensão da revista foi fulminante, surpreendendo os próprios editores. Em fevereiro de 1967, já era 500 mil exemplares mensais. Logo depois do lançamento da revista, Faro (1999, p.58) afirma que uma pesquisa foi feita e revelou que “eram de interesse geral matérias sobre ciência e progresso, grandes problemas brasileiros e assuntos relativos a sexo e educação sexual”. Esses temas acabariam por ser recorrentes na publicação. No quarto ou quinto número, Realidade já era o sonho de todo jornalista brasileiro. Cada exemplar era 'estudado' nas redações e despertava vontade de fazer jornalismo em pessoas que até então consideravam isso de escrever uma ocupação menor (RIBEIRO, apud FARO, 2010, On-Line)

Segundo Faro (1999), uma das fontes dessa experiência jornalística “foi certamente a conjuntura político-cultural do período do surgimento da revista e de seus três primeiros anos de existência” (1999, p.50). Outra fonte, que dialoga com a época, foi o uso do código discursivo inovador, semelhante ao do jornalismo com narrativa literária, que estava sendo


praticado por nomes como Tom Wolfe, Gay Telese, Norman Mailer e Truman Capote nos EUA. José Hamilton Ribeiro, um dos principais repórteres de Realidade, afirma que não houve uma influência direta dos norte-americanos. “Até mesmo porque a revista nasceu junto com o movimento” (apud VASCONCELLOS, 2003). Ele, porém, admite que seus editores e redatores estavam cientes das inovações que então ocorriam no jornalismo, não só na América do Norte como por todo o mundo. “Se houve influência, foi mais pela forma do que pelo conteúdo. Depois de concluído o trabalho que os editores e jornalistas perceberam o que havia de parecido. Mas nada foi calculado. Nós fomos contemporâneos ao Novo Jornalismo, mas não houve nenhuma ligação formal. Foi mais uma ligação etérea. O movimento e a revista surgiram simultaneamente de forma natural”. (RIBEIRO apud VASCONCELLOS, 2003). Para Roberto Civita, fundador e ex-editor da Realidade e atual presidente e editor da Editora Abril, citado por Faro (1999), Realidade veio preencher um vácuo ambicionado pela geração da época quanto à insipiência das publicações questionando desde a política e valores culturais vigentes. Para ele, outro fator de sucesso da publicação teria sido o vazio na área das revistas de informação não atualizada: as reportagens publicadas em Realidade – cerca de 12 ou 13 em cada número – eram feitas com até três meses de antecedência. O papel da Realidade era dizer as coisas que não eram ditas, fazer as perguntas que não eram feitas.Os jovens se entusiasmaram e se tornaram um grande público: adolescentes, universitários e jovens adultos(...). A circulação da revista era de meio milhão de exemplares vendidos em bancas. Tivemos três edições esgotadas. Acertamos sem nenhum estudo de mercado. (CIVITA, apud FARO, 1999, p. 54)

Para Faro (1999), Realidade só foi possível graças ao espírito de contestação da época. Os anos 60 foram muito férteis para a experimentação e a busca pela novidade, inclusive na imprensa. Outro fator para explicar o êxito da publicação, é a fórmula narrativa pessoal empregada nas matérias. Quando se lê (as reportagens da revista) o que se percebe é uma presença muito forte da perspectiva pessoal do jornalista na narração do fato noticioso. Um jornalismo produzido assim é um jornalismo que incomoda. Incomoda e atiça o leitor porque o retira do padrão informativo com o qual ele está habituado, mas, em razão das características da época, talvez fosse isso mesmo que o leitor quisesse. Incomoda e atiça os tais “poderes constituídos”, na imprensa e fora dela, porque um jornalismo feito dessa maneira revela fatos, concepções, comportamentos que esses poderes preferem ver camuflados nos códigos da pretensa objetividade dos jornais e revistas de todas as épocas (FARO, 1999, p. 61)

O nível de profundidade ao qual os repórteres se submetiam para compor as matérias de Realidade pôde ser sentido na pele por José Hamilton Ribeiro logo ao receber o convite


para compor a equipe - que já veio acompanhado da primeira pauta: ele seria negro por um mês. O repórter foi atrás de dermatologista e passou por processos de pintura de sua pele para compor a reportagem. José Hamilton Ribeiro destaca o apuro de equipe de Realidade no que tange a qualidade dos textos. “Era um tal de reescrever, reescrever, pentear, editar” (José Hamilton Ribeiro apud VASCONSELLOS, 2010). Quando a matéria enfim passava pelo editor de texto, Sérgio de Souza, o texto ia para o redator-chefe Paulo Patarra, e, por fim, por Roberto Civita, diretor de redação. Antes, ainda na escolha das pautas, havia muitas discussões entre a Redação da Realidade, buscando sempre os assuntos que os repórteres consideravam os melhores, e com Civita sempre argumentando que não mostrassem apenas o lado negativo e pessimista do Brasil. “Era uma luta desgastante, que afinal acabava assim: dos 13 assuntos que a revista comportava, 11 a redação tinha escolhido; dois ‘ela tinha que engolir’. O balanço final resultava equilibrado; nem era uma revista mentirosa, nem era amarga e derrotista” (José Hamilton Ribeiro apud VASCONSELLOS, 2010) Realidade chegou ao ser apogeu em 1968. A revista não baixava dos 500 mil exemplares mensais, e ia em ritmo crescente, prenunciando que chegaria à meta de Roberto Civita: um milhão de exemplares vendidos. Só que no mesmo ano começou a decadência da publicação. A censura proibiu os jornalistas da revista de falar sobre assuntos que sempre ocuparam suas páginas. Juventude, operários, sexo, os influentes bispos progressistas, por exemplo. A Abril teve de demitir vários jornalistas; outros, frustrados, resolveram sair por sua conta. Para Roberto Civita, foram várias as causas para o fim da Realidade, sendo, segundo ele, o argumento mais fácil a ascensão definitiva da ditadura. Porém, “a resposta mais verdadeira é que o número de ‘moinhos’ contra o qual investíamos estava diminuindo, além da aceleração das notícias e a imitação do nosso modelo por outros veículos. (FARO, 1999, p. 54-55). Outro motivo foi a criação da revista Veja, sobre a qual trataremos a seguir.


1.2.4 A última grande revista nacional: Veja Corrêa (2010, On-line) considera que Veja foi a ultima idéia inovadora no que diz respeito a jornalismo de revista no Brasil. Semanário inspirado na de Time, Veja é a muitos anos a maior revista deste país, exceção no panorama internacional, onde a semanal de informação nunca é a maior: é sempre a revista de televisão. O formato de Veja foi influenciada pelo período em que Roberto Civita trabalhou como trainee na Time, em Nova York, por mais de um ano. Roberto recebeu um convite para trabalhar no Japão e, ao invés de aceitar a proposta da redação norte-americana e ir para Tóquio, voltou para o Brasil e, com o pai, Victor, foi responsável pela criação da revista Veja, A primeira edição de Veja chegou às bancas no dia 11 de setembro de 1968. A primeira capa trazia os símbolos do comunismo, a foice e o martelo, sobre um fundo vermelho. O título da matéria interna era Rebelião na Galáxia Vermelha e tratava da invasão da Tchecoslováquia. (VEJA, 2010, On-line). Inicialmente, Veja deveria concorrer com Manchete e ser, por isso, uma revista ilustrada. O próprio nome Veja pode ser associado a imagens e ficou sendo, a princípio, Veja e Leia, com a primeira palavra em corpo de letra bem maior. Mas final da década de 60, o modelo de jornalismo proposto pelas revistas semanais ilustradas estava em decadência. Mesmo com o uso da cor por O Cruzeiro e Manchete, a viabilidade desse gênero não correspondia a sucesso em vendas. A atualidade das informações dos jornais diários e da TV prejudicava cada vez mais as revistas. Nas primeiras edições de Veja, a diagramação era confusa e as reportagens, prolixas (AUGUSTI, 2005, p. 73). Quem conseguiu, aos poucos, tornar a revista atraente foi seu diretor de redação da lançamento da publicação a 1976, Mino Carta. Carta chamou Millôr Fernandes para fazer duas páginas de humor, publicou resenhas de filmes e livros e, a maior das inovações, colocou na abertura da revista uma entrevista com perguntas e respostas. Foi usado na nova seção um estoque de papel amarelo que sobrara na gráfica. Logo, as “páginas amarelas” se tornaram uma marca – e são até hoje -, e a editora Abril teve que passar a usar tinta amarela para colorir as páginas de entrevista. Nessa mesma época, a cúpula de jornalistas que fez história em Veja começava a se formar, com editores e sub-editores. Chegaram a Veja nomes como Roberto Guzzo, Tão Gomes Pinto, Roberto Muggiati e Sérgio Pompeu (AUGUSTI, 2005, p. 75-76). Mesmo


assim, a tiragem de Veja era de 70 mil exemplares, muito pouco comparando com os 700 mil projetados. As vendas aumentaram durante a publicação de uma série de oito fascículos semanais sobre a corrida espacial, chegando à marca dos 228 mil exemplares na semana do último fascículo, a mesma em que Apolo 11 pousou na Lua, em julho de 1969. No mesmo período, a revista também iniciou um caderno de investimentos que teve tão grande aceitação que deu origem à revista Exame. Mesmo assim, apenas em 1973 Veja passa a cobrir seus custos (Plug, 2010, On-line). O sucesso definitivo veio com a doença do presidente Costa e Silva, em agosto de 1969. Da trombose de Costa e Silva até sua morte, Veja publicou uma seqüência memorável de 17 capas. Apenas três não estavam ligadas à crise política, sendo que às restantes couberam assuntos difíceis de averiguar, ainda mais sob censura. Dessas, duas capas foram históricas. (autor da tese..)... Na primeira, noticiou-se uma exclusividade: o presidente Médici estava irritado com a tortura e os torturadores, com a chamada de capa O presidente não admite torturas. Na semana seguinte, a capa foi sobre o mesmo assunto, com a matéria informando que o ministro da Justiça defendia que era preciso investigar as denúncias de maus-tratos em presos políticos. (AUGUSTI, 2005, p.64)

Diante desse cenário, surge a “fórmula” de se fazer uma revista semanal de notícias que interessa os leitores. A cobertura política vira prioritária; as pautas refletem as preocupações de todo o país – democracia, liberdade individual e torturas são temas recorrentes. E com isso, claro, a revista passa a ter matérias censuradas em quase todas as edições. Augusti (2005) escreveu que os jornalistas de Veja trabalhavam em um esquema diferente do normal em grandes redações. “A equipe deveria descobrir notícias que os jornais não tinham e apresentar os fatos melhor que eles, já que deveria investigar os bastidores, dando sentido aos acontecimentos” (AUGUSTI, 2005, p. 65). Veja também apresentaria uma concepção diferente das revistas Time e Newsweek, suas principais inspirações. As semanais americanas privilegiavam mais o redator que o repórter. Veja, porém, soube detectar jornalistas de talento e navegar entre as disputas militares. A cada reportagem, ampliou os limites do que a revista podia publicar sobre a censura. Raimundo Pereira, ex-colaborador da revista, citado por Augusti, (2005 p.76) definiu o jornalista de Veja, da seguinte forma: o repórter que apura, edita e fecha matérias.


A partir do final da década de 1960, a revista já estava consolidada e publicou entrevistas históricas: Nelson Rodrigues afirmou em 1969: “Eu sou um anticomunista”. No mesmo ano, o cientista do projeto espacial americano Werner Von Braun foi taxativo: “Haverão estações espaciais orbitando a Terra, e muitos vôos para os laboratórios no espaço”. Em 1972, foi a vez de Tarsila do Amaral polemizar. “Quis fazer um quadro que assustasse o Oswald de Andrade”, disse, justificando Abaporu, obra de 1928. E mais adiante, em 1975, o ditador chileno Augusto Pinochet declarou: “Não existem presos políticos. Há pessoas detidas em virtude do estado de sítio ou por haverem cometido crimes comuns” (Esquinas, 2010, On-line).

Com a explosão das assinaturas, em 1980, Veja tornou-se o título mais lido do país. A revista seguia – e segue até hoje – a fórmula de apostar em novidades, opinião contundente e na pauta política. Suas reportagens, salvo exceções, tratam de assuntos debatidos na semana em meios de comunicação mais ágeis como os jornais. Com a abertura política, no inicio da década de 1990, a revista passa a publicar grandes investigações a respeito de corrupção e desvios no erário público. Nessa época, o Diretor de Redação de Veja era Mário Sérgio Conti, atual diretor de redação de Piauí. E esses grades furos conseguidos pela equipe de Veja costumam repercutir em outros veículos. Alguns, inclusive, desencadearam grandes crises políticas. Em 25 de abril de 1992, por exemplo, Veja publicou nas páginas amarelas uma entrevista exclusiva com Pedro Collor de Mello, irmão do então presidente Fernando Collor de Mello. Pedro Collor denunciou irregularidades de desvio de dinheiro público em uma suposta parceria do presidente com Paulo César Farias e essa entrevista desencadeou uma série de novas denúncias e investigações, culminando com o impeachment e a renúncia do presidente. Em 14 de maio de 2005, reportagem da revista teve papel relevante na eclosão de outra crise política de grandes proporções. Veja foi o primeiro veículo de comunicação a divulgar a transcrição de um vídeo onde o então funcionário dos Correios Maurício Marinho explicava a dois empresários como funcionaria um esquema de pagamentos de propina para fraudar licitações. Tal esquema envolveria o deputado Roberto Jefferson. E a denúncia deflagrou a chamada crise do mensalão, maior escândalo político recente. Atualmente, veja pode ser considerada a revista mais influente do Brasil. Sua tiragem é a quarta maior do mundo, com mais de um milhão de edições por semana (SANT’ANNA, 2008). Tento tratado nesse primeiro capítulo do surgimento da revista, dos títulos que mais influenciaram o desenvolvimento do gênero no Brasil e no mundo, e, por fim, das quatro


publicações que consideramos as mais relevantes no panorama de nossa pesquisa, avançaremos para o segundo capítulo. Nessa parte da pesquisa, vamos tratar dos estudos e das classificações dos gêneros jornalísticos, principalmente do gênero interpretativo, no qual estão inseridas as reportagens da revista Piauí.


2 ALGUMAS DEFINIÇÕES PARA OS GÊNEROS JORNALISTICOS Para que possamos compreender e conceituar as reportagens publicadas na revista Piauí, é necessário, primeiro, revisarmos uma discussão que embora exista formalmente no Brasil há pelo menos três décadas, continua motivando diferentes propostas de interpretação: as definições dos gêneros jornalísticos. O objetivo, ao se tratar do tema, é fornecer um mapa para a análise dos tipos de texto e de suas funções no jornalismo. José Marques de Melo (2003) defende que o estudo dos gêneros é fundamental para a configuração da identidade do jornalismo como objeto científico. Para Lia Seixas (2010a On-Line), aprender a fazer jornalismo é aprender a produzir gêneros jornalísticos. O conhecimento mais profundo dos elementos que constituem os tipos mais frequentes de composições discursivas da atividade jornalística implica em maior conhecimento sobre a própria prática. Isso significa conhecimento sobre as competências empregadas para a realização da atividade, desde a produção à publicação do produto (SEIXAS, 2010a, On-line)

Podemos considerar que o primeiro a classificar os gêneros jornalísticos foi o editor inglês Samuel Buckeley, no início do século XVIII. Ao decidir pela separação entre notícias e comentários no jornal Daily Courant, Buckeley iniciou a classificação dos textos publicados nos meios de comunicação. A partir daí, com as transformações tecnológicas e culturais, a mensagem jornalística vem se adaptando, moldando-se conforme a necessidade de cada época, e tendo diferentes modelos e propósitos. No Brasil, são poucos os pesquisadores que se dedicaram a distinguir as categorias dos textos jornalísticos. Entre esses estudiosos, os que mais avançaram neste campo foram Luiz Beltrão, José Marques de Melo, Mário Erbolato, e, recentemente, Manuel Carlos Chaparro e Lia Seixas. Beltrão (1980) encontrou no jornalismo brasileiro três funções fundamentais: a informação, por meio de um relato claro e simples; a orientação, pela interpretação e opinião em relação aos fatos, e a diversão. Beltrão sistematizou os gêneros da seguinte forma: 1) Jornalismo informativo: notícia, reportagem, história de interesse humano, informação pela imagem; 2) Jornalismo interpretativo: reportagem em profundidade; 3) Jornalismo opinativo: editorial, artigo, crônica, opinião ilustrada, opinião do leitor. (BELTRÃO, 1980) Para Marques de Melo essa separação veio de uma “necessidade sociopolítica evidente de distinguir tudo o que continha apenas informação do que também incluía a opinião”


(MELO, 2003, p. 42). O critério adotado por Beltrão, escreveu Melo, é funcional, pois sugere a classificação dos gêneros de acordo com as funções que desempenham junto ao público leitor - informar, explicar ou orientar. O autor ainda afirma que Beltrão, quanto à especificidade do gênero, obedeceu ao senso comum da própria atividade profissional, não se atendo ao estilo, à estrutura narrativa e à técnica de codificação. Melo defende que não há razões para segmentar em dois gêneros distintos reportagem e reportagem em profundidade. Tampouco em classificar como gênero à parte o que Beltrão (1980) chama de histórias de interesse humano e dissociar recursos que informam através de imagens do texto já que, na interpretação do autor, fotografias ou desenhos são identificáveis como notícias ou como reportagens. E ainda, discordando de Beltrão, Melo afirma que o que vai caracterizar um gênero jornalístico não é o código, mas sim “o conjunto das circunstâncias que determinam o relato que a instituição jornalística difunde para o seu público” (1985, p. 46). Em sua classificação dos gêneros jornalísticos, Marques de Melo optou por separar tudo o que é a reprodução do real, ou seja, as descrições dos fatos em si, do que se apresenta como uma leitura do real, ou seja, a análise desses fatos. Para Melo, essas definições podem ser entendidas mais claramente se pensarmos que as pessoas, em meio a tantos acontecimentos, não dão conta sozinhas de apreenderem a realidade, portanto precisam de alguém que possa lhes permitir saber o que se passa - jornalismo informativo - e saber o que se pensa sobre o que se passa - jornalismo opinativo (MELO, 2003, p. 62-63). Para Marques de Melo apenas essas duas categorias podiam ser encontradas na imprensa brasileira na primeira metade da década de 1980, quando ele publicou pela primeira vez seus estudos sobre o assunto. Por entender que o jornalismo interpretativo é incluído dentro do jornalismo informativo, ele optou por excluir essa categoria como um gênero único. Melo defendeu, então, a existência dos seguintes tipos de produção jornalísticas nos gêneros opinativo e informativo: 1) Jornalismo informativo: nota, notícia, reportagem, entrevista; 2) Jornalismo opinativo: editorial, comentário, artigo, resenha, coluna, crônica, caricatura, carta de leitores. Como observamos, Marques de Melo não acreditava, à época, no gênero interpretativo. Mas atualmente ele defende a existência desse gênero, além de outros dois gêneros autônomos: o diversional, que inclui livros-reportagem e o outras produções de


jornalismo literário, e o jornalismo utilitário, que inclui informações com a cotação das ações da bolsa de valores e os números da loteria, por exemplo. Nos anos 80, a pesquisa que fiz só me indicou a predominância de informativo e opinativo. A maioria do pessoal lia, dizendo que eu acho que só existem dois gêneros. Não é isso, eu identifiquei somente dois gêneros na imprensa diária. De lá pra cá, eu venho pesquisando a cada cinco anos e fui encontrando evidências de que outros gêneros foram surgindo. O gênero interpretativo, que teve uma vigência muito forte nos anos 60 e 70, desapareceu nos anos 80, voltou nos 90 e agora está se desenvolvendo muito”. (MELO apud SEIXAS, 2010b)

A classificação dos gêneros jornalísticos proposta por Erbolato (1991, p. 30) é semelhante aos conceitos defendidos atualmente por Marques de Melo. O autor excluiu apenas o gênero chamado utilitário, talvez porque esse tipo de produção jornalística era menos comum no início da década de 1990, quando seus estudos foram publicados. Para Erbolato são quatro os gêneros jornalísticos: diversional, interpretativo, opinativo e informativo. E eles representam as funções às quais os meios de comunicação se destinam: “a informar, a influir, a persuadir e a divertir” (ERBOLATO, 1991, p. 30). Já Manuel Carlos Chaparro (2008) propõe o enquadramento dos gêneros jornalísticos em três categorias: 1) Esquemas narrativos: o relato do acontecimento; 2) Esquemas argumentativos: o comentário sobre os acontecimentos; 3) Esquemas práticos: as informações de serviço; conceituadas, como dito acima, como gênero utilitário por Marques de Melo (citado por SEIXAS, 2010b). E as demais formas de expressão, para Chaparro (2008) são declinações dessas categorias fundamentais. No entender de Chaparro (2008, p. 162) a separação entre gêneros jornalísticos não equivale à divisão entre opinião e informação. O autor defende que opinião e informação estão presentes em todos os gêneros jornalísticos, visto que “até a notícia dita objetiva, construída com informação ‘pura’, resulta de seleções e exclusões deliberadas, controladas pela competência jornalística de fazer escolhas por critérios de importância e valor” (CHAPARRO, 2008, p. 162), e é um exercício opinativo, portanto. Lia Seixas, pesquisadora que mais recentemente se dedicou a estudar em profundidade os gêneros jornalísticos afirma que, na classificação, deve ser considerada a “combinação, regular e frequente, de elementos extralingüísticos e lingüísticos. Para Seixas (2010a, Online), essas combinações se repetem a ponto de se institucionalizarem, “mas também, certamente, guardam uma dinâmica contínua de mudanças provisórias”.


Na interpretação de Seixas, os principais critérios de definição de gêneros jornalísticos na atualidade são quatro elementos de condicionamento mútuo que se combinam de maneira regular e frequente: 1) Lógica Enunciativa: se dá na relação entre objetos de realidade, compromissos realizados e tópicos jornalísticos em função de finalidades reconhecidas da instituição jornalística; 2) Força argumentativa: se dá na relação entre o grau de verossimilhança dos enunciados e o nível de evidência dos objetos, 3) Identidade discursiva efetiva do ato comunicativo: a relação entre sujeito comunicante, locutor e enunciador no ato mesmo da leitura; 4) Potencialidades do mídium: as diferenças entre as plataformas onde se dá a comunicação (SEIXAS, 2010a, On-line). A autora defende a divisão dos textos jornalísticos em dois gêneros: o discursivo jornalístico e o discursivo jornálico. Um gênero discursivo jornalístico é aquele em que o enunciador é uma instituição jornalística ou uma pessoa pertencente a tal, satisfaz a uma ou mais finalidades institucionais e apresenta uma lógica enunciativa formada principalmente pelo compromisso de adequação do enunciado à realidade, seguindo pressupostos básicos do jornalismo. Já os gêneros discursivos jornálicos, não são produzidos por instituições jornalísticas e a sua lógica enunciativa não trabalha, obrigatoriamente, como objetos de acordo: pode ser formada por compromissos de crença sobre a adequação do enunciado à realidade. Concordamos com Seixas quando ela afirma que os gêneros encontram-se associados à qualidade do objeto, ao modo por meio do qual o discurso é construído (narração, dissertação, descrição e argumentação), ao grau de interferência do autor e às técnicas de apuração e produção. Deve se considerar, ressalta-se, que a autora se atém ao estudo da organização discursiva - considerado pelos outros autores um elemento menos importante para a compreensão dos gêneros – em detrimento às dimensões lingüísticas. 2.1 O gênero interpretativo Depois de expormos idéias para as classificações dos gêneros jornalísticos, é pertinente tratar da conceituação que defendemos ser mais adequada para os textos jornalísticos da revista Piauí, nosso objeto de estudo. Como entendemos que os estudos de Marques de Melo e Erbolato, além de consolidados por outros pesquisadores, permanecem atuais, optamos por usar como base os estudos desenvolvidos por esse dois autores.


Segundo Erbolato (1991, ps. 30-31), a origem do jornalismo interpretativo se deu a partir da década de 1920 quando o jornalismo impresso passou por grandes transformações devido ao surgimento e expansão do rádio e da televisão. Foi então que os jornais impressos tiveram que buscar outra forma de atrair os leitores, pois os dois meios eletrônicos passaram a ter maior atenção do público. Na luta contra o jornalismo falado, os jornais impressos tiveram que preparar sua estratégia. As notícias, que eram superficiais, limitavam-se a narrar os acontecimentos, sofreram alterações em sua estrutura. [...] O recurso foi o de dar ao leitor reportagens que sejam complemento do que foi ouvido no rádio e na televisão (ERBOLATO, 1991, p. 30).

Ao tratar do jornalismo interpretativo, Erbolato cita vários conceitos e definições, de diferentes jornalistas e pesquisadores sobre o tema. Destacamos a visão de Bond ao tratar da importância do gênero interpretativo. A manifestação é ainda mais atual com as mudanças tecnológicas resultantes do advento da internet: O homem mortal, comum, perdido no labirinto da economia, da ciência e das invenções, pede que alguém lhe dê a mão e o acompanhe em seus passos, através de tanta complexidade. Por isso, o jornalismo moderno se encarrega não só de noticiar os fatos e as teorias, mas proporciona ainda ao leitor uma explicação sobre eles, interpretando e mostrando seus antecedentes e suas perspectivas (BOND apud ERBOLATO, 1991, p. 33).

Conforme John Hohnberg (apud Erbolato, 1991, p. 31) a utilização do jornalismo interpretativo tornou-se recorrente nos Estados Unidos a partir da Segunda Guerra Mundial. De acordo com o autor, nesse período, mais do que nunca, os jornais perceberam a importância de gerar uma maior compreensão das notícias por parte dos leitores, explicandoas em detalhes. Mas, o jornalismo interpretativo já fazia parte da realidade dos norteamericanos desde o início da década de 1920. Segundo Erbolato (1991, p. 32-33), logo após o término da Primeira Guerra Mundial os diretores dos jornais perceberam que algo faltava em suas publicações para atrair o interesse do público. O gênero tomou forma definitivamente em 1923, quando foi lançada a revista Time, sobre a qual tratamos anteriormente. A publicação se dedicava – e se dedica até hoje – a fazer um jornalismo preocupado com as dimensões e as interpretações das notícias, ou seja, deu os primeiros passos do jornalismo interpretativo. Interessante, ao se tratar de jornalismo interpretativo feito em revistas, destacar que a maioria dos autores, ao tanger por gêneros jornalísticos, se refere basicamente à produção na imprensa diária. Mas o formato de


periodicidade mais larga é, e sempre foi, por suas características, o meio no qual esse tipo de produção é mais usual. A revista, consolidada como o produto de reportagens, era o meio onde mais se experimentava a contextualização, o aprofundamento, os dados comparativos, técnicas que, em princípio, não eram diferentes daquelas utilizadas para produção de uma notícia, como diziam os próprios autores defensores da reportagem interpretativa. (SEIXAS, 2010c, On-line),

José Marques de Melo (2003, citado por COSTA, 2010, On-line), ao reconhecer a existência do gênero interpretativo, escreve que tal gênero inicialmente era representado por reportagens desenvolvidas com propósitos analíticos e documentais “para situar o cidadão diante o acontecimento”. E na década de 90, era um “modo de aprofundar a informação com o fim de relacionar a atualidade a seu contexto temporal e espacial, interpretando o sentido dos acontecimentos” (MELO, 2003, citado por COSTA, 2010, On-line). Luiz Beltrão (1980, p.41-42) vincula o surgimento do jornalismo interpretativo com a evolução intelectual das décadas de 1960 e 1970. O gênero, defende, deve ser entendido como um subgênero de um “jornalismo cultural intelectual”, e é por isso que grande parte de suas expressões estejam vinculadas a veículos desse tipo – no qual podemos incluir a revista Piauí. Para Beltrão (1980, p. 42), o jornalismo interpretativo adapta “formas científicas, filosóficas e artísticas” ao discurso e a prática jornalística. Com o intuito de diferenciar o jornalismo interpretativo do jornalismo informativo, que ele trata respectivamente como reportagem e notícia, Lage (1999) busca caracterizar o gênero sob vários aspectos. Para Lage, as discrepâncias não estão no conteúdo ou na natureza das informações, mas na forma em que ela é redigida. De acordo com a linguagem, defende o autor (1999), a reportagem possui estilo menos rígido que a notícia, possibilitando ao repórter o uso da primeira pessoa, bem como fazer, além do levantamento de dados, interpretação dos fatos. Embora existam diversas definições para o jornalismo interpretativo, para Erbolato (1991, p. 34), três características são fundamentais para caracterizar esse gênero: a explicação das causas de um fato, a localização deste fato em seu contexto social e as suas consequências.

Já para Seixas (2010, On-line) as três particularidades da atividade

interpretativa são: 1) o fato é tratado como acontecimento, ou seja, gera uma discussão sobre a realidade contextual; 2) as técnicas produtivas são particulares, como sugere Beltrão – identificação do objeto, que deve ter valor absoluto de notícia; decomposição da


ocorrência em elementos básicos e investigação dos valores essenciais para estruturação da informação; redação do texto de forma que o leitor seja capaz de, por si próprio, interpretar a ocorrência; e 3) a unidade interpretativa permitiria uma dose maior de análise crítica do autor-jornalista, incluindo adjetivos, advérbios e abolição do lead (SEIXAS, 2010a, On-line).

Podemos incluir nas observações dos autores, as seguintes características da reportagem, notadamente perceptíveis nos textos publicados pela revista Piauí: a produção de peças jornalísticas interpretativas decorre de uma pauta que inclui o fato gerador de interesse, ainda que este não seja decorrente de fatos novos; o texto em estilo menos rígido que a notícia permite ao jornalista fazer descrições de cenários, personagem e situações, o que ajuda o leitor a entender o assunto a tirar suas próprias conclusões; e, ao contrário da notícia, o jornalismo interpretativo exige a pesquisa aprofundada do tema, um conhecimento que supere o simples relato dos fatos. Relacionando ao tema da nossa pesquisa, interessante destacar a visão de autores (SOSTER, 2010; DINES, 1974; SANT’ANNA, 2008) que defendem que produzir jornalismo interpretativo, ou seja, de contextualização histórica dos acontecimentos como esforço para oferecer uma inteligibilidade possível do mundo, é uma alternativa é uma alternativa para que a imprensa escrita se sobressaia no atual momento evolutivo do jornalismo, caracterizado por textos prolixos, atualização contínua, transposição de conteúdos, onde a velocidade foi estabelecida como categoria de valor em detrimento ao aprofundamento (SOSTER e PICCININ, 2010). O jornalismo interpretativo deixa para o leitor a decisão de acatar ou não a informação passada do modo mais claro e mais explicativo possível, sempre buscando o aprofundamento: contextualização histórica, o entorno do fato, os detalhes do acontecido ou declarado, para ir além do meramente declaratório. Defendemos que esse tipo de texto jornalístico, quando produzido com qualidade, mostrar as tendências futuras, isto é, o encaminhamento que o fato deve tomar, sendo possível, assim, inclusive, ser mais atual do que a internet em determinadas situações. Soster e Piccinin (2010) defendem o fortalecimento da categoria interpretativo, assim como da diversional, no sistema midiático-comunicacional, depois de os gêneros terem quase arrefecido na década de 1990, com a imposição da velocidade consequente do advento da internet. Para os autores, o jornalismo interpretativo se estabelece “na condição de categoria discursiva legítima entre os gêneros contemporâneos” (2010, On-Line).


A afirmação justifica-se à medida que, após a primeira metade da década de 1990, quando foram montados os primeiros sites de conteúdo informativo na rede, potencializou-se a prática de atualização contínua e transposição de conteúdos, emprestando à velocidade categoria de valor. Inferia-se à época, lembram Soster e Piccinin (2010), que textos prolixos, ou que demandassem tempo de apuração, caso do jornalismo interpretativo, posicionavam-se fora da lógica produtiva do jornalismo àquele momento, validado pela instantaneidade e atualização contínua. Mas hoje as duas formas ressurgiram. Alberto Dines já defendia a importância do jornalismo de interpretação e de investigação antes mesmo do advento da internet. Para Dines já em 1974, o jornalismo enfrentava um dilema: optar pela quantidade e tentar cobrir tudo, extensivamente, ou pela seleção? E ele decide pela seleção. O leitor contemporâneo prefere se aprofundar em alguns temas do que ir por cima de vários, cobrir tudo que acontece no mundo é impossível, diz o autor (1974). Como Dines, entendemos que o jornalismo deve buscar cobrir de maneira mais aprofundada possível o que se propõe, fornecendo elementos para maior entendimento e compreensão do tema. 2.1.1 Diferenciações entre jornalismo interpretativo e diversional Conceituado o gênero interpretativo, defenderemos o motivo de sua escolha para a classificação dos textos jornalísticos publicados na Piauí. Primeiramente, é preciso que reconheçamos que há também características do jornalismo diversional nas reportagens da revista, abaixo, porém, justificaremos a opção pelo gênero interpretativo em detrimento ao diversional. Erbolato define o jornalismo diversional como um gênero que contempla uma escrita “leve, original e agradável” (1991, p.44). Erbolato (1991, p. 44) afirma ainda que, nesse gênero, “o repórter procura viver o ambiente e os problemas dos envolvidos na história, mas não pode se limitar às entrevistas superficiais” e que “a prática do jornalismo diversional demanda enorme tempo e poucos são os que podem se dedicar semanas ou meses a uma só matéria” (1991, p. 44).

Para Marques de Melo: O jornalismo diversional engloba aqueles textos fincados no real, procuram dar uma aparência romancesca aos fatos e personagens captados pelo repórter. Entre os


gêneros que integram o jornalismo diversional estão as histórias de interesse humano, as histórias coloridas, os depoimentos etc (MARQUES DE MELO, 1985, p.22).

Ambos os autores, em suma, destacam, no jornalismo diversional, suas características literária, como um gênero onde o texto é escrito com as técnicas literárias realistas, e na qual o autor se preocupa menos em seguir padrões e técnicas soberanas em redações de jornais diários e mais em dar ao leitor visão mais próxima o quanto for possível dos fatos. Mas em muitos textos jornalísticos publicados na revista Piauí encontramos as mesmas características. As reportagens, à rigor, têm qualidades descritivas típicas da literatura, além de serem extensas e em profundidade - seja no relato dos acontecimentos ou na intensidade da descrição dos personagens. Podemos citar como exemplo o perfil do ex-ministro da Casa Civil do governo Lula José Dirceu, da repórter Daniel Pinheiro, publicado em janeiro de 2008. Para escrever a matéria, Pinheiro passou pelo menos duas semanas acompanhando o seu entrevistado, convivendo nos mesmos hotéis, o acompanhando em viagens pela Europa e pela América Central, além de participar de festas almoços e jantares com o entrevistado, com sua família e com seus amigos. A repórter, então, viveu o ambiente e os problemas dos envolvidos na história, não se limitou às entrevistas superficiais, e depois relatou tudo com descrições e detalhes - ações relacionadas por Erbolato (1991) como próprias do jornalismo diversional. Entendemos, no entanto que as narrativas do jornalismo diversional “não têm compromisso como a realidade imediata e que buscam, sobretudo, emprestar ao jornalismo características cognitivas outras que não a informação e a interpretação, caso do entretenimento” (SOSTER e PICCININ, 2010, On-Line), enquanto que o jornalismo interpretativo “atribui significação ao fato singular, tanto ao dar elementos para indicar sua relevância em relação às demais ocorrências quanto por oferecer conteúdos que auxiliam na compreensão do movimento do mundo social.” (SOSTER e PICCININ, 2010, On-Line). A diferença está, no nosso entender, na atualidade dos temas e de sua abordagem no jornalismo interpretativo. A atualidade é apontada por Adelmo Gênro Filho (2007) como uma das singularidades do jornalismo. As outras são periodicidade, universalidade e difusão. A atualidade, como o próprio termo já diz, está vinculada às questões atuais, do hoje, da semana, o que remete o novo com atual, ao mesmo tempo em que pode-se aceitar o novo como aquilo que é desconhecido.


Marques de Melo (2007) afirma que a atualidade é o fio de ligação entre o emissor e o receptor no jornalismo. Esse atributo, intrínseco à atividade, está relacionado com o cotidiano, isto é, com os acontecimentos com relevância pública que acontecem no dia-a-dia da sociedade – e que são noticiados pelos meios de comunicação. Assim, o autor define o jornalismo como a “ciência que estuda o processo de transmissão oportuna de informações da atualidade, através dos veículos de difusão coletiva” (MELO, 1998, p.74). E depois de termos apresentado as definições dos principais autores que trataram dos gêneros jornalísticos, atendo-se especialmente no gênero interpretativo, e de e expormos as razões pelas quais defendemos que as reportagens da revista Piauí se enquadram no gênero interpretativo em detrimento ao diversional, partimos para o próximo capítulo. Nessa instancia da pesquisa, vamos tratar essencialmente da revista Piauí, publicação cujos textos movem esse trabalho, e de suas características.


3 PIAUÍ, UMA REVISTA DIFERENCIADA Neste capítulo, vamos nos dedicar ao nosso objeto de estudo, a revista Piauí. Tal medida é importante para que possamos entender o contexto no qual a publicação se insere dentro do cenário histórico das comunicações, sua localização no mercado editorial brasileiro contemporâneo e também as principais características que a tornam singular em comparação com as demais publicações.

A revista Piauí é resultado da articulação de dois personagens conhecidos da cultura brasileira, um no meio literário e outro no cinematográfico: o documentarista e sócio da produtora VideoFilmes João Moreira Salles e o editor Luiz Schwarcz, da editora Companhia das Letras. Foram Salles e Schwarcz que viabilizaram financeiramente o lançamento da revista e definiram as características principais da publicação.

Schwarcz continua colaborando eventualmente com a revista com artigos. João Moreira Salles, por sua vez, abriu mão de seus projetos cinematográficos para se dedicar exclusivamente a Piauí, como editor e repórter. Antes de se dedicar ao projeto da revista, Salles dirigiu documentários premiados com Nelson Freire, de 2002, sobre o pianista brasileiro do mesmo nome, e Entreatos filme no qual acompanhou passo-a-passo a campanha de 2002 do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República do Brasil. Irmão mais jovem do cineasta Walter Salles, do filme “Central do Brasil”, o editor de Piauí começou sua carreira em 1985 fazendo roteiros e textos para séries de TV.

O pré-lançamento da revista Piauí foi em agosto de 2006, em um dos principais eventos literários do país, a Festa Literária de Parati, no Rio de Janeiro. Em setembro do mesmo ano, João Moreira Salles assinou um contrato de distribuição e impressão da revista com a Editora Abril. Piauí começou a circular efetivamente em 9 de outubro em São Paulo, e dias depois no Rio de Janeiro e no restante do país.

Além de Moreira Salles, foram responsáveis por essa primeira edição os jornalistas Mário Sergio Conti, ex-diretor de redação da revista Veja e do Jornal do Brasil, autor de Notícias do Planalto: a imprensa e Fernando Collor (Companhia das Letras, 1999); Dorrit Harazim, jornalista e documentarista, ex-repórter especial e editora de Veja, diretora dos documentários da série Travessias, exibidos na TV Cultura e no GNT; e Marcos Sá Corrêa,


jornalista, ex-diretor de redação do Jornal do Brasil, ex-diretor do site O Eco e do portal jornalístico NoMínimo, e biógrafo do arquiteto Oscar Niemeyer (Relume Dumará, 1996). Na peça publicitária denominada Carta de Intenções distribuída aos participantes da Festa Literária de Parati para noticiar o lançamento de Piauí, a revista foi apresentada da seguinte forma: Piauí será uma revista de reportagens. Ela buscará os temas atuais, embora não tenha pressa em chegar primeiro [...] Levará em conta que a informação vem antes do comentário e que opinião precisa dos fatos. Apurará com rigor e escreverá com clareza. Fugirá dos clichês e envidará todos os esforços para evitar expressões como “envidar todos os esforços”. Usará um vocabulário com mais de cem palavras. Mas não irá ao dicionário à cata de vocábulos especiosos (como o que vem logo antes deste aconchegante parêntese). Não terá restrições temáticas, políticas ou ideológicas. Preferirá a serenidade do histrionismo, a suavidade da música de câmara ao estrondo das marchas militares. Cobrirá qualquer assunto que uma reportagem possa tornar interessante. Vale tudo: esporte, medicina, odontologia, política, cultura, a picante vida sexual de um porco espinho, religião, numismática, urbanismo, filosofia, as agruras do Palmeiras, do marxismo e do Botafogo, turismo, telemarketing, zoologia. Só não valem reportagens sobre dietas e reforma da Previdência, que ninguém aguenta mais. Piauí procurará com afinco novos assuntos: o Brasil não é feito apenas de corrupção e violência. (OVERMUNDO, 2010, OnLine)

O lançamento da nova publicação foi destacado em site culturais e nos jornais, como mostra a matéria Jornalismo literário e ficção marcam estréia da revista Piauí, publicada em 9 de setembro de 2006 pela jornalista Sylvia Colombo no jornal Folha de S.Paulo. Uma nova revista chega às bancas nesta semana. Com um nome que nem seus criadores sabem explicar direito, Piauí tem espírito híbrido. Será uma mistura de reportagens ao estilo "new journalism" (ou jornalismo literário) com crônicas, perfis e diários - de temas preferencialmente nacionais -; além de textos ficcionais. [...] O primeiro número traz colaborações de nomes consagrados da imprensa nacional, como Ivan Lessa, que descreve seu retorno ao Brasil após mais de 28 anos, e Danuza Leão, que faz um perfil do estilista Guilherme Guimarães, além do ilustrador Angeli, que desenha a imagem da capa - um intrigante pingüim de geladeira com boininha de Che Guevara. (FOLHA ONLINE, 2010, On-Line)

Conforme João Moreira Salles, em entrevista a Nunes (2010), o nome Piauí foi escolhido sem critério algum: “É um nome que contém muitas vogais, soa bonito, é gostoso de pronunciar” (Salles apud NUNES, 2010, On-Line). Podemos entender também, apesar da falta de pretensão alegada por Salles, que, ao batizar a revista com o nome de um dos estados mais afastados do Brasil, Piauí sugere algo pouco conhecido, ou seja, que a publicação aborda pautas que os grandes meios de comunicação ignoram, sejam elas de cunho nacional ou não. À época do lançamento de Piauí, poucos apostavam no fato de uma revista de 80 páginas contendo textos longos conseguir durar mais que dois ou três números. Mas já nas


primeiras edições, Piauí não apenas se firmou no mercado editorial nacional como surpreendeu o próprio Salles. “Um grande editor brasileiro chegou para mim e disse que uma revista com o perfil que preparávamos não venderia 5.000 exemplares por mês num país como o Brasil” (O TEMPO, 2010, On-Line). O mais otimista ouvido por ele chutou 10 mil revistas. Logo no primeiro número, Piauí teve 30 mil compradores. Comercialmente, o sucesso da revista também surpreendeu. As agências publicitárias logo perceberam que o leitor do novo produto engloba os chamados “formadores de opinião” – pessoas com poder de influenciar outras pessoas. Logo, grandes bancos, marcas de carros e outras companhias passaram a anunciar em Piauí. Para Salles, é possível afirmar que a maioria dos leitores da revista tem nível superior, é curioso, tem o hábito de freqüentar livrarias e gosta de ler. "É alguém com quem o mercado publicitário quer falar" (OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2010, On-Line). Na edição de um ano de Piauí, em setembro de 2007, das 78 páginas, cerca de 30 eram compostas por anúncios. Isso pode ser considerado uma mostra da confiança do mercado e da viabilidade comercial de uma publicação nos moldes de Piauí. Outro fator que atesta para o sucesso da revista são os prêmios que a publicação já recebeu desde seu recente lançamento. Em 2009, ela se classificou em sexto lugar, na categoria revista nacional, na pesquisa Veículos Mais Admirados: O Prestígio da Marca, realizada pelo jornal Meio & Mensagem com a Troiano Consultoria de Marcas. No mesmo ano, também recebeu o título de Destaque do Ano do Prêmio Colunistas Rio. Em 2007, Piauí recebeu o Prêmio Especial do Júri do no 21º Prêmio Veículos de Comunicação da Editora Referência. No mesmo ano, foi considerada a Revista do Ano pela revista About. Em 2010, o prêmio de Veículo do Ano, concedido pela Associação Brasileira dos Colunistas de Marketing e Propaganda. Na opinião do colunista do jornal Folha de S. Paulo Contardo Calligaris, que dedicou sua coluna de 19 de outubro de 2006 à revista, que havia acabado de ser lançada, Piauí tem o dom de tornar público o desconhecido, geralmente excluído pela grande imprensa, e de valorizar o cotidiano do cidadão comum. Mais ainda, tem “interesse pela vida concreta, o que transforma sua chegada num “evento político”. Afinal de contas, aponta o colunista, a “condição básica de uma convivência democrática é que se torne relevante a variedade das vidas concretas” (CALLIGARIS, 2010, On-Line)


De acordo com o Instituto Verificador de Circulação (IVC), a tiragem de Piauí nos primeiros meses de 2010 foi de 60 mil exemplares. Desse montante, 52% são destinados à venda em bancas, onde cada exemplar custa R$ 12, e 47% são para assinantes. Mesmo sendo distribuída e impressa pelo Dinap (Distribuidora Nacional de Publicações), da editora Abril, a revista é produza pela editora Alvinegra, criada exclusivamente para essa função. Assim como a maioria dos magazines, Piauí também tem a sua versão eletrônica – www.revistapiaui.com.br. Embora reproduza o conteúdo publicado em papel, cujo acesso não se restringe apenas aos assinantes, o site da revista oferece mais do que as páginas da versão impressa na tela do computador, como arquivos de áudio, vídeos e textos que são produzidos exclusivamente para a versão On-line. 3.1 Aspectos visuais e editoriais Segundo João Moreira Salles, a intenção da Piauí não é salvar o jornalismo brasileiro no que ele tem de ruim, mas ser uma revista prazerosa, com humor, “e que revele coisas curiosas, importantes, fúteis, boas e ruins sobre o Brasil” (DIGESTIVO CULTURAL, 2010, On-Line), características de uma publicação que até então, segundo João Moreira Salles, faltava no mercado editorial brasileiro. A criação da revista não foi baseada em pesquisas, como ocorre na maior das vezes. Simplesmente foi reunido um grupo de pessoas que, assim como ele, se sentiam um tanto “desatendidos” ao entrarem em uma banca de revistas à procura de boa informação. Um grupo de amigos chegou à conclusão que seria bacana entrar numa banca e encontrar uma revista como a Piauí. Não passou disso. A decisão não foi tomada a partir de um plano de negócios (ainda que queiramos que a Piauí se torne um negócio), ou porque alguém identificou um nicho editorial ainda não explorado. Queríamos ler reportagens como as que publicamos não só em inglês, mas na nossa própria língua. ( ZANGRANDI, 2010)

Com a redação instalada no Rio de Janeiro, o grupo de repórteres e editores de jornalismo da Piauí reúne antigos e novos talentos do jornalismo brasileiro. Com o objetivo de enriquecer o trabalho, João Moreira Salles optou por misturar as gerações, levando em consideração as diferentes contribuições que cada uma tem a fazer à revista. A redação tem veteranos do jornalismo como Márcio Sérgio Conti e neófitos como a ainda estudante Clara Becker. Em abril de 2010, a Redação de Piauí era composta por 11 colaboradores fixos com função jornalística. São eles: o diretor de redação Mario Sergio Conti, os editores Dorrit


Harazim, Marcos Sá Corrêa e João Moreira Salles, a secretária de redação Raquel Freire Zangrandi e os repórteres Clara Becker, Consuelo Dieguez, Cristina Tardáguila, Daniela Pinheiro, Luiz Maklouf Carvalho e Paula Scarpin. Conforme análise realizada por Silva (2010), 60% da produção da revista provém da redação e 30% de colaboradores. Entre esses colaboradores, estão jornalistas como Roberto Pompeu de Toledo, Otávio Frias Filho, além de artistas como o compositor Tom Zé e a atriz Fernanda Torres, entre dezenas de outros. Silva (2010) também aponta que 10% de matérias são traduzidas e publicadas por Piauí depois de impressas, primeiro, em outra publicação normalmente revistas americanas. E Piauí ainda tem uma seção escrita por pessoas comuns. É a seção Diário que, como o próprio nome já diz, é um diário da vida de determinada pessoa, onde ela narra seu cotidiano. São relatos de experiências de vida que ocorrem no período de uma semana, um mês, um ano ou mais. Trata-se de uma seção capaz de fazer o leitor embarcar na vida do outro e experimentar, mesmo que imageticamente, uma realidade diferente, o que, no fim, permite refletir sobre a própria vida, como geralmente ocorre quando a leitura é prazerosa. Diário também lembra um dos principais fundamentos do Novo Jornalismo, segundo Tom Wolf (2005): a humanização e descoberta do anonimato. As outras seções fixas de Piauí são: Chegada: uma espécie de editorial, sempre na primeira página de textos, logo após a apresentação dos colaboradores. Não é assinada, e os temas são sempre diversificados, sendo complicado estabelecer um padrão. Esquinas: sequência de matérias curtas, escritas na maioria das vezes por colaboradores sem vínculo fixo com a revista. Aborda normalmente assuntos cômicos e singulares, notadamente de política, cultura e questões sociais. Na edição de janeiro de 2010, por exemplo, Esquinas abordou a iniciante carreira de pintor de quadros do ator Sylvester Stallone, o tamanho insuficiente das lixeiras do Rio de Janeiro, a historio de um grupo de paulistas que defende que o Estado se separe do restante do Brasil, a briga da família da autora da canção infantil O coelhinho para conseguir da TV Globo os direitos autorias pela veiculação da música, o sucesso dos vídeos amadores no formato super-8 produzidos por Marcos Bertoni, a vida do famoso esteticista canino Sergio Villasanti e um inusitado teste para saber qual o modelo de cueca mais adequado para guardar dinheiro – inspirado no


presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Leonardo Prudente, flagrado à época enfiando maços de células dentro da roupa íntima. Despedida: contêm sempre histórias em clima de desfecho, seja a narração sobre a morte de uma personalidade, como o perfil-obituário sobre Zilda Arns na edição de fevereiro de 2010, ou o fim de determinados objetivos, como as estatuas do diretor Franco na Espanha, na edição de abril de 2010. Também não tem assinatura do autor. Ficção: traz contos, ensaios ou trechos de livros, inéditos ou não, de autores conhecidos e desconhecidos. Cartas: seleção, em duas páginas, de opiniões enviadas à revistas por leitores. A interação da revista com os leitores também se dá por meio de concursos de poesias, textos e versos, que são realizados sem periodicidade fixa por Piauí. Todas edições têm quadrinhos, charges e cartuns, que quebram o ar informacional da revista. Baseados em grandes histórias (um deles, de Robert Crumb, foi uma releitura do Novo Testamento), em fatos atuais, cultura e até utilidade pública, esses desenhos têm como característica um humor inteligente, irônico e sagaz, aliás, uma característica também de vários dos textos de Piauí, principalmente da seção Esquinas. Até a 12ª edição, a revista também tinha uma sessão de horóscopo, obviamente satírica. Nas edições de 2008 e 2009 e 2010, algumas edições trazem em suas páginas notícias falsas e jocosas sobre celebridade e políticos em uma fictícia publicação denominada Piauí Herald. Alem do humor, espaço relevante de Piauí é dedicado à cultura. Assuntos como artes plásticas, teatro e arquitetura, cinema e moda estão presentes na revista com freqüência. Além de perfis de personalidade e matérias sobre os assuntos, a revista tem, desde 2009, uma seção de crítica de cinema, assinada pelo cineasta Eduardo Escorel. Há também a seção Ensaio, que se repete com freqüência, e na qual são publicados ensaios fotográficos tradicionais, no sentido de manterem a suposta relação com o referente. Esses ensaios surgem no meio das páginas da revista como um descanso dos textos, durante quatro ou cinco páginas. Interessante notar que, por ser Piauí uma revista na qual predomina a linguagem escrita, há o esforço para não se banalizar as imagens. Elas, ao contrário, são valorizadas pelo aspecto da raridade. Uma reportagem dificilmente é ilustrada por mais do que uma imagem.


Ao ser entrevistado no programa Observatório da Imprensa, o editor de Piauí João Moreira Salles criticou o vício da imprensa tradicional de tratar cultura como furo jornalístico. A lógica de publicar antes dos concorrentes valeria para notícias, mas não para cultura, segundo sua opinião. “Essa pressa gera resenhas superficiais e apressadas. Se amanhã o Joyce lançasse o Ulisses, as pessoas teriam que ler em duas horas para fazer a resenha" (Salles apud OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2010, On-Line) Para Salles, o que importa é que se publique uma a grande e completa resenha, mesmo que depois do lançamento, e essa postura pode ser notada, também, na cobertura de cultura da Piauí. Interessante destacar que, para tentar evitar as falhas de informação Piauí, inclui no processo editorial o trabalho específico de checagem factual. Um profissional identifica todos os personagens da matéria, conferindo a grafia dos nomes, idade, além de checar datas, números, nacionalidade, cargo etc. Ele faz também uma correlação de dados para detectar possíveis furos de informação. Piauí é a única grande publicação nacional além de Veja a adotar esse procedimento (SABATINA COM JOÃO MOREIRA SALLES, 2010, On-Line). A imagem de capa da revista normalmente não tem uma relação direta com os enunciados das manchetes. São fotos e artes gráficas escolhidas somente pelo seu conteúdo plástico e não por sua relação com o conteúdo do interior da publicação. A imagem da capa é alusiva ao eixo temático da revista, só que não sinaliza, como é comum, uma principal reportagem da revista – até porque, pela maneira como são dispostas as chamadas das reportagens na capa, pode-se dizer que não há uma reportagem considerada a principal. A capa é considerada conteúdo editorial. Ou seja, é a primeira informação que o leitor encontra sobre o espírito da revista. Nem sempre (ou quase nunca) tem relação com as matérias que estão lá dentro. A arte propõe alternativas, todo mundo opina e o diretor de redação tem a palavra final. (ZANGRANDI, On-Line)

Como a capa, os outros aspectos gráficos da revista também a diferencial da maioria das publicações. Seu formato é de 26,5 cm x 34,08 cm, maior do que as revistas tradicionais como Veja, Época e Istoé (21 cm x 29,7 cm). Igualmente o papel - pólen bold na capa e pólen soft nas páginas internas – é diferente do usado na maioria das publicações, e sua composição foi desenvolvido exclusivamente pela Suzano Palpel e Celulose para a impressão de Piauí. O formato de Piauí, tanto visual como editorial, sofreu influência de várias publicações admiradas pelos fundadores. A publicação a qual ela mais se assemelha é a norteamericana The New Yorker, já citada no primeiro capítulo. Guardadas as devidas proporções,


observamos características similares à Piauí na The New Yorker tanto no projeto editorial quanto no projeto gráfico. Em ambas as publicações se destacam o rico tratamento da narrativa jornalística, o projeto gráfico discreto com paginação simples e austeridade tipográfica, a ênfase no conteúdo textual, o uso criterioso de estímulos visuais, o perfil editorial variado com ênfase em política e cultura e também o espaço reservado aos pequenos anúncios e à inserção de charges e poemas ao longo das páginas revista. Em entrevista ao site Digestivo Cultural, João Moreira Salles nega que houve uma intencional inspiração na revista e diz que formato é original e que não existe uma revista parecida com a Piauí dentro ou fora do país. Nem eu nem as pessoas envolvidas no projeto dissemos que a Piauí seria a New Yorker brasileira. Seria meio bobo e pretensioso afirmar isso. A New Yorker é o resultado de um momento específico do jornalismo americano: um grupo extraordinariamente talentoso de escritores oriundos de diversas partes dos EUA (quando não do mundo) encontraram-se na cidade que, àquela altura, já tomava o lugar de Paris como centro da vida literária mundial. Isso não se reproduz em lugar nenhum. A Piauí é uma revista nova, inventada do zero. Temos nossas admirações – Senhor, Pasquim, New Yorker, Realidade, Opinião – mas admirar é uma coisa, copiar é outra. Não há nada muito parecido com a Piauí. Nem aqui, nem fora. (DIGESTIVO CULTURAL, 2010, On-Line)

Em entrevista a Alberto Dines no programa de televisão Observatório da Impresa, Salles também deu a seguinte declaração quando questionado sobre as influencias do formato de Piauí: “Toda revista que conseguiu exalar o ar de seu tempo conseguiu porque foi original. Se você tentar reproduzir um modelo, você quebrou a cara" (OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2010, On-Line). Na mesma entrevista concedida no Observatório da Imprensa, João Moreira explicou como é produzida a revista, que, segundo ele, não apresenta um expediente dividido em cargos hierarquizados, e sim uma espécie de colegiado jornalístico. A hierarquia não é rígida, mas tem alguém que decide, que é o Mário Sérgio Conti, a edição final é dele. A revista toda passa por ele, que decide o que entra e o que não entra. Os textos são bastante editados, é uma característica da Piauí, eles vão e voltam umas 4 ou 5 vezes, eu diria. A receita da revista está muito na cabeça do Mário. Nunca tivemos uma reunião de pauta. É muito informal, alguém tem uma idéia e vai até o Mário e diz ‘olha, eu tive essa idéia e tal, o que você acha?’ ele diz ‘vai lá e faz’. Então, ao mesmo tempo em que não há uma estrutura muito rígida, é claro que há uma hierarquia, porque senão a revista não fecha. Mas é uma hierarquia macia, suave. Ao lado do Mário tem a Dorrit Harazim e o Marcos Sá Corrêa, que também são editores e fecham muitas matérias. É uma redação muito pequena de pessoas que se dão muito bem. É um bom lugar para trabalhar. (João Moreira Salles apud TV BRASIL, 2010, On-Line)


Na Piauí também não existe reunião de pauta. As matérias vão surgindo informalmente, da conversa entre os repórteres e o diretor de redação. Somos muito poucos, dez passos e se chega a qualquer mesa. Nosso processo não tem nenhuma liturgia, nenhuma formalização. Também não temos editorias, o que nos desobriga a ter assuntos obrigatórios – política, esporte, economia, etc. No início do mês a redação fica relativamente vazia, e à medida que o mês avança, as pessoas vão ocupando as suas mesas para escrever as matérias. (ZANGRANDI, On-Line)

Para Salles (apud OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2010, On-Line) o fato de a redação da Piauí ser pequena – são apenas três salas interligadas – facilita a conversa e o trânsito de idéias. Apesar da direção de Piauí afirmar não possuir posicionamento político de direita ou de esquerda, nota-se que a revista assume sempre uma função contestadora. Uma cultura, de certa forma, anarquista, com provocações e ironias, mesmo que camufladas. "Eu não queria uma revista para ficar gritando, urrando [...]. Apesar de não ter a premência da notícia urgente, a revista não é apolítica, ela toma posições. O diferencial da revista, na visão do editor, é que ela pode ser mais lenta dos que as outras, pois a equipe tem mais tempo para escrever e apurar” (SALLES apud OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2010, On-Line). A Piauí tem uma descrença nas ideologias e nas grandes narrativas. Não quer falar da violência no Brasil, mas dos pequenos temas. Em uma edição publicamos uma matéria que defende o comunismo e em outra edição trazemos uma matéria com Lily Marinho. A Piauí é incompreensível. Nunca vai ter muita adesão, muita paixão. Seus produtores acham que as coisas são mais difíceis, isso torna a revista bemhumorada, mas um humor um pouco ácido. São desesperançados, mas não desesperados (SABATINA COM JOÃO MOREIRA SALLES, 2010, On-Line).

Raquel Freire Zangrandi, secretária de Redação da revista (2010, On-Line) afirma que a intenção de Piauí é ser uma revista boa de ler, divertida e que dê tempo aos repórteres para apurarem os fatos e escrevê-los. “Queremos fazer matérias que sejam interessantes, sejam elas de que natureza forem. Não queremos nos prender a padrões estéticos de texto ou de aspecto visual” (ZANGRANDI, 2010, On-Line) 3.2 A valorização do texto em Piauí Das várias características que diferencial Piauí das outras publicações disponíveis no mercado editorial nacional, a principal é a valorização do texto. Da primeira à última página, em todas edições, há pelo menos uma dezena de matérias, de tamanho médio ou grande, sobre temas diversos. Dessas, três, as principais da edição, têm em média seis páginas. Isso pode ser


considerado um paradoxo no atual momento evolutivo do jornalismo, marcado justamente pela atualização contínua e por textos curtos e sintetizados.

Essa vocação para a literatura jornalística em Piauí foi explicitada já na Carta de Intenções da revista: Piauí será uma revista para quem gosta de ler. Piauí partirá sempre da vida concreta, da experiência vivida, do testemunho, da narrativa – e não do Google. Ela buscará temas atuais, embora não tenha pressa em chegar primeiro às últimas notícias. (OVERMUNDO, 2010, On-Line).

O objetivo também foi identificado por Vaz e Mintz no projeto gráfico da publicação: Como princípio fundamental que rege esta articulação, observa-se, ao longo de toda a revista uma contínua preocupação com o equilíbrio funcional da composição de suas páginas e com os princípios tipográficos de conforto e legibilidade necessários à leitura de seus textos extensos Preocupação que se evidencia na escolha da tipografia, na extensão moderada das colunas, na uniformidade da mancha e relação equilibrada com as ilustrações – que em momento algum invadem o espaço do texto, deformando as colunas, fazendo-as incorporar as curvas da imagem21. Neste processo, os dispositivos tipográficos se evidenciam enquanto articuladores de uma dimensão relacional da leitura, pois é assim que a publicação se oferece enquanto terreno hospitaleiro ao leitor que se dispôs à leitura da revista. Com sua austeridade sofisticada, chama-se à leitura sem, contudo, invadir o espaço do leitor. É ele que é convidado a se enveredar pelo território de Piauí, a percorrer o caminho que ela abre ao campo esquecido e pouco arado da leitura silenciosa, com um projeto gráfico que abafa os berros e apaga as luzes do entorno, constituindo, na própria página, o retiro deste leitor. (VAZ e MINTZ, 2010, On-Line)

O editor João Moreira Salles, repetindo a opinião de outros autores como Sant’anna (2008), afirma que essa preocupação com textos contextualizados e de qualidade formal – e por isso mesmo longos – são uma alternativa para atrair o leitor que recorre à internet para ler notícias em detrimento aos veículos impressos. Acho que de alguma maneira a internet afeta a produção de imagem e de texto, mas como afeta é difícil saber. A minha impressão é que quem sofre mesmo são jornais e revistas semanais. O jornal lida com a notícia do dia, e cada vez mais, quando você recebe o jornal de manhã, já viu aquilo. Mas não é o caso da Piauí. É curioso que o período de explosão da internet corresponda ao período de declínio na tiragem de jornais e revistas semanais. Só duas revistas aumentaram significativamente a sua tiragem, ultrapassando a barreira de 1 milhão de exemplares vendidos: a The Economist e a New Yorker, que não lidam tanto com a notícia quente, mas com o pano de fundo, com o que te permite entender o que está acontecendo no mundo. Isso não tem na internet. Pode ser uma coisa geracional, mas eu tenho pouca paciência para ler na internet. E a graça da Pauí está em como as coisas são apresentadas, como as brincadeiras estão na página. Por isso acho que a internet é um bicho que ainda não mostrou direito a sua cara. Pode ser um amigo ou um adversário, dependendo do tipo de publicação. (João Moreira Salles apud FACULDADE CÁSPER LÍBERO, On-Line)


Como Piauí tem publicação mensal, obviamente não pode concorrer com a agilidade de um jornal diário ou com revistas semanais. Para o editor João Moreira Salles essa deficiência é compensada em parte com originalidade narrativa. Na revista Piauí, a gente pode chegar depois porque a urgência não permite refletir sobre o que aconteceu. Você chega depois e conta como ninguém nunca contou antes. A piauí é uma revista lenta no sentido de refletir sobre as matérias. Tempo é algo essencial. Tempo produz diferença. Tempo penetra no DNA da matéria para produzir algo diferente. O que a Piauí faz é comprar papel na baixa porque ninguém mais está interessado e, com isso, sai na frente [...]. Na Piauí é claro que me interessa falar do José Dirceu, do Fernando Henrique, mas, mais do que isso, me interessa falar do Fernando Henrique como ninguém jamais falou. É importante que haja um raciocínio sobre a maneira de falar. Se há originalidade na narrativa, para mim valeu a pena fazer essa matéria. (SABATINA com JOÃO MOREIRA SALLES, 2010, On-Line).

João Moreira Salles defende a idéia de que o compromisso da Piauí é com as grandes histórias, ou seja, a produção de textos atraentes, de vocabulário amplo e que reproduzam temas de interesse dos leitores. Seja palavra ou imagem, o que importa, segundo o documentarista, é a qualidade da informação. De acordo com o criador da revista, na Piauí um texto sobre qualquer assunto é passível de ser publicado na revista contando que tenha qualidade formal e seja interessante. O bom texto nada mais é do que uma história bem contada. E histórias bem contadas nunca saem de moda. A piauí busca isso. Temas interessantes contados com verve, drama, tensão narrativa, e que empreguem um vocabulário que exceda cem palavras [...] nossa opção editorial é simples: falar de tudo, de política a odontologia. Se um autor for capaz de tornar uma reportagem sobre cáries interessante, ela será publicada na Piauí. Isso significa que a cultura nos interessa, mas não é nossa obrigação cobrir a agenda cultural. Para isso já existem boas revistas. Ademais, o que é cultura? Um ensaio literário sobre a goiabada, publicado no nosso número de novembro (11/2006), seria cultura? Ou cultura é apenas a crítica de um livro, de um disco ou de um filme? (SALLES, apud DIGESTIVO CULTURAL, 2010, On-Line)

Conforme Salles, não existem pré-definições sobre o que é um bom texto jornalístico, mas, no seu entender, a informação não é suficiente. Para a Piauí a maneira de narrar é tão importante quanto a apuração. Isso diz respeito à estrutura da reportagem, como por exemplo a que a Daniela escreveu sobre moda. Não só o que está dito ali é novidade, mas a maneira de contar também é complexa e original. Para nós, no limite, uma boa reportagem é aquela na qual o leitor embarca sem se interessar pelo assunto, e vai até o fim pelo prazer da leitura. (João Moreira Salles apud JORWIKI, 2010, On-Line).

Ao concordar com Salles, a repórter de Piauí Daniela Pinheiro afirma que um texto interessante só nasce depois de uma apuração interessante. Ela cita como exemplo a matéria que publicou na edição de junho de 2007 da revista, que denuncia a prática, muito comum, segundo o texto, da cópia de modelos estrangeiros por estilistas nacionais.


Eu comecei apurando uma matéria sobre o mercado da moda no Brasil, em geral. Ao longo da apuração, as pessoas me falavam (sempre em off) que a moda brasileira nunca iria pra frente porque o grande problema é a cópia, que muitos estilistas brasileiros copiavam descaradamente os estrangeiros. Fui identificando as cópias e daí resolvi escrever daquele jeito: o parágrafo em que eu falava de uma roupa desfilada em Nova York era escrito igualzinho (com as mesmas palavras,estrutura etc) ao que eu falava sobre um desfile brasileiro. No texto, já ficava implícita a idéia da cópia. (Daniela Pinheiro apud JORWIKI, 2010, On-Line).

A maior parte dos textos jornalísticos classificados como jornalismo literário despreza o chamado gancho jornalístico - pretexto que gera a oportunidade de um trabalho jornalístico seja um fato ou uma data. Os textos de Piauí, ao contrário, têm a habilidade de sempre encontrar bons ganchos para serem publicados. Usemos como exemplo a reportagem Bom dia, meu nome é Sheila, publicada na edição outubro de 2006, que descreve o cotidiano de um curso para operadores de telemarketing. Não há, aparentemente, nenhum acontecimento, recente ou não, que mereça destaque no tema. Mas assim a matéria se sustenta, pois desperta a curiosidade do leitor para um universo – a vida de quem trabalha com telemarketing – que, apesar de desconhecido por muitos, repercute de forma inquestionável, quase sempre negativa, na vida de quem tem ao menos um telefone fixo ou celular, e precisa ou é obrigado a usar o serviço. Interessante destacar que muitas vezes a produção dos textos publicados em Piauí impõe altos custos. E esse investimento bancado por Piauí é outro fator que diferencia a revista de outras publicações. O perfil do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, escrito por João Moreira Salles e publicado na edição de agosto de 2007, é um exemplo. Para fazer a reportagem, Salles viajou para a Europa e os Estados Unidos acompanhando o ex-presidente por cerca de duas semanas. Em entrevista ao programa Observatório da Imprensa, o editor explicou que a revista valoriza e foi planejada para comportar este tipo de investimento. "Se você coloca isso na ponta do lápis, é caro. A aposta é que isso se dilua com o tempo" (João Moreira Salles, apud OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2010, On-Line) Piauí é uma revista que dá tempo a seus jornalistas para que trabalhem. E esse cuidado com a apuração já fez a revista chegar na frente várias vezes. Temas que se transformaram na manchete dos jornais apareceram antes em Piauí. Um exemplo interessante é o perfil da ministra da Casa Civil Dilma Rousseff, escrito pelo jornalista Luiz Maklouf Carvalho, publicadas na edição de julho de 2009 da revista, que acabou por pautar uma série de discussões levantadas por vários jornais, o que forçou uma vigilância maior por parte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para com os


currículos publicados na Plataforma Lattes. O que chamou atenção de vários veículos de comunicação foram apenas dois parágrafos da matéria de oito páginas: O site oficial da Casa Civil informa que a ministra é “mestre em teoria econômica pela Universidade de Campinas (Unicamp) e doutoranda em economia monetária e financeira pela mesma universidade”. Na Plataforma Lattes, a base de dados de currículos e instituições das áreas de ciência e tecnologia, o currículo de Dilma Vana Rousseff registra um mestrado em ciência econômica, na Unicamp, em 1978-1979, com a dissertação [...]. Informa também que ela começou, em 1998, um doutorado em ciências sociais aplicadas [...]. “Dilma Vana Rousseff nunca se matriculou em nenhum curso de mestrado da Unicamp”, informou o diretor de registro acadêmico Antônio Faggiani. (PIAUÍ 34, 2009)

A reportagem acabou fornecendo fatos e abrindo discussões na esfera política, forçando a futura candidata a presidência do Brasil e o próprio CNPq a se justificarem perante a imprensa e conseqüentemente, perante a sociedade. A ministra admitiu o erro publicamente e o coordenador geral de informação do CNPq, Geraldo Sorte, informou, através de reportagem escrita no jornal O Globo (2010) que quem incluir informações falsas na Plataforma Lattes terá o currículo retirado e, caso seja bolsista do CNPq, perderá a bolsa de estudos. Já a Folha de São Paul publicou a seguinte reportagem no caderno Ciência com chamada na capa: Site do CNPq abriga currículos falsos (FOLHA ONLINEb, 2010). A matéria cita a reportagem da revista Piauí, que “deu o furo” do caso do histórico acadêmico da ministra, além de cobrar do CNPq maior solidez nas informações divulgadas na Plataforma Lattes. O caso do modelo americano David Goldman que reivindicou custódia do seu filho com a falecida brasileira Bruna Bianchi, também foi descrito primeiro na revista Piauí, em novembro de 2009. Assim como no caso das matérias sobre a ministra, o enfoque da revista era o personagem - David Goldman – e não era a briga familiar, muito menos as discussões entre os consulados americano e brasileiro, desencadeadas após a repercussão dada pela imprensa diária. Entretanto, da mesma forma, a revista acabou atentando a mídia e a própria população, para situações particulares que acabaram repercutindo em um debate público. Outra reportagem de Piauí que repercutiu nacionalmente foi a reportagem da repórter Daniela Pinheiro com o ex-ministro José Dirceu, publicada na edição de janeiro de 2008 de Piauí. No texto, o ex-ministro afirmou a existência de um fundo secreto alimentado por propinas teria sustentado a construção da sede do Partido dos Trabalhadores (PT) no Rio Grande do Sul e insinuou que a senadora Eloísa Helena tinha ‘motivos impublicáveis para votar contra a cassação do ex deputado Luiz Estevão. A entrevista repercutiu tanto nos meios


políticos quanto na imprensa. Para que se tenha uma idéia da dimensão tomada pela matéria "O Consultor", Roberto Pompeu de Toledo, colunista da seção "Ensaio" e editor especial da revista Veja (ACERVO DIGITAL, 2010, On-Line), afirmou que o texto de Daniela é "uma das melhores peças jornalísticas dos últimos tempos". O fundador do site Observatório de Impresa, Alberto Dines (2010), um dos jornalistas mais respeitados do Brasil dedicou sua coluna semanal no site Observatório da Imprensa à reportagem de Daniela Pinheiro – que no mesmo ano recebeu da revista Imprensa o premio de Melhor Jornalista de Veículo Impresso. Tendo visto revista Piauí, sua história, suas particularidades e seu conteúdo, partimos para o próximo capítulo. Nele, descreveremos os métodos que utilizados durante a análise do nosso objeto de estudo.


4 DOS MÉTODOS DE ANÁLISE Para que a produção de determinado conhecimento possa ser considerada científica, é necessário que se identifique as operações teóricas e técnicas que compuseram a construção desse conhecimento. Nesse capítulo, vamos explicar os métodos que utilizamos para o desenvolvimento da presente pesquisa. Gil (1999) define método científico como um conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos adotados para se atingir o conhecimento. O uso de métodos cientificos seria a etapa mais concreta da investigação, com a finalidade de oferecer uma explicação geral dos fenômenos menos abstratos. Os métodos de abordagem esclarecem, assim, acerca dos procedimentos lógicos que vão ser seguidos no processo de investigação; são métodos que possibilitam ao pesquisador e à comunidade acadêmica definir acerca do alcance da investigação, das regras de explicação dos fatos e de sua validade. Como lembra Epstein (2006, p. 26), todos os procedimentos de análise são reducionistas, ou seja, reduzem a complexidade total do real. O autor acredita que o importante em uma pesquisa é que os métodos sejam escolhidos de acordo com cada caso e com os objetivos da pesquisa. Acreditamos que não existe método de pesquisa perfeito, mas todo aquele que é bem construído e bem conduzido tem mais chances de responder às hipóteses propostas em estudos científicos do que outros. Nesta pesquisa, portanto, procuramos utilizar métodos de análise que nos permita dar conta dos questionamentos, e que também sejam possíveis de ser aplicado. Para que seja possível cumprir com o objetivo desse trabalho, vamos recorrer a técnicas de pesquisa já bastante consolidadas nas pesquisas em jornalismo dentro do campo da comunicação. Acreditamos que as ferramentas de análise que escolhemos sejam as mais adequadas ao modelo de pesquisa que propomos, exploratória, e com objetivo de explicar determinado fenômeno: as características das reportagens da revista Piauí. Optamos por utilizar técnicas de revisão bibliográfica, estudo de caso e análise de conteúdo, e por um método que desenvolvemos especificamente para este estudo.


4.1 A revisão bibliográfica Atividade contínua e constante durante toda a pesquisa acadêmica, a revisão bibliográfica foi um dos métodos científicos empregamos nesse estudo. Stumpf (2006) define esse método de análise como “um conjunto de procedimentos que visa identificar informações bibliográficas, selecionar os documentos pertinentes ao tema estudado e proceder a respectiva anotação ou fichamento das referências e dos dados dos documentos para que sejam posteriormente utilizados na redação de um trabalho acadêmico” (p. 51). Para a autora, a pesquisa bibliográfica estabelece as bases para o avanço da pesquisa. A revisão bibliográfica visa proporcionar maior familiaridade entre o pesquisador e o problema, com vistas a tornar o trabalho mais completo. Acreditamos que estudar o que já sucedeu acerca do tema sobre o qual nos debruçamos – nesse caso, as características do jornalismo interpretativo da revista Piauí – possibilita a busca de respostas mais embasadas e precisas. Desse modo, necessitamos conhecer aquilo que já está posto em relação a esses temas. Só assim poderemos tentar produzir novos conhecimentos sobre esses assuntos e contribuir para que os próximos estudos também partam de um ponto ainda mais avançado. A construção da revisão bibliográfica se dá ao mesmo tempo em que as leituras vão ocorrendo. À medida que o pesquisador lê e utiliza em sua produção cientifica os dados obtidos, começa a delinear e identificar conceitos que se relacionam até chegar a formulação objetiva e clara do problema que irá investigar – e a resposta desse problema. Com base nesses apontamentos, apresentamos nos dois primeiros capítulos da presente pesquisa uma reconstrução histórica do formato de veículo jornalístico impresso denominado revista, bem como um panorama do momento atual desse veículo e o contexto em que se apresenta o nosso objeto de estudo. Também utilizamos o método da revisão bibliográfica ao tratar dos gêneros jornalísticos e, por último, da própria revista Piauí, nosso objeto de estudo. 4.2 Estudo de caso O método de pesquisa estudo de caso implica no levantamento detalhado do tema, onde “o interesse primeiro não é pelo caso em si, mas pelo que ele sugere a respeito do todo” (CASTRO apud DUARTE, 2006, p.219). Sendo assim, ele se mostra útil a nossa proposta de, através da análise do jornalismo interpretativo produzido pela revista Piauí, desenharmos parte do cenário do jornalismo de revista do século XXI.


Segundo Yin (2005), “o estudo de caso é uma inquirição empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é claramente evidente e onde múltiplas fontes de evidência são utilizadas” (p. 32). Para o autor, é o método preferido quando se é preciso responder questões do tipo “como” e “por que” – e queremos saber como a Piauí se estabelece no cenário do jornalismo de revista atual e porque ela conseguiu se estabelecer. Duarte (2006, p. 215) aponta que o método do estudo de caso é “uma boa maneira de introduzir o pesquisador iniciante nas técnicas de pesquisa ao integrar o uso de um conjunto de ferramentas para levantamento e análise de informações”. Para Duarte (2006, p. 219), o estudo de caso deve ter preferência quando se pretende examinar eventos contemporâneos, em situações onde não se podem manipular comportamentos relevante e é possível empregar duas fontes de evidências, em geral não utilizadas pelo historiador, que são a observação direta e série sistemática. Mesmo apresentando características em comum com outros métodos, como o método histórico, por exemplo, a grande diferença do estudo de caso reside na “sua capacidade de lidar com uma ampla variedade de evidências – documentos, artefatos, entrevistas e observações” (YIN, 2005, p.27). De acordo com Gil (1991, 47 p.58) este método, “adotado na investigação de fenômenos das mais diversas áreas do conhecimento”, é um “estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de maneira que permita o seu amplo e detalhado conhecimento”. E como nesta pesquisa vamos analisar um único caso, o da revista Piauí, acreditamos que este é um método pertinente a ser utilizado. 4.3 Análise de conteúdo Outro método que optamos por utilizar nessa pesquisa, notadamente em nossa ferramenta de análise pessoal, também é uma técnica recorrente das ciências sociais: a análise de conteúdo. A análise de conteúdo, escreve Herscovitz (2007), é uma ferramenta pertinente para a pesquisas em jornalismo, tendo em vista a quantidade de material que é produzido pela mídia e que pode ser estudado por esse método. Para a autora (2007, p. 123), a análise de conteúdo nas pesquisas sobre jornalismo deve ser utilizado para “descrever e classificar produtos, gêneros e formatos jornalísticos”.


Herscovitz (2007) divide a análise de conteúdo em dois ramos, o quantitativo e o qualitativo. Cada um deles possui suas especificidades e é adequado para um tipo de pesquisa. Herscovitz (2007), porém, aponta para uma tendência atual de integração dos dois ramos nas pesquisas, já que “os textos são polissêmicos – abertos a múltiplas interpretações por diferentes públicos – e não pode ser compreendidos fora do seu contexto” (p. 126). Nessa pesquisa, utilizaremos dessa hibridização dos dois sistemas, na nossa ferramenta de análise pessoal, a qual explicaremos em seguida. Fonseca Júnior (2006, p. 290) divide a análise de conteúdo em três fases distintas e cronológicas: a pré-análise, que consiste no planejamento e na definição do trabalho a ser realizado; a exploração do material, ou seja, a análise em si; e o tratamento e interpretação dos resultados obtidos. Para o autor, a pré-análise é uma das fases mais importantes da análise de conteúdo, pois é nela que serão definidas as ações a serem realizadas nas próximas fases. O passo seguinte é a definição das amostras. Segundo Herscovitz (2007), consiste na classificação e na interpretação do conteúdo. É necessário, nessa etapa, estabelecer os “elementos abstratos que representam os fenômenos” (p. 132). A partir de então se passa à codificação do conteúdo e do estabelecimento de unidades de registro, “definidas a partir do tema da pesquisa, das teorias que informam o trabalho, de estudos anteriores” (HERSCOVITZ, 2007, p. 133) e do próprio material a ser analisado. 4.4 Ferramenta de análise pessoal Todas as técnicas de pesquisa citadas até o presente momento são de extrema importância para o desenvolvimento desse estudo. Porém, entendemos que apenas a utilização destes métodos não é suficiente para entendermos como se estabelecem e quais as características do jornalismo produzido na Piauí, devido a especificidades desse objeto de estudo. Assim, desenvolvemos uma ferramenta de análise própria que, aliada aos métodos já citados, venha a contribuir na elucidação do nosso problema de pesquisa. Para analisarmos como o texto jornalístico interpretativo da revista Piauí se estabelece, selecionamos três características do conteúdo e do texto das reportagens, com base na definições de autores, como unidade de análise. Essas características são a atualidade, a profundidade e a narrativa literária. As três unidades de análise foram escolhidas devido à sua relevância na construção do gênero interpretativo e com base na leitura de edições da revista Piauí.


Optamos por utilizar uma hibridização de métodos qualitativos e quantitativos, com análise textual e tabulação, como ferramenta para caracterizar os textos da Piauí. Assim, pretendemos compreender como as três unidades de analise estão inseridas nos textos da revista e qual seu papel, pois acreditamos que o formato das reportagens de Piauí são sua principal diferenciação em relação a outras publicações impressas. Na coluna à esquerda, em cada espaço da tabela, serão colocadas as três características que vão ser analisadas: a atualidade, a profundidade e a narrativa literária. Já na coluna do lado direito, usaremos o espaço para serem transcritos trechos identificados das reportagens que representam essas características. As tabelas serão identificadas pelo nome da matéria e pela edição na qual foi publicada. Optamos pelo modelo de tabela abaixo: CARACTERISTICAS PROFUNDIDADE

TRECHO

ATUALIDADE NARRATIVA LITERÁRIA

Iremos analisar cinco edições da revista Piauí. As edições, escolhidas aleatoriamente, mas consecutivas, foram publicadas entre junho e outubro de 2009. Como amostragem, foram selecionados os texto com maior destaque em cada edição, conforme o número de páginas e conforme as remissões de capa. Apesar de Piauí ter seções fixas, poesias e textos ficcionais, os textos mais destacados em cada edição, sempre três, são jornalístico-interpretativos. Por isso, temos como corpus 15 reportagens, que serão confrontadas com nossas três unidades de análise. Entendemos que o conteúdo da amostragem selecionada é suficiente para examinar as características da conteúdo da revista, afinal, Piauí mantém padrões editoriais análogos desde as primeiras edições. A aplicação deste método pessoal será de grande relevância na busca pelas respostas aos questionamentos desta pesquisa. Somente após esta análise minuciosa, e por meio do cruzamento desses dados com as informações obtidas pelos outros métodos científicos, poderemos chegar a uma conclusão para o questionamento inicial desta pesquisa: determinar as características do jornalismo interpretativo da revista Piauí, e por consequência tentar


compreender como e porque a publicação se estabelece no cenário contemporâneo dos veículos de comunicação. Antes de darmos continuidade a pesquisa, porém, devemos definir o conceituar o que entendemos como atualidade, profundidade e narrativa literária, nossas unidades de análise. 4.4.1 As unidades de análise 4.4.1.1 Atualidade A atualidade é intrínseca à atividade jornalística. Está relacionado com o cotidiano, isto é, com os acontecimentos com relevância pública que acontecem no dia-a-dia da sociedade, com fluxo das ocorrências do mundo, “um movimento contínuo que provoca a geração incessante de novos atos e que ganha visibilidade por ter entidades diversas participando de sua execução num determinado espaço (FRANCISCATO 2010). Marques de Melo (MELO, 1998, p.74). define o jornalismo como a “ciência que estuda o processo de transmissão oportuna de informações da atualidade, através dos veículos de difusão coletiva” Para Adelmo Gênro Filho (2007), a atualidade é uma das quatro singularidades do jornalismo. Na produção jornalística a atualidade é assimilada como um dos mais importantes valor-notícia. Complexificando a definição, Franciscato defende que o ponto de partida para pensarmos na atualidade jornalística é perceber que a temporalidade do jornalismo opera em sintonia com a temporalidade dos eventos. O jornalismo produz um relato sobre eventos, temas e situações que estejam em ato, em movimento, em processo de execução, discussão, problematização ou formulação pública, admitindo, no máximo, um breve intervalo de tempo entre um evento que recém se encerrou e o relato jornalístico dele - ou seja, estejam ocorrendo no tempo presente. (FRANSICATO, 2010, On-Line)

Podemos considerar, então, que o sentido de presente no jornalismo não tem um caráter meramente cronológico de delimitação entre passado, presente e futuro. O tempo presente deve ser visto também nas relações construídas no ambiente em que o indivíduo vive. “Compõe este presente, para cada um, uma multiplicidade de coisas, situações e práticas que co-habitam este ambiente num mesmo momento” (FRANCISCATO, 2010, On-Line). Conforme Franciscato (2010), a atualidade jornalística não está tão presa ao critério do novo enquanto idéia de renovação intermitente do conteúdo noticioso porque o jornalismo tem a potencialidade de manter atuais conteúdos que não são mais novos, mas que merecem,


por sua relevância, ser acompanhados na sua evolução ou na apresentação de novos aspectos (detalhes, pontos de vista etc). Essa situação ocorre quando os veículos de comunicação cobrem os desdobramentos dos acontecimentos e a extensão e a permanência do conteúdo no espaço público são alimentadas pelas próprias instituições jornalísticas ao oferecerem novos aspectos de um fato já noticiado. Deve-se salientar ainda, como já defendemos, que as relações temporais presentes em materiais jornalísticos podem variar conforme o grau de contextualização dos conteúdos, ou seja, conforme as relações que são estabelecidas pelos produtores entre estes conteúdos e situações ou temas vistos de uma perspectiva temporal mais ampliada – e isso é muito relevante em se tratando das reportagens da revista Piauí. Lembramos também que a atualidade jornalística sofre influencia de um conjunto de processos institucionais que se realizam em ritmos e velocidades ditadas pela produção organizada industrialmente e pela circulação periodizada (FRANCISCATO, 2010). Por isso, meios impressos com edições mais espaçadas, como é o caso da revista Piauí, obedecem a uma temporalidade diferenciada. Para esse tipo de publicação, a produção de conteúdo que atraiam o público pela atualidade é, no nosso entender, um fazer complexo, mas que ao mesmo satisfaz as necessidades do leitor, dado à concomitante profundidade possível de ser desenvolvida nesse tipo de situação. 4.4.1.2 Profundidade Para Erbolato (1991, p. 34), três características são fundamentais para caracterizar o gênero jornalístico interpretativo: a explicação das causas de um fato, a localização deste fato em seu contexto social e as suas consequências. Ou seja: a profundidade é fundamental para caracterizar o gênero interpretativo. O escritor Umberto Eco, citado por Guzzo (2010), defende que a profundidade, nesse caso dos textos jornalísticos, estabelece novos sentidos entre emissor e receptor, o que é importante para o estabelecimento de leitores aos veículos impressos. Na dialética entre forma e abertura, ao nível da mensagem, e entre fidelidade e iniciativa, ao nível do destinatário, estabelece-se a atividade interpretativa de qualquer fruidor [...] numa recuperação arqueológica das circunstâncias e dos códigos do remetente, num ensaiar a forma significante para ver até que ponto suporta a inserção de novo sentidos, graças a códigos de enriquecimento, num repúdio de códigos arbitrários


que se insiram no curso da interpretação e não saibam fundir-se com os demais. (ECO, 2001, p. 71)

Ao estudar o livro-reportagem como forma de compreensão da realidade em contraposição à historiografia, Morgani Guzzo (2010, On-Line) diz que o jornalismo, quando feito em profundidade, exige um trabalho árduo de seleção de fontes, análise de documentos e conhecimento sobre o contexto histórico que desencadeia o fato abordado, que deve abordar toda a amplitude do contexto. Usualmente, as informações divulgadas pelos veículos de comunicação não abrangem todos os ângulos do fato. Já nos textos que abordam a informação jornalística em profundidade, a

preocupação vai além da informação e passa a ser a compreensão do

acontecimento levando em consideração toda a amplitude das causas, desencadeamento e conseqüências. É quando a reportagem ganha, então, novo sentido, passando a conter “uma dimensão comparada, a remissão ao passado, a interligação entre outros fatos (contexto) e a incorporação do fato a uma tendência e sua projeção para o futuro” (GUZZO, 2010) Analisando a internet como fator de mudanças na atividade jornalística, Del Bianco (2010, On-Line) diz que a rede cria a possibilidade para que, virtualmente, se possa fazer o trabalho de vigilância e examinar documentos oficiais, realizar investigações e trabalhar assuntos que, em boa parte, são esnobados pela imprensa tradicional com mais facilidade. A autora pondera, no entanto, que ao se observar rotinas produtivas da notícia, fica evidente que o uso da internet para a produção do jornalismo em profundidade “está aquém de seu potencial de alterar a profundidade do jornalismo, contribuindo para que a reportagem possa ir além do jornalismo declaratório para reunir e sintetizar uma grande quantidade de provas documentais” ( DEL BIANCO, 2010, On-Line). 4.4.1.3 Narrativa literária Sérgio Vilas Boas (2008, p.10), define o jornalismo com narrativa literária como “reportagem ou ensaio em profundidade nos quais se utilizam recursos de observação e redação originários da (ou inspirados pela) literatura. Os pilares que sustentam este tipo de produção jornalística são: humanização, imersão, exatidão, autoria, estilo e criatividade. Outras técnicas marcantes são o uso de metáforas, digressões do autor, transcrições de diálogos, e descrições minuciosas.


Tom Wolfe (2005, p 53) identificou quatro características diferenciais do jornalismo com narrativa literária: a construção cena a cena de acontecimentos, o registro de diálogos completos (em vez de se utilizar falas ilustrativas), a descrição de pessoas e ambientes de modo a simbolizar seu status de vida e o uso de pontos de vista. Norman Sims (1995 apud DEL BIANCO) apresenta como características essenciais aos textos de jornalismo literário: imersão do repórter na realidade ou assunto abordado, uso de voz autoral, estilo próprio, precisão de dados e informações, uso de símbolos e metáforas, digressãões e humanização. Para Felipe Pena (2006), a narrativa literária potencializar os recursos do jornalismo, ultrapassar os limites do acontecimento cotidiano, proporcionar uma visão ampla da realidade, exercitar a cidadania, romper com as correntes do lead, evitar os definidores primários e buscar a perenidade do texto. As características do jornalismo literário atual, desenvolvido nos textos da revista Piauí, começaram a ser definidas após o final da Segunda Guerra Mundial, quando os jornalistas, informantes de guerra, perceberam que a notícia de uma destruição massiva de pessoas não teria o mesmo sentido, a mesma vertente, se continuasse sendo passada da maneira fria como no jornalismo convencional. Foi a partir daí que começaram a unir as práticas jornalísticas de entrevistas e apuração dos fatos com técnicas e estruturas das narrativas de ficção. Hiroshima (Companhia das Letras, 2002), de John Hersey, é considerado um marco na história do jornalismo literário. Através da obra, o autor mostra a profundidade do tema, narrando histórias reais vividas por ele, como correspondente de guerra, para o veículo em que trabalhava na época, a revista norte americana The New Yorker. Hersey inovada ao fazer de si mesmo, o repórter, um personagem real da história, transmitindo para o leitor a dramaticidade dos fatos, com muito mais realidade e consistência. Mais tarde, na década de 60, a narrativa literária no jornalismo alcançou seu auge através do movimento denominado por Tom Wolfe (2005) de “Novo Jornalismo”. Já na época, Wolfe apontava a necessidade de inovação de conceitos sobre a prática jornalística e defendia o uso dessa técnica como uma possibilidade que pode transformar, efetiva e coletivamente, a experiência humana comum para o receptor da mensagem jornalística.


Para Wolf, para que o jornalista possa escrever com técnicas de ficção, é necessário que ele passe horas ao lado das personagens de suas histórias, participando de cada momento e capturando os detalhes dos gestos, das conversas, do ambiente e seus objetos, assim como é feito na literatura, com a intenção de oferecer ao leitor uma experiência subjetiva e emocional dos fatos narrados.


5 CARACTERISTICAS DAS REPORTAGENS DA REVISTA PIAUÍ Neste capítulo aplicaremos a ferramenta de análise das reportagens, já desenvolvida anteriormente. Como já vimos, devemos analisar 15 textos de jornalismo interpretativo de cinco diferentes edições da revista Piauí, com base nas três características que identificamos como determinantes na definição das reportagens da revista: profundidade, atualidade, narrativa literária. Teremos, assim, 15 diferentes tabelas. Entendemos que esse número seja suficiente para representar as características que particularizam as reportagens da revista Piauí, o que é, acreditamos, o principal diferencial entre a Piauí e outras publicações. 5.1 Análise das reportagens REPORTAGEM 1: A miss do nariz sutil, publicada na Piauí 33, em junho de 2009 Na reportagem, a jornalista Paula Scarpin narra a história da atual Miss Rio Grande do Sul, Bruna Felisberto. A modelo participou do concurso convidada pelo próprio organizador, Evandro Hazzi. Depois de ganhar o título no Estado, Bruna, por recomendação de Hazzi, fez 19 cirurgias plásticas para estar fisicamente mais preparada para disputar o Miss Brasil. Só que três dessas intervenções acabaram por deixar o nariz da miss afinado demais, com as narinas muito profundas e com uma acentuada cicatriz no dorso. O texto publicado em maio, apenas um mês depois do concurso de Miss Brasil, no qual Bruna, inicialmente uma das favoritas, acabou nem foi classificada entre as finalistas. Além disso, a reportagem é baseada em atualidade porque o assunto sobre o qual ela trata – as cirurgias plásticas – nunca estiveram tão em voga em todo o Brasil, país do mundo onde as cirurgias são mais comuns – e por isso mesmo muitas vezes consideradas excessivas. Além de tratar do caso de Bruna Felisberto e do episódio das cirurgias, Paula Scarpin traça um interessante perfil dos atuais concursos de beleza. Os chamados “missólogos”, como Evandro Hazzi, destacam as candidatas com maior potencial e oferecem a elas cursos, treinamentos físicos e plásticas. Aprofundando-se ainda mais, a repórter traz informações e curiosidades sobre os concursos de Miss Universo e Miss Brasil e conta os bastidores do concurso daquele ano – 2009. A reportagem, portanto, tem profundidade. Desde o início do texto, quando é narrada o episódio em que Bruna Felisberto entrou pela primeira vez no escritório de Evandro Hazzi, há várias partes onde o narrativa tem características da narrativa literária, como o detalhamento de ambientes, situações e personagens. Para expor isso, tabulamos abaixo um trecho da reportagem onde Paula Scarpan


descreve com riqueza de detalhes o consultório de Nelson Heller, um dos cirurgiões que operou Bruna Felisberto. TABELA 1 CARACTERÍSTICAS ATUALIDADE

PROFUNDIDADE

NARRATIVA LITERÁRIA

TRECHO “A Miss Brasil 2009 é a Miss Rio Grande do Norte, Larissa Costa!” [...] As outras garotas voltaram correndo para prestigiar o título da não favorita (Piauí 33, p. 25). Organizado hoje pelo empresário americano Donald Trump, o concurso de Miss Universo nasceu nos Estados Unidos, em 1952, como uma dissidência do Miss America. O Brasil só entrou na competição em 1954, conseguindo de cara um segundo lugar com a baiana Martha Rocha, que entrou para a história por ter perdido o título por causa de duas supostas polegadas (...) No livro O Império de Papel: Os bastidores de O Cruzeiro, o jornalista Accioly Netto, diretor da revista, desmente a história. Segundo ele, as duas polegadas foram uma invenção de João Martins, fotógrafo que foi cobrir o evento (Piauí 33, p. 23). A Clínica de Nelson Heller tem as paredes cobertas de diplomas e certificado de comparecimento em congressos e palestras. A sala de espera, com pé direito duplo, é toda decorada com estátuas e bustos em estilo romano (Piauí 33, p. 22).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 2: Rachaduras no paraíso, publicada na Piauí 33, em junho de 2009 A reportagem é escrita pelo jornalista inglês Johann Hari. O autor trata do principado de Dubai, um dos principados que compõe os Emirados Árabes, e considerado, como lembra, Hari, o “templo do consumismo global”. A economia do principado sempre se sustentou com a venda de bens de consumo de luxo e com o turismo de alto padrão. Mas com a crise financeira que derrubou as bolsas de valores em todo o mundo e levou dezenas de bancos à falência, a economia de Dubai ficou comprometida por dívidas, houve redução no crédito disponível. Além disso, os milionários que faziam investimentos e compras no principado acabaram por conter esses gastos. A atualidade do texto é evidente. Tanto que o assunto sobre o qual ele trata – a bancarrota de Dubai – estava ainda se sucedendo quando a reportagem foi publicada na Piauí, no primeiro semestre de 2009. Período em que a crise financeira que assolou os mercados estava em seu auge e era o assunto que ganhava mais destaque nos veículos de comunicação.


O autor da reportagem não se limita a tratar das finanças do principado. A reportagem se aprofunda contando a história da fundação e do desenvolvimento de Dubai e trata também dos gastos excessivos com água em Dubai, cuja conseqüência pode ser o desabastecimento total em um futuro próximo; do excesso de poluição; e das precárias condições de trabalho às quais são submetidos os imigrantes asiáticos, principalmente indianos, que compõe a base da pirâmide social local. E para dar mais detalhes à sua reportagem, o jornalista relata vários casos de pessoas que simbolizam a situação em Dubai – empresários que perderam tudo, trabalhadores assalariados e nativos do local. Esses personagens são sempre humanizados, descritos fisicamente e até psicologicamente, o que nos mostra que o texto se aproxima de uma narrativa literária, onde os personagens tradicionalmente são os principais elementos da narrativa. TABELA 2 CARACTERÍSTICAS

ATUALIDADE

PROFUNDIDADE

NARRATIVA LITERÁRIA

TRECHO É abril de 2009 e alguma coisa está mudando no sorriso do xeque Mohamed. Entre guindastes espalhados por toda a parte, muitos estão paralisados, como perdidos no tempo, e há inúmeros canteiros de obras inacabados, num abandono completo (Piauí 33, p. 29). Trinta anos atrás, quase toda a área onde se ergue o emirado de Dubai era deserta, habitada somente por cactos, plantas e escorpiões. Tudo começou em meados do século XVIII, com a fundação da pequena vila ao sul do golfo pérsico que atraiu mergulhadores em busca de pérolas. Em pouco tempo a população foi se tornando mais cosmopolita (Piauí 33, p. 30). Karen Andrews não consegue falar. Toda vez que começa a contar uma história, abaixa a cabeça. Ela é magra, forte, com o esplendor embotado de quem já foi rico. Suas roupas estão amarrotadas como a testa, enrugada (Piauí 33, p. 29).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 3: O rescaldo, publicada na Piauí 33, em junho de 2009 O texto, escrito pelo jornalista e arquiteto Fernando Sarapião, trata do prédio da Sociedade de Cultura Artística, cuja sede, o Teatro Cultura Artística, um dos mais importantes teatros brasileiros, incendiou-se na madrugada de 17 de agosto de 2009. Na reportagem, Sarapião fala do acidente e dos planos para a construção da nova sede do teatro.


A reportagem foi escrita nove meses depois do incêndio no teatro. Nela, Sarapião relata como vai ser a nova sede e, no final, deixa claro a atualidade do texto ao tratar dos últimos avanços nos planos de reconstrução do teatro: o fechamento de uma das ultimas cotas de recursos para a obra. Além disso, ele estima prazos e conta como vai ser o novo prédio. O texto de Fernando Sarapião é bastante completo e detalhista. Além de narrar o incêndio em si, conta como foi o combate do fogo pelos bombeiros, como foram os dias que sucederam o fato e as alterações na rotina dos integrantes da sociedade. Também conta a história da Sociedade Cultura Artística. Tudo isso deixa claro a profundidade do texto. O texto tem várias características da narrativa literária. Seu inicio, por exemplo, narra a a chamada recebida pela unidade do Corpo de Bombeiros mais próxima ao prédio dando conta do incêndio. O trecho do texto tabulado abaixo, demonstra a acuidade e preocupação que o autor tem ao descrever fisicamente o quartel e até com o que o bombeiro responsável fazia quando recebeu o chamado do incêndio e como era o local onde ele estava – recurso característico dos textos literários. TABELA 3 CARACTERÍSTICAS ATUALIDADE

PROFUNDIDADE

NARRATIVA LITERÁRIA

TRECHO [...] na primeira metade de abril, Perret informou por telefone que um dos empresários já havia fechado uma cota, mas não quis divulgar valores e nomes. [...] A idéia é inaugurar o novo teatro em 2012, no centenário da Sociedade Cultura Artística (Piauí 33, p. 41). Desde os primeiros anos, o SCA cogitou construir uma sede. Em 1919, a diretoria comprou uma gleba de quase 5 mil metros quadrados, numa ruela que desembocava no começo da rua Consolação. Sete anos depois, encomendou um projeto a Ricardo Severo, engenheiro português radicado em São Paulo. Uma escolha ideal: Severo fora um dos fundadores do Sociedade e era sócio do escritório Ramos de Azevedo, o mais ativo arquiteto da cidade na primeira metade do século passado. Ele desenhou um suntuoso teatro em estilo neocolonial (com platéia de 2400 lugares), jardins, restaurante, galeria de exposição e biblioteca. Sem recursos, o plano ficou no papel. Quinze anos depois, nova encomenda, dessa vez ao escritório de Severo, que desenhou um edifício art déco (com 1500 cadeiras). O projeto também não vingou (Piauí 33, p. 37). [...] o prédio tem refeitório, área de treinamento e dormitórios. Na madrugada de 17 de agosto passado, um domingo, depois de atender ocorrências triviais, Procópio descansava no quarto do segundo andar, que tem uma dúzia de camas e televisão. Faltavam duas horas e 26


minutos para terminar seu turno quando, às 5h04, o plantonista soou o alarme. Havia um grande incêndio em um teatro na rua Nestor Pestana (Piauí 33, p. 36). Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 4: Mares nunca dantes navegados, publicada na Piauí 34, em julho de 2009 Esse texto é a segunda parte de um perfil da ministra da Casa Civil do Brasil, Dilma Rousseff. Na primeira reportagem, o autor, Luiz Maklouf de Carvalho, tratava da vida de Dilma Rousseff na infância, na adolescência, e de seu envolvimento com grupos que combatiam a ditadura militar até a política ser presa. Nessa segunda parte, ele fala da vida da futura candidata a presidência do Brasil desde que ela saiu da prisão até assumir o cargo de ministra. Logo no segundo parágrafos do texto Maklouf de Carvalho escreve sobre o câncer linfático que Dilma Rousseff tratava há três meses e sobre como ela enfrentantava a doença. No mês anterior à publicação, Dilma havia feito a última sessão de quimioterapia; mesmo assim, mantinha uma rotina mais saudável à que ela tinha antes de descobrir o linfoma, com caminhadas diárias, alimentação saudável e acupuntura. . É partindo dessas informações – atuais – que começa a reportagem. Mais do que isso, tratar da trajetória da própria Dilma, por si só, já denota atualidade, porque à época da publicação da reportagem ela recém havia sido definida como candidata do Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições de outubro de 2010. A reportagem aborda com profundidade momentos pessoais e profissionais da vida de Dilma Rousseff. Como sua relação de Dilma com amigos da faculdade de Economia, que ela cursou depois de sair da prisão; de seu relacionamento com o marido Carlos Araújo; os bastidores de sua entrada no PT; e da escolha do presidente Lula para que ela fosse sua sucessora. Para indicar na tabela abaixo a profundidade como característica desse texto jornalístico, selecionamos um trecho onde Maklouf de Carvalho trata de um momento da carreira profissional de Dilma como economista. Consideramos que a reportagem tem narrativa literária porque há muitas descrições dos personagens e das situações em que eles foram entrevistados, além de uma evidente preocupação estética. Isso fica claro no trecho do texto em Maklouf de Carvalho descreve o ex-marido de Dilma, Carlos Araújo, falando de seus hábitos e de situações de sua vida.


TABELA 4 CARACTERÍSTICAS ATUALIDADE

PROFUNDIDADE

NARRATIVA LITERÁRIA

TRECHO No final do mês passado, um dia depois da última sessão de quimioterapia para evitar a volta do câncer linfático, Dilma Rousseff tinha certeza de que ficaria boa (Piauí 34, p. 27). Acabado o governo Collares, Dilma voltou para a Fundação de Economia e Estatística e foi editora de sua revista Indicadores Econômicos. Publicou ali alguns artigos técnicos com discretos laivos políticos. Um deles, “A privatização do setor elétrico no Chile: o erro mudou”, de 26 páginas, critica os excessos nos dois sistemas – o estatal e o privado – e defende uma solução híbrida, com controle e regulação do primeiro sobre o segundo (Piauí 34, p. 29). Araújo mora sozinho. Levanta às três da manhã, trabalha de madrugada, faz exercícios, chega ao escritório às cinco e meia. Costuma passar no escritório aos sábados e domingos. Volta e meia tem problemas com um enfisema pulmonar diagnosticado nos anos 90. E, às vezes, como em maio passado, tem que passar uns dias no hospital (Piauí 34, p. 28).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 5: O filho de Rosimeri, publicada na Piauí 34, em julho de 2009 A reportagem, escrita pela jornalista Fábio Fujita, trata da vida do ex-goleiro de futebol Edinho do Nascimento, filho daquele que é considerado o melhor jogador de futebol de todos os tempos, Pelé. Fujita conta como foi o vida do Edinho desde a infância nos Estados Unidos até hoje. Edinho foi goleiro do Santos na década de 1990, e em junho de 2005 teve muito destaque na imprensa por ser preso acusado de tráfico de cocaína. Como dissemos, o repórter trata da vida recente de Edinho. Fala da vida depois da prisão, dos planos futuros e da nova carreira que ele construiu, dessa vez como treinador de goleiros do Santos. A reportagem, é, portanto, calcada na atualidade. Como nas outras reportagens analisados, o texto trata com muita profundidade do assunto que aborda, nesse caso a vida de Edinho. Fujita chega citar detalhes da vida escolar de Edinho e da relação de sua mãe com Pelé, de como ele iniciou sua carreira no Brasil e de como ele se envolveu com os traficantes que o fizeram para na cadeia. Além disso, o repórter se aprofunda em questões secundárias, como a evolução do serviço de tratamento médico oferecido pelo Santos a seus jogadores, como mostra o trecho da reportagem tabulado. As características literárias da reportagem são demonstradas na maneira como o repórter descreve Edinho, uma vez que a descrição e o enfoque nos personagem é uma


característica da literatura, como já dissemos. Além do tratar dos assuntos mais evidentes, como sua prisão e sua relação com o pai, o autor traça um perfil contando como foi a sua infância, como ele se comportava no colégio, como ele começou a trabalhar, como se envolveu com drogas etc. TABELA 5 CARACTERISTICAS

ATUALIDADE

PROFUNDIDADE

NARRATIVA LITERÁRIA

TRECHO Edson Cholbi do Nascimento, o Edinho, começou como auxiliar do preparador de goleiros do Santos em fevereiro de 2007 e virou auxiliar técnico do time dois anos depois. Sonha em chegar a ser treinador. O que mais chama a atenção é seu desprendimento entre os jogadores. Parece um deles. Até pela forma física: mantém o mesmo peso de quando jogava, 82 quilos, e não aparenta ter chegado aos 38 (Piauí 34, p. 34). Nos anos 90, o Santos, como a maioria dos grandes times ainda não contava com uma infraestrutura atualizada nos departamentos de fisiologia e fisioterapia. O Centro de Excelência em Prevenção e Recuperação de Atletas de Futebol, erguido junto ao CT Rei Pelé - hoje uma referencia no setor -, só viria a ser inaugurado em 2007. O clube recorria a clínicas terceirizadas para avaliações e tratamentos de atletas (Piauí 34, p. 38). Aos 13 anos, se deu conta de que, sozinho, podia arrumar o dinheirinho de que precisava para levar as meninas aos cinema. Quando queria um novo par de tênis, calculava quantas semanas teria de trabalhar para consegui-lo. Fez entregas de pizza e vendeu revistas de banca, mas a melhor experiência foi quando trabalhou em uma delicatéssen. Lavava pratos durante o dia e limpava a cozinha de noite, preparando a loja para o dia seguinte (Piauí 34, p. 36).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 6: Hany no Alá-lá-ô, publicada na Piauí 34, em julho de 2009 A reportagem, escrita por Fernanda Torres, é sobre o cineasta palestino Hany AbbudAssad. Nela, a repórter trata da carreira de Abbud-Assad, que se formou em engenharia aeronáutica na Holanda e, ao voltar para a terra natal, a Palestina, se apaixonou pelo cinema, virou diretor e acabou por receber o premio de melhor filme no Festival de Cannes pelo longa-metragem Paradise Now. Torres dá destaque as observações – bastante críticas – do diretor sobre a civilização ocidental e sobre as impressões dele da cidade do Rio de Janeiro e sobre o povo do Brasil.


Entendemos que a reportagem tem atualidade porque foi escrita no período em que o diretor de cinema estava no Rio de Janeiro levantando informações e dados para a préprodução de seu próximo filme. Além disso, os antagonismos culturais entre os países ocidentais e os do Oriente Médio, e as divergências em conseqüência disso, podem ser considerados assuntos da atualidade, visto que são intensamente discutidos desde os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, cometidos por um grupo radical islâmico. Apesar de ser relativamente curta em relação à maioria dos textos analisados – ocupa apenas três páginas da revista – a reportagem tem profundidade. Além de tratar de maneira extensa da vida de Hany Abbud-Assad, o texto aborda criticamente a sociedade brasileira e também a americana, como mostra o exemplo tabulado, além de outros assuntos, como a repressão no Oriente Médio, a influencia da crise econômica mundial no financiamento de filmes, as dificuldade para gravar Paradise Now e a vida de famílias palestinas abastadas em Jerusalém, na Palestina. Fernanda Torres traça no texto toda a vida de Hany Abbud-Assad, das travessuras da infância ao seu estranhamento com Hollywood, nos últimos anos, quando ele ficou conhecido. Ela conta como era sua vida na Holanda, onde estudou, e fala da relação que ele tinha com o melhor amigo da época, Wilco. A forma como a repórter descreve seu personagem fazem com que o texto tenha uma narrativa literária. TABELA 6 CARACTERÍSTICAS ATUALIDADE

PROFUNDIDADE

TRECHO Hany é um palestino quarentão da cidade de Nazaré à solta nas areias ardentes do Rio de Janeiro. Está trabalhando na pré-produção de Onze Minutos, o longa metragem que vai dirigir, baseado no livro homônimo de Paulo Coelho (Piauí 34, p. 52). Um guarda, no Brasil, é subornável porque achamos normal resolver nossas quizumbas em nível pessoal, argumentei. Da mesma maneira, um juiz solta um corrupto porque é da sua corriola e absolve um criminoso porque ele é um homem importante. “Mas eu tenho mais medo da violência das leis e do Estado do que do caos aqui, disse Hany. Tenho medo da ordem que privatiza as cadeias e permite com que se lucre com o sistema penitenciário. Se os Estados Unidos querem te processar, eles te obrigam a contratar um advogado para que todos saiam lucrando. Prender um homem nos Estados Unidos é lucrativo, isso não me parece direito” (Piauí 34, p. 53). Em Amsterdã, enquanto estudava para ser engenheiro, ganhava a vida na cozinha de restaurantes. Foi preparando saladas que conhece


NARRATIVA LITERÁRIA

Wilco, um holandês também recém-saído da adolescência, um punk de cabelo moicano e botina preta que tocava numa banda de hard rock (Piauí 34, p. 53).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 7: Sérgio Rosa e o mundo dos fundos, publicada na Piauí 35, em agosto de 2009 A reportagem é um perfil de Sérgio Rosa, o ex-bancário que comanda desde 2002 o maior fundo de pensão da América Latina, o Previ, a caixa de previdência dos funcionários do Banco do Brasil, que tem um patrimônio de 121 bilhões de reais. O texto é assinado pela repórter da revista Consuelo Dieguez. Nele, a repórter traça toda a trajetória de Sérgio Rosa desde que ele começou a trabalhar no açougue do pai, aos 13 anos, e se foca principalmente no envolvimento de Rosa na disputa judicial entre o Previ e o banco Opportunity, do banqueiro brasileiro Daniel Dantas, pelo controle da empresa Brasil Telecom. A querela societária entre Previ e Opportunity ainda não foi completamente resolvida, porque, apesar de a Brasil Telecom já ter sido vendido à Telemar, Daniel Dantas continua tentando recursos judiciais para reverter a situação. Alguns meses antes da antes da publicação da reportagem, Daniel Dantas havia sido preso em uma polêmica operação da Polícia Federal, que ganhou muito destaque na Imprensa. Além disso, o fato de o texto falar do fundo de investimento que está na composição societárias da maiores empresas do Brasil e que tem, portanto, papel importante na economia nacional, faz com que a reportagem tenha atualidade. Ao tratar das tentativas de acordo entre Opportunity e Previ pelo controle da Brasil Telecom, Consuelo Dieguez, faz contextualizações, traz detalhes dos bastidores das reuniões e conta as conseqüências das decisões tomadas, como mostra o trecho da reportagem tabulado abaixo. Isso nos mostra que uma das características desse texto é a sua profundidade com ele trata do tema a que se propõe a tratar. Já no primeiro parágrafo da reportagem, Consuelo Dieguez tem a preocupação de trazer detalhes do ambiente onde os personagens estavam na cena que ela narra, as roupas que eles estavam vestindo, além de outros detalhes – o que se repete várias vezes ao longo do texto. Diante disso, consideramos que a narrativa do texto tem características literárias.


TABELA 7 CARACTERÍSTICAS ATUALIDADE

PROFUNDIDADE

NARRATIVA LITERÁRIA

TRECHO Rosa listou de cabeça os principais investimentos de seu fundo. Na Brasil Foods, a Previ tem 15%, e é o maior investidor individual. Na CPFL, a distribuidora de energia de São Paulo, tem 31%. Na Embraer, detém 14% das ações. O maior investimento é na Vale do Rio Doce, na qual o fundo tem aplicados 30 bilhões de reais, além de deter 50% da Valepar, que controla a mineradora. Isso faz de Sérgio Rosa o presidente do Conselho da companhia, com poder de veto nas decisões (Piauí 35, p. 34). Em fevereiro de 2008, houve uma reunião decisiva, em Nova York, para sacramentar a conciliação entre os fundos e o Opportunity. Os representantes dos fundos voltaram ao Brasil e disseram a Greenhalgh que, mais uma vez, os advogados de Dantas haviam mudado de posição na última hora, colocando exigências descabidas. Greenhalgh entrou furioso na sala de Dantas e o acusou de estar dificultando o acordo. O banqueiro garantiu que não estava criando nenhum empecilho. Pediram aos advogados uma ata da reunião em Nova York e concluíram que os fundos haviam sido os responsáveis pelo impasse (Piauí 35, p. 37). Faltava pouco para as nove horas da noite de uma chuvosa sexta-feira de junho quando Sérgio Rosa entrou no salão de festas do clube dos funcionários do Banco do Brasil no Rio, que fica em frente à Lagoa Rodrigo de Freitas. Carregava uma caixa de uísque Red Label, vestia camisa cor-de-rosa e calça caqui e tinha ao lado o filho Mateus, de 12 anos, que usava uma roupa exatamente igual. Compenetrado, inspecionou as mesas cobertas com toalhas verda-claras, sobre as quais havia velas, flores e guardanapos brancos. Perguntou ao DJ se estava tudo certo com a aparelhagem de som e cumprimentou os garçons (Piauí 35, p. 33).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 8: Você conhece esse cara?, publicada na Piauí 35, em agosto de 2009 Assinada pelo escritor americano Lawrence Wright, a reportagem é um perfil do empresário mexicano Carlos Slim, cuja fortuna, de 59 bilhões de dólares, representa 5% de todo o Produto Interno Bruto (PIB) do México. A reportagem é focada principalmente nas negociações recentes de Slim, da maneira como ele conduz seus negócios, da forma como ele agiu durante a Crise Econômica Mundial de 2008. Quando a reportagem foi publicada, a revista Fortune recém havia qualificado Slim como o homem mais rico do mundo. Além disso, a reportagem é atual porque trata de uma


pessoa que, até pouco tempo atrás, era relativamente desconhecida e ascendeu rapidamente a uma posição de óbvio destaque. Um dos assuntos abordados por Wright é o interesse do milionário mexicano em comprar parte das ações do jornal New York Times, um dos mais prestigiados veículos de comunicação do mundo. A contextualização sobre as mudanças do modelo de negócio que é o jornalismo impresso, transcrita na tabela abaixo, feita pelo autor antes abordar o assunto propriamente, mostram que a reportagem tem profundidade. Lawrence Wright se utiliza de descrições de cenas de Slim que ele presenciou em diversas ocasiões durante o texto. Em todas as vezes, ele faz descrições detalhadas sobre os hábitos, as características e os ambientes por onde o seu entrevistado estava. Essa opção narrativa com destaque no personagem e descrições faz com que seu texto tenha características literárias. TABELA 8 CARACTERÍSTICAS

ATUALIDADE

PROFUNDIDADE

NARRATIVA LITERÁRIA

TRECHO Slim e seus herdeiros controlam mais de 200 empresas; as de capital aberto representam 40% do total do índice da bolsa de valor do país. Todos os dias, cada cidadão mexicano contribui com algum valor para os cofres de Slim. [...] Ele é também um dos maiores empregadores do México. É dono da Sanborns, simultaneamente a maior loja de departamentos e a maior rede de restaurantes do país. Em sua carteira de ações, a nomes como o Inbusa, um dos bancos mais importantes do México; a Volaris, uma companhia aérea; uma mineradora; o braço mexicano da Sears; construtoras e companhias de seguros; um grupo financeiro; cinco hotéis; uma empresa engarrafadora; uma indústria de cigarros; e bens imobiliários muito valiosos (Piauí 35, p. 42). A maioria dos jornais dos Estados Unidos, à maneira das companhias telefônicas,opera num regime de semimonopólio, ou o que Warren Buffet chamou de “franquia econômica” – oferecendo produtos ou serviços essenciais que não estão sujeitos à regulamentação de preços e são considerados insubstituíveis por seus clientes. Até os anos 70, quase todas as grandes cidades possuíam jornais competitivos, mas o processo de fusão - causado, em parte, pela popularidade dos telejornais – fez sobrar apenas uma publicação por mercado (Piauí 35, p. 44). Slim entrou na garagem da casa que usa como escritório. Dentro, havia um Cadilac 1941 coberto por plástico. Na mesa da sala de jantar, onde ele às vezes organiza reuniões, havia um buquê murcho de flores do jardim, um limão mofado, um livro sobre análise grafológica e uma réplica de plástico


do Ford Crow Victoria, outro automóvel que Slim costumava dirigir (Piauí 35, p. 47). Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 9: O milagre de Juazeiro volta a Roma, publicada na Piauí 35, em agosto de 2009 Escrita pelo jornalista Lira Neto, biógrafo de Cícero Romão Batista, o Padre Cícero, a reportagem relata como ocorreram, em 1889, segundo relatos da época, os milagres na pequena paróquia católica comandada pelo religioso em Juazeiro do Norte, no estado do Ceará. Na ocasião, uma beata chamada Maria do Araújo teria a benção de fazer com que a hóstia benzida pelo Padre Cícero se transformasse no sangue de Jesus cada vez que ela tocasse sua boca; Maria também dizia se comunicar com o próprio Jesus. Apesar de ser focada principalmente num rico relato histórico, a reportagem de Lira Neto, em sua última parte, narra a retomada do processo de beatificação do Padre Cícero e de Maria do Araújo pela Igreja Católica. Como essa questão estava sendo analisada pelo Vaticano à época da publicação da reportagem – e ainda estava como essa pesquisa foi executada – o texto tem como característica a atualidade. A profundidade da reportagem é evidente. Além tratar dos milagres e depois sua repercussão na igreja e na imprensa, Lira Neto traz detalhes de como foi e quais foram os motivos da retomada do processo de beatificação por parte da Igreja Católica, por exemplo. Na parte do texto tabulada abaixo, quando o autor narra a posição do então cardeal Joseph Ratzinger para com o tema, isso é demonstrado. Toda a narrativa é construída como um texto literário, focada nos personagens e nos detalhes que compunham a cena relatada – mesmo quando ela é histórica e obviamente não foi presenciada pelo autor. O parágrafo tabulado abaixo, que abre a reportagem, mostra essa característica. TABELA 9 CARACTERÍSTICAS

ATUALIDADE

TRECHO Uma comitiva brasileira liderada pelo bispo de Crato, dom Fernando Panico, chegou ao vaticano. Levava consigo onze grossos volumes encadernados em capas vermelhas e identificados com letras gravadas em dourado. São cópias dos documentos religiosos seculares, incluindo a vasta correspondência trocada entre os protagonistas da história tumultuosa de Cícero. Também estão ali


PROFUNDIDADE

NARRATIVA LITERÁRIA

os relatórios e os pareceres da comissão de especialistas encarregada dos novos estudos em torno do caso. [...] Nas prateleiras empoeiradas do antigo Tribunal do Santo Ofício, por determinação de Bento XVI, os documentos secretos que resultaram na expulsão de Cícero das fileiras da Igreja começam a acordar do sono de quase 100 anos (Piauí 35, p. 53). Ratzinger não só estimulou Dom Fernando a levar adiante os novos estudos sobre Cícero como deu instruções detalhadas a respeito da forma de conduzir o processo, de acordo com os rituais e procedimentos da Congregação. Com conselho adicional, Ratzinger sugeriu que as concorridas romarias a Juazeiro do Norte deviam ser incentivadas e acolhidas, ao contrário do que fazia o bispo anterior, dom Newton (Piauí 35, p. 53). Naquela noite escura e sem lua, Cícero Romão Batista levantou as mãos para os Céus e pediu perdão pelos pecados do mundo. Quem olhasse de fora em direção às janelas abertas da capela de Nossa Senhora das Dores avistaria, já de longe, centenas de velas acessas cortando o breu. O forte cheiro de cera derretida e o adiantado da hora indicavam que os membros da irmandade de beatos, cerca de 20 deles, haviam passado mais uma madrugada inteira em vigília, em louvor ao Sagrado Coração de Jesus. (Piauí 35, p. 50).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 10: Fina sintonia, publicada na Piauí 36, em setembro de 2009 Escrita pela repórter Dorrit Harazim, esse texto trata da vida e da rotina dos intérpretes oficias de reuniões políticas e de conferencias. Como sustenta Harazim, esses profissionais são testemunhas privilegiadas da história e costumam guardar segredos com rigor maior do que padres, médicos e mordomos. Podemos dizer que o foco da reportagem, a vida dos tradutores, em si, não tem como característica a atualidade, uma vez que o profissão é relativamente antiga e pouco mudou no decorrer dos anos. Identificamos, no entanto, momentos no texto onde Harazim traz fatos acontecidos há pouco tempo, como a expulsão de um tradutor da associação internacional da classe porque ele comentou sobre seu trabalho – o que é proibido. Isso mostra que o texto tem atualidade. Para escrever a reportagem, Harazim entrevistou intérpretes no Brasil, nos Estados Unidos, em Genebra, onde fica a sede da ONU e em Bruxelas, onde fica a sede do parlamento europeu. Além da ética, ela destaca a disciplina dos profissionais e o estresse decorrente da necessidade de precisão e de pensamento rápido da profissão. Essa investigação já faz com


que possamos considerar que o texto tem profundidade. Além disso, Harazim traz uma longa contextualização histórica sobre a profissão de intérprete, como mostra o trecho tabulado abaixo. Diferente das outras analisadas, essa reportagem se aproxima bastante das reportagens comumente vista em revistas semanais, com texto incisivo e conciso. Em alguns trechos, no entanto, fica clara a preocupação da repórter em trazer ao leitor uma narrativa rica, detalhada: literária. Como quando ela conta sobre o encontro entre o presidente do Sudão, Omar Hassan Bashir e a ex-secretária de Estado norte-americana Condoleezza Rice, trecho tabulado. TABELA 10 CARACTERISTICAS

ATUALIDADE

PROFUNDIDADE

NARRATIVA LITERÁRIA

Fonte: elaboração do autor

TRECHO Dois meses atrás, o cidadão francês de origem cambojana Yves Bergougnoux, residente no Brasil há mais de 22 anos, sentiu de perto o vigor do cânone. Membro ativo da AIIC desde novembro de 2008, foi suspenso em julho por dois anos por violar os itens 2a, 2b, 6 e 6b do Código de Ética Profissional da entidade. Numa entrevista na redação da Piauí, Bergougnoux, de aparência bem mais jovem do que seus 44 anos, se dispôs a discorrer sobre aspectos teóricos e filosóficos do ofício. Não se acanhou em dissecar outras normas da profissão e, ao arrepio do pensamento prevalente na AIIC, sustenta que um intérprete não pode ser nem neutro, nem objetivo e nem invisível (Piauí 36, p. 30). A interpretação como meio de comunicação data possivelmente dos primórdios do Império Otomano, no século xv, quando os turcos começaram a conquistar povos com os quais faziam tudo, menos se entender. E a gênese da chamada interpretação de conferência vem associada às negociações do Tratado de Versalhes, em 1919, com tradutores requisitados nas fileiras militares. Mas foram os rompantes oratórios dos discursos na Sociedade das Nações, em Genebra, no período do entreguerras, que impulsionaram a técnica da interpretação consecutiva nas duas línguas oficiais da organização - inglês e francês (Piauí 36, p. 19). O encontro bilateral de alto nível começara de forma constrangedora. Sentados lado a lado no salão presidencial de Cartum, a capital do Sudão, o presidente Omar Hassan Bashir e a secretária de Estado norte-americana Condoleezza Rice permaneciam mudos. Mal se moviam e evitavam se olhar. Estavam condenados ao silêncio. Do lado de fora, o intérprete Gamal Helal, única pessoa habilitada a descongelar aquela cena, se debatia para furar o cerco da segurança palaciana (Piauí 36, p. 26).


REPORTAGEM 11: A diferenciada, publicada na Piauí 36, em setembro de 2009 A reportagem escrita pelo jornalista da Piauí Roberto Kaz conta foi os preparativos e a festa de aniversário de 15 anos de Caroline Grendene. A festa foi organizada pela mão de Caroline, Simara Sukarno, de família tradicional, e ex-mulher de um dos sócios da companhia Vale do Rio Doce, e de Alexandre Grendene, o pai de Caroline, cuja família é dona da empresa de calçados que leva seu sobrenome. A festa, no formato de um baile de máscaras medieval, foi realizada no terraço da butique paulistana Daslu. Teve apresentação de integrantes do Cirque de Soleil e da Orquestra Sinfonica do Estado de São Paulo. No total, custou mais de um milhão de reais. A reportagem tem atualidade principalmente porque o fato sobre o qual ela trata – a festa de aniversário – aconteceu nos últimos dias de junho, pouco mais de um mês e uma semana antes da publicação da reportagem, em setembro. Dadas questões logísticas e à periodicidade de Piauí, a publicação do texto foi o quanto antes possível pela revista, o que mostra a preocupação editorial com a atualidade. Além disso, as festas ostentosas de famílias milionárias, por si só, podem ser consideradas um fenômeno contemporâneo, o que também atesta a atualidade. Fica claro que Roberto Kaz acompanhou o dia-a-dia de Simara Sukarno por pelo menos três semanas antes da festa e esteve presente no dia da festa. Além disso, o jornalista buscou informação sobre a organização de eventos como o que ele relata, trata de como funciona a sua organização, da detalhes do trabalho dos profissionais envolvidos. Isso mostra a profundidade da reportagem. O repórter detalha os personagens de sua reportagem, fala de sua biografia e de suas rotinas. Por exemplo: o figurino Prada com jaqueta Versace que Simara usa para levar suas duas cachorrinhas para passear, até sua ficçação por sapatos – ela tem 560 pares. Além disso, em um trecho do texto, tabulado abaixo, o autor usa o recurso de transcrever o diálogo entre uma das profissionais responsáveis por organizar a festa e Simara. Pouco usual no jornalismo, esse modelo de narrativa é característica da literatura. TABELA 11 CARACTERÍSTICAS ATUALIDADE

TRECHO No sábado, 27 de junho, data da festa, Simara Sukarno acordou às cinco da manhã. "Não consegui dormir mais", disse. "Sabe o que eu fiz? Desci para lavar o carro” (Piauí 36, p. 37).


PROFUNDIDADE

NARRATIVA LITERÁRIA

Nas festas de milionários paulistanos, um cerimonialista, banqueteiro, decorador, florista, iluminador, garçom ou manobrista só se destaca quando oferece um serviço "diferenciado". Para gerenciar os 15 anos de Caroline, Simara contratou Marina Bandeira, casada com o navegador Amyr Klink: "Ela trabalha por hobby, é uma pessoa diferenciada." [...] A lista de fregueses de Marina Bandeira inclui a grife Cartier, o Banco Lloyds e as famílias Klabin e Hawilla (do empresário J. Hawilla, braço direito de Ricardo Teixeira, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol). Cobra de 10 a 20 mil reais pelo serviço, dependendo da estrutura a ser montada. Marina começou a organizar eventos nos anos 80, quando a clientela era formada basicamente por empresas multinacionais ou familiares. [...] Nos anos 90, as grandes festas começaram a encarecer. A abertura ao mercado de importados elevou o padrão de exigências. "As montadoras que vinham de fora queriam eventos mais sofisticados", disse ((Piauí 36, p. 35). Após uma conversa de uma hora, na qual trocaram informações sobre as famílias Mansur, Klabin, Maluf, Diniz, Lafer e Collor, passaram a falar da festa. Marina começou: - Bebida? O que você comprou? - Uísque, vinho, saquê, Lambrusco. De champanhe, chegaram 84 garrafas, mas estou mandando vir mais, para ficar pelo menos com 100. Festa sem bebida não é festa. - E o Cirque du Soleil? São quantas pessoas? Precisam de camarim? - São umas dez, talvez mais. Anota aí. Vão ter dois motoristas, o Aguinaldo e o Bolívar. O Bolívar é da família. O que ele ligar pedindo, está o.k. - E qual é a função do Aguinaldo no dia? perguntou Marina. - Levar as cachorras e os seguranças das cachorras. - E o Aguinaldo tem outra função além das cachorras? - Vai buscar o Humberto Carrão no aeroporto. Ele tem ensaiado com o Jonatas Faro, da "Dança dos Famosos". - Águas? - Da Jolie (Piauí 36, p. 36).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 12: O estouro da boiada metálica, publicado na Piauí 36, em setembro de 2009. A reportagem foi escrita pelo editor da Piauí Marcos Sá Correa. O texto investiga os problemas no transporte rodoviário urbano na cidade do Rio de Janeiro. Conforme Correa, o


principal problema do sistema é o excesso de ônibus em circulação. Ele é causado pelo transito truncado da metrópole, que faz com que as companhias tenham que colocar cada vez mais ônibus nas ruas para cumprir o itinerário. Os ônibus acabam circulando com poucos passageiros, aumentando os custos e complicando mais ainda o transito. A questão do excesso de ônibus pelas ruas do Rio de Janeiro, por si só, já é um problema atual, o que fica claro na reportagem. Além disso, o texto tem atualidade porque, para escrevê-lo, Marcos Sá Correa, baseou-se em dados recentes e em situação recentes, como mostra o trecho do texto tabulado abaixo. Para além do tema complexo que o transporte público em uma cidade grande como o Rio de Janeiro, o jornalista trata de outras questões. Uma delas é a influencia e o poder econômico da Fetranspor, a federação das empresas de ônibus; outra, as novidades no setor, como como a implantação de caixas pretas nos ônibus. Para explicitar a profundidade do texto, selecionamos um trecho onde o editor da Piauí detalha um dos modelos de ônibus usados pelas empresas, o que vai além de simplesmente tratar do transporte público, tema central da reportagem. O primeiro parágrafo do texto, no qual é narrado a chegada de um ônibus no ponto final da linha, ainda antes do amanhecer, mostra que o texto tem narrativa literária. Nela parte, Marcos Sá Correa traz detalhes sobre o clima, sobre as pedras do calçamento da rua e conta como é o terminal rodoviário chamado Mergulhão. Toda essa preocupação com os detalhes da narrativa e com a estética são características da narrativa literária. TABELA 12 CARACTERÍSTICAS

ATUALIDADE

PROFUNDIDADE

TRECHO A Companhia de Engenharia de Tráfego da prefeitura contabilizou, só no semestre passado, 350 ônibus envolvidos em um total de 1 279 acidentes de trânsito. Anunciou que o número de multas cresceu 21% este ano entre os motoristas de ônibus e micro-ônibus. E houve mais de 75 mil flagrantes, feitos automaticamente por sensores remotos nos cruzamentos, à razão de onze por minuto. Entre eles, 11 mil avanços de sinal e 10 900 ultrapassagens dos limites de velocidade nas barreiras eletrônicas (Piauí 36, p. 40). O Torino é um clássico do improviso industrial. Ele é feito pela Marcopolo, uma fábrica de carrocerias nascida em Caxias do Sul há sessenta anos. Duzentos mil ônibus depois, a Marcopolo tem 12 mil funcionários e linhas de montagem na Argentina, Colômbia, México, Índia, China, África do Sul, Portugal, Egito e Rússia. Seus escritórios


NARRATIVA LITERÁRIA

comerciais vão de Cuba aos Emirados Árabes Unidos. O Torino, um de seus modelos básicos, embora o catálogo lhe atribua um design "marcante e inovador", acaba de desembarcar em Lima, no Peru, num lote de 39 unidades. Ele custa 210 mil reais, e vem equipado com assento duplo para obesos e elevador para cadeira de rodas, os últimos acessórios da igualdade social que o governo empurrou para as empresas (Piauí 36, p. 42). No túnel escuro, o "Bom-dia!" luminoso do ônibus 25 510 é quase insolente, como um enfeite de Natal fora de hora e lugar. Lá em cima, na Praça xv, marco zero de todos os percursos no Rio de Janeiro, amanhece devagar uma ensolarada quintafeira de inverno, e o calçamento de pedras portuguesas reflete a névoa alaranjada que sobe da Baía de Guanabara. Embaixo da praça, no terminal rodoviário conhecido como Mergulhão, a paisagem é bem outra. Às dez para as seis da manhã, o Mergulhão está escuro como sempre, borrifado dia e noite pela fumaça de escapamento que filtra na fuligem cinzenta até as lâmpadas do teto. Na penumbra, recém-saído da lavagem matinal, chamativo como um caminhão de bombeiro, o ônibus verde da empresa Âncora Matias atraca no ponto final da linha 232 como se viesse de outro mundo (Piauí 36, p. 40).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 13: Mil vidas de um camaleão, publicada na Piauí 37, em outubro de 2009 Essa reportagem foi escrita pelo jornalista David Grann originalmente para a revista americana The New Yorker. Trata dos golpes do Frances Frédéric Bourdin, conhecido como “O camaleão”. Desde o início da década de 1990 até 2005 Bourdin viveu em institutos de menores, orfanatos, lares adotivos, escolas e hospitais infantis da Europa, interpretando ser outras pessoas, normalmente um adolescente vítima de alguma tragédia. Mas Grann se foca principalmente no episódio em que o falsário, para não ser preso na Espanha, fingiu ser um adolescente que havia desaparecido nos Estados Unidos conseguindo enganar até a própria família do menino desaparecido, apesar de Bourdin ter 23 e o adolescente desaparecido 14 anos. O último golpe de Bourdin relatado pelo autor da reportagem aconteceu em 2005, no interior da França. Ele se disfarçou de um rapaz de 15 anos que dizia ter perdido a sua família em um incêndio. Foi levado para um albergue público e chegou a estudar em uma escola publica por três meses até ser desmascarado. Além disso, o jornalista conta como vive o falsário hoje, em uma pequena cidade no interior da França como vendedor de produtor por


telefone, e fala de seu casamento, que foi pouco antes da publicação da reportagem. Por esses fatores, o texto tem atualidade. Além de tratar dos golpes, o autor traça uma biografia de Bourdin. Entrevistou parentes, ex-professores e outras pessoas importantes de sua infância. Com isso, pode relatar a vida do personagem desde o nascimento, passando por uma adolescência problemática, até ele se tornar o adulto golpista foco do texto. Por isso, entendemos que a reportagem tem profundidade. Como em todas as outras reportagens analisadas, nessa, o jornalista faz descrições físicas do personagem sobre o qual está escrevendo e de situações narradas, com o estilo do texto da narrativa literária. Tabulamos um trecho da reportagem na qual David Grann descreve o detetive Charlie Parker, responsável por desmascarar Bourdin quando ele fingiu ser o menino americano desaparecido para explicitar essa narrativa literária. TABELA 13 CARACTERÍSTICAS

ATUALIDADE

PROFUNDIDADE

NARRATIVA LITERÁRIA

Fonte: elaboração do autor

TRECHO A última vez que estive com Bourdin sua vida tinha passado pela mais dramática de todas as transformações. Ele se casou com uma francesa, Isabelle, que conhecera dois anos antes. [...] Quando conheci Isabelle, ela estava com quase oito meses de gravidez.[...] Bourdin contou-me que tinha conseguido um emprego numa empresa de telemarketing. Dado seu talento para a persuasão, está tento ótimos resultados (Piauí 37, p. 32). Ghislaine criou Frédéric até ele completar dois anos e meio, quando, a pedido dos pais dela, o serviço de assistência aos menores interveio. Um parente disse sobre Ghislaine: “Ela bebia e saía para dançar à noite. Nem tomava conhecimento do menino”. Ela sustenta que conseguira emprego numa outra fábrica e era competente como mãe, mas a Justiça entregou Frédéric Bourdin à custódia dos pais dela (Piauí 37, p. 26). Charlie Parker, um detetive particular, estava sentado em seu escritório, em San Antônio. Espalhadas por toda a sala, estavam as câmeras especiais que ele utiliza em seu trabalho: uma era ligada a um par de óculos, outra vinha alojada dentro de uma caneta tinteiro e uma terceira estava disfarçada no guidão de uma bicicleta de dez marchas. De uma das paredes, pendia a foto que Parker tinha tirado durante uma investigação: mostrava uma mulher casada em companhia de seu amante, olhando para fora da janela do apartamento. Parker tinha sido contratado pelo marido da adúltera, dizia que aquela foto tinha sido seu grande prêmio (Piauí 37, p. 29)


REPORTAGEM 14: A depiladora da alta roda, publicada na Piauí 37, em outubro de 2009 Escrito pela repórter Clara Becker, a reportagem é um perfil da depiladora Marinete Campos. No texto, a jornalista trata da rotina e do sucesso profissional de sua entrevistada. Marinete é a depiladora íntima de artistas famosas e de outras pessoas de alta classe social no Rio de Janeiro. Nascida em uma família pobre, com o oficia Marinete comprou casa na região serrana do Rio de Janeiro, faz viagens com frequencia, tem investimentos na bolsa de valores e um carro novo. Fica claro que o texto foi escrito poucas semanas antes de ser publicado, o que mostra a sua atualidade. No trecho tabulado abaixo, Clara Becker faz um relato de uma situação acontecida em julho, três meses antes da publicação de seu texto. Os outros fatos tratados – a própria ascensão de Marinete, os desdobramentos de sua história e seus planos para o futuro são fatos atuais. A reportagem de Clara Becker é bastante aprofundada. Além de a jornalista se dedicar ao próprio personagem, falando de sua carreira, ouvindo suas clientes, contando sobre a sua história e sobre o comportamento de Marinete na vida pessoal, buscou mais informações sobre o trabalho de depilação. Por exemplo: ela fala de livros sobre o assunto, do curso de depilação oferecido pelo SENAC, do mercado brasileiro de depilação e de uma rede de franquias nacional especialista no serviço, como mostra o trecho tabulado abaixo. O parágrafo que abre a reportagem relata uma cena na qual a cantora Nina Nunes chega à casa de Marinete, de táxi. A maneira como Clara Becker conduz o texto, detalhamentos e com preocupação estética evidencia o caráter literário da narrativa. TABELA 14 CARACTERÍSTICAS

ATUALIDADE

PROFUNDIDADE

TRECHO Dia sim, dia não, a depiladora repete a rotina, sempre quando chega em casa, porque a cera resfria mais rápido à noite. Consome 25 potes de mel por semana. Um pouco menos no inverno, quando os biquínis ficam mais tempo no armário. Mas isso não quer dizer que lhe falte serviço. Numa quarta-feira de julho, no auge do inverno carioca, Nete saiu de casa às nove da manhã para atender a primeira cliente do dia. (Piauí 27, p. 35). Deve ser por isso que o mercado brasileiro de depilação cresce 60% ao ano. A maior rede de topiária humana, a Depyl Action, tem 53 franquias, está presente em quase todos os estados e adentrou no socialismo bolivariano fincando suas pinças em Caracas, na Venezuela. Danyelle van Straten, dona da empresa, tem planos de chegar


NARRATIVA LITERÁRIA

aos Estados Unidos e à Europa, onde, depois de se arriscar em incontáveis salões e modalidades, ela concluiu que a depilação do Primeiro Mundo continua muito atrasada (Piauí 27, p. 35). "É aqui mesmo?", perguntou o motorista. O táxi tinha parado diante de uma birosca, ao lado de um beco, da estrada Santa Marinha, ao pé da favela Vila Parque da Cidade. Era lá mesmo. Dali para a frente, a cantora Nina Nunes teria que subir o morro a pé, que tem uma fronteira imprecisa e porosa com o bairro da Gávea, na Zona Sul carioca. Pela primeira vez a cantora galgou os degraus de cimento que serpenteiam pela Vila Parque adentro, formando um labirinto errático de ruas asfaltadas e prédios (que pagam o IPTU) e vielas entupidas de barracos (irregulares e ilegais) (Piauí 27, p. 35).

Fonte: elaboração do autor

REPORTAGEM 15: Serra na hora da decisão, publicada na Piauí 37, em outubro de 2010 O texto, escrito pela repórter de Piauí Daniela Pinheiro, é um perfil do então governado do Estado de São Paulo, José Serra. Nele, Daniela traz uma biografia de Serra, desde sua infância no subúrbio da cidade de São Paulo até ascensão na carreira política. Traz opiniões de parentes, amigos e adversários políticos sobre Serra, conta como é a rotina dele, seus pensamentos e principalmente suas dúvidas sobre ele concorrer ou não a presidente do Brasil nas eleições de outubro de 2009. Algumas situações relatadas na reportagem por Daniela Pinheiro aconteceram apenas um mês antes de o texto ser publicado em Piauí. A atualidade também é evidente pelos dados das pesquisas eleitoras que estavam sendo realizadas à época e pelo próprio personagem perfilado, que era então o político que melhor se saia nas pesquisas. Devido ao espaço de tempo entre alguns fatos narrados na reportagem, conclui-se que a autora levou mais de um ano para produzir a reportagem. Uma investigação tão aprofundada possibilitou que ela construísse um perfil bastante detalhado e completo da vida de Serra, de seus hábitos e manias. Afim de evidenciar isso, destacamos, na tabela abaixo, um trecho em que é entrevistado um amigo de infância do político, Egydio Bianchi. Evidentemente, o maior compromisso do texto de Daniela Pinheiro é com as informações, mas a preocupação com a estética da narrativa e com a reconstrução de situações e cenas, característica do texto literário, fica evidente em vários trechos, como no qual a jornalista descreve a filha de Serra, Verônica.


TABELA 15 CARACTERÍSTICAS

ATUALIDADE

PROFUNDIDADE

NARRATIVA LITERÁRIA

TRECHO Numa pesquisa de agosto passado do Datafolha, Serra tinha 37% das intenções de voto e era seguido por Dilma Rousseff, com 16%. Ele cumpria o roteiro de candidato: viaja pelo Brasil, fora ao Nordeste comer buchada de bode, homenageara o sanfoneiro Luiz Gonzaga, articulava candidaturas de correligionários, trocava chamegos públicos com Aécio, evitava críticas ao presidente Lula e concentrava as ações do governo paulista em obras com data de inauguração marcada para as vésperas da eleição do próximo ano. Mas, ao contrário de Dilma Rousseff, Ciro Gomes e Marina Silva, ainda não decidira se concorrerá (Piauí 37, p. 40). Egydio Bianchi conheceu Serra aos 14 anos, com quem cursou o colégio e freqüentou as matinês dançantes do Clube Americano. [...] “Ele era um sucesso, bom dançarino, só namorava garotas bonitas. Insinuante e charmoso, era o que a turma chama hoje de mulherengo.” Na adolescência, moleques da Mooca passaram a se referir a Serra como “aquele que quer ser presidente do Brasil”, disse Bianchi. “Ele era um pouco precoce. Andava com biografias de Hitler e Mussolini debaixo do braço e, se não me engano, andou lendo O Capital no ônibus para Vila Bertioga” (Piauí 37, p. 42). Verônica Allende Serra usava moletom e sandálias Croc, tarde da noite, em sua casa no bairro do Murumbi. Morena, cabelos longos que lhe dão um ar latino, tem 40 anos, trabalha no mercado financeiro e é casada com Alexandre Bourgeois, filho de um francês com uma brasileira. [...] Sentada na cabeceira de uma mesa de vidro, do lado de um grande espelho, para o qual olhava às vezes e ajeitava o cabelo, Verônica admitiu que o pai tem uma imagem pública bem diferente da privada (Piauí 37, p. 48).

Fonte: elaboração do autor

5.2 Alguns apontamentos Devemos ressaltar que em todos os textos usados na análise essas características aparecem em mais do que um trecho do texto, mas, objetivando a concisão, optamos por destacar na tabela sempre apenas uma identificação. Destacamos ainda que todas as reportagens que foram analisadas tiveram chamadas de capa na edição em que foram publicadas. No padrão gráfico utilizado na capa de Piauí estabelece que apenas uma das chamadas de capa tem destaque, as outras sempre são do mesmo tamanho. E, sem exceção, essa chamada de maior destaque remetia para uma das três reportagens analisadas em cada uma das 15 edições.


Somados textos, fotos e ilustrações, as reportagens analisadas ocuparam um espaço equivalente a 92 páginas da revista. Média de 6,1 páginas por texto. Das 15 reportagens, oito foram escritas por integrantes da redação da Piauí, quatro por colaboradores sem vínculo direto com a revista, dois textos foram traduções de conteúdo produzido originalmente pela revista americana The New Yorker e um foi publicado originalmente pelo jornal britânico The Independent. Ao final desta análise podemos perceber que foi possível identificar a atualidade, a profundidade e a narrativa literária como características das reportagens da revista Piauí. A próxima e última etapa desse trabalho são as considerações finais sobre a pesquisa.


CONSIDERAÇÕES FINAIS O jornalismo sofreu profundas transformações nas últimas décadas, provocadas pelos avanços tecnológico, pela diversificação dos meios e principalmente pela internet. A ligação da sociedade em rede reconfigurou o fazer jornalístico nas mais diversas instâncias devido a sua abrangência, possibilidade de atualização contínua e principalmente pela disponibilidade de material jornalístico de graça ao alcance de qualquer um. Para continuarem relevantes diante do novo cenário, os veículos de mídia impressos estão se remodelando constantemente, buscando novos formatos e novos produtos. Nessa pesquisa, intentou-se compreender quais as características que fazem com que a revista Piauí tenha conseguido se estabelecer editorial e comercialmente no mercado dos veículos impressos no Brasil. Fundada em 2006, com o uso da internet já bastante difundido, Piauí contraria uma lógica de pelo menos dez anos, na qual jornais e revistas tradicionais perdem cada vez mais leitores e anunciantes. Como mostra nosso terceiro capítulo, o constante aumento na tiragem da revista e a quantidade de anúncios em sua páginas surpreenderam até João Moreira Salles, idealizador da publicação. Isso se torna ainda mais surpreendente – e paradoxal – quando nos debruçamos ao tipo de produto que é Piauí. Enquanto a maioria dos veículos impressos se preocupa em apresentar páginas com diagramação ousada e carregada de fotografias e ilustrações, Piauí aposta em paginação simples, no uso reduzido de imagens e na austeridade tipográfica. Enquanto os demais veículos apresentam textos cada vez mais sucintos e objetivos, as reportagens da Piauí são prolixas, detalhadas e, por isso mesmo, longas; chegam a preencher até oito páginas. Compreendemos que nossa pesquisa tem limitação de alcance, o que é natural em se tratando desse tipo de produção cientifica. Ademais, o objetivo nunca foi a realização de um estudo conclusivo, com soluções definitivas sobre nosso problema, e sim uma pesquisa exploratória. De qualquer forma, ao estudarmos a trajetória de Piauí e analisarmos as principais reportagens de cinco edições, conseguimos constatar as características diferenciam Piauí de outras publicações. Piauí destaca-se das concorrentes, todas com formato visual e textual parecidos, ao investir em textos com atualidade, profundidade e narrativa literária. Ao produzir reportagens humanizadas, com conotação literária, sem deixar fora a atualidade e apuração rigorosa inerente ao bom texto interpretativo, Piauí potencializa os recursos do jornalismo. A revista ultrapassa os limites do acontecimento cotidiano e


proporciona uma visão ampla da realidade. Ao utilizar-se de técnicas oriundas da literatura no texto, os repórteres da revista transformam as fontes das notícias em personagens de uma história. A informação tem corpo, tem hábitos, qualidades e defeitos – é humana, enfim. Uma pessoa comum identifica quem é José Serra, governador de São Paulo e candidato a presidência da república, mas não conhece como foi a infância dele, quais são seus escritores prediletos; não sabe de sua ojeriza a alho e cebola na comida. Os jornais publicam muitas notícias sobre os grandes fundos de pensão do Brasil, só que não explicam quem manda nesses fundos, como eles funcionam e qual seu papel político e econômico. Mas as reportagens da revista Piauí cumprem esse papel. E melhor: com um texto que tem a capacidade de divertir, causar emoções e entreter o leitor. A maior parte dos textos jornalísticos classificados como jornalismo literário despreza o chamado gancho jornalístico - pretexto que gera uma noticia, normalmente uma situação ou acontecimento. Talvez o mais prestigiado relato jornalístico-literário de todos os tempos, A Sangue Frio (Companhia das Letras, 2002), de Truman Capote, por exemplo, foi publicado sete anos depois de o fato que suscitou a cobertura jornalística ter acontecido: o assassinato de quatro membros de uma respeitada família de uma pequena cidade do Kansas, em 1959. Os textos de Piauí, ao contrário, sempre são oportunos e atuais ao período em que foram publicados. Usualmente, as informações divulgadas pelos veículos de comunicação não abrangem todos os ângulos do fato; ao contrário, focam-se apenas em poucos aspectos. Já nos textos da Piauí, que abordam a informação jornalística em profundidade, o leitor tem uma compreensão maior do acontecimento, uma vez que é levada em consideração toda a amplitude das causas, seus desencadeamentos e conseqüências. As reportagens da Piauí, então, têm um sentido mais amplo, pois contém remissões ao passado, interligação entre outros fatos e a incorporação do fato aos eventos que o encadearam. São contextualizadas, enfim. E isso, como lembra Eco (2001) é uma forma de aproximar emissor de receptor. Devido a sua periodicidade mensal, Piauí obviamente não pode compete em atualidade com um jornal ou com uma revista semanal, mas suas reportagens trazem, invariavelmente, elementos que dão noção de proximidade temporal. Observando-se quantitativamente, percebe-se que todas as 15 reportagens que analisamos no capitulo 5 têm foco em personagens vivos. A continuidade da vida desses personagens, principalmente porque todos são, de alguma forma, notórios, por si só, já dá caráter atual à reportagem.


Observamos ainda que praticamente todas as reportagens analisadas abordam assuntos ou personagens que já repercutiram ou que ainda repercutem na Imprensa. Na teoria do agenda setting, os autores defendem que se estabelece uma relação de influencia entre a importância que os meios de comunicação dão para determinado assunto e a opinião publica. De certa forma, Piauí estabelece suas pautas nessa mesma agenda criada pelos meios de comunicação. Corrobora com essa observação o fato de que apenas uma das 15 reportagens analisadas – sobre a anônima depiladora de artistas e socialites – não cita como fonte direta textos publicados em jornais. Das 15 reportagens analisadas, sete, quase a metade, tratam de política e economia. Podemos dizer que os textos sobre esses dois temas, quando publicados em jornais e revistas tradicionais, são aqueles onde a estrutura do texto é mais padronizada, com a informação é organizada no formato da pirâmide invertida, intuindo-se objetividade e isenção. As reportagens da Piauí sobre os mesmo assuntos, com texto literário e contextualização, acabam por se tornarem mais atrativas ao leitor. Mesmo que o leitor já tenha se informado sobre o mesmo assunto no jornal, na internet, no rádio ou na televisão, Piauí oferece a ele aprofundamento com informações que ele provavelmente não sabe. E com lazer, já que ele estará lendo um texto esteticamente interessante, que lhe causa sensações e que também oferece conhecimento – tudo que tradicionalmente se busca em um livro. Como diz Sérgio Vilas Boas (2010) “o leitor vai arranjar tempo de sobra para ler, sim, se dermos a ele algo de fato saboroso para ler” Concordamos com Vilas Boas, porque entendemos que a utilização da internet pelos consumidores de informação aponta para um deslocamento das práticas de leitura, mas não para a total obsolescência do texto impresso, pelo menos pela próxima década. Nessa medida, reportagens com as características dos textos da Piauí – atuais, mas com profundidade e narrativa literária – representam um modelo para a sobrevivência dos veículos de mídia impressa. No campo dos gêneros do jornalismo, nossa pesquisa aponta para o fortalecimento do gênero jornalístico interpretativo. Caracterizado pela apuração densa, o que exige domínio técnico e conhecimento especializado por parte do autor, esse tipo de produção é dissonante do padrão jornalístico contemporâneo, pautado, sobretudo, pela velocidade e pela concisão em detrimento ao aprofundamento. E também vai contra autores como Keen (2009) que defendem que a abrangência e a facilidade de acesso da internet acabam abrindo espaço para amadores e tirando espaço de produtores de conteúdo como os jornalistas.


Entendemos ainda que quando são publicados textos jornalísticos que atraem o leitor, mas que ao mesmo tempo têm apuração rigorosa, contextualização e discussões sobre temas relevantes como política, economia e cultura, os meios de comunicação cumprem seu papel de favorecer a capacidade dos leitores de terem suas próprias opiniões. Além disso, ao se aprofundar na abordagem e ir além do superficial, o jornalista tem mais chances de alcançar o principal objetivo ao qual ele se propõe: representar a realidade de maneira honesta e fiel.


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