5º Semestre
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Autora: Karine Araújo Silveira
APRESENTAÇÃO Autora: Karine Silveira
Você se lembra do seu professor de alfabetização? O professor de alfabetização é frequentemente o mais forte na lembrança das pessoas. Ele é responsável por inserir as crianças e/ou adultos no universo mágico das letras. Letras que nos apresentam as primeiras revistinhas em quadrinhos, as receitas de bolo da vovó, as listas de compras, as cartas de amor, as grandes obras da literatura nacional e internacional. Letras que nos fazem conhecer o nosso mundo e os mundos além das nossas fronteiras. A alfabetização é o princípio do longo processo de escolarização, mas, principalmente, é o início de uma eterna caminhada em busca de uma sociedade plenamente letrada, composta por cidadãos que, além de saber ler e escrever, utilizam-se dessas habilidades no dia a dia. Uma sociedade em que os indivíduos são capazes de lutar pelos seus direitos, como Paulo Freire sempre sonhou, bem como cumprir com as demandas sociais e profissionais, cada vez mais complexas em uma sociedade industrializada e tecnológica como a nossa. O ensino da escrita e da leitura sempre foi um desafio para muitas sociedades e um problema para países subdesenvolvidos ou com problemas em seu sistema de educação, como o Brasil. Muitos foram os métodos, sintéticos, analíticos, globais, que passaram pelas salas de aula brasileiras. No entanto, o analfabetismo continua apresentando-se em taxas consideradas altas. Tais índices tornam-se ainda mais altos, quando se considera as pessoas que aprenderam a ler e a escrever, mas não estão aptas a utilizar essas habilidades nas práticas sociais de letramento. São os chamados analfabetos funcionais. A disciplina Alfabetização e Letramento tem como objetivo principal contribuir para a sua formação em Pedagogia, fornecendo informações que promovam uma prática pedagógica efetiva dentro das concepções e práticas de Letramento. O presente material está dividido em nove aulas que abordam os seguintes assuntos: Analfabetismo no Brasil; Conceitos, métodos e história da Alfabetização; O que pensam Piaget, Vygotsky, Paulo Freire e Emília Ferreiro sobre a aprendizagem da escrita; Construção da consciência fonológica; Leitura; Letramento e Distúrbios de Linguagem. Os conteúdos que serão aqui contemplados devem ser considerados o estopim para novas pesquisas a serem realizadas por você agora e ao longo da sua jornada como Pedagogo(a). Seja bem-vindo(a) e sinta-se convidado(a) a refletir sobre os conteúdos que, a partir de agora, você começará a ler.
Até a Aula 1.
Autora: Karine Silveira “(...) se a escola não alfabetiza para a vida e para o trabalho (...) para que e para quem alfabetiza? (FERREIRO, 2002, p. 17)
Olá, querido(a) aluno(a),
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AULA 01 – ANALFABETISMO NO BRASIL
Seja muito bem-vindo(a) à nossa primeira aula. O objetivo desta aula é conhecer o cenário da Alfabetização no Brasil, refletindo, principalmente, sobre questões referentes aos altos índices de analfabetismo. Há muito tempo vem sendo um desafio para o nosso país.
O processo de aquisição da fala pelas crianças é uma delícia. Com frequência, ouvimos frases como essas, produzidas por crianças em fase de aquisição da fala:
“batata” para Batman. (1;5); “bote bote o pacacete” para Bote, bote o capacete. (1;6); “eu já fazi isso” para Eu já fiz isso (2;8); “esse é melhor macio quando o de Kika” (3;8) para Esse é mais macio que o de Kika, comparando o pelo do coelho com o de sua cachorrinha.
Essas frases, aos poucos, ficam no passado e as crianças vão estabelecendo novos desafios, como por exemplo: a conquista das letras. Elas têm objetivos claros; querem ler as revistas dos seus ídolos: Homem-aranha, Batman, Ben 10, Turma da Mônica e todos os outros que fazem parte do seu mundo. Além disso, querem saber como medir o tamanho das coisas e como contar as moedas que ganham dos familiares. Decididamente, elas sabem o porquê do seu processo de alfabetização. Talvez por esse motivo, festejem muito cada vitória.
Por que será que a Alfabetização é um processo tão prazeroso para alguns e tão doloroso para outros?
SOCIEDADE, CULTURA ESCRITA E ANALFABETISMO A linguagem oral é completamente natural aos seres humanos. Qualquer criança, desde que disponha de condições biológicas e sociais adequadas, é capaz de aprender a falar a língua à qual está sendo exposta, a língua da sua comunidade. (ANDRADE; AZEVEDO, 2010) Ainda que a nossa sociedade seja impregnada de atividades que envolvem a
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escrita, seu aprendizado não é natural como a fala. É necessário que a escrita seja ensinada. Quando a criança inicia o processo de alfabetização, já é um falante totalmente capaz de entender e falar a língua portuguesa nas circunstâncias de sua vida em que precisa utilizá-la. O mesmo não acontece com a escrita. Por esse motivo, parece indiscutível que as crianças precisam aprender a ler e a escrever. Vivemos em uma sociedade definida como sociedade de conhecimento, sociedade da informação, sociedade de cultura escrita. Os modos de produção e as relações entre os indivíduos e/ou instituições se estabelecem através da leitura e da escrita. Não saber ler e escrever é permanecer excluído de uma imensa diversidade de práticas sociais que acontecem na produção da leitura e da escrita. Nesse contexto, o conceito de cultura escrita pode ser considerado uma expressão abrangente que caracteriza um modo de organização social, cuja base é a escrita. Segundo Britto (2005, p. 15), “cultura escrita implica valores, conhecimentos, modos de comportamento que não se limita ao uso objetivo do escrito”.
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Fonte: Adaptado de www.sxc.hu e commons.wikimedia.org
É importante lembrar que, além dos usos sociais da escrita, a tecnologia vem se tornando outro elemento fundamental no processo de construção de um indivíduo cidadão e consciente dos seus direitos e deveres. O advento dos computadores, internet, caixas eletrônicos, redes sociais, aparentemente implementa a democratização das informações, no entanto, observa-se que grande parte da população não tem acesso a esses recursos por falta de habilidade com o mundo digital.
Figura 1- Charge sobre o analfabetismo e o mundo tecnológico.
Fonte: UNIFACS
crever tornaram-se duas habilidades essenciais para quem vive na sociedade tecnológica atual. Os indivíduos, ao se depararem com as produções sociais escritas, precisam entendê-las. Compreender uma conta a ser paga, ler o preparo de uma receita ou as instruções para instalar um aparelho eletrônico. Além disso, é importante deleitar-se com as poesias, os enredos dos livros e as notícias da novela das oito. E para compreender esses textos, o leitor lança mão de conhecimentos diversos a respeito do mundo e do assunto, relaciona as informações novas com aquelas que ele já sabe, faz inferên-
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A informação escrita está presente em todo lugar em nossa vida diária. Ler e es-
cias e constrói novos significados. Quando se lê um texto, busca-se uma informação, mas essa busca está direcionada pela intenção de quem lê. Aprender a ler e a escrever, longe de ser uma tarefa simples, parece envolver inúmeras habilidades e exigir diferentes capacidades. Afinal, segundo Colello (2007),
Entre todas as conquistas do homem, a linguagem é a que mais contribuiu para fazer dele um ser humano de fato. Na sua relação com o mundo, é a palavra a melhor representação do potencial simbólico, capaz de fazer a sutura entre o ser, o indivíduo em particular, a sociedade e o quadro de referências que se concretiza em cada objeto, em cada indagação e em cada posicionamento pessoal. (COLELLO, 2007, p. 19)
A linguagem garante ao homem fazer parte de um processo de comunicação. A partir da linguagem ele rege sua própria vida e reage diante dela. Para Colello (2007), se a linguagem é a maior das invenções humanas, a escrita é a maior conquista da civilização. A escrita surgiu com e para o poder. Surgiu para garantir a propriedade, a posse, o conhecimento, o controle da mercadoria, o estabelecimento de normas e procedimentos. De acordo com Ribeiro (2002), desde que a Revolução Industrial fez das áreas urbanas o modo de vida dominante, disseminando globalmente como o ideal, escolarização elementar das massas, taxas de analfabetismo passaram a ser tomadas como indicadores importantes da condição de desenvolvimento socioeconômico das nações.
Saber ler e escrever, saber utilizar a leitura e a escrita nas diferentes situações do cotidiano são, hoje, necessidades tidas como inquestionáveis tanto para o exercício pleno da cidadania, no plano individual, quanto para a medida do nível de desenvolvimento de uma nação no nível sociocultural e político. É, portanto, dever do Estado proporcionar, por meio da educação, o acesso de todos os cidadãos ao direito de aprender a ler e a escrever, como uma das formas de inclusão social, cultural e política e de construção da democracia. (MORTATTI, 2004, p. 15)
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586 Soares (2006) aprofunda essa questão sobre o dever do Estado de proporcionar uma educação de qualidade para todos os cidadãos. Afirma que a educação não é uma doação do estado, mas uma longa conquista das camadas populares.
A escola pública não é, como erroneamente se pretende que seja, uma doação do Estado ao povo; ao contrário, ela é progressiva e lenta conquista das camadas populares, em sua luta pela democratização do saber, através da democratização da escola. (SOARES, 2006, p. 9)
Ao longo da história do nosso país, esse discurso pela democratização da escola, ora assume um viés quantitativo, em defesa da ampliação no número de vagas, ora volta-se para a melhoria da qualidade desse ensino, através de reformas educacionais, novas metodologias e aperfeiçoamento dos professores (SOARES, 2006). Ainda que ambas vertentes sejam necessárias e positivas, “não há escolas para todos e as taxas de repetência e evasão mostram que os que conseguem entrar na escola, nela não conseguem aprender, ou não conseguem ficar.” (SOARES, 2006, p. 9).
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Fonte: Adaptado de www.sxc.hu
É claro que o país não está de braços cruzados, não têm faltado iniciativas por parte do poder público e da sociedade civil. Constantemente, são apresentados novos programas para melhorar os índices de analfabetismo. Observe a fala do ex. Ministro da Educação, Cristovam Buarque, durante o go- ________________________ verno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O Brasil ainda tem vinte milhões de analfabetos. As elites que governam este país nos seus quinhentos anos de história são responsáveis por essa triste estatística. Mas a sociedade não pode mais ficar impassível diante desses números [...] Um país que produz aviões, exporta automóveis, tem hidrelétricas e tanta riqueza não pode negar a vinte milhões de seus filhos o direto de ler e escrever. [...] Nós não temos o direito de viver com essa vergonha e muito menos de deixá-la para gerações que venham depois de nós. [...] Não podemos nos esquecer da valorização dos professores nesse processo. [...] A história se faz com a vontade dos homens e daqueles que os lideram. [...] Nós vamos, sim, fazer uma escola ideal neste país. Nossa geração tem a obrigação de construir a escola que o Brasil, há quinhentos anos, deve aos seus filhos. [...] se conseguirmos igualdade na educação, vamos reduzir todas as outras desigualdades. (BUARQUE, 2003 apud MORTATTI, 2004, p. 16)
Não importa se o Brasil vai ser a 5ª economia do mundo. O Brasil ainda é um dos dez países com índices mais altos de analfabetismo em todo mundo.
Para a economia de um país, o analfabetismo pode ser visto como um dos
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principais indícios de subdesenvolvimento, comparado às altas taxas de mortalidade infantil, baixa renda per capita; à reduzida expectativa de vida; pouca qualificação dos cidadãos; ao rendimento insuficiente para garantir as necessidades básicas como: nutrição, moradia, transporte, vestuário. Além desses fatores, o analfabetismo indica também uma insuficiência na oferta e na qualidade dos serviços educacionais. Dessa maneira, o analfabetismo configura-se como um elemento que modifica toda a vida do indivíduo. Não é um simples desconhecimento da leitura e da escrita. O analfabetismo está, então, intimamente relacionado às condições de vida do indivíduo. À medida que os demais indicadores melhoram, aumenta a necessidade da leitura e da escrita. E isso tem sido um problema. Como caminhar em direção aos países de primeiro mundo, com esse cenário da educação? O quadro a seguir não deixa dúvidas sobre o tamanho do problema vivenciado pelo nosso país. A taxa de analfabetismo no país vem diminuindo ao longo dos anos, e, segundo dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2009, cerca de 14 milhões de pessoas (9,02%) com 15 anos ou mais, no país, eram consideradas analfabetas. O mesmo cenário é visto em todas as regiões do Brasil? Não. Os índices mostram resultados bem diferentes. Observe o mapa do analfabetismo nas regiões do nosso país.
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Quadro 1 - Taxas de analfabetismo em cada Estado brasileiro (2010)
Fonte: IBGE, Censos Demográficos e PNAD (2010)
A região Nordeste apresenta os piores índices. Estados como Bahia, Maranhão, Paraíba apresentam índices como 15,39%, 19,31% e 20,20%. No estado de Alagoas, o índice é de 22,52%. Estados pertencentes a outras regiões apresentam índices melhores. O Sul e Sudeste têm as melhores taxas, 5,5% e 5,7%, respectivamente. O Centro-Oeste apresenta uma taxa de 8% e o Norte de 10,6%.
Quadro 2- Índices de desenvolvimento humano e taxas de analfabetismo em outros países
Índice de Desenvolvimento Humano e Taxa de Analfabetismo da população de 15 anos ou mais – 2000 País
IDH
Posição
Noruega Austrália Áustria Espanha Portugal Argentina Chile Costa Rica Trinidad e Tobago México Colômbia Brasil Peru Equador Cabo Verde
0,942 0,939 0,926 0,913 0,880 0,884 0,831 0,820 0,805 0,796 0,772 0,757 0,747 0,732 0,715
1º 5º 15º 21º 28º 34º 38º 43º 50º 54º 68º 73º 82º 93º 100º
Fonte: INEP (2003, p.6)
Taxa de
Analfabetismo (%) 0,0 0,0 0,0 0,0 7,8 3,2 4,2 4,4 1,7 8,8 8,4 13,6 10,1 8,4 26,2
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E como fica o Brasil diante dos países vizinhos?
Se compararmos os resultados brasileiros com os de outros países da América Latina, observamos claramente que o Brasil (13,6%) tem um dos maiores índices de analfabetismo, perdendo somente para Cabo Verde (26,2%). Países como Argentina (3,2%) e Chile (4,2%), em 2003, já apresentavam taxas de analfabetismo consideravelmente baixas. Será que esses dados refletem o real cenário do analfabetismo no Brasil? Você já deve ter ouvido falar do analfabetismo funcional? Das pessoas que passaram alguns anos na escola e, ainda assim, não apresentam habilidade com as práticas de leitura e escrita?
Pois é, como diferenciar esses dois índices? Qual é a diferença entre analfabeto e analfabeto funcional?
CONCEITO DE ANALFABETISMO
A definição da Organização das Nações Unidades para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO, de 1980, estabelece que analfabeta é a pessoa: incapaz de exercer todas as atividades para as quais é necessário saber ler, para o bom funcionamento do grupo e da comunidade e também para que a pessoa continue a utilizar-se da leitura, da escrita e da aritmética em prol de seu próprio desenvolvimento e o da comunidade. (RIBEIRO, 2006, p. 7)
A palavra Analfabetismo assume, geralmente, significados como: estado ou condi-
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ção de ser analfabeto ou falta absoluta de instrução, e analfabeta é a pessoa:
1. Que não conhece o alfabeto. 2. Que não sabe ler e escrever. 3. Absolutamente ou muito ignorante. 4. Que desconhece determinado assunto ou matéria. 5. Indivíduo analfabeto. 6. Indivíduo ignorante, sem nenhuma instrução. O dicionário Houaiss registra analfabeto: 1. Que ou aquele que não sabe ler nem escrever. 2. Que ou aquele que não tem instrução primária. 2. Que ou aquele que é muito ignorante, bronco, de raciocínio difícil. 4. Que ou aquele que desconhece ou conhece muito mal de terminado assunto ou matéria. (http:// pt.thefreedictionary.com/analfabeto)
Segundo o IBGE (2006), é considerada analfabeta a pessoa que afirma não saber ler e nem escrever um bilhete simples na sua língua materna. Álvaro Vieira Pinto segmenta o indivíduo analfabeto em duas partes: indivíduo como pessoas, como entidade humana, e o individuo como pertencente a uma realidade social. O analfabeto, então, [...] em sua essência não é aquele que não sabe ler, sim aquele que,
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por suas condições concretas de existência, não necessita ler [...]. O adulto se torna analfabeto porque as condições materiais de sua existência lhe permitem sobreviver dessa forma com um mínimo de conhecimentos, o mínimo aprendido pela aprendizagem oral, que se identifica com a própria convivência social. (PINTO, 1991, p. 112)
Vimos, até o momento, alguns conceitos e acepções que as palavras analfabetismo e analfabetos assumem, mas como diferenciá-las de analfabetismo funcional?
CONCEITO DE ANALFABETISMO FUNCIONAL No final dos anos 70 do século XX, a UNESCO reconheceu a existência do fenômeno do analfabetismo funcional e sugeriu a adoção das expressões alfabetismo funcional e analfabetismo funcional. De acordo com Ribeiro (2006, s. p.), para a UNESCO, “é considerada alfabetizada funcional a pessoa capaz de utilizar a leitura e a escrita para fazer frente às demandas de seu contexto social e usar essas habilidades para continuar aprendendo a se desenvolver ao longo da vida” ou seja, “o analfabeto funcional não consegue extrair o sentido das palavras, colocar ideias no papel por meio da escrita, nem fazer operações matemáticas mais elaboradas.” Assim, os analfabetos funcionais são indivíduos que ainda que tenham aprendido a decodificar a escrita, dominam apenas frases curtas e simples. Além disso, não conseguiram desenvolver a habilidade de interpretação.
metro o tempo de escolarização. Assim, os indivíduos com mais de 15 anos e que frequentaram a escola por menos de quarto anos se encaixam nesse perfil. Seguindo recomendações da UNESCO, na década de 90, o IBGE passou a divulgar também índices de analfabetismo funcional, tomando como base não a auto-avaliação dos respondentes mas o número de séries escolares concluídas. Pelo critério adotado, são
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Para chegar aos índices de analfabetismo funcional, o IBGE utiliza como parâ-
analfabetas funcionais as pessoas com menos de 4 anos de escolaridade (Instituto Paulo Montenegro - IPM, 2001, s.p.).
Será que 4 anos de escolarização fazem que com o individuo possa ser retirado da categoria de analfabeto funcional?
Esses 4 anos de escolarização são bastante relativos, uma vez que, em outros países da América do Norte e Europa, assumem o mínimo de oito ou nove anos de escolarização para tirar o indivíduo da situação de analfabetismo funcional. Essas diferenças variam de acordo com as práticas sociais de leitura e escrita que ocorrem em cada comunidade, ou seja, sociedades mais desenvolvidas cultural, científico e tecnologicamente necessitam de mais habilidades de escrita e de leitura.
Em todo o mundo, a modernização das sociedades, o desenvolvimento tecnológico, a ampliação da participação social e política colocam demandas cada vez maiores com relação às habilidades de leitura e escrita. A questão não é mais apenas saber se as pessoas sabem ou não ler e escrever mas também o que elas são capazes ou não de fazer com essas habilidades. Isso quer dizer que, além da preocupação com o analfabetismo, problema que ainda persiste nos países mais pobres e também no Brasil, emerge a preocupação com o alfabetismo, ou seja, com as capacidades e usos efetivos da leitura escrita nas diferentes esferas da vida social (IPM, 2001, p. 7).
O Instituto Paulo Montenegro (IPM, 2001) tem como principal objetivo fornecer dados confiáveis sobre os índices de alfabetismo funcional da população adulta do Brasil, investigando as habilidades e práticas de leitura, escrita e matemática dos brasileiros entre 15 e 64 anos de idade. O IMP, além de colaborar com a avaliação desse índice, busca promover o debate, incentiva iniciativas públicas e particulares nas áreas de educação e cultura. Em suas pesquisas, o IPM classifica a população pesquisada em níveis de alfabetismo funcional, sendo eles:
Analfabeto - Corresponde à condição dos que não conseguem rea-
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lizar tarefas simples que envolvem a leitura de palavras e frases ain-
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da que uma parcela destes consiga ler números familiares (números de telefone, preços etc.);
Rudimentar - Corresponde à capacidade de localizar uma informação explícita em textos curtos e familiares (como um anúncio ou pequena carta), ler e escrever números usuais e realizar operações simples, como manusear dinheiro para o pagamento de pequenas quantias ou fazer medidas de comprimento usando a fita métrica;
Básico - As pessoas classificadas neste nível podem ser consideradas funcionalmente alfabetizadas, pois já leem e compreendem textos de média extensão, localizam informações mesmo que seja necessário realizar pequenas inferências, leem números na casa dos milhões, resolvem problemas envolvendo uma sequência simples de operações e têm noção de proporcionalidade. Mostram, no entanto, limitações quando as operações requeridas envolvem maior número de elementos, etapas ou relações; e
Pleno - Classificadas neste nível estão as pessoas cujas habilidades não mais impõem restrições para compreender e interpretar textos em situações usuais: leem textos mais longos, analisando e relacio-
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nando suas partes, comparam e avaliam informações, distinguem fato de opinião, realizam inferências e sínteses. Quanto à matemática, resolvem problemas que exigem maior planejamento e controle, envolvendo percentuais, proporções e cálculo de área, além de interpretar tabelas de dupla entrada, mapas e gráficos. (RIBEIRO, 2006, p. 3)
E quais são os índices de analfabetismo funcional no Brasil?
Os dados de 2006 do IBGE sobre analfabetismo funcional mostram que o Brasil, em 2005, tinha cerca de 14,9 milhões de pessoas com idades a partir de 15 anos, analfabetas. Esse número corresponde a 11% da população. No entanto, segundo as informações coletadas pelo PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) quando se amplia o conceito de analfabetismo para analfabetismo funcional, esse índice alcança 23,5%, em indivíduos com mais de 15 anos e, pelo menos, 4 anos de escolaridade. Os resultados da tabela, a seguir, são mais detalhados e foram pesquisados pelo IPM (2009), seguindo a classificação em níveis proposta pelo próprio instituto.
Quadro 3 - Taxas de analfabetismo em cada Estado brasileiro (2010)
INAF/Brasil – Evolução do indicador de analfabetismo Níveis Analfabeto Rudimentar Básico Pleno
2001-2002 12 27 34 26
População de 15 a 64 anos (%) 2002-2003 2003-2004 2004-2005 13 12 11 26 26 26 36 37 38 25 35 26
Fonte: http://www.ipm.org.br/ipmb_pagina.php?mpg=4.02.02.00.00&ver=por
2007 9 25 38 28
2009 7 20 46 27
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Olhando atenciosamente o quadro anterior, percebe-se, claramente, que o índice de analfabetismo vem diminuindo, de 12% em 2001-2002 para 7% em 2009. O mesmo acontece com os indivíduos que apresentam um nível de alfabetismo rudimentar; diminuiu de 27% em 2001-2002 para 20% em 2009. O nível básico avançou mais de 10% desde que a pesquisa começou a ser realizada. Foi o índice que apresentou uma melhoria mais significativa. O problema está nos indivíduos com alfabetismo pleno, uma vez que não tem ocorrido um incremento de novos indivíduos nesse nível; poucas pessoas têm alcançado o nível pleno.
Por que isso está acontecendo? Por que as pessoas não conseguem ultrapassar o ________________________ nível básico de alfabetismo?
Se retomarmos o conceito de alfabetismo pleno, no qual o indivíduo realiza leitura de textos mais longos, analisando e relacionando suas partes, compara e avalia informações, distingue fato e opinião, realiza inferências e sínteses; podemos perceber que a escola não tem preparado seus alunos para alcançarem esse nível. Para isso, basta observar as notas desses alunos nos instrumentos de avaliação propostos pelo governo. Para ilustrar, vamos dar uma olhada no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) que mede a qualidade da educação no Brasil. O IDEB é o índice que apresenta os resultados do ensino básico no país, utilizando uma escala que vai de 0 a 10. Para 2021, o MEC (Ministério da Educação) fixou a média 6, como objetivo para o país. O IDEB é calculado com base nos dados sobre aprovação escolar oriundos do Censo Escolar1 e as médias dos resultados das avaliações do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), do Saeb - para os Estados e o Distrito Federal, e da Prova Brasil –em cada um dos municípios brasileiros.
1 O Censo Escolar é um formulário respondido anualmente pelos Diretores e Coordenadores Pedagógicos.
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594 Quadro 4 - Qualidade da Educação no Brasil por Região
Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul
IDEB – Qualidade da Educação no Brasil por Região Fundamental I Fundamental II 3,8 3,6 3,8 3,3 4,9 4,1 5,3 4,3 5,1 4,3
Ensino Médio 3,3 3,6 3,6 3,6 4,1
Fonte: Adaptado de http://educacao.uol.com.br/ultnot/2010/07/05/consulta-ideb-2009.jhtm
A média do Brasil é de 4,6, e olhando a tabela anterior, é possível verificar que, principalmente as regiões Norte e Nordeste estão bem distante da meta, nota 6,0 para 2021. Em todas as regiões, as notas do Ensino Médio, período em que os alunos deveriam alcançar a plenitude dos processos de leitura e escrita e raciocínios matemáticos, as notas são bem baixas. Isso é um indício forte de que a escola não vem cumprindo o seu papel. Ainda há um longo caminho a ser percorrido. A alfabetização é o início desse caminho, o mais importante, aquele que insere o indivíduo em uma nova etapa, e precisa ser compreendida como um processo complexo e valioso.
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Bom, chegamos ao final da nossa primeira aula. Na próxima aula, refletiremos sobre os vários conceitos e concepções da palavra Alfabetização. Além disso, abordaremos a história da alfabetização no Brasil e os métodos que por aqui passaram.
SÍNTESE Nesta aula, abordamos as relações entre escrita, sociedade e analfabetismo. Aprender a ler e escrever está longe de ser uma tarefa fácil. A escrita e, consequentemente, a leitura são processos artificiais, desenvolvidos pelo homem ao longo de sua civilização. Ensinar a ler e escrever são tarefas destinadas à escola. Os resultados desse processo não são agradáveis. O Brasil luta contra os altos índices de analfabetismo e analfabetismo funcional. Analfabetos são os indivíduos que não conhecem o alfabeto e, geralmente, não frequentaram a escola e os analfabetos funcionais são aqueles que frequentaram alguns anos de escola, mas que não conseguem usufruir adequadamente das práticas sociais de leitura e escrita.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Com base no conteúdo abordado nesta aula, reflita sobre: Por que será que a Alfabetização é um processo tão delicioso para alguns e tão doloroso para outros?
LEITURAS INDICADAS
nacional do alfabetismo funcional. Revista Educação e Sociedade. Campinas, v. 23, n. 81, p. 49-70, dez, 2002. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 04 mar. 2011. (Este texto traz dados interessantes sobre o analfabetismo no Brasil, apresentando como são feitas algumas dessas pesquisas que demonstram esses resultados).
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RIBEIRO, Vera Masagão et al. Letramento no Brasil: alguns resultados do indicador
ANDRADE, Maria de Fátima Ramos; AZEVEDO, Maria Antônia Ramos. A expansão da escrita e o conceito de Alfabetização. Pesquiseduca. Santos, v.2, n.1, p.106-125, jan–jun, 2010. Disponível em: <http://issuu.com/clay_neto/docs/pesquiseduca-2_ parte-texto_1-andrade_e_azevedo_vf_>. Acesso em: 08 mar. 2011. (Este texto apresenta informações interessantes sobre cultura escrita e o avanço no conceito de Alfabetização)
SITES INDICADOS http://www.espacoacademico.com.br/093/93morais.htm http://www.rbep.inep.gov.br/index.php/RBEP/article/view/137/137 www.radareleitoral.com/2010/09/analfabetismo.html http://www.cedes.unicamp.br/pesquisa/artigos/HADDAD/cap01.htmlhttp://www. ipm.org.br/ipmb_pagina.php?mpg=4.02.02.00.00&ver=por (Este site apresenta, em sua midiateca, um conjunto de reportagens e documentários em vídeo sobre o analfabetismo no Brasil. Vale a pena assistir.)
REFERÊNCIAS ANDRADE, Maria de Fátima Ramos; AZEVEDO, Maria Antônia Ramos. A expansão da escrita e o conceito de Alfabetização. Pesquiseduca. Santos, v.2, n.1, p.106-125, jan–jun, 2010. Disponível em: <http://issuu.com/ clay_neto/docs/pesquiseduca-2_parte-texto_1-andrade_e_azevedo_vf>. Acesso em: 8 mar. 2011.
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COLELLO, Silvia M. Gasparian. Alfabetização em questão. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
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alfabetização e letramento
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INEP. Mapa do Analfabetismo no Brasil, 2003. Ministério da Educação - MEC. Disponível em: <http:// www.oei.es/quipu/brasil/estadisticas/analfabetismo2003.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2011
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<http://www.ipm.org.br/ipmb_pagina.php?mpg=4.02.02.00.00&ver=por>. Acesso em: 07 mar. 2011.
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RICOS E METODOLÓGICOS DA ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL Autora: Karine Silveira
597 alfabetização e letramento
AULA 02 – ASPECTOS CONCEITUAIS, HISTÓ-
“O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que elas acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”
(FERNANDO PESSOA)
“O passado é lição para se meditar, não para reproduzir.”
(MÁRIO de ANDRADE)
Olá, querido(a) aluno(a), O objetivo da Aula 1 foi construir junto com você uma reflexão acerca do cenário do analfabetismo no Brasil. Como você pôde ver, os desafios são enormes. Na Aula 2, o objetivo é refletir sobre a construção do conceito de Alfabetização, ao longo dos processos históricos pelos quais o Brasil passou. Também serão analisadas as concepções de alfabetização que permearam alguns dos seus principais métodos.
CONCEITUANDO ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Nas últimas décadas, o conceito de alfabetização vem sofrendo mudanças radicais. Durante vários anos, uma pessoa que sabia ler e escrever em um nível bem básico, pouco complexo e elaborado, era considerada alfabetizada. Assim, o conceito de alfabetização adotado nesse momento concebia a alfabetização como a decodificação e codificação dos elementos do alfabeto de forma descontextualizada, ou seja, não era necessário que o indivíduo escrevesse ou lesse plenamente nos contextos reais de leitura e escrita. Essa concepção desconsiderava as características individuais de cada criança, seus conhecimentos prévios, sua experiência fora da escola, suas histórias de vida. Desconsiderava a maneira como cada um vê o mundo. Com as pesquisas de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985), a palavra “alfabetização” assumiu uma concepção mais ampla, deixando de ser a compreensão das relações entre letras e sons de uma determinada língua. Entretanto, as exigências do contexto social em que se insere a educação mudaram e o termo alfabetização foi, progressivamente, sendo alterado, surgindo o termo letramento.
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alfabetização e letramento
598 E o que é letramento?
Para Kleiman (1995, p. 19), letramento é um “conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, para objetivos específicos”. Conforme Tfouni (1995, p. 20), o letramento é resultado de ações histórico-sociais de inserção das práticas de leitura e escrita em uma sociedade, “[...] as mudanças sociais e discursivas que ocorrem em uma sociedade quando ela se torna letrada”. Letramento é, assim, para Soares (2005, p. 18), “[...] o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita.” Essas definições distanciam-se muito da ideia antiga de que as práticas de leitura e escrita são específicas do universo escolar. O conhecimento da leitura e da escrita transcende a escola, uma vez que, nas sociedades complexas como a nossa, essa habilidade integra todos os momentos do nosso dia a dia. Por esse motivo, a escola passa a ser uma das agências de promoção do letramento, atuando em conjunto com outras esferas, como por exemplo, o trabalho e a vivência em comunidade.
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E qual é a relação entre os conceitos de Alfabetização e Letramento?
Hoje, uma nova realidade social se estabeleceu e já não basta mais simplesmente saber ler e escrever. Atualmente, além de saber, é necessário usar as habilidades de leitura e escrita de forma a atender às exigências de uma sociedade que apoia e organiza nas atividades de leitura e escrita. Assim, é fundamental que os indivíduos incorporem às suas atividades cotidianas a linguagem escrita.
Fonte: Adaptado de www.sxc.hu
conceito mais abrangente à Alfabetização, “[...] considerando-a um processo permanente, que se estenderia por toda vida, que não se esgotaria na aprendizagem da leitura e da escrita.” Depreende-se, das palavras de Soares (2005), que a alfabetização não deve ser apenas um processo mecânico de memorização da relação entre letras e sons. O indivíduo alfabetizado deve vivenciar a leitura e a escrita em contextos sociais reais.
599 alfabetização e letramento
Segundo Soares (2005, p. 15), atualmente, os educadores trabalham com um
Se pensarmos no aprendizado da nossa língua materna, fica fácil perceber que ela é permanente, uma vez que o indivíduo começa a falar as suas primeiras palavras por volta de 1 ano de idade e continua pelo resto da vida usufruindo dos recursos orais e escritos dessa língua. No entanto, Magda Soares discorda dessa postura permanente do processo de alfabetização.
Não parece apropriado, nem etimologicamente nem pedagogicamente, que o termo alfabetização designe tanto o processo de aquisição da língua escrita quanto o de seu desenvolvimento: etimologicamente, o termo alfabetização não ultrapassa o significado de “levar à aquisição do alfabeto”, ou seja, ensinar o código da língua escrita, ensinar as habilidades de ler e de escrever; pedagogicamente, atribuir um significado muito amplo ao processo de alfabetização seria negar-lhe a especificidade, com reflexos indesejáveis na caracterização de sua natureza, na configuração das habilidades básicas de leitura e escrita, na definição da competência em alfabetizar. (SOARES, 2005, p. 15)
Por esse motivo, para Soares (2005), a Alfabetização é o processo de aquisição do código escrito, da aprendizagem das habilidades de leitura e escrita, uma etapa do início do processo de letramento. Portanto, alfabetização e letramento seriam objetos distintos. A alfabetização é um processo limitado, finito, que termina no momento em que a criança aprende a ler e escrever. O letramento é contínuo, dura uma vida inteira de práticas cotidianas de leitura e escrita.
Será que posso, então, afirmar que uma criança pode ser letrada e não ser alfabetizada?
Kleiman (1995) mostra-nos que mesmo crianças não alfabetizadas possuem processo de letramento, ao realizar práticas sociais de escrita junto à mãe. Mesmo antes de conhecerem as letras do alfabeto, as crianças identificam produtos, restaurantes, nomes dos seus personagens favoritos. Muitas brincam de fazer listas de compras, sabem que a correspondência que chega em casa é destinada a alguém. Kleiman afirma que tal fenômeno extrapola o universo da escrita. São as práticas sociais da leitura e da escrita que já estão presentes no cotidiano das crianças antes de ingressarem no mundo escolar.
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Conhecer o alfabeto é apenas um meio para o letramento. Letrar significa inserir a criança em um mundo letrado, em contato com os diversos usos e funções da escrita na sociedade. Esse contato com as práticas de letramento inicia-se muito antes da alfabetização, quando a criança começa a interagir socialmente com a família e com a escola. O letramento é um fenômeno cultural, por esse motivo muitas crianças iniciam o processo escolar apresentando algum conhecimento informal, aprendido no dia a dia das atividades sociais que envolvem leitura e escrita. De forma informal e natural, as crianças aprendem sobre a importância da escrita e da leitura na sociedade em que vivem. Atividades cotidianas como rótulos, histórias infantis, folhetos, música, televisão e as brincadeiras fazem parte nas vivências das crianças, mesmo em classes populares. Tais estímulos fazem com que, ao chegar à escola, a criança traga uma bagagem cultural e experiencial e uma competência linguística suficiente para uma ampla comunicação. Cabe à escola a ampliação dessas experiências. Cabe à escola a função de formar cidadãos letrados, ou seja, capazes de utilizar a modalidade escrita da linguagem para atender necessidades individuais e sociais. É no conjunto das práticas sociais que a leitura e a escrita atingem seu potencial máximo. É uma pena que nem todos tenham acesso à aprendizagem das habilidades de leitura e escrita. “No contexto da nossa sociedade, alfabetizar é também dar voz ao
________________________ sujeito.” (COLELLO, 2007, p. 29) ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Fonte: commons.wikimedia.org ________________________ ________________________ Além disso, a sociedade atual exige do indivíduo a escrita e a leitura, mesmo em ________________________ ________________________ atividades simples e cotidianas. ________________________
óbvia; no trabalho, dirigindo na cidade, comprando em supermercados, todos nós encontramos situações que demandam leitura ou produção de símbolos escritos. Não é preciso justificar a insistência na obrigação que têm as escolas, de desenvolver nas crianças habilidades de alfabetismo que as tornam capazes de responder a essas demandas em situações da vida cotidiana. Programas de educação básica têm a mesma obrigação de desenvolver em adultos as habilidades que precisam ter para obter trabalho ou progredir nele, para
601 alfabetização e letramento
A necessidade de habilidades de alfabetismo na vida cotidiana é
receber o treinamento e os benefícios a que têm direito e assumir responsabilidades cívicas e políticas. (CRIBNER, 1984 apud SOARES, 2005, p. 34)
O ideal é que o processo de alfabetização seja realizado em paralelo à inclusão do indivíduo ao mundo letrado, ou seja, ensinar a ler e a escrever de forma contextualizada. Só assim, a escola será capaz de alfabetizar letrando. Para Soares (2005), é praticamente impossível elaborar uma única definição adequada a qualquer pessoa de alfabetização, uma vez que a depender das crenças, dos valores, do contexto social, poderão ser propostos conceitos diferentes. Assim, a definição do que é necessário para ser alfabetizado depende das necessidades e condições sociais presentes em um determinado momento histórico de uma sociedade e cultura. Em cada espaço social, as práticas de leitura e de escrita são diferentes, ou seja, dependem dos papéis sociais que os indivíduos assumem, uma vez que cada papel necessita de demandas funcionais muito específicas. Em algumas sociedades, basta assinar o próprio nome para ser considerado alfabetizado; em outras, somente é considerado alfabetizado aquele que é capaz de identificar, interpretar e usar informações disponíveis em diversos gêneros textuais. Ainda de acordo com Soares (2005), a definição de alfabetização depende de características econômicas e tecnológicas, no entanto, qualquer proposta coerente deverá basear-se em um conceito desse processo suficientemente abrangente para:
Incluir a abordagem mecânica do ler e do escrever; Enfatizar a língua escrita como um dos meios de expressão; Considerar a escrita como autônoma e independente da oralidade; Focar nos determinantes sociais das funções e finalidades da aprendizagem da modalidade escrita da nossa língua.
Então, de acordo com Colello (2007), partindo do princípio que a alfabetização é muito mais do que a associação de letras e palavras, a alfabetização torna-se um processo essencial na formação de leitores e escritores, que devem tornar-se capazes de:
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Processar a leitura, superando a mera decodificação; Compreender os textos; Descobrir o valor e o prazer da leitura nas suas diversas situações e possibilidades; Além de escrever palavras e frases, ter a competência para compor textos, superando os desafios da sua produção.
A alfabetização é um processo complexo e multifacetado, uma vez que envolve aluno, professor, escola, sociedade, processos cognitivos, linguísticos, sociais, políticos e afetivos. Requer um logo período de aprendizagem e, na maioria das vezes, não se esgota no primeiro ano de escolarização. Para Colello (2007, p. 31), “O que está envolvido nessa trajetória de construção cognitiva é a crescente tomada de consciência a respeito da língua e do seu papel em possibilidades de uso e formas de expressão cada vez mais ajustadas.” Agora que já conseguimos refletir sobre o que significa o processo de alfabetização, vamos dar um passeio por alguns momentos importantes da história da alfabetização no Brasil.
UM POUCO DE HISTÓRIA E VÁRIOS MÉTODOS ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________
Quem inventou a escrita inventou ao mesmo tempo as regras da alfabetização. (CAGLIARI, 1998, p. 12)
Quem inventou a escrita, estabeleceu as regras que permitem que o leitor decodifique o que está escrito, que estabelecem como a língua funciona e em quais momentos usá-la adequadamente. “A alfabetização é uma atividade tão antiga quanto os sistemas de escrita.” (CAGLIARI, 1998, p. 12)
Será que dá para conceituar escrita?
De acordo com Higounet (2003, p. 9), é “[...] um procedimento do qual atualmente nos servimos para imobilizar, para fixar a linguagem articulada, por essência fugidia.” Partindo-se dessa definição, podemos dizer que a escrita foi criada para cristalizar, fossilizar, registar os eventos e acordos sociais que se esvaem quando firmados na oralidade. Foi com esse propósito que o homem recorreu a sinais materiais, entalhes, desenhos para iniciar o estabelecimento da escrita. No entanto, a escrita é muito mais do que um instrumento, é uma nova linguagem, como cita Higounet (2003):
[...] para além de modo de imobilização da linguagem, a escrita é uma nova linguagem, muda certamente, mas, segundo a expressão de L. Febvre, ‘centuplicada’, que disciplina o pensamento e, ao transcrevê-lo, o organiza. (HIGOUNET, 2003, p. 9-10)
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A escrita está tão presente na nossa civilização que serve de definição para ela. Vivemos em uma sociedade de cultura escrita e a história da humanidade pode se dividir em duas imensas eras: antes e a partir da escrita. Portanto, a escrita não é um mero procedimento com a finalidade de tornar a palavra permanente. Além disso, ela abre portas para um mundo de ideias e reflexões, apreende o pensamento, armazena e acumula o conhecimento, fazendo com que este atravesse o espaço e o tempo. Assim, para que a escrita continue fazendo o papel dela nas sociedades que empregam algum sistema de escrita, é preciso ensinar às novas gerações como esse sistema deve ser utilizado.
O surgimento da escrita
Acredita-se que a escrita tenha surgido por volta de 3300 a.C., na Suméria. Era uma escrita cuneiforme, como mostra a Figura 1, que utilizava como instrumentos de escrita tábulas de argila e estiletes de bambu. A Suméria foi uma das civilizações mais antigas, localizada onde hoje é o sul do Iraque. Sua escrita foi decifrada por arqueólogos e linguistas no século XIX. Foi possível, então, conhecer e compreender seus sistemas matemáticos, avanços tecnológicos (primeiros veículos sobre rodas e tornos de cerâmica). Figura 1 - Escrita cuneiforme (3500 a.C)
Fonte: commons.wikipedia.org
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Assim, começou a história da escrita. E a história da escrita é costurada, entrelaçada com a história da alfabetização.
A Aprendizagem da escrita na Antiguidade e na Idade Média
Na Antiguidade, os indivíduos alfabetizavam-se aprendendo a ler e depois copiando e copiando. Iniciavam o processo com palavras e depois passavam a textos clássicos de autores renomados que eram estudados intensamente de forma exaustiva. Nesse momento, a leitura e a cópia eram as estratégias de alfabetização. Somente depois de muitas cópias, os indivíduos passavam a escrever seus próprios textos. Segundo Cagliari (1998), essa atividade de leitura e cópia estava diretamente relacionada ao trabalho que esses indivíduos iriam desempenhar, escrever para a sociedade. No Egito, escribas; na China, os mandarins; na Mesopotâmia, os magos e na Índia, os brâmanes exerciam a função da escrita em meio à população analfabeta. “O saber representava uma forma de poder.” (ARANHA, 2006, p. 44) Segundo Cagliari (1998), na Idade Média, a alfabetização acontecia em casa: quem sabia ler ensinava a quem não sabia, apresentando o valor fonético (som) de cada uma das letras. Aprender a ler e a escrever não era uma atividade escolar.
________________________ ________________________ E quando surgiu o nosso alfabeto? ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Fonte: www.sxc.hu ________________________ ________________________ ________________________ A escrita fonético-alfabética foi inventada pelos fenícios por volta de 1500 a.C. ________________________ Segundo Aranha (2006), não podemos afirmar se os fenícios inventaram ou aperfei________________________ çoaram esse sistema de escrita. A partir desse momento, a escrita difundiu-se muito ________________________ rapidamente, uma vez que esse sistema, que envolve a relação entre as letras e os sons,
utilização. Essa simplificação da escrita contribuiu para que ela deixasse de ser monopolizada por uma minoria de caráter sagrado. Mais tarde, afirma Aranha (2006), os gregos assimilaram o alfabeto fenício e transmitiram aos latinos, por meio dos quais chegou até nós, após um longo processo histórico. Os espaços de escrita foram se desenvolvendo e a produção de livros escritos
605 alfabetização e letramento
cada som sendo representado por uma letra, tornou mais fácil seu aprendizado e sua
à mão (copiados) aumentou bastante. Por esse motivo, o alfabeto passou a ser um problema a mais. Cada um que copiava tinha uma caligrafia diferente e, claro, para usufruir das leituras, a população tinha que aprender a reconhecer os alfabetos em diversificadas caligrafias. Esse problema só foi solucionado no Renascimento com o advento da tipografia e da imprensa na Europa.
Figura 2- Letras usadas na tipografia
Fonte: www.sxc.hu
Com o Renascimento (séculos XV a XVI) e, sobretudo, com o uso da imprensa pela Europa, a preocupação com os leitores aumentou, uma vez que agora se fazem livros para um público maior, e leitura de obras famosas deixou de ser coletiva para se tornar cada vez mais individual. Por isso, a preocupação com a alfabetização passou a ter uma importância muito grande. A primeira consequência disso foi [...] o aparecimento das primeiras “cartilhas”. Nessa época surgem as primeiras gramáticas neolatinas, e esse foi outro motivo que levou os gramáticos a se dedicarem também à alfabetização: era preciso estabelecer uma ortografia e ensinar o povo a escrever nas línguas vernáculas, deixando de lado cada vez mais o latim. (CAGLIARI, 1998, p. 19)
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606 Com o surgimento do público leitor, surge a ampliação do sistema escolar e a valorização das habilidades de leitura e de escrita, consolidando-se, assim, o mito da escolarização. A escola passa a ser vista como financiadora de sucesso profissional e garantia de mudança social. Por exemplo, uma das primeiras tentativas de generalização da alfabetização ocorreu na França, no final do século XVII. Uma das metas da Revolução Francesa na área da educação foi o estabelecimento da escola pública para todos os cidadãos, com uma ênfase no ensino dos usos da língua escrita. (BARBOSA, 1994, p. 44)
Dessa forma, inicia-se a longa jornada da implantação das escolas públicas e a tentativa de democratização.
E o Brasil nesse processo histórico da alfabetização?
Segundo Mortatti (2006), a história da alfabetização torna-se mais visível quan-
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do analisada sob a ótica dos métodos de alfabetização. Esses modelos, desde o final do século XIX, vêm gerando conflitos e disputas sobre qual deles é o mais adequado para sanar a dificuldade de nossas crianças em aprender a ler e a escrever, especialmente na escola pública. Seguindo os caminhos dessa autora, vamos tentar refletir sobre as relações entre a história e os métodos de alfabetização que “passaram” pelo nosso país. De forma bastante didática, ela divide a história da alfabetização em quatro momentos, relacionados com os métodos em foco na época:
1º momento (1876 a 1890) – A metodização do ensino de leitura — disputa entre os defensores do então “novo” método da palavração e os dos “antigos” métodos sintéticos (alfabético, fônico, silábico); 2º momento (1890 a meados da década de 1920) - A institucionalização no método analítico — disputa entre defensores do então “novo” método analítico e os dos “antigos” métodos sintéticos; 3º momento (meados dos anos de 1920 ao final da década de 1970) – A alfabetização sob medida — disputas entre defensores dos “antigos” métodos de alfabetização (sintéticos e analíticos) e os dos então “novos” testes ABC para verificação da maturidade necessária ao aprendizado da leitura e escrita, de que decorre a introdução dos “novos” métodos mistos; 4º momento (meados da década de 1980 a 1994) – Alfabetização: construtivismo e desmetodização — disputas entre os defensores da então “nova” perspectiva construtivista e dos “antigos” testes de maturidade e dos “antigos” métodos de alfabetização.
Dessa forma, para explicar os momentos da história da alfabetização, seus métodos e concepções, torna-se necessário analisarmos essas fases contextualizando-as na história do Brasil.
BRASIL COLÔNIA
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No Brasil do século XVI, não havia economia mercantil, não havia classe burguesa, não havia cidades, não havia trabalhador livre, não havia língua nacional, não havia imprensa, não havia livro, mas… havia escolas de ler, escrever e contar, não importava se para poucos. Essas escolas eram frequentadas pelos filhos da aristocracia que detinham o saber e o poder de uma civilização letrada (SILVA, 2001). O Brasil foi descoberto e os portugueses iniciaram um processo de colonização completamente extrativista, que tinha como maior objetivo aumentar as riquezas da metrópole portuguesa e, claro, salvar algumas almas, convertendo-as à religião católica. Para alcançar esses objetivos, os padres da Companhia de Jesus desempenharam, segundo Mortatti (2004), um papel importantíssimo, criaram as escolas de ler, escrever e contar,
[...] com a finalidade de catequizar, para cristianizar, e instruir, para civilizar os índios, considerados gentios, ou seja, pagãos e ‘papel branco’ ou tábula rasa, onde se poderia escrever a palavra de Deus e o que mais quisesse. (MORTATTI, 2004, p. 49)
Figura 3 – Padre José de Anchieta ensinando aos índios
Fonte: commons.wikipedia.org
Com a chegada do padre José de Anchieta, em 1553, iniciou-se o trabalho de “transcrição alfabética e a gramaticalização”. Dessa forma, para Silva (2001, p. 146), as escolas de ler, escrever e contar” se transformaram em um lugar para conversão e
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aprendizado dos índios. Sobre isso, Mortatti (2006) também afirma que:
De qualquer modo, para a grande maioria dos habitantes do Brasil-Colônia, tratava-se de aprender uma outra língua e uma outra cultura, antes das primeiras letras, que, então, significavam quase literalmente as letras do alfabeto. (MORTATTI, 2006, p. 51)
Com a expulsão dos jesuítas, o Brasil ficou sem professores. Surgem, nesse momento, os professores leigos, com pouca ou nenhuma experiência, que ensinavam nas suas casas a turmas completamente heterogêneas.
As aulas régias instituídas por Pombal para substituir o ensino religioso constituíram, dessa forma, a primeira experiência de ensino promovido pelo Estado na história brasileira. A educação, partir de então, passou a ser uma questão de Estado. Desnecessário frisar que este sistema de ensino cuidado pelo Estado servia a uns poucos, em sua imensa maioria, filhos das incipientes elites coloniais. (SECO; AMARAL, 2011, p. 1)
________________________ ________________________ ________________________ De acordo com Seco e Amaral (2011), em lugar de um sistema mais ou menos ________________________ unificado e organizado em uma sequência de conteúdos, o ensino passou fragmenta________________________ do, apoiado em aulas isoladas, ministradas por professores mal preparados. ________________________ ________________________ ________________________ O resultado da decisão do Marquês de Pombal, em expulsar os jesu________________________ ítas, foi que, no princípio do século XIX, a educação brasileira estava ________________________ reduzida a praticamente nada. O sistema jesuítico foi desmantelado ________________________ e nada que pudesse chegar próximo deles foi organizado para dar ________________________ continuidade a um trabalho de educação. (SECO; AMARAL, 2011, p. ________________________ 1) ________________________ ________________________ ________________________ Este cenário só mudou com a chegada da família real ao Brasil, em 1808. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ BRASIL IMPÉRIO ________________________ ________________________ Este período foi marcado pela Revolução Francesa e pela Revolução Industrial. ________________________ A Revolução Francesa trouxe grandes novidades para a escola: uma delas foi ________________________ ________________________ a responsabilidade com a educação das crianças, introduzindo a alfabetização como matéria escolar. A burguesia passou a frequentar as escolas e, em virtude dessa mu-
apresentar uma estrutura em lições, cada uma delas destinada a um determinado aspecto da língua. As escolas francesas estavam cheias de crianças aprendendo a ler e escrever. A alfabetização deixou de ser uma responsabilidade familiar e passou a ser escolar. Os alunos que frequentavam essas escolas pertenciam às famílias com certo status na sociedade e a grande massa de pessoas simples e pobres continuava fora da escolar.
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dança, as cartilhas, antes destinadas ao estudo individual e domiciliar, passaram a
Por aqui… Em virtude dos desentendimentos com Napoleão Bonaparte, a família portuguesa mudou-se para o Brasil. Com a vinda de D. João VI, o país precisou passar por algumas modificações importantes: abertura dos portos, instalação de manufaturas, posteriormente, a instalação de imprensa, museus, bibliotecas e cursos superiores (ARANHA, 2006). Em 1822, em 7 de setembro, D. Pedro I declara a Independência do Brasil e, em 1824, é instituída a primeira Constituição Brasileira, baseada na liberal Constituição Francesa. A partir desse momento, com base no Art. 179, a educação passa a ser gratuita e universal para todos os cidadãos brasileiros. Segundo Lima (1980), a Carta Constitucional de 1824, outorgada por D. Pedro I, dentre outros assuntos, tratou da questão do ensino apenas no Art. 179, o qual se
limitou a estabelecer a gratuidade da instrução primária a todos os cidadãos, porém, ________________________ nela não estavam incluídas as medidas para a criação das escolas. Somente em 1827, ________________________ houve uma obrigatoriedade na construção de escolas de alfabetização em todas as ________________________ capitais e cidades populosas. A obrigatoriedade estabelecida pela constituição foi um grande avanço, mas será que, na prática, a escola iniciou seu processo de democratização nesse momento? De acordo com Mortatti (2006):
Foi difícil, porém, concretizar a extensão da instrução elementar a toda população, devido, sobretudo, à falta de escolas, de professores e de organização administrativa adequada. Nesse cenário, começam a se registrar avanços a partir das décadas finais do Império. Com a paulatina libertação dos escravos e a chegada dos imigrantes, foi-se colocando no âmbito das discussões sobre a instrução popular e a ampla difusão da escola elementar, estimulando-se iniciativas com o objetivo de organizar o ensino. (MORTATTI, 2006, p. 52)
Meio século após a independência, o Brasil apresentava mais de 85% da sua população de pessoas analfabetas e “incapazes de ler um jornal, um decreto do governo, um alvará da justiça, uma postura municipal” (MORTATTI, 2006, p.53). Entre essas pessoas, podíamos encontrar muitos dos grandes proprietários rurais. No final do Império, o ensino ainda estava desorganizado, as poucas escolas
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eram salas adaptadas e multisseriadas. Os materiais didáticos eram escassos, com exceção de algumas cartilhas que começavam a chegar de Portugal.
AS CARTILHAS As cartilhas eram manuais escolares empregados na alfabetização e na aprendizagem da leitura. As cartilhas ficaram conhecidas no Brasil desde a época colonial. Essas cartilhas eram produzidas em Portugal, pois, no Brasil, a permissão para publicação de livros nacionais só aconteceria em 1808. João de Barros é o autor da gramática portuguesa mais antiga, publicada em 1540. A Cartilha foi publicada junto com a gramática. Figura 4 – Capa da primeira gramática portuguesa
________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Fonte: http://www.docpro.com.br/cultural/linkcultural.htm ________________________ ________________________ ________________________ A Cartinha de João de Barros não era um livro para ser usado na es________________________ cola, uma vez que a escola naquela época não alfabetizava. O livro ________________________ servia igualmente para adultos e crianças. Para alfabetizar, a pessoa ________________________ decorava o alfabeto, tendo o nome das letras como guia para sua ________________________ decifração, decorava as palavras-chave, para pôr em prática o prin________________________ cípio acrofônico (nome das letras), próprio do alfabeto, e depois pu________________________ nha-se a escrever e a ler, interpretando, nas “taboas” (ou tabuadas), ________________________ as sílabas da fala com a correspondente forma de escrita. Notem que a ortografia não tinha vez. O método estava mais voltado para ________________________ a decifração do que escrever corretamente. (CAGLIARI, 1998, p. 22) ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ O método mais antigo, e que apareceu em todas as primeiras cartilhas, foi cha________________________ mado de MÉTODO SINTÉTICO. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________
Os métodos sintéticos trazem como principal característica o fato de o aprendizado iniciar-se, primeiro, pelas unidades menores (letras, fonemas, sílabas), avançando para as unidades mais complexas (palavras, frases, textos). Partia-se do alfabeto para a soletração e silabação, seguindo sempre uma ordem crescente de complexidade. O método sintético estabelece uma relação entre o som e a letra, entre a linguagem oral e a escrita, através do aprendizado por letra
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MÉTODO SINTÉTICO
após letra, ou uma sílaba após sílaba e uma palavra de cada vez. Dessa forma, os métodos sintéticos enfatizavam o processo de decodificação e as relações entre grafemas e fonemas, letras e sons, respectivamente. A respeito do método sintético, Barbosa (1994) afirma:
O caminho sintético é o mais antigo de todos, tem mais de 2000 anos. Considera a língua escrita como objeto de conhecimento externo ao aprendiz e, a partir daí, realiza uma análise puramente racional de seus elementos. A instrução procede do simples para o complexo, racionalmente estabelecidos: num processo acumulativo, a criança aprende as letras, depois as sílabas, as palavras, frases e, finalmente, o texto completo. Estabeleceu-se como regra geral que a instrução não deve avançar no processo sem que todas as dificuldades da fase precedente estejam dominadas. (BARBOSA, 1994, p. 46-47)
Vale refletir sobre as desvantagens desse método:
1. Rejeita completamente os usos e as práticas sociais da escrita; 2. Em vários momentos, o aluno terá que deixar a decodificação de lado, uma vez que a escrita não é a representação perfeita da fala, como por exemplo, nas palavras: a. casa à escrevemos com S mas, pronunciamos Z; b. exame à escrevemos com X mas, pronunciamos Z; c. pneu à quando pronunciamos, inserimos uma vogal I e, às vezes, uma vogal E logo após a consoante P, mas, na escrita, essas vogais não aparecem.
Segundo Barbosa (1994), era um método que procedia muito lentamente. Em geral, os alunos levavam quatro longos anos para ler o primeiro texto completo. Somente após essa fase, iniciava-se o trabalho com a escrita. Além disso, o autor faz outra crítica, quando afirma que toda a estruturação do método era baseada na lógica do adulto, e não na da criança. Os métodos sintéticos podem ser classificados em três tipos: o alfabético, o fô-
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nico e o silábico.
1. ALFABÉTICO OU SOLETRAÇÃO à as letras são as primeiras a serem aprendidas; posteriormente, formam-se as sílabas, juntando as consoantes com as vogais, e, depois, formam-se as palavras que constroem um texto. O aluno, aos poucos, vai soletrando as sílabas, combinando-as, até formar as palavras.
Ex.: Boneca – b o à bo ; n e à ne; c a à ca à boneca
Esse método é bastante criticado pelo uso excessivo de exercícios repetitivos, tornando-se entediante e enfadonho para as crianças. Além disso, não respeita os conhecimentos adquiridos pelas crianças fora do contexto escolar. O método alfabético, apesar de não ser um método atualmente indicado, ainda é muito utilizado em diversas cidades do interior do país, onde ainda estão presentes professores leigos ou com pouco acesso a materiais didáticos modernos. (VISVANATHAN, 2008)
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2. FÔNICO OU FONÉTICO à baseia-se na compreensão do princípio alfabético, ou seja, na relação que se estabelece entre letras e sons. Faz com que a criança, aos poucos, domine o conhecimento ortográfico. Utilizando textos elaborados especificamente para tal finalidade.
Esse método enfrenta vários problemas quanto à língua portuguesa, uma vez que esta apresenta várias exceções nas relações entre letra e som.
3. SILÁBICO OU SILABAÇÃO à O aluno inicia o processo de leitura a partir da sílaba, sempre de acordo com uma ordem crescente de dificuldade.
Em se tratando de escrita, esta se limitava ao treino de caligrafia e ortografia, através de práticas como cópia, ditados e elaboração de frases, sempre enfatizando o desenho correto das letras. Com o método sintético, o aprendizado ocorre de maneira muito mecânica e, por esse motivo, é considerado, pelos críticos, como repetitivo, enfadonho e cansativo. Além disso, os textos utilizados não fazem parte da realidade da criança e o aprendiz age de forma bastante passiva e sem autonomia. (VISVANATHAN, 2008) No final do século XIX, são elaboradas as primeiras cartilhas brasileiras, baseadas nos métodos sintéticos, que circularam em várias províncias e por longos anos. Em 1876, foi publicada, em Portugal, a Cartilha Maternal ou Arte da Leitura do
e foi desenvolvida pelo poeta, inicialmente, para alfabetizar suas filhas. De acordo com Barbosa (1994, p. 57), no prefácio de sua gramática, João de Deus critica o aprendizado mecânico e repetitivo, uma vez que este impede que o aluno reflita sobre as questões da língua, criando o hábito da leitura mecânica e pouco divertida.
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poeta português João de Deus. Era inovadora, trazia um método diferente do sintético
Figura 5 – Capa e contracapa da Cartilha Maternal de João de Deus, publicada em 1881
Fonte: http://espacoeducar-liza.blogspot.com/2009/02/historia-das-cartilhas-de-alfabetizacao.html
A cartilha de João de Deus já apresentava uma forte tendência para privilegiar a escrita sobre a leitura. Essa cartilha serviu de exemplo para muitas outras que vieram depois. O autor opunha-se aos métodos de soletração e silabação e marca o início da transição dos métodos sintéticos para os analíticos que seriam amplamente difundidos durante o período da República.
MÉTODOS ANALÍTICOS Os métodos analíticos partem da premissa de que a leitura é uma atividade audiovisual e global, assim, os professores e as cartilhas que adotavam esse método começavam a trabalhar com unidades completas da língua, para depois dividir e extrair pedaços menores. Assim, o ensino da leitura deveria começar pelo “todo”, para depois realizar a análise de suas partes constitutivas. “No entanto, diferentes se foram tornando os modos de processuação do método, dependendo do que seus defensores consideravam o “todo”: a palavra, ou a sentença, ou a ‘historieta’”. (MORTATTI, 2006, p. 7). Os métodos analíticos, então, podiam ser classificados em PALAVRAÇÃO, SENTENCIAÇÃO ou GLOBAL, a depender de qual fosse o “todo” escolhido para iniciar o processo de alfabetização: a palavra, a sentença ou uma “historieta” (conjunto de frases relacionadas entre si por meio de nexos lógicos), respectivamente.
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Veja um exemplo de uma “historieta” retirada da Cartilha Analytica, de Arnaldo Barreto, publicada em 1907.
Esta é a vaca do meu tio Carlos. Chama-se Rosada. Chama-se Rosada, porque é vermelha. Rosada tem um lindo bezerro. O bezerro também é vermelho. Ele gosta muito do leite da Rosada. Vocês também gostam de leite? Eu gosto muito de leite. Gosto de leite quando tem nata. É da nata que se faz a manteiga. É da nata que também se faz o queijo. Não mames todo o leite, bezerrinho! Deixa um pouco de elite para mamãe fazer manteiga. Fonte: http://espacoeducar-liza.blogspot.com/2009/02/historia-das-cartilhas-de-alfabetizacao.html
O método analítico foi abraçado por vários seguidores e parecia que funcionava. O Método João de Deus passou a ser amplamente divulgado e, no início da década de 1890, iniciou-se um dura disputa entre os defensores do método sintético e
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os defensores do método analítico. Os métodos sintéticos eram considerados “tradicionais” ou “antigos, enquanto os métodos analíticos eram considerados “modernos” (MORTATTI, 2000). Esse
debate resultou em várias polêmicas em torno da Cartilha de João de
Deus. No entanto, não retirou o prestígio que a mesma recebeu por parte dos professores da escola de ensino elementar e nem por parte dos intelectuais da época, que, apesar de constatarem que ela não era de fato uma “completa originalidade”, viam na mesma um ponto de partida para as inovações do ensino (DARRÓZ; SCHELBAUER, 2007). Sobre essa disputa, veja o que diz Mortatti (2006): Com essa disputa, funda-se uma outra tradição: o ensino da leitura envolve necessariamente uma questão de método, ou seja, enfatiza-se o como ensinar metodicamente, relacionado com o que ensinar, o ensino da leitura e escrita é tratado, então, como uma questão de ordem didática subordinada às questões de ordem linguística (da época). (MORTATTI, 2006, p. 6)
Finalizamos, aqui, o primeiro momento da história da alfabetização no Brasil (1876 a 1890) – A metodização do ensino de leitura —, disputa entre defensores do então “novo” método da palavração e os dos “antigos” métodos sintéticos (alfabético, fônico, silábico).
Com o advento da República (1889), a educação, que desde o final do império já fazia parte dos temas relevantes ao desenvolvimento da nação, ganha fôlego e expressão na medida em que passa a representar a chave para o progresso do país. A partir dos primeiros anos da República, os professores formados pela Escola Normal de São Paulo passaram a defender fortemente o método analítico, disseminando-o para outros estados brasileiros. Além disso, começaram a ser produzidos artigos
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REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
em jornais, cartilhas, revistas pedagógicas e instruções normativas que contribuíram para a institucionalização do método analítico. Assim, a Escola Normal Superior de São Paulo é apresentada como um polo produtor e irradiador das novas ideias pedagógicas, seja mediante o processo de formação – teoria e prática - de novos professores, seja na atuação dessas normalistas que assumem a posição de “especialistas” (MORTATTI, 2000). E quanto à escrita? A escrita continuava a ser entendida como caligrafia e de tipo de letra a ser usada (manuscrita ou impressa, maiúscula ou minúscula). Isso demandava muito treino, através de exercícios longos de cópias e ditados. As disputas ocorridas no segundo momento dessa história deixam claro que o ensino envolve questões didáticas, ou seja, como ensinar.
ALFABETIZAÇÃO SOB MEDIDA Por volta de 1920, os professores encontram-se desgostosos quanto à utilização do método analítico e buscam novas propostas que solucionem os problemas do ensino de leitura e escrita nas séries iniciais. É o momento da Reforma Sampaio Dória. Sampaio Dória foi convidado pelo governo do Estado para assumir a coordenação do ensino de São Paulo. Teve, então, a oportunidade de por em práticas algumas de suas ideias sobre a educação.
Sua principal preocupação, dentro ou fora da reforma realizada, era a maneira de ensinar. Segundo o professor Lourenço Filho, uma dos principais interesses de Sampaio Doria era ‘tornar mais completo o aprendizado da arte de ensinar’. O próprio educador afirmou, no I Congresso Interestadual de Ensino, em 1922, que ‘o capítulo máximo da pedagogia era a didática, a metodologia do ensino, a prática pedagógica.’ (NASCIMENTO, 2011, s.p.)
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Dentre as ações propostas por Sampaio, podemos listar: Os estados passaram a ter autonomia na organização da educação; Foi permitido que novas ideias e experiências fossem aplicadas; Foi feito o primeiro recenciamento escolar e construídas delegacias de ensino, existentes até hoje.
Em decorrência dessa autonomia didática, os conflitos entre os defensores dos métodos sintéticos e dos métodos analíticos foram esfriando. Buscava-se, agora, conciliar os dois métodos e, nas décadas seguintes, passaram a utilizar os métodos mistos ou ecléticos, considerados mais rápidos e eficientes (MORTATTI, 2006).
Será que esses métodos mistos resolveram os impasses e trouxeram qualidade para a alfabetização no Brasil?
Os diagnósticos e denúncias dos problemas educacionais encontravam sua síntese na constatação do fracasso escolar das camadas populares, que se verifica especialmente na passagem da 1a. para a
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2a. série do ensino de 1o. grau. Como causa desse fracasso, denunciavam-se as carências cognitivas, alimentares, culturais e sociais das crianças das classes subalternas; e, como solução, apresentava-se a proposta de ‘educação compensatória’ (MORTATTI, 2004)
E 1934, foram institucionalizados os testes de prontidão contidos no livro Testes ABC, escrito por M. B. Lourenço Filho. Nesse livro, são apresentados os resultados de pesquisas realizadas com o objetivo de buscar soluções para as dificuldades de nossas crianças no aprendizado da leitura e escrita. De acordo com Mortatti (2006), os testes de ABC seriam compostos por 8 provas, com a finalidade de avaliar o nível de maturidade necessário para aprender a ler e escrever. Esses testes eram os exercícios de prontidão. Sem os exercícios de “prontidão”, a criança não estaria preparada para realizar um processo de alfabetização adequado. Segundo Cagliari (1998), os psicólogos haviam inventado uma série de atividades estranhas para as crianças fazerem: curvinhas para lá e para cá, completar figuras, fazer bolinhas, localizar o gatinho à direita e à esquerda, etc.
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Fonte: UNIFACS
Dessa forma, surge um cenário eclético de conceitos e métodos, a questão da medida certa de cada método. O professor deveria adequar as atividades ao grau de maturidade psicológica da turma.
ALFABETIZAÇÃO: CONSTRUTIVISMO E DESMETODIZAÇÃO No início dos anos 80, chegam ao Brasil as concepções e propostas construtivistas sobre alfabetização, resultantes das pesquisas da estudiosa argentina Emilia Ferreiro e seus seguidores. A proposta de Ferreiro descola o eixo das discussões dos métodos de ensino para o processo de aprendizagem da criança (sujeito cognoscente). O construtivismo apresenta-se não como um método novo, mas como uma “revolução conceitual”, demandando, dentre outros aspectos, o abandono das teorias e práticas tradicionais, a desmetodização do processo de alfabetização e o questionamento da necessidade das cartilhas. (MORTATTI, 2004). Nesse momento, as instituições escolares assumiram o discurso a favor do construtivismo, mesmo para o processo de alfabetização. Para compreender um pouco mais sobre esse novo olhar para a alfabetização, nas próximas aulas, trabalharemos estudiosos que fazem parte das contemporâneas concepções e práticas da alfabetização, como por exemplo, Piaget, Vygotsky, Freire e Emília Ferreiro.
Até lá!!!
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SÍNTESE Nesta aula, refletimos sobre as concepções de alfabetização e os métodos que fizeram parte da história da educação no Brasil, desde as primeiras cartilhas até a adoção das práticas construtivistas.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Agora que você já conhece os métodos, qual deles foi utilizado para alfabetizar você? Você consegue avaliar quais foram as consequências do uso desse método? E, hoje, as escolas ainda utilizam os métodos “antigos”? E depois de tantas reflexões, é possível escolher o melhor método?
LEITURAS INDICADAS MORTATTI, Maria do R. Longo. A “querela dos métodos” de alfabetização no Brasil:
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contribuições para metodizar o debate. In: Acolhendo a alfabetização nos países de Língua Portuguesa Revista Eletrônica. v.5, set.2008 a jan.2009.Disponível em: http://www.acoalfaplp.net/0005acoalfaplp/a003n0005sumarioindex.html. Acesso em: 21 mar. 2011.
SITES INDICADOS Breve história da Educação no Brasil: http://www.youtube.com/watch?v=eTYWvbW8XPw&playnext=1&list=PL129944938 FFB0E35 (http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/periodo_pombalino_intro.html)
Invenção da Escrita: http://www.malhatlantica.pt/aeiou/hist_escrita_1.htm
Métodos de Alfabetização: http://pessoas.hsw.uol.com.br/metodo-de-alfabetizacao.htm
http://espacoeducar-liza.blogspot.com/2009/02/historia-das-cartilhas-dealfabetizacao.html
REFERÊNCIAS
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Fotos e informações sobre as cartilhas publicadas:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006.
BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e leitura. São Paulo: Cortez, 1994. (Coleção magistério. 2o. grau. Série formação do professor; v.16).
CAGLIARI, Luiza Carlos. Alfabetizando sem bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1998. (Pensamento e Ação no Magistério).
COLELLO, Silvia M. Gasparian. A escola que (não) ensina a escrever. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
DARRÓZ, Lis Amanda; SCHELBAUER, Analete Regina. A trajetória do método analítico para o ensino de leitura no Brasil. In. Revista HISTEDBR On-line. Campinas, n.25, março, 2007, p.75-85.
FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
HOGOUNET, Charles. História concisa da escrita. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
KLEIMAN, Angela. Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado das Letras, 1995.
MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os sentidos da alfabetização: São Paulo-1876-1994. São Paulo: Unesp, 2000.
MORTATTI, Maria do R. Longo. Educação e letramento. São Paulo: UNESP, 2004. (Coleção Paradidáticos, Série Educação)
MORTATTI, Maria do R. Longo. História dos métodos de alfabetização no Brasil. Brasília: MEC/Dep. de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental, 2006. Seminário “Alfabetização e letramento em debate.” Disponível em: portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/.../alf_mortattihisttextalfbbr.pdf. Acesso em: 21 mar. 2011.
NASCIMENTO, Maria Isabel Moura. Antônio de Sampaio Dórea. 2011. Disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/ navegando/glossário/verb_b_antonio_de_sampaio_doria.htm Acesso em: 23 mar. 2011
SECO, Ana Paula; AMARAL, Tania Conceição Iglesias do. Marquês de Pombal e a reforma educacional brasileira. 2011. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/periodo_pombalino_intro.html. Acesso em: 23 mar.2011.
SILVA, Mariza Vieira da. Alfabetização, escrita e colonização. In: Eni P. Orlandi.(Org.) História das ideias linguísticas. Campinas: Pontes; Cárceres, MT: Unemat Editora, 2001. p.139 -154.
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SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. 2. ed. São Paulo, Contexto, 2005.
TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. São Paulo, Cortez, 1985.
VISVANATHAN, Christianne. Como funcionam os métodos de alfabetização. 2008. Disponível em: http:// pessoas.hsw.uol.com.br/metodo-de-alfabetizacao2.htm. Acesso em: 23 mar. 2011.
AULA 03 – O QUE PENSA PIAGET
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Autora: Karine Araújo Silveira
“O principal objetivo da educação é criar pessoas capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que as outras gerações fizeram.”
(JEAN PIAGET)
“O caminho desde o objeto até a criança e desta até o objeto passa por outra pessoa.”
(LEV VYGOTSKY)
Olá, querido(a) aluno(a)!
A linguagem da criança sempre provocou especulações das mais diversas entre estudiosos de áreas como a Linguística, a Psicologia, a Neurologia, a Pedagogia, dentre outras. Compreender como as nossas crianças usufruem dessa linguagem, através da fala ou da escrita, sempre foi um desafio para os pesquisadores. (SCARPA, 2001) A aquisição da linguagem não é caótica, muito menos aleatória. As crianças, em sua maioria, seguem os mesmos caminhos e estratégias, no entanto, é possível encontrarmos desvios e variações em número bem menor. O fato é que, por volta dos três anos, as crianças são capazes de fazer uso produtivo da língua da comunidade linguística em que estão inseridas. Não faltam explicações para esse fenômeno e essas explicações, muito frequentemente, estão organizadas em correntes teóricas: como o behaviorisvo, o inatismo, o cognitivismo de Piaget e o interacionismo de Vygotsky. A presente aula traz como principal objetivo apresentar as principais ideias de Piaget e Vygotsky sobre o processo de aquisição/aprendizagem da linguagem e as contribuições desses ilustres estudiosos que influenciam fortemente as concepções e práticas dos educadores. No entanto, para que a compreensão das ideias desses dois pensadores seja plena, torna-se importante estabelecer uma reflexão sobre como a linguagem é adquirida sob a ótica do Behaviorismo de Skinner e do Inatismo de Chomsky.
BEHAVIORISMO VERSUS INATISMO
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Teorias sobre como as crianças adquirem uma língua têm surgido e sido debatidas por psicólogos, filósofos, linguistas, dentre tantos outros estudiosos. De acordo com Scarpa (2001), os estudos sobre os mecanismos e processos de aquisição da linguagem ganharam um forte impulso no final da década de 50 (século XX), a partir dos trabalhos do linguista Noam Chomsky, em reação forte ao behaviorismo.
BEHAVIORISMO DE B.F. SKINNER
Nenhum pensador ou cientista do século XX buscou tão profundamente a possibilidade de controlar o comportamento humano, inclusive o comportamento linguístico, como o psicólogo norte-americano Burrhus Frederic Skinner. No final da década de 50, o cenário científico estava completamente dominado pelas propostas behavioristas. Cenário mais que propício para a publicação do livro Verbal Behavior (Comportamento Verbal) de B. F. Skinner.
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decorrente de mecanismos comportamentais como reforço, estímulo e resposta. Aprender a língua materna não seria diferente, em essência, da aquisição de outras habilidades e comportamentos, como andar de bicicleta, dançar, etc., já que se trata, ao longo do tempo, do acúmulo de comportamentos verbais. (SCARPA, 2001, p. 206)
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A aprendizagem da linguagem seria fator de exposição ao meio e
Assim, para Skinner, a língua materna seria aprendida por uma complexa cadeia de estímulos e respostas. A criança herda a capacidade de pronunciar e repetir os sons da fala e a articulação desses sons se torna um hábito e a criança passa a imitar os sons que ouve, fazendo associações entre os sons e os objetos e, posteriormente, aprende a associar uma palavra a um objeto que está ausente. De acordo com Scarpa (2001, p. 217), “imagine que a criança vê uma mamadeira (estímulo) e diz “papá”. Se ela conseguir com isso que lhe deem a mamadeira, será reforçada positivamente, “aprenderá” que quando quiser comida deve dizer “papá.” A proposta de Skinner nega a especificidade da linguagem. Ela é um complexo instrumento de comunicação que envolve aspectos biológicos, cognitivos e sociais. Além disso, não dá conta de uma questão básica:
Como as crianças conseguem produzir enunciados linguísticos complemente inéditos, nunca ouvidos ou pronunciados?
Para responder a essa questão, entra em cena outro estudioso: Noam Chomsky, convidado a escrever o prefácio do livro Verbal Behavior, bombardeou as propostas de behavioristas sobre a aquisição das línguas maternas.
INATISMO
Segundo Pinker (2002, p. 14), “no século XX, a tese mais famosa de que a linguagem é como um instinto foi elaborado por Noam Chomsky, o primeiro linguista a revelar a complexidade do sistema e talvez o maior responsável pela moderna revolução na ciência cognitiva e na ciência da linguagem.” Antes do Inatismo, as ciências que estudavam o homem e a sociedade estavam
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impregnadas por concepções behavioristas e, por esse motivo, rejeitavam o estudo dos processos mentais e a existência de ideias inatas. Chomsky adota uma postura inatista para explicar o processo através do qual o ser humano adquire a linguagem. A linguagem seria específica da espécie humana, transmitida geneticamente. A linguagem seria desencadeada por um dispositivo inato, ou seja, o indivíduo já nasce com ela, inscrito na mente.
Figura 1 - Foto de Noam Chomsky
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O eixo central das propostas de Chomsky está no fato de considerar a linguagem humana como inata e biologicamente determinada. A linguagem, para Chomsky, traz em si uma característica genética, uma vez que é transmitida de uma geração para outra. Essa linguagem, por ser uma característica do ser humano, seria universal, ainda que algumas diferenças superficiais existam. Dessa forma, a linguagem passa a ser considerada um fator biológico e cognitivo, as crianças já nasceriam programadas para adquirir uma linguagem, a partir de sua exposição à fala. Imersa nesse ambiente linguístico, a criança exposta, desenvolve seu conhecimento linguístico. Chomsky (1965, p. 17) afirma que “cada criança nasceria com uma fechadura, pronta para receber uma chave; cada chave acionaria a aquisição de uma língua diferente, daí todas nascerem com a mesma capacidade e poderem adquirir as mais diferentes línguas”. Para Chomsky, o behaviorismo era incapaz de explicar a complexidade e as peculiaridades do conhecimento linguístico. Chomsky traz dois argumentos básicos a favor do inatismo:
Em um período muito reduzido, de 12 a 24 meses de idade, as crianças são capazes
tuem seu conhecimento linguístico. Essa mesma criança é exposta a estímulos muito pobres, frases incompletas e truncadas e, ainda assim, consegue, de forma magistral, construir sua linguagem.
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de dominar um conjunto bastante complexo de regras ou princípios básicos que consti-
Para Chomsky, a única explicação estaria na existência de um dispositivo de aquisição da linguagem preparado para isso. Esse mecanismo inato faz “desabrochar” aquilo que “já está lá” (SCARPA, 2001, p. 207). Esse Dispositivo de Aquisição da Linguagem (LAD – Languagem Aquisition Device) seria alimentado pela exposição da criança ao meio. A criança estaria, então, preparada para processar e organizar as estruturas linguísticas percebidas através do convívio social. Piaget discordava amplamente da ideia de que a linguagem estaria lá e que, de forma muita rápida, ela começasse a ser produzida pelas crianças. Para Piaget, a criança precisa percorrer estágios de desenvolvimento cognitivo e a linguagem acompanharia a evolução desses estágios.
JEAN PIAGET E SEU COGNITIVISMO CONSTRUTIVISTA “Educação, para a maioria das pessoas, significa tentar guiar a criança para parecer com o adulto típico de sua sociedade. Para mim, educação significa produzir criadores, mesmo que não haja muitos deles, mesmo que a criação de uma pessoa esteja limitada pela comparação com a de outros.”
(PIAGET)
Figura 2 - Jean Piaget
Fonte: commons.wikimedia.org
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De acordo com Moreira (1999), Piaget é pioneiro no enfoque construtivista à cognição humana. Suas propostas se configuram uma teoria construtivista do desenvolvimento cognitivo humano. Apesar de vários dos trabalhos de Piaget datarem das décadas de 20 e 30, somente nos anos 70, foi redescoberto, por assim dizer. A partir daí, inicia-se o processo de declínio das propostas behavioristas e ascensão do cognitivismo e do construtivismo nos estudos pedagógicos. As propostas de Piaget nunca foram específicas para a aquisição da linguagem, muito menos para a aprendizagem da escrita, no entanto, mostram um novo olhar em direção às crianças e como essas desenvolvem o conhecimento, inclusive o desenvolvimento das habilidades linguísticas.
A teoria de Piaget do desenvolvimento mental é normalmente considerada como situando-se entre os extremos tradicionais do racionalismo (Chomsky) e do empirismo (Skinner). Por outro lado, Piaget acentua a importância da experiência (e, particularmente, a experiência sensório-motora), por outro lado ele considera os vários estágios do desenvolvimento cognitivo como algo específico da espécie e geneticamente programado. (MELO, 2005, p. 32)
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Ao contrário de Skinner, Piaget acreditava no Mentalismo – acreditava na existência de estruturas cognitivas (mentais) que estariam prontas para processar as experiências pelas quais as crianças passam no dia a dia. Quanto ao behaviorismo, ainda que Piaget reconheça e valorize a experiência com os estímulos do ambiente para a constituição da inteligência, a dimensão do papel ocupado por ela é grande demais no behaviorismo. Do outro lado, quanto ao inatismo, Piaget não acredita que o conhecimento seja inerente ao próprio sujeito, nem que o conhecimento provenha totalmente das observações do meio que o cerca. O conhecimento não emerge pronto da mente da criança (PALMER, 2006).
Ainda que Piaget compartilhe com Chomsky alguns postulados, como a existência de um núcleo fixo componente da mente humana a partir do nascimento, há divergência entre ambos quanto à definição dos elementos que fariam parte deste núcleo. (AZENHA, 2003, p. 21)
O conhecimento seria desenvolvimento através do estabelecimento de relações entre o indivíduo e o seu meio. Esse indivíduo carrega em si um conjunto de estruturas cognitivas que estabelecem uma relação com os objetos presentes no am-
Para Piaget, o comportamento não é inato, como Chomsky acredita, e também não é resultado dos estímulos e condicionamentos estabelecidos por Skinner. Para Piaget, o comportamento constitui-se numa complexa interação entre o indivíduo (estruturas cognitivas) e o ambiente (objetos). Assim, quanto mais complexos os objetos, mais complexa será a interação. Afirma, também, que o homem é naturalmente egocêntrico, de modo que só
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biente.
se socializa a duras penas, em um longo processo que começa na família e termina na comunidade. Esse amadurecimento social ocorre em paralelo ao amadurecimento cognitivo. Assim, o desenvolvimento da linguagem estaria limitado ao desenvolvimento cognitivo, uma vez que existem aspectos na linguagem que só serão adquiridos após o processo de amadurecimento cognitivo.
A FALA EGOCÊNTRICA
Em seu livro “A linguagem e o pensamento”, Piaget (1986) aborda as funções que a linguagem pode admitir. Chegou a conclusão que a linguagem pode assumir duas funções: a linguagem não comunicativa ou egocêntrica e a linguagem comunicativa ou socializada. Apesar de o egocentrismo assumir um papel fundamental nas propostas de Piaget, ele acredita que a fala egocêntrica não desempenha nenhum papel realmente útil no comportamento das crianças e que, ao longo do tempo, até a idade escolar, acaba por desaparecer (MELO, 2005). Então, a fala social é representada como sendo subsequente à fala egocêntrica, ou seja, a fala egocêntrica será substituída pela fala social. Na fala egocêntrica, a criança fala apenas sobre ela, sem demonstrar interesse pela pessoa com a qual está interagindo, pelas pessoas que estão no seu entorno. Não apresenta tentativas de estabelecer uma comunicação, um diálogo. “Essa linguagem é egocêntrica não apenas por que a criança só fala de si, mas, sobretudo porque ela não procura se colocar do ponto de vista do seu interlocutor.” (PIAGET, 1986, p. 18) De acordo com Smolka (1993), a fala egocêntrica aparece no período pré-operatório com funções de prazer, jogo ou desejo e se atrofia e desaparece no período das operações concretas, à medida que o pensamento vai se tornando lógico e social.
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PIAGET E A ESCOLA TRADICIONAL
Para Piaget, a educação e a aprendizagem enriquecem muito pouco o desenvolvimento cognitivo das crianças, afinal, esse desenvolvimento cognitivo é um processo natural e espontâneo, baseado no amadurecimento biológico. Ainda assim, Piaget critica algumas posturas das escolas que adotam um método de ensino tradicional. Segundo Gadotti (2002, p. 156), a crítica de Piaget (1977) à escola tradicional é “ácida”. “Os sistemas educacionais objetivam mais acomodar a criança aos conhecimentos tradicionais que formar inteligências inventivas e críticas”. Nas escolas tradicionais, as informações são transmitidas oralmente, dentro da sala de aula, com pouco ou nenhum contato das crianças com o mundo, sem um intercâmbio com o mundo ou com experiências práticas referentes aos conteúdos ensinados. Dessa forma, espera-se que o aluno, em troca, reproduza as informações de maneira muito próxima a forma como o professor explicitou, desconsiderando assim a etapa de amadurecimento em que cada uma das crianças está inserida. Piaget critica duramente a noção de erro que a escola tradicional assume. Os erros nas escolas tradicionais são alvos de penalidades, notas baixas e, em alguns mo-
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mentos da nossa história, de punições físicas. Piaget mostrou o quanto é necessária a passagem por “erros constitutivos” em todos os domínios do conhecimento. É errando que as crianças refletem sobre esse erro e aprendem.
OS ERROS CONSTITUTIVOS
Para La Taille (1997, p. 25), Piaget trouxe uma nova concepção para o erro, “de pecado capital da aprendizagem, o erro ganhou certa nobreza, foram demonstradas sua função e utilidade”. O erro, portanto, adquire um novo papel na sala de aula, deixa de ser um elemento de avaliações formais e passa a ser um elemento que estabelece o que deve ser ensinado, revisado, proposto pelo professor. Piaget compreendeu que o erro é simplesmente uma forma de pensar da criança e, é claro, a criança pensa diferente do adulto. O erro para Piaget é algo positivo e necessário para o processo de aprendizagem das crianças. A aprendizagem seria, então, constituída por erros e acertos. O erro construtivo, para o autor, nada mais é do que um resultado de uma hipótese elaborada pela criança para resolver um problema de aprendizagem. Caso não funcione, a criança retorna ao início de sua busca, estabelecendo novas hipóteses e novos erros ou acertos podem surgir. Os erros são, dessa forma, o resultado do esforço que a criança faz para aprender.
Quando o(a) professor(a) tenta impedir a todo custo que a criança erre, ele(a) está impedindo que essa criança viva o processo de sucessivas aprendizagens e que construa os instrumentos necessários ao seu pensar. O importante é que o(a) professor(a) passe a olhar o erro de forma diferente, como parte do aprendizado da criança (MEC, 2005, p. 26).
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É importante que o professor permita que a criança erre e não a corrija com recriminação ou punição, mas de uma forma que a criança possa refletir sobre o erro para superá-lo.
VYGOTSKY E O SÓCIO-INTERACIONISMO “O saber que não vem da experiência não é realmente saber.” Vygotsky
Para Vygotsky, o desenvolvimento do indivíduo resulta de um processo sócio-histórico. Diferentemente de Piaget, que supõe a equilibração como um princípio essencial para explicar o desenvolvimento cognitivo, Vygotsky parte da proposta de que esse desenvolvimento não pode ser compreendido sem estabelecer referências ao contexto social e cultural no qual esse desenvolvimento ocorre, ou seja, o desenvolvimento cognitivo não pode ocorrer independente do contexto social, histórico e cultural (MOREIRA, 1999). Assim, os processos mentais do indivíduo não seriam produtos dos estágios de maturação, propostos por Piaget, mas, teriam sua origem nos processos de interação social.
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Fonte: www.sxc.hu
Esta, talvez, seja a maior originalidade da teoria de Vygotsky, a ênfase que ele dá ao papel dos contextos culturais e da linguagem no processo de aprendizagem.
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Vygotsky enfatiza a ligação entre as pessoas e o contexto cultural em que vivem e são educadas. De acordo com ele, as pessoas usam instrumentos que vão buscar à cultura onde estão imersas e entre esses instrumentos tem lugar de destaque a linguagem, a qual é usada como mediação entre o sujeito e o ambiente social. A internalização dessas competências e instrumentos conduz à aquisição de competências de pensamento mais desenvolvidas, constituindo o cerne do processo de desenvolvimento cognitivo. (MARQUES, 2007, p. 3)
Vygotsky foi um dos primeiros psicólogos da modernidade a propor processos através dos quais a cultura passa a fazer parte da natureza de cada individuo. Para ele as funções psicológicas e comportamentais são produto de uma atividade cognitiva. O próprio Vygotsky discorre sobre os resultados encontrados e desenvolvidos ao longo da sua obra:
[...] pode-se resumir nossa contribuição nos seguintes pontos: 1) provar experimentalmente que os significados das palavras evoluem na idade infantil e descrever as fases principais desse processo; 2) descobrir o curso do desenvolvimento dos conceitos científicos na criança, suas diferenças em comparação com a evolução dos conceitos espontâneos e as leis fundamentais destes processos; 3) demonstrar a natureza psicológica da linguagem escrita como função independente da fala, assim como sua relação com o pensamento; 4) comprovar experimentalmente a natureza psicológica da fala in-
Somente por esta fala de Vygotsky podemos observar o quão vasta é a sua obra e, principalmente, o quão numerosas e intensas são suas indagações. Ele mostra uma clara preocupação com as crianças e, especificamente, com o desenvolvimento da linguagem nas crianças, o que o torna muito especial para a área da Pedagogia.
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terna e sua relação com o pensamento (VYGOTSKY, 1989, p. 22)
INSTRUMENTOS E SIGNOS
Vygotsky propõe que dois elementos sejam responsáveis pelo processo de mediação: o INSTRUMENTO, responsável pela regulação das ações sobre os objetos, e o SIGNO, responsável pela regulação das ações sobre os processos cognitivos dos indivíduos.
Bom... precisamos definir o que são instrumentos e signos.
Um instrumento é algo que pode ser usado para fazer alguma coisa; um signo é algo que significa alguma outra coisa. INSTRUMENTO, portanto, é qualquer objeto ou elemento que tem alguma utilidade prática. Por exemplo, garfo, colher, enxada, etc. Esses tipos de instrumentos são chamados de instrumentos físicos. O uso de instrumentos na mediação homem-ambiente distingue, de maneira essencial, o homem dos outros animais.
O instrumento é um elemento interposto entre o trabalhador e o seu objeto de seu trabalho, ampliando as possibilidades de transformação da natureza. O machado, por exemplo, corta mais e melhor que a mão humana [...]. O instrumento é feito ou buscado especialmente para um certo objetivo. Ele carrega consigo, portanto, a função para a qual foi criado e o modo de utilização desenvolvido durante a história do trabalho coletivo. É, pois, um objeto social e mediador da relação entre indivíduo e mundo. (OLIVEIRA, 2001, p. 29)
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E os animais, eles não utilizam instrumentos?
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Fonte: UNIFACS
Na foto anterior, você vê um chimpanzé que, utilizando um graveto fino e flexível, retira cupins de um ninho de cupins. Os cupins grudam no graveto e o chimpanzé
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passa o graveto pelos lábios e come os cupins. Como pudemos ver, tanto o ser humano quanto alguns animais, estão aptos a utilizarem instrumentos. Vygotsky considera essas utilizações de forma bem diferentes. Para Vygotsky, os animais só produzem instrumentos quando existe uma necessidade real de utilização. Os instrumentos desenvolvidos pelos animais não são armazenados para serem reutilizados. O homem atua diferente: constrói, armazena e desenvolve uma relação histórico-cultural com esses objetos.
A atividade dos animais é instintiva e marcada pela satisfação de suas necessidades biológicas (de alimento, autoconservação ou necessidade sexual). Ou seja, ela permanece sempre dentro dos limites das suas relações biológicas, instintivas, com a natureza. [...] A maior parte dos atos humanos não se baseia em inclinações biológicas. Ao contrário, de modo geral, a ação do homem é motivada por complexas necessidades, tais como: a necessidade de adquirir novos conhecimentos, de se comunicar, de ocupar determinado papel na sociedade, de ser coerente com seus princípios e valores etc. [...] Devido a convicções políticas ou religiosas, o homem é capaz, por exemplo, de jejuar, fazer sacrifícios, se autoflagelar e até morrer, ou seja, através do controle intencional de seu comportamento, além de não se sujeitar a elas, ele reprime a até contraria suas necessidades puramente biológicas (REGO, 2000, p. 44-5).
E os signos? Qual a diferença entre instrumento e signo?
O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira semelhante ao papel do instrumento nas relações sociais. De acordo com Rego (2000), com o auxílio dos signos, o homem controla volun-
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tariamente suas atividades psicológicas, além de ampliar suas habilidades de atenção, memória e registro de informações. SIGNOS são elementos que nos fazem lembrar de algo, que fazem referência a alguma coisa. Podem ser utilizados para fazer referência a um objeto culturalmente criado ou a uma experiência vivida. Existem três tipos de signos:
1) indicadores, são aqueles que têm relação de causa e efeito com aquilo que significam (e.g., fumaça indica fogo, porque é causada pelo fogo); 2) icônicos, são imagens ou desenhos daquilo que significam; 3) simbólicos, são os que têm uma relação abstrata com o que significam. As palavras, por exemplo, são signos linguísticos, os números são signos matemáticos; a linguagem, falada e escrita, e a matemática são sistemas de signos. (LIMA, 2000, p. 221)
O sistema simbólico fundamental é a linguagem. Através da linguagem, o homem organiza os signos em estruturas cognitivas e esses signos estabelecem uma relação essencial na construção das características psicológicas e comportamentais humanas. A linguagem se constitui como o signo fundamental, pois ela tem o poder de representar simbolicamente objetos e eventos. Podemos dizer, assim, que o símbolo representa uma ausência. Na ausência física de um objeto, ele pode ser representado pela linguagem, sem que haja necessidade de tê-lo concretamente ao alcance das mãos. (LIMA, 2000, p. 223) A linguagem provê três características importantes para os processos psicológicos humanos: Ideias podem ser transmitidas independentemente do tempo e do espaço; Habilidade de analisar, abstrair, generalizar, classificar e definir; Capacidade de comunicação entre os homens, garantindo a transmissão e o armazenamento de dados e experiências vivenciadas ao longo da história do individuo e das pessoas do seu entorno.
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634 Para Vygotsky (1988), a fala é o principal sistema de signos para o desenvolvimento cognitivo, porque ela relaciona o concreto com o abstrato, o real com o simbólico, permitindo, no decorrer do desenvolvimento, generalizar as variadas situações que não ocorreram durante a aprendizagem. Além disso, a fala surge muito cedo nas crianças, por volta do primeiro ano de idade. A partir desse momento, a criança estabelece um processo de socialização muito mais efetivo. Dessa forma, como afirma Lima (2000), a linguagem é um dos principais aspectos da teoria de Vygotsky, bem como, ponto de divergências entre o autor e Piaget. Se por um lado Vygotsky depositou na linguagem um papel fundamental na constituição das Funções Mentais Superiores, para Piaget, a linguagem era simplesmente um dos principais objetos a serem adquiridos pelas crianças. Outra diferença em relação à teoria de Piaget reside na concepção de fala egocêntrica proposta por Vygotsky. Para ele, a fala egocêntrica vem da fala social e representa a utilização da linguagem para mediar ações. Para as crianças, a fala é tão importante quanto a ação para atingir um objetivo. As crianças não ficam falando sem propósito, aleatoriamente, elas estão estabelecendo o diálogo consigo, refletindo sobre a solução de um problema. (MOREIRA, 1999)
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Para Vygotsky (1988), as crianças realizam suas atividades cotidianas com ajuda da fala. A fala seria tão importante quanto os olhos e as mãos. Quanto mais complexa a atividade a ser realizada, maior será a necessidade da fala. (VYGOTSKY, 1988).
E COMO INTERIORIZAMOS AS RELAÇÕES QUE ESTABELECEMOS COM OS INSTRUMENTOS E OS SIGNOS? COMO ESSAS RELAÇÕES DEIXAM DE SER SOCIAIS E PASSAM A SER MENTAIS?
Ao longo do processo de desenvolvimento do ser humano, os elementos que fazem parte do mundo externo vão se transformando em internos, através de um processo de mediação. Essa mediação também pode ser chamada de internalização. Aos poucos o individuo deixa para trás os objetos internos e passa a utilizar os signos, já internalizados. Assim, as representações mentais dos objetos e das experiências vividas vão substituindo os objetos do mundo real. Essa capacidade de lidar com representações que substituem o próprio real é que possibilita ao homem libertar-se do espaço e do tempo presente, fazer relações mentais na ausência das próprias coisas, imaginar, fazer planos e ter intenções. Posso pensar em um gato que não está presente no local em que estou, (...). Essas possibilidades de operação mental não constituem uma relação direta com o mundo real fisicamente presente; a relação é mediada pelos signos internalizados que representam os elementos do mundo, libertando o homem da necessidade de interação concreta com os objetos de seu pensamento (OLIVEIRA, 1999, p. 35).
ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL A Zona de desenvolvimento proximal também conhecida como ZDP é um dos pontos centrais da teoria de Vygotsky. A ZDP representa a distância entre o conhecimento real e o conhecimento potencial, ou seja, representa o intervalo entre o que realmente foi aprendido e o que poderia ter sido aprendido.
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Dessa forma, a ZDP seria o conjunto de informações que um indivíduo potencialmente pode aprender, mas o processo de aprendizagem não está finalizado e essas informações ainda estão fora do seu alcance. A educação trabalharia justamente estimulando a aquisição do conhecimento potencial a partir do conhecimento já adquirido. Quanto ao “professor vygotskyano”, Neves e Damiane (2006) explicam que é aquele que, detendo mais experiência, atua mediando as relações que os alunos podem estabelecer com o conhecimento que está sendo adquirido. O professor deve atuar procurando criar Zonas de Desenvolvimento Proximal (ZDPs), ou seja, intervindo e ajudando o aluno a alcançar seu potencial. Na Zona de desenvolvimento proximal, o professor deve agir de forma bastante explícita, atuando pontualmente no desenvolvimento dos seus alunos. O professor ________________________ deve proporcionar avanços que não aconteceriam espontaneamente, não acontece- ________________________ riam sem a intervenção do professor. Dessa forma, pode-se afirmar que Vygotsky resgata o caráter indispensável da escola e do professor no processo de ensino-aprendizagem, uma vez que, a escola e o professor podem interferir no processo de aprendizagem dos alunos. Além disso, escola e professor são agentes sociais responsáveis pela transmissão do conhecimento armazenado ao longo da história da humanidade.
Tal análise implica questões atuais: a primeira é a ideia de que a escola deve valorizar, sobretudo, as interações entre os diferentes. Sendo assim, a concepção de que salas de aula heterogêneas são preocupantes também se desfaz, pois interações heterogêneas implicam indivíduos com diferentes zonas de desenvolvimento proximal, interatuando uns na ZDP dos outros. O aluno menos experiente beneficia-se dessa interação, pois o outro pode ajudá-lo em elaborações que ele não consegue realizar individualmente; como também o mais experiente beneficia-se, pois, no momento em que ele procura ajudar o outro a desenvolver novos conceitos, isso implica uma organização e estruturação de suas próprias ideias, a fim de sistematizá-las e compartilhá-las com o outro, reestruturando e consolidando, assim, suas antigas concepções. (LIMA, 2000, p. 225)
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Para Vygotsky (1982), o indivíduo é ativo e transforma o meio. É primeiro social e depois individual.
Veja as palavras de Rego (1999, p. 98), ao
descrever a Teoria Vygotskyana:
Em síntese, nessa abordagem, o sujeito produtor de conhecimento não é um mero receptáculo que absorve e contempla o real nem o portador de verdades oriundas de um plano ideal; pelo contrário, é um sujeito ativo que em sua relação com o mundo, com seu objeto de estudo, reconstrói (no seu pensamento) este mundo. O conhecimento envolve sempre um fazer, um atuar do homem.
Vygotsky defende a ideia de que a criança aprende muito mais quando confronta tarefas que realmente desafiem suas habilidades cognitivas, no entanto, é importante que esse desafio seja passível de ser realmente enfrentado pela criança, ou seja, não pode ser muito fácil, nem tão difícil a ponto de não fazer parte das potencialidades da criança.
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Para Vygotsky (1988, p. 143), a aquisição da escrita é iniciada “[…] muito antes da primeira vez que o professor coloca um lápis em sua mão e mostra como formar letras”. Partindo dessa ideia, ele estabelece uma crítica ao aprendizado da escrita apenas como uma técnica motora. “Ensina-se as crianças a desenhar letras e construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que se acaba obscurecendo a linguagem escrita como tal.” (VYGOTSKY, 1984, p. 119) Bem… Poderíamos ficar mais algumas páginas refletindo sobre as propostas de Piaget e Vygotsky, mas, precisamos conhecer as ideias de Paulo Freire. Até a aula 4!
SÍNTESE De forma bastante breve, foram expostas as principais propostas de Piaget e Vygotsky sobre a aquisição/aprendizagem da linguagem. Sobre Piaget foram abordados: seu conceito de conhecimento e como este é construído (Construtuvismo), suas críticas ao behaviorismo de Skinner e ao inatismo de Chomsky. Além disso, abordou-se também a fala egocêntrica e os erros constitutivos. Vygostsky interessou-se amplamente por questões referentes à linguagem: seu caráter simbólico (signos e instrumentos), a fala egocêntrica e social e zona de desenvolvimento proximal.
Palmer (2006), citando Piaget, afirma que: Não é por saber o teorema de Pitágoras que o raciocínio livre de uma pessoa está garantido. Em vez disso, está garantido por ter redescoberto que existe tal teorema e como demonstrá-lo. O objetivo da educação intelectual não é saber como repetir ou conservar verda-
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QUESTÃO PARA REFLEXÃO
des prontas (uma verdade que é repetida como papagaio é só meia verdade). É próprio da aprendizagem, inerente à verdadeira atividade conquistar a verdade por si mesma, sob pena de se perder muito tempo e dar uma porção de voltas. (PALMER, 2006, p.59)
Com base na citação, podemos afirmar que adotar o ensino conteudista, o que é feito nas nossas escolas, conduz a criança à construção do conhecimento?
Pense também em justificativas contra e a favor do ensino conteudista adotado pelas escolas.
LEITURAS INDICADAS
AZANHA, Maria da Graça. Construtivismo: de Piaget a Emilia Ferreiro. São Paulo: Ática, 2003. (Série Princípios).
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SITES INDICADOS
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PAULO FREIRE
Autora: Karine Araújo Silveira “Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo,
torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente,
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AULA 04 – AS INSPIRADORAS IDEIAS DE
ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se
a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela
tampouco a sociedade muda.” (FREIRE, 1997, p. 23)
Olá, querido(a) aluno(a)!
Depois de apresentadas as ideias de Piaget e Vygotsky, chegamos a um educador genuinamente brasileiro, Paulo Freire. As suas ideias fascinantes inspiraram e inspiram milhões de educadores no Brasil e no mundo. São ideias inovadoras e libertadoras de muitos indivíduos oprimidos. Esta aula tem como objetivo principal abordar algumas das concepções freirianas sobre a educação, enfatizando suas propostas para a alfabetização de adultos. Vamos à Aula 5.
FREIRE E SUA EDUCAÇÃO LIBERTADORA “A educação tem sentido porque o mundo não é necessariamente isto ou aquilo, porque os seres humanos são projetos quando podem ter projetos para o mundo. A educação tem sentido porque mulheres e homens aprenderam que é aprendendo que se fazem e se refazem, porque mulheres e homens se puderem assumir como seres capazes de saber, de saber que sabem, de saber que não sabem. De saber melhor o que já sabem, de saber o que ainda não sabem. A educação tem sentido porque, para serem, mulheres e homens precisam de estar sendo. Se mulheres e homens simplesmente fossem não haveria porque falar em educação.” (FREIRE, 2000, p. 40)
“Se não posso, de um lado, estimular os sonhos impossíveis, não devo, de outro, negar a quem sonha o direito de sonhar.” (FREIRE, 1988, p. 163).
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Figura 1 - Foto de Paulo Freire
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Paulo_Freire.jpg
Para Freire (2006, p. 11), “A leitura do mundo precede a leitura da palavra.” A partir dessa concepção sobre leitura, o autor põe o educando na posição de sujeito ativo do seu próprio processo de aprendizagem, promovendo, assim, uma alfabetização não mecânica, mas conscientizadora e reflexiva. Paulo Freire foi um dos mais importantes e influentes escritores sobre teoria e prática da educação crítica no século XX e continua tendo grande influência nos dias de hoje. Estava envolvido com movimentos sociais e educação de adultos, especialmente os movimentos ligados à cultura popular e às comunidades de base da Igreja
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Católica. Atuou com trabalhadores rurais nas regiões pobres do Nordeste, onde iniciou o desenvolvimento de seus métodos de alfabetização (PALMER, 2006). A pedagogia de Freire aplicada à alfabetização provocou a ira das classes dominantes. De acordo com Barreto (2004), as classes dominantes, mais especificamente de São Paulo, rotulavam Freire como inimigo de Deus e delas, uma vez que ele propunha uma pedagogia que incentivava que os trabalhadores deveriam lutar pelos seus diretos, inclusive de lutar pelo direito que escolher o que deveria fazer parte do currículo escolar. Freire acreditava que a pedagogia deveria ser democrática, partindo sempre dos anseios, das necessidades e dos sonhos das classes populares. Estava consciente dos problemas que a educação brasileira vivia, era muito expressivo o número de analfabetos no país. Era necessário implantar o Movimento de Educação Popular. Freire apoiou essa proposta. Com o golpe militar, em 1964, as perseguições políticas e ideológicas foram brutais. Com pensamentos tão revolucionários e libertadores, Paulo Freire não seria deixado de fora. Como muitos pensadores da época, foi preso, torturado e suas ideias comparadas como as de famosos ditadores que fizeram parte da história da humanidade. Considerar o indivíduo ditador e comunista era suficiente para justificar a detenção daquele contrário ao governo militar. Diante de uma situação tão insegura, encontrou, no exílio, o único caminho. Exilou-se no Chile, mas não parou de advogar a favor dos oprimidos e das suas concepções. Durante o período em que ficou exilado, trabalhou em diversos países e sua influência cresceu no mundo.
ção. “Sob sua administração, muitos programas progressistas de educação para adultos, reestruturação de currículo, participação e conjunto ambicioso de políticas para democratização nas escolas foram implementados.” (PALMER, 2006, p.163) Morreu em 1997, mas seu legado e seus pensamentos permanecem vivos por todo mundo.
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Voltou do exílio em 1979 e, em São Paulo, foi designado Secretário de Educa-
A razão do poder duradouro de seu trabalho tem muito a ver com o poder de convicção de suas idéias. Talvez sua idéia mais produtiva seja a de que a educação é sempre um ato político. Essa idéia não foi apenas um slogan para ele. De fato, é central para a compreensão da teoria da educação de Freire. Para ele, a educação envolve sempre relações sociais e, portanto, necessariamente escolhas políticas. Freire insiste que questões como ‘o quê?’, ‘por quê?’, ‘como?’, ‘para que fim?’, são centrais em qualquer atividade educacional. (PALMER, 2006, p. 163)
Para Freire, essas perguntinhas não eram meras abstrações. Eram perguntas que deveriam ser feitas por todos os educadores. O papel do educador era, antes de qualquer outro, conscientizar seus alunos, criando um indivíduo reflexivo, capaz de perceber as relações sociais e políticas que se estabelecem no seio da sociedade. Freire acreditava que a maior parte das relações sociais nas sociedades capitalistas, incluindo as relações educacionais, era baseada em relações de opressão. As concepções educacionais de Freire são pautadas em relações de opressão, na maciça desigualdade social, política e econômica existente no Brasil. Como todos nós sabemos, a crise na educação é notória. A cada avaliação, os resultados das escolas não são satisfatórios. Ainda assim, milhares de indivíduos ingressam e concluem o ensino a cada ano. Esse cenário põe a crise em evolução. Para dificultar esse cenário, com o advento dos processos de globalização e dos inúmeros instrumentos tecnológicos, a sociedade acaba por exigir mais e mais dos seus indivíduos. São novos desafios que exigem um indivíduo mais reflexivo. Na contramão dessa reflexividade, a escola vem promovendo um ensino mecânico e muito conteudista, evitando, dessa forma, que se estabeleça como um ambiente de promoção de diálogo e participação, a fim de que os aspectos sociais, políticos e econômicos de uma sociedade sejam debatidos.
CONCEPÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO Com certeza, você já deve ter lido ou ouvido alguma das frases a seguir:
Ninguém educa ninguém. Ninguém educa a si mesmo. Os Homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.
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Ninguém liberta ninguém. Ninguém se liberta sozinho: os Homens
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se libertam em comunhão.
Não há educação neutra. Toda neutralidade afirmada é uma opção escondida.
Mesmo que não percebamos, a nossa práxis, como educadores, é para a libertação dos seres humanos, sua humanização, ou para a sua domesticação, sua dominação.
(FREIRE, 1978, p. 22-23)
Para Gadotti (2005), Freire pode posicionar-se entre os educadores renomados do século XXI e uma de suas maiores contribuições está na forma de pensar o conhecimento, que deve vir do concreto e não, simplesmente do pensamento. É preciso conhecer a realidade e refletir sobre ela. A nossa sociedade está dividida em classes. Essa divisão acaba por basear-se em critérios sociais e econômicos e essa característica faz com que benefícios e direitos não sejam distribuídos de forma igualitária.
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A educação seria, portanto, um bem cultural necessário, um direito, no entanto é “negada na injustiça, na exploração, na opressão, na violência dos opressores, mas afirmada no anseio de liberdade, de justiça, de luta dos oprimidos, pela recuperação de sua humanidade roubada.” (FREIRE, 1978, p. 30) Freire criou, também, a chamada categoria pedagógica da conscientização, com o objetivo de, através da educação, formar a autonomia intelectual do cidadão para que este possa refletir e intervir sobre a realidade. Por isso, para ele, a educação não é neutra. É sempre um ato político.
Freire passou a chamar a educação pouco reflexiva de educação bancária.
Educação Bancária
Ao longo de sua caminhada, Freire criticou fortemente as instituições escolares, uma vez que, segundo ele, estas praticavam a chamada EDUCAÇÃO BANCÁRIA, através da qual os conhecimentos eram depositados no aluno, com pouca ou nenhuma reflexão.
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Figura 2 - Charge retratando como acontece a educação bancária.
Fonte: UNIFACS - Adaptado de http://buscaeduc.blogspot.com/2011_03_01_archive.html
O educador é o que educa; os educandos, os que são educados; o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem; o educador é o que pensa; os educandos, os pensados; o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente; o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados; o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos os que seguem a prescrição; o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam; o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, se acomodam a ele; o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações daquele; o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos. (FREIRE, 1978, p. 68)
Dessa forma, Freire (1978) define a educação bancária como uma pedagogia por meio da qual os alunos são simplesmente depósitos de conhecimentos, apreendidos, assimilados sem reflexão. Essa prática tem como objetivo transferir os conhecimentos do professor para o aluno. Dessa forma, mantêm-se dois papéis na sala de aula: aquele que sabe (o professor) e aquele que não sabe (o aluno). Estabelece-se, dessa maneira, uma relação de opressão. Afinal, somente o professor detém o conhe-
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cimento e define o que deve ser abordado em sala de aula. Segundo Freire (1987), os indivíduos devem ser ativos na sociedade, devem buscar e realizar as mudanças necessárias. Não é de estranhar, pois, que nesta visão “bancária” da educação os homens sejam vistos como seres de adaptação, do ajustamento quando mais se exercitam os educandos no arquivamento dos depósitos que lhes são feitos, tanto menos desenvolverão em si a consciência crítica que resultaria a sua inserção no mundo como transformadores dele, como sujeitos. (FREIRE, 1987, p. 60)
Na educação bancária, o educador enche os alunos de conteúdos que são “aprendidos” através de um processo de memorização mecânica. Esse educador é disciplinador, não respeita os conhecimentos prévios dos alunos, limita sua criatividade, disciplina-os. Quanto mais conhecimentos são depositados nos alunos, melhores alunos serão. Os alunos inseridos nesse contexto fixam, decoram, memorizam, sem perceber o real significado dos conteúdos que estão sendo aprendidos. O aluno é passivo no processo de aprendizagem e na sua atuação no mundo. Nesse tipo de educação, não há criatividade, diálogo, transformação, não há experiência vivenciada. “Transforma a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime.” (FREIRE, 1987, p. 23)
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As práticas derivadas dessa concepção são verbalistas, voltadas para a transmissão e avaliação de conhecimentos abstratos. O professor “deposita” o saber e o ‘saca’ por meio do exame. Define-se aí uma relação de verticalidade (o saber é doado de cima para baixo) e de autoritarismo (quem sabe manda). (ARANHA, 2006, p. 338)
Depreende-se dessas palavras que a prática de expor os conteúdos e verificar se o aluno aprendeu através de avaliações mostra-se vertical e autoritária: vertical, porque o professor “doa”, dá o seu conhecimento para o aluno, ainda que esse conhecimento não faça parte do escopo de interesse de necessidades do aluno, e autoritária, porque o professor define o que deve ser aprendido e cobra esse conhecimento sem debate e sem permitir discordâncias, oferecendo ao aluno uma posição passiva na relação. Veja as palavras de Freire a esse respeito: […] assim como não posso ser professor sem me achar capacitado para ensinar certo e bem os conteúdos de minha disciplina, não posso, por outro lado, reduzir minha prática docente ao puro ensino daqueles conteúdos. Esse é um momento apenas de minha atividade pedagógica. Tão importante quanto ele, o ensino dos conteúdos, é o meu testemunho ético ao ensiná-los. É a decência com que o faço. É a preparação científica revelada sem arrogância, pelo contrário, com humildade. É o respeito jamais negado ao educando, a seu sa-
tante quanto o ensino dos conteúdos é a minha coerência na classe. A coerência entre o que digo, o que escrevo e o que faço. (FREIRE, 1978, p. 116)
Vimos, na Aula 1, que quanto maior o problema econômico e social em um determinado município ou capital, maiores serão os problemas com as taxas de anal-
647 alfabetização e letramento
ber de experiência de fato ’que busco superar com ele. Tão impor-
fabetismo. Para Freire, essa é uma questão política. As elites, detentoras do poder, manteriam certos indivíduos em situação de dominação e subjulgo. Para o autor, recai sobre a educação a obrigatoriedade, o compromisso, de lutar contra essa situação.
PEDAGOGIA REQUER CORAGEM Freire assinala que o pedagogo deve ser corajoso e audacioso para modificar o cenário da educação no Brasil e aponta a mudança na relação professor-aluno como um dos importantes aspectos para a transformação desse cenário. Freire explica que a relação professor-aluno sempre foi vista como uma relação entre opressor e oprimido, ou seja, o professor é aquele que não precisa aprender nada, e o aluno, aquele que não acrescenta nada ao professor, não estando ali como ator principal do processo educacional, mas sim como um mero ator coadjuvante. Para Freire, a relação entre professor e aluno deve trazer benefícios para ambos, ou seja, os dois, em conjunto, devem aprender um com o outro, buscando encontrar melhorias para as demandas das comunidades em que vivem. Na relação professor-aluno, o professor deve respeitar as limitações e as condições do aluno, e contribuir para que este não se desvincule de sua realidade. Conforme Freire, a educação ideal deve ser pautada no diálogo e não na imposição. Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos. Por que não discutir com os alunos a realidade concreta que se deva associar à disciplina, cujo conteúdo se ensina... Por que não estabelecer uma necessária ‘intimidade’ entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? (FREIRE, 1997, p. 33)
Aprender, de acordo com Freire (1988), […] é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito. (FREIRE, 1988, p. 77)
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Segundo Caldart e Kolling (2001), quatro aspectos representam adequadamente algumas das principais contribuições de Freire para a educação no Brasil: 1. uma profunda crença na pessoa humana e na sua capacidade de educar-se como sujeito da história;
2. numa postura política firme e coerente com as causas da pessoa oprimida, temperada com a capacidade de sonhar e de ter esperanças, com a ousadia de fazer e lutar pelo que se acredita. E junto com isto, a humildade de que nenhuma obra grandiosa se faz sozinha, e que é preciso continuar aprendendo sempre;
3. um jeito do povo se educar para transformar a realidade. Uma pedagogia que valoriza o saber do povo, ao mesmo tempo que o desafia a saber sempre mais;
4. uma preocupação especial com a superação do analfabetismo e com uma pedagogia que alfabetize o povo para ler o mundo. (CALDART; KOLLING, 2001, p. 11)
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Considerado um revolucionário, um modelo de filósofo da educação, cujo discurso possui marcas significativas, Freire declara que a educação está arraigada na realidade do homem, na busca de práticas que o levam à transformação do futuro. Numa sociedade de privilégios, é inevitável considerar a pedagogia “perigosa”. “Nenhuma ‘ordem’ opressora suportaria que os oprimidos todos passassem a dizer: ‘Por quê?’”(FREIRE, 1978, p. 87). Como consequência dessa preocupação em libertar, esclarecer, as camadas populares das classes dominantes, Freire iniciou um trabalho de alfabetizar adultos. A partir dessas experiências reais de alfabetização, aos poucos, o método de alfabetização de Paulo Freire foi sendo construído, através das técnicas e dos métodos utilizados nessa jornada.
MÉTODO DE ALFABETIZAÇÃO DE PAULO FREIRE
“Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz.” (FREIRE, 2006)
649 alfabetização e letramento
Figura 3 - Caricatura de Freire alfabetizando adultos
Fonte: UNIFACS - Adaptado de http://henriquepejoteiro.blogspot.com/2009_05_01_archive.html
Como Freire conceitua Alfabetização? Alfabetização é a aquisição da língua escrita, por um processo de construção do conhecimento, que se dá num contexto discursivo de interlocução e interação, através do desvelamento crítico da realidade, como uma das condições necessárias ao exercício da plena cidadania: exercer seus direitos e deveres frente à sociedade global. A aquisição do sistema escrito é um processo histórico, tanto a nível ontogenético, como a nível filogenético. O sistema escrito é produzido historicamente pela humanidade e utilizado de acordo com interesses políticos de classe. O sistema escrito não é um valor neutro. (FREIRE, 1996, p. 59)
Dessa forma, a alfabetização, para Freire, não se resume a um aprendizado mecânico e técnico de decodificação e codificação do sistema de escrita de uma língua. A alfabetização é um processo de construção do indivíduo em seus aspectos pessoais e intelectuais.
A Alfabetização não pode se fazer de cima para baixo, nem de fora para dentro, como uma doação ou uma exposição, mas de dentro para fora pelo próprio analfabeto, somente ajudado pelo educador. Esta é a razão pela qual procuramos fazer instrumento também do educando e não só do educador e que identificasse claramente como processo de aprendizagem. Por essa razão, não acreditamos nas cartilhas que pretendem fazer uma montagem de sinalização gráfica como uma adoção e que reduzem o analfabeto mais a condição de objeto de alfabetização do que a sujeito da mesma. (FREIRE, 1979, p. 72)
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650 No início dos anos 60, um fenômeno chamou a atenção de educadores e políticos: Paulo Freire conseguia alfabetizar adultos de forma bastante rápida. Não usava cartilhas e nem os métodos utilizados para alfabetizar crianças. Em Recife, promoveu pela primeira vez, o Círculo de Cultura do Movimento de Cultura Popular do Recife (MCP), com o objetivo de debater problemas cotidianos de uma comunidade denominada “Poço da Panela”. Dos cinco alunos que participaram, três aprenderam a ler e a escrever, os demais abandonaram a proposta. Foram somente 30 horas de curso. Em 1963, outra comunidade, Angicos, foi cenário para uma experiência de alfabetizar adultos em 40 horas. Foi em Angicos que Freire iniciou o processo de sistematização das estratégias que, mais tarde, seriam chamadas de Método Paulo Freire. Angicos, na época, apresentava uma taxa de 75% de analfabetismo. Freire e seus colaboradores alfabetizaram cerca de 300 pessoas nas 40 horas propostas. O sucesso foi tão grande que foi implantado o Plano Nacional de Alfabetização, no governo de João Goulart. Essa proposta visava aplicar o método de Freire e alfabetizar milhões de pessoas em cerca de 20 mil “Círculos de cultura”, espalhados pelo país. Apesar de Freire não ter atribuído a denominação método para seu método de
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alfabetização, este apresentava um conjunto de práticas bastante coerentes com as concepções dialógicas e reflexivas propostas pelo autor. O método de alfabetização de adultos, proposto por Freire, baseia-se em duas ações: a fala do educando e a fala do educador. A fala do educando representa o Estudo da Realidade e a fala do educador, a Organização dos Dados. O educador aqui é um mediador dessa relação educador-educando e os conteúdos surgem da fala do educando. A partir da relação que se estabelece entre educador e educando e das reflexões sobre os problemas da comunidade, emergem os chamados TEMAS GERADORES. Esses temas são extraídos dos debates sobre os problemas cotidianos vivenciados pelos educandos em suas comunidades. Esses conteúdos resultam dos diálogos que são estabelecidos com esse propósito. Portanto, é importante ressaltar que o educador não deve impor esses temas, esses conteúdos. É preciso conhecer o aluno e as suas vivências. É nessa troca de experiências entre educando e educador que os conteúdos a serem abordados devem surgir. Para Freire, em um país tão grande como o Brasil, com diferenças tão grandes entre as zonas urbanas e rurais e com tamanha variedade de culturas regionais, é impossível saber, antecipadamente, quais são os interesses que motivam os educandos de um determinado grupo. Esse, inclusive, seria um dos motivos para rejeitar as engessadas cartilhas. Como o próprio Freire afirma, “roupa de tamanho único, que serve para todo mundo e pra ninguém”, uma vez que trabalham temas distantes da realidade. O método freiriano é dividido em cinco fases, explicadas pelo próprio Freire, em seu livro “Educação para a liberdade”, de 1999.
1ª Fase Levantamento do universo vocabular dos grupos com quem se trabalhará
Nesta primeira fase, o levantamento é realizado em encontros informais com moradores da comunidade em questão. É o momento em que deve ocorrer uma
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aproximação do educador com os educandos. O educador deve, inclusive, observar e registrar os falares típicos daquela comunidade. “As palavras geradoras deveriam sair destes levantamentos e não de uma seleção que fizéssemos nós mesmos, em nosso gabinete, por mais tecnicamente bem escolhidas que fossem” (FREIRE, 1999, p. 121). As PALAVRAS GERADORAS modificam-se de uma comunidade para outra. São essas palavras que serão segmentadas em sílabas, para que, com esses segmentos, sejam criadas novas palavras.
2ª Fase – Escolha das palavras, selecionadas do universo vocabular pesquisado
Devem ser escolhidas cerca de 16 palavras seguindo critérios como: riqueza fonêmica, ou seja, diversidade de sons envolvidos na constituição da palavra; dificuldades fonéticas, isto é, as palavras escolhidas devem apresentar desafios quanto à sua produção sonora - esses desafios devem aparecer em uma sequência gradativa do mais fácil ao mais difícil; frequência das palavras escolhidas na realidade social, política e cultural da comunidade.
Em uma favela, seria possível escolher palavras como: favela, chuva, barro, terreno, trabalho, salário, violência, drogas, polícia, governo, profissão, pagode, comida, escada, bicicleta, tijolo.
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Figura 5 - Foto de uma favela
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Favela.jpg
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3ª Fase - Criação de situações existenciais típicas do grupo com quem se vai trabalhar
Nessa fase, o alfabetizador deve criar um momento de debate sobre algum problema local, expandindo-o para o âmbito nacional. É o momento de discutir os problemas enfrentados pelos alunos em sua comunidade. Sempre na tentativa de, em conjunto, encontrar soluções. Por exemplo, em uma favela, dentre tantos temas que poderiam ser levantados pela própria comunidade, é possível abordar sobre:
Conflitos entre policiais e traficantes; Trabalho e desemprego; Saneamento básico; Escolas e projetos comunitários.
São organizados, nessa fase, círculos de cultura, pequenos grupos formados pelos educandos sob a coordenação de um animador, um educador ou um companheiro já alfabetizado. Observe que o educador é um animador, para evitar o autoritarismo que, segundo Freire, costuma destruir o processo pedagógico.
4ª Fase - Elaboração de fichas-roteiro que auxiliem os coordenadores de debate no seu trabalho
As fichas deverão servir como subsídios, mas sem uma prescrição rígida a seguir. Podem ser slides, ilustrações, fotos que motivem o debate e a reflexão. Os coor-
alfabetização e letramento
653
denadores de debate são outros educadores ou indivíduos (“Companheiros”) já alfabetizados que têm a função de trabalhar com pequenos grupos de alunos, auxiliando no debate e na reflexão sobre os problemas da comunidade.
5ª Fase - Elaboração de fichas com a decomposição das famílias correspondentes aos vocábulos geradores
As fichas com as famílias silábicas podem ser organizadas em slides ou cartolina. Utilizando-se como exemplo a palavra FAVELA, teríamos:
É possível usar um data show ou retroprojetor, para projetar slides ou simplesmente, utilizar cartolinas para organizar a palavra escolhida como as sílabas separadas: FA-VE-LA. O educador deve, então, pronunciar as silabas em voz alta e solicitar que os alunos repitam essas sílabas várias vezes. Em seguida, projetam-se as sílabas da palavra geradora na posição vertical:
FA VE LA
Posteriormente, completam-se as famílias silábicas:
FA FE FI FO FU VA VE VI VO VU
Cartaz da Descoberta
LA LE LI LO LU
Essa ficha, cartaz ou slide que contém as famílias silábicas também pode denominar-se cartaz ou ficha da descoberta. Após a sua apresentação, os alfabetizandos são convidados a criarem palavras através da combinação das sílabas, palavras como FALA, VALA, VELA, VOVO, VIVO, LUVA, LEVE, FILA, VILA.
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É notório que o método de Freire politiza e conscientiza os trabalhadores, à medida que faz com que estes atuam ativamente no processo de construção do seu conhecimento. Proporcionar a construção dessa habilidade cognitiva de refletir fortalece esses indivíduos em busca dos seus direitos.
SÍNTESE A pedagogia de Paulo Freire é pautada na conscientização e libertação das classes oprimidas pelas classes dominantes. Ressalta a importância de levar o indivíduo a refletir sobre sua realidade e lutar pelos seus direitos. O método de alfabetização desenvolvido por Paulo Freire é inovador, pautado na experiência, e alfabetizou milhares de indivíduos.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Leia a citação abaixo e reflita sobre os professores que fizeram parte do seu processo de educação. Como eram esses professores e que tipo de educador você deseja
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ser agora, após conhecer as ideias de Freire?
O professor autoritário, o professor licencioso, o professor competente, sério, o professor incompetente, irresponsável, o professor amoroso da vida e das gentes, o professor mal-amado, sempre com raiva do mundo e das pessoas, frio, burocrático, racionalista, nenhum desses passa pelo aluno sem deixar sua marca. Daí a importância do exemplo que o professor ofereça de sua lucidez e de seu engajamento na peleja em defesa de seus direitos, bem como na exigência das condições para o exercício de seus deveres. (FREIRE, 1997, p. 73).
LEITURAS INDICADAS BARRETO, Vera. Paulo Freire para educadores. São Paulo: Arte & Ciência, 2004. Carta de Paulo Freire aos Professores. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/ v15n42/v15n42a13.pdf História das ideias de Paulo Freire. Disponível em: http://www.4shared.com/get/ pKIgeEoz/A_histria_das_idias_de_Paulo_F.html
http://www.paulofreire.ce.ufpb.br/paulofreire/principal.jsp http://www2.funedi.edu.br/revista/revista-eletronica3/artigo9-3.htm http://www.pedromundim.net/PedagOprim.htm http://www.artigonal.com/educacao-artigos/reflexoes-em-paulo-freire-830329.html
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SITES INDICADOS
http://cantinhodesugestoesparaeja.blogspot.com/2010/03/metodo-paulo-freire.html http://cienciadepelo.blogspot.com/2010/10/as-40-horas-de-angicos.html
REFERÊNCIAS ARANHA, Maria Lúcia de A. História da educação e da Pedagogia: geral e Brasil. São Paulo: Moderna, 2006.
BARRETO, Vera. Paulo Freire para educadores. São Paulo: Arte & Ciência, 2004.
CALDART, Roseli Salete; KOLLING, Edgar Jorge. Paulo Freire: um educador do povo. Veranópolis, RS: ITERRA, 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 47. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
GADOTTI, Moacir. Educação e poder. São Paulo: Cortez, 1991.
GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. São Paulo: Ática, 2005.
PALMER, Joy A. 50 grandes educadores modernos: de Piaget a Paulo Freire. São Paulo: Contexto, 2006.
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ÇÃO DA ALFABETIZAÇÃO Autora: Karine Silveira
“Quem tem muito pouco, ou quase nada, merece que a escola lhe abra os horizontes.”
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AULA 05 – EMÍLIA FERREIRO E A REVOLU-
Emília Ferreiro
Olá, querido(a) aluno(a),
Nesta aula, abordaremos as concepções de Emília Ferreiro, que promoveu uma revolução nas ideais sobre alfabetização de crianças, deixando de lado os métodos e passando a investigar como as crianças se relacionam com a escrita. Boa leitura e, principalmente, boas reflexões!
EMÍLIA FERREIRO E A PSICOGÊNESE DA ESCRITA “Um dos maiores danos que se pode causar a uma criança é leva-la a perder a confiança na sua capacidade de pensar.”
Emília Ferreiro
“[...] A minha contribuição foi encontrar uma explicação segundo a qual, por trás da mão que pega o lápis, dos olhos que olham, dos ouvidos que escutam, há uma criança que pensa.”
Emília Ferreiro
Emília Ferreiro nasceu na Argentina, em 1937. Radicada no México, licenciou-se em Psicologia na Universidade de Buenos Aires, em 1962, e adquiriu o título de doutora em Psicologia, na Universidade de Genebra. Sua tese foi orientada por Jean Piaget. Em 1974, Ferreiro iniciou suas investigações na Universidade de Buenos Aires. Suas pesquisas marcaram um novo momento para os estudos sobre a aquisição da linguagem escrita. Emília Ferreiro procurou compreender como se dá a aquisição da linguagem escrita para a criança. Com base nas pesquisas realizadas por Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985), mudou-se a concepção sobre o processo de alfabetização e construção da escrita, através da comprovação das fases que a criança atravessa no processo de aquisição da escrita, as perspectivas e características de cada uma delas. A partir dessa constatação, passa-se a perceber que vários são os fatores que podem influenciar os avanços e retrocessos dos alunos nesse processo. A partir dos anos 80 do século XX, no cenário educacional, progressivamente,
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inicia-se um processo de diminuição do uso os métodos tradicionais (analíticos e sintéticos). Inicia-se, então, uma fase chamada de “desmetodização”, ou seja, a ausência de método para alfabetizar. Essa “Desmetodização” origina-se das propostas de Piaget, Vygotsky, Ferreiro e Teberosky. Esses estudiosos acreditam que o conhecimento é construído através das interações das crianças com o meio e com outros indivíduos, ou seja, a aquisição de conhecimentos depende tanto das estruturas cognitivas do sujeito como de sua relação com o ambiente e com as pessoas. Para Soares (2005), a concepção psicogenética transfere o foco da análise para a compreensão do processo, através do qual a criança aprende as habilidades de escrever e ler. Por deixar de lado o método e concentrar-se no processo, diminuiu-se a importância dos métodos de alfabetização:
É que a concepção psicogenética alterou profundamente a concepção do processo de aquisição da língua escrita, em aspectos fundamentais: a criança, de aprendiz dependente de estímulos externos para produzir respostas que, reforçadas, conduziriam à aquisição da língua escrita – concepção básica dos métodos tradicionais de alfabetização – passa a sujeito ativo capaz de construir o conheci-
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mento da língua escrita, interagindo com esse objeto de conhecimento; os chamados pré-requisitos para a aprendizagem da escrita, que caracterizam a criança “pronta” ou “madura” para ser alfabetizada – pressupostos dos métodos tradicionais de alfabetização -, são negados por uma visão interacionista que rejeita a ordem hierárquica de habilidades, afirmando que a aprendizagem se dá por uma progressiva construção de estruturas cognitivas, na relação da criança com o objeto “língua escrita”; as dificuldades da criança, no processo de aprendizagem da língua escrita – consideradas “deficiências” ou “disfunções”, na perspectiva dos métodos tradicionais – passam a ser vistas como “erros construtivos”, resultado de constantes reestruturações, no processo de construção do conhecimento da língua escrita. (SOARES, 2005, p.89)
A partir da fala de Magda Soares, depreendemos que a proposta de Emília Ferreiro é construtivista, uma vez que considera que o conhecimento da língua escrita é construído através de interações da criança com o objeto, a escrita. A criança é um sujeito ativo no processo e os erros construtivos, tão presentes na teoria de Piaget, são essenciais para esse processo de construção. Para Ferreiro e Teberosky (1985), a criança procura ativamente compreender a natureza e o funcionamento da linguagem falada à sua volta, na sua comunidade linguística, e, na tentativa de compreendê-la, formula hipóteses, buscando regularidades. Dessa forma, testa e cria a sua própria gramática, seu conjunto de regras que organizam essa língua. Ao entrar em contato com a língua escrita, a criança, através de processos cognitivos, reinventa essa escrita, realizando um trabalho paralelo de compreensão da construção e de suas regras de produção/decodificação.
que a ênfase da escola e do processo de alfabetização está no sujeito, no aprendiz, na criança. Até então, a criança só era o foco da escola e dos professore quando esta não aprendia por algum motivo. Uma das grandes motivações para o estabelecimento de sua pesquisa experimental foi o fato de, na América Latina, as taxas de evasão e retenção de crianças nas escolas serem alarmantes. Como vimos na primeira aula, o cenário não é diferente no
659 alfabetização e letramento
A principal consequência desse caráter ativo que a criança passa a assumir é
nosso país. Para Ferreiro, o uso de cartilhas na alfabetização é obsoleto, pois a criança já dispõe de conhecimento sobre a escrita mesmo antes de chegar à escola.
Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=1025328
Para Ferreiro (1999), nenhum sujeito parte do zero ao ingressar no universo escolar, nem mesmo as crianças oriundas de ambientes menos favorecidos. As crianças, por volta dos 6 anos de idade, já aprenderam muitas coisas sobre a escrita e já resolveram sozinhas muitas questões referentes ao processo de aquisição da fala e de aprendizagem da escrita, uma vez que muitas dessas crianças já reconhecem as funções sociais dessa escrita e já atribuem significado às imagens, uma estratégia de leitura. A escola desconsidera esses conhecimentos prévios trazidos pelas crianças e parte da premissa de que técnicas adequadas farão desses indivíduos escritores e leitores plenos. Enquanto a escola pressupõe que, é através de uma técnica, de uma exercitação adequada, que se supera o déficit na aprendizagem da língua escrita, a sequência clássica “leitura mecânica, compreensiva, expressiva” para a leitura e a exercitação na cópia gráfica supõe que o segredo da escrita consiste em produzir sons e reproduzir formas. (FERREIRO, 1999, p.22)
Ferreiro (1999) acredita que todas as crianças são facilmente alfabetizáveis e que, na verdade, são os adultos e a escola que dificultam o processo.
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Há crianças que chegam à escola sabendo que a escrita serve para
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que terminam de alfabetizar-se na escola, mas começaram a alfa-
escrever coisas inteligentes, divertidas ou importantes. Essas são as betizar-se muito antes, através da possibilidade de entrar em contato, de interagir com a língua escrita. Há outras crianças que necessitam da escola para apropriar-se da escrita. (FERREIRO, 1999, p. 23)
Segundo Emília Ferreiro (2001), o processo de aquisição da escrita é iniciado no momento em que a criança começa a prestar atenção na escrita, por influência dos estímulos do ambiente sociocultural no qual ela está inserida. Quando a criança entra em contato com a escrita presente nos livros, revistas, jornais, embalagens, inicia o processo de compreender o seu mundo a partir do jogo simbólico que se estabelece entre os objetos e os signos. Dessa forma, a língua escrita passa a ser, para a criança, um sistema de representação fala, reforçado pelas atividades infantis de imitação, desenhos, atividades lúdicas, brincadeiras e jogos. Os métodos tradicionais, uma vez que estes são construídos sempre sob a ótica do adulto, da língua escrita construída, do resultado. A consequência disso é que o que a escola pretende ensinar nem sempre coincide com o que a criança consegue aprender.
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O que a criança aprende é função do modo em que vai se apropriando do objeto (escrita), através de uma lenta construção de critérios que lhe permitam compreendê-lo. Os critérios da criança somente coincidem com os do professor no ponto terminal do processo. (GADOTTI, 2002, p. 224)
Na contramão de outros estudos teóricos, o objetivo de suas investigações não é a prescrição de um novo método para o ensino e a leitura, tampouco a proposta de classificação dos “erros” cometidos pelos alunos durante o processo de aprendizagem. As crianças compreender a escrita sob a ótica delas e não sob a ótica dos adultos. Elas têm um olhar próprio em relação à escrita e, por isso, aos nossos olhos de adultos alfabetizados, realizam produções estranhas. O objetivo das pesquisas de Ferreiro e seus colaboradores é, mais precisamente, compreender como as crianças compreendem a escrita, quais são os sistemas lógicos envolvidos nesse aprendizado. A partir da observação sistemática de várias crianças, Ferreiro acaba por estabelecer diferentes momentos, níveis, fases da aquisição da escrita, que se sucedem em grau crescente de complexidade, aproximando-se sempre à escrita convencional dos adultos. Pode-se dizer também que o processo de alfabetização proposto por Ferreiro e Teberosky (1985) parte de duas premissas básicas: A aprendizagem de uma língua escrita baseada em um sistema alfabético é muito mais do que compreender o processo de associação entre letras e sons. A escrita alfabética não é um código passível de ser aprendido por memorização ou fixação de suas regras. É um objeto construído socialmente.
em dois períodos: antes e depois de Emília Ferreiro.
[...] as mudanças necessárias para enfrentar sobre bases novas a alfabetização inicial não se resolvem com um novo método de ensino, nem com novos testes de prontidão nem com novos materiais didáticos. É preciso mudar os pontos por onde nós fazemos passar o eixo
661 alfabetização e letramento
Pode-se facilmente afirmar que a história da alfabetização pode ser dividida
central das nossas discussões. Temos uma imagem empobrecida da língua escrita: é preciso reintroduzir, quando consideramos a alfabetização, a escrita como sistema de representação da linguagem. Temos uma imagem empobrecida da criança que aprende: a reduzimos a um par de olhos, um par de ouvidos, uma mão que pega um instrumento para marcar e um aparelho fonador que emite sons. Atrás disso há um sujeito cognoscente, alguém que pensa, que constrói interpretações, que age sobre o real para fazê-lo seu. (FERREIRO, 1988 apud BRASIL, 2001, p.08)
A partir dos estudos realizados por Emilia Ferreiro, tornou-se necessário revisar as concepções que eram, até então, adotadas para o ensino-aprendizagem da escrita. Essas transformações foram radicais, uma vez que, já não era possível pensar a escrita como um mero código linguístico responsável pela transcrição dos sons da fala, nem ________________________ tão pouco, desconsiderar os saberes adquiridos pelas crianças muito antes de inicia- ________________________ rem a escolarização. Portanto, já não se pode mais ensinar como antes.
Sobre a contribuição da Psicogênese, Azenha (2003) analisa:
A principal contribuição da psicogênese é essa – de conseguirmos ler como o sujeito pensa que se estrutura o sistema alfabético – e, dentro dessa leitura, ver as várias interpretações que esses alunos dão; além disso, é preciso que o professor saiba ressignificar a teoria de Ferreiro. (AZENHA, 2003, p. 46)
E para Moura (1999): As formulações de Ferreiro mudam radicalmente a visão sobre o processo de aquisição do sistema de escrita. A partir dos seus estudos é possível considerar-se a língua escrita como objeto específico da atividade de alfabetização. É possível entender-se a língua escrita em toda a sua complexidade e riqueza e com toda a sua gama de usos sociais. Isso não significa que Ferreiro se prenda, na alfabetização, aos aspectos figurativos da escrita. Para ela, o importante na alfabetização inicial, é a preocupação com seus aspectos construtivos, sua natureza e função social. (MOURA, 1999, p.109)
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662 Depreendemos com essas autoras que as propostas de Emília Ferreiro fizeram com que os educadores percebessem que o processo de construção da escrita nas crianças não pode ser mecânico ou tecnicista, uma vez que a escrita é uma objeto completo que envolve aspectos cognitivos, sociais e linguísticos e, principalmente, que cada indivíduo se relaciona de forma diferente com esse objeto (a escrita) e seus diversos aspectos.
ALGUMAS HIPÓTESES DAS CRIANÇAS EM RELAÇÃO À LEITURA E À ESCRITA As investigações de Emília Ferreiro concluem que as crianças elaboram hipóteses a respeito da escrita e da leitura, da mesma maneira que fazem durante o processo de aquisição da fala. As crianças sempre que necessitam escrever alguma coisa são testadas, uma vez que, necessitam refletir, pensar, elaborar soluções. (TFOUNI, 2000). Segundo Emília Ferreiro e Ana Teberosky, essas hipóteses geralmente são espontâneas e provisórias até que se apropriem totalmente da complexidade do siste-
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ma escrito. Essas hipóteses são baseadas em conhecimentos prévios, assimilações e generalizações e dependem das interações entre a criança e outros indivíduos e entre a criança e os materiais escritos que circulam socialmente no meio em que esta vive. No livro Reflexões sobre Alfabetização, Ferreiro (2001) ressalta que as crianças têm ideias próprias sobre a escrita. Inclusive, por volta dos quatro anos, possuam critérios bastante sólidos sobre o que pode ser lido e o que não pode ser lido, ainda que não sejam capazes de ler neste momento. Esses critérios são:
Relação letras e desenhos
O primeiro critério é o de fazer uma distinção entre o que é figura e o que não é figura. Assim, para as crianças, as figuras não devem ser lidas, ainda que possam ser interpretadas.
Quantidade Mínima de Caracteres O segundo critério é o de quantidade mínima de caracteres, três caracteres. Para as crianças, “palavras” como menos de três elementos não podem ser escritas, nem lidas. Essa hipótese acompanha as crianças durante muito tempo e torna-se um desafio a ser superado na passagem de um estágio a outro. Uma das crianças pesquisadas afirma que “onde há pouquinhas não é para ler; aqui tem mais pouquinhas
Variedade de Caracteres O terceiro critério refere-se à variedade de caracteres em uma palavra. Não basta ter um número mínimo de caracteres, é necessários que esses caracteres variem, não sejam repetidos sempre os mesmo. Uma sequencia de letras iguais não represen-
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letras, tem duas (AS)” (FERREIRO, 2001, p.47).
ta uma palavra. Observe o que as crianças disseram quando foram apresentados os cartões MMMMMM e AAAAAA: “porque tudo tem a mesma coisa”, “porque não é tudo juntinho, também tem outras letras”. Já quando foi apresentado o cartão MANTEIGA, disseram: “porque não tem tantas letras iguais” ou “não sei o que diz, mas é de ler.” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p.43).
FASES DA AQUISIÇÃO DA ESCRITA “É muito difícil julgar o nível conceitual de alguém, considerando unicamente os resultados, sem levar em conta o processo de construção”.
Emília Ferreiro
Para a Teoria da Psicogênese, as crianças percorrem um caminho composto por ________________________ fases que estruturam o conhecimento sobre a linguagem escrita até que se aproprie ________________________ plenamente da complexidade do sistema alfabético. Esses níveis são: o pré-silábico, o silábico, silábico-alfabético, e o alfabético. Tais níveis caracterizam-se por conceitos estruturais que representam os processos de construção desse conhecimento. É importante salientar que a passagem de um nível para o outro é gradual e depende muito das intervenções feitas pelo professor, que atuará identificando em qual estágio a criança está inserida e propondo atividades que levem a criança a avançar em direção ao próximo estágio. Vamos aos estágios!!
Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=683745
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664 NÍVEL PRÉ-SILÁBICO O nível Pré-silábico divide-se em:
Nível 1 De acordo com Ferreiro (1985), as primeiras tentativas de escrita são de dois tipos: traços ondulados e contínuos (parecendo uma cadeira de M minúsculos), ou uma sequência de círculos ou linhas verticais (fazendo referencia à escrita bastão de forma).
Fonte: Colello (2004,p.29)
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Fonte: Ferreiro (2001,p.23)
No exemplo acima, a criança utiliza-se de um mesmo repertório de letras. A ordem das letras deve variar de uma escrita para a outra, de forma a garantir a criação de um conjunto que se difere do outro. Neste momento, já existe escrita para a criança: é a maneira de escrever aos 2 anos e meio ou 3 e, ainda que a semelhança com o traçado da escrita dos adultos, não apresenta qualquer relação entre a fala e a escrita. Além disso, apresenta uma leitura global, ou seja, de todo o conjunto ao mesmo tempo. Observe que, utilizando o dedinho por sobre toda a escrita, somente a criança consegue ler, consegue dizer o que está ali escrito.
Tamanho do objeto versus Tamanho da palavra
Nesse primeiro nível, é comum encontrar tentativas de correspondências entre a escrita e o objeto a que essa escrita se refere. Vamos dar uma olhada em um dos diálogos de Gustavo, uma das crianças estudadas por Emília Ferreiro. Gustavo escreve
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utilizando linhas onduladas. Podes escrever urso? Será mais comprido ou mais curto?
Mais grande. (Gustavo começa a fazer uma escrita inteiramente similar, mas que resulta em mais comprida que a anterior.)
Sim, mas por quê?
Porque é um nome mais grande que o pato. (FERREIRO, 1986, p.196)
Gustavo deixa claro que objetos grandes têm nomes grandes e objetos peque-
nos têm nomes pequenos. De certa forma, nesta fase as crianças parecem considerar ________________________ que as palavras são equivalentes aos seus objetos representativos, pelo menos quanto ________________________
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Exemplo 1: Saber escrever?
Não. Desenhar sei, uma casa, uma menina, um sol, uma nuvem.
(Faz um desenho.) Isto é escrever ou desenhar?
Desenhar.
Escreva uma casa.
(Desenha uma casa.)
O que escrevestes?
Uma casa.
Desenhastes ou escrevestes casa?
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Escrevi.
E se queres desenhar?
(Mostra o próprio desenho.)
É o mesmo, escrever e desenhar?
Não.
O que fizeste no papel?
Desenhei.
(Escreve algo.) Escreveu ou desenhou?
Escrevi.
(Desenha um sol.)
Escrevi sol.
Desenhei.
Escrevestes também?
Não. (FERREIRO, 1985, p.201)
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Desenhaste ou escreveste?
Exemplo 2:
1. O que você desenhou? Um boneco. 2. Ponha o nome. (Rabisco.) (a) 3. O que você colocou? Ale (-seu irmão). 4. Desenhe uma casinha. (Desenha) Fonte: Ferreiro (2001, p.21
5. O que é isso? uma casinha. 6. Ponha o nome. (Rabisco) (b). 7. O que você escreveu? Casinha 8. Você sabe colocar o seu nome? (Quatro rabiscos separados) (c). 9. O que é isso? Adriana. 10. Onde diz Adriana? (Assinala globalmente) 11. Por que tem quatro pedacinhos?... porque sim. 12. O que diz aqui? (1°) Adriana. 13. E aqui (2°) Alberto (- seu pai). 14. E aqui? (3°). Ale (-seu irmão). 15. E aqui? (4°) Tia Picha.
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Analisando-se os exemplos anteriores, torna-se claro que a dificuldade de diferenciar o desenho da escrita é apenas momentânea. O desenho é utilizado como uma alternativa para a escrita.
(...) para que a criança se aproprie do sistema de representação da escrita, ela terá que reconstruí-lo, diferenciando os elementos e as relações próprias ao sistema, bem como a natureza do vínculo entre o objeto de conhecimento e a sua representação. (PILLAR, 1996, p.32)
Existe uma estreita relação entre a evolução da escrita e a do desenho. Para Ferreiro (1985), a aprendizagem da língua escrita é a construção de um sistema de representação, assim como o desenho. Tanto o desenho como a escrita são formas de representação do mundo, bem como são instrumentos de comunicação.
Aparentemente, as crianças em processo de construção do seu conhecimento sobre a escrita percorrem um caminho muito próximo daquele percorrido pela humanidade até alcançar o atual modelo de escrita. Veja alguns caminhos que a criança
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percorre e que a humanidade também já percorreu:
Escrita Pictográfica: a mais antiga e que permitia representar só os objetos passíveis de serem desenhados. O próprio objeto era desenhado para representar a palavra. As crianças costumam desenhar objetos como se estivesse escrevendo. Escrita Ideográfica: uso de sinais e marcar simples para representar uma palavra os conceito. Símbolos diferentes representam palavras diferentes é muito comum as crianças utilizarem tracinhos para representar um número. Escrita Logográfica: composta por desenhos que se referem ao nome dos objetos e não aos objetos em si. As crianças costumam desenhar formar abstratas para representar palavras. Esses desenhos se distanciam do formato do objeto.
Os desenhos, portanto, fazem parte do processo de construção da escrita. É uma das formas que a criança tem para representar graficamente, suas experiências, sentimentos. O desenho está intimamente relacionado ao desenvolvimento da escrita. Para as crianças, inicialmente, a escrita faz parte somente do universo adulto, em contrapartida o desenho passa a ser o elemento de ligação entre a criança e a escrita. Muitas vezes, o desenho torna-se um elemento representativo da escrita. Desde muito cedo, a criança tenta imitar a escrita dos adultos, desenhando. Quando ingressa na escola, os desenhos vão sendo substituídos pela escrita, considerada mais importante do que o desenho.
Nível 2 Na segunda fase do nível pré-silábico, a criança inicia o processo de abandono do desenho como representação da escrita e passa a aproximar seus grafismos à escrita dos adultos. Veja um exemplo de escrita pré-silábica no nível 2:
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Fonte: Ferreiro (1985, p.203)
Com base no exemplo, observa-se um grande avanço nas concepções de es- ________________________
crita das crianças. Os grafismos são variados e a quantidade de “letras” é constante. As ________________________ crianças já percebem que palavras ou orações diferentes precisam de combinações ________________________ diferentes de elementos. Dessa forma, para poder ler coisas diferentes (isto é, atribuir ________________________
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A escrita do próprio nome adquire mais importância ao se iniciar a
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marcar o desenho, a lancheira, a mesa, os utensílios, o avental. Uma
escolaridade. Com efeito a entrada da criança na escola pressupõe vez na escola, a criança encontrará o seu nome em vários lugares: nos cabides, trabalhos, tapetinhos, etc. (...) Independentemente do reconhecimento que as crianças possam ter de seu nome e da interpretação global que lhe é atribuída, aos quatro anos têm sérias dificuldades para outorgar valor a cada uma das partes que o constituem. (TEBEROSKY, 2001, p.33)
De acordo com Ferreiro (1985), os nomes próprios escritos pelas crianças são modelos estáveis, são formas fixas, aprendidas no ambiente familiar. Entretanto, esse nome sofre uma leitura global, não é analisável, ou seja, as suas partes não equivalem às partes do nome.
Veja, a seguir, algumas atividades que podem ser desenvolvidas no nível pré-silábico, ajudando a superá-lo:
tornar a sala um ambiente rico em revistas, jornais, cartazes, livros, jogos, rótulos, em-
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balagens, textos do professor, dos educandos, músicas, parlendas, poesias, gêneros textuais por meio dos quais a criança entra em contato com o mundo das letras; iniciar o trabalho com o nome da criança e avançar para os nomes dos membros da família, dos amigos, da professora, dos coleguinhas etc., através de cartazes, crachás, alfabeto móvel, caixinhas com palavras e nomes; propor às crianças que analisem as letras iniciais e finais de uma palavra, a quantidade e a ordem das letras em uma palavra; propor atividades que envolvam a distinção de letras e números, textos de desenhos; incentivar a escrita espontânea pelo puro prazer em escrever e construir suas próprias hipóteses..
NÍVEL SILÁBICO No nível silábico, a criança estabelece tentativas de dar valor sonoro a cada uma das letras que compõem a sua escrita. A escrita neste nível constitui um grande avanço e se traduz num dos mais importantes esquemas construídos pela criança, durante o seu desenvolvimento. Pela primeira vez, a criança já reconhece que a escrita é composta por elementos sonoros. Cada letra representa uma sílaba. Essas letras podem ser consoantes ou vogais. Assim, a criança utiliza a quantidade de letras necessária para representar a quantidade de silabas de uma palavra. Nesse estágio, a criança enfrenta o desafio da quantidade mínima de caracteres, uma vez que, na língua portuguesa, palavras com duas sílabas são representadas por duas letras no nível silábico. Para a criança, este número de letras é inferior ao
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permitido para ser lido.
Fonte: Azenha (2003, p.76)
No exemplo anterior, a criança já escreve seu nome com estabilidade, no entanto, nas outras representações, ainda utiliza a hipótese da quantidade mínima e da variedade de caracteres. Observa-se, também, que esta criança já apresenta uma tentativa de corresponder um som para cada letra, ainda que utiliza símbolos gráficos aleatórios. As crianças que apresentam a escrita com tais características encontram-se na hipótese silábica sem valor convencional. O fato crucial que evidencia a sua (hipótese silábica) utilização pela criança é a atribuição de um valor silábico a cada marca produzida como parte de uma totalidade registrada. Seja esta marca letra, pseudoletra, números, letra com valor sonoro convencional ou não, a fragmentação do texto escrito para fazer corresponder um segmento oral a um segmento escrito é indicador da concepção silábica da escrita. (AZENHA, 2003, p.76)
Ainda inserida no nível silábico, a criança avança para uma hipótese com valor
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sonoro convencional, iniciando, assim, tentativas de estabelecer a relação correta entre letra e som.. Neste momento, a criança já percebeu que a escrita é uma forma de representação da fala e tanta estabelecer a relação entre letras e sons. Supõe que a sílaba seja a menor unidade da língua e, por isso, combina só vogais ou só consoantes, como no exemplo a seguir, em que a criança usa AO para gato ou ML para mola e mula e passa a fazer uma leitura termo a termo (não global). Observe um exemplo de escrita com essas características:
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utilize com o alfabeto móvel sempre que possível.
NÍVEL SILÁBICO-ALFABÉTICO Esta fase compreende a passagem da hipótese silábica para a alfabética. Neste
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de sala de aula;
momento, a criança deixa para trás a hipótese silábica e percebe que as palavras ultrapassam as estruturas silábicas. A exigência da quantidade mínima de letras gera tamanho conflito nas crianças que as impulsiona a solucionar a questão. Como escrever silabicamente palavras como céu, gato, cama, mãe, sem romper com a necessidade das três letras? A criança, neste nível, insere mais letras à escrita, com a finalidade de aproximar-se do principio alfabético, ou seja, mais sons significa escrever mais letras. É muito importante que o alfabetizador, ao invés de enxergar que o aluno “come uma letra”, passe a enxergar que, na verdade, a criança está inserindo letras para superar questões anteriores, como por exemplo, a hipótese do mínimo de três elementos.
Fonte: Colello (2004, p.31)
Neste momento, a criança já reconhece o som de cada letra e palavras, letras e sílabas já se apresentam como estruturas estáveis, reconhecidas pela criança. A leitura deixa de ser global e passar a ser termo a termo. No entanto, a escrita ainda apresenta problemas relativos à ortografia, uma vez que a criança escreve como fala, uma interferência natural da oralidade no processo de escrita. Veja, a seguir, algumas atividades que podem ser desenvolvidas no nível silábico, ajudando a superá-lo:
montar palavras com sílabas e com o alfabeto móvel; adivinhar palavras a partir de dicas fornecidas pelo professor; identificar uma só sílaba na palavra;
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elaborar textos motivados por situações cotidianas; reescrita dos textos; identificação de sílabas, palavras e frases nos textos; segmentação de frases em palavras; organização de frases com fichas de palavras.
NÍVEL ALFABÉTICO Após uma longa e árdua jornada de descobertas, aqui a criança já venceu todos os obstáculos conceituais da escrita, no que se refere aos valores sonoros menores que a sílaba, a criança já realiza, de forma sistemática, uma análise dos sons que compõem as palavras, uma vez que já conhece o valor sonoro de todas ou quase todas as letras. O mais importante é que a criança compreende a função comunicativa e interacional da escrita na comunidade que a cerca. Bom... Significa, então, que a criança apresenta uma escrita perfeita? Não. Infelizmente, as regras ortográficas da nossa língua são muito árduas para
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serem aprendidas tão rapidamente.
Figura 12 – Escrita alfabetiza
Fonte: Colello (2004, p.31)
É um momento em que o professor precisa ter muito cuidado na condução dos seus trabalhos e na forma como vai corrigir esses “erros” ortográficos. É importante lembrar que as regras ortográficas fazem parte de uma variante da língua portuguesa – a norma padrão, aquela que está presente nos livros didáticos e nas gramáticas. A criança ainda passará por um longo processo de escolarização e, no momento da alfabetização, é muito mais importante preservar a curiosidade, a ousadia e o desejo de ler e escrever. Veja algumas atividades que podem ser desenvolvidas no nível alfabético:
reescrita de contos, histórias e experiências vivenciadas; escrever diariamente os acontecimentos em forma de diário; organizar um portfolio com as produções dos alunos, elaborando capa, ilustrações, dedicatória etc; o professor pode ler ou narrar histórias ou situações que serão escritas pelo aluno em momentos mais significativos
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elaborar textos coletivos ou individuais;
Estimular a autonomia na escolha dos textos que serão lidos pelos alunos; Estimular a autoria, ou seja, deixar que o aluno escreva com base nos seus valor, que construa sua própria voz.
Chegamos ao final da trajetória de aprendizado da escrita pelas crianças. Na próxima aula, a leitura será o foco principal das nossas reflexões.
SÍNTESE Para Emília Ferreiro, a criança é um indivíduo ativo no processo de aprendiza-
gem da escrita. Essa escrita é construída na interação da criança com a própria escrita. ________________________ O indivíduo vai, aos poucos, construindo e reconstruindo esse objeto de conhecimen- ________________________ to, através de hipóteses, suposições e concepções, passando, dessa forma, por etapas ________________________ na construção da escrita.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Pense no processo de alfabetização pelo qual você passou. Muito provavelmente, você foi alfabetizado por um método sintético e/ou analítico. Quais são as diferenças entre as crianças alfabetizadas nos métodos sintéticos e /ou analíticos e as crianças alfabetizadas segundo as concepções de Ferreiro? Qual processo proporciona um leitor/escritor mais competente e por quê?
LEITURAS INDICADAS FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre a alfabetização. São Paulo: Cortez, 2001. (Questões da Nossa Época). TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000. (Questões da Nossa Terra, 43).
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Sites Indicados http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/alfabetizacao-inicial/estudiosarevolucionou-alfabetizacao-423543.shtml http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/biografia_emiliaferreiro.htm http://www.alemdasletras.org.br/AgenciaNoticias/Site/Categoria1/Not%C3%ADcias/ tabid/76/ctl/ArticleView/mid/403/articleId/328/default.aspx http://www.euescrevo.com.br/mercado-de-trabalho/educacao/caracteristica-daescrita-e-da-leitura/ http://sabidinhosdaioio.blogspot.com/
REFERÊNCIAS AZENHA, Maria da Graça. Construtivismo: de Piaget a Emília Ferreiro. São Paulo: Ática, 2003. (Série Princípios).
BRASIL. Programa de formação de alfabetizadores. Brasília, DF: MEC, 2001.
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COLELLO, Silvia M. Gasparian. Alfabetização em questão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.
FERREIRO, Emilia e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
FERREIRO, Emilia. Com todas as letras. São Paulo: Cortez, 1999.
FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre a alfabetização. São Paulo: Cortez, 2001. (Questões da Nossa Época).
GADOTTI, Moacir. História das ideias pedagógicas. São Paulo: Ática, 2002. (Série Educação).
MOURA, Tânia Maria de Melo. A prática pedagógica dos alfabetizadores de jovens e adultos: uma contribuição de Paulo Freire, Emilia Ferreiro e Vygotsky. Maceió: EDUFAL, 1999.
PILLAR, Analice Dutra. Desenho & escrita como sistema de representação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2005.
TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e alfabetização. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000. (Questões da Nossa Terra, 43).
FABETIZAÇÃO
Autora: Karine Araújo Silveira
Caro(a) aluno(a),
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AULA 06 – CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA E AL-
Esta aula tem como objetivo principal abordar como a consciência fonológica interfere na construção da escrita e como as crianças percebem os sons nos processos dea construção da escrita. As relações entre fala e escrita na Língua Portuguesa não são biunívocas e acabam por trazer desafios maiores às nossas crianças. Como tratar dessas relações em sala de aula e, principalmente, como o professor pode contribuir para que seus alunos superem esses desafios? Para compreendermos melhor as questões referentes à consciência fonológica, iniciaremos esta aula traçando um panorama de como as crianças adquirem a fala.
AQUISIÇÃO DA FALA Faz parte do conhecimento popular a ideia de que as crianças começam a falar ________________________ muito cedo e, por esse motivo, a fala acaba por constituir-se em um instrumento de ________________________ comunicação fácil de ser aprendido e de ser usado, ao contrário da escrita. No entanto, ________________________ a fala é uma das aquisições mais complexas do ser humano. A criança, desde muito ________________________ cedo, percorre caminhos, elabora hipóteses, entra em conflitos, supera etapas, assim ________________________ como na aprendizagem da língua escrita. ________________________ Para Lyons (1987), todas as crianças normais adquirem a língua que ouvem falar ________________________
a sua volta sem nenhuma instrução especial. Elas começam a falar mais ou menos na ________________________ mesma idade e atravessam os mesmos estágios de desenvolvimento linguístico. Esse ________________________ desenvolvimento acontece em todas as crianças consideradas normais, ou seja, sem ________________________ comprometimento de ordem central ou periférica, independentemente de questões ________________________ sociais e culturais. Entretanto, é praticamente impossível estabelecer datas precisas ________________________ para o início e o fim de cada um dos estágios de desenvolvimento da fala, já que cada ________________________ criança avança com uma velocidade individual. O processo de aquisição da fala inicia-se no primeiro choro.
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678 Figura 1 - Primeiro Choro
Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=962622
Desde que nasce, a criança já é inserida num mundo simbólico, em que a fala do outro a interpreta e lhe imprime significado. Por outro lado, segundo alguns trabalhos, com alguns dias de vida, a criança tem uma reação positiva aos sons da fala, que lhe são confortadores e gratificantes. A partir de algumas semanas de vida, a criança já consegue discriminar a fala de outros sons, rítmicos ou não. Com 3 ou 4 meses de idade, os bebês começam a balbuciar sequências de
________________________ sons que se aproximam da fala humana. (SCARPA, 2001, p. 225) ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ De acordo com Teixeira (1995), os estágios de aquisição da fala são: ________________________ ________________________ Comunicação pré-linguística ou pré-fala (de 0 a 1 ano de idade); ________________________ Primeiras palavras ou holográfico (de 1 a 1 ano e 6 meses de idade); ________________________ ________________________ Duas palavras ou telegráfico (de 1 ano e 6 meses até 2 anos de idade); ________________________ Organização e expansão dos subsistemas (a partir dos 2 anos); ________________________ Narrativo (a partir dos 4 anos). ________________________ ________________________ ________________________ Vamos, agora, conhecer as principais características de cada um desses está________________________ ________________________ gios. ________________________ ________________________ ________________________ PRIMEIRO ESTÁGIO: PRÉ-FALA ________________________ ________________________ O primeiro estágio do desenvolvimento fonológico é denominado de Comu________________________ ________________________ nicação Pré-linguística ou Pré-fala e compreende o período que vai do choro até a ________________________ produção das primeiras palavras, por volta de um ano de idade. Esse é um período de treinamento da atividade fonoarticulatória e as vocalizações produzidas não carregam
O período da Pré-fala pode ser subdividido em subestágios, tais como: a) choro e vocalizações esparsas, b) arrulhos, c) balbucio e d) jargão.
Choro e vocalizações esparsas O choro e as vocalizações esparsas acontecem no período de 0 a 2 meses. Se-
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nenhum significado linguístico.
gundo Teixeira (1995, p. 4), “os padrões reflexivos de choro são todas aquelas vocalizações iniciais que se aproximam dos sons vocálicos e que variam basicamente em termos de tempo, timbre e intensidade” e a vocalizações esparsas são barulhos, suspiros e outras produções vinculadas aos movimentos de sucção e bocejos.
Arrulhos São também denominados de gorgoleio ou murmúrio. Compreendem o período de 2 a 5 meses e, geralmente, são compostos pelas vogais A, E e I, e consoantes G e K . Os arrulhos indicam bem-estar e conforto.
Balbucio
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O balbucio ou brincadeira vocal talvez seja um dos estágios mais discutidos e ________________________ estudados pelos aquisicionistas. Compreende o período de 5 a 7 meses e é caracte- ________________________ rizado pela repetição frequente e regular de uma mesma sílaba ou som. Para Teixeira ________________________ (1995) e Albano (1990), os sons, nesse período, não são produzidos como reflexos a ________________________ uma determinada situação, mas como consequência do prazer que a criança tem em ________________________ produzi-los. Nesse momento, a criança passa a controlar melhor a produção dos sons ________________________ e ela aprende a exercitar essa produção através da repetição. No balbucio, os mecanis- ________________________ mos de audição se estabelecem e a criança avança no processo de aquisição da fala. ________________________ Um dos maiores avanços é a percepção da sílaba.
Figura 2 - Bebê “falando” ao celular
Fonte: www.sxc.hu
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Jargão Corresponde a um período entre 7 e 12 meses, caracterizando-se pela produção de sequências contendo três ou mais sílabas em sucessão contínua e que, gradualmente, adquirem entonações semelhantes aos da fala adulta. Nakazima (1962) afirma que os enunciados produzidos pelas crianças apresentam a mesma duração dos enunciados dos adultos. É muito comum as crianças produzirem PAPA ou MAMA e os pais atribuírem a uma tentativa de produzir papai e mamãe. No entanto, Teixeira (1995) afirma que as produções ainda não apresentam significado nesse estágio.
SEGUNDO ESTÁGIO: PRIMEIRAS PALAVRAS O segundo estágio do desenvolvimento fonológico é denominado Primeiras Palavras, Estágio Holográfico ou Holófrase. Geralmente, a criança inicia esse estágio por volta do primeiro ano de idade e finaliza-o, mais ou menos, cinco meses depois. Neste momento, o léxico (conjunto de palavras aprendidas e usadas) vai se expandindo gradualmente até alcançar cerca de 50 palavras. O mesmo acontece com o sistema fonológico, novos sons ingressam no repertório da criança ampliando as possibilidades de realizações.
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Durante esse período, predominam as produções com padrões silábicos CV (Consoantes + Vogais) e as formas reduplicadas, ou seja, sílabas repetidas. As formas produzidas são isoladas e ocorrem, geralmente, em um contexto situacional interativo. “Estes enunciados não são apenas rótulos dados a objetos. Quando a criança aponta para o carro e fala PAPAI, por exemplo, ela pode estar significando: ‘o carro é do papai’, ‘olha o carro do papai’, etc.” (TEIXEIRA, 1985, p. 6).
TERCEIRO ESTÁGIO: TELEGRÁFICO O terceiro estágio é denominado Telegráfico e compreende o período entre 1 ano e 6 meses e 2 anos. Recebe esse nome porque os enunciados de palavras isoladas produzidos, geralmente, passam a ser constituídos por duas palavras, sendo os artigos, os verbos de ligação, as preposições, as conjunções omitidos. Para Teixeira (1985), a seleção das formas a serem produzidas e a organização desses elementos na cadeia de produção não ocorrem ao acaso e demonstram as restrições de ocorrência influenciadas pelo modelo adulto como é o caso da relação possuidor e objeto possuído. A criança falante do português ordena, de forma recorrente, [Objeto] + [Atributo], como em: LELÉ NANINHA (1 ano e 4 meses), referindo-se a doce de banana1. Com o início das produções contendo duas palavras, a criança aumenta sensivelmente sua capacidade comunicativa em um único enunciado, apresentando várias funções comunicativas, como: nomear, localizar, negar, pedir, descrever eventos e situações, indicar posse, atribuir qualidade e perguntar. 1 Exemplo retirado de Teixeira (1985).
A partir dos 2 anos, a criança inicia o quarto estágio do desenvolvimento fonológico. Esse estágio é denominado de Organização, expansão e estabilização dos sistemas e acompanha a criança até mais ou menos 4 anos de idade. Nesse período, a criança inicia a produção de palavras gramaticais e os enunciados passam a ser mais complexos e mais extensos, em virtude do surgimento de adjetivos e advérbios, al-
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QUARTO ESTÁGIO: ORGANIZAÇÃO, EXPANSÃO E ESTABILIZAÇÃO DOS SISTEMAS
guns bastante criativos, como em: EU NÃO SOU AJATA (2 anos e 1 mês)2.
QUINTO ESTÁGIO: DESENVOLVIMENTO DO DISCURSO NARRATIVO Também por volta dos dois anos de idade, a criança inicia o Desenvolvimento do Discurso Narrativo, quando, segundo Perroni (1994), a criança começa a desenvolver tentativas de construções em conjunto com os adultos. O processo de desenvolvimento do discurso narrativo pode ser dividido em três grandes estágios: protonarrativas, técnica narrativa primitiva e criança como narrador.
a) Protonarrativas O primeiro estágio, denominado de Protonarrativas, corresponde ao período entre 2 e 3 anos de idade e é marcado pelo discurso do “aqui e agora”. Somente por volta dos 2 anos e meio, começam a parecer expressões como depois, ontem, amanhã e de noite, utilizadas sem consistência ou coerência, entretanto, referindo-se a momentos não contemporâneos à produção.
b) Técnica Narrativa Primitiva O segundo estágio, denominado de Técnica Narrativa Primitiva, inicia-se por volta dos 3 anos, finalizando mais ou menos aos 4 anos. A produção narrativa ainda é produto de uma ação em conjunto adulto/criança, entretanto ela passa a narrar algumas atividades não partilhadas pelo adulto.
2 Exemplo retirado de Teixeira (1985).
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Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=139391
c) Criança como Narrador
O último estágio do desenvolvimento narrativo é denominado de Criança como Narrador e compreende o período entre 4 a 5 anos. Esse estágio é caracterizado pela mudança de papéis entre criança e adulto. A criança passa a assumir um papel
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mais ativo e autônomo. É importante ressaltar que os estágios do desenvolvimento da fala podem sobrepor-se e seguir em ritmos diferentes em cada criança. Por volta dos 4 ou 5 anos, as crianças utilizam-se dos recursos da fala com total propriedade, conseguem comunicar-se plenamente. Será que esse processo de aquisição da fala interfere na aprendizagem da leitura e da escrita? Sim. Uma das habilidades mais importantes a ser desenvolvida nas crianças é a consciência fonológica, ou seja, a habilidade de perceber e manipular os sons de uma língua.
CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA No início do processo de alfabetização a criança já apresenta várias habilidades necessárias para o desenvolvimento da leitura e da escrita. Por volta dos 5 anos, ela já sabe falar centenas de palavras, reconhece objetos e formas, afirma Guimarães (2003). Aprender a ler e a escrever exige que a criança preste atenção em determinados aspectos estruturais da língua que, até então, não eram necessários. Em uma língua que tem com base um sistema alfabético de escrita, a criança precisa compreender que as letras são símbolos gráficos que representam elementos sonoros, ou seja, os sons de uma língua. Esses sons, isoladamente, não apresentam significados, mas servem para diferenciar significados quando inseridos em uma sequência de sons. Ana-
produzi-lo, nos basta, simplesmente, abrir a boca, relaxar a língua e deixar o ar escapar livremente. Dessa forma, esse som não apresenta nenhum significado. Esse mesmo [a], quando inserido em uma sequência de sons como CASA, por exemplo, estabelece uma distinção, uma diferenciação em relação a outras sequências, como CASO ou CASE.
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lise, por exemplo, o som [a]. Por ser uma vogal, o ar sai livremente pela boca. Para
O que está implícito nesses exemplos é a noção de fonema – menor unidade sem significado da língua, mas distintiva.
Apesar de as crianças, por volta dos 4 ou 5 anos, terem pleno domínio da oralidade, da fala, essa noção abstrata de fonema, enquanto unidade fonológica que compõe as palavras, não é evidente para elas. De acordo com Zorzi (2003, p. 28), essa consciência ou conhecimento fonológico está inserido no que podemos denominar de CONHECIMENTO METALINGUÍSTICO, ou seja, “um conhecimento ligado à capacidade de o sujeito poder pensar sobre a linguagem e operar com ela em seus distintos níveis: textual, pragmático, semântico, sintático e fonológico”. Essa habilidade de perceber que as estruturas da língua podem
ser segmentadas em estruturas menores tem sido apontada com um dos aspectos ________________________ essenciais para aprender a escrita.
A consciência fonológica envolve o reconhecimento pelo indivíduo de que as palavras são formadas por diferentes sons que podem ser manipulados, abrangendo não só a capacidade de reflexão (constatar e comparar), mas também a de operação com fonemas, sílabas e aliterações (contar, segmentar, unir, adicionar, suprimir, substituir e transpor). (MOOJEN et al., 2003, p. 11)
Nesse sentido, compreendemos que ela é a consciência dos sons que compõem as palavras que ouvimos e falamos, e que permite a identificação de rimas, palavras que começam e terminam com os mesmos sons e de fonemas (sons) que podem ser manipulados para a criação de novas palavras (FREITAS, 2004). Para Freitas (2004), a consciência fonológica é uma habilidade de extrema importância na aquisição da linguagem escrita de uma língua de princípio alfabético, como a nossa língua portuguesa. A consciência fonológica está presente mesmo em crianças não alfabetizadas, como por exemplo, na capacidade de identificar rimas nas cantigas infantis, ou seja, a criança já apresenta uma sensibilidade em relação às similaridades fonológicas. Pesquisas com crianças de 3 e 4 anos apontam que, nesta fase da infância, as crianças são capazes de “brincar” com as palavras, identificando e produzindo alguns
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vocábulos que apresentam sons iguais. Byrne (1995) afirma que, para a criança ter sucesso na empreitada de aprender a ler e a escrever em uma língua de princípio alfabético, são necessários três aspectos:
a consciência de que a fala pode ser segmentada em unidades menores distintivas; a consciência de que as menores unidades distintivas aparecem em palavras diferentes de forma repetida; o conhecimento das relações que se estabelecem entre sons e letras.
Esses três aspectos não são adquiridos de forma linear e cronológica, ou seja, um após o outro como se fossem etapas. Esse conhecimento pode ser elaborado em menor ou maior nível de complexidade a depender das experiências vivenciadas por cada criança e também por características individuais. A consciência fonológica desenvolve-se paulatinamente, à medida que a criança percebe que palavras, sílabas e sons podem ser identificados.
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Esse desenvolvimento da consciência fonológica parece ocorrer naturalmente, seguindo um ritmo um tanto quanto padronizado e previsto para a linguagem oral. No entanto, as experiência e vivências da criança podem influenciar esse processo. Por volta dos seis a sete anos, o desenvolvimento da consciência fonológica costuma avançar rapidamente, uma vez que esse período coincide com o início do processo de alfabetização. No entanto, há evidências de que o desenvolvimento da consciência fonológica não se dá sempre seguindo a ordem que será apresentada na próxima seção. Existem relatos que mostram casos de crianças em que a consciência silábica emergiu antes da consciência de palavras. O conhecimento fonológico pode ser dividido em três níveis de aprofundamento.
NÍVEIS DE CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA
A concepção de Consciência Fonológica é muito ampla, uma vez que não corresponde a uma única habilidade ou capacidade de manipular um único aspecto. A consciência fonológica é composta por módulos ou níveis que, quando integrados, formam o que chamamos de Consciência fonológica. Observe o esquema a seguir:
Figura 3 - Esquema dos níveis de consciência fonológica
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Fonte: A autora
Primeiro Nível - Sensibilidade às rimas de palavras
A sensibilidade às rimas é um nível inicial e bem elementar do conhecimento fonológico. Esse nível caracteriza-se pela descoberta, por parte das crianças, de que algumas palavras apresentam um mesmo conjunto de sons, em seu início ou final, como por exemplo, PÉ com RÉ, GATO com RATO, LEÃO com PEÃO. É importante também que os pais e professores proporcionem muitos momentos de leitura de trovas, poemas, parlendas, de textos que apresentem rimas.
Figura 4 - Bebê ouvindo música
. Fonte: Adaptação de imagens do www.sxc.hu
Jamet (2000) afirma que as crianças que, por voltam dos 3 anos, conhecem muitas cantigas infantis se mostram como futuros bons leitores. Hipotetiza que as cantigas ensinadas na educação infantil desenvolveriam a sensibilidade das crianças para a estrutura fonológica (sonora) da língua, em especial para as rimas. As crianças inseridas nos meios escolar e familiar em que ocorre esse tipo de aprendizagem teriam mais
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chances de desenvolver a consciência fonológica.
Segundo Nível -Consciência da sílaba
Como o próprio nome indica, esse nível representa a capacidade para segmentar e manipular as estruturas silábicas das palavras. “Significa alcançar a noção de sílaba, a qual implica um processo de divisão da palavra em seus constituintes”, segundo Zorzi (2003, p. 29). Conforme Freitas (2004, p. 180), “desde cedo, as crianças apresentam a habilidade de dividir uma palavra em suas sílabas oralmente, sendo um excelente indicativo de que possuem um nível de consciência fonológica.” Observe algumas habilidades que devem ser desenvolvidas no nível silábico:
Quadro 1 - Habilidades de consciência fonológica no nível da sílaba.
Habilidade
Estímulo
Resposta esperada
Contar o número de sílabas de uma
Macaco
3
palavra
________________________ Inverter a ordem das sílabas na palavra Vaca Cava ________________________ Adicionar sílabas corro socorro ________________________ Excluir sílabas sorriso Riso Ca - sa casa ________________________ Juntar sílabas isoladas ________________________ Segmentar em sílabas as palavras prato Pra-to ________________________ Fornecer palavras a partir de uma sílaba pa Papai, papel, panela ________________________ dada ________________________ Fonte: Adaptado de Alves (2009, p.38) ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Capovilla (2003) apresenta atividades para desenvolver a consciência silábica, ________________________ como por exemplo: ________________________ ________________________ ________________________ 1. Cada criança fala seu nome e todos batem palmas para cada sílaba. ________________________ 2. Jogos em que são mostradas algumas figuras e uma criança, de cada vez, fala ________________________ o nome da figura e bate uma palma para cada sílaba. É interessante iniciar com palavra ________________________ de um ou duas sílabas, avançando para palavras trissilábicas. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Terceiro Nível - Consciência das unidades intrassilábicas ________________________
seja, considera que as sílabas podem ser subdivididas em elementos que são menores do que elas e maiores do que um som. Segundo Zorzi (2003),
As sílabas possuiriam elementos constituintes denominados ‘onset’
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O terceiro nível é responsável pela percepção das unidades intrassilábicas, ou
e ‘rima’. Nesse caso, a consoante inicial, ou o conjunto de consoantes iniciais, constituem o ‘onset’, sendo que todos os elementos que vieram a partir da primeira vogal, correspondem à ‘rima’. Por exemplo, na sílaba ‘pres’ ( da palavra ‘prestar’), as consoantes iniciais ‘pr’ constituem o ‘onset’, enquanto ‘es’ constitui a ‘rima’. (ZORZI, 2003, p. 30)
Esquematizando a proposta de Zorzi (2003), teremos a estrutura silábica assim:
Figura 5 - Estrutura da sílaba
Fonte: A Autora
Com base nas palavras de Zorzi (2003), pode-se, então, concluir que palavras como SABER, PODER, CRESCER, ESTABELECER, LER possuem uma mesma rima. E palavras como PRÓPRIO, PRATO, PRETO, PRINCIPAL possuem o mesmo “onset”. Jamet (2000) atribui ao conhecimento intrassilábico grande importância no aprendizado da leitura. Aos 6 anos e meio, é notável constatar que as habilidades fonológicas preveem melhor sucesso em termos de leitura do que o quociente intelectual. Os dois tipos de aptidões – as referentes ao nível silábico (rima e aliteração) e as relativas ao nível fonêmico – contribuem para o sucesso da aprendizagem. A sensibilidade das crianças no nível intrassilábico poderia então ser concebida como um precursor da habilidade fonêmica, ela mesma desempenhando um papel
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considerável quando da aprendizagem da leitura. (JAMET, 2000, P. 116)
Dessa forma, esse nível se estabelece como um estágio de transição entre os níveis silábico e fonêmico. Para desenvolver o nível intrassilábico, é possível propor atividades que levem em consideração as habilidades contidas no quadro a seguir:
Quadro 2 - Habilidade de consciência fonológica no nível intrassilábico
Habilidade
Estímulo
Resposta Esperada
Apontar aliterações
prato
preto
Apontar sílabas que rimam
Bo-né
Ca-fé
Fonte: Adaptado de Alves (2009, p. 41)
Quarto Nível - Consciência fonêmica O nível fonêmico ou dos fonemas é o estágio de percepção de que é possível segmentar as palavras em sons, ou seja, nas menores unidades sonoras distintivas,
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que podem mudar a significado de uma palavra. Por esse motivo, é importante que a criança tenha a consciência de que, na verdade, a palavra é um conjunto de sons e que palavras diferentes apresentam conjuntos de sons diferentes. Os fonemas são entidades de contraste, uma vez que, sempre que altero um fonema em uma palavra, altero o significado da palavra. Vejamos, por exemplo, os fonemas /p/ e /b/ que aparecem no início das palavras POTE e BOTE. Apenas com a alteração de um único elemento, temos duas palavras diferentes. A consciência fonêmica é muito mais complexa do que a silábica. Afinal, as sílabas são muito mais perceptíveis do que os fonemas. O indivíduo que já apresenta sua consciência fonológica no nível dos fonemas adquire a habilidade de: dividir as palavras em sons; unir sons isolados para formar palavras; identificar e organizar palavras que terminam com o mesmo som; dentre outras habilidades. Para desenvolver melhor a consciência fonêmica, é interessante trabalhar com as habilidades apresentadas no quadro a seguir:
Quadro 3 - Habilidade de consciência fonológica no nível dos fonemas
Habilidade
Estímulo
Resposta Esperada
Segmentar a palavra em sons
fala
/f/ /a/ /l/ /a/1
“Juntar” sons isolados para formar uma palavra
/f/ /a/ /l/ /a/
fala
Identificar palavras iniciadas com o mesmo som
mala
mola
Identificar palavras encerradas com o mesmo
mala
roda
som Excluir sons iniciais para formar uma outra
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casa
asa
palavra Acrescentar sons para formar uma outra palavra
asa
casa
Apontar palavras distintas pelo fonema inicial
Pia
Bia
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Fonte: Adaptado de Alves (2009 p. 45)
Capovilla (2003) sugere, para o desenvolvimento da consciência fonêmica, algumas atividades, como, por exemplo:
Adultos e crianças cantarem músicas conhecidas trocando as vogais das palavras.
“O sapo não lava o pé, Não lava porque não quer, Ele mora lá na lagoa, Não lava o pé porque não quer. Mas que chulé!”
________________________ ________________________ ________________________ Trocando todas as vogais pela vogal A: ________________________ ________________________ ________________________ A sapa nãa lava a pá, ________________________ ________________________ Nãa lava parca nãacar, ________________________ ________________________ Ela mara lá na lagaa, ________________________ Nãa lava a pá parca nãa car. ________________________ ________________________ Mas cá chalá! ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ O desenvolvimento da consciência fonológica contribui mesmo para a aprendizagem da ________________________ leitura? ________________________ ________________________ ________________________ De acordo com Capovilla (2003), existem evidências que nos levam a acreditar ________________________ que o desenvolvimento da consciência fonológica contribui para a aprendizagem da ________________________ leitura e da escrita, assim como, o processo contrário é verdadeiro. ________________________ ________________________
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Tal reciprocidade deve-se ao fato de que tanto a leitura quanto a
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uma série de habilidades elementares. Os estágios iniciais da cons-
consciência fonológica são processos complexos que envolvem ciência fonológica (e.g. consciência de rimas e sílabas) contribuem para o desenvolvimento dos estágios iniciais do processo de leitura. Por sua vez, as habilidades desenvolvidas na leitura contribuem para o desenvolvimento de habilidades de consciência fonológica mais complexas, tais como as de manipulação e transposição fonêmicas. (CAPOVILLA, 2003, p. 33).
Berberian e Massi (2005) ressaltam que ler e escrever não são habilidades que envolvem somente os atos de decodificar e codificar um conjunto de letras. Decodificação e compreensão são atividades completamente diferentes: a decodificação restringe-se ao ato mecânico de reconhecimento e identificação de letra e conjuntos de letras organizadas em palavras e frases; a compreensão é um trabalho reflexivo sobre um texto, através do qual é possível construir entendimentos dos objetos, das pessoas e do mundo. O desenvolvimento da consciência fonológica permitirá a criança aprofundar seu processo de reflexão sobre sua língua materna, compreendendo melhor como esta se estrutura, se organiza.
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ERROS RELACIONADOS À ANÁLISE FONOLÓGICA Ao descobrir o sistema alfabético de escrita, a criança ainda não domina plenamente a ortografia nem a leitura. A partir do estágio alfabético de aquisição da escrita, a criança ainda precisa enfrentar os problemas ortográficos, uma vez que o sistema de escrita da língua portuguesa não representa exatamente a língua falada. Para a criança, no início da alfabetização formal, é um desafio entender como acontecem as relações entre letra e som. Essa relação é a base do sistema alfabético, em que uma letra deveria representar um som, no entanto isso não ocorre. Essa relação dos sons da fala com as letras é complexa, há casos de letras que representam mais de um som, sons que são representados por mais de uma letra e letras e símbolos que não representam sons (CAGLIARI, 1999). Alguns “erros” são bastante comuns na fase da alfabetização, bem como, ao longo da vida, quando o indivíduo não compreende bem as relações entre fala e escrita, bem como não desenvolveu a sua consciência fonológica.
691 alfabetização e letramento
Figura 6 - Menino em dúvida
Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=412026
Um dos aspectos da linguagem escrita que se apresenta como um grande desafio é o domínio das representações múltiplas na relação fonema-letra, uma vez que a língua portuguesa possui um número bastante significativo dessas representações:
Um mesmo som pode ser representado sempre pela mesma letra, como /p/, /t/ e /m/, que são sempre escritos com as letras “p”, “t” e “m”,; Um mesmo som pode ser escrito por diferentes letras, como ocorre com o fonema /z/, que pode ser escrito com as letras “s”, “x” e “z”; Uma mesma letra pode vir a representar diferentes fonemas, como ocorre com a letra “x”, que pode escrever os fonemas /s/, /z/ e /∫/3.
Em virtude dessas relações e de muitas outras que ocorrem na língua portuguesa, não podemos escrever como falamos e a aprendizagem da ortografia torna-se um desafio para as crianças e para o professor, que precisa promover atividades didáticas que levem a crianças a compreender as regras que controlam as relações entre letras e sons, inclusive com suas peculiaridades, e as regras ortográficas de uma língua. Segundo Zorzi (2003), quase metade dos erros observados na escrita de crianças diz respeito a saber identificar, com precisão, as situações nas quais pode haver a ocorrência de representações múltiplas, conhecer as letras que podem ser usadas e memorizar a opção correta. Essas dificuldades percorrem, muitas vezes, toda a vida escolar do aluno. Guimarães (2003) apresenta um conjunto de erros que podem ser cometidos justamente por uma análise inadequada da estrutura sonora da língua:
3 O fonema /∫/ representa o som de X em xícara e CH em chave.
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Quadro 4 - Erros relacionados com análise fonológica
Tipo de erro
Transcrição da fala
Justificativa
Erros apoiados na fala.
Exemplo
Durmi (dormir) Coelio (Coelho)
Omissão de letras
Tendência de simplificar as estruturas silábicas.
Erros de segmentação e
Fora do padrão da norma
junção
culta da língua.
Minina (menina) serote (serrote) cuarto (quarto) gitara (guitarra) Porisso (por isso) A gora (agora)
Fonte: A Autora
Os professores devem ter como um dos objetivos principais criar no aluno a consciência de que ele mesmo pode ser o revisor dos seus textos. Para que isso aconteça, é necessário que o professor deixe de simplesmente corrigir os textos dos alunos como se somente ele pudesse fazer isso. É preciso que as questões de ortografia sejam socializadas e que a criança perceba, antes de tudo, que os textos devem ser lidos e compreendidos por todos.
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SÍNTESE As crianças percorrem um longo caminho até alcançarem um nível comunicativo pleno, geralmente, por volta dos 4 a 5 anos de idade. Para alcançar o nível narrativo da aquisição da fala, a criança passou por vários estágios e superou suas hipóteses e conflitos. Quando ingressa no universo escolar e inicia o processo de aprendizagem da leitura e da escrita, é fundamental que desenvolva o que chamamos de consciência fonológica, um conjunto de habilidades que envolvem a sensibilidade às rimas, a consciência da sílaba, das relações intrassilábicas e, principalmente, a consciência de que as palavras são segmentadas em fonemas. Esses aspectos influenciam bastante a aprendizagem da leitura e da escrita, uma vez que as crianças passam a conhecer a estrutura da língua.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Com base no que foi estudado nesta aula, pode-se afirmar que a aprendizagem das correspondências entre letras e sons é suficiente para desenvolver as habilidades necessárias ao aprendizado na lectoescrita? Pense em justificativas para sua resposta.
LEITURAS INDICADAS CAPOVILLA, A. G. S. Problemas de leitura e escrita: como identificar, prevenir e
FREITAS, G. C. M. Sobre a consciência fonológica. In: LAMPRECHT, Regina Ritter (Org.). Aquisição fonológica do português: perfil do desenvolvimento e subsídios para terapia. Porto Alegre: Artmed, 2004.
693 alfabetização e letramento
remediar numa abordagem fônica. São Paulo: Memnon, 2003.
SANTAMARIA, V. L. et al. A consciência fonológica no processo de alfabetização. Rev. CEFAC, São Paulo, v.6, n.3, 237-41, jul/set, 2004. Disponível em: <http://www.cefac.br/ revista/revista63/Artigo%201.pdf>.
PAULA, G. R.; MOTA, H. B.; KESKE-SOARES, M. A terapia em consciência fonológica no processo de alfabetização. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. Barueri (SP), v. 17, n. 2, p. 175-184, mai/ago, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ pfono/v17n2/v17n2a05.pdf>.
SITES INDICADOS http://www.juterapeutaocupacional.com/pdf/rima.pdf http://www.fonoesaude.org/consfonologica.htm http://www.cfonologica.blogspot.com
REFERÊNCIAS ALVES, U. K. O que é consciência fonológica. In: LAMPRECHT, Regina Ritter (Org.). Consciência dos sons da língua: subsídios teóricos e práticos para alfabetizadores, fonoaudiólogos e professores de língua inglesa. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009.
BYRNE, Brian. Treinamento da consciência fonêmica em crianças pré-escolares:porque fazê-lo e qual seu efeito? In: CARDOSO-MARTINS, C. Consciência Fonológica e Alfabetização. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995
CAGLIARI, L.C. A caracterização gráfica na história do alfabeto. In. CAGLIARI, L. C., MASSINI-CAGLIARI, G. Diante das letras: a escrita na alfabetização. Campinas, SP, Mercado das Letras, 1999.
CAPOVILLA, A. G .S. Problemas de leitura e escrita: como identificar, prevenir e remediar numa abordagem fônica. São Paulo: Memnon, 2003.
FREITAS, G. C. M. Sobre a consciência fonológica. In: LAMPRECHT, Regina Ritter (Org.). Aquisição fonológica do português: perfil do desenvolvimento e subsídios para terapia. Porto Alegre: Artmed, 2004
GUIMARÃES, S. R. K. O aperfeiçoamento da consciência alfabética de escrita: relação entre consciência fonológica e representações ortográficas. In: MALUF, Maria Regina (Org.) Metalinguagem e aquisição da
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escrita: contribuições da pesquisa para a prática de alfabetização. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
JAMET, E. Leitura: aproveitamento escolar. São Paulo: Loyola, 2000.
LYONS, J. Língua(gem) e lingüística: uma introdução. Tradução de Marilda Winkler Averburg e Clarisse Sieckenius de Souza. Rio de Janeiro: LTC- Livros técnicos e científicos, 1987.
MOOJEN, S. et al. Consciência fonológica:instrumento de avaliação sequencial. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
SCARPA, E. M. Aquisição da linguagem. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. v. 2. São Paulo: Cortez, 2001.
ZORZI, J. L. Aprendizagem e distúrbios da linguagem escrita: questões clínicas e educacionais. Porto Alegre: Artmed, 2003.
(Footnotes) 1Os fonemas são sempre representados entre barras. As barras indicam que são sons distintivos e numa determinada língua.
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AULA 07 – LEITURA Autora: Karine Araújo Silveira “Ler não é caminhar e nem voar sobre as palavras. Ler é reescrever o que estamos lendo, é perceber a conexão entre o texto e o contexto e como vincula com o meu contexto.”
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(PAULO FREIRE)
Caro(a) aluno(a),
Esta aula tem como objetivo principal conduzi-lo a uma reflexão sobre a leitura: seus conceitos e suas concepções, estratégias e práticas. Refletir sobre a leitura é fundamental para o processo de ensinar e aprender a ler. Afinal, ensinar os alunos a ler e escrever é uma das principais tarefas da escola. A leitura e a escrita são muito importantes para que as pessoas exerçam seus direitos, possam trabalhar e participar da sociedade com cidadania, se informar e aprender coisas novas ao longo de toda a vida. Vamos a nossa aula!
O QUE É LER?
Ler e escrever são duas habilidades oriundas de uma capacidade que pertence somente aos seres humanos: a linguagem. Enquanto você lê estas palavras, está tomando parte numa das maravilhas do mundo natural. Você e eu pertencemos a uma espécie dotada de uma admirável capacidade, a de formar ideias no cérebro dos demais com esquisita precisão. Eu não me refiro com isso à telepatia, o controle mental ou as demais obsessões das ciências ocultas. Aliás, até para os crentes mais convictos, estes instrumentos de comunicação são pífios em comparação com uma capacidade que todos nós possuímos. Esta capacidade é a linguagem. (PINKER, 2002, p. 11)
Das quatro habilidades linguísticas - leitura, escrita, fala e escuta -, talvez a leitura seja a mais complexa. A fala e a escuta são habilidades naturais. Portanto, ainda que, durante o seu desenvolvimento, exija da criança esforço e atividade, são habilidades que não demandam instrução escolar. Com a língua escrita, esse desenvolvimento ocorre de maneira
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diferente.
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A língua escrita [...] é uma invenção social. Quando uma sociedade necessita comunicar através do tempo e do espaço e quando necessita recordar sua herança de ideias e de conhecimentos, cria uma língua escrita. Isto ocorre quando as sociedades alcançam um certo nível de complexidade e de tamanho.(GOODMAN, 1987, p. 14)
Com o advento da escrita, surge a leitura.
Mas, o que significa ler?
No dicionário de Ferreira (1988, p. 390), o verbete “leitura” é assim definido: “Leitura. S.F.1. ato ou efeito de ler. 2. Arte ou hábito de ler. 3. aquilo que se lê. 4. o que se lê, considerado em conjunto. 5. Arte de decifrar e fixar um texto de um autor, segundo determinado critério [...].” Mas, será que ler é só isso? Decifrar e fixar? Não. Veremos outros conceitos que ________________________ ________________________ adotam concepções bem distintas quanto à leitura. ________________________ ________________________ Figura 1 - Crianças lendo ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d4/Children_reading_by_David_Shankbone.jpg ________________________ ________________________ A concepção de leitura que consta nos Parâmetros Curriculares do Ensino Fun________________________ ________________________ damental é a seguinte: ________________________
de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem, etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compreensão,
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A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo
avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto suposições feitas. (BRASIL, 1998, p. 69).
Na concepção apresentada nos PCN, leitura é vista como um conjunto de estratégias e recursos que atuam em conjunto na construção do significado. Portanto, ler não é decodificar. Para Lajolo (1982), Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista. (LAJOLO, 1982, p. 59)
Assim, a leitura passa a ser um processo que envolve a interlocução, o diálogo entre o leitor e o autor, através do texto, elemento mediador dessa relação. Dessa forma, a leitura deixa de ser considerada um simples processo mecânico. E o que é interlocução? A interlocução é uma característica própria da linguagem. Sempre quando se fala ou se escreve há um interlocutor, ou seja, alguém que recebe e envia uma mensagem. Essa visão de relação entre emissor e receptor na comunicação não é mecânica, mas interativa, dialógica. Emissor e receptor estabelecem um diálogo, uma interação.
[...] a leitura é o movimento crítico da constituição do texto, pois é o momento privilegiado do processo da interação verbal: aquele em que os interlocutores, ao se identificarem como interlocutores, desencadeiam o processo de significação. (ORLANDI, 1983, p. 20).
A leitura é um processo de compreensão dos significados de um texto. Essa compreensão é construída por um sujeito que analisa, questiona o texto, atribuindo-lhe significados e estabelecendo com ele uma interação reflexiva. Dessa forma, pode-se afirmar que o leitor e o escritor estabelecem uma relação
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dialógica, que é mediada pelo texto, com o intuito de construir, com base nessa relação, possíveis significados. Esse encontro com o autor ausente dá-se a partir de sua palavra escrita, segundo Geraldi (2008). Solé (1998, p. 22) corrobora com a ideia de Geraldi (2008) ao afirmar que “a leitura é um processo de interação entre o leitor e o texto; neste processo tenta-se satisfazer [obter uma informação pertinente para] os objetivos que guiam sua leitura.” Nessa perspectiva da leitura como interação, o leitor é ativo e examina o texto; lê para alcançar um objetivo, uma finalidade, como, por exemplo, preencher um momento de lazer, buscar uma informação, seguir instruções para realizar uma atividade, etc.
Será que, na fase inicial do processo de aprendizagem da leitura, as crianças já estabelecem esse diálogo mediado pelo texto?
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LER É DECIFRAR E COMPREENDER De acordo com Cagliari (1998), Já se sabe que o segredo da alfabetização é a leitura. Alfabetizar é, na sua essência, ensinar alguém a ler, ou seja, decifrar a escrita. […] Na prática escolar, parte-se do pressuposto de que o aluno já sabe decifrar a escrita, por isso o termo ‘leitura’ adquire outro sentido. Trata-se, então, da leitura para conhecer o texto escrito. Na alfabetização, a leitura como decifração é o objetivo maior a ser atingido. […] O uso da leitura como forma de pesquisar adquire uma importância secundário. Depois que o aluno tornou-se fluente na leitura, ou seja, sabe decifrar a escrita com facilidade, o uso da leitura como busca de informação torna-se o objetivo mais importante na escolar, e a simples decifração deixa de ser uma preocupação constante nos estudos. (CAGLIARI, 1998, p. 312)
Com base nas palavras de Cagliari, podemos, então, afirmar que a leitura compreende dois processos fundamentais: a decodificação e a compreensão. Assim, a leitura é o processo pelo qual compreendemos a língua escrita e para ler “necessitamos, simultaneamente, manejar com destreza as habilidades de decodificação e aportar ao texto nossos objetivos, ideias e experiências prévias” (SOLÉ, 1998, p. 23).
A DECODIFICAÇÃO é a capacidade que temos como usuários de uma língua (escritores, leitores ou aprendizes) para identificarmos um signo gráfico por um nome ou por um som. Essa capacidade ou competência linguística consiste no reconhecimento das letras gráficas e na tradução das mesmas para a linguagem oral ou qualquer outro sistema de comunicação. Decodificamos as letras e transformamos em cadeia sonora,
699 alfabetização e letramento
A decodificação
a fala. Decodificamos as letras e transformamos em linguagens não-verbais, como pintura, escultura, placas, sinais, dentre outras. Aprender a decodificar não se consegue somente através do conhecimento do alfabeto e da leitura de um texto. A decodificação ou a decifração, como Cagliari (1998) prefere, pode ser feita em etapas, avançando em complexidade. Incialmente, os conhecimentos sobre a escrita podem ser poucos, permitindo à criança descobrir inicialmente apenas os nomes das letras. Outros conhecimentos podem ajudá-la a pronunciar as letras até as palavras, sem, no entanto, revelar o que está sendo dito. Então, para aprender a decodificar, segundo Cagliari (1998), é necessário que a criança:
conheça a língua portuguesa; conheça o sistema de escrita; conheça o alfabeto; conheça as letras individualmente; conheça a função das letras; conheça o princípio acrofônico (o nome da letra aproxima-se do som da mesma); conheça as relações em letras e sons; conheça a posição das letras (escrevemos horizontalmente em Português); conheça a linearidade da fala e da escrita (falamos e escrevemos um som de cada vez, um após o outro); reconheça uma palavra (distinguir uma palavra qualquer em um contexto frasal, ou seja, perceber que existem espaços entre as palavras); saiba que nem tudo o que se escreve são letras (afinal, temos os números e os sinais de pontuação); saiba que o alfabeto não é usado para escrever exatamente como se fala.
Somente o conhecimento pleno da língua, como vimos na aula sobre consciência fonológica, é capaz de dar ao leitor as condições necessárias para que a leitura englobe a decodificação e a compreensão dos significados.
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A compreensão
A COMPREENSÃO é a habilidade de captar os significados das mensagens escritas. Seu desenvolvimento dá-se pelo domínio, inicialmente, de textos mais simples, avançando para textos cada vez mais complexos. De acordo com Goodman (1987, p. 14-5), “para compreender o processo de leitura, devemos compreender de que maneira o leitor, o escritor e o texto contribuem para ele.” Toda leitura é uma interpretação, e o que o leitor é capaz de compreender e de aprender através da leitura depende fortemente dos seus conhecimentos prévios e seus valores, daquilo que ele acredita. Por essa razão, diferentes leitores atribuem interpretações a um mesmo texto. Afinal, cada leitor carrega uma bagagem personalizada de conhecimentos e experiências. Essa individualização faz com que um mesmo texto seja visto de maneira diferente por leitores diferentes. De acordo com Solé (1998), a leitura deve proporcionar ao leitor a compreensão do texto e, aos poucos, essa compreensão vai sendo ampliada e direcionada para os objetivos do leitor. Essa busca constante pela compreensão do texto é um processo bastante dinâmico, como afirma Goodman (1987):
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O significado é construído enquanto se lê, mas também é reconstruído, uma vez que devemos acomodar continuamente nova informação e adaptar nosso sentido de significado em formação. No decorrer da leitura de um texto, e inclusive logo após a leitura, o leitor está continuamente reavaliando o significado e reconstruindo-o, na medida em que obtém novas percepções. A leitura é, pois, um processo dinâmico muito ativo. (GOODMAN, 1987, p. 19)
Formar leitores competentes significa formar leitores capazes de aprender a partir dos textos. Para isso, “quem lê deve ser capaz de interrogar-se sobre sua própria compreensão, estabelecer relações entre o que lê e o que faz parte do seu acervo pessoal, questionar seu conhecimento e modificá-lo”. (SOLÉ, 1998, p. 72)
AFINAL, LEMOS UMA SÍLABA DE CADA VEZ? As pesquisas em leitura, mais especificamente, das áreas da Psicologia e da Psicolinguística,
lidas não letra por letra ou sílaba por sílaba, mas como um todo não analisado, isto é, por reconhecimento instantâneo e não por processamento analítico-sintético. (KATO, 1999, p. 33)
Em outras palavras, quando lemos uma palavra como “sapato” , não lemos s+a+p+a+t+o; muito menos como, sa+pa+to, como propõem os métodos de alfabeti-
701 alfabetização e letramento
São unânimes em afirmar que, na leitura proficiente, as palavras são
zação analíticos e sintéticos. Segundo Smith (1978), um bom leitor reconhece as palavras como se fossem objetos concretos (como árvores, mesas, cães), da mesma forma que identificam o objeto através de sua configuração geral. Para reconhecer um objeto, observamos seu contorno, sua estrutura, seu tamanho. Fazemos o mesmo com as palavras, sem análises de suas partes, seus sons e suas sílabas. Smith (1978, p. 34) explica que,“da mesma forma, porém, que podemos identificar uma árvore enxergando apenas uma parte de sua copa, a palavra pode ser reconhecida ou adivinhada sem que enxerguemos sua totalidade.” Um leitor eficiente tem cerca de 50000 palavras na sua memória visual, portanto, quanto mais eficiente, mais palavras na memória visual, assinala Smith (1978). Assim, torna-se necessário fazer a análise (sílabas ou letras) somente de palavras desconhecidas. No entanto, o autor acredita que muito raramente um leitor competente analisará essas palavras, pois o contexto geralmente dá pistas suficientes para alcançar o significado.
Com os leitores iniciantes acontece o mesmo?
Não. O vocabulário visual (ou memória visual) ainda é muito limitado, mesmo para as crianças que foram alfabetizadas por um método global (analisando palavras inteiras). O processo de leitura dos leitores iniciantes envolve muito pouco reconhecimento visual. As crianças analisam atenciosamente as letras e silabas das palavras para alcançarem a decodificação, de acordo com Kato (1999). É importante ressaltar que, quanto maior o contato da criança com as palavras em textos e situações diferentes, essas palavras passam, a cada contato, a fazer parte do vocabulário visual, levando a criança a melhorar sua condição de leitor. Assim, no início do processo de aprendizagem da leitura, as crianças utilizarão o processo de decodificação.
A LEITURA NA ESCOLA Para Solé (1998, p. 32), “Um dos múltiplos desafios a ser enfrentado pela escola
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é o de fazer com que os alunos aprendam a ler corretamente”. Afinal, a leitura é imprescindível para que o indivíduo atue com autonomia em uma sociedade letrada. A inabilidade com a leitura promove uma grande desvantagem para o indivíduo.
Figura 2 - Crianças lendo na escola
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/ee/Children_reading_1940.jpg
Na nossa primeira aula, vimos que, no Brasil, muitas pessoas terminam o processo escolar e ainda não conseguem ler e escrever, são os analfabetos funcionais. “Os dados indicam que nas sociedades ocidentais, o fenômeno do analfabetismo funcional, longe de diminuir, aumenta em ritmo regular.” (SOLÉ, 1998, p. 33). Além disso, poucos livros são vendidos proporcionalmente ao número de habitantes, o que nos levar a concluir que não lemos o suficiente, não tantos livros no nosso meio social. Desde muito cedo, as crianças inseridas em sua sociedade letrada percebem que o que está escrito significa alguma coisa. Elas percebem essa relação no dia a dia das atividades sociais, realizadas em conjunto com os pais ou com a escola, como por exemplo: ler história, presenciar a elaboração de listas de compras, levar um bilhete dos pais para a professora, ver a professora ou os pais anotando, lendo livros, etc. Essas atividades proporcionam a consciência do que é ler. Partindo dessas experiências iniciais com a leitura, é importante que o professor promova atividades significativas e contextualizadas, utilizando-se de materiais reais de leitura, aqueles que fazem parte das práticas sociais de leitura.
O professor pode: trabalhar com jornais e revistas diversas em sala de aula; revisar junto com seus alunos os textos produzidos por eles; utiliza-se de livros de literatura infantil;
trabalhar com rótulos e embalagens; utilizar receitas de comidas de que as crianças gostem, como brigadeiro, sanduíches, salada de frutas, pipocas, etc.; promover momentos de leitura silenciosa para que os alunos desfrutem do prazer em relacionar-se com o material a ser lido; promover o debate e a troca de experiências após as leituras, lembrando-se de que,
703 alfabetização e letramento
incentivar a escolha de livros na biblioteca ou no acervo da sala;
desde muito pequenas, as crianças realizam uma leitura pautada nas figuras ou até na suposição do que está sendo dito; atuar como leitor, ou contador de histórias, lendo-as em voz alta, podendo, inclusive, fazer, posteriormente, perguntas sobre o que foi lido; promover atividades de leitura em dupla a fim de que as crianças socializem suas inferências sobre o texto.
As atividades de leitura devem fazer parte do cotidiano escolar. Devem ser frequentes, reais e, acima de tudo, prazerosas. No entanto, Kato (1999) afirma que é fácil observar, na maioria das escolas, muita preocupação com o desenvolvimento da habilidade escrita e pouco interesse pela leitura. A prática de grande número de nossas escolas de privilegiar as atividades de escrita parece fazer supor que à produção segue-se automaticamente a recepção. Em outras palavras, se o professor ensinar o aluno a escrever, o aluno aprenderá automaticamente a ler. (KATO, 1999, p. 6-7)
Assim, podemos afirmar que uma criança que lê muito não necessariamente é uma boa escritora, assim como uma criança que escreve bem não necessariamente lê bem. Ler e escrever são habilidades de natureza distinta, ainda que mantenham uma frequente relação de interdependência. Por esse motivo, o objetivo do trabalho com a leitura não deve ser fazer com que o aluno melhore sua escrita, mas fazer com que o aluno melhore sua habilidade de leitura, através do contato com textos interessantes e adequados a cada faixa etária. Para Antunes (2003), a atividade de leitura é fundamental porque:
amplia o conhecimento de mundo; proporciona momentos de prazer, uma vez que o leitor entrará em contato com objetos da arte e da literatura; faz com que o leitor observe características da estrutura da língua, como: ortografia, pontuação, regras implícitas, regionalismos, etc.
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No entanto, é fácil observar que, aparentemente, a escola, em conjunto com a sociedade, tem fracassado na tarefa de proporcionar prazer aos nossos alunos através da leitura.
O PRAZER PELA LEITURA Uma das grandes tragédias da educação contemporânea não é tanto que muitos estudantes abandonam a escola incapazes de ler e de escrever, mas que outros se formam com uma antipatia pela leitura e escrita, apesar das habilidades que possuem. Nada, acerca da leitura e de sua instrução, é inconsequente.
(SMITH,1989, p. 213)
Para muitas pessoas, ler é um prazer. Para essas pessoas, não adianta escrever sobre as vantagens da leitura. Um bom livro é entretenimento, uma companhia inteligente, uma pitada de aventura e romance nos dias estressantes e atribulados. Ler é adquirir conhecimento. “O poder de estar informado. O poder de se comunicar com o mundo, a época em que se vive, e até como passado e o futuro”, segundo Paviani (2003, p. 117).
________________________ No entanto, para Kleiman (2000, p. 47), a queixa mais frequente entre os profes________________________ sores é: “Os meus alunos não gostam de ler.” ________________________ Mas será que a culpa é somente da escola? ________________________ ________________________ Segundo Soares (1989), diversos fatores dentro e fora da escola contribuem ________________________ para afastar o aluno da leitura: ________________________ ________________________ ________________________ a falta de livros nas casas; ________________________ a falta de uma cultura de leitura; ________________________ ________________________ a falta de valorização da escola, pelas famílias; ________________________ problemas econômicos e sociais das famílias; ________________________ a falta de hábitos de leitura, inclusive entre professores; ________________________ ________________________ a deficiência dos processos de alfabetização; ________________________ a falta de bibliotecas escolares; ________________________ ________________________ a falta de bibliotecas de sala de aula; ________________________ a falta de professores habilitados a desenvolverem bons hábitos e técnicas de leitura; ________________________ a falta de bibliotecários; ________________________ ________________________ a falta de estímulo para a leitura; ________________________ a competição de outras atividades; ________________________ o lazer, a televisão, o trabalho infantil.
A leitura deve ser conduzida com prazer e sem cobranças. Nada de exercícios repetitivos e sem propósito, nada de relatórios ou resumos. Segundo Magda Soares1, “É preciso desmanchar essa ideia do livro como objeto sagrado; é sagrado sim, mas para estar nas mãos das pessoas, ser manipulado pelas crianças”. Corroborando com a citação de Soares, Monteiro Lobato propõe que os livros devem ser convites. O que forma o leitor não é a imposição de uma determinada lei-
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tura, de um número de obras que ele deverá ler durante o ano. O que forma o leitor é aprender a escolher como e o que quer ler. Assim, ensinar a ler é ensinar a escolher. Em seu livro Reforma da Natureza, publicado em 1947, Monteiro Lobato, através da sua personagem Emília, provoca os leitores com a criação do Livro Comestível, uma analogia ao pão. Assim como os pães, os livros deveriam tornar-se populares e acessíveis a toda população. Digeridos diariamente, alimentariam o conhecimento e a alma. Dessa forma, o autor já atribuía tamanha importância aos livros e ao ato de ler com prazer.
Figura 3 - Boneca Emília, criada por Monteiro Lobato
Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=327846
Muito simples. Em vez de impressos em papel de madeira que só é comestível para caruncho, eu farei os livros em papel fabricado de trigo e muito bem temperado. A tinta será estudada pelos químicos – uma tinta que não faça mal para o estômago. O leitor vai lendo o livro e comendo as folhas; lê uma, rasga-a e come. Quando chega ao fim da leitura, está almoçado ou jantado [...] Dizem que o livro é o pão do espírito. Por que não ser também o pão do corpo? As vantagens seriam imensas. Poderiam ser vendidos em padarias e confeitarias, ou entregues de manhã pelas carrocinhas, juntamente com o pão e o leite. (...) Deste modo o livro pode ter entrada em todas as casas, seja dos sábios, seja dos analfabetos. (LOBATO, 2006, p. 37)
1 Frase retirada de http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/eduinf/revcrian40.pdf
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Esse foi o raciocínio. O livro existe para ser lido, não é? Mas, depois que o lemos e ficamos com toda a história na cabeça, o livro se torna uma inutilidade na casa. E quando a gente quiser reler um livro? “Compra outro, da mesma forma que compramos outro pão, todos os dias” (LOBATO, 2006, p. 38).
Figura 4 - Crianças divertindo-se lendo
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d4/Children_reading_The_Grinch.jpg
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A leitura só se torna livre quando se respeita o direito de escolha do leitor, quando se leva em consideração “o prazer ou a aversão de cada leitor em relação a cada livro. Ou seja, quando não se obriga toda uma classe à leitura de um mesmo livro”, salienta Lajolo (1993, p. 32). Para incentivar a prática da leitura com prazer, nada melhor do que o advento da literatura infantil na escola e na família. Desde muito pequenas, as crianças devem ser inseridas nesse universo literário.
A LITERATURA INFANTIL NA ESCOLA Mesmo crianças muito pequenas, que não dominam a fala ou a escrita, apresentam interesse pelos livros de literatura infantil. O que prende a sua atenção é o mundo imaginário, são as figuras e todo o encantamento. É partindo da premissa de que a literatura infantil contribui diretamente para o desenvolvimento da leitura nas séries iniciais e deve fazer parte do cotidiano escolar que as histórias podem ser lidas, contadas, encenadas, desenhadas. Lobato (1964, p. 250) explica que “Quem começa pela menina da capinha vermelha pode acabar nos Diálogos de Platão, mas quem sofre na infância a ravage2 dos livros instrutivos e cívicos, não chega até lá nunca. Não adquire o amor da leitura”. Formar um bom leitor não é uma tarefa fácil. É preciso despertar o hábito da reflexão e fazer com que a leitura faça parte do cotidiano desse leitor. Além disso, é 2 Significa violência.
SÍNTESE A leitura compreende os processos de decodificação e compreensão. Para compreender um texto, o leitor lança mão de várias estratégias para construir o significado. A leitura é uma das principais formas de adquirir conhecimento, no entanto é muito
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fundamental o apoio dos pais nesse processo.
comum encontrarmos crianças e adultos que não gostam de ler. É necessário rever a concepção de leitura das escolas e iniciar um processo de promoção do hábito de ler. A alfabetização é somente uma etapa, enquanto que a leitura deve perdurar a vida inteira.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Para formar leitores, é preciso ter paixão pela leitura. O professor que ensina a ler, precisar ser um bom leitor. Afinal, bons leitores inspiram-se em outros bons leitores. Em que se baseia a leitura? No desejo. Esta resposta é uma opção. É tanto o resultado de uma observação como de uma intuição vivida. Ler é identificar-se com o apaixonado e com o místico. É ser um pouco clandestino, é abolir o mundo exterior, deportar-se para uma ficção, abrir o parêntese do imaginário. Ler é muitas vezes trancar-se (no sentido próprio é figurado). É manter uma ligação através do tato, do olhar, até mesmo do ouvido (as palavras ressoam). As pessoas lêem com seus corpos. Ler é também sair transformado de uma experiência de vida, é esperar alguma coisa/ É um sinal de vida, um apelo, uma ocasião de amar sem a certeza de que se vai amar. Pouco a pouco o desejo desaparece sob o prazer. (BELLENGER, 1978, p. 17)
Para ensinar a ler, é preciso gostar de ler. Como você se relaciona com os livros que lê?
LEITURAS INDICADAS LAJOLO, M. Leitura em crise na escola. São Paulo: Mercado Aberto, 1982. CAGLIARI, L. C. O que é preciso saber para ler. In: MASSINI, Gladis; CAGLIARI, Luiz Carlos (Orgs.). Diante das letras: a escrita na alfabetização. Campinas, SP: Mercado das letras, 1999. (Coleção Leituras no Brasil) LOBATO, J. B. M. A Reforma da Natureza. São Paulo: Brasiliense, 1962. p. 58.
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SITES INDICADOS http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/eduinf/revcrian40.pdf http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/2698359 http://pagina-de-vida.blogspot.com/2007/05/o-prazer-da-leitura-rubem-alves.html http://www.filologia.org.br/soletras/16/literatura%20infantil%20qual%20a%20 sua%20contribui%C3%A7%C3%A3o%20para%20o%20desenvolvimento.pdf
REFERÊNCIAS ANTUNES, C. Jogos para estimulação das múltiplas inteligências. Petrópolis: Vozes, 2003.
BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Fundamental: Língua Portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CAGLIARI, L.C. Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1998. (Pensamento e Ação no Magistério).
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FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Escolar da Língua Portuguesa. Editora Nova Fronteira. 1988.
GERALDI, Wanderley. (Org.) O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2008.
GOODMAN, K. S. O processo de leitura: considerações a respeito das línguas e do desenvolvimento. In: FERREIRO, Emília; PALACIO, Margarida Gomez (orgs.). Os processos de leitura e escrita: novas perspectivas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
KATO, M. O aprendizado da leitura. São Paulo: Martins Fontes, 1999. (Texto e Linguagem).
LAJOLO, M. Leitura em crise na escola. São Paulo: Mercado Aberto, 1982.
LAJOLO, M. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. S. Paulo: Ática, 1993.
LOBATO, J.B. M. A Reforma da Natureza. São Paulo: Brasiliense, 1962, p. 58.
LOBATO, J.B. M. Conferências, artigos e crônicas. São Paulo: Brasiliense, 1964.
PAVIANI, J. Ensinar: deixar aprender. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. (Coleção filosofia; 154)
PINKER, Steven. O Instinto da Linguagem: como a mente cria a linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2002
SMITH, F. Compreendendo a leitura: uma análise psicolinguística da leitura e do aprender a ler. Porto Alegre: Artmed, 1989.
SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.
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SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
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AULA 08 – LETRAMENTO Autora: Karine Silveira “[...] Letramento é diversão
é leitura à luz de vela
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ou lá fora, à luz do sol.” (KATE M. CHONG)1
Caro(a), aluno(a),
Na presente aula, retomaremos o debate iniciado na Aula 02, quando discutimos os conceitos de alfabetização e letramento. O objetivo principal desta aula é refletir sobre conceitos, concepções e práticas do letramento. Vamos à nossa aula!
O PODER DA ESCRITA NAS SOCIEDADES LETRADAS Desde o advento da escrita, os descobrimentos científicos, a cultura e a história
passaram a ser registrados e armazenados. Aos poucos, a tradição oral deixou de ser o ________________________
________________________ ________________________ ________________________ Figura 1 - A escrita ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=204789 ________________________ Os registros orais ainda continuam importantes na nossa sociedade, entretan- ________________________ to, a escrita acaba por ser adotada em um universo mais amplo de práticas sociais e, ________________________ hoje, em uma sociedade letrada, é difícil imaginar que um indivíduo consiga assumir ________________________ plenamente seus papéis sociais sem saber e sem utilizar a escrita. ________________________ ________________________ principal instrumento de manutenção das informações de um povo.
1 Kate M. Chong é a autora do poema “O que é letramento?”. Ela é uma estudante norte-americana, mas de origem asiática, que escreveu o poema para descrever sua história pessoal de letramento. O texto na integra está disponível em Soares (1998, p. 41).
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Afinal, são inúmeras as atividades cotidianas que envolvem a escrita: recados, listas de compras, placas de trânsito e identificação nas ruas, formulários e requerimentos, preenchimento de cheques, receitas culinárias, rótulos das embalagens, dentre tantas outras.
Figura 2 - Lendo embalagens no mercado
________________________ ________________________ Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Alnatura_Muesli_Kundin.jpg ________________________ ________________________ Enfim, a escrita, hoje, é o instrumento de maior importância na organização e ________________________ mobilidade dos indivíduos em uma sociedade. Por esse motivo, quem escreve e lê tem ________________________ mais facilidade de transitar e usufruir dos seus direitos, ou seja, tem a possibilidade de ________________________ ser um cidadão pleno. ________________________ ________________________ Como afirma Guedes (1998, p. 212): ________________________ ________________________ Além de produzir imagem e auto-imagem, a produção de texto pro________________________ duz organização, ordenamento, seleção, hierarquia, tanto em rela________________________ ção à realidade interior de cada um de nós, quanto em relação ao mundo lá fora. Só a escrita é capaz de organizar a nossa vida, pelo ________________________ simples motivo de que é ela que organiza a nossa vida. Isso significa ________________________ que a vida dos povos sem escrita é desorganizada? Não, se estive________________________ rem quietos no seu canto, tocando sua vida, organizando-a pelos ________________________ critérios da oralidade que são bem distintos dos critérios que nos re________________________ gem. Sim, se estiverem sob o domínio da civilização da escrita, que ________________________ os desorganiza e os desorienta. Vejamos os índios do Brasil: eles só ________________________ agora estão conseguindo alguma organização para se defenderem e defenderem sua cultura e seu meio ambiente, graças à ação de al________________________ guns índios que entraram para o mundo alfabetizado dos brancos. ________________________ Quanto a nós, só temos existência civil se um papel escrito – cha________________________ mado certidão de nascimento – disser que existimos e só estaremos ________________________ verdadeiramente mortos se um outro papel confirmar nosso óbito. ________________________
zena as informações. Em contrapartida, em sociedades ágrafas, como algumas tribos indígenas, os indivíduos organizam suas rotinas, valores, história por meio de práticas orais. Pode-se dizer, inclusive, que indivíduos pertencentes a comunidades ágrafas podem ser alfabetizados, mas não podem ser letrados, uma vez que, em sua sociedade, não existem práticas de leitura e de escrita. Para Kleiman (1995, p. 7), “[...] em sociedades tecnológicas, industrializadas, a
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Em sociedades como a nossa, a escrita é o instrumento que registra e arma-
escrita é onipresente.” A escrita está tão presente nas nossas atividades que até nos esquecemos da sua força. As atividades que envolvem a escrita, para os sujeitos que sabem usá-la, não passam de mais uma forma de se comunicar com outros indivíduos, de agir sobre o meio em que vive. Essa escrita acaba por ser tão automática quanto a fala, sem grandes esforços de concentração e interpretação. No entanto, a escrita representa um enorme obstáculo para grandes grupos de brasileiros “não-escolarizados, que não tiveram acesso à escola, ou foram prematuramente expulsos dela.” (KLEIMAN, 1995, p. 7). Essa escrita rotineira representa apenas uma das funções mais básicas da escrita em uma sociedade letrada. É preciso avançar, fazer com que a escrita do indivíduo acesse o universo público, institucional, midiático, tecnológico. É preciso ter acesso a esse poder de transformação social.
Dentre os bens culturais, encontram-se a leitura e a escrita como saberes constitutivos das sociedades letradas e que devem propiciar aos indivíduos ou grupos sociais não apenas acesso a ela, mas também participação efetiva na cultura escrita. A apropriação e utilização desses saberes é condição necessária para a mudança, do ponto de vista tanto do individuo quanto do grupo social, de seu estado ou condição nos aspectos cultural, social, político, linguístico e psíquico. (MORTATTI, 2004, p. 100)
A palavra letramento está diretamente relacionada com essa transformação social, com a língua escrita e suas funções, e com o uso da escrita nas sociedades letradas, como a nossa, uma sociedade organizada em torno de um sistema de escrita.
Trata-se, assim, de uma sociedade baseada em comportamentos individuais e sociais que supõem a inserção no mundo público da cultura escrita, isto é, uma cultura cujos valores, atitudes e crenças são transmitidos por meio da linguagem escrita e que valoriza o ler e escrever de modo mais efetivo do que o falar e o ouvir. (MORTATTI, 2004, p. 98)
Dessa forma, torna-se importante ressaltar que a escrita não é um mero instru-
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mento, uma técnica, uma tecnologia, mas um produto cultural, construído ao longo da história de um povo. Um outro ponto importante é reconhecer que a escrita não é, de forma alguma, um produto escolar, mas um produto construído socialmente e, assim, deve ser aprendido. A escrita na escolar só existe porque existe fora dela, ou seja, a escola precisa ensinar a escrever porque esta é uma necessidade social.
Afinal, potencializando o letramento dos indivíduos será possível transformar a sociedade.
Alfabetizar não é mais suficiente. É preciso dar o poder da escrita aos cidadãos. É preciso Letrar. É preciso alfabetizar, letrando.
O QUE É LETRAMENTO? Palavras são criadas ou são atribuídos novos sentidos a elas, sempre que emergem fatos, ideias, novas maneiras de compreender um fenômeno. Foi assim que surgiu
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a palavra Letramento. A forma com que a escrita é utilizada nas sociedades industrializadas e tecnológicas faz com que seja necessário extrapolar o universo da alfabetização, considerada como decodificação e codificação de um sistema de escrita. A palavra letramento, no nosso país, não causa mais estranheza. No entanto, ainda é muito fácil encontrarmos fora do meio acadêmico, palavras bem familiares a nossa realidade educacional e social: analfabetismo, analfabeto, alfabetizar, alfabetização. No Brasil, somente há pouco tempo, nos anos 80, que a palavra letramento passou a fazer parte do discurso de alguns especialistas das áreas de educação e de linguística. Aparentemente, o termo letramento foi cunhado pela autora Mary Kato, em 1986, em seu livro “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística”. Observando as palavras de Kato (1986), percebe-se que a autora não define o verbete, mas simplesmente cita-o, referindo-se à função escolar de possibilitar aos seus alunos tanto o crescimento cognitivo quanto uma melhor realização das demandas de uma sociedade que privilegia a norma culta.
[...] a função da escola, na área da linguagem, é introduzir a criança no mundo da escrita, tornando-a um cidadão funcionalmente letrado, isto é, um sujeito capaz de fazer uso da linguagem escrita para sua necessidade individual de crescer cognitivamente e para atender às várias demandas de uma sociedade que prestigia esse tipo de linguagem como um dos principais instrumentos de comunicação. Acredito ainda que a chamada norma-padrão, ou língua falada cul-
é função da escola desenvolver no aluno o domínio da linguagem falada institucionalmente aceita. (KATO, 1986, p. 7)
Durante muito tempo, a palavra letramento não participou do universo dos dicionários. De acordo com Hoje, consultando o Dicionário Houaiss (2001, p. 1474) que já contempla a denominação letramento, são atribuídos três significados ao termo:
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ta, é consequência do letramento, motivo por que, indiretamente,
Letramento s.m 1. ant representação da linguagem falada por meio de sinais, escrita; escritas 2. Ped. Alfabetização (processo); 3. Ped. conj. de práticas que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de materiais escritos. Etim. Letrar (letra + ar) + mento; nas acp. ped. Por infl. Do ing. Literacy, ver liter.
A noção de letramento surge da necessidade de explicar algo que ultrapassa as fronteiras da alfabetização; explicar algo que vai além do domínio da técnica de leitura e de escrita, uma vez que nas sociedades grafocêntricas (pautadas em um sistema de escrita), como a nossa, novas formas de uso social da leitura e da escrita, inclusive por aquelas pessoas consideradas analfabetas, vêm surgindo. Como veremos mais adiante, ainda nesta aula, indivíduos analfabetos envolvem-se também em práticas sociais diárias de leitura e de escrita, ainda que não saibam ler e escrever. A palavra letramento surge, então, para representar esse fenômeno de imersão dos indivíduos em um mundo letrado.
ORIGEM DA PALAVRA A palavra letramento tem sua origem na palavra LITERACY, uma palavra que vem do latim littera (letra), com o sufixo –cy (qualidade, condição, ou estado). Assim, segundo Soares (1998, p. 17), “Literacy é o estado com condição que assume aquele que aprende a ler e escrever.” Essa condição de escritor e leitor faz com que tanto o individuo quanto o grupo social a que este indivíduo pertence, mudem sua condição social, política, econômica, linguística e cultural. Em países considerados de primeiro mundo, como França e Estados Unidos, os problemas com o analfabetismo são pequenos ou inexistentes. Os problemas residem na população alfabetizada, mas que não usufrui plenamente das práticas sociais e profissionais de leitura e de escrita. Dessa forma, para Soares (2002, p. 6), “[...] para limitar a análise a esses dois países, os problemas de illettrisme, de literacy/illiteracy surgem de forma independente da questão da aprendizagem básica da escrita.” Assim, de modo geral, esses países adotam a escolaridade como critério de ava-
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liação do grau de letramento dos seus cidadãos, quanto mais tempo na escola, maior o grau de letramento do indivíduo. Nos países em questão e em outros que apresentam índices de analfabetismo quase nulos, a palavra Letramento não se confunde com Alfabetização. No Brasil, o cenário é diferente. Os índices de analfabetismo ainda são altos e, por isso, é normal que a relação entre Alfabetização e Letramento apresente-se de forma um tanto quanto confusa. Vamos conceituar letramento e retomaremos, então, à conceituação de alfabetização.
CONCEITUANDO LETRAMENTO Letramento, para Soares (1998, p. 18), é “[...] o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita.” Soares (1999, p. 3) também define letramento como: “Estado ou condição de
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quem não só sabe ler e escrever, MAS exerce as práticas sociais de leitura e de escrita que circulam na sociedade em que vive, conjugando-as com as práticas sociais de interação oral.” Compreende-se, então, que não basta saber ler e escrever, é preciso praticar, exercer, realizar as práticas de leitura e escrita. Refletindo sobre a definição de Soares, percebe-se que de nada adianta ensinar a técnica da leitura e da escrita. Corroborando com a mesma ideia, Bagno (2002, p. 52) afirma “se não forem proporcionadas a esse indivíduo ocasiões para uso efetivo, eficiente, criativo e produtivo dessas habilidades de leitura e escrita”. Se para Soares, letramento está relacionado com uma condição de um indivíduo ou de um grupo, para Kleiman (1995), letramento são as práticas sociais de leitura e escrita. Podemos definir hoje o letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos [...].
As práticas específicas da escola, que forneciam o parâmetro de prática social segundo a qual o letramento era definido e segundo a qual os sujeitos eram classificados ao longo da dicotomia alfabetizado ou não-alfabetizado, passam a ser, em função dessa definição, apenas um tipo de prática – de fato, dominante – que desenvolve alguns tipos de habilidades, mas não outros, e que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita. (KLEIMAN, 1995, p. 17)
Para Mollica (2007), a definição de Kleiman distancia-se muito da antiga ideia de letramento como práticas específicas da escola que classificam os indivíduos em alfabetizados e não-alfabetizados. O conceito de Kleiman ultrapassa o conhecimento da escrita como atividade escolar, na medida em que, nas sociedades complexas (tecnológicas e industrializadas), a escrita passa a integrar todos os momentos do cotidiano dos indivíduos.
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Até agora, a escrita ocupou um lugar muito estreito na prática escolar, em relação ao papel fundamental que ela desempenha no desenvolvimento cultural da criança. Ensina-se as crianças a desenhar letras e a construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que acaba-se obscurecendo a linguagem como tal (VYGOTSKY, 1998, p. 139).
Apesar dos avanços das pesquisas sobre o ensino básico da escrita, é comum, ainda, encontrarmos situações de ensino em que a leitura e a escrita são abordadas de maneira mecânica e descontextualizada, desconsiderando as diversas funções e finalidades que a escrita social pode assumir.
Então, como diferenciar alfabetização de letramento?
É inegável que os termos alfabetização e letramento mantêm entre si uma estreita relação. Entretanto, é possível estabelecer fronteiras de isolamento entre esses dois fenômenos de aprendizagem da lectoescrita.
Consideremos a interferência desses dois fatores – a influência das ciências lingüísticas e a concepção psicogenética da aprendizagem da escrita – em duas faces do processo ensino e aprendizagem da língua escrita, aqui destacadas para fins de melhor clareza da exposição, já que não representam momentos sucessivos, mas contemporâneos, não são processos independentes, mas inseparáveis: uma face é a aquisição do sistema de escrita [...]; a outra face é a ‘utilização’ do sistema de escrita para interação social, isto é, o desenvolvimento de habilidades de produzir textos […]. (SOARES, 1998, p. 52)
Depreende-se, então, dessas palavras, que a autora estabelece uma clara separação entre os dois processos: Alfabetização é a aprendizagem de um sistema de escrita. Letramento é o uso efetivo e constante do sistema de escrita aprendido para
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fins de convivência social. Apesar de estabelecer esses limites, Soares (2003) reforça a interdependência e indissociabilidade dos dois processos em questão. Se, por um lado a alfabetização deve desenvolver-se em um ambiente de práticas sociais de leitura e escrita (letramento), para que essas práticas aconteçam , é necessário que o indivíduo reconheça as relações entre letras e sons de uma língua (alfabetização). A alfabetização refere-se à aquisição da escrita enquanto aprendizagem de habilidades para leitura, escrita e as chamadas práticas de linguagem. Isso levado a efeito, em geral, por meio do processo de escolarização e, portanto, da instrução formal. (SOARES, 2002, p. 9)
A alfabetização e o letramento são processos diferentes que garantem a inserção do indivíduo no mundo da escrita. Por esse motivo, é importante ressaltar a relevância dos dois processos. [...] mas de natureza fundamentalmente diferente, envolvendo conhecimentos, habilidades e competências específicos, que implicam formas de aprendizagem diferenciadas e, consequentemente, pro-
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cedimentos diferenciados de ensino. (SOARES, 2002, p. 13)
Tfouni (1988, p. 16) estabelece uma distinção entre alfabetização e letramento, com base nos critérios individual e social, afirmando que “Enquanto a alfabetização ocupa-se da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade.” Pode-se, então, afirmar, com base em Tfouni (1995), que a alfabetização se insere no âmbito individual e o letramento no social da escrita.
A alfabetização refere-se à aquisição da escrita enquanto aprendizagem de habilidades para leitura, escrita e as chamadas práticas de linguagem. Isso levado a efeito, em geral, por meio do processo de escolarização e, portanto, da instrução formal. A alfabetização pertence, assim, ao âmbito do individual. O letramento, por sua vez, focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita. Entre outros casos, procura estudar e descrever o que ocorre nas sociedades quando adotam um sistema de escritura de maneira restrita ou generalizada; procura ainda saber quais práticas psicossociais substituem as práticas “letradas” em sociedades ágrafas. (TFOUNI, 1995, p. 9-10)
Soares (1998) e Kleiman (2005) destacam dois modelos de letramento: o mode-
MODELOS DE LETRAMENTO Os modelos autônomo e ideológico foram propostos por Street (1984, 1993)2. Esses dois modelos estabelecem entre si um contraponto, uma oposição, como vere-
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lo autônomo e o modelo ideológico. Vamos conhecê-los.
mos a seguir.
Modelo autônomo
No modelo autônomo de letramento, observamos uma tendência a enfatizar a dimensão técnica e individual do processo de letramento, uma vez que considera as atividades de leitura e escrita, não como processos, mas como produtos fechados, finalizados. As atividades de leitura e escrita nesse modelo são neutras e universais, portanto não sofrem interferência do contexto social em que ocorrem. Para Kleiman (1995), a característica autônoma desse modelo é oriunda da concepção de que a escrita seria um produto completo em si e completamente desligado, descontextualizado de seu contexto de produção. Os textos no modelo autônomo são interpretados levando-se em consideração sua estrutura lógica interna. Elementos extratextuais como a intencionalidade, contextos sociais e históricos e relacionamento com outros textos seriam desconsiderados. As práticas de leitura e escrita no universo escolar, uma vez que são descontextualizadas das práticas sociais, são pautadas no modelo autônomo de letramento, muito mais próximo de uma alfabetização continuada do que de um processo real e efetivo de letramento.
Entender letramento como processo autônomo, desvinculado do contexto social, significa trabalhar com a dicotomização entre oralidade e escrita, privilegiando a distância entre ambos os sistemas e, consequentemente, favorecendo o sucesso escolar de um segmento social da população brasileira. (RIZZATTI, 2002, p.112)
Neste modelo, é imprescindível o domínio do código de escrita, sob a penalidade de ser considerado analfabeto e ser marginalizado da sociedade.
Modelo ideológico
2 STREET, B. V. Literacy in theory and practice. Cambridge, Cambrigde University Press, 1984. STREET, B. V. Cross-cultural approaches to literacy. Cambridge, Cambridge University Press, 1993.
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720 Como alternativa para o modelo autônomo, propõe-se, então, o modelo ideológico, que considera a leitura e a escrita como atividades eminentemente sociais. Essas atividades variam no tempo e no espaço, bem como dependem do tipo de sociedade na qual estão inseridas. Dessa forma, é no seio da sociedade que são definidas as características, funcionalidades e finalidades de cada uma de suas práticas de leitura e de escrita. No modelo ideológico, o letramento deve ser definido em termos de práticas sociais concretas e, nessas práticas reais, a fala e a escrita não devem ser consideradas como entidades opostas, mas como estágios da nossa evolução comunicativa e como aspectos normais, cotidianos da cultura humana. É preciso enfatizar que o letramento ideológico deve ser visto como uso e não como tecnologia – então, não basta simplesmente observar as práticas de escrita, mas analisar, verificar os impactos que promovem em uma sociedade.
É POSSÍVEL SER LETRADO E NÃO SER ALFABETIZADO? ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________
Sim. Como afirma Soares (1998, p. 24), “[...] um indivíduo pode não saber ler e escrever, isto é, ser analfabeto, mas ser, de certa forma letrado.”, ou seja, é possível não saber ler e, ainda assim, participar dos eventos de escrita e leitura de uma comunidade. Marcuschi (2001) também concorda com a afirmação de Soares (1998):
[...] até mesmo os analfabetos, em sociedades com escrita, estão sob a influência do que contemporaneamente se convencionou chamar de práticas de letramento, isto é, um tipo de processo histórico e social que não se confunde com a realidade representada pela alfabetização regular e institucional. (MARCUSCHI, 2001, p. 19)
Kleiman (1995) adota essa mesma vertente, abordando a questão das crianças letradas mesmo antes de ingressarem no processo formal de alfabetização. Segundo a autora, em determinadas classes sociais, as crianças são letradas mesmo antes de serem alfabetizadas, uma vez que estas já participam dos eventos de letramento, geralmente, no seio da família. A família é uma das instituições promotoras do letramento.
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Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Story_Time.jpg?uselang=pt-br
Uma criança que compreende quando o adulto lhe diz ‘Olha o que a fada madrinha trouxe hoje!’, está fazendo uma relação com um texto escrito, o conto de fadas. Assim, ela está participando de um evento de letramento (porque já participou de outros, como o de ouvir uma estorinha antes de dormir). (KLEIMAN, 1995, p. 18)
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É fundamental que a família promova eventos de letramento em casa, como: ________________________ músicas infantis, contos e fábulas, instruções de jogos, idas ao mercado, observação ________________________ de embalagens, dentre tantos outros eventos de letramento que acabam por transfor- ________________________ mar as crianças em letradas. ________________________ […] nesse contexto, o letramento é desenvolvido mediante a participação da criança em eventos que pressupõem o conhecimento da escrita e o valor do livro como fonte fidedigna de informação e transmissão de valores, aspectos estes que subjazem ao processo de escolarização com vistas ao letramento acadêmico. Note-se que para a criança cujo letramento se inicia no lar, no processo de socialização primária, não procede a preocupação sobre se ela aprenderá ou não, muito presente, entretanto, nos pais de grupos marginalizados. (KLEIMAN, 1995, p. 183)
O mesmo pode ocorrer com adultos?
Sim. Quem aborda esses aspectos é Soares (2002), quando ressalta que um adulto pode ser analfabeto e viver em um meio que a leitura e a escrita tenham uma forte presença. Esse indivíduo pode se interessar em ouvir história, folhear livros, pode ditar cartas para que outra pessoa escreva, solicitar que outros leiam avisos e instruções para ele. Apesar de não saber ler, ele participa ativamente das atividades de leitu-
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ra e escrita da sociedade. Esse indivíduo sabe para que servem essas práticas e quando deve usá-las. É possível afirmar que a escola seja, talvez, a mais importante agência de letramento, no entanto, para Kleiman (1995), a escola não se preocupa com o letramento como forma de prática social, mas como processo de aquisição de um código, seja alfabético ou numérico. Vale a pena refletirmos um pouco sobre as relações que se estabelecem entre a escola e as práticas de letramento.
LETRAMENTO E ESCOLARIZAÇÃO Como escreve Soares (1998, p. 18), “nosso problema não é apenas ensinar a ler e a escrever, mas é, também, sobretudo, levar os indivíduos – crianças e adultos – a fazer uso da leitura e da escrita, envolver-se em práticas sociais de leitura e de escrita.”
Compreende-se, então, que, para a autora, nenhum projeto de educação pode
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se contentar pura e simplesmente em ensinar a ler e a escrever, ou seja, a alfabetizar. Um bom projeto de educação deve oferecer aos indivíduos alfabetizados, condições para o letramento, ou seja, oferecer oportunidades para o desenvolvimento cada vez mais intenso das habilidades de leitura e escrita. Corroborando com essa percepção, Possenti (2001) afirma ser fundamental que a escola reduza os exercícios mecânicos e a “decoreba” das nomenclaturas e conteúdos. É importante propor atividades que envolvam a leitura de materiais variados e reais, como jornais, revistas, receitas, dentre outros, bem como promova a escrita constante, várias vezes por dia e todos os dias. “Muita leitura e muita escrita, simplesmente porque é assim que se aprende”, declara Possenti (2001, p. 144), Por isso, é de fundamental importância que, desde o início, a alfabetização se dê num contexto de interação pela escrita. Por razões idênticas, deveria ser banido da prática alfabetizadora todo e qualquer discurso (texto, frase, palavra, ‘exercício’) que não esteja relacionado com a vida real ou o imaginário das crianças, ou em outras palavras, que não esteja por elas carregado de sentido. (OLIVEIRA, 1998, p. 70-71)
Depreendemos do que afirma Oliveira (1998) que o importante é alfabetizar letrando, ou seja, ensinar os códigos da escrita em contextos reais. No entanto, o que se percebe nas instituições escolares é que a escrita e a leitura escolares distanciam-se bastante das práticas sociais dessas duas habilidades. Para Kleiman (1995), a natureza burocrática e engessada do sistema escolar faz
selecionados e segmentados em partes, organizando, assim, o que deve ser aprendido, em qual período de tempo, e, geralmente, partindo sempre do mais simples aos mais complexos. Trabalhando dessa maneira, as práticas de leitura e escrita escolares tornam-se artificiais, padronizadas e distantes das leituras e escritas do mundo real. Dessa forma de atuação, surge um conceito diferente de letramento, o chamado LETRAMENTO ES-
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com que o conhecimento e as habilidades da leitura e da escrita sejam estratificados,
COLAR.
LETRAMENTO ESCOLAR No letramento escolar, o conceito de letramento como práticas sociais de leitura e escrita foi reduzido, ou seja, passou a representar um sistema de conhecimentos descontextualizados da leitura e da escrita, validado pelo desempenho dos alunos em avaliações padronizadas e carregadas e textos e produções textuais distantes das realizadas no cotidiano da sociedade. Para Soares (2006), esse conceito de letramento escolar, origina-se da necessidade da escola estabelecer critérios para medir e avaliar as habilidades de leitura e escrita. Essa atitude reduz o conceito de letramento ao âmbito escolar, distanciando as praticas escolares de leitura e escritas das práticas sociais. Em virtude desse distanciamento que se estabelece entre a escola e a sociedade, é comum encontrarmos tantas crianças com dificuldades quanto à leitura e à produção de texto, ainda que sejam crianças oriundas de ambientes letrados. Essas crianças não encontram na escola os mesmos textos e a mesma linguagem com os quais convivem fora da escola. Além disso, é importante considerar também que existem “diferentes tipos e níveis de letramento, dependendo das necessidades, das demandas do indivíduo e do seu meio, do contexto cultural” (SOARES, 1998, p. 49). Portanto, pode-se afirmar que os diversos graus ou níveis de letramento podem variar de acordo com a quantidade de oportunidades de participação dos indivíduos em eventos de letramento. Assim, em sociedades mais industrializadas e desenvolvidas tecnologicamente, há a necessidade de níveis mais altos de letramento, em contrapartida, em sociedades mais simples, as necessidades são menores. Então, o que é necessário para alcançarmos um letramento pleno da sociedade?
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CONDIÇÕES PARA O LETRAMENTO
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”Mas quem deverá ser o mestre? O escritor ou o leitor?”
(DENIS DIDEROT)
Para que uma sociedade letrada como a nossa alcance melhores índices de letramento, duas condições são necessárias: Escolarização da população
É necessário que a população seja efetivamente escolarizada com qualidade, ou seja, é preciso que o sistema escolar adote uma prática pedagógica baseada nas concepções de letramento, desde o primeiro contato das crianças na escolar. Os professores devem transformar as aulas em momentos lúdicos e de puro prazer, como são as práticas de leitura e escrita fora da sala de aula. Os alunos devem ter o prazer em inserir-se no universo da escrita.
________________________ Simplesmente ler1 ________________________ ________________________ Por Edith Chacon Theodoro ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Ler sempre. Ler muito. ________________________ Ler “quase” tudo. ________________________ Ler com os olhos, os ouvidos, com o tato, pelos poros e demais sentidos. ________________________ Ler com razão e sensibilidade. ________________________ Ler desejos, o tempo, o som do silêncio e do vento. ________________________ Ler imagens, paisagens, viagens. ________________________ Ler verdades e mentiras. ________________________ Ler para obter informações, inquietações, dor e prazer. Ler o fracasso, o sucesso, o ilegível, o impensável, as entrelinhas. ________________________ Ler na escola, em casa, no campo, na estrada, em qualquer lugar. ________________________ Ler a vida e a morte. ________________________ Saber ser leitor tendo o direito de saber ler. ________________________ Ler simplesmente ler. ________________________ ________________________ ________________________ Outro aspecto importante, que vem atrapalhando muito o processo de letra________________________ ________________________ mento de algumas sociedades, é a indisponibilidade de materiais de leitura. ________________________ ________________________ Disponibilidade de material para leitura+
Para Soares (1999), essa indisponibilidade de materiais de leitura explica o fracasso de muitas das campanhas de alfabetização promovidas no Brasil. Não se pode simplesmente alfabetizar, é necessário criar condições para que os alfabetizados passem a ficar imersos em um ambiente altamente letrado, ou seja, em um espaço em que as pessoas tenham acesso à leitura e à escrita através de uma variedade de materiais de leitura interessantes.
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É importante que esses indivíduos vivenciem as visitas, as livrarias e as bibliotecas, possam comprar jornais, revistas, livros ou qualquer material de leitura do seu interesse, para que a leitura se torne uma necessidade e uma forma de lazer.
Figura 4 - Biblioteca Comunitária
Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=871147
A responsabilidade pelo desenvolvimento de indivíduos letrados não é somente do pedagogo ou do professor de língua portuguesa, mas de todos que fazem parte do contexto escolar. Implementar as habilidades de ler e de escrever deve fazer parte dos objetivos pedagógicos dos professores de todas as disciplinas. Afinal, não se lê somente nos primeiros anos de escolarização, tampouco nas aulas de língua portuguesa. Se sairmos um pouco do contexto escolar, podemos facilmente afirmar que criar uma sociedade com indivíduos letrados e atuantes socialmente é responsabilidade social e política de todos que fazem parte dessa sociedade.
Socialmente e culturalmente, já não é mais a mesma coisa que era quando analfabeta ou iletrada, ela passa a ter outra condição social e cultural – não se trata propriamente de mudar de nível ou de classe
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social, cultural, mas de mudar seu lugar social, seu modo de viver
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com o contexto, com os bens culturais torna-se diferente. (SOARES,
na sociedade, sua inserção na cultura – sua relação com os outros, 1999, p. 37)
Assim, terminamos a nossa penúltima aula. Convido você a ler a nossa última aula sobre um assunto que, cada vez mais, faz parte do universo escolar, os distúrbios de aprendizagem.
SÍNTESE Com o aumento das exigências em relação às práticas de leitura e de escrita nas sociedades industrializadas e tecnológicas, não basta somente alfabetizar, é preciso inserir os indivíduos em práticas de letramento. Nesta aula, foram abordados os conceitos de alfabetização e letramento e suas distinções, bem como os modelos autônomo e ideológico de letramento. Vimos, ainda, como a escola, principal agência do letramento, aborda e como deveria abordar as práticas de leitura e escrita.
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QUESTÃO PARA REFLEXÃO Na Aula 4, falamos sobre algumas das ideias de Paulo Freire. Será que podemos afirmar que Freire já falava sobre Letramento, muito antes da palavra surgir no Brasil? Justifique sua resposta.
LEITURAS INDICADAS KLEIMAN, A. Ação e mudança na sala de aula: uma pesquisa sobre letramento e interação. In: ROJO, R. (Org.). Alfabetização e letramento: perspectivas lingüísticas. Campinas: Mercado de Letras, 1998, p. 173-203 SOARES, M. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. ANPeD, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a01.pdf>. TFOUNI, L.V. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez, 1995.
SITES INDICADOS http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc26/v26a02.pdf http://www.edrev.info/reviews/revp57.pdf http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno09-06.html http://www.verzeri.org.br/artigos/003.pdf
Leitura-e-Escrita/pagina1.html http://www.youtube.com/watch?v=K8RHXK0eTQQ http://www.youtube.com/watch?v=Gb_HDtzgmGo&feature=related http://www.youtube.com/watch?v=M-VMUXdzbR8&feature=related http://online.unisc.br/seer/index.php/signo/article/viewFile/242/196
727 alfabetização e letramento
http://www.webartigos.com/articles/16914/1/Praticas-de-Letramento-no-Ensino-
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REFERÊNCIAS BAGNO, M. Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola, 2002.
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(Footnotes) 1 http://www.ceav.com.br/fundamental/paginas/art_leremelhor2009.html
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Autora: Karine Silveira
“Fui totalmente desestimulado em meus dias de escola. E nada é mais desencorajador do que ser marginalizado em sala de aula, o
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AULA 09 – DISTÚRBIOS DE LINGUAGEM
que nos leva a sentirmo-nos inferiores em nossa origem humana”
(Winston Churchill)
Caro(a) aluno(a),
Chegamos à nossa última aula. O objetivo desta aula é apresentar alguns dos principais distúrbios da linguagem e de comportamento que interferem fortemente no processo de alfabetização e ao longo da vida escolar e social das crianças. É claro que nós, professores, não temos o papel de diagnosticar essas crianças, mas podemos ajudá-las sinalizando processos e condutas que não correspondem ao esperado. Geralmente, são os professores os primeiros a descobrirem que algo está errado com uma determinada criança. Apresentaremos, então, de forma bastante breve, um panorama dos distúrbios que costumam aparecem, com certa frequência, no universo escolar. Nesta aula, abordaremos distúrbios específicos da aprendizagem, como a dislexia e a discalculia, bem como distúrbios que afetam a aprendizagem, como ohiperatividade e o transtorno de atenção.
Vamos à nossa aula!
O FRACASSO ESCOLAR O fracasso escolar é um dos temas mais pesquisados por profissionais que, de alguma forma, estão envolvidos com a educação das nossas crianças. Esses estudos, geralmente, buscam encontrar os “culpados” por esse fracasso. Essa responsabilidade, ao longo dos anos, vai sendo atribuída ora ao despreparo dos professores, ora à falta de atenção dos pais, ora à falta de recursos no governo destinados às escolas, ora à classe social a qual a criança pertence. E de quem é realmente essa responsabilidade? É um questionamento difícil de ser respondido. Um conjunto amplo de fatores contribui para alguns indivíduos ficarem para trás no processo escolar. A nossa sociedade valoriza muito o bom rendimento acadêmico e profissional. Aprender passou a ser um diferencial e uma necessidade.
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Figura 1 - Criança confusa com as atividades escolares
Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=1200271
Na escola, crianças que apresentam problemas são frequentemente rotuladas de lentas, preguiçosas e burras, o que leva muitas crianças com pequenas dificuldades a intensificar sentimentos de culpa pelas suas dificuldades.
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Para Law (2001), o estudo dos distúrbios de linguagem na criança expandiu-se fortemente nos últimos 20 anos e passou a subordinar-se a uma variedade de áreas acadêmicas e clínicas. Os distúrbios podem ser estudados por pelo menos quatro vertentes:
Medicina – é responsável pela descoberta das causas que provocam os distúrbios; Linguística – procura classificar os desvios de linguagem como fonético (produção do som), fonologia (uso adequado do som), semântico (significado) e sintático (estrutura das frases); Psicologia – verifica as possíveis relações entre os distúrbios e os aspectos cognitivos e o comportamento do indivíduo; Fonoaudiologia – trabalha com a linguagem patológica, propondo terapias que melhorem a qualidade de vida da criança.
Quanto mais estudos são realizados sobre o assunto, maior a multiplicidade de interpretações sobre as causas e consequências dos distúrbios. O importante é que essa compreensão contribui para que os envolvidos no assunto - pais, professores, psicólogos e médicos - possam intervir mais rapidamente, promovendo uma melhoria no prognóstico. Para isso, é essencial o diagnóstico precoce. O problema é que, geralmente, os sintomas dos distúrbios emergem quando essas crianças iniciam o processo de escolarização, uma vez que é nesse período que
tos. (LAW, 2001) É importante lembrar que a educação infantil não é obrigatória no Brasil, tampouco é fornecida amplamente pelo Governo Brasileiro. Isso faz com que as crianças cujos pais não conseguem prover uma escola particular acabem ingressando na rede pública de ensino por volta dos seis anos, justamente no período da alfabetização, quando se exige demais dos processos psicomotores, intelectuais e afetivos nesta ida-
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começam a ser testadas e exigem-se delas determinadas habilidades e comportamen-
de. Para Motta (2006), a dificuldade para aprender tornou-se um importante problema social. Estima-se que entre 15 e 20% da população escolar, em fase de alfabetização, apresentem algum tipo de distúrbio. Nos seis primeiros anos da escolarização, esses valores podem chegar a 50%. “Estamos, portanto, diante de uma calamidade pública, atingindo um ser em desenvolvimento, nem sempre maduro nos aspectos neurológicos e emocionais para atravessar uma situação de tal gravidade.” (ROTTA, 2006, p. 117) Segundo Selikowitz (2001), os distúrbios específicos de aprendizagem recebem hoje muito mais atenção do que em qualquer outra época. Há uma série de razões para isso: - Em nenhuma outra época da História, a capacidade para adquirir habilidades acadêmicas e qualificação tem sido um fator tão importante em um mercado de trabalho altamente competitivo;
- Atualmente, todas as crianças em países desenvolvidos frequentam escola e os pais têm interesse em seu progresso;
- A necessidade de proficiência nas habilidades acadêmicas estende-se além das áreas urbanas, uma vez que o trabalho nas áreas rurais tornou-se gradativamente mais técnico e competitivo;
- Com a diminuição de uma série de doenças graves que afetavam as crianças (como poliomielite e tuberculose), mais atenção pode agora ser dada a problemas que não colocam em risco a vida, como as dificuldades de aprendizagem;
- Tem havido uma conscientização de que alguns problemas emocionais da adolescência e da vida adulta estão relacionados com as dificuldades escolares, que se não forem devidamente administradas na infância podem desempenhar um papel importante na redução da autoestima e na capacidade de lidar com a vida posteriormente. (SELIKOWITZ, 2001, p. 8-9)
As palavras de Selikowitz (2001) são importantes para descrever o cenário atual da nossa sociedade em relação ao sucesso e ao fracasso. Em uma sociedade capitalista, industrializada e tecnológica, recai sobre seus cidadãos uma forte pressão para alcan-
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çar bons desempenhos escolares e profissionais. Para a maioria das famílias, manter os filhos na escola é fundamental e nunca a sociedade se preocupou tanto em entender o fracasso de determinados indivíduos no processo escolar. Vários termos já foram utilizados em substituição à palavra distúrbio, tais como dificuldades, problemas, discapacidades e transtornos. A literatura mais atual passou a adotar o termo distúrbio, que será também adotado na nossa aula.
DIFERENCIANDO ATRASO DE DISTÚRBIO
Será que todas as crianças que não acompanham o mesmo nível de linguagem dos amiguinhos e coleguinhas da mesma idade, apresentam algum tipo de distúrbio de linguagem ou de aprendizagem?
Atraso simples
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Não. Estima-se que menos de 10% das crianças que apresentam algum problema relativo à linguagem, apresente realmente um distúrbio. As demais representam um grupo de indivíduos com um atraso simples no processo de aquisição e desenvolvimento de algum aspecto da linguagem. De acordo com Launay e Borel-Maisonny (1989), A maioria das crianças cuja linguagem se forma tardiamente tem, entretanto, uma linguagem normal; é um simples retardo de fala. A maioria nunca procurou um especialista, pois o público bem sabe que a data de aparição da linguagem não é estabelecida rigorosamente. E apenas se a criança tarda muito a falar a partir dos 3 anos, por exemplo, que a família se inquieta. (LAUNAY; BOREL-MAISONNY, 1989, p.74)
Dessa forma, o termo atraso engloba um grupo de crianças que desenvolveu a linguagem normalmente, mas em proporção menor do que as outras. (LAW, 2001) Na Educação Infantil, é comum encontrarmos crianças com a idade de 5 anos, mas com a fala de uma criança de 3 anos ou menos. Como vimos na aula sobre consciência fonológica, a criança precisa de estímulos para desenvolver a linguagem. Conforme explica Jakubovicz (2002), Para que a criança desenvolva a linguagem no tempo devido, o ambiente deve oferecer estimulação suficiente. Existem casos de crianças no período crítico da aprendizagem que ficam o dia todo sozinhas ou trancafiadas e que pela falta de atenção ou de estimulação
(JAKUBOVICS, 2002, p. 25)
O oposto também pode acontecer, segundo Jakubovicz (2002): [...] a criança superprotegida pelos pais ou babás que falam pela criança não lhe dando nenhuma chance de praticar a fala e a lin-
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acabam significativamente atrasadas na aquisição da linguagem.
guagem. Essas crianças são, geralmente, normais no plano afetivo, intelectual, neurológico e audiológico e, no entanto, falam menos em quantidade e qualidade. Tais crianças costumam ser imaturas, apesar de não haver evidência alguma de um envolvimento orgânico defeituoso. (JAKUBOVICS, 2002, p. 26)
Geralmente, essas crianças, ao ingressarem na escola, rapidamente passam a acompanhar os demais coleguinhas, uma vez que um ambiente repleto de estímulos e desafios lhes é apresentado.
O que é distúrbio de aprendizagem?
Para Rotta (2006), os distúrbios de aprendizagem compreendem uma inabilidade específica, como leitura, escrita ou matemática, em indivíduos que apresentam resultados significativamente abaixo do esperado para o seu nível de desenvolvimento, escolaridade e capacidade intelectual. É importante salientar que as crianças diagnosticadas com distúrbios de aprendizagem não devem apresentar problemas auditivos, visuais, sensoriais ou psicológicos que possam explicar tais distúrbios. Portanto, a criança com distúrbios de aprendizagem apresenta características como:
Inteligência normal; Ausência de alterações motoras ou sensoriais; Comportamento afetivo-emocional satisfatório; Níveis socioeconômico e cultural aceitáveis.
Observe que os distúrbios são diferentes das dificuldades. Estas podem ser chamadas de dificuldades de percurso relacionadas a uma matéria, a um conteúdo, e podem ser motivadas, inclusive, por questões escolares, familiares e sociais. Os distúrbios, no entanto, devem ter estado presentes desde os primeiros anos de vida da criança, evidenciados, inclusive, por algum tipo de atraso no seu desenvolvimento. Ainda que seja diagnosticado precocemente e tratado adequadamente, o
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distúrbio sempre fará parte da vida daquele indivíduo. Os tratamentos e atendimentos especializados servem para ajudar esse indivíduo a conviver melhor com o distúrbio em questão. Segundo Rotta (2006, p. 129), é importante considerar os seguintes aspectos para diagnosticar um distúrbio:
o grau de comprometimento deve estar substancialmente abaixo do esperado para uma criança com a mesma idade, nível mental e de escolarização;
o transtorno deve estar presente desde os primeiros anos de escolaridade;
o transtorno persiste, apesar do atendimento específico adequado;
a avaliação cognitiva afastou retardo mental;
foram afastadas causas como dificuldades de percurso e/ou secun-
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dárias;
existe história de antecedentes familiares com dificuldade de aprendizagem.
Já sabemos diferenciar dificuldades de atrasos e de distúrbios, mas quais fatores contribuem para o surgimento de distúrbios? São passados de pai para filhos? São adquiridos ao longo do processo de aquisição da linguagem?
FATORES QUE PODEM CONTRIBUIR PARA O SURGIMENTO DOS DISTÚRBIOS Sabe-se que a aprendizagem é uma atividade cognitiva centrada no Sistema Nervoso Central (SNC)1, no entanto, nem sempre ele é responsável pelo fracasso das crianças nas escolas, não se podem esquecer os problemas físicos, socioeconômicos e pedagógicos.
1 O Sistema Nervoso Central é um conjunto de órgão e atividades responsável por boa parte das atividades realizadas pelo ser humano. Funciona como uma agência reguladora, atuando na transmissão das informações externas para o cérebro e do cérebro para o ambiente externo, quando precisamos falar, pensar, andar, comer, ficarmos nervosos, etc.
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Figura 2 - Esquema do Sistema Nervoso Central
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Central_nervous_system.gif?uselang=pt-br
Tem sido cada vez mais comum encontrar crianças “diagnosticadas” pelos pais e professores como portadoras de algum tipo de distúrbio. Atualmente, com o grande interesse pelo estudo de situações que, embora da maior importância, tem também o apelo comercial que não pode ser desprezado, uma criança com dificuldade de qualquer ordem corre o risco de ser ‘diagnosticada’ de forma equivocada em casa ou na escola. Não é raro que a criança chegue para a consulta neurológica já com o ‘diagnóstico’ de Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), só porque parece não estar tão interessada na aula como a professora gostaria, ou nas tarefas escolares como a família espera. (ROTTA, 2006, p. 117)
Os fatores envolvidos na dificuldade para a aprendizagem podem ser classificados e relacionados com a escola, com a família e com a criança.
Os fatores relacionados com a escola podem ser os seguintes:
Salas de aula arejadas, limpas e com boa iluminação; Quantidade adequada de crianças por turma; Material didático adequado à faixa etária da criança e de acordo com a realidade de interesses desta; Respeito ao tempo de lazer das crianças, evitando atividades em excesso; Corpo docente motivado, dedicado e qualificado;
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Remuneração adequada para os docentes.
Como sabemos, no nosso país, os professores precisam trabalhar todos os turnos e isso dificulta que eles se dediquem a ponto de perceberem as reais necessidades de seus alunos.
Quanto aos fatores relacionados com a família, podem ser mencionados:
Ambiente limpo, arejado e bem iluminado; A escolaridade dos pais, mais especificamente das mães, segundo Rotta (2006); Hábito de leitura na família; Renda familiar insuficiente; Desemprego dos pais; Histórico familiar de alcoolismo, drogas e violência; Desagregação familiar, separações litigiosas e conflitos constantes; Interesse dos pais pelas atividades escolares.
________________________ ________________________ ________________________ É fundamental que a família conceba a escola e suas atividades não como cas________________________ tigo ou punição, mas como prazer. ________________________ ________________________ ________________________ Os fatores relacionados com a criança podem ser classificados em três tipos. ________________________ ________________________ ________________________ Problemas físicos congênitos2 ou adquiridos: ________________________ ________________________ ________________________ Infecções de vias aéreas como sinusites e dores de ouvido crônicas interferem na per________________________ cepção auditiva; ________________________ Dificuldades visuais; ________________________ ________________________ Patologias como desnutrição, parasitoses, anemias, asma, dentre outras, que deixam ________________________ as crianças debilitadas, diminuindo a percepção e a atenção. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Problemas psicológicos: ________________________ ________________________ Crianças que apresentam timidez, insegurança, ansiedade, baixa autoestima, falta de motivação, quando ingressam na escola, podem ter essas características evoluídas para ________________________ 2 Os problemas físicos congênitos são aqueles com os quais a criança, ao nascer, já os têm, ou porque foram transmitidos geneticamente ou porque durante a sua formação embrionária ou gestacional algum problema aconteceu.
Problemas neurológicos: Deficiências mentais; Paralisias cerebrais; Epilepsia.
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fobias, depressão, transtornos de humor ou conduta antissocial.
Outros aspectos interessantes que podemos destacar são:
Formas brandas de distúrbios específicos de aprendizagem são bem mais comuns do que as severas. Por exemplo, somente cerca de 2% das crianças com distúrbio específico de leitura apresentam esta condição de forma severa, segundo Selikowitz (2001). Os meninos têm probabilidade de serem afetados por qualquer forma de distúrbio aproximadamente 3 vezes mais do que as meninas. Os distúrbios atingem crianças de todas as classes socioeconômicas, sem distinção.
Esses fatores podem aparecer isoladamente ou em combinações múltiplas en- ________________________ tre eles.
TIPOS DE DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM Os distúrbios de aprendizagem mais conhecidos dizem respeito ao desempenho escolar e são representadas pelas dificuldades de aquisição das habilidades de leitura e escrita (DISLEXIA) e de matemática (DISCALCULIA). A dislexia é muito mais frequente nas escolas do que a discalculia.
DISLEXIA A dificuldade na leitura foi a primeira forma de distúrbio específico de aprendizagem a ser descrito. O termo dislexia remonta o ano de 1872, quando foi utilizado pela primeira vez em Berlim, Alemanha. Posteriormente, foi denominada de “Cegueira verbal” e “Cegueira de leitura”, referindo-se ao caso de um adolescente com incapacidade para ler, ainda que cognitivamente fosse capaz de fazê-lo, segundo Rotta (2006).
Caracteriza dislexia como comprometimento acentuado no desenvolvimento das habilidades de reconhecimento das palavras e da compreensão da leitura. [...] A leitura oral no disléxico é caracteriza-
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da por omissões, distorções e substituições de palavras e pela leitura lenta e vacilante. Nesse distúrbio, a compreensão da leitura é afetada. (ROTTA, 2006, p. 153)
A leitura torna-se lenta e trabalhosa impedindo que a criança disléxica, compreenda os significados, o que leu.
Figura 3 - Criança com dislexia, trocando as letras
Fonte: UNIFACS - Adaptado de http://mariliaescobar.wordpress.com/2010/08/15/dislexia-como-identificar-e-intervir/
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Mas, será que a dislexia afeta somente a velocidade e a compreensão da leitura?
Tipos de dislexia De acordo com Guerra (2002), as dislexias podem ser classificadas da seguinte maneira:
Dislexia da linguagem interior - É a mais severa das formas de dislexia. A criança percebe as letras e decodifica-as transformando em sons, simplesmente quando lê em voz alta. No entanto, os significados não são alcançados. Ela não compreende o que lê. É uma criança “repetidora de palavras”.
Dislexia auditiva - Afeta o processo cognitivo que relaciona os fonemas (sons) com os grafemas (letras) na formação das palavras. “Ler é de certa forma ‘ver’ e ‘ouvir’” (GUERRA, 2002, p.49). O que é afetado aqui é o processo de decodificação de cada uma das letras. A criança não consegue relacionar o símbolo gráfico com o som que este representa. É importante lembrar que a consciência fonológica é um indicativo essencial para um bom desempenho na leitura.
cas gráficas de cada letra, como, por exemplo, tamanho, forma, linhas retas ou curvas, orientação vertical ou horizontal. As crianças que apresentam esse tipo de dislexia costumam trocar p/b, m/n, g/q somente na escrita. Além disso, podem alterar a posição de qualquer letra quando escrevem.
Hiperlexia - Guerra (2002) refere-se a crianças que apresentam uma habilidade
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Dislexia visual - É a dificuldade de discriminação visual inerente às característi-
precoce para reconhecer a palavra escrita, embora não reconheçam seu significado. As crianças com hiperlexia apresentam as seguintes características:
Habilidade precoce para ler muitas palavras, muito além do que poderia ser esperado para a idade cronológica, ou uma intensa fascinação por números ou letras; Significativa dificuldade para entender a linguagem oral; Dificuldade para se socializar e interagir adequadamente com as pessoas.
A habilidade de leitura precoce ocorre antes dos 5 anos, sem que tenha sido ensinada pelos pais ou recebido qualquer instrução formal. Por volta dos 18 meses, as crianças já reconhecem as letras e os números. Por volta dos 3, já começam a ler. Muitas aprendem a ler antes mesmo de concluir a aquisição da fala. Apresentam uma atitude compulsiva em relação à leitura. No entanto, costumam apresentar ecolalia, ou seja, repetição imediata ou tardia do que as pessoas no seu entorno falam. Também não são capazes de iniciar e sustentar um diálogo.
Como pais e professores podem ajudar as crianças da dislexia?
Toda criança com dificuldade específica de leitura deve ter uma avaliação cuidadosa de suas capacidades e necessidades, além de ter um professor que a entenda e planeje estratégias adequadas. Segundo Selikowitz (2001), os professores têm pouco tempo em sala de aula para supervisionar a leitura das crianças disléxicas, por esse motivo, é importante que sejam feitas atividades supervisionadas de leitura fora do horário escolar. De acordo com Selikowitz (2001), algumas orientações para essas atividades supervisionadas em casa ou na escola são: Escolher o momento adequado para trabalhar a leitura; Certificar-se de que todos estejam confortáveis e, principalmente, disponíveis; Evitar interrupções ou distrações; É melhor utilizar os livros adotados pela escola, mas é preciso trocá-los caso a criança não tenha interesse;
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Começar sempre pela capa e discutir o que está sendo tratado no livro; Deixar que a criança inicie a leitura; Estimular a criança a acompanhar a direção das palavras com o dedo ou com o lápis; É interessante dividir a leitura, cada um lê uma página, assim, não cansativo ou enfadonho para a criança; Caso haja alguma interrupção ou distração, a criança deve retomar a leitura do início da frase; Uma outra estratégia interessante é a leitura em dupla. Adulto e criança leem ao mesmo tempo, em uma única voz; Ao final da leitura, discuta sobre o conteúdo do que foi lido; O momento da leitura não deve ultrapassar 15 minutos.
Como a leitura, o cálculo requer a decodificação e a codificação de sinais (algarismos, números, figuras geométricas) e seu arranjo no espaço e no tempo (medida, operação, geometria, representação), afirmam Chevrie-Muller e Narbona (2005).
DISCALCULIA ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________
Para Guerra (2001), a característica essencial da discalculia é a realização de operações matemáticas acentuadamente abaixo do esperado. Esse distúrbio interfere significativamente no rendimento escolar ou em atividades da vida cotidiana que exigem habilidades matemáticas.
Figura 4 - Criança com discalculia
Fonte: EAD UNIFACS
As seguintes dificuldades podem ser encontradas em crianças ou em adultos com discalculia:
número de crianças em uma sala com o número de cadeiras disponíveis);
- Contar com sentido;
- Associar os símbolos auditivos e visuais;
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- Estabelecer correspondência unívoca (não consegue relacionar o
- Aprender o sistema ordinal e cardinal de contagem;
- Compreender o princípio de conservação da quantidade (uma nota de dez reais vale dez de um real);
- Executar operações matemáticas;
- Compreender o significado dos sinais de operação;
- Compreender os princípios de medida;
- Ler mapas e gráficos;
- Escolher os princípios para solucionar problemas de raciocínio matemático. (GUERRA, 2001, p. 61)
Crianças com discalculia frequentemente sentem grande ansiedade sempre que se deparam com problemas e situações que envolvem números. É importante que a matemática seja ensinada de maneira estimulante, criativa e contextualizada. Deve-se tentar fazê-la o mais agradável possível. É importante utilizar conceitos aritméticos nas coisas do dia a dia, como: contar as facas da gaveta, medir os ingredientes para fazer uma receita, realizar jogos com dados, fazer a lista de compras com as quantidades, levar a criança ao supermercado, dentre outras. O professor deve ter uma boa compreensão da matemática e ser capaz de antecipar as dificuldades que a criança pode ter, para então desenvolver métodos que tornem esse aprendizado mais fácil. Alguns professores demonstram grande criatividade ao encontrar maneiras agradáveis e lúdicas para ensinar matemática. Isso é importante para que a autoestima da criança seja estimulada.
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TRANSTORNOS DE COMPORTAMENTO QUE AFETAM A LINGUAGEM Alguns transtornos não são específicos da aprendizagem ou da linguagem, no entanto, contribuem fortemente no desenvolvimento das modalidades oral e escrita da linguagem, como o transtorno de atenção/hiperatividade (TDAH) e a gagueira.
TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade é também conhecido por sua sigla TDAH. Tem sido cada vez mais comum encontrarmos histórias de crianças diagnosticadas com TDAH pela escola e pelos pais. O TDAH é um dos transtornos psiquiátricos mais comuns na infância e na adolescência. Os estudos nacionais e internacionais situam a prevalência do TDAH entre 3 e 6% em crianças em idade escolar (ROTTA, 2006). De acordo com Selikowitz (2001), A capacidade de ignorar distrações e de voltar-se para uma ativida-
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de num determinado momento é uma habilidade que normalmente as crianças desenvolvem à medida que crescem. É muito normal que os bebês que estejam aprendendo a andar e as crianças em idade pré-escolar sejam facilmente distraídos, porém a capacidade de canalizar a atenção de maneira seletiva aumenta normal e progressivamente logo que a criança entra para a escola. (SELIKOWITZ, 2001, p. 94)
O TDAH é um distúrbio neurobiológico, de causas ainda desconhecidas, mas com forte participação genética (ROTTA, 2006). Algumas crianças enfrentam consideráveis dificuldades para prestar atenção. Tais crianças podem também ser inquietas e hiperativas, embora nem sempre seja o caso. É muito controverso o diagnóstico de hiperatividade, uma vez que, várias razões podem levar as crianças para um alto grau de atividade, como por exemplo: ansiedade, aborrecimento, baixa autoestima, ambiente desorganizado.
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Figura 5 - ilustração de criança com hiperatividade
Fonte: EAD UNIFACS - Adaptado de http://blog.educacional.com.br/sat_smce/tag/tdah/
A principal característica dessas crianças é a sua falta de persistência em manter um diálogo. Essas crianças não terminam de fazer o que começaram, mesmo quando a atividade seja a brincadeira preferida; não controlam seus impulsos. Elas podem agir sem pensar, gritar em sala de aula e são incapazes de esperar por sua vez em uma atividade em grupo. Elas podem ficar exaustas, dormir muito pouco e movimentar-se incessantemente durante todo o dia, explica Selikowitz (2001). Como é possível ajudar uma criança com TDAH?
________________________ ________________________ e muito menos da própria criança; ________________________ Criar oportunidades de gastar energia em atividades físicas e brincadeiras estimulan- ________________________ tes; ________________________ ________________________ Quando der uma instrução, certifique-se de que ela esteja prestando atenção; ________________________ Quando falar com a criança, fale devagar e dê uma pausa após cada frase. ________________________ ________________________ GUAGUEIRA ________________________ ________________________ A gagueira é um distúrbio que ocorre na fala, não fazendo parte do desenvol- ________________________ vimento normal de linguagem. Não apresenta uma causa única, tampouco definida, ________________________ pois resulta da interação de fatores biológicos, sociais e psicológicos. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Conscientizar-se de que o comportamento da criança não é culpa dos pais, da escola
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Figura 6 - Criança com gagueira
Fonte: EAD UNIFACS
É definida como uma fala produzida de modo intermitente e com esforço excessivo. Para Chevrie-Muller e Narbona (2005), a gagueira caracteriza-se pelas seguintes manifestações:
________________________ 1. Repetições de sons e de sílabas; ________________________ ________________________ 2. Prolongamento dos sons; ________________________ ________________________ 3. Interjeições; ________________________ ________________________ ________________________ 4. Interrupções de palavras, ou seja, pausas no meio das palavras; ________________________ ________________________ 5. Bloqueios audíveis ou silenciosos (pausas durante o discurso, pre________________________ enchidas por coisa ou vazias); ________________________ ________________________ 6. Circunlocuções (para evitar as palavras difíceis, substituindo-as ________________________ por outras); ________________________ ________________________ 7. Tensão física excessiva acompanhando a produção de determi________________________ nadas palavras; ________________________ ________________________ 8. Repetição de palavras monossilábicas inteiras (por exemplo, “eu________________________ -eu-eu-eu o vejo”. (CHEVRIE-MULLER; NARBONA, 2005, p. 361) ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ A gagueira interfere no bom resultado escolar, profissional e, principalmente, ________________________ na comunicação social.
mais confortável e melhorar sua habilidade comunicativa:
Prestar mais atenção ao que a criança diz do que à forma como ela está falando, tentando ajudá-la, traduzindo o que ela deseja falar. É muito mais produtivo do que simplesmente, ouvi-la falar. Conversar com a criança sobre sua dificuldade, reconhecer em quais momentos é mais
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Para Chevrie-Muller e Narbona (2005), algumas atitudes podem deixar a criança
difícil falar. Saber reconhecer e motivar a criança nos momentos em que sua fala vem bem ou melhora. Diminuir a velocidade da fala, iniciar as frases com calma, administrar pausas mais longas, utilizar um tom cativante e calmo, a fim de deixar a criança mais tranquila.
Assim, o professor assume um papel relevante na melhoria da qualidade de vida das crianças que apresentam distúrbios. É importante que o professor esteja mais próximo dos pais dessas crianças para conscientizá-los sobre a necessidade de encaminhamento de seus filhos ao fonoaudiólogo e/ou psicólogo. O trabalho com essas crianças deve ser realizado em conjunto - pais, professores, equipe médica. É imprescindível que se estabeleça um diálogo aberto e franco entre as partes.
COMO O PROFESSOR DEVE AGIR COM AS CRIANÇAS QUE APRESENTAM DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM? As estratégias, a seguir, sugeridas por Rochael (2009), são apenas algumas diretrizes no contato com crianças que apresentam distúrbios de aprendizagem, não constituindo “receitas prontas”, mas, ao contrário, estão abertas à adaptação e reformulação por parte do professor, de acordo com o conhecimento que tem da criança ou do adolescente em questão, e de sua própria vivência em sala de aula. Assim, seguem tais estratégias, enquanto atitudes a serem evitadas ou adotadas pelo professor em sala de aula.
Atitudes a serem evitadas pelo professor:
Enfatizar as dificuldades do aluno, fazendo com este se sinta diferente ou inferior aos colegas; Mostrar impaciência em relação às dificuldades do aluno; Interromper frequentemente a criança ou tentar adivinhar o que ela deseja falar; Ignorar a criança e suas dificuldades.
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746 Atitudes a serem adotadas pelo professor: Não force o aluno a fazer as lições quando estiver nervoso por não ter conseguido; Explique a ele suas dificuldades e diga que está ali para ajudá-lo sempre que precisar; Evite que o aluno se sinta inferior; Considere o problema de maneira serena e objetiva; Avalie o desempenho do aluno pela qualidade de seu trabalho; Proponha jogos na sala; Não corrija as lições com canetas vermelhas ou lápis; Procure usar situações concretas, nos problemas; Mantenha contato frequente com os pais da criança; Procure ajuda. Não trabalhe sozinho; Troque experiências com outros professores que lecionam para crianças que apresentam o mesmo transtorno.
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Ensinar a crianças que apresentam algum tipo de distúrbio de aprendizagem é uma tarefa árdua e longa. Exige do professor sensibilidade, afeto, paciência. Mas, rapidamente, você perceberá que cada pequena vitória é um passo a frente na caminhada em busca de uma melhor qualidade de vida para essa criança. Pensar que é a luta diária pode fazer com que essa criança se torne um cidadão letrado e pleno, justifica qualquer esforço. E não é isso que desejamos para as nossas crianças consideradas “normais”?
Caro(a) aluno(a), chegamos ao final dessa nossa jornada sobre Alfabetização e Letramento. Espero que tenha aproveitado bastante as aulas e os conteúdos selecionados. De forma alguma, os conteúdos aqui apresentados encerram o assunto, muito pelo contrário, na verdade, devem ser o estopim para novas pesquisas.
SÍNTESE Vimos, nesta aula, que uma parcela pequena de crianças não desenvolve as modalidades da linguagem, a fala e a escrita, de maneira considerada normal. É comum encontrarmos nas salas de aula crianças disléxicas (com dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita) e crianças com discalculia (problemas com a aprendizagem da matemática). Além desses dois distúrbios de aprendizagem, crianças com distúrbios de atenção/hiperatividade e gagueira podem desenvolver outras modalidades de distúrbios de aprendizagem.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Ter uma criança com transtornos de aprendizagem ou de comportamento em uma sala de aula não é uma tarefa fácil. Como vimos na nossa aula, é uma luta diária para ajudar essa criança. A convivência com os coleguinhas pode ser um complicador? Como você, professor(a), atuaria para minimizar essa questão?
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LEITURAS INDICADAS ROCHAEL, Luciene. Distúrbios de aprendizagem. 12 abr. 2009. Disponível em:<http://psicologiaeeducacao.wordpress.com/2009/04/12/disturbios-deaprendizagem-2/>. Acesso em: 28 jun. 2011. ROTTA, N. T. et all. Transtornos de aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2006. http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/disturbios.htm
SITES INDICADOS http://www2.funedi.edu.br/revista/revista-eletronica3/artigo12-3.htm http://www.scielo.br/pdf/jped/v80n2s0/v80n2Sa11.pdf http://dmusicalizando.blogspot.com/2010/04/criancas-com-disturbios-deaprendizagem.html http://mariliaescobar.wordpress.com/2010/08/15/dislexia-como-identificar-eintervir/ http://cantinhodadebs-chan.blogspot.com/2011/05/discalculia.html http://blog.educacional.com.br/sat_smce/tag/tdah/
REFERÊNCIAS CHEVRIE-MULLER, V; NARBONA, J. A linguagem da criança: aspectos normais e patológicos. Porto Alegre: Artmed, 2005.
GUERRA, L. B. A criança com dificuldades de aprendizagem: considerações sobre a teoria - modos de fazer. Rio de Janeiro: Enelivros, 2002.
LAUNAY, C; BOREL-MAISONNY, S. Distúrbios da linguagem, da fala e da voz na infância. São Paulo: Roca, 1989.
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LAW, J. Identificação precoce dos distúrbios da linguagem na criança. Rio de Janeiro: Revinter, 2001.
JAKVBOVICZ, R. Atraso de linguagem: diagnóstico pela média dos valores da frase (MVF). Rio de Janeiro: Revinter, 2002.
ROCHAEL, Luciene. Distúrbios de aprendizagem. 12 abr. 2009. Disponível em:<http://psicologiaeeducacao.wordpress.com/2009/04/12/disturbios-de-aprendizagem-2/>. Acesso em: 28 jun. 2011.
ROTTA, N. T. et al. Transtornos de aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2006.
SELIKOWITZ, M. Dislexia e outras dificuldades de aprendizagem. Rio de Janeiro: Revinter, 2001.
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