CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS SISTÊMICAS E BUCAIS DE LESÕES DECORRENTES DO TRATAMENTO DE QUIMIOTERAPIA EM PACIENTE COM DIAGNÓSTICO TARDIO DE CÂNCER DE MAMA
Dulce Helena Cabelho Passarelli*
*Docente UNICID , UMESP E UNIBAN Mestre em Odontologia (Laser) Estomatologista e Patologista Bucal
Introdução Recentemente, têm-se acompanhado o aumento no número de casos de osteonecrose bucal, motivando a realização de estudos que tem como objetivo identificar suas possíveis causas e formas de tratamento. A osteonecrose é uma doença caracterizada pela morte das células ósseas, causada pela interrupção do fluxo sanguíneo local (KYLE, 2000). Estatisticamente, os locais mais comumente afetados são quadris, joelhos, ombros e tornozelos, nessa ordem de freqüência, mas a osteonecrose pode atingir qualquer osso do corpo humano (MIGLIORATI et al, 2005 apud GRIPPO, 1991). Podemos classificar a origem da osteonecrose em dois grandes grupos: locais ou sistêmicos. A osteonecrose de origem local ocorre após a incidência de uma fratura ou deslocamento do osso (MIGLIORATI et al, 2005 apud CHEW, 1996).Por outro lado, a osteonecrose decorrente de fatores sistêmicos ocorre com maior freqüência em pessoas com histórico de alto consumo de álcool, fumo e altas dosagens de corticóides (BORJAILLE et al, 2006).
No caso da osteonecrose bucal, os fatores de risco sistêmico identificados são: câncer da mama, pulmão ou próstata, com metástase óssea; mieloma múltiplo; e uso intravenoso de bifosfonatos como pamidronato e ácido zoledrônico. (RUGGIERO et al, 2004 apud HILLNER et al, 2000 e BERENSON et al, 2002). Os fatores de risco local são: extrações dentárias, manipulação óssea cirúrgica, trauma causado por próteses, presença de infecção oral e má saúde oral (American Dental Council on Scientific Affairs, 2006). No universo dos fatores de risco sistêmico, pesquisas recentes (BORJAILLE et al, 2006) nos indicam que o tratamento com bisfosfonato pode ser o grande responsável
pelo aumento do número de casos de osteonecrose bucal. Os bifosfonatos são medicamentos utilizados no tratamento da osteoporose, da patologia óssea e de hipercalcemia da doença óssea de Paget, assim como em pacientes com câncer da mama e próstata com metástase óssea e mieloma múltiplo, a fim de controlar a perda óssea resultante de lesões esqueléticas metastáticas (BORJAILLE et al, 2006). Possuem grande afinidade com o cálcio e são rapidamente incorporados à matriz mineral dos ossos, podendo manter-se no organismo por diversos anos (MIGLIORATI et al, 2005). Durante o processo de reabsorção óssea, os bisfosfonatos são liberados e incorporados pelos osteoclastos através de fagocitose, provocando a apoptose destas células (MIGLIORATI et al, 2005). Devido ao aumento na prescrição de tais medicamentos, não somente para casos de controle de metástases ósseas, como também em casos de osteoporose; têm-se observado um aumento na incidência de osteonecrose bucal. Frente a esse quadro, torna-se necessária a realização de estudos que relatem as manifestações bucais relacionadas a esta patologia, para que cada vez mais os profissionais da área odontológica estejam aptos a diagnosticar suas manifestações clínicas e radiológicas, uma vez que estas são fundamentais para a prevenção da osteonecrose bucal, tendo em vista que causam muitas vezes a perda do osso envolvido.
Relato de caso clínico O presente trabalho relata um caso clínico de uma paciente com diagnóstico tardio de câncer de mama, inoperável, em tratamento com quimioterapia. A mesma compareceu ao serviço de Estomatologia da unidade básica queixando-se de "enformigamento" em região anterior inferior de mandíbula. À
anamnese relatou ser portadora de câncer de mama em tratamento quimioterápico e que comparecia diariamente à unidade para troca de curativo nas mamas. Ao exame clínico geral notou-se aumento do volume de membro superior direito e presença de lesões fúngicas em nariz, olhos e boca. Em virtude do avançado estágio de infiltração da neoplasia, havia na região de mamas retração dos mamilos e presença de úlcera crateriforme na região central do tórax. Ao exame intrabucal presença de candidíase em língua e palato. Na região anterior inferior, área edentada e, à palpação, ausência de sinais flogísticos, porém com sensação de parestesia. A paciente foi medicada com anti-inflamatório (Diclofenaco Potássico-8/8 horas por 05 dias),com objetivo de diminuição do desconforto em relação à parestesia em face e com anti-fúngico (Nistatina- solução oral ) . Submeter-se a bochechos com a solução 03 vezes ao dia por 10 dias,como prova terapêutica para candidíase. Foi solicitada radiografia panorâmica e pedido de retorno em 07 dias. À imagem radiográfica revelou imagem sugestiva de lesão radiotransparente em corpo de mandíbula na região de molares inferiores do lado esquerdo sugestiva de osteomielite pelo uso da medicação, portanto osteonecrose. Em função do regular estado geral da paciente, com quadro de anemia pelo uso da quimioterapia, candidíase em mucosa nasal e ocular, imunidade deficitária não foi possível a remoção cirúrgica do fragmento ósseo naquele momento. Indicou-se o controle periódico clínico e radiográfico, até que o quadro sistêmico atingisse níveis aceitáveis de imunidade. Foi recomendada a melhora da higiene bucal e a tentativa de manutenção de alimentação equilibrada, pois a mesma também relatava dificuldade na digestão de alimentos pelos enjôos provocados pela quimioterapia.
Os retornos foram em 04 sessões e a melhora do quadro bucal foi atingida, a remoção cirúrgica do fragmento dar-se-á a posteriore, quando houver elevação da resposta imunológica. Vista da paciente no exame geral com evidências
clínicas
de
mastectomia
bilateral recente e áreas em reparação na região de mediastino.
Imagens de exame físico extra e intrabucal Candidíase nasal e condições dentais precárias.
Radiografia panorâmica e observação de regiões radiotransparentes em corpo de mandíbula do lado esquerdo compatíveis com necrose óssea.
Discussão Os resultados positivos apresentados pelos bifosfonatos no tratamento de osteoporose, mielomas múltiplos e metástase óssea aumentaram o número de prescrições, porém a comunicação sobre o risco do desenvolvimento de osteonecrose bucal não acompanhou essa evolução (RUGGIERO et al, 2004 e ABU-ID et al, 2007). Apesar de não existir um estudo conclusivo sobre a exata correlação entre a utilização de bifosfonatos e o desenvolvimento de osteonecrose bucal, as pesquisas realizadas nesta área apresentam evidências que o risco existe, porém ainda não foi dimensionado (RUGGIERO et al, 2004 e ABU-ID et al, 2007). De acordo com a análise da literatura existente, pessoas com as características abaixo possuem risco altíssimo de desenvolvimento de osteonecrose bucal:
Existência de câncer ou mieloma múltiplo (MIGLIORATI et al, 2005 apud GRIPP, 1991).
Submetidas a tratamento com bifosfonato ministrado por via intravenosa ou por um período maior do que um ano (RUGGIERO et al, 2004).
Com histórico recente de procedimento odontológico (extração ou pequena intervenção cirúrgica) (American Dental Council on Scientific Affairs, 2006).
Esta constatação não elimina o risco do desenvolvimento de osteonecrose bucal em pessoas sob tratamento com bifosfonato, por via intravenosa ou oral, mesmo que em um período de tempo menor do que um ano. Tais resultados, associados à dificuldade de se identificar o início do desenvolvimento da osteonecrose bucal, nos remetem à necessidade de divulgação dos riscos potenciais do tratamento com bifosfonato.
Desta forma, a inclusão de informações mais específicas sobre essa complicação potencial na bula dos medicamentos deve ser adotada como regra para todos os fabricantes de bifosfonatos. Adicionalmente, os profissionais da área da saúde, envolvidos no tratamento de pessoas com câncer, mieloma múltiplo ou osteoporose, que prescrevem bifosfonatos, devem informar a seus pacientes quais os riscos envolvidos e formas de minimizá-los. Preferencialmente, e dentro da possibilidade de cada um, deve ser realizada avaliação odontológica por cirurgião dentista que conheça as complicações decorrentes da evolução do quadro de osteonecrose bucal, a fim de identificar possíveis procedimentos odontológicos a serem realizados antes do início do tratamento com bifosfonatos. Propomos, através deste trabalho, a inclusão de questões relacionadas a tratamento com bifosfonato na anamnese, além de inclusão do tema no curso de Odontologia. Através desta ação, os cirurgiões dentistas terão condições de identificar a necessidade de procedimentos específicos para pacientes submetidos a tratamento com bifosfonato, preferencialmente utilizando as recomendações da American Dental Association Council on Scientific Affairs, evitando complicações decorrentes da evolução do quadro de osteonecrose bucal, zelando pela saúde bucal e geral de seus pacientes.
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