Jornal experimental do Curso de Comunicação Social - UNISC - Santa Cruz do Sul - Maio/2009
prazo estourado · camisinha furada · praia com chuva · caminho errado · endereço sem número · xixi no mato · pneu furado · festa com lama · crianças chorando no restaurante · meia calça rasgada na festa · falta de água · cheque sem fundo · roupa rasgada · falta de luz · carro quebrado · futebol de bombachas · “estou grávida”
In di
a
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opinião
02 editorial Diferentes em um mundo de iguais
Tornou-se lugar comum afirmar que o jornalismo, quando em sua fase de formação, deve ser marcado pela criatividade. Basicamente porque, e este é o ponto de vista defendido pela maioria das pessoas, especialistas ou não, todos entendem que o espaço de criação, em jornalismo, restringe-se quase que especificamente aos bancos escolares. Sob esta perspectiva, o que resta aos jovens jornalistas, quando no mercado, é produzir conteúdo em uma espécie de esteira de produção, com pouco ou quase nenhum espaço de criação. Isso é verdade, mas em parte. O que há de indiscutível é que os jornalistas, uma vez no mercado de trabalho, têm de dar conta de um número cada vez maior de pautas em suas rotinas, cada vez mais curtas, atulhadas de trabalho, e, portanto, tensas, para não dizer estressantes. Isso em termos de apuração, redação, fotografia, deslocamento (sim, jornalistas também têm de dirigir carros) e edição, para ficarmos em alguns. O paradoxo é que, longe de nos tornarmos seres autômatos, poucas vezes o mercado de trabalho exigiu tanta criatividade dos jornalistas como neste momento evolutivo, em que a acirrada disputa entre veículos das mais diferentes plataformas, mais que anular um e outro, exige cada vez mais singularidade de todos. Mas como proceder para sermos singulares, justamente uma das categorias fundadoras do jornalismo, em ambiente tão saturado de jornais, revistas, tevês, rádios, blogs, microblogs etc.? Dentre as respostas possíveis, sendo criativos. Ou seja, exercitando, desde o âmbito escolar, a capacidade de resolvermos, jornalisticamente, – portanto com técnica jornalística –, as mais diversas formas de texto, entre estes os de natureza diversional e opinativa. E é justamente isso que estamos fazendo nesta primeira edição do Unicom que chega às suas mãos neste 2009: por meio de um olhar centrado em histórias divertidas, inusitadas; em “indiadas”, buscamos, desde já, desenvolver a criatividade que nos será exigida logo ali adiante. E por meio da qual deveremos nos diferenciar em um mundo cada vez mais de iguais.
UNISC Universidade de Santa Cruz do Sul Av. Independência, 2293 Bairro Universitário Santa Cruz do Sul - RS CEP: 96815-900 Curso de Comunicação Social Jornalismo. Bloco 15 - sala 1506. Fone: 3717-7383 Coordenadora do curso: Ângela Felippi
No sul do Pacífico Daniele horta pós duas viagens de férias à pequena ilha de Aitutaki, resolvi mudar um pouco a situação. Ir para a Polinésia e ficar em hotéis e pousadas era fácil, a indiada seria viver como o povo nativo. E foi o que fiz. No dia primeiro de janeiro de 2009, fui morar com alguns amigos nativos da ilha, na intenção de viver no maior estilo polinésio possível – enquanto agüentasse. Tautu, minha nova morada, era a menor vila da ilha, e foi lá que descobri que a vida no paraíso é boa e fácil... Para os turistas! Após os primeiros dias, onde tudo era novidade, descobri que há certas coisas da dita civilização que fazem falta: ar-condicionado, um bom banho de chuveiro, cigarro com filtro, sentar num vaso sanitário com toda a calma do mundo e esperar a natureza fluir. É, não tínhamos banheiro, apenas uma espécie de patente fora da casa. O chuveiro também estava ausente. Do lado de fora da casa, quatro paredes com altura até o meu pescoço e com uma torneira no alto fazia às vezes de. Mas não tive muitos problemas com o banho. O pior foi o banheiro. O xixi era tranqüilo. Corria para a patente e fazia o mais rápido possível tentando
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Urgel souza lex Riegel, o “Leco”, é daqueles amigos contadores de história. Talvez por sua vocação para as letras, tem esse dom. Entre elas (a maioria) estão as consideradas “indiadas”. Não é protagonista de todas, mas, sempre que convém, propaga esses causos aos mais próximos. Conta ele que Jorge (os nomes foram trocados), um amigo de Pelotas, foi pra balada e permaneceu solteiro até os momentos finais da festa. Quando só restavam alguns poucos “sobreviventes” próximos ao balcão, ele escutou uma voz feminina, sensualmente rouca, dizer-lhe ao pé do ouvido: “E aí, gostosão... Não conseguiu nada essa noite?” Jorge resolveu conferir o “material”: olhou de cima a baixo. Constatou um certo exagero nas adiposidades da moça, viu que o cabelo não tinha o seu estilo preferido, notou que as roupas não eram as mais adequadas para aquele tipo de ambiente. Contudo, concluiu: “Sim... não consegui nada mesmo – são 4 horas da manhã e não vou conseguir nada muito melhor que isso”. Então, se aproximou da moça, acertou um preço
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Demétrio de Azeredo Soster
Editor
Heloísa Poll
Sub-edição
Márcia Müller
Produção
Bruna Wolff de Matos
não imaginar o que havia logo abaixo. Quando o negócio era número dois, a coisa complicava. No mais, meu quarto era até grande e, como era normal na ilha, qualquer um tinha acesso a ele. Não existem trancas ou mesmo maçanetas nas portas por lá. Só lembrei que deveria ter repensado o quesito segurança quando minha mala foi assaltada e fiquei sem metade de minhas roupas. Para completar a experiência como local, eu também tinha uma moto. Furei os dois pneus no segundo dia motorizada. Em uma semana foram quatro pneus – um deles às duas horas da manhã na zona de caça aos caranguejos, ou seja, sem socorro por perto. O jeito foi empurrar. Após uma semana soube que a ilha estava ficando sem combustível. Fui ao posto já entrando em pânico com a idéia de ficar presa no canto mais remoto da ilha. Enfrentei uma fila de 2 horas até conseguir abastecer. Faz parte, a essa altura minha má sorte não mais me espantava, porém cheguei ao meu limite. Juntei o que restou de minhas “trouxas” e voltei para a pousada, afinal, estava de férias e a intenção era aproveitar o paraíso e não a vida real.
Bruna Wolff de Matos Daniele Horta Fernanda Zieppe Francine Rabuske Gabriela Brands Heloísa Poll Márcia Müller Natália Löff Patrícia Azevedo Urgel Souza
Diagramação
Revisão
Fotos
Bruna Wolff de Matos Francine Rabuske
Alyne Guimarães Motta Gelson Pereira
Capa
Gelson Pereira
Ilustrações
Giusepe Fontanari Amanda Mendonça Urgel Souza
e foram para o apartamento dele no Centro de Pelotas, onde morava com mais quatro companheiros. Entrou sussurrando; na ponta dos pés para que os camaradas não o vissem com a mulher (ele tinha condições de arrumar coisa menos vulgar e sabia disso!). Foi para a sala, longe dos ouvidos curiosos. Não adiantou. Foi flagrado! O descobridor do segredo de Jorge tratou de espalhar aos outros três, que ainda dormiam. Começou discreto, mas a notícia de que Jorge tinha chegado com uma prostituta alardeou a casa. Logo, os quatro invadiram a sala e rapidamente foram participar da “festa”. Reajustaram o preço e... Bem, o resto não é difícil de se imaginar: o clima esquentou! Os amigos entraram, de fato, na festa. Tudo parecia correr aos quatro ventos. O que nenhum deles esperava é que a moça, lá pelas tantas, dissesse “não” às brincadeiras mais, digamos assim, pesadas. Afinal, estava ali uma profissional. Jorge tentou argumentar para que ela ficasse, mas não adiantou. Foi-se! Não só Jorge ficou na mão, mas todos eles. A vida nunca mais foi a mesma naquele apartamento.
Logotipo
Samuel Heidemann
Objetos Capa
Fábrica de Cadeiras Werle Selaria Gaúcha
Impressão Graphoset
Tiragem
500 exemplares
Blog http://blogdounicom.blogspot.com
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Jornalismo se faz com singularidades
O segredo de Jorge
Reportagem Editor-chefe
opinião
expediente Este jornal foi produzido de forma interdisciplinar. O conteúdo editorial ficou a cargo da turma de Produção em Mídia Impressa (professor Demétrio de Azeredo Soster). Os anúncios da edição foram criados pela Agência Experimental de Comunicação Núcleo A4.
Francine Rabuske A arte do jornalismo reside em informar, interpretar, orientar e entreter. Fraser Bond dedica parte de seu estudo na evolução dessa profissão quanto à função do entretenimento (distrair). E defende-se com precedente histórico. “O trovador de antigamente levava as notícias de castelo em castelo, era bem recebido não só pelas novidades que trazia, mas também pela sua habilidade de cantar, dançar e tocar alaúde” (BOND, 1962, p. 1921). Pois bem, esta edição do Unicom traz elementos pitorescos dispostos em histórias singulares; temas que usualmente não freqüentam os jornais. Seriam eles de interesse coletivo e dignos de ocupar as páginas deste jornal-laboratório? Os tais “programas de índio” aqui relatados seguem a linha de raciocínio de Bond, quando este afirma que jornais e revistas atraem o público em busca de distração com comentários sobre os aspectos engraçados e lúdicos da vida cotidiana. As histórias aqui dispostas são, na realidade, fragmentos da vida de pessoas comuns que, por opção ou cochilo do destino, enxergaram-se em algum momento em situações constrangedoras ou engraçadas e não menos importantes no contexto geral. Pelo contrário, pedaços de tempo vividos que anseiam por publicação porque são únicos, singulares, sem igual e sem repetição. Histórias de vida contadas em rodas de chimarrão e que, sob os vértices da singularidade e do entretenimento, moldam-se jornalisticamente. Isso porque o operário da arte do fazer jornalismo (repórter) empresta os conceitos e técnicas requeridos pela profissão para
a construção da narrativa. Apropriando-se de argumentos de Marília Scalzo (2003), os princípios básicos do jornalismo são norteados pela boa apuração, compromisso com a verdade (ainda que lúdica), qualidade da informação e sensibilidade suficiente para melhor retratar o (acontecimento) inusitado. Funções estas cumpridas pelos aspirantes a jornalistas. José Marques de Melo (1994) apresenta, entre as modalidades por meio das quais a mensagem jornalística se expressa, a categoria diversional. O nome, segundo o autor, tem inspiração no termo diversão, usado por Raymond Nixon (1963) para rotular a função que outros colegas chamam de entretenimento. Mário Erbolato (1991), por sua vez, afirma que esta categoria, via os precursores Truman Capote e Gay Talase, faz o repórter viver o ambiente e os problemas dos envolvidos na história contada, descobrindo assim sentimentos e peculiaridades e descrevendo-os com estilo leve, original e agradável. Diante das explanações dos autores supracitados, os “programas de índio” – pauta que norteia esta edição do Unicom – são encarados não apenas como produto jornalístico com capacidade de exploração para tal fim, como também são encaixados na categoria reconheci-
da por Melo como diversional. Ainda que as definições deste escritor não sejam unânimes pelos colegas nos gêneros jornalísticos, – talvez nem tivesse tamanha pretensão –, características apontadas para a classificação desta modalidade são reconhecidas nos materiais apresentados neste jornal. São textos que atraem o leitor graças a sua leveza, originalidade e singularidade. São narrativas que sugerem momentos únicos de diversão, entretenimento, merecedoras da eternidade.
“O trovador de antigamente levava as notícias de castelo em castelo, era bem recebido não só pelas novidades que trazia, mas também pela sua habilidade de cantar, dançar e tocar alaúde”
Referências bibliográficas
BOND, Fraser. Introdução ao jornalismo. Rio de Janeiro: Agir, 1962. ERBOLATO, Mário. Técnicas de codificação em jornalismo. Redação, captação e edição no jornal diário. São Paulo: Ática, 1991. MELO, José Marques de. A opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1994. SCALZO, Marília. Jornalismo de revista. São Paulo: Contexto, 2003.
Catadores de emoções Heloísa Poll
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á exatamente quatro anos minhas idéias eram um pouco mais anormais do que hoje em dia. Mas o pior não é isso. O mais terrível de tudo é que várias pessoas não contestavam, acreditavam e seguiam meus planos mirabolantes. Assim teve início uma das maiores indiadas que já vivi. A formatura batia à porta. Os dias passavam e o bolso de meus pais começava a andar em direção à forca. Na verdade, havia onze anos que as “verdinhas” deles morriam antes mesmo de nascer. Então, como uma boa filha, sugeri a coleta de material reciclável que, futuramente, renderia uma “ boa grana”. Então sete viventes, cheios de caixas de papelão, garrafas pet, sujos pelo trabalho árduo, com semblantes de cachorro perdido, passaram a fazer parte do cenário santa-cruzense. Durante os intermináveis dias, várias ações para o sucesso da nossa jornada vinham à tona. E, incrivelmente, todas partiam da minha mente.
A busca por sobras recicláveis pelas ruas centrais da cidade, incluindo a “Avenida Lotada dos Imigrantes”. O pedido envergonhado de um carrinho de supermercado para carregar o material. As batidas nas portas das casas mais luxuosas da cidade, à procura de restos. O abraço nas latas de lixo. As sacolas rasgadas de tanto peso, a parada para comer salgadinho na calçada, na companhia de um rato morto que ninguém havia visto. Nesses intermináveis dias ainda teve o mal entendido com o vendedor de abacaxi, que se ofendeu porque um integrante do grupo gritou: “Olha o vendedor de ‘abaixa aqui’”! Para depositar todo aquele material, ofereci a garagem da minha casa. Por semanas, o lixo assistiu novelas, filmes, acenou para as visitas. As pilhas enormes de jornais, revistas, latinhas de refrigerante, aos poucos, tornaram-se membros da família. Quan-
do a separação chegou, tive a impressão de que a melancolia invadia o meu e os outros corações do pequeno lar. O tão esperado momento da venda chegava. Reuni os colegas num domingo lindo, ensolarado e agradável para organizar os papéis e amassar as garrafas. Até leite coalhado foi tirado de alguns recipientes. Passados alguns dias, o caminhão chegou. Então, depois de todo aquele esforço, veio o pagamento: R$ 60,00! O tempo passou, a formatura aconteceu, cada um seguiu o seu rumo. No encontro para comemorar um ano de formatura todos contavam a mesma coisa: nunca mais conseguiram passar indiferentes diante de um monte de papel ou de uma garrafa jogada na calçada. Como loucos, carregavam tudo nos bolsos, no carro, na sacola. Em casa, ao olhar para aquele lixo, se emocionavam com as lembranças, sorrisos e tragédias de uma grande, inesquecível e ecológica indiada.
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reportagem
reportagem
Onde está o estepe?
Um estranho no ninho
O que era pra ser uma simples pauta, acabou se transformando em uma tremenda dor-de-cabeça
Roberta era a única da turma que não sabia que a festa era gay; foi uma noite surpreendente para aquele grupo de amigos
Francine rabuske
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inverno ensaiava sua despedida para ceder lugar ao colorido da primavera. O fim de semana se aproximava e as tarefas estavam quase concluídas. Restavam alguns ajustes para enfim embarcar para Cachoeira do Sul, onde Dejair Machado pretendia descansar dos dias penosos na pele de editor e repórter do Jornal de Candelária. Tudo estaria perfeito se não fosse um telefonema no meio da tarde e a inexperiência com a mecânica de automóveis. Do outro lado da linha estava Rose, que à época trabalhava no Corpo de Bombeiros Voluntários da pacata Candelária. Deja, como é chamado pelos amigos, atendeu e recebeu a informação de que um incêndio se alastrava pelas matas do interior, pelas bandas de Alto da Légua, a 30 quilômetros do Centro da cidade. A bordo do novíssimo Fiat Uno Mille do jornal, Deja e a companheira Luana Rodrigues – a Lua, também repórter e que fazia as vezes de fotógrafa – saíram em disparada atrás do fogo: estariam sendo queimados 15 hectares de área verde. A poeira do interior se encarre-
gou de ofuscar o branco lapidado do novíssimo carro. Os figurinos dos profissionais também sofreram com o pó. Conforto no Mille? Pra quê? Estavam a trabalho! Portanto, vidros arregaçados, camisetas um bocado encharcadas do calor somavam-se à poeira da estrada de chão batido. Percorridos pouco mais de cinco quilômetros de estrada, o motora – Dejair – sente a direção pender para um dos lados. Pneu furado. Nenhum deles, até então, havia tido experiência semelhante. Nada melhor do que aprender trabalhando. “Vamos trocar, né?”, disse Deja. E lá se vai ele: estaciona direito, pega macaco, chave de roda, levanta o carro, desparafusa as porcas, retira o pneu furado e coloca o estepe. Mas e o estepe? O lugar-comum destinado às rodas-reservas não se configura no Uno Mille. Tanto que todos acharam que o carro veio sem estepe. Enquanto isso o fogo queimava a mata. Para amenizar a situação, moradores da localidade se aproximavam na tentativa de ajudá-los.
Procuraram o estepe debaixo do carro e, nada. Recorreram à editora-chefe do jornal e relataram o causo. Tudo bem, o resgate viria em seguida. Mas e o incêndio? Lua, divagando entre uma foto e outra, lembrou que durante suas aulas de auto-escola estudou a localização de estepes e o do Uno Mille estaria – sempre – junto ao motor na parte dianteira. Foram conferir. E lá estava a dita cuja roda-reserva, descoberta depois de 30 minutos. Processo seguinte: encaixar a roda nova no lugar da estourada. “Não coube!”, grita Deja, que precisou, além de levantar todo o macaco, de uma base de madeira. E o incêndio? Feita a troca, seguiram para o local do fogo. Claro que já não havia mais incêndio e só restavam cinzas. A saída foi falar do ocorrido, ainda que sem fotos mais expressivas. Sobre a pauta não há muito o que ser dito, mas todos se tornaram especialistas em troca de pneus de Fiat Mille dali para a frente.
Acervo Pessoal
Acervo Pessoal
Natália Bracht löff vida é uma caixinha de surpresas. Às vezes, nos deparamos com situações inusitadas. Tudo o que é diferente nos faz pensar, estranhar. Naquele fim de semana, Roberta (os nomes foram modificados a pedido dos entrevistados) conheceu uma parte mais colorida do mundo. Ela foi pela primeira vez a uma boate alternativa. E descobriu que era uma boate onde o público GLS (gays, lésbicas e simpatizantes) têm total liberdade de paquerar, ficar, namorar. Lucas, amigo de Roberta, foi quem convidou ela e a turma de amigos e todos toparam. Roberta não tinha idéia de que a festa era gay. Lucas era homossexual, mas Roberta nunca havia reparado, afinal ele vestia bombacha e faca e ficava com muitas meninas. Todo mundo sabia que ele era gay; que dizer, todo mundo
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menos a Roberta. Eles eram em torno de quinze pessoas, seis meninos e nove meninas. A festa era longe e o pessoal foi em seis carros. A estrada de chão e os buracos não pareciam ser um empecilho. Mas logo na chegada Rô - como era chamada pelos amigos - reparou que havia algo estranho. Duas bandeiras grandes com as cores do arco-íris estavam expostas na entrada. O por que Roberta não sabia, mas todos da turma resolveram dar as mãos e permanecer assim por toda a festa. A galera foi para o centro da pista, pois chegaram cedo e a festa ainda estava vazia. A menina ainda não havia percebido que estava em uma balada gay. De repente o susto. Olhou em volta e casais de meninas se formavam. Meninos
se beijavam e trocavam carinhos. Os olhos curiosos do grupo que nunca havia visto casais alternativos faziam vistoria por toda a pista, à procura de atitudes, para eles, novas. As idas ao banheiro eram uma aventura. Sempre havia alguém interessante. Meninos e meninas dividiam o local normalmente, onde os sexos se confundiam. Meninas com vozes de meninos, meninos fazendo elogios sobre roupas, “ai gataa, adooorei o sapato”. Era tudo muito diferente. A trilha sonora foi considerada por todos excepcionalmente boa. O pessoal dançava muito, movimentos rápidos que seguiam o ritmo da música. Às vezes, sem querer, Roberta esbarrava ou dava um encontrão e m
alguém. Ninguém reclamava. Uma menina parecia feliz por ter recebido um encontrão e tentou roubar um beijo de Roberta que, em pânico, usou da boa vontade de um amigo para se livrar da garota. A turma foi para o canto da festa, fora da zona de ataque. O pessoal processava as informações enquanto dançavam; as vozes, que normalmente eram estridentes e constantes, calavam-se. Em meio a uma dança, uma das meninas foi agarrada e jogada na parede por uma festeira. Logo em seguida, foi salva por sua amiga, que, sem falar nada, balançava o pulso dela mostrando que estavam juntas. As abordagens eram, digamos assim, bastante incisivas. O arrepio na barriga era cons-
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tante, como num filme do Indiana Jones, onde os grandes tesouros eram eles próprios, e as pedras nos caminhos eram as pessoas que tentavam roubar alguém do grupo. Já bem cansados, o pessoal rumou aos carros às 4 horas. Mas a caminho, e para terminar a festa com chave de ouro, Roberta tropeçou por cima da escada e caiu no colo de uma menina, que não perdeu tempo, agarrou-a chamando de amor e partiu para o ataque. Antes que Roberta pudesse se dar conta da situação, um dos seus amigos a puxou para perto dele e a carregou até o carro. Ela só conseguiu respirar quando chegou em casa. A festa é comentada entre os amigos até hoje. A turma se diverte lembrando das situações que passaram. Mas toda vez que Lucas os convida para voltar lá, a resposta é uma baita risada.
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Letícia no país das indiadas
Final de Ano a gente nunca esquece Para as famílias Rech e Azevedo, o réveillon de 1997, na praia de Rainha do Mar, dificilmente sairá da lembrança, em especial o momento dos fogos de artifício
Um intercâmbio na Índia pode render muito mais do que o aprendizado sobre a língua e os costumes estrangeiros: ele também pode representar um punhado de inesquecíveis aventuras
Patricia azevedo Heloísa Poll
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er colega do Márcio Garcia na novela da rede Globo não era o motivo pelo qual a santa-cruzense Letícia Dezorzi deixaria a cidade natal. Também não havia um amor impossível no continente asiático nem a busca pela água sagrada do Ganges, visto como o rio da salvação. O desejo da jovem era apenas realizar um intercâmbio na Índia. Assim, em janeiro de 2008, ela deixou a família no Brasil e partiu rumo a uma das maiores aventuras (e indiadas) da sua vida. Depois de mais de um mês de preparativos, Letícia viajou no dia 23 de janeiro. Enquanto viajava, as expectativas aumentavam. Já ouvira falar em vacas sagradas e em Bollywood - o cinema indiano -, mas, mesmo assim, seu instinto dizia que esperar o possível e o impossível ainda não era o bastante ao se tratar da Índia. O momento
de pousar no seu sonho estava prestes a acontecer. Quando aconteceu, Letícia pensou, por um instante, que estava num pesadelo. Ao pisar no aeroporto de Chennai, a jovem não foi surpreendida com najas que dançavam ao som de uma flauta. O que viu foi muito mais impactante. Além de cuidar das malas e das placas de orientação, Letícia precisava desviar das inúmeras pessoas deitadas sobre o chão. Além disso, o ar denso e poluído – afinal o país é um dos mais sujos do mundo -, as palavras estranhas que pairavam sobre o ar e os milhares de olhares curiosos em direção à firanghi (estrangeira), fizeram com que Letícia pensasse: “O que estou fazendo aqui mesmo?” Antes que um surto de esquecimento fizesse com que ela voltasse ao Brasil na primeira oportunidade, Letícia lembrou
que um hotel cinco estrelas a esperava. Mas não pense que a aguardavam como hóspede, com champanhe, banheira cheia de pétalas de rosas e dançarinos indianos pelos corredores. Eles apenas esperavam a mais nova trainee. A partir do dia seguinte, ela ocuparia o cargo de gerente de relacionamento com o cliente do estabelecimento hoteleiro. Depois de acomodada, Letícia passou a sentir a Índia, país longe o bastante dos brasileiros, e, segundo ela, aquele que poderia ser o mais exótico entre os que pudera escolher. Então, a cada passeio pelas ruas e cidades vizinhas, as surpresas aumentavam. Enquanto que no seu município de origem era costume ver cachorros passeando pelas ruas com seus donos, lá eram as vacas que dominavam as calçadas e avenidas. Ao lado delas também havia mon-
tanhas de lixo, o prato principal dos simpáticos, grandes e sagrados mamíferos. As vacas, no entanto, não eram os únicos animais que intrigavam Letícia. Havia as baratas que pareciam estar vivas desde a 2ª Guerra Mundial, de tão difícil que era exterminálas. Com o tempo, a jovem também aprendeu a transitar entre indianos, que cantavam e gritavam como se fosse a última coisa que pudessem fazer na vida, elefantes, bicicletas, comerciantes que praticavam exploração ao turista durante todo o dia e, ainda, os autorickshs, os famosos triciclos indianos. Os meses passaram e a Índia se tornou um misto de belezas e de desastres para Letícia. Exemplo disso foram os passeios realizados durante os momentos de folga. A ida a Shiva, permitiu que a moça presenciasse pobres à procura de ob-
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jetos de valor junto aos ossos e cinzas de humanos cremados, nas águas de um rio. Mas o país também era belo. Existiam palácios, as cores nos turbantes usados pelos homens e os templos, ricos em detalhes. Havia uma energia indescritível que pairava sobre as pessoas. Existia a pobreza e o luxo. A indiada e a recompensa. Mesmo com todas as aventuras vividas, a santa-cruzense percebeu que as situações eram merecedoras de algum registro. O misto de curiosidade e apreensão, com o tempo, ganhou outro significado, o da relativização. E entre todas as possibilidades de conservar aquela vivência mágica, a melhor delas, sem dúvida, foi guardar tudo na memória e contar com palavras que traduzem saudade e esquecimento. Uma indiada na Índia que se traduz num misto de sentimentos.
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ra mais um dia 31 de dezembro. No litoral gaúcho, mais precisamente em Rainha do Mar, duas famílias, Rech e Azevedo, tiveram a idéia de confraternizar o Ano Novo. Desde as 7 da manhã, que era a hora que o despertador natural do chefe da família Azevedo o acordava e o fazia levantar, a turma toda começava a encaminhar os preparativos para mais um Reveillón na praia. A casa toda de tijolos à vista, de um único pavimento, era preparada para abrigar a tradicional comilança da última noite do ano de 1997. Eram os ‘chefes’ das famílias os encarregados de ir fazer o rancho da lista preparada pelas mães das famílias. No supermercado próximo à moradia, carrinhos cheios de cachos de uva, lentilhas e champanhe. Esse seria o cardápio da festa. Nada de muita frescura. Afinal, a superstição das famílias era comer doze uvas por pessoa e um pratinho de lentilha. O que viesse a mais seria lucro. Já que o que esse povo gostava mesmo, pelo menos as mulheres da casa, era da tal champanhe. A expectativa de todos para a noite era grande. Conforme as estrelas apareciam no céu e a lua começava a clarear a rua, a casa ganhava cara de reveillón. Uma mesa enorme foi montada na garagem da casa, que era um corredor aberto e
ficava na direção onde os fogos seriam instalados. A toalha branca estendida sobre o móvel de madeira, que mais tarde abrigaria o banquete, também já estava posta. Todos vestiam, pelo menos, uma peça branca. A televisão 21 polegadas da sala estava ligada na Globo, onde passava a retrospectiva de 1997 e que mais tarde faria a contagem regressiva para o ano que estava por chegar. Do outro lado da rua, o chefe da família dos Azevedo, Ivo, montava, em um pátio vizinho que estava desocupado, a bateria de fogos, trazido por ele mesmo de Santa Cruz do Sul. Ao redor, vizinhos também se preparavam para a chegada da meia-noite. Tudo pronto. Mesa posta. Fogos armados. Povo reunido e animado. Na televisão, a contagem regressiva começava. Todos no pátio da casa esperando a bateria de fogos ser acesa para o “Feliz Ano Novo” ser desejado. Os últimos dez segundos que antecediam o ano de 1998 corriam bem até que o isqueiro da mão do chefe dos Azevedo acendeu o primeiro dos fogos.
Ao invés de subirem aos céus, explodiram na direção da casa onde as duas famílias se encontravam. O pânico se instalou naquele momento. Todos os fogos acenderam com a queda do primeiro e seguiram o mesmo trajeto em direção à garagem da casa. O homem que os acendeu jogouse atrás de um imenso cipreste para se proteger. A mãe da família Azevedo, Rosália, que estava com uma criança de cinco anos no colo, tentou correr mas não conseguiu ir muito longe. Tropeçou em algumas cadeiras de madeira que estavam na garagem e por lá ficaram. A filha mais nova da família Rech, Priscila, na época com dez anos, também tentou fugir para outra direção, mas no meio do tumulto e da fumaceira bateu contra uma portajanela, e caiu no chão. Logo em
seguida, como não havia muito lugar para correr, sua mãe também caiu, porém, sobre a própria filha. Os fogos não cessavam os estouros e as pessoas daquela casa não paravam de correr. Os filhos maiores das duas famílias pulavam sobre as cadeiras e fugiam em direção aos fundos da casa, sem saber onde se esconder. Muitos queimados? Na verdade, ninguém. Os ferimentos, ainda assim nada de muito grave, foram resultado da correria, esta sim inesquecível. A exemplo do que houve naquele final de ano de 1997 em Rainha do Mar.
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“O que mais me mete medo é o ser humano” Airton Ortiz, dez livros e muitas aventuras no currículo, é uma espécie de Indiana Jones gaúcho; as semelhanças não ficam apenas no gosto por novas descobertas Daniele horta
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ra uma tarde de sextafeira quando a equipe do Unicom foi recebida à porta da casa de nosso entrevistado. O jornalista e escritor Airton Ortiz, de bermudão e chinelos confortáveis, recebeunos com o sorriso no rosto, mas quase irreconhecível sem o famoso chapéu estilo Indiana Jones, sua marca registrada. Nascido no interior de Rio Pardo e criado em Cachoeira do Sul, Ortiz é conhecido pelos livrosreportagem em que, com muito bom-humor e boas doses de indiadas, conta as aventuras que vive ao redor do mundo por meio de grandes pautas. Após quatro horas em um ônibus, – por si só uma indiada à parte –, finalmente nos sentamos confortavelmente em seu escritório para ouvir as histórias que o perito em indiadas havia reservado para o Unicom. Nesta entrevista, algumas destas, digamos assim, aventuras.
É um costume correr riscos em suas aventuras? Os outros foram riscos como acidentes junto ao ambiente selvagem. Escalar uma montanha, atravessar o deserto, atravessar a Amazônia ou cruzar na África por uma área selvagem. Eu fiz um livro que se chama “Na trilha da Humanidade”, em que fiz uma travessia do norte do Quênia para o sul da Etiópia. É uma região de conflito tribal de 500 quilômetros em que nem os exércitos queniano e etíope entram. Eu tinha que ir por ali porque havia um sítio
LIVROS
Em uma viagem pela América Central e México, Ortiz vai atrás dos mistérios de uma das civilizações mais avançadas do mundo. O livro busca traçar o caminho que levou o povo Maia a sua quase extinção. EM BUSCA DO MUNDO MAIA
arqueológico que eu precisava conhecer para o livro. Para cruzar esses 500 quilômetros tive que comprar um fuzil e contratar dois mercenários armados, que me deram cobertura e me escoltaram durante essa travessia. Ali foi muito tenso, porque se nós fossemos atacados a gente seria inimigo sempre, já que não éramos nem de uma tribo, nem de outra. E além disso eu tinha medo que os próprios caras que eu havia contratado para me dar proteção me atacassem. Então eu cuidava deles também. Mas no final deu tudo certo? Foi estranho porque depois de feita toda a travessia, eu cheguei no lago Turcana e fiquei hospedado em uma tribo em uma cabana feita de folhas de palmeira que não tinha porta. Eu dormia e deixava minhas coisas todas em cima de uma caminha que tinha ali do lado notebook, máquina fotográfica, gps; tudo coisas valiosíssimas. Uma noite entrou alguém lá e me roubou... os tênis. Tinha tudo para roubar e só foram os tênis. Porque para aquele povo naquela região, era só o que tinha valor.
Bom, entrando nos momentos engraçados. Qual foi a aventura mais divertida? Eu diria que as viagens de ônibus pelo interior da Guatemala quando eu fui escrever “Em busca do mundo Maia” foram as mais engraçadas. Eles ganham do governo americano aqueles ônibus escolares amarelos, e eles colocam os ônibus em uso assim como chegam. A única coisa que eles acrescentam são as coisas importantes para eles. Então às vezes eu entrava naqueles ônibus e tinha um aviso grande no painel dizendo “Don’t stop on the street” e embaixo o cara botou “Viva Nossa Señora de Guadalupe”. (risos) Então esse choque de visões de mundo é encantador. Os americanos apelidaram aquele ônibus de “Chicken bus”, porque os caras carregam de tudo lá dentro, galinha, porco. É como se fosse um carro alegórico de carnaval andando por aquelas estradas, e uma salsa tocando a todo o volume dentro do ônibus. Você tem algum limite para suas aventuras? Tenho: o medo. É o melhor limite que a gente pode se impor, porque quando a pessoa tem medo, não corre riscos além do que possa controlar. A partir do momento em que passo a sentir muito medo de algo, é um aviso que devo começar a diminuir o nível da exposição ao risco, porque a nossa capa-
A obra narra uma expedição liderada pelo escritor gaúcho pelo Egito, desvendando os mistérios de uma cultura milenar com direito à viagens na garupa de camelos e descoberta de múmias milenares. EGITO DOS FARAÓS
cidade humana de controlar o medo tem um limite. A partir do momento em que o medo se transforma em pânico, a gente perde o controle da situação e aí o acidente é certo. Mas você não sentiu muito medo quando entrou no território em guerra? Senti muito medo. E isso não te parou? Não senti medo suficiente para me fazer entrar em pânico. Não perdi o controle da situação. Que tipos de situações você evita? O que mais me mete medo é o ser humano. O ser humano, quando em grupo, age de forma completamente irracional. E o que eu tenho mais medo nas viagens é de ser atacado pelas pessoas, e isso eu procuro controlar. Jamais deixei de ir num lugar porque a montanha é muito difícil, porque o rio é muito profundo, ou porque o deserto é muito longo; jamais deixei de entrar numa região porque tem muito leão, mas já deixei de ir a muito lugar porque tem muita gente.
Em uma viagem ao alto do Himalaia, o autor narra as experiências de choque cultural vividas entre os mundos oriental e ocidental, além da aventura da subida ao acampamento-base do monte Everest. NA ESTRADA DO EVEREST
Qual o momento mais memorável das suas viagens? Foi quando no Egito, eu abri uma tumba que ainda não havia sido aberta, com 25 múmias, do jeito que haviam sido colocadas ali, há 1200 anos. Eu estava atravessando o deserto do Saara e lá pelas tantas me disseram, em um oásis, que ali perto havia uma montanha que era uma necrópole e todas as tumbas que haviam naquela montanha haviam sido saqueadas. Mas os moradores achavam que tinha uma que ainda possuía múmias, mas eles tinham medo de se aproximar porque são muito supersticiosos. Eu fui lá. Fui abrindo as pedras, mexi, cavoquei, descobri aquela tumba intacta. Sem dúvida foi o momento mais memorável da minha vida até hoje. E você foi, afinal, amaldiçoado pelas múmias? Fui mas eu já passei adiante a maldição. E pode passar adiante? Pode. Tem uma situação muito peculiar, que dá para passar adiante. É o seguinte: se alguém se interessar pela história - porque eu peguei a maldição porque eu fui me interessar pela história deles lá né; a ponto de fazer essa pergunta para mim, a maldição passa pra quem perguntou.
Relato da vida em um dos países de mais difícil acesso do planeta. Ortiz, portando um visto falso, entra no Tibete para levar seus leitores aos costumes e crenças da terra dos dalailamas. PELOS CAMINHOS DO TIBETE
TRAVESSIA DA AMAZÔNIA
Então agora eu estou amaldiçoada? Mas agora tu já sabe, agora tu tens que passar adiante! (risos) E o que fez de mal pra você até agora? Pela nossa conversa acho que só trouxe coisas boas. É, até agora só aconteceram coisas boas... Bom, agora que a curiosidade já nos rendeu uma maldição egípcia, uma pergunta para encerrar. Qual é a próxima indiada? Agora no final de junho eu estou indo para Cuba. Eu quero escrever um livro sobre Cuba para os meus leitores saberem como realmente é lá, sobre o dia-a-dia dos cubanos. Vou ficar em Havana numa casa de família, pra escrever o que eles têm de bom e o que eles têm de ruim também. E quando você sabe que é hora de partir? Tenho um amigo que tem um critério para ir embora de um lugar e não ficar além do tempo devido. Ele diz que quando começa a achar as mulheres bonitas, está na hora de ir embora.
Ortiz embarca em uma viagem onde atravessa o continente do Pacífico ao Atlântico através dos rios amazônicos. Durante três meses ele visitou aldeias indígenas e povoados ribeirinhos, levando o leitor a uma viagem pela maior selva tropical do mundo.
Fotos Urgel souza
A primeira indiada a gente nunca esquece. Qual foi a sua? Acho que foi no Itaimbezinho. Eu fui com um grupo cruzar os canions e foi um terror. Levei uma mochila muito pesada, não estava preparado. A aventura, que era para ter demorado algumas horas, acabou levando mais de um dia. Tive que acampar e só fui sair de lá no dia seguinte.
Você admite em seus livros que gosta da adrenalina dos riscos. Esse lance de inusitado sempre dá certo? Às vezes há muitos riscos, como quando eu cheguei em Catmandu. Os chineses que ocupam militarmente o Tibete não me deram a permissão pra entrar lá. Eles não dão permissão para jornalistas estrangeiros. Em Catmandu, na capital do Nepal, fui abordado por um cara que disse que me colocaria clandestinamente dentro do Tibete e me acobertaria para eu ficar lá dentro o tempo que eu quisesse, desde que eu entregasse uma carta para um agente deles em Lhasa. Entrei no Tibete como clandestino, fiquei lá dentro um tempo, entreguei a carta e saí do Tibete com a resposta. Eu sabia que se fosse pego eu seria considerado espião e seria fuzilado.
AVENTURA NO TOPO DA ÁFRICA
Relato de uma viagem de 7.000 km pelo interior da África selvagem, culminando com a escalada do monte Kilimanjaro, na Tanzânia, a mais alta montanha isolada do planeta e ponto mais elevado do continente africano.
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Uma família, uma caminhonete e muitas histórias Por muitos anos, os Matos - avós, pais, filhos e netos - protagonizaram histórias tão desastradas quanto divertidas a bordo de uma caminhonete F75 Bruna wolff de Matos e, hoje, com as estradas relativamente boas, ir de Cachoeira do Sul até Canoas é fácil – não mais que duas ou três horas – na década de 70 isso poderia ser sinônimo de aventura. Ou de indiada, dependendo do veículo, nesse caso uma caminhonete Ford F75. O tal automóvel verde, usualmente, ia carregado de pessoas que iriam visitar parentes. A distribuição delas era mais ou menos assim: na frente iam Adão, Nana e a Vó Nada. Na parte traseira, Luzia, Helena, Eli e o Vô Tônio. Para o pessoal ir sentado, porém, era colocado, na parte traseira, um banquinho, solto mesmo, onde todos se acomodavam do jeito que dava. Luzia, Helena e Eli eram ainda crianças; ele, com 14 anos, era o mais velho. A caminhonete F75 era protegida atrás apenas por uma capota, ainda assim parcialmente. O calor era grande sob a lona. Sem contar que entrava pó pela abertura. Adão era o motorista, irmão das crianças que se aventuravam na traseira do veículo, filho de Vó Nada e Vô Tônio, e ainda marido de Nana. Naquele ano de 1976, ele levava todos ao aniversário de um ano de Marius, filho de sua irmã Lurdes.
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As aventuras de Bié A história de Clauber Azambuja, de Encruzilhada do Sul, é permeada por aventuras e por mais “sins” do que “nãos”, o que lhe complicou a vida em alguns momentos
Urgel Souza
O presente do menino seria uma forminha de ovos, que o Vô Tônio carregava em seu colo com muito cuidado. A viagem seguia bem, até a família aventureira chegar à Ponte do Guaíba. Tio Adão, sabe-se lá porquê, sem avisar ninguém, resolveu que faria as curvas da ponte sem reduzir a velocidade. Quando a caminhonete se aproximou da curva, o pessoal que estava bem acomodado na parte da frente, escutou um grito: “Tá virando! Se segurem!”. Resultado: o aniversariante ficou sem presente. A F75 não derrubou os que iam atrás, mas fez uma legítima omelete da lembrancinha de Marius. Fim da história? Nem pensar: já no
seu destino, coube aos viajantes limparem toda a caminhonete para que ela servisse de cama para a gurizada dormir. >>e vem mais Pelo que se sabe a volta foi mais tranqüila. Entretanto, se você pensa que esta foi a única indiada da família Matos está enganado. Aliás, viagens com histórias mirabolantes não faltam no seu repertório. Como aquela outra em que eles foram de F4000 para Tupanciretã, em 1980. O motivo da viagem, no entanto, era outro: um casamento na família. Eles resolveram que iriam chegar quase na hora do tal casório, para não atrapalhar em nada. Então, lá se foram eles: Adão, Nana, na frente, na
parte de trás Eli, Luzia, Helena, Vô Tônio e Vó Nada. A aventura duraria aproximadamente quatro horas e meia, pois era preciso passar por Santa Maria, e na época ainda era estrada de chão. A F4000, assim como a outra caminhonete, não era própria para uma família tão grande, porém não os impedia de viajar. O esquema da viagem era o mesmo: banquinho na parte de trás para todos poderem viajar. Dessa vez, tudo transcorreu normalmente, nada de curvas, ovos quebrados, ou banquinho virado. Só um detalhe atrapalhava: o pó. Era tanto pó que entrava por aquela capota, que a Vó Nada resolveu colocar um lenço amarrado no rosto, deixando só os olhos
de fora, nem ela nem os outros poderiam se sujar, pois estavam prontos para o casamento. Chegando em Tupanciretã, desceram da caminhonete e começam a rir. A única que não ria era a avó: só estava com os olhos de fora, o resto era coberto pelo pó. Resultado da nova indiada: as roupas foram batidas e colocadas ao sol. Não havia tempo para lavá-las e eles tiveram que tomar banho muito rápido para não se atrasarem para o casamento. E durante muito tempo foi assim: uma família e uma caminhonete. A receita certa para muitas viagens engraçadas, desastradas e longas.
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le se define como “um cara desorganizado a fim de viver a vida”; “um cara que não sabe dizer não”. Talvez o sim mais relevante de sua vida seja o do dia do casamento. Acontecimento que mexeu com Encruzilhada do Sul. Uma cerimônia com ares místicos, inspirada na cultura indiana. O local do evento foi a simbólica Fonte do Pedroso. No século passado, era lá que Farrapos e cruzadores paravam para descanso e beber água fresca; um lugar lendário para a comunidade local. Às 22 horas do dia 22 de outubro de 2004 estava tudo pronto. As comidas, os trajes, a autoridade religiosa, os noivos, a decoração, a iluminação. Todos os ingredientes para um final feliz, não fosse por um detalhe: o casamento era de mentirinha. Pura jogada de marketing. Clauber Azambuja, o “Bié”, realizava um evento em Bagé no ano de 2003 quando conheceu aquela que viria a ser sua esposa. Os dois ficaram juntos durante algum tempo e surgiu então a idéia de fazer um casamento ao ar livre. O amigo Tuca Maya motivou o casal e complementou: “Um casamento indiano”. Imediatamente partiram a Porto Alegre para comprar todos os ingredientes da cozinha indiana e itens do vestuário – nem havia novela da Globo com essa temática ainda. Era período eleitoral. Clauber “Bié” era candidato a vereador pelo PTB. Não havia muito dinheiro disponível na campanha e era preciso uma
jogada que alavancasse a carreira política dele de um modo rápido e barato: “Imagina: a gente ganhou apoio do partido, com santinhos e tal. E se ganha a eleição com essa história do casamento?”, questionava ele. Tuca e Bié contataram a imprensa regional e a cerimônia tinha todos os indicativos de que seria um bom empurrão para a campanha. Uma semana antes das eleições, Bié casou com a tal moça. Ao som de fogos de artifício, cerca de cem pessoas compareceram à Fonte do Pedroso. Entre elas, a sogra, que veio de Bagé acreditando que o casamento era real. Ela gostou da festa, mas nunca deu confiança
a Bié. A “brincadeira” envolveu um padrinho de luxo, o atual prefeito, e um fim de semana no Conceição Palace Hotel (com a sogra no mesmo quarto dos noivos). “Eu persuadi uma pessoa a casar comigo e ela – a noiva – me persuadiu a casar sério”, lembra Bié. O casamento durou pouco. Cerca de meio ano. Só que nesse tempo nasceu Gabriela, sua única filha. “A gente deu uma namoradinha. E foi aí que veio a minha filha”, sorri “Bié”. A surpresa prolongou a convivência do casal por mais meio ano. Clauber Azambuja seria um vereador que desenvolveria projetos na área da assistência
social. Sim. Seria. Porque a armação do casamento como forma de marketing político não deu certo. Aliás, nem um pouco certo: foram apenas 23 votos para o candidato petebista. O encruzilhadense Clauber Azambuja nasceu em 1979. E desde a adolescência, o sim sempre ditou sua vida. Definitivamente, ele não sabe dizer não. Além do casamento frustrado, Bié disse sim para muitas outras circunstâncias inusitadas que a vida lhe apresentou, mas esta já é outra história.
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Aperto pouco é bobagem
E quando o socorro precisa de ajuda?
O que era para ser uma temporada divertida na praia acabou se transformando em uma prova de resistência para uma turma de Candelária Gabriela Brands que pode dar errado quando alguns amigos de longa data, repletos de boas intenções, resolvem passar dez dias curtindo a praia de Capão das Canoa e, de quebra, o Planeta Atlântida? Tudo, caso a única opção seja ficar em um apartamento JK, daqueles bem pequenos, mesmo que o aluguel tenha sido por um imóvel maior. Quem conta esta indiada vivida pela turma de Candelária é a estudante de Publicidade e Propaganda Gabriela Vasconcellos. O principal problema, segundo ela, foi a falta de planejamento da galera. “Tudo foi resolvido meio em cima da hora, não tinha mais nada pra alugar, e a gente queria achar um lugar barato”, conta. Até aí, tudo bem: acharam e pensaram que estavam realmente com
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O que era para ser uma viagem de consolo a uma amiga que perdera a mãe acabou de forma complicada para uma família de Carazinho; ao final, tudo ficou bem sorte. O apartamento ficava no Centro de Capão da Canoa, pertinho da praia, e ia custar a bagatela de trinta reais por dia, para cada um deles. A viagem de Candelária até Capão da Canoa foi feita de ônibus. Cerca de cinco horas separavam Gabriela, Morgana, Maiara, Cássio, Caio e Andrius das férias dos sonhos. Chegando ao apartamento, a primeira decepção. “Era minúsculo! Pensa num quadrado, com dois sofás, onde só cabia mais um colchão de casal, uma cozinha, que nem dava pra usar direito, num canto, e um banheirinho. Era assim.”, lembra Gabriela, rindo. Caio Volemberg, conhecido entre os amigos como Baique, concorda, dizendo que mal cabiam duas pessoas naquele espaço. Mas como eles eram jo-
vens e estavam na praia, o susto devido ao pequeno apartamento ser bem menor do que o esperado passou em alguns minutos. Outras preocupações tomaram conta do pessoal, no entanto. Como seis pessoas iriam dormir ali? Depois de muita briga, encontraram uma solução. “A gente resolveu fazer um rodízio. Um em cada sofá, quatro no colchão de casal; essa ordem ia mudar todo dia”, conta Gabriela. Alem disso, como cozinhar naquele lugar? “Ah, essa parte foi fácil. Tinha um restaurante barato na frente do prédio,” diz Caio. Na semana que antecedeu o Planeta Atlântida, motivo principal da turma estar em Capão, os dias eram quase todos iguais. “A gente acordava sempre cedo e ia para a praia”, lembra Gabriela. Mas havia meninos e meninas dentro do cubículo, e isso
sempre dava problemas. Ela conta que, até então, ela, Morgana e Maiara acreditavam que os guris não entendiam ou não reparavam nos defeitos que quase toda mulher tem, como estrias. “Eram engraçadas as observações que eles faziam, coisas do tipo: ‘Ah, aquela lá sentou na brita!’ Se referindo as celulites das moças”, lembra Gabriela. Ela ainda completa dizendo que ninguém escapava do julgamento feito pelos meninos. Depois do dia de sol e água salgada, a noite sempre acontecia no Centro de Capão da Canoa e era regada a cerveja e capetas, dos mais diversos sabores e misturas. Na verdade, é só disso que eles lembram. “Depois do segundo ou terceiro capeta a memória fica fraca e a gente esquece o que acontece”, Acervo Pessoal
argumenta Gabriela. A semana acabou e os últimos dias de praia prometiam ser os melhores; era final de semana de Planeta Atlântida. Mas, segundo Gabriela, as gurias logo resolveram que não queriam ir com os guris para o Planeta, para não queimar o filme. “A gente queria ir sozinha, pra conhecer outros guris, e se fôssemos com eles iria ficar mais difícil, entende?”. Na verdade, o clima dali para a frente ficou cada vez mais pesado. Tanto que eles também começaram a brigar com elas e, no primeiro dia do Planeta, deixaram as meninas do lado de fora do apartamento. “A gente nem tinha se arrumado ainda, tivemos que pegar um ônibus até Atlântida para pegar a chave, voltar e depois ir de novo. Deu tanta raiva que quando encontrávamos com eles no Planeta a gente fazia de conta que nem os conhecia e eles faziam o mesmo” explica a estudante. A volta pra casa foi tranqüila e todos juram que aprenderam a conviver melhor depois disso. Mas nunca mais foram à praia juntos.
Da direita pra esquerda: Gabriela Vasconcelos, Andrius Machado, Morgana Rohde e Caio Wolemberg
Fernanda Zieppe
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m velório, um acidente e um gemido são os ingredientes de uma história ocorrida em setembro de 2008 e que até hoje arranca boas gargalhadas de um grupo de amigas de Carazinho, no Norte do Estado. Isso mesmo que o velório fosse da mãe de uma delas, o acidente fosse com elas e o gemido tenha sido uma espécie de pedido de socorro do pai de uma delas. Passava do meio-dia de sábado, 28, e o telefone celular de Laura Petry não parava de tocar. Oito, dez, doze chamadas depois ela acordou. Mesmo assim, demorou para retornar às chamadas e somente no fim da tarde descobriu que a mãe de uma amiga havia morrido. Laura era colega de Franciele no curso de Fisioterapia da Universidade de Passo Fundo (UPF). O velório da mãe da amiga seria em Colorado, cidade natal das duas, a 30 quilômetros de Carazinho. O enterro estava marcado para as 9 horas do dia seguinte e Laura convidou Michele para a viagem. Como Michele não pôde ir junto, Laura convidou então a cunhada, Gabriele Severo. Laura e Gabriele deixaram Carazinho em direção a Colorado sem se dar conta da chuva que estava por vir. Era fim de tarde e o temporal as alcançou. Chegaram em Colorado e, junto com elas, a dúvida: onde é o velório? Não foi difícil descobrir o lugar. Difícil foi a volta
para casa. A esquife ainda não havia chegado, já começava a escurecer e elas, depois de alguns minutos, decretaram: hora de retornar. Tripulando uma picape S10, Laura e Gabriela não estavam nem no meio do caminho quando uma vibração e um grito mudaram o rumo da viagem. Laura perdeu o controle da caminhonete e entre a rodada sobre a pista e o barranco onde a picape foi parar depois da capotagem só houve tempo de gritar. Com as portas emperradas, a motorista conseguiu saltar pelo vidro de trás de S10, voltar para a estrada e pedir socorro. Veio o primeiro carro e nada. Passou reto. Apavorada, Gabriele insistiu com a buzina e o motorista decidiu voltar. Os tripulantes do carro ajudaram ela a sair da picape e ficaram Acervo Pessoal
no local até a chegada da polícia. Pensaram em chamar os pais de Laura – e donos da S10 –, mas acharam melhor não assustá-los. A saída foi acionar, pelo celular, o irmão dela, Rafael, namorado da outra vítima do acidente. Ainda com fala assustada, Laura explicou para o irmão que ela e Gabriele haviam sofrido um acidente, que estavam bem e precisavam de ajuda. Mas que não era para avisar aos seus pais. “Não é pra assustar eles, até porque estamos sem um arranhãozinho para contar a história”, insistia pelo telefone. Pedido atendido, Rafael disfarçou e se preparou para ajudá-las. Ele estava saindo quando seu Ivanor, o pai, desconfiou que algo estava errado.
Os três chegaram e se abraçaram como há tempos não faziam. Veio o choro de felicidade e em seguida a dúvida: o que fazer agora? Desvirar a picape e tentar levá-la dali ou chamar um guincho? Tio Iva suspendeu a discussão e decidiu sinalizar o lugar: subiu o barranco para apanhar galhos que fariam a sinalização e, antes de colocá-los sobre o asfalto, sumiu. Esposa, filhos e futura nora perceberam e começaram a chamar por ele. E nada. Tão apavoradas quanto no momento do acidente, Laura e Gabriele ouviram um gemido. O pedido de socorro vinha de dentro de uma vala.
Tio Iva foi encontrado dentro de um buraco, herança de uma obra para construção de uma tubulação às margens da rodovia. Socorrido pelo filho, tio Iva precisava de ajuda. Saiu de casa para auxiliar a filha e acabou indo parar no hospital. Na queda ele rompeu os ligamentos de uma das pernas e chegou até a fazer uma cirurgia. Tio Iva ficou com a perna engessada e em repouso durante um mês. A filha e a nora sem um arranhão para contar a história.
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Uma lua-de-mel inesquecível Amigos passaram dez dias em um camping, acompanhando um casal que recém havia se casado; ao final, todos foram felizes. Ou quase... Márcia Müller maioria das mulheres tem um sonho em comum: casar de véu e grinalda e ter uma lua-de-mel romântica, de preferência num lugar lindo e maravilhoso, como Serra gaúcha, lindas praias e até mesmo no exterior. Mas se a lua-de-mel não for nada disso, e, pior, num camping, numa barraca e na companhia de amigos do noivo? Isso ocorreu em 1979, na praia de Capão da Canoa, Litoral Norte gaúcho, entre amigos da cidade de Agudo. Paulo e Rosa Maria casaram– se em fevereiro, na localidade de Rincão do Pinhal, interior de Agudo. Mas o que não se esperava é que Paulo convidaria os seus melhores amigos: Luiz, seu irmão, e seus primos Auro, Beto e sua esposa, Carmem, para também participarem da lua de mel. Após o casamento, Paulo e Rosa Maria partiram para Cachoeira do Sul, onde passariam duas noites a sós. Na segunda, de madrugada, Auro, Luiz, Beto
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e Carmem saíram de Agudo e se encontraram com os noivos em Cachoeira. Partiram às 5 horas da manhã com destino a Capão da Canoa. Os casados seguiram em um fusca e os amigos em um corcel GT. Nos porta–malas dos carros muita bagagem, pois ficariam dez dias. No corcel, além das malas, a barraca e 196 latas de cerveja. Sem parada até Capão da Canoa, chegaram perto do meio–dia no camping Araçá, onde ficariam hospedados. A barraca era enorme, tinha três cômodos: dois quartos e uma sala, o que dificultou a montagem da mesma. Assim, tiveram que pedir ajuda para os vizinhos. Enfim instalados, começaram a arrumar a “casa”. Cada
casal ficou com um quarto e os dois amigos com a cozinha. Em casamento do interior, ainda mais se for de alemão, sempre sobram cucas e lingüiças, o que, geralmente, os noivos levam para casa. Como nesta ocasião, os protagonistas foram para a praia, levaram junto as sobras. Estenderam um barbante na cozinha da barraca e penduraram as lingüiças num varal improvisado, para secar. Quando a fome apertava era bem prático: só pegar uma faca e cortar um pedaço. No terceiro dia, a barraca recebeu mais dois hóspedes: eram os pais do noivo. À noite, dormiram os quatro enfileirados na cozinha: Auro, Luiz, Aldemar e Arnilda e com o
“aroma” das lingüiças. No dia seguinte, Aldemar e Arnilda foram para uma casa alugada, mas, em compensação, chegou mais uma casal, primo do noivo, Ilson e Lurdes. A noiva, Rosa Maria, estava muito furiosa, pois não seria mais uma luade-mel e sim um acampamento de amigos. Durante os dez dias muitas histórias: Paulo, Auro, Beto, Luiz e Ilson começaram a desafiar todo grupo que encontravam para jogar futebol de areia. Até contra um grupo de argentinos jogaram. Eram craques, ganhavam todas. Teve temporal em que a barraca quase levantou vôo. Se não fosse cada um segurar em uma ponta a casa levantaria.
Os dias foram passando e as 196 latinhas terminando. Cada vez que o faxineiro ia recolher o lixo, ele dizia ironicamente: “Só guaraná”. No final, o funcionário do camping ganhou até umas lingüiças de presente. As responsáveis pelo almoço eram sempre as mulheres, mas um dia foram às compras. Auro e Luiz ficaram responsáveis pela comida, resolveram fazer uma feijoada. Detalhe: nunca haviam feito o prato. O que era para ser mais uma indiada, acabou sendo um almoço de lamber os beiços e elogios até hoje de quem o saboreou. Foram dez dias inesquecíveis, que até hoje são comentados quando todos se reunem. Rosa Maria, muito brava pelo acontecido, acabou perdoando e também se diverte com aquele legítimo programa de índio. Depois disso, houve vários acampamentos como esse, mas nunca mais uma lua de mel.
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Quer conhecer os EUA? Vá de bicicleta! Miguel Lawisch, 43 anos, estava cansado de viagens curtas, como as que fez à Argentina e ao Chile; então um dia resolveu conhecer a Califórnia. Pedalando Daniele horta
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ara Miguel Lawisch, 43 anos, indiada pouca é bobagem. Quando tinha 25 anos de idade, já acostumado a percorrer “pequenos” trechos de bicicleta, tipo de Santa Cruz do Sul até o Rio de Janeiro; ou talvez uma “rápida” visita aos países vizinhos, caso da Argentina e do Chile, ele decidiu ir mais longe. Para divulgar o ciclismo na região, nosso personagem decidiu que pedalaria sozinho de Santa Cruz do Sul até a costa oeste dos Estados Unidos. Logo ali. Mas decidir foi a parte fácil: ele acabou descobrindo que chegar lá seriam outros quinhentos. Mesmo de bicicleta, uma viagem desse porte requer dinheiro, uma vez que nem só de suor e sol a pino na cabeça vive nosso aventureiro. A busca por patrocínio foi em vão. “Não consegui nem um parafuso”, afirmou Lawisch. Uma empresa transportadora que já o ajudara em outras aventuras se solidarizou. O dinheiro oferecido renderia apenas alguma alimentação diária, mas já era alguma coisa. No dia 24 de agosto de 1991, munido de uma bicicleta Pegeout 10 marchas, algumas peças de roupa, barraca, saco de dormir e muita água, nosso aventureiro partiu rumo ao litoral brasileiro. Ele percorreria toda a costa até chegar à Venezuela, de onde seguiria rumo ao norte. Nas despedidas, adiantou para a mãe: “Eu vou fazer uma coisa que eu gosto, se der um problema pelo menos eu estou me realizando. Então se por acaso eu morrer, fazer o que né?”. O jovem não morreu, e adotou com orgulho seu endereço ambulante. “Às vezes parava num lugar para descansar e deixava a bicicleta pra tirar uma soneca, acordava, via a bicicleta e parecia que eu estava em casa.” Ele não sabia onde estava, mas o fato de ter a bicicleta ao seu lado o deixava bem.
Para economizar o pouco dinheiro que recebeu, dormia em quartéis de bombeiros, postos policiais e de gasolina. A empreitada de treze meses custou na época dois mil e quinhentos dólares. As roupas? Eram lavadas em pias de banheiro de postos de gasolina. E o banho, nem sempre era possível. “Mas no máximo era uma noite sem banho. Mais que isso não dava porque tu não agüentava. Era horrível quando não tinha água nos lugares, mas eu me atirava no primeiro riacho.” A jornada pelo litoral até Belém, no Pará, somou quatro meses e 7.400 quilômetros. De Belém foi de avião para Manaus, no Amazonas. Para atravessar a floresta Amazônica até Roraima, Lawisch precisou pegar carona com a polícia rodoviária. “Eu sou louco, mas nem tanto. Cruzar toda a selva sozinho de bicicleta não é impossível, mas é bem arriscado.” De lá o destino era a Venezuela. Mas quando ia deixar a pátria, garimpeiros derrubaram um avião brasileiro no limite entre os dois países e um problema diplomático fechou a fronteira. “Quando a coisa estava normalizada, o Chavez (Hugo Chavez), que na época era do exército, tentou dar um golpe militar e pronto! Fechou a fronteira de novo.” Dois meses e meio depois, o ciclista finalmente iniciava a segunda etapa da jornada. Assim, rumou, através da Venezuela e Guatemala, para a América Central. Os altiplanos foram seu maior desafio. Mesmo com as chuvas de granizo e grandes altitudes, Lawisch garante que não caiu a viagem toda. Ele relembra com entusiasmo da aventura pela Costa
Rica, onde os 3.400 metros de altitude lhe tomaram o fôlego e ele teve de apelar para a carona. “O cara queria me deixar lá embaixo da próxima cidade e eu disse ‘não, não! Me deixa no topo que na descida todo o santo ajuda’.” Rumo ao Panamá, outra vez precisou de avião. Não existiam estradas por questões de controle de fronteira. E lá se foram 55 almoços na passagem. Sim, como o dinheiro era escasso, todos os seus cálculos eram feitos na base de quantos almoços custariam. “Era o meu prato principal. Sem almoço eu não podia seguir adiante, eu precisava de uma refeição boa pra me manter pois é muita energia gasta.” Entre Venezuela e México cinco meses se passaram e sua estada na terra da tequila foi de dois meses. E então Lawisch finalmente adentrou seu destino. No deserto do Arizona, por onde entrou nos Estados Unidos, enfrentou temperaturas de até 40 graus. “O jeito era pedalar à noite, do meio-dia às 5 horas (da tarde) tinha que parar”, reclamou. Além de precisar improvisar roupas térmicas e maiores provisões de água, os imprevistos não deixaram de acontecer. “Chegou um dia que dizia no mapa que tinha uma área de descanso na freeway só que eu cheguei lá e não tinha água na torneira. Aí a coisa ficou problemática. Tive que mostrar a garrafinha vazia de água na beira da estrada para
alguém parar e me dar água.” Apesar dos contratempos, seu maior empecilho foi outro “O que me freou um pouco foi esse baita inglês de colégio que eu tinha”. Mas nada que a linguagem universal do sorriso no rosto e mãos abanando não pudessem superar. Lawisch sonhava em comprar uma bicicleta de competição, e com o dinheiro poupado, conseguiu adquirir um modelo usado por 550 dólares. “E não é que me roubam? Na Universidade do Arizona, eles ensinavam português também, e um dia fui lá pegar uns endereços, fiquei uns 5 minutos. Quando voltei lá, se foi minha bicicleta. Se foi meu sonho.” A notícia se espalhou, e dois dias antes de uma prova tradicional da cidade, Lawisch foi chamado à uma rádio local onde ganhou uma bicicleta novinha. “Ainda bem, né?” Afinal,
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após tantas aventuras e alcançando Los Angeles, chegou a hora de ir para casa. Trazendo na mala não muito além de bicicletas e na mente muitas boas lembranças, Lawisch retornou ao Brasil. Passados 18 anos de sua viagem, no rosto o sorriso inocente de menino ainda deixa vir à tona as emoções de uma indiada inesquecível. Para Miguel a viagem não foi longa. Teve a magnitude de um sonho realizado. “Trouxe a bicicleta velha, a nova e uma outra que eu acabei comprando. Eu vim sem dinheiro mas vim com três bicicletas.” Finalizou todo prosa.