Antropologia cultura completo

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Daisy Lib贸rio e Ana Paula Henrique Salvan

Antropologia e cultura



Antropologia e cultura

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Daisy Lib贸rio e Ana Paula Henrique Salvan

Antropologia e cultura

S茫o Paulo Rede Internacional de Universidades Laureate 2015 05


© Copyright 2015 da Laureate. É permitida a reprodução total ou parcial, desde que sejam respeitados os direitos do Autor, conforme determinam a Lei n.º 9.610/98 (Lei do Direito Autoral) e a Constituição Federal, art. 5º, inc. XXVII e XXVIII, “a” e “b”. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Sistema de Bibliotecas da UNIFACS Universidade Salvador - Laureate International Universities)

X999z AUTOR, Nome do Lorem ipsum dolor sit amet. / Nulla feugiat velit leo, et ullamcorper lacus posuere id. – Cidades: UNIFACS, ANO. XXX p. ISBN 1. Assunto. 2. Tema. 3. Exemplo I. Autor, Nome do. II. Título. CDD: 987.6


Sumário Apresentação.................................................................................................................11

CAPÍTULO 1 – Diversidade cultural no mercado de trabalho................................................13 Introdução.....................................................................................................................13 1.1 Antropologia, cultura e diversidade cultural..................................................................13 1.1.1 A Antropologia como uma ciência que estuda a cultura........................................14 1.1.2 O fazer antropológico......................................................................................16 1.1.3 Os conceitos de cultura....................................................................................17 1.2 Dimensão simbólica do conceito de cultura..................................................................21 1.2.1 Aspectos simbólicos..........................................................................................21 1.2.2 Linguagem, reprodução cultural e significação....................................................22 1.3 Conceitos de Etnocentrismo, Relativismo, Etnicidade e Alteridade...................................22 1.3.1 Etnocentrismo..................................................................................................23 1.3.2 Relativismo cultural...........................................................................................24 1.3.3 Etnicidade.......................................................................................................24 1.3.4 Alteridade........................................................................................................25 1.4 Cultura e Relações de Trabalho..................................................................................26 Síntese...........................................................................................................................28 Referências Bibliográficas.................................................................................................29

CAPÍTULO 2 – Sociedade do conhecimento e o mercado de trabalho...................................31 Introdução.....................................................................................................................31 2.1 Sociedade do conhecimento e cultura.........................................................................31 2.1.1 Pós-modernidade.............................................................................................31 2.1.2 Sociedade do conhecimento..............................................................................35 2.1.3 Cultura e Sociedade do Conhecimento...............................................................37 2.2 Trocas culturais e mercado de trabalho........................................................................38 2.2.1 Trocas culturais................................................................................................38 2.2.2 Culturas híbridas e mercado de trabalho.............................................................38 07


2.3 Tecnologia, globalização e inovação...........................................................................41 2.3.1 Globalização e cultura......................................................................................41 2.3.2 Tecnologia e inovação......................................................................................42 2.4 Relações entre distintas gerações no mercado de trabalho.............................................43 2.4.1 Gerações e trabalho.........................................................................................43 Síntese...........................................................................................................................45 Referências Bibliográficas.................................................................................................46

CAPÍTULO 3 – Identidades sociais e mercado de trabalho...................................................47 Introdução.....................................................................................................................47 3.1 Identidades sociais e culturais.....................................................................................47 3.1.1 A identidade social...........................................................................................48 3.1.2 A perspectiva cultural e o viés linguístico.............................................................52 3.2 Construção das identidades sociais e culturais..............................................................53 3.2.1 Como se constroem as identidades sociais e culturais?.........................................53 3.2.2 O mercado de trabalho....................................................................................55 3.3 Identidade cultural brasileira......................................................................................56 3.3.1 Os desdobramentos da colonização..................................................................56 3.3.2 A construção de uma identidade nacional...........................................................57 3.4 Patrimônio cultural, memória social e identidade..........................................................59 3.4.1 Patrimônio cultural material e imaterial ..............................................................59 3.4.2 Memória social e identidade..............................................................................61 Síntese...........................................................................................................................63 Referências Bibliográficas.................................................................................................64

CAPÍTULO 4 – As questões étnico-raciais no mercado de trabalho.......................................65 Introdução.....................................................................................................................65 4.1 Relações étnico-raciais no mercado de trabalho...........................................................66 4.1.1 Relações étnico-raciais no trabalho....................................................................66 4.1.2 Conceitos de raça e etnia .................................................................................66 4.1.3 Preconceito, discriminação, estereótipo e desigualdades.......................................67 4.1.4 Desigualdades e globalização...........................................................................68 4.2 Raça e etnia.............................................................................................................68 08 Laureate- International Universities


4.2.1 Teorias raciais .................................................................................................69 4.2.2 Teorias de etnia e identidade.............................................................................70 4.3 Gênero, religião e pessoas com necessidades especiais nas relações de trabalho.............71 4.3.1 Questões de gênero no trabalho........................................................................71 4.3.2 Religião ..........................................................................................................73 4.3.3 Necessidades especiais.....................................................................................74 4.4 Inclusão e cidadania.................................................................................................75 4.4.1 Conceitos de cidadania....................................................................................76 4.4.2 Conceitos de inclusão ......................................................................................76 Síntese...........................................................................................................................78 Referências Bibliográficas.................................................................................................79

Minicurriculo das autoras.................................................................................................81

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Apresentação Apresentação Você sabe definir em poucas palavras o que é cultura? Apesar de não ser um fenômeno exclusivamente explicado pela Antropologia, a cultura e seus infinitos desdobramentos é um dos focos desta ciência, que tem contribuído em compreender este conceito a partir de diferentes correntes teóricas. As diferenças entre as pessoas ou até mesmo grupos transcendem a hereditariedade – ou seja, as variações genéticas não explicam ou determinam as diferenças culturais. Nessa perspectiva, a Antropologia lança-se em um empreendimento fantástico, buscando compreender o que faz do homem um ser necessariamente social: ele adquire a cultura, a aprende, a acumula e a modifica, deparando-se com outras representações culturais que diferem da sua, interagindo também com estas de muitos modos. No ambiente de trabalho, por exemplo, é possível observar os diferentes contatos possibilitados pela diversidade cultural – trocas, hibridismo, conflitos, valores etc. – bem como uma organização cultural própria: cada profissão ou cada espaço de trabalho (empresas e organizações) possui traços culturais próprios. A diversidade cultural implica na mistura de costume, religiões e classes sociais, raças, idade e muitos outros fatores que impactam no desenvolvimento pessoal e organizacional. Esta disciplina tem por objetivo analisar a diversidade cultural no mercado de trabalho e os conceitos envoltos nas relações socioculturais desse contexto sob a luz da Antropologia. E como a cultura não é algo estático ou que possua apenas um direcionamento – mas sim um fenômeno de múltiplas perspectivas –, trataremos de explicar as relações entre a sociedade do conhecimento e a cultura, enfatizando os híbridos culturais, as trocas culturais, a tecnologia e a globalização e as diferentes gerações e suas relações com o homem no mercado de trabalho. Em seguida, veremos do de trabalho. Para trabalho, enfatizando especiais, da religião cidadania e inclusão.

o que são as identidades sociais e quais as suas relações com o mercafinalizar, vamos discutir sobre as relações étnico-raciais no mercado de as questões do negro, do índio, da mulher, da pessoa com necessidades e de gênero na sociedade brasileira, abordando também as questões de

Tenha desde já um bom estudo!

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Capítulo 1 Diversidade cultural no mercado de trabalho

Introdução Você já deve ter notado que as diferenças culturais sempre estão em pauta quanto se fala em mercado de trabalho. Como superar os conflitos, valorizar a aceitação das diferenças culturais dentro de um contexto de trabalho e ainda ser produtivo, apresentar as condições técnicas e competências exigidas em uma sociedade cada vez mais globalizada e acelerada? Talvez o primeiro passo seja compreender o que é cultura e quais os seus desdobramentos sob o olhar de uma disciplina que por excelência busca a compreensão desse fenômeno desde o seu início: a Antropologia. Neste capítulo, iremos compreender melhor o conceito de cultura a partir de diferentes linhas teóricas da ciência antropológica. Você verá também o que é Antropologia e como essa ciência compreende a cultura e os seus diferentes fenômenos. Veremos o que é diversidade cultural – desde o determinismo geográfico, biológico ao desenvolvimento do conceito de cultura e de suas teorias modernas. Abordaremos também a dimensão simbólica do conceito de cultura, enfatizando a análise sobre o comportamento humano. Veremos como ocorre a construção das diferenças, tais como as acepções de etnocentrismo, relativismo, etnicidade e alteridade, ressaltando-os nas relações do mercado de trabalho. Por fim, buscaremos compreender o caráter essencialmente humano dos processos de produção cultural, enaltecendo as formas de articulação entre cultura e trabalho. Tenha um bom estudo!

1.1 Antropologia, cultura e diversidade cultural A cultura é um fenômeno necessariamente social, partilhado pelas pessoas de determinado grupo. Não é difícil supor que os grupos partilham valores, regras da vida, modos de agir, de falar, de se vestir etc. Portanto, tenha em mente que há diferenças e similaridades entre um grupo e outro. A diversidade cultural refere-se aos diferentes modos de ser desses grupos de pessoas, que precisam conviver e se relacionar nos mesmos espaços. O mercado de trabalho é um exemplo em que a diversidade cultural é bastante expressiva, em que precisa ser compreendida para transpor os conflitos. A Antropologia é uma das ciências que busca compreender os fenômenos culturais e pode contribuir para a promoção da tolerância, mostrando, como afirma Da Matta (2001), que o diferente não tem a denotação de inferioridade, mas que indica alternativas e equivalências. Neste tópico, vamos compreender melhor as relações entre a Antropologia e os conceitos de cultura e diversidade cultural.

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1.1.1 A Antropologia como uma ciência que estuda a cultura Desde os seus primórdios, o homem fez comparações entre a sua cultura e a de outras sociedades, buscando compreender as diferenças e semelhanças, o que, por vezes, originou conflitos e confrontos entre os povos. Contudo, conforme explica Laplantine (2003), o projeto de formar uma ciência do homem (ou Antropologia) é relativamente recente, datando do século XVIII. Foi nesse período que o homem passou a ser objeto de estudo, sendo analisado a partir do seu comportamento e de complexidades que não poderiam ser explicadas por sua biologia. Saiba que o surgimento da Antropologia foi um marco importante, pois até então não havia uma área do conhecimento que estudasse o homem do ponto de vista da cultura segundo o olhar dessa ciência. Trata-se de um campo do saber que dialoga interdisciplinarmente com a História, Sociologia, Arte, Filosofia, entre outras. A Antropologia surgiu na Europa e ganhou legitimidade como saber acadêmico apenas na segunda metade do século XIX, quando foi definido seu objeto de estudo: o de explicar a existência de sociedades com costumes e hábitos diferenciadas, sob o parâmetro da cultura europeia tida como modelo de existência, de ser e estar no mundo. Para Lévi-Strauss, o estudo da Antropologia ocorre em três etapas: a Etnografia, a Etnologia e a Antropologia. A Etnografia seria o correspondente aos primeiros estágios da pesquisa, tratando do trabalho de campo e da observação; a Etnologia seria mais aprofundada, a elaboração de conclusões mais extensas que não seriam possíveis no primeiro momento (síntese). E, por fim, a Antropologia seria o terceiro e último passo do estudo, no qual estão inclusas as conclusões da Etnografia e da Etnologia. Dessa forma, a Antropologia é o campo maior do conhecimento. Já a Etnografia incorpora o uso de detalhes descritivos na análise de uma sociedade, ao passo que a Etnologia emprega a explicação das organizações humanas, como clãs, tribos e nações etc. Podemos estender as teorias de Lévi-Strauss ao mercado de trabalho característico do século XXI, ou seja, relacionar as três etapas propostas aos desafios encontrados pelos profissionais em um mundo globalizado e competitivo. A Etnografia corresponderia à busca por referências na área específica em que o profissional atua, isto é, à descoberta e ao contato com o novo, enquanto à Etnologia seria a interiorização dessas referências e familiarização com conceitos até então desconhecidos. Já a Antropologia representaria a elaboração de um posicionamento em relação às questões descobertas.

NÓS QUEREMOS SABER! Qual a relação entre os conceitos de Antropologia, Etnografia e Etnologia? Bem, conforme mencionamos, elas constituem as três etapas do estudo antropológico. O pesquisador emprega a Etnografia e a Etnologia para poder investigar, compreender e tirar conclusões a respeito do seu objeto de estudo.

Saiba que os primeiros antropólogos buscaram compreender as sociedades a partir de informantes e não tinham contato real com seu objeto de análise. O foco inicial era o estudo de sociedades consideradas exóticas, muitas vezes previamente taxadas como primitivas e selvagens, portanto inferiores, quando concebidas pelo olhar da superioridade eurocêntrica.

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Figura 1 – A cultura é um fenômeno necessariamente social. Fonte: Shutterstock, 2015.

A Antropologia não estava focada apenas na compreensão das culturas diferenciadas da sociedade europeia. Saiba que se buscou observar também os agrupamentos culturais da própria realidade metropolitana ocidental, como os trabalhadores industriais e os grupos marginalizados urbanos. Foi nesse ponto que o antropólogo voltou o olhar para a sua própria sociedade e a descobriu digna de ser analisada como objeto de estudo.

NÃO DEIXE DE VER... O campo antropológico possui uma produção cinematográfica efervescente. Confira o documentário experimental Baraka (1992), produzido por Ron Fricke, com imagens de 23 países que expressam a diversidade humana. Informações sobre o filme: <http:// www.imdb.com/title/tt0103767/>.

É importante notar que o objeto da Antropologia passou a contemplar o homem como um todo, e não apenas o que o pesquisador europeu considerava exótico. Na verdade, podemos dizer que a Antropologia, como disciplina, passou a ser o estudo das nuances do homem em sociedade. Dessa forma, o pesquisador na atualidade se questiona sobre seus próprios procedimentos metodológicos, pois reconhece seu papel extremamente subjetivo. A Antropologia passou a estudar como são compostas as sociedades em suas diversidades históricas, geográficas e culturais (LAPLANTINE, 2003). Nesse sentido, o objeto da ciência antropológica incorporou a noção de que a humanidade não é singular, mas plural. O projeto antropológico consiste, portanto, no reconhecimento, conhecimento, juntamente com a compreensão de uma humanidade plural. Isso supõe ao mesmo tempo a ruptura com a figura da monotonia do duplo, do igual, do idêntico, e com a exclusão num irredutível “alhures”. As sociedades mais diferentes da nossa, que consideramos espontaneamente como indiferenciadas, são na realidade tão diferentes entre si quanto o são da nossa. E, mais ainda, elas são para cada uma delas muito raramente homogêneas (como seria de se esperar) mas, pelo contrário, extremamente diversificadas, participando ao mesmo tempo de uma comum humanidade. (LAPLANTINE, 2003, p. 13)

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NÓS QUEREMOS SABER! Por que a Antropologia começou estudando sociedades consideradas primitivas e selvagens quando comparadas com as sociedade dos antropólogos europeus? Por que não partiu logo em analisar os possíveis objetos mais próximos da realidade concreta do antropólogo? O imperialismo europeu, como iniciativa expansionista, permitiu contatos com culturas muito diversas, o que levou a uma grande mobilização em se estudar aquilo que era “diferente”. O “estranhamento” (termo comum em Antropologia) é uma condição que provoca perplexidade no encontro de outras sociedades, mas que nos faz modificar o olhar sobre nós mesmos. Ou seja, o contato com grupos diferenciados faz com que nos tornemos extremamente próximos daquilo que é longínquo e nos permite compreender a forma de viver de outros povos. Além disso, podemos visualizar os gestos, os modos de falar e o comportamento como produtos da cultura.

1.1.2 O fazer antropológico A Antropologia possui muitas vertentes. Num primeiro momento, ela foi dividida entre Antropologia Cultural e Antropologia Biológica. Hoje, contudo, possui muitas correntes de pensamento, que não se anulam. Vale dizer também que as sociedades mais distantes da sociedade ocidental não deixaram de ser foco de interesse da ciência Antropológica, que pode tanto estudar um grupo de Papua Nova Guiné como questionar as complexidades culturais do ciberespaço na era da globalização. Como dissemos antes, o objeto de estudo da Antropologia é a humanidade em toda a sua complexidade. Dessa forma, trata-se de uma ciência que assume como paradigma o estudo realizado no contato real com as sociedades a serem estudadas e abre-se para compreender que a relação “eu–outro” pode levar à tolerância e ao respeito entre as diversas dinâmicas culturais, sem que os homens partam para o confronto com o diferente, mas enriqueçam-se a partir das interações entre os grupos sociais.

NÃO DEIXE DE VER... O site Comunidade Virtual de Antropologia possui um acervo muito interessante de trabalhos no segmento antropológico. Há entrevistas, trabalhos acadêmicos, notícias, resenhas e muito mais. Vale a pena conferir! Disponível em: <http://www.antropologia. com.br/>.

Laplantine (2003) cita cinco áreas do fazer antropológico que mais se destacam:

• a Antropologia Biológica (conhecida antigamente sob o nome de antropologia física),

que estuda as variações dos caracteres biológicos do homem no espaço e no tempo. A sua problemática está situada nas relações entre o patrimônio genético e o meio (geográfico, ecológico, social), e ela analisa as particularidades morfológicas e psicológicas ligadas a um meio e à sua evolução;

• a Antropologia Pré-histórica, que é o estudo do homem através dos vestígios materiais enterrados no solo (ossadas, mas também quaisquer marcas da atividade humana). Trabalha em conjunto com a arqueologia, reconstruindo as sociedades que já desapareceram, e com a História, de modo a analisar os artefatos encontrados;

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• a

Antropologia Linguística analisa a linguagem como patrimônio cultural. Em outras palavras, seu objeto de estudo é a forma como os indivíduos de uma sociedade expressam seus valores, suas preocupações, seus pensamentos. Atua na interdisciplinaridade com diversas outras ciências, como dialetologia, a semiótica e a linguística;

• a Antropologia Psicológica, que consiste no estudo dos processos e do funcionamento do

psiquismo humano. Aqui, o interesse do antropólogo está direcionado para o indivíduo e seus processos conscientes e inconscientes, e não necessariamente para a coletividade. A dimensão psicológica é absolutamente indissociável do campo antropológico, conforme Laplantine (2003);

• a

Antropologia Social e Cultural (ou etnologia), em que o foco é tudo o que diz respeito a uma sociedade, ou seja, os seus modos de produção econômica, a moral, as suas técnicas, a sua organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, seus sistemas de conhecimento, a suas crenças religiosas, a sua língua, os seus valores, as suas criações estético-artísticas e a compreensão da realidade cultural produzida na era da sociedade informatizada.

Como a Antropologia Cultural abrange as nuances do convívio em sociedade, podemos destacar sua relevância no mercado de trabalho, posto que através dela é possível questionar e analisar o comportamento das empresas e dos profissionais frente à demanda intelectual e operacional da atualidade.

NÓS QUEREMOS SABER! O que são a dialetologia, a semiótica e a linguística? Bem, vamos por partes: a linguística é o campo do conhecimento que se decida ao estudo da língua como fenômeno comunicativo. Já a dialetologia é um ramo da sociolinguística que busca compreender as variações linguísticas em determinado território, os diversos dialetos, palavras, sons e sotaques, bem como sua relação com o espaço físico. A semiótica, por sua vez, se dedica ao estudo da utilização de símbolos e ao processo de produção de significados.

Entenda que as vertentes citadas são ramificações ou especializações do grande campo que constitui a Antropologia. Se levarmos em conta que a disciplina preocupa-se com o estudo do comportamento humano em todas as suas particularidades, o que é bastante amplo, é natural que tenhamos núcleos específicos que focalizam seus esforços investigativos em questões menores e mais direcionadas.

1.1.3 Os conceitos de cultura Cultura é toda atividade física ou mental que não advém necessariamente da biologia, mas uma construção social, partilhada pelos membros de um grupo que possuem características comuns entre si. É algo aprendido, assimilado e em constante transformação. “Possuidor de um tesouro de signos que tem a faculdade de multiplicar infinitamente, o homem é capaz de assegurar a retenção de suas ideias eruditas, comunicá-las para outros homens e transmiti-las para os seus descendentes corno uma herança sempre crescente.” Basta apenas a retirada da palavra erudita para que esta afirmação de Turgot possa ser considerada uma definição aceitável do conceito de cultura. (TURGOT, 1727-1781 apud LARAIA, 2001, p. 26-27).

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Figura 2 – A cultura não é inata nem depende exclusivamente dos limites geográficos. Fonte: Shutterstock, 2015.

Podemos dizer que as diferenças hereditárias não são essenciais para entendermos a diversidade de grupos e culturas. A história cultural de cada grupo é o que explica as diferenças; isso contradiz o determinismo biológico, que, de acordo com Laraia (2001), são as velhas teorias que atribuem a “raças” habilidades inatas, ou seja, que explicam as diferenças pela herança genética. Já o determinismo geográfico considera que as características do espaço físico condiciona a variação cultural (ou seja, os diversos padrões comportamentais) (LARAIA, 2001, p. 21). Graças à Antropologia, entretanto, compreendemos tais variações de modo mais abrangente. Sobre o determinismo geográfico, hoje sabemos que os fatores geográficos influenciam, mas não são suficientes para moldar completamente a concepção de mundo de um indivíduo, para determinar os fatores culturais. Ou seja, em um mesmo ambiente físico pode haver uma diversidade cultural gritante. No ambiente profissional, por exemplo, é possível observar esta afirmação, pois, a despeito de muitos indivíduos partilharem o mesmo ambiente, diferenças comportamentais significantes surgem diariamente. Tais diferenças precisam ser compreendidas e aceitas para que haja um ambiente de trabalho saudável. A diferença entre homens e mulheres não se encerra nas diferenças fisiológicas em uma sociedade, mas nos papéis sociais e nos comportamentos de cada um. Em outras palavras, verificamos que a atribuição de um comportamento específico a um gênero decorre da educação direcionada que cada um recebe em cada cultura. Se falamos em comportamento, portanto, é preciso dizer que ele é o resultado de aprendizado, o processo de endoculturação, isto é, do processo segundo o qual um indivíduo absorve os valores e significados do grupo ao qual pertence: de uma cultura já estabelecida. Os variados comportamentos existentes, portanto, são o resultado de educação diferenciada. Veja que não há hierarquização, não há culturas melhores ou piores nem processos de aprendizagem superiores ou inferiores. Há modos culturais diferentes apenas.

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NÃO DEIXE DE LER... O livro Aprender Antropologia (Editora Brasiliense, 2003), de François Laplantine, faz parte da bibliografia básica de Antropologia e possui uma linguagem bem simples e direta sobre a história desta disciplina e os conceitos essenciais no entendimento do homem e da cultura.

Segundo Edward Tylor (1832-1917), o primeiro pesquisador a inserir o termo cultura na pauta antropológica, podemos romper todos os laços que unem a cultura à biologia (LARAIA, 2001). O termo vem do Kultur (alemão), surgido em 1871, que significa aspectos espirituais de uma comunidade. Já civilization (inglês) significa as realizações materiais de um povo. Culture (inglês) refere-se a conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábito adquirido pelo homem como membro de uma sociedade. Conforme os conceitos que vimos, destacamos que o termo “cultura” refere-se aos [...] padrões de comportamento socialmente transmitidos que servem para adaptar as comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos. Esse modo de vida das comunidades inclui tecnologias e modos de organização econômica, padrões de estabelecimento, de agrupamento social e organização política, crenças e práticas religiosas e assim por diante (KEESING, 1974 apud LARAIA, 2001, p. 59).

Saiba que, no século XVIII e início do século XIX, havia a Antropologia evolucionista. Os antropólogos que seguiam essa vertente defendiam a existência de uma escala evolutiva na qual todos os grupos poderiam ser encaixados, dos mais primitivos aos mais desenvolvidos. A sociedade europeia era o exemplo de sociedade mais evoluída e civilizada. Esmagados sob o peso dos materiais, os evolucionistas consideram os fenômenos recolhidos (o totemismo, a exogamia, a magia, o culto aos antepassados, a filiação matrilinear...) como costumes que servem para exemplificar cada estágio. E quando faltam documentos, alguns (Frazer) fazem por intuição a reconstituição dos elos ausentes, procedimento absolutamente oposto, como veremos mais adiante, ao da etnografia contemporânea, que procura, através da introdução de fatos minúsculos recolhidos em uma única sociedade, analisar a significação e a função das relações sociais. (LAPLANTINE, 2003, p. 52).

Figura 3 – As civilizações podem desaparecer, mas os traços culturais se mantêm. Fonte: Shutterstock, 2015.

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VOCÊ O CONHECE? Bronislaw Malinowski (1884-1942) foi sem dúvida um dos grandes nomes para a Antropologia e as ciências que buscam entender a cultura e a diversidade cultural. Ele contribuiu significativamente para o desenvolvimento metodológico das Ciências Sociais, proporcionando um modelo de trabalho de campo até então inexistente. Na sua descrição científica, relata as dificuldades da época em relação à pesquisa científica. A sua obra mais significativa foi Argonautas do Pacífico Ocidental (1922), considerado o primeiro trabalho etnográfico.

Kroeber (1917 apud LARAIA, 2001) foi pioneiro em assumir que o homem é diferente dos demais animais por dois motivos: na possibilidade da comunicação oral e na capacidade de fabricação de instrumentos além do seu aparato biológico. Dessa forma, cai por terra o determinismo biológico, pois o homo sapiens possui maneiras diversas de lidar com os desafios a que é submetido diariamente, independentemente de sua filiação ou status como cidadão. No ambiente do trabalho tal afirmação é fácil de constatar, especialmente se tivermos em mente os diferentes comportamentos dos indivíduos. Em contrapartida à Antropologia evolucionista, Franz Boas defendeu que a Antropologia deveria reconstruir a história dos povos, comparando a vida social de grupos diferentes sem estabelecer noções de superioridade ou inferioridade, evidenciando o particularismo histórico de cada cultura. Ele fundou a chamada Escola Cultural Americana, a qual abrangia a multilinearidade (abordagem segundo a qual cada grupo se desenvolve de forma única, rejeitando a ideia de que há apenas um modelo padrão ou linha evolutiva na qual todos os grupos podem ser encaixados), o particularismo histórico, ou seja, a crença de que cada cultura teria sua própria história e evolução natural. Clifford Geertz (1989), partindo das ideias de Schneider (este dizia que a cultura é um sistema de significados), e de Max Weber (que acreditava que o homem era um animal preso em uma teia de significados por ele mesmo produzida), afirma que cabe ao antropólogo trazer à tona os significados e as suas relações, fazendo a interpretação semiótica (ou seja, uma interpretação dos significados) do objeto estudado. Podemos dizer que Geertz se interessa pela teia de significados tecida através da convivência dos indivíduos que compõem os diversos grupos humanos, isto é, o autor se dedica a interpretar a cultura como uma rede de significados. O autor afirma que a cultura é algo público, sem criadores identificáveis, cujo movimento é espontâneo e adaptado. Para ele, a cultura é um fenômeno social (GEERTZ, 2008). Para ampliar a discussão sobre a cultura, Laraia (2001, p. 60-61) cita Roger Keesing, que propõe uma divisão para o termo:

• cultura como um sistema cognitivo, ou seja, em relação à habilidade que o ser humano tem de aprender e assimilar novos conhecimentos. Podemos observar tal sistema quando um colaborador novo é introduzido à cultura solidificada de uma empresa; ele precisará aprender o jeito como os outros funcionários se portam para se adaptar ao ambiente;

• cultura

como sistema simbólico (no sentido de que o se humano tem a capacidade de simbolizar, ou seja, fazer uma ligação entre um conhecimento específico e o símbolo que o representa), em que a cultura não é um complexo de comportamentos fixos, mas um conjunto de mecanismos de controle para direcionar o comportamento. Todo homem é geneticamente programado para receber um programa, que é chamado de cultura e

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produzido socialmente. Inclusive, o próprio Geertz exemplifica como o piscar dos olhos pode ser uma questão biológica e, ao mesmo tempo, um ato cultural da paquera em algumas sociedades.

NÓS QUEREMOS SABER! Você já ouviu alguém dizer que “Fulano não tem cultura”? Esta expressão é muito comum quando uma pessoa busca depreciar outra por ter uma tendência cultural diferente da sua. Tenha certeza de que todas as pessoas possuem cultura. Essa expressão quer muitas vezes dizer que a pessoa em questão não tem erudição ou conhecimento específico sobre algo. Erroneamente, os conceitos de erudição e cultura são usados como sinônimo.

1.2 Dimensão simbólica do conceito de cultura Você viu que a cultura possui múltiplas definições. A Antropologia moderna concebe a cultura a partir de sua dimensão simbólica. Neste tópico, vamos analisar a dimensão simbólica do conceito de cultura, enfatizando a análise sobre o comportamento humano e o seu simbolismo.

1.2.1 Aspectos simbólicos A dimensão simbólica do conceito de cultura está ligada ao fato de que é inerente aos seres humanos a capacidade de simbolizar. Mas o que isso significa? Bem, simbolizar significa representar questões materiais através da linguagem ou de símbolos abstratos. Quando erguemos nosso polegar, por exemplo, estamos simbolizando que algo está certo, ou seja, estamos representando uma situação concreta com um gesto. A cultura, de acordo com essa perspectiva, se dá pelos símbolos comuns que ela possui. O homem utiliza muitos meios para acessar a cultura de sua sociedade e interagir com ela: as línguas, os valores, as crenças, o modo de fazer as coisas etc. Assim, é possível dizer que toda ação humana é socialmente construída através de símbolos, que integram redes de significados e variam conforme os diferentes contextos sociais e históricos (GEERTZ, 2008). A dimensão simbólica possui aspectos subjetivos e objetivos da cultura, já que a produção material humana possui um caráter simbólico e é repleta de significações. Assim, como já vimos, a Antropologia moderna concebe a cultura como um sistema simbólico (GEERTZ, 2008), que se refere ao aspecto fundamental da humanidade de atribuir, de forma sistemática, racional e estruturada os significados e sentidos a tudo.

NÃO DEIXE DE LER... O livro A interpretação das culturas (2008), de Clifford Geertz, publicado pela editora Brasiliense, é uma referência para o entendimento da cultura em sua dimensão simbólica. Trata-se de um estudo que demonstra a importância da etnografia para o estudo das culturas. A etnografia é, entre os ramos da Antropologia, a melhor opção na compreensão da relação entre o indivíduo e a sociedade.

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1.2.2 Linguagem, reprodução cultural e significação Você deve estar se perguntando “mas o que insere um homem em determinada cultura e como ele consegue assimilar as regras gerais da cultura em que vive?”. A resposta, segundo Berger e Berger (1978, apud FLEURY, 1987), é categórica: é a linguagem que permite esta assimilação e serve para orientar a conduta individual imposta pela sociedade. A linguagem é essencial no desenvolvimento da cultura, já que é um universo de significados construídos e que só existem por meio da própria sociedade. Pense em como uma criança absorve a linguagem e a habilidade de se comunicar aos poucos; à medida que ela amadurece essas habilidades, fica mais fácil compreender o que ela está pensando e sentindo. O compartilhamento de uma mesma língua une um grupo de pessoas. Não é à toa que há movimentos separatistas que enfatizam que há dialetos ou polilinguismo (capacidade de compreender e falar mais de um idioma) dentro da fronteira de um país, o que justificaria o desmembramento de territórios políticos: a Catalunha, por exemplo, luta há décadas para se separar da Espanha com alegação de que possui língua e cultura diferentes (G1, 2014). A língua, portanto, é um sistema simbólico, ou seja, uma organização de significados, que organiza a percepção de mundo e diferencia uma cultura de outra (CUNHA, 1987). O homem participa dos processos culturais de sua sociedade por meio de uma socialização, que ocorre pela linguagem, e esta possui um papel ideológico através da coerção exercida sobre este indivíduo. A linguagem terá um padrão e organização próprios e será cheia de significações.

NÃO DEIXE DE LER... O site da Associação Brasileira de Antropologia possui notícias de publicações, premiações, eventos oficiais pelo Brasil e em outros países e informações sobre o fazer antropológico. Disponível em: <http://www.portal.abant.org.br/>.

Cunha (1987) afirma que a cultura não é algo dado, posto ou dilapidável, mas algo constantemente reinventado. O ser humano, quando partilha de uma cultura, não é passivo a ela exclusivamente: ele atua como agente de mudanças, ou seja, transforma o ambiente em que vive e constrói significados através daquilo que lhe é passado. O homem se torna um reprodutor social, o que também está diretamente relacionado à sua vivência e à sua experiência social.

1.3 Conceitos de Etnocentrismo, Relativismo, Etnicidade e Alteridade Mas o que acontece quando um grupo ou um indivíduo valoriza a sua cultura e visão de mundo em relação às demais? O que acontece quando há a identificação de outra proposta de cultura ocupando o mesmo espaço? E qual a diferença do conceito de raça e o de etnia? O que, afinal, é alteridade? Estas são algumas questões que pretendemos discorrer neste tópico. Vamos lá? Esses conceitos estão intrinsecamente relacionados à forma como determinada cultura é percebida.

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1.3.1 Etnocentrismo Vimos que a cultura se refere aos valores e às visões de mundo de um grupo social. Esta é a constituição essencial do indivíduo, já que ressalta os parâmetros de comportamento, valores e modos de compreender o mundo que o cerca etc. Quando um indivíduo ou grupo toma a sua cultura pela perspectiva do juízo de valor, depreciando ou ignorando às demais variações culturais, damos o nome de etnocentrismo. Para conseguir visualizar as variações culturais, pense em um ambiente de trabalho no qual há colaboradores de culturas diversas. Alguns colaboradores seguem uma crença que lhes determina uma vestimenta específica uma vez por mês, ao passo que outros cantam canções e falam com sotaque e trejeitos específicos de sua cidade natal. A visão etnocêntrica desconsidera a lógica de funcionamento de outra cultura ou mesmo compreende os mecanismos do processo cultural, limitando-se à sua visão e referência cultural. Tudo o que é diferente, para a visão etnocêntrica, é errado, inoportuno, diferente, e deve ser rejeitado.

CASO Pedro foi enviado à Inglaterra para fechar um negócio por sua empresa. Quando chegou ao hotel, decidiu revisar seu discurso e ensaiar novamente seu possível diálogo com os representantes da organização colaboradora de sua empresa. Após ter se certificado de que tudo estava em ordem, pegou um taxi e foi até o local do encontro, atrasando-se cerca de uma hora. Quando chegou ao local marcado para o encontro, estava muito nervoso, pois sabia que os ingleses prezavam a pontualidade. No início da reunião, sentiu-se um pouco acanhado e desculpou-se de forma assertiva pelo atraso. Os representantes ficaram um pouco desapontados incialmente, dizendo que consideravam esse tipo de falha uma tremenda falta de respeito, porém, à medida que a reunião e os negócios procederam de forma favorável, um clima de cordialidade estabeleceu-se e Pedro pôde negociar com a mesma organização inúmeras vezes.

O etnocentrismo pode ser expresso em diversas nuances culturais – o jeito de falar, na forma de se vestir, no repertório culinário etc. E se de um lado há o etnocentrismo, por outro é preciso buscar uma forma de constatar as diferenças e aprender a lidar com elas. Este é um dos desafios do mercado de trabalho atualmente, ou seja, lidar bem com a diversidade cultural. Em suma, o etnocentrismo surge quando um indivíduo ou grupo considera a sua cultura como mais sofisticada e superior do que as culturas dos demais. Este é um fenômeno tão complexo e amplo que se pode dizer que foi esta lógica que direcionou as ações de estratégia geopolítica das nações que originaram o capitalismo como modo de produção. Através do Imperialismo, essas nações se viram na missão de proporcionar ao restante do mundo o modo de vida do europeu de “homem civilizado”, e com isso garantir dominação e hegemonia sobre outros povos considerados inferiores (COUCHE, 2004). Ao etnocentrismo há outros tipos de preconceitos relacionados, como a xenofobia (preconceito contra estrangeiros ou pessoas de outras localidades) e a intolerância de uma forma geral. Por intolerância, denota-se qualquer hostilidade contra um hábito ou comportamento diferente, ou seja, a incapacidade de aceitar algo que destoe do conhecido e aceito. Nota-se que, apesar da aceleração da tecnologia e do acesso à informação, o etnocentrismo não recuou em escala global, evidenciando um retrocesso mesmo com tamanha modernização.

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Antropologia e cultura

1.3.2 Relativismo cultural Nas primeiras décadas da Antropologia como ciência e disciplina, predominou a corrente evolucionista, ou seja, uma vertente que presumia uma linha evolutiva na qual todas as sociedades poderiam ser encaixadas; da mais bárbara e primitiva à mais civilizada. Mas será que dá para criar critério de análise para comparar uma cultura com outra de modo hierárquico cientificamente? É claro que não, e é aqui que entra o relativismo cultural! O relativismo cultural refere-se à incapacidade de mensurar a cultura de um grupo. A ideia de relativismo social tem origem com a Antropologia social, buscando comparações e critérios independentes. Pense bem: relativizar significa conceber uma cultura dentro de seu próprio contexto cultural. Quando um pesquisador se propõe a ir a campo, precisa se despir de qualquer parâmetro externo que possa ser considerado etnocêntrico. Parte-se em realizar a avaliação sem privilegiar os valores de um só ponto de vista (COUCHE, 2004). O relativismo cultural poderia ser uma prática para membros de qualquer cultura ou estaria ligado ao fazer científico da Antropologia e de outras ciências do homem? O relativismo cultural é uma atitude necessária para aceitar a diversidade cultural em qualquer contexto, pois permite compreender que toda cultura é única. Grave bem: os costumes e as regras sociais de determinado grupo devem ser interpretados de acordo com as funções que possuem naquele grupo/ contexto específico. O relativismo cultural, como premissa teórico-metodológica da Antropologia, surgiu a partir do século XX como uma espécie de regra de conduta contra a atitude etnocêntrica, que implicava em uma visão muitas vezes evolucionista, em que a cultura do cientista servia de base às comparações. Pense aqui não numa linha evolutiva, mas em um espaço em que cada cultural é representada de acordo com suas próprias interpretações, sem qualquer escala hierárquica.

1.3.3 Etnicidade Etnicidade é outro conceito muito discutido em Antropologia. Trata-se de um conjunto de características comuns a um grupo de pessoas que as diferenciam de outro grupo. Pode ser composto de língua, cultura, aspectos biológicos e origem comum. Pode ser definida como uma espécie de autoconsciência da condição cultural e social de determinado grupo, ao pertencimento a uma cultura. Refere-se à percepção do papel social do indivíduo no seu próprio grupo e fora dele. A etnicidade envolve distinção de grupos e indivíduos pelo estilo das vestimentas, da língua, da religião e de outras características que são culturalmente percebidas e aprendidas. Todas as pessoas em sociedade possuem etnicidade, mas o conceito é mais evidentemente percebido entre os grupos que sofrem preconceitos. Conforme Bobbio et al. (2000, p. 449), estas são as premissas que caracterizam o conceito: [...] falar a mesma língua, estar radicado no mesmo ambiente humano e no mesmo território, possuir as mesmas tradições são fatores que constituem a base fundamental das relações ordinárias da vida cotidiana. Marcam tão profundamente a vida dos indivíduos, que se transformam num dos elementos constitutivos da sua personalidade e definem, ao mesmo tempo, o caráter específico do modo de viver de uma população. Por outro lado, as relações sociais que derivam do fato de pertencer a mesma etnia criam interesses coletivos e vínculos de solidariedade caracteristicamente comunitários.

A etnia refere-se às diferenças socioculturais aprendidas. Podem possuir similaridades biológicas (parentesco), mas isso não é uma regra. O conceito de raça pode ser confundido com etnia, porém trata-se de algo cada vez mais criticado na atualidade, posto que é menos abrangente.

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A etnicidade possui as seguintes características gerais:

• a etnicidade é construída a partir da relação com o outro (alteridade); • os grupos que possuem similaridades são considerados cultural ou socialmente distintos; • as diferenças podem ser determinadas pelo outro e incorporadas pelo grupo; • as diferenças étnicas são legitimadas por aspectos históricos, sociais e políticos; • cada grupo étnico elabora um discurso sobre o outro; • os grupos étnicos estão em constante mudança – há um processo dinâmico; • é importante ressaltar que não é a diferença cultural que está na origem da etnicidade, mas a comunicação cultural que sugere a ideia de diferença.

Imagine que a etnia diz respeito ao conjunto de informações orais, escritas e comportamentais que absorvemos durante nossa convivência com determinado grupo. Um grupo étnico, portanto, refere-se a um alinhamento entre seres que convivem no mesmo espaço. Esse conjunto de informações é passado adiante e adaptado durante gerações, formando o que podemos entender como a “teia de significados” (ou rede de significados) de Geertz, mencionado anteriormente.

1.3.4 Alteridade Para Laplantine (2003, p. 13), a alteridade é a descoberta proporcionada pela distância em relação a nossa sociedade, ou seja, “[...] aquilo que tomávamos por natural em nós mesmo é, de fato, cultural; aquilo que era evidente é infinitamente problemático”. Para o autor, a alteridade nos leva à experiência da “diferença”, em aceitar no outro aquilo que acabamos descobrindo em nós mesmos, já que os seres humanos têm em comum a capacidade para se diferenciar uns dos outros, para elaborar valores, costumes, línguas, conhecimento etc. Assim, é também objeto da Antropologia o reconhecimento e conhecimento da compreensão de humanidade plural, ou seja, se a ciência antropológica estuda o homem e suas pluralidades e se a alteridade é o estudo das diferenças e o estudo do “outro”, é tarefa essencial da Antropologia discuti-la. É preciso decentralizar o olhar para perceber as diferenças e similaridades que nos cercam. Dessa forma, a alteridade implica em deixar de rejeitar as peculiaridades dos outros, isto é, daqueles que são diferentes de nós, reconhecendo esses aspectos em nós mesmos.

NÃO DEIXE DE VER... Assista ao curta Ilha das Flores (1989), de Jorge Furtado, que mostra as relações desiguais entre os seres humanos de forma atual e pertinente. Disponível em: <http:// portacurtas.org.br/filme/?name=ilha_das_flores>.

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Antropologia e cultura

1.4 Cultura e Relações de Trabalho A cultura não é um objeto exclusivo da Antropologia e de outras ciências sociais. Trata-se de um tema transversal que atinge diversas áreas do conhecimento. A sua complexidade deve ser tratada também na prática diária de diferentes profissões e espaços de interação social. Por exemplo, no espaço escolar, o professor deve compreender a diversidade cultural, valorizá-la e propor discussões entre os seus alunos para diminuir distâncias e distorções. Um administrador de empresas deve propor um ambiente em que a diversidade cultural seja concebida como elemento positivo, agregador e que promova o respeito e a criatividade. Isso já é uma tendência em muitas empresas no Brasil e principalmente em países como os Estados Unidos. Miguez (2009) afirma que o estímulo à diversidade de manifestações culturais, como um elemento na nova compreensão do desenvolvimento humano, é muito importante. Na economia globalizada em que vivemos, a diversidade faz com que dialoguemos com outras perspectivas sociais, o que promove o desenvolvimento dos indivíduos e o crescimento econômico. Estes elementos são inseparáveis, o que torna fundamental uma compreensão mais abrangente da relação entre cultura e economia. Em um ambiente profissional, tais elementos se complementam e podem proporcionar aos indivíduos uma melhor compreensão da realidade profissional. Os profissionais devem estar atentos à promoção da diversidade cultural nas organizações, estimulando a criatividade, a inovação e o ser humano como agente ativo da era da informação (FLEURY, 1987). Isso vale para o microcosmo do ambiente de trabalho, no sentido de que proporciona possibilidades de aprendizado e de aperfeiçoamento contínuos.

Figura 4 – O ambiente de trabalho é também um espaço de diversidades culturais. Fonte: Shutterstock, 2015.

Conforme Laraia (1986, p. 70), a cultura é o “[...] modo de ver o mundo, às apreciações de ordem moral e valorativa, e aos diferentes comportamentos sociais e posturas”. Dessa forma, podemos dizer que a cultura está ligada tanto a processos de absorção de informações e padrões comportamentais quanto à interpretação dos movimentos e das transformações sociais.

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O ambiente de trabalho é apenas mais um espaço em que há interações culturais de todos os tipos. Essas interações podem se traduzir em trocas, hibridismo, conflitos, etnocentrismo e outros fenômenos culturais. As mudanças, por sua vez, também esbarram em resistências advindas de valores e padrões culturais diferentes e até mesmo padrões culturais dominantes neste espaço. Assim, a atitude da alteridade é pertinente em todas as relações sociais e também no ambiente profissional.

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Síntese Síntese

Neste capítulo, você pôde:

• compreender que a Antropologia é por excelência uma ciência que busca compreender o homem, a cultura e a diversidade cultural;

• constatar

que a Antropologia possui diferentes tendências desde a sua origem e que a cultura sempre foi o seu objeto de estudo;

• concluir que a cultura é toda atividade física ou mental que não advém necessariamente da biologia, mas uma construção social, partilhada pelos membros de um grupo que possuem características comuns entre si;

• entender

que a linguagem é um aspecto muito importante, pois permite que haja a assimilação cultural e serve para orientar a conduta individual imposta pela sociedade;

• perceber que o ambiente de trabalho é apenas outro espaço em que as diferenças culturais são percebidas e que estas devem ser compreendidas e até mesmo valorizadas.

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Referências

Bibliográficas

Associação Brasileira de Antropologia – ABA. Disponível em: <http://www.portal.abant.org.br>. Acesso em: 15 jun. 2015. BARAKA. Documentário dirigido por Ron Fricke. Estados Unidos, Mark Magidson, 1992. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=inyqkYs2WUk>. Acesso em: 14 jun. 2015. BOBBIO, Noberto et al. Dicionário de Política. Brasília: UnB, 2000. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1998. G1. Catalunha faz consulta popular sobre independência da Espanhã. 2014. Disponível em: < http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/11/catalunha-faz-consulta-popular-sobre-independencia-da-espanha.html>. Acesso em: 21 jun. 2015. COUCHE, Denys. A noção de cultura em Ciências Sociais. Lisboa: Fim de Século, 2004. COMUNIDADE Virtual de Antropologia. Disponível em: <http://www.antropologia.com.br/>. Acesso em: 15 jun. 2015. CUNHA, Manuela Carneiro da. Antropologia do Brasil: mito, história, etnicidade. São Paulo: Brasiliense, 1987. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. ILHA das flores. Curta-metragem produzido por Jorge Furtado. Casa do Cinema de Porto Alegre, Porto Alegre, 1989. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8mpywFb0alU>. Acesso em: 15 jun. 2015. FLEURY, Maria Tereza Leme. Estória, mitos, heróis: cultura organizacional e relações de trabalho. Revista de Administração de Empresa. São Paulo, out./dez. 1987. LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2003. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 14. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986. MIGUEZ, Paulo. Os estudos em Economia da Cultura e Indústrias Criativas. In: WOO R JR, Thomaz et al. (Orgs.). Indústrias Criativas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2009.

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Capítulo 2 Sociedade do conhecimento e o mercado de trabalho

Introdução Você já ouviu falar em pós-modernidade? E em sociedade da informação? Ou quem sabe em sociedade do conhecimento? Esses termos esporadicamente aparecem nos telejornais e em outros meios de comunicação, e mesmo que a maioria da população ainda desconheça os seus significados, referem-se a um universo de valores e situações com os quais lidamos cotidianamente. O homem contemporâneo vive numa aceleração tecnológica sem precedentes, o que impactou o modo como vive e percebe o seu entorno. E se cultura, como você já sabe, é o conjunto de expressões que situam e caracterizam no tempo uma sociedade determinada, não seria diferente nos tempos de hoje. A cultura é um conjunto de formas e identidades – isso inclui costumes, práticas comuns, normas, códigos, vestimentas, línguas, religiões, rituais, valores e maneiras de ser e perceber o mundo – que tem influência sobre os indivíduos, sendo, ao mesmo tempo, moldadas por eles. Na era da informação, como o período contemporâneo ficou conhecido nos dias de hoje, o homem passou a perceber o mundo e criar formas culturais a partir da configuração da sua época, gerando infinitos fenômenos e nuances de interesse das ciências, inclusive da Antropologia. Vamos discutir as relações entre a sociedade do conhecimento e a cultura, enfatizando os híbridos culturais, as trocas culturais, a tecnologia e a globalização, bem como as diferentes gerações e suas relações com o homem no mercado de trabalho. Tenha um bom estudo!

2.1 Sociedade do conhecimento e cultura Nos debates sobre a pós-modernidade, são inerentes as discussões sobre a sociedade do conhecimento – aquela na qual o conhecimento é o principal fator estratégico de riqueza e poder. Ela se caracteriza pela inovação tecnológica ou pelo novo conhecimento, um grande elemento de produtividade e desenvolvimento econômico. O termo sociedade de conhecimento se refere também a um período posterior à sociedade industrial moderna. Se antes a sociedade era impulsionada pela aquisição de matérias-primas e produção, atualmente vemos que as frequentes mudanças, as inovações tecnológicas, o acesso ao conhecimento e a globalização são como molas propulsoras. Neste tópico, veremos o que é sociedade do conhecimento, compreendendo a sua relação com o conceito de cultura.

2.1.1 Pós-modernidade Existem diversas correntes teóricas sobre a pós-modernidade. Saiba que definir esse conceito e aquilo que o caracteriza é um desafio, pois ele não é estático, ou seja, as mudanças são frequentes e os fenômenos se modificam mesmo antes de os compreendermos. 31


Antropologia e cultura

Para uma análise integral do conceito de pós-modernidade, recorreremos a Hobsbawm (1977, p. 222), o qual afirma que na Europa da segunda metade do século XIX foi observado um grande avanço tecnológico, desencadeando os novos moldes do capitalismo. A vida urbana, o trabalho industrial, a aquisição de bens e outros fatores modificaram a vida do homem ocidental. Se antes da Revolução Industrial vivia-se em um universo de repetições e o homem via pouca mobilidade social, em que o modo de vida dos filhos era muito semelhante a dos seus bisavôs, agora um mundo de possibilidades se abria – e com ele novos conflitos e adaptações. As tecnologias ficaram ainda mais evidentes a partir da década de 1970, quando a informática se estabeleceu no cotidiano comum, expandindo as relações para outros tipos de vivências e sociabilidades. Cabe aqui ressaltar o conceito de globalização como sendo o processo de integração econômica, cultural, social e política, que atende às demandas do capitalismo contemporâneo de conquistar novos mercados, principalmente se o mercado atual estiver saturado. Veremos os seus desdobramentos adiante.

Figura 1 – Grandes aglomerados urbanos surgiram com a Revolução Industrial. Fonte: Shutterstock, 2015.

A industrialização modificou nosso cotidiano de tal modo que ainda se tenta mensurar seus efeitos na vida de uma grande parcela da população nos dias atuais. A preservação dos costumes, as relações pessoalizadas, os valores e tudo mais que se conhecia entrou rapidamente em uma espiral de contradições e mudanças. O trabalho tinha uma nova configuração, assim como o consumo, a tecnologia, os modos de produção e sustento, os meios de comunicação etc., redesenhando as cidades em grandes conglomerados urbanos de gente de todo o tipo. O progresso foi a palavra de ordem. O homem passou a estudar esses fenômenos por meio de diversas ciências: a Sociologia, por exemplo, se inquietou diante das perplexidades provocadas pelas mudanças da industrialização emergente. Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx lançaram um olhar crítico para o processo. De um lado, havia o progresso, as transformações econômicas, sociais, políticas, culturais e subjetivas; de outro, o temor, a incompreensão e a automação da vida – algo tão grandioso que muitas ciências fixaram os seus olhares nestes fenômenos. Émile Durkheim (1858-1917) é considerado o fundador da escola francesa de Sociologia e tinha uma visão positivista da sociedade. Buscou integrar o método empírico com a Sociologia, refletindo também nas demais ciências humanas. Para ele, a sociedade era um organismo que funcionava como um corpo, e cada órgão tinha uma função de interdependência com os demais. 32 Laureate- International Universities


Anomalias sociais poderiam deteriorar o tecido social caso o indivíduo não tivesse integrado com a sociedade – o que ele observava na condição do homem após a industrialização instaurada. Cada sociedade teria as suas próprias formas de resolver essas anomalias. O teórico via os fatos sociais a partir de três aspectos: coerção social, exterioridade e poder de generalização. Os fatos sociais são alheios aos indivíduos e impostos até virarem hábitos. Já Karl Marx (1818-1883), um economista alemão que contribuiu significativamente para o desenvolvimento da Sociologia e das demais Ciências Sociais, foi fundador da doutrina comunista moderna e tinha uma visão revolucionária. Para ele, a sociedade estava dividida em duas classes: a dos capitalistas, ou seja, daqueles que detêm os meios de produção; e o proletariado, cuja única posse é a sua força de trabalho. Logo, as diferenças entre o capital e o trabalho geram uma sociedade dividida em classes. Os meios de produção se originam das relações de produção, o modo como os indivíduos se organizam para executar a atividade produtiva, o que impactam em desigualdades, dando origem à luta de classes. A diferença entre Marx e Durkheim está em que este último acreditava que a sociedade era um organismo funcionando em partes integradas, enquanto Marx afirmava que havia uma ordem constituída apenas por existir uma classe de trabalhadores dominada pela classe dos capitalistas. Ele também defendia a ideia de que a classe proletária (trabalhadores) deveria se organizar para transpor a sua exploração e as desigualdades sociais. Max Weber (1864-1920), que possuía uma visão compreensiva da sociedade, foi um economista alemão e também é considerado um dos fundadores da Sociologia. Compreendia a sociedade pela perspectiva histórica, diferentemente dos positivistas. Em seu pensamento, Weber apresentou o conceito de ação social, ou seja, a ação é um comportamento humano e por ela os indivíduos se relacionam de modo subjetivo e determinado pelo comportamento do outro. O comportamento, nesse caso, precisa ter um significado ou sentido próprio, e esse sentido também se relaciona com o comportamento das demais pessoas com quem interage. Para estudar os fenômenos sociais, lançou alguns métodos que focam nas peculiaridades do objeto de estudo mais fielmente, o que ele chamou de tipo ideal – este possibilitaria a seleção da dimensão do objeto de análise e apresentaria essa dimensão de modo mais puro. A Antropologia, que vivia uma quebra de paradigma nesse período – o selvagem (como era concebido o indivíduo das culturas distantes e diferentes do europeu) deu lugar ao homem do campo, logo substituído pelo operário urbano-industrial – ainda tinha os moldes do evolucionismo do século XIX, mas o questionava e se encaminhava para a Antropologia Cultural, na Inglaterra, e Social, nos Estados Unidos, e para a Etnologia, na França (vistas a partir no início do século XX). Nas décadas de 1920 e 1930, surgiu o Funcionalismo, cujos teóricos que mais se destacaram foram Malinowski, Radcliffe-Brown, entre outros, e que viam que os valores sociais e culturais transcendiam a biologização das relações sociais. Já na década de 1930 predominou o Culturalismo Norte-Americano, com foco na identificação de padrões culturais, ou seja, estilos de cultura. Nos anos 1940, teve origem o Estruturalismo – o mesmo de Lévi-Strauss – que dissociava a natureza e a cultura. O Estruturalismo busca compreender as inter-relações que dão origem ao significado, que é produzido dentro de uma cultura. Uma cultura não pode ser explicada pela condição genética de seus membros nem pode ser vista de forma isolada: há elementos que se relacionam entre si e com um universo maior, ou seja, há indivíduos que possuem aspectos diferentes dos demais membros, mas pertencem a uma mesma cultura, bem como há indivíduos de outros grupos que compartilham elementos de uma cultura que não é a sua de origem. Na década de 1960, predominou a Antropologia Interpretativa, com abordagem hermenêutica, ou seja, em que se busca a interpretação, origem e a hierarquização dos sentidos e dos significados – com inspirações oriundas de Nietzsche e seu perspectivismo (quando o ponto de vista é alterável), a semiótica de Pierce (com a análise dos signos e de suas relações) e a Escola de Frankfurt (que propunha uma crítica do fazer científico e influenciou os interpretativistas a 33


Antropologia e cultura

fazerem uma autocrítica), por exemplo. No fim da década de 1980 e início de 1990, se fixou a chamada Antropologia Pós-Moderna, com a preocupação de explicar a politização da relação observador-observado, ou seja, faz-se uma crítica dos paradigmas teóricos e da “autoridade etnográfica” do antropólogo. Como diria Deleuze (1976, p. 3) “[...] não existe sequer um acontecimento, um fenômeno, uma palavra, nem um pensamento cujo sentido não seja múltiplo”. E o início na pós-modernidade, tal como ainda é nos nossos dias, foi plural e continua sendo de uma fluidez ainda a ser entendida, baseada no consumo, na propaganda e na aparente superficialidade: uma vida cada vez mais líquida, como diria Bauman (2001). No que tange o mundo do trabalho, conforme a concepção de “vida líquida” de Bauman, as fronteiras entre as esferas individuais e públicas, subjetivas e profissionais do indivíduo estão cada vez mais tênues: há uma dedicação desmedida e contínua ao mundo do trabalho, que transcende o ambiente profissional e invade o espaço domiciliar. A liquidez, mencionada pelo autor, refere-se ao fato de o homem, nesse modelo pós-moderno, cada vez mais se despersonalizar e virar uma “coisa” a ser consumida e descartada se necessário. Para desfrutar a vida, o indivíduo precisa ser produtivo e “fazer a sua parte”. É preciso manter um padrão de vida, mas paga-se com o esgotamento individual, sob o discurso de “sucesso” que sustenta a organização civilizatória do mundo ocidental e mesmo globalizado, cada vez menos sólido e mais líquido em sua estrutura, já que coloca em segundo plano a subjetividade.

NÓS QUEREMOS SABER! As mudanças decorrentes da industrialização massiva trouxeram consequências, principalmente para o século posterior, que não foram apenas as novas tecnologias e um novo modo de viver. Quais são os principais problemas modernos enfrentados pelas populações? Quanto ao mercado de trabalho: quais as mudanças que vemos hoje, que eram inexistentes há um século e meio? Os modos de produção que motivaram a expansão das cidades e o desenvolvimento da indústria na segunda metade do século XIX reconfiguraram as relações em amplo sentido, como veremos.

Para alguns teóricos, a pós-modernidade é um paradigma que abrange o período após o século XIX e a Revolução Industrial, e que não prevê a próxima etapa, o próximo momento histórico. Outros acreditam que a pós-modernidade se iniciou na década de 1970, com a expansão das tecnologias de informação e comunicação e com o grande impacto da mídia. Lyotard (2004) e Baudrillard (1995) afirmam que a pós-modernidade é o período que inicia no fim da Modernidade (XVIII-XIX) e que dominou a estética e a cultura até final do século XX. Já Benjamin (2014), afirma que a Pós-Modernidade se refere apenas à uma extensão da Modernidade. Para Jameson e Harvey (1994), a Pós-Modernidade foi um período conhecido como “capitalismo tardio” ou “acumulação flexível” – estágios do capitalismo. Bauman, um dos defensores do termo “pós-modernidade”, refere-se a ele como modernidade póstuma ou modernidade líquida – uma realidade ambígua, multiforme, em que toda estrutura sólida vem a desfazer. Lipovetsky (2007) prefere o termo “hipermodernidade” e acredita não ter havido uma ruptura com os tempos modernos – ainda assim são exaltados os conceitos de individualismo, o consumismo, a ética hedonista, a fragmentação do tempo e do espaço, de modo agora mais intenso. Para Habermas, a pós-modernidade é o ressurgimento de ideias anti-iluministas há muito existentes, um neoconservadorismo. Logo, há uma continuidade do projeto. Você já mensurou tudo o que cabe neste recorte de tempo? A cultura pop, o consumo em larga escala, os modernos meios de comunicação, a automação industrial, as descobertas científicas significativas como o DNA, a ciência da computação, a internet, a poluição, as ações 34 Laureate- International Universities


ecológicas, o uso ordenado de eletricidade, as novas mídias e muito mais – um verdadeiro salto tecnológico e social. Mas há quem não goste de se referir a este período por este termo (pós-modernidade) – veja que não é unanimidade entre os teóricos usar esse termo. Não há concordância também com a delimitação deste período pelos teóricos. Ao analisar a Modernidade (até o século XIX) e aquele período que vem depois, diferenças metodológicas foram propostas. É certo que foi um período conturbado e cheio de fenômenos que transcendem aquilo que tentava se explicar pelas teorias clássicas.

NÃO DEIXE DE VER... Confira a apresentação da antropóloga portuguesa Marta Rosales, Pessoas, coisas e produção de relações sociais, para a TED. Nessa apresentação, ela aborda temas comuns da sociedade contemporânea, como Migrações Contemporâneas, Culturas Materiais e Consumos e Antropologia nas Mídias. Disponível no canal do TED Talks: <https://www.youtube.com/watch?v=-DRCKCrq3Nc>.

2.1.2 Sociedade do conhecimento Para Friedman (1999, p. 2), a “[...] caracterização da pós-modernidade teve início em um debate em torno da cultura (arquitetura, pintura, romance, cinema, música etc.) e estendeu-se aos campos da filosofia, economia, política, família ou mesmo da intimidade”. Nessa discussão, surgem dois aspectos importantes para o entendimento desse período: os conceitos de sociedade da imagem e da sociedade do conhecimento. A sociedade da imagem refere-se à criação de novas narrativas, da disposição de novas realidades sobre o real e da mídia incessante. Já a sociedade do conhecimento tem a ver com o grande fluxo de conhecimento que envolve a vida social e o processo de seleção da informação para as rotinas e no cotidiano.

Figura 2 – A sociedade atual faz uso constante de novos meios de comunicação. Fonte: Shutterstock, 2015.

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Antropologia e cultura

NÃO DEIXE DE VER... No filme clássico Tempos Modernos (1933), de Charles Chaplin, você consegue perceber as mudanças trazidas ao indivíduo pela industrialização massiva no mundo moderno, no caso, vivenciadas ao personagem Vagabundo.

A comunicação em massa trouxe consigo a coisificação (a transformação de ideias, pessoas e conceitos a objetos concretos) e a reificação – conforme Lukács (2003), que afirma ser a transformação experimentada pela atividade produtiva, pelas relações sociais e pela própria subjetividade humana, vista, então, por seu caráter inanimado, quantitativo e automático (FRIEDMAN, 1999). Para Baudrillard (1995), a realidade é criada como se fosse para tomar o lugar da experiência vivida, uma colonização da própria vida pela razão e pelos seus instrumentos, conforme Habermas (1980). A sociedade do conhecimento, e suas incertezas artificiais criadas pela utilização da razão, constitui uma nova ordem que não se reduz à fragmentação e à “ausência de centro”. Ela inclui fragmentação e ausência de centro, mas se distingue fundamentalmente por relações de desencaixe das quais se deve observar as consequências históricas e políticas. Um enorme campo de oportunidades e mesmo de ativismos aí se oferecem à investigação, o que não condiz com o cultivo do lamento da perda de uma razão unificadora e dos objetivos sociais totais que lhe vinham de par. (FRIEDMAN, 1999, p. 11).

No mundo do trabalho, a pós-modernidade trouxe uma nova configuração quanto às funções e aumentou consideravelmente a empregabilidade, sendo o trabalho parte essencial da vida em sociedade (muito mais do que em outros períodos históricos anteriores). Para Baudrillard (1995), a lógica do consumo se encerra na impossibilidade de que todos consumam, mas todos devem trabalhar. A felicidade e o bem-estar mensuráveis por objetos e sinais de conforto são ideais da sociedade do consumo. De Mais (2000) ainda caracteriza a Pós-Modernidade, quanto ao mundo de trabalho e produção, pela passagem da produção de bens para uma economia de serviços, o crescimento da classe dos profissionais e dos técnicos, o saber teórico supervalorizado e gerador de inovação, a gestão do desenvolvimento técnico, do conhecimento e da tecnologia e pela tecnologia intelectual. Em suma, a sociedade do conhecimento se refere ao tipo de organização social, cultural, econômica e científica, cujo termo advém das discussões sobre a Pós-Modernidade. Muitas pessoas ainda confundem o termo Sociedade do Conhecimento – que tem um aspecto mais amplo, sendo o propulsor econômico de uma sociedade – com Sociedade da Informação – que se refere a uma sociedade integrada por complexas redes de comunicação e de trocas de informação; é ela que otimizaria o compartilhamento das informações.

NÃO DEIXE DE VER... O filme Educação na Sociedade do Conhecimento (Una TV, 2013) mostra a filósofa Viviane Mosé falando sobre as perspectivas da Educação na Sociedade do Conhecimento. Disponível no canal de Viviane Mosé: <https://www.youtube.com/watch?v=vqkUWJINT_k>.

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2.1.3 Cultura e Sociedade do Conhecimento A Pós-Modernidade e, consequentemente, a Sociedade do Conhecimento podem ser vistas como um fenômeno cultural, ou seja, é parte efetiva da experiência cultural, filosófica e política. Vê-se uma suposta estagnação ideológica e motivacional por parte do indivíduo, cada vez mais absorvido pelo cotidiano, pelo consumo, pela quantificação da vida – algo diferente da modernidade, período que o antecedeu. A sociedade pós-moderna é a sociedade em que reina a indiferença de massa, em que domina o sentimento de saciedade e de estagnação, em que a autonomia privada é óbvia, em que o novo é acolhido do mesmo modo que o antigo, em que a inovação se banalizou, em que o futuro deixou de ser assimilado a um progresso inelutável. A sociedade moderna era conquistadora, crente no futuro, na ciência e na técnica: institui-se em ruptura com as hierarquias de sangue e a soberania sacralizada, com as tradições e os particularismos, em nome do universal, da razão e da revolução. Esse tempo torna-se frágil diante de nossos olhos [...]. A confiança e fé no futuro dissolvem-se, no amanhã radioso da revolução e do progresso já ninguém acredita, doravante o que se quer é viver já, aqui e agora, ser-se jovem em vez de forjar o homem novo [...] já nenhuma ideologia política é capaz de inflamar multidões, a sociedade pós-moderna já não tem ídolos nem tabus, já não possui qualquer imagem gloriosa de si própria ou projeto histórico mobilizador. (LIPOVETSKY, 1989, p. 11).

Cultura refere-se à herança social e total da Humanidade, incluindo os fenômenos ocorridos no último século. Dessa forma, a cultura é composta de um grande número de culturas, que caracterizam certo grupo de indivíduos. Refere-se a ideias, comportamentos ou simbolização de comportamento, incluindo a cultura material. Esta conceptualização de cultura aplica-se a qualquer agrupamento humano, mesmo na sociedade tão massiva e acelerada quanto a nossa – dinâmica e complexa, que possui nuances tão ricas e detalhes. Por simbolização, entende-se o processo de atribuir a uma coisa um valor ou significado. Por exemplo, em algumas sociedades asiáticas, o branco é uma cor apropriada para o luto – dessa forma, atribuiu-se à cor este valor. Já na sociedade ocidental, a cor que representa o luto é o preto. A cultura material refere-se à finalidade ou ao sentido que os objetos têm para um grupo social. Ela pode ser aprendida, reproduzida, preservada etc. Já a cultura imaterial refere-se ao conhecimento transmitido na prática, muitas vezes de modo oral, e não se refere propriamente a um objeto. A capoeira, por exemplo, faz parte da cultura imaterial do Brasil. Se antigamente, nos primórdios da Antropologia, o antropólogo ia para um rincão afastado de sua terra natal para pesquisar sociedades e agrupamentos isolados, por mais complexos que fossem, hoje, com as escolas antropológicas contemporâneas, os aspectos estudados se envolvem em um emaranhado de fenômenos, uma rede de possibilidades e significados. No início da Antropologia, por exemplo, se estudava a sociedade como um grupo único, com suas próprias problemáticas e dentro daquilo que delimitaria esse grupo. Atualmente, os antropólogos buscam categorias similares em contextos diferentes, mostrando que, por mais que uma cultura seja distante da outra, há a possibilidade de fazer comparações, definir similaridades e contrapontos.

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Antropologia e cultura

NÓS QUEREMOS SABER! Que fenômenos da sociedade atual poderiam ser parte de uma pesquisa antropológica? Que situações do seu dia a dia dariam uma boa pesquisa? A sociedade contemporânea é repleta de enlaces culturais e simbólicos que podem ser estudados a partir dos métodos e pela perspectiva da Antropologia. O mundo do trabalho é palco de muitos fenômenos culturais e daria uma boa pesquisa. Por exemplo, a apropriação de espaços públicos por trabalhadores informais itinerantes poderia ser uma proposta de pesquisa. Outro possível assunto interessante seria a migração de profissionais para o contexto dos home office (por que tantos profissionais recorrem a este modelo? Quem são eles? Quais as profissões mais comuns? Quais as vantagens e problemáticas? E assim por diante.).

2.2 Trocas culturais e mercado de trabalho As trocas culturais e o hibridismo cultural são uma constante nas ditas sociedades pós-modernas. E o mercado de trabalho é palco frequente de análise por parte dos teóricos no assunto. Neste tópico, observaremos como ocorrem as trocas culturais e os híbridos culturais, enfatizando a sua existência no mercado de trabalho.

2.2.1 Trocas culturais As tradições, os costumes e qualquer elemento cultural não é algo estagnado. Há um dinamismo entre os padrões culturais que permitem que haja a troca entre diferentes grupos – que pode ocorrer de muitos modos. O tema das trocas culturais nunca saiu do foco do olhar antropológico, mas ressurgiu a partir das discussões sobre a sociedade pós-moderna, assim como o hibridismo, que mesmo após as abordagens evolucionistas que lhe deram origem retornou às pesquisas recentes por conta do intenso contato ocorrido com a globalização.

NÃO DEIXE DE LER... O livro Um antropólogo na cidade (Zahar, 2013) é um ensaio de antropologia urbana publicado por Gilberto Velho, antropólogo brasileiro empenhado na análise dos contextos urbanos que elucida como a Antropologia pode atender a questões da atualidade nas metrópoles. Muitos dos temas tratados neste material são ilustrados nesta obra.

2.2.2 Culturas híbridas e mercado de trabalho O termo culturas híbridas refere-se ao limite entre o tradicional e o moderno, entre o elitista, o popular e o massivo. Trata-se de uma espécie de miscigenação entre diferentes culturas, ou seja, uma heterogeneidade cultural presente no cotidiano do mundo moderno. São originárias das trocas culturais neste contexto. É possível unir traços distintos de diferentes visões de mundo, formando uma nova cultura, novos signos, novos significados e identidades. Pode-se dizer que a Pós-Modernidade é constituída de culturas híbridas, e isso pode ser visto em diferentes momentos da globalização. Mas o que desencadeou o processo de hibridação moderna? Os meios de comunicação em massa, que 38 Laureate- International Universities


transmitem influências entre os diferentes grupos. É imprescindível dizer que as culturas híbridas dependeram do desenvolvimento tecnológico e dos conhecimentos científicos atuais.

Figura 3 – O hibridismo acontece de modo massivo e a todo o momento devido à globalização. Fonte: Shutterstock, 2015.

Como é possível perceber pontualmente esse hibridismo? Quando um grupo de mulheres ocidentais em um centro urbano decidem fazer dança do ventre sem mesmo ter origem cultural entre essas etnias tradicionais, isso é exemplo de hibridismo cultural. Os alimentos tipicamente brasileiros estão se popularizando nos Estados Unidos, principalmente entre a população jovem, como o açaí e a tapioca, seja pelo contato com brasileiros, que levam os seus alimentos àquele país, ou como uma forma de experimentação por esses jovens ao que lhes parece exótico. No ambiente de trabalho, estamos sempre adaptando técnicas e boas práticas oriundas de outros países para melhorar a produtividade – é o caso do 5S, uma prática de organização e qualidade de origem japonesa e muito conhecida entre os gestores brasileiros. Os métodos de organização do sistema 5S não se referem às práticas tradicionais daqui, mas foram adotadas, pois com a globalização e necessidade de produção sem erros, o sistema se popularizou e os gestores brasileiros tiveram contato com o conhecido sistema. As técnicas implícitas no sistema 5S impactam na vida do trabalhador e no seu cotidiano, já que ajusta o ambiente de trabalho e implica que todos possuem a responsabilidade de organização e o asseio de seu espaço funcional – técnicas estas que devem ser transmitidas quando o colaborador entra na empresa. A hibridização refere-se ao modo pelo qual modos culturais ou partes desses modos se separam de seus contextos de origem e se recombinam com outros modos ou partes de modos de outra origem, configurando, no processo, novas práticas. [...] A hibridização não é mero fenômeno de superfície que consiste na mesclagem, por mútua exposição, de modos culturais distintos ou antagônicos. Produz-se de fato, primordialmente, em sua expressão radical, graças à mediação de elementos híbridos (orientados ao mesmo tempo para o racional e o afetivo, o lógico e o alógico, o eidético e o biótipo, o latente e o patente) que, por transdução, constituem os novos sentidos num processo dinâmico e continuado. (COELHO, 1997, p. 125-126).

O historiador Peter Burke (2003) resgatou na década de 1980 o termo que já era conhecido entre os antropólogos evolucionistas. Hoje se fala em globalização, e o processo de hibridação da cultura é inevitável. O hibridismo pode implicar em um processo de ressimbolização, ou seja, de elaboração de uma nova denotação por associação de ideias produzidas por uma convenção, por um grupo.

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Antropologia e cultura

Mas, se por híbrido queremos nos referir a um processo de ressimbolização em que a memória dos objetos se conserva e em que a tensão entre elementos díspares gera novos objetos culturais que correspondem a tentativas de tradução ou de inscrição subversiva da cultura de origem em uma outra cultura, então estamos diante de um processo fertilizador. (BERND, 2004, p. 100-101).

Por fim, a hibridação cultural está sempre presente na rotina de cada indivíduo e formando sempre novas identidades. Sendo um marco da sociedade globalizada, dotada de misturas, de variadas cores e estilos, formando o aspecto do homem moderno e pós-moderno, marcando uma quebra com o modelo das culturas tradicionais. O conceito de hibridismo, em termos dessas articulações do capitalismo planetário, favorece a disseminação das mais variadas possibilidades de consumo. Essa noção teórica dá base à produção, no caldeirão das formas da cultura, inclusive cultura material, de possibilidades abertas de criação de produtos e a uma adequada criação de expectativas de consumo. Nesse sentido, a concepção interessa à “cultura do dinheiro”, que é supranacional, embora baseada na hegemonia e no território norte-americanos. (ABDALA JR., 2004, p. 18)

É importante ressaltar que Canclini (2011) é inovador, pois aponta o conceito de hibridismo cultural sob um viés político em primeira mão. Para ele, o hibridismo é uma prática multicultural, quando há o contato de diferentes culturas, processo analisado pelo autor, nos movimentos artísticos verificados na América Latina. Para ele, o hibridismo cultural poderia ser benéfico, já que nesses países o processo de modernização é tardio e lento. Canclini (2011) afirma que as culturas pós-modernas são limítrofes, ou seja, de fronteira, provenientes do contato com o “outro” e relativas aos deslocamentos de bens simbólicos. Trata-se de um processo multicultural, da relação com diferentes culturas. A cultura é vista como algo não mais genuíno, mas algo representado (uma representação), ou seja, trata-se de um simulacro como marca cultural.

Figura 4 – Canclini estudou o hibridismo a partir das relações entre mexicanos e americanos e entre as populações da América-Latina. Fonte: Shutterstock 2015.

Já Hutcheon (1991) acredita que essas culturas híbridas pós-modernas possibilitam a resistência e o confrontamento do discurso dominante. Por outro lado, elas estão arraigadas à globalização e sustentam o consumo massivo. Ou seja, elas ainda resistem à massificação da globalização por meio da representação, mas muitas vezes são um produto do consumo. Para outros teóricos, 40 Laureate- International Universities


a hibridação cultural não ocorre apenas pelo processo de ressignificação da cultura, mas pelo embate, pelo choque entre as culturas.

NÃO DEIXE DE LER... O livro Hibridação cultural (Unisinos, 2003) de Peter Burke é uma pequena obra que explica de maneira muito didática e em detalhes esse processo tão comum na sociedade global. Vale a pena conferir!

2.3 Tecnologia, globalização e inovação O desenvolvimento das tecnologias, a imposição da globalização e os processos de aceleração da inovação trouxeram novas possibilidades para os estudos antropológicos. Essas são três esferas inseridas na cultura pós-moderna e que caracterizam a sociedade do conhecimento. Veremos agora como a tecnologia, a globalização e a busca por inovação impactam nas diferentes culturas, verificando esses conceitos também como fenômenos socioculturais.

2.3.1 Globalização e cultura A globalização tem impactos sem precedentes em quase todas as culturas atuais. Mesmos os povos mais distantes possuem expressividade e podem ser observados de muitas formas, ainda mais pelos novos meios de comunicação. A globalização promove as trocas culturais e as culturas híbridas, que podem ocorrer por assimilação simbólica ou pelo choque, pelas resistências entre culturas distintas. No caso das culturas tradicionais, a globalização pode oferecer ameaças, já que propõe a uniformização da cultura (monocultura global). É importante ressaltar que a globalização é um fenômeno arraigado ao modelo capitalista e que há uma hierarquização do espaço global, que se faz muitas vezes pelo modo como a mão de obra é disposta, pelo uso das tecnologias e demandas dos próprios segmentos etc., gerando infinitos problemas sociais. Essa hierarquização do espaço global é hoje, por sua vez, fortemente determinada pela capacidade dos lugares de absorver novas tecnologias, bem como pela sua maior ou menor disponibilidade de infraestrutura e de mão-de-obra adequadas à localização dos segmentos econômicos intensivos em conhecimento. Do ponto de vista econômico, o que hoje, portanto, diferencia fundamentalmente os territórios não são seus atributos físicos ou inanimados, mas o seu conteúdo imaterial, particularmente a sua base de informações e de conhecimentos, refletindo em grande medida desiguais disponibilidades espaciais de recursos humanos e de mão-de-obra qualificada. (ALBAGLI, 1998, p.192)

A Antropologia tem como objeto de estudo o conhecimento do homem e os elementos que influenciam na construção do pensamento humano, desde sua origem como sujeito atuante e transformador até o surgimento das noções de indivíduo e estrutura social. Mesmo que em sua origem tenha usado um discurso tradicional e dominante, hoje se mostra crítica às análises socioculturais. Vale dizer que esta disciplina busca entender a condição humana no contexto da globalização, no qual surgem novos elementos sociais que influenciam e alteram a vida do homem pós-moderno. Mas aborda também os impactos do processo capitalista para as culturas como um todo. Cultura local são os costumes e as crenças e outros elementos culturais de determinada região, e cultura global é a cultura massiva e generalizada proveniente dos processos de globalização. 41


Antropologia e cultura

NÓS QUEREMOS SABER! De que forma a globalização é prejudicial à cultura local e às identidades de grupos e povos? Mesmo que a globalização seja um fenômeno que não se pode parar, a cultura local deve ser valorizada, já que a globalização se apresenta como um obstáculo para a diversidade cultural.

2.3.2 Tecnologia e inovação Na sociedade do conhecimento, com o seu aparato tecnológico, a busca pela inovação dá o tom para a contínua evolução dos processos técnicos que caracterizam o capitalismo e a globalização. A Antropologia, nos últimos anos, se preocupa em compreender os temas mais atuais, relativos às novas configurações atuais do mundo globalizado e tecnológico. A ciência e a tecnologia possuem importância central na vida pós-moderna e a disciplina busca se inteirar de seus impactos na vida do homem. A ciência, por exemplo, é tida como a forma mais ocidental de pensar o mundo, isso impacta em culturas locais no que tange aos conhecimentos identitários.

Figura 5 – A sociedade do conhecimento é caracterizada pelo amplo acesso à informação e à tecnologia. Fonte: Shutterstock, 2015.

A tecnologia, que contribui para disseminar a cultura globalizada e unilateral, é também um meio de garantir acesso a conhecimentos de todos os tipos. Mas ela também é percebida como a legitimadora da globalização: a inovação é frequente, otimiza e permite os processos em favor do homem. Todos os problemas comuns da humanidade se encerram na ciência e na tecnologia – nela se pode tudo, desde a eliminação e o tratamento de doenças à geração de novos aparelhos e técnicas capazes de garantir uma vida plena.

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NÓS QUEREMOS SABER! Você sabe definir tecnologia? Trata-se de técnicas, processos, métodos, meios e instrumentos de uma ou mais funções da atividade humana. Um computador possui uma tecnologia, empregada no processamento de dados; uma enxada possui uma tecnologia que permite mover de modo eficiente o solo. Ambos são tecnologias com funções distintas.

2.4 Relações entre distintas mercado de trabalho

gerações

no

Com maior acesso à informação, pessoas de diferentes gerações compartilham os mesmos espaços de trabalho. Há trocas culturais entre grupos de pessoas de faixas etárias diferentes. Mas esta é uma questão recorrente quando se fala em carreira no mundo globalizado – o choque de gerações. Neste tópico, vamos compreender as diversas nuances das relações de indivíduos de diferentes gerações no mercado de trabalho e problematizar os desafios e conflitos existentes no mundo contemporâneo.

2.4.1 Gerações e trabalho Verificando novamente o conceito de cultura como a forma de vida de um grupo de pessoas, conforme os comportamentos adquiridos e transmitidos de geração em geração por meio da língua falada e da simples imitação, percebemos que nos ambientes de trabalho atuais o espaço é dividido por pessoas de diferentes gerações. Isso porque a globalização fez com que uma margem etária mais abrangente disputasse as mesmas oportunidades no mercado de trabalho. Interesses distintos, valores, formas diferentes de perceber o mundo, linguagem, competências, relações diferentes com os novos meios de comunicação: estes e muitos elementos servem para gerar conflitos e aprendizagens no ambiente de trabalho. As teorias antropológicas sempre buscaram compreender as diferenças entre as gerações. Este também é um dos desafios mais frequentes nas empresas atuais. A chamada Geração Y (pessoas nascidas entre os anos de 1980 e 2000), que hoje busca estabilidade no mercado de trabalho, se depara com pessoas de outras gerações.

VOCÊ O CONHECE? Cliffort Geertz (1926-2006) foi, depois de Lévi-Strauss, o nome mais importante da Antropologia no século XX. Seu trabalho está situado dentro da Antropologia Interpretativa e Simbólica, com mais de 20 livros publicados nesta área. Dizia que a Antropologia Interpretativa é a da leitura das sociedades assim como interpretamos os textos. Sua obra mais notável foi o livro A interpretação das Culturas (Editora Zahar, 1989).

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Antropologia e cultura

Figura 5 – Diferentes gerações no mercado de trabalho. Fonte: Shutterstock, 2015.

Se de um lado essa geração possui facilidade de incorporar tecnologia em seu dia a dia, a capacidade de realizar diversas tarefas ao mesmo tempo, aversão à rotina, a preocupação com a qualidade de vida e rotatividade da carreira, se depara também com profissionais mais estáveis junto à organização, com pensamento mais tradicional, em que as relações são baseadas por valores e menos por ascensão e dinheiro – estes são mais resistentes às mudanças, mas mostram interesse em se adaptar sem maiores estranhamentos. Muitas lideranças são de gerações anteriores e sentem dificuldade de diálogo com profissionais mais novos. Esta é mais uma das nuances da questão da globalização e da sociedade do conhecimento: o conflito de gerações entre profissionais sempre existiu e sempre existirá. E a coexistência é evidenciada pela Antropologia, por exemplo, pelas trocas rituais, resistências e pelos fenômenos que muitas vezes envolvem outros elementos – como questões de gênero, etnicidade e raça, classes sociais distintas, cultura organizacional etc.

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Síntese Síntese

Neste capítulo, você pôde:

• compreender o que é o paradigma pós-contemporâneo – um termo usado para designar

a sociedade da segunda metade do século XIX até o momento. Há teóricos que divergem da sua datação e outros que nem concordam que haja uma “pós-modernidade”;

• constatar que a Sociedade do Conhecimento e a Sociedade da Informação são termos oriundos da Pós-Modernidade;

• concluir

que o mundo passou por grandes transformações em todas as esferas da vida do indivíduo ocidental e isso permitiu que ele tivesse contato com outros tipos de cultura, assimilando-as intencionalmente ou não;

• entender

que a troca de culturas e o hibridismo cultural já eram estudados entre os antropólogos evolucionista, mas esses conceitos ressurgiram na década de 1980 com as análises sobre os impactos da globalização nas diferentes culturas – eles podem ocorrer de modo interativo ou por meios de oposições e resistências;

• saber que o mundo globalizado possibilitou e foi possibilitado pelo desenvolvimento das novas tecnologias e pela busca por inovação;

• a

globalização fez com que diferentes gerações compartilhassem o mesmo ambiente de trabalho, o que trouxe aprendizados e conflitos – compreender essas relações é de interesse da Antropologia e um desafio para as práticas corporativas.

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Referências Bibliográficas

ABDALA JR., Benjamin. Um ensaio de abertura: mestiçagem e hibridismo, globalização e comunitarismos. In: ______. (Org.). Margens da cultura: mestiçagem, hibridismo e outras misturas. São Paulo: Boitempo, 2004. BERND, Zilá. O elogio da crioulidade: o conceito de hibridação a partir dos autores francófonos do Caribe. In: ABDALA JR., Benjamin (Org.). Margens da cultura: mestiçagem, hibridismo e outras misturas. São Paulo: Boitempo, 2004. BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1995. BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. BURKE, Peter. Hibridismo cultural. São Leopoldo: Unisinos, 2003. CANCLINI, Néstor García. Culturas hibridas: estrategias para entrar y salir de la modernidad. Buenos Aires: Sudamericana, 1992. COELHO, Teixeira. Culturas híbridas. In: ______. Dicionário crítico de política cultural: cultura e imaginário. São Paulo: Fapesp; Iluminuras, 1997. DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Rio de Janeiro: Rio, 1976. HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. 13. ed. São Paulo: Loyola, 1994. HUTCHEON, Linda. Poética do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Imago, 1991. Jameson, Fredric. Pós-Modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2002. LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 5. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998. LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. LUKÁCS, G. A reificação e a consciência do proletariado. In: ______. História e consciência de classe. São Paulo: Martins Fontes, 2003. DE MASI, Domenico. A Sociedade Pós-Industrial. 3. ed. São Paulo, SENAC, 2000.

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Capítulo 3 Identidades sociais e o mercado de trabalho

Introdução Neste capítulo, trabalharemos com vários e importantes conceitos, tentando relacioná-los para compreender as particularidades do assunto em território brasileiro. Você já pensou a respeito do que o diferencia das outras pessoas com as quais convive? E nas semelhanças? Já sentiu-se “em casa” ao constatar um conhecimento ou detalhe em comum com seus colegas de trabalho? Saiba que estas questões estão intimamente ligadas aos conceitos que estudaremos ao longo das próximas páginas. Primeiramente, investigaremos o conceito de identidade e o que ele denota no âmbito social e sua ligação com a dimensão cultural. Além disso, veremos como essas questões passaram a ser objeto de estudo da Antropologia e como a disciplina define tais elementos. Outro ponto abordado será a construção da identidade cultural e social e qual sua relação com o mercado de trabalho, tendo impacto no cotidiano de milhares de brasileiros. Buscaremos, em seguida, compreender a formação da identidade cultural brasileira, apresentando os seus temas clássicos e contemporâneos, também com foco nas conquistas trabalhistas do início do século XX. Será que há algo que nos une como nação? Ou será que devemos reconhecer o caráter fragmentado e plural de nossa cultura? Você sabe o que é patrimônio cultural material? E patrimônio cultural imaterial? Será que o carnaval se encaixa em uma dessas duas definições? Ao final deste capítulo, iremos conceituar o patrimônio cultural e ligá-lo à memória social, para tentarmos compreender como esses elementos impactam na identidade social. Focaremos nosso estudo também nas relações do mercado de trabalho globalizado, sempre, é claro, sob a perspectiva da Antropologia. Tenha um bom estudo!

3.1 Identidades sociais e culturais Neste tópico, buscaremos definir os conceitos de identidade social e cultural. Será que eles apresentam alguma relação? Será que eles influenciam na identidade do indivíduo, em como uma pessoa se enxerga perante a coletividade que a cerca? Veremos, a seguir, a resposta para tais questionamentos. Ainda nesta seção, estudaremos como a Antropologia passou a discutir tais questões e contextualizaremos seu surgimento. Acompanhe!

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Antropologia e cultura

3.1.1 A identidade social Para entendermos o significado da expressão “identidade social” e sua relevância para o estudo antropológico, precisamos primeiramente definir o conceito e sua origem como objeto de estudo. Entenda que, para a Antropologia, o interesse em discutir o conceito e transformá-lo em uma problemática, através da qual se pudesse questionar as influências entre o indivíduo e a sociedade com a qual ele convive, surgiu na segunda metade do século XX. Embora cientistas sociais como Marcel Mauss tenham lançado questionamentos a respeito da ideia de “pessoa” no início do século XX, a discussão acerca da identidade foi impulsionada pelos numerosos movimentos migratórios que ocorreram após a Segunda Guerra Mundial, especialmente em direção à Europa e aos Estados Unidos. A razão para tal foi o crescente atrito entre os grupos que procuravam refúgio nos países economicamente desenvolvidos e a população nativa desses países, na maioria das vezes influenciada pelo nacionalismo, ideologia segundo a qual “[...] fronteiras culturais deveriam coincidir com fronteiras políticas” (ERIKSEN, 2001, p. 275). Tenha em mente que, por fronteiras políticas, Eriksen se refere às delimitações territoriais que dividem os Estados; sua colocação, portanto, denota que os defensores do nacionalismo acreditam que cada cultura deve permanecer dentro de seu território de origem.

NÓS QUEREMOS SABER! O que é a ideologia? O nacionalismo é um movimento político? Ideologia, nas palavras de Marilena Chauí (2008, p. 8), corresponde a um “[...] ocultamento da realidade social”, ou seja, são ideias e representações produzidas pelos homens para explicar sua realidade individual e social, mas que tendem a esconder deles como suas relações sociais foram produzidas e “[...] a origem das formas sociais de exploração econômica e de dominação política”. Já o nacionalismo corresponde a uma ideologia que, segundo Eriksen (2001), está presente em todos os lugares do mundo. Pela perspectiva antropológica, o nacionalismo defende que cada Estado deve conter um povo do mesmo tipo, sendo, portanto, contra movimentos migratórios e a miscigenação cultural que eles possibilitam. Entenda que o nacionalismo como ideologia surgiu com a Revolução Francesa, entre o final do século XVIII e o início do XIX, e que o termo não se confunde com a ideia de “nação”. Nação diz respeito a um conjunto de indivíduos unidos por características em comum, como o território, a língua, a história etc. Pense aqui no Estado da Palestina, na faixa de Gaza, que é uma nação com uma cultura que a distingue, um povo unido por uma língua comum, mas que luta pela demarcação e manutenção de suas fronteiras com o Estado de Israel.

Neste cenário, o fator “identidade” foi tomado como objeto de estudo pelos antropólogos. Podemos entender o conceito como a combinação única de características que distingue um indivíduo ou um grupo, que o diferencia perante o outro. Mas quem seria o outro? Segundo Brandão (1986): [...] o diferente é o outro, e o reconhecimento da diferença é a consciência da alteridade [...] O outro sugere ser decifrado, para que os lados mais difíceis de meu eu, do meu mundo, de minha cultura sejam traduzidos também através dele, de seu mundo e de sua cultura. Através do que há de meu nele, quando, então, o outro reflete a minha imagem espelhada e é às vezes ali onde eu melhor me vejo.

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As palavras de Brandão trazem um entendimento bastante relevante sobre identidade: a de que o contraste com diferentes modos de existir é o que molda a construção e o reconhecimento do eu. É na confrontação com o outro, ou seja, com o não eu, que podemos entender nossa individualidade, nossas crenças, nosso comportamento, nossa maneira de enxergar o mundo e interpretá-lo.

Figura 1 – Para Brandão, é através do contraste com o outro que conseguimos enxergar nossa individualidade. Fonte: Shutterstock, 2015.

Pense da seguinte forma: não são apenas os dígitos de seu RG e o código genético que o tornam uma pessoa diferente de qualquer outra que você já tenha conhecido, certo? A partir do momento em que você reconhece o conjunto de características e significados que o definem em relação aos outros, você está conscientemente assumindo e exercendo sua identidade. Se, portanto, o contraste nos possibilita um entendimento profundo acerca do que somos e do que gostamos, será que a semelhança também tem esse poder? A resposta é sim. Nossa identidade também é moldada pelo reconhecimento do que temos em comum com nossos amigos, familiares ou colegas de trabalho. Observando as pessoas que dividem o espaço de trabalho conosco, por exemplo, podemos detectar o que coincide na maneira de lidar com as demandas cotidianas. Tendo dito isto, já podemos começar a trabalhar o conceito de “identidade social”!

VOCÊ O CONHECE? ? Marcel Mauss foi um cientista social francês que, em sua obra, aproximou a Sociologia da Antropologia e influenciou muito pensadores que o sucederam e contribuíram para ambas as disciplinas, entre eles Claude Lévi-Strauss. Entre outros tópicos, sua principal teoria dizia respeito à reciprocidade entre indivíduos e grupos na prática da troca de presentes. Sua obra mais famosa foi publicada no Brasil sob o título de Ensaio sobre a dádiva (2003).

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Antropologia e cultura

NÃO DEIXE DE LER... No Ensaio sobre a dádiva (2003), Marcel Mauss defende que na prática da troca de presentes, há, de fato, um laço de obrigação social entre quem dá e quem recebe a oferenda. Mauss analisa diversas sociedades em que a reciprocidade parece livre, mas é, na verdade, obrigatória; caso o receptor não honre seu “débito”, ou seja, retribua o presente com outro de igual magnitude, corre o risco de perder credibilidade e status social. Este, portanto, é o conceito de dádiva, ou seja, a obrigação de dar, receber e retribuir. Imagine aqui uma cena clássica: a empresa para qual você trabalha concedeu-lhe alguns dias de folga para que você pudesse visitar um parente que estava passando por dificuldades, porém, no mês seguinte, quando a demanda aumentou, foi-lhe requisitado que fizesse horas extras. Você respondeu simplesmente que “não”. Como você se sentiria? Qual seria o desenrolar dessa situação? É nesse sentido que Mauss defende a reciprocidade como algo obrigatório nas relações sociais.

Vamos aqui definir “identidade social” como a estrutura formada pelas relações recíprocas entre pessoas unidas por algum interesse ou característica comum. Feche os olhos e visualize os seguintes exemplos: habitantes de uma mesma cidade ou bairro, torcedores de um mesmo time, colaboradores em uma empresa, praticantes de uma religião ou seguidores de alguma filosofia específica. Saiba que os modos como são vivenciadas determinadas identidades, tal como algumas identidades religiosas, também pode levar à exclusão e até à violência física. Berger e Luckmann explicam que a formação e conservação das identidades são condicionadas por processos sociais determinados pelas estruturas sociais. Desse modo, a identidade social não diz respeito apenas aos indivíduos. Todo grupo apresenta um a identidade que está em conformidade a sua definição social que o situa no conjunto social. Assim, a identidade social é ao mesmo tempo inclusão – pois só fazem parte do grupo aqueles que são idênticos sob certo ponto de vista – e exclusão – visto que sob o mesmo ponto de vista são diferentes de outros. (BERLATTO, 2009, p. 142).

Esses indivíduos compartilham diversos valores e significados, que não necessariamente fazem sentido para uma pessoa que esteja fora daquele contexto, certo? A evidência de que a pessoa de cada um de nós é uma lenta construção da sociedade sobre os seus membros, através de um trabalho de ensino-aprendizagem de formas de sentimento, pensamento e ação, é o que permitiu a um dos cientistas sociais que pensou mais profunda e criativamente sobre a questão, concluir que o sujeito transformado em pessoa é, ele mesmo, uma expressão individualizada da estrutura de símbolos do mundo social onde vive. (BRANDÃO, 1986).

Através das palavras de Brandão (1986), podemos depreender que o indivíduo aprende as formas de pensar, sentir e agir da coletividade na qual está inserido. Esse processo de aprendizagem é continuado (e dura, de fato, toda a sua vida) e seu resultado é uma versão individualizada da esfera social, ou seja, uma pessoa que representa os padrões de comportamentos aceitos pelo grupo. A internalização de determinadas informações e modos de agir, aceitos e legitimados pelo grupo, dá origem a uma identidade socialmente partilhada pelos membros. Em outras palavras, podemos dizer que há uma confraternização de ideias, de modos de sentir e pensar que une os indivíduos, dando-lhes a sensação de pertencimento a uma coletividade. Como parte de um grupo, portanto, o indivíduo age de acordo com um código aprendido/estabelecido. Mas, como é próprio do ser humano estar em um constante estado de aprendizagem, há também a reciclagem de ideias, a reinterpretação de fatos e mudanças de atitude. 50 Laureate- International Universities


Figura 2 – Nossa identidade é a combinação única de características que distingue um indivíduo ou um grupo. Fonte: Shutterstock, 2015.

As identidades sociais, portanto, são dinâmicas e podem mudar ao longo da vida. Elas se constroem e reconstroem, conforme o processo de significação de cada um e as mudanças do próprio grupo. A fluidez dessas transformações vai depender muito do contexto sociocultural em que o indivíduo está inserido e de suas relações com o meio. É importante dizer que as pessoas não possuem uma identidade social homogênea. Como o comportamento humano é bastante complexo, nem sempre as identidades são compreensíveis em um primeiro momento, podendo até mesmo serem contraditórias. Como exemplo, podemos citar uma pessoa heterossexual que é bastante conservadora, mas acredita que a adoção de crianças por casais homoafetivos é legítima. Segundo Stuart Hall (2003, p. 12-13), “[...] a identidade torna-se uma celebração móvel: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam.”. O exemplo anterior encaixa-se nessa definição apontada por Hall, pois retrata um indivíduo cujo modo de pensar é conservador, mas que a despeito disso age num sentido mais tolerante.

NÓS QUEREMOS SABER! Você sabe qual é a relação entre o social e o cultural? A identidade social é construída e reconstruída ao longo da vida de um indivíduo, pelo seu contato com a coletividade a qual pertence ou interage. Já a identidade cultural ocorre dentro da esfera social, mas diz respeito particularmente às expressões artísticas, religiosas e simbólicas etc. de determinado grupo.

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3.1.2 A perspectiva cultural e o viés linguístico Para abordarmos a identidade sob a perspectiva cultural, devemos lembrar que cultura remete a conhecimentos, crenças, expressões artísticas e filosóficas, costumes e leis perpetuadas pelo homem dentro de uma sociedade. Como bem coloca Manuela Carneiro da Cunha “[...] a cultura não é algo dado, posto, algo dilapidável também, mas algo constantemente reinventado, recomposto, investido de novos significados e é preciso perceber [...] a dinâmica, a produção cultural” (CUNHA, 1986, p. 101). François Laplantine (2003) coloca que a cultura é o próprio social, porém visto sob o viés das expressões religiosas, filosóficas, de seus costumes e tradições. Pense da seguinte forma: quando analisamos uma sociedade, podemos interpretá-la sob a perspectiva cultural, ou seja, enxergá-la a partir das manifestações artísticas de seus membros, de seus rituais religiosos etc. Aqui, temos a noção de identidade cultural, ou seja, da participação ou identificação de um indivíduo com essas manifestações. Um exemplo de manifestação cultural no Brasil é a dança folclórica do Bumba Meu Boi, que ocorre em alguns estados brasileiros da região Norte e Nordeste, como Amazonas, Pará Alagoas e Maranhão. O tema da apresentação gira em torno da morte e ressureição de um boi e engloba questões sociais e históricas.

Figura 3 – A identidade cultural refere-se à identificação de um indivíduo com as manifestações culturais da coletividade em que está inserido. Fonte: Shutterstock, 2015.

A ideia de identidade cultual também está intimamente ligada à dimensão individual e, conforme discutimos no primeiro item, a consciência delas vai se moldando através do contraste com o outro, seja ele um único indivíduo ou um grupo. Podemos aqui constatar, portanto, que as diferenças no modo de existir são padrões aprendidos e específicos de cada grupo, mas que essa dinâmica está muito ligada à consciência que o indivíduo tem de si mesmo e de sua relação com o coletivo. Enquanto a identidade social dá-se através dessa interação social, a identidade cultural está relacionada à identificação de um indivíduo com as manifestações culturais da coletividade em que está inserido. 52 Laureate- International Universities


NÃO DEIXE DE VER... O filme Sans Soleil (Sem Sol), do diretor francês Chris Marker. O longa metragem é narrado a partir da carta de um viajante que questiona como os conceitos de identidade e memória são vivenciados pelos habitantes de distintas regiões do globo, dentre os quais Japão, Guiné-Bissau e Islândia. Na narrativa, o autor da carta questiona traços específicos de cada cultura e problematiza o papel da memória na reconstituição da história de um povo. Confira mais a respeito desse clássico em: <http://www.contracampo.com.br/86/dvdlajetee.htm>. Em relação à perspectiva linguística, podemos dizer que se trata de outra dimensão social. Já explicamos: a língua falada e escrita é uma forma de um indivíduo comunicar-se com os outros, certo? Há, portanto, uma função social na fala e na escrita, isto é, elas desempenham um papel indispensável na unificação de um grupo e em seus modos de expressão cultural. Em alguns grupos, há a transmissão de informações exclusivamente de forma oral, porém tenha em mente que não se trata de um demérito, e sim um traço cultural específico. Quando falamos, portanto, de identidade sob o viés linguístico, nos referimos às relações de identificação de um indivíduo com o idioma, dialeto, sotaque e trejeitos próprios utilizados pela coletividade da qual ele participa. Existe, também aqui, uma conscientização das particularidades linguísticas do próprio grupo quando do contato com o outro. Através do contraste com outras maneiras de se expressar é que se dá o reconhecimento da individualidade e de sua influência pelo social na qual ela foi formada. Imagine, como exemplo, três colegas de trabalho de regiões distintas do País que decidem tomar o café da manhã juntos na empresa. Um diz que prefere comer pão d’água com presunto e queijo, enquanto o outro afirma que o bom é pão de trigo com presunto e queijo, ao passo que o terceiro se levante e declara: “Não sei do que vocês estão falando. O que eu como todas as manhãs é pão francês com presunto e queijo!”.

3.2 Construção das identidades sociais e culturais Agora que já discutimos os conceitos de identidade social cultural, sua influência na vida do indivíduo e como a disciplina da Antropologia tomou tais elementos como objeto de estudo, vamos concentrar nossos esforços em compreender como são construídas essas identidades. Neste tópico, portanto, veremos o processo de construção da identidade social e cultural durante a vida de uma pessoa, bem como sua ligação com o conceito de etnia e seu impacto no mercado de trabalho.

3.2.1 Como se constroem as identidades sociais e culturais? O alinhamento entre características concretas (como ser da mesma região e falar a mesma língua) e padrões abstratos de comportamento aprendidos ao longo de uma vida (como escovar os dentes, fazer a barba e dizer “saúde” quando alguém espirra), constitui, como vimos, uma identidade social. Ter consciência desse alinhamento, portanto, é ter consciência da identidade social. Como bem coloca Brandão (1986): “Quando é que o Suruí se descobre ‘um índio’ e quando é que na consciência do mestiço do índio tukuna com o branco cearense surge a ideia de se ser um ‘caboclo’?”. Como ocorre a descoberta de um indivíduo sobre individualidade e de seu pertencimento a um grupo? Trata-se de um processo de comparações e realizações. 53


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Estamos, pois, diante do suposto de que a identidade social, ou de uma de suas variantes, a identidade étnica, não são coisas dadas. Não são algo peculiar a um grupo social porque ele é naturalmente assim. Ao contrário, são construções, são realizações coletivas motivadas, impostas por alguma, ou algumas razões externas ou internas ao grupo, mas sempre e inequivocamente realizadas como um trabalho simbólico dele, em sua cultura e com a sua cultura. Como processo (identificação) e produto (identidade) de um trabalho cultural de grupos sociais, que resulta na adscrição de significados de diferenciação social, étnica, etc., identidades podem ser geradas, preservadas, extintas, transformadas, dependendo não tanto de uma voluntária vontade simbólica do grupo, mas das atribulações pelas quais passa na realização cotidiana de sua própria história. (BRANDÃO, 1986)

Um exemplo interessante através do qual podemos pensar essas construções coletivas motivadas é dado por Laraia (2007) quando ele relata que entre os índios Tupi o homem é o protagonista do parto; é ele que repousa e faz resguardo. Como vimos, é através da comparação com o outro que se constrói o reconhecimento de nossa própria individualidade ou a sensação de pertencimento a um grupo. A consciência do “pertencimento” a uma coletividade específica dá-se, portanto, em dois níveis: a) pela identificação com um conjunto de pessoas culturalmente similares; e b) através do reconhecimento do que é diferente, distinto e antagônico. Já a identidade cultural manifesta-se em elementos como a apropriação da língua e de sua utilização com significados específicos dentro de um grupo, a memorização de ditados populares, a disseminação da cultura popular e na participação em determinados rituais (por exemplo, casar-se ou vestir roupas brancas determinado dia da semana). Podemos constatar a identidade cultural também no uso de certos símbolos e representações exclusivas (como desenhar um coração para representar o amor ou o ato de gostar). De fato, quando um antropólogo social fala em "cultura", ele usa a palavra como um conceito chave para a interpretação da vida social. Porque para nós ''cultura" não é simplesmente um referente que marca uma hierarquia de "civilização" mas a maneira de viver total de um grupo, sociedade, país ou pessoa. Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia, um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. (DA MATTA, 1981, p. 2).

Temos, portanto, que a construção da identidade cultural está necessariamente ligada à concepção que um indivíduo adquire de sua atuação nas atividades/manifestações particulares da coletividade em que está inserido. A cultura, em si, é gerada através da construção desse diálogo do indivíduo com a sociedade e da maneira como um altera o outro.

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Figura 4 – Identidade cultural: pessoas reunidas em torno de um mesmo interesse, compartilhando símbolos e uma linguagem específica. Fonte: Shutterstock, 2015.

3.2.2 O mercado de trabalho Sabemos que o mercado de trabalho contemporâneo é culturalmente diversificado, certo? Especialmente se tivermos em mente a globalização como fenômeno mundial e facilitador de intercâmbios. Precisamos pensar, portanto, em como a construção da identidade social e cultural afeta esse ambiente e as relações que nele se constroem. Vimos que a construção de ambas decorre das relações recíprocas entre indivíduo e a esfera social da qual ele participa, mas também através do contato com o que é diferente, com o que está fora do círculo comum. Como vivemos em uma economia capitalista pautada pela produção e comercialização de bens e serviços, podemos definir o mercado do trabalho como um dos ambiente em que o ser humano convive e atua diariamente.

NÃO DEIXE DE LER... A Invenção do Cotidiano, de Michel de Certeau (2008). Na obra, o autor investiga e discute como as pessoas se apropriam de elementos como símbolos, idiomas, produções artísticas e os transformam, atribuindo-lhes novos significados e usos. De Certeau (1998, p. 41) chama essa dinâmica de “[...] as maneira de fazer, que constituem as mil práticas pelas quais usuários se reapropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção sociocultural.” O texto é bastante relevante para quem busca compreender o homem contemporâneo e seu comportamento perante a sociedade ocidental e sua economia capitalista. Um exemplo bastante pertinente citado no livro é a função não passiva do leitor, que não toma o lugar do autor, mas inventa significados para o texto que fogem à intenção original de seu criador (1998, p. 264-265).

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Nessa convivência diária, o colaborador de uma empresa tem um contato muito próximo com representantes de regiões, grupos étnicos, religiões e culturas diversas. Através da alteridade, ou seja, da relação com outros modos de enxergar o mundo, ele começa a se perceber como parte daquele grupo heterogêneo (o dos colaboradores dessa empresa específica), mas também como representante de outras coletividades, como da cidade em que nasceu (às vezes, do estado ou até mesmo do país), da relações em que participa, dos valores que lhe foram ensinados etc. Um ambiente de trabalho que estimula o respeito entre seus colaboradores e o convívio saudável entre as diferentes maneiras de ser e agir proporcionará a essas pessoas espaço para expressarem sua criatividade e desenvolverem seu potencial profissional. Indivíduos que respeitam diferenças e as valorizam são mais propensos a inovar, a criar algo novo, a “pensar fora da caixa” e a agregar conhecimentos múltiplos para a empresa.

3.3 Identidade cultural brasileira Neste tópico, discutiremos a formação da sociedade brasileira através das influências de diversos grupos étnicos, bem como a complexidade do resultado desse intercâmbio de culturas. Além disso, veremos também como essa dinâmica se reflete na identificação de uma identidade cultural própria de nossa nação.

3.3.1 Os desdobramentos da colonização Muitos pesquisadores e cientistas sociais tentaram desvendar e descrever o “caráter nacional” ou a identidade brasileira; tarefa reconhecidamente difícil, tendo em vista e extensão do território e a diversidade de grupos étnicos que o ocupam. Um desses entusiastas foi o historiador Sérgio Buarque de Holanda, que discute em sua obra Raízes do Brasil a formação da sociedade brasileira a partir da dinâmica da colonização portuguesa e de sua influência no perfil nacional. No segundo capítulo do livro, intitulado Fronteiras da Europa, o autor defende: A tentativa de implantação da cultural europeia em extenso território, dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em consequências. Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas ideias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra. (HOLANDA, 1995, p. 31). O que precisamos compreender é que o Brasil nasceu de um intercâmbio cultural já bastante intenso (entre europeus, indígenas e, mais tarde, africanos), e esse fator influenciou enormemente na composição de nossa identidade como nação, séculos depois. É por isso que Holanda afirma que o encontro entre dois modos de enxergar o mundo (e eventualmente a subjugação do indígena nativo e do negro africano pelo europeu colonizador) é um fato rico em consequências. Pense em todos os desdobramentos que o choque do reconhecimento mútuo, das trocas culturais e do trágico enfrentamento entre realidades tão distintas trouxe para a nossa cultura. Até hoje, precisamos fazer um esforço para compreender as inúmeras diferenças regionais e culturais expressas através da fala, das heranças étnicas, da predileção do futebol como “esporte nacional”, do modo de se vestir, das expressões artísticas, das celebrações e festividades, da religiosidade, das relações com a natureza, com o trabalho e com a família.

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3.3.2 A construção de uma identidade nacional A partir da independência política do Brasil, em 1822, houve uma busca pela identificação de uma identidade única que desse coesão a uma sociedade tão plural quanto o povo que habitava o território. Muitas pessoas questionaram se, de fato, havia uma unidade cultural através da qual pudéssemos nos reconhecer como brasileiros. A língua portuguesa foi considerada como um dos elementos que nos unificava, apesar da existência de numerosos regionalismos. Segundo Holanda, pode-se detectar um exemplo desse nosso modo de ser no campo da linguística através do emprego exagerado dos diminutivos. “A terminação ‘inho’ [...] serve para nos familiarizar mais com as pessoas e os objetos [...] É a maneira de fazê-los mais acessíveis aos sentidos e também de aproximá-los do coração” (HOLANDA, 1995, p. 148). Para Sérgio Buarque de Holanda, essa complacência culmina no conceito de homem cordial, particularidade da sociedade brasileira, cuja propensão ao informal, ao familiar e ao humanizado destaca-se quando comparado a outras culturas, como a japonesa, por exemplo. Holanda aponta a problemática característica dessa situação no âmbito da língua, da religião (como vimos acima) e também do ambiente de trabalho.

Figura 5 – Um dos particularismos linguísticos dos brasileiros, na visão de Sérgio Buarque de Holanda, é o uso do diminutivo ‘inho’. Fonte: Shutterstock, 2015.

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Outros exponentes da brasilidade foram as festividades religiosas e os feriados decorrentes de comemorações cívicas (como o 7 de Setembro, dia da Independência, e o 15 de Novembro, dia da Proclamação da República), além da consolidação de alguns personagens simbólicos, como os Bandeirantes. Estes últimos, idealizados como os desbravadores do interior do Brasil, nas primeiras décadas da colonização, quando a terra era selvagem e perigosa. No que tange às conquistas trabalhistas que figuram como marcos na construção de nossa identidade, podemos citar a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em 1930, a estipulação de um salário-mínimo em 1940 e, em 1943, a sistematização da legislação trabalhista através da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A CLT passaria então a dispor sobre três questões: a Justiça do Trabalho, os sindicatos e os direitos do trabalhador. A miscigenação e o sincretismo religioso são dois dos desdobramentos que mencionamos anteriormente. Por miscigenação, denotamos o cruzamento entre grupos étnicos distintos, exemplificado pelo questionamento levantado pro Brandão (1986) ao indagar quando o mestiço do índio tukuna com o branco cearense entende ser um “caboclo”. Já por sincretismo religioso nos referimos à fusão de crenças e rituais de diferentes origens e sua transformação em algo híbrido, ou seja, uma religiosidade nova cuja característica é justamente a harmonia de elementos díspares, por vezes até contraditórios. Nosso velho catolicismo, tão característico que permite tratar os santos com uma intimidade quase desrespeitosa [...] A popularidade , entre nós, de uma santa Teresa de Lisieux – santa Teresinha – resulta muito do carácter intimista que pode adquirir seu culto, culto amável e quase fraterno [...] Os que assistiram às festas do Senhor Bom Jesus de Pirapora, em São Paulo, conhecem a história do Cristo que desce do altar para sambar com o povo. (HOLANDA, 1995, p. 149).

Algumas figuras públicas, como o escritor Monteiro Lobato e os presidentes Getúlio Vargas e JK, também contribuíram para a construção e o fortalecimento de um nacionalismo brasileiro, promovendo a identificação no contraste com o outro, com o não brasileiro. Entenda, porém, que o nacionalismo tal qual Vargas o defendia, era baseado em uma ideologia conservadora e tradicionalista (especialmente no que tange à ligação do Estado com a Igreja), Além disso, apoiava-se em uma ideia de hierarquia social (ou seja, dividia a sociedade em camadas superiores e inferiores), indo de encontro a quaisquer movimentos que pregassem a igualdade entre os indivíduos. Confira, a seguir, um caso que ilustra o movimento do nacionalismo.

CASO Um exemplo bem claro de movimento que ajudou a criar uma consciência do ser brasileiro, em oposição ao resto do mundo, foi a campanha “O Petróleo é Nosso!”, que mobilizou várias esferas da população em 1946 e ainda repercute nos dias de hoje. A campanha defendia a soberania nacional sobre o petróleo encontrado em nosso território e seus benefícios para a economia. Em 1953, o então presidente Getúlio Vargas assinou a Lei no 2004, criando a Petrobrás e definindo as diretrizes da exploração do recurso natural e do desenvolvimento da indústria petrolífera nacional. Em seu discurso, Getúlio aponta que “[...] constituída com capital, técnica e trabalho exclusivamente brasileiros, a Petrobras resulta de uma firme política nacionalista no terreno econômico [...]” (VARGAS, 1963). Saiba mais em: <http://blog.planalto.gov.br/o-petroleo-no-brasil/>. Movimento análogo a essa campanha foi a discussão sobre os royalties (ou seja, dos direitos de propriedade) do petróleo e gás-natural extraídos da camada pré-sal, situada no litoral brasileiro. A reserva foi descoberta em 2006/2007 e está na pauta de discussão atual sobre a Petrobrás e sua contribuição para a economia brasileira. 58 Laureate- International Universities


Figura 6 – A pluralidade cultural no Brasil é tão profunda e extensa quanto o povo que habita o território. Fonte: Shutterstock, 2015.

Tais iniciativas de ressaltar o nacional, o brasileiro, em oposição ao outro, perpassa também o ambiente de trabalho. Pare para pensar: é regra em nossa sociedade conceber que, durante os dias do Carnaval, não há trabalho, ou então no dia do santo padroeiro de determinada localidade declara-se feriado municipal. O esforço de organizar festas, símbolos e personagens que nos representam como nação está presente em nosso cotidiano, impactando em nosso comportamento dentro e fora de uma empresa. A identidade cultural brasileira, portanto, foi construída a partir de símbolos que nos mostram como uma unidade fragmentada, uma totalidade de etnias, culturas, crenças e modos bastante distintos de viver. A luta pela aceitação e pelo respeito da pluralidade cultural que há em nosso território é a luta pelo reconhecimento de nossa miscigenação, de nossa ampla e diversa identidade cultural.

3.4 Patrimônio cultural, memória social e identidade Neste tópico, veremos as definições de patrimônio cultural e memória social e como estes termos se relacionam na realidade de nosso País. Esta última parte do capítulo terá relação com os conceitos já discutidos de identidade e identidade social.

3.4.1 Patrimônio cultural material e imaterial Podemos definir “patrimônio cultural” como o conjunto de elementos materiais e expressões culturais legítimas de um povo ou nação. Pense aqui que o Cristo Redentor é considerado patrimônio cultural material, ao passo que o Frevo e a Capoeira são considerados patrimônios imateriais, ou intangíveis.

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Quando dizemos que tal espaço, obra de arte ou monumento foi considerado como patrimônio cultural, é relativamente fácil imaginar o porquê, não é verdade? Afinal, tratam-se de criações de indivíduos que merecem ser cultuados por sua contribuição artística e filosófica e também pelo que representam. Mas o que exatamente essas obras representam? Bem, podemos dizer que elas representam as nuances culturais de um povo. Aqui no Brasil, tais representações são formalmente reconhecidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (IPHAN) conforme as seguintes categorias: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. O tombamento desses bens materiais é o instrumento mais efetivo de proteção, tendo sido criado em 1937 e aplicado desde então. A lista completa dos bens tombados (são mais de mil em todo o território nacional) está disponível no site da instituição, mas podemos citar como exemplo a Capela da Ajuda em Salvador e o conjunto arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte.

Figura 7 – Amazônia, festival Bumba Meu Boi, considerado patrimônio cultural imaterial brasileiro. Fonte: Shutterstock, 2015.

Já o patrimônio imaterial trata-se de algo mais abstrato, pois, como expressão artística, é intangível e só se materializa quando as pessoas estão a executando, propagando sua tradição e divulgando sua prática e filosofia. Saiba que o registro desses bens dá-se, também, em quatro categorias: Livro de Registro dos Saberes; das Celebrações; das Formas de Expressão; e dos Lugares. No Livro de Registro dos Saberes, por exemplo, está o Ofício das Baianas de Acarajé, enquanto que no das Formas de Expressão estão o Jongo e a Capoeira. Tal qual o patrimônio material, o imaterial é valorizado e protegido pelo Decreto no 3.551, de agosto de 2000, e pela criação do Departamento do Patrimônio Imaterial (DPI), em 2004. Imagine o seguinte exemplo: Carnaval. Da Matta (1997) defende que esta é uma de nossas características mais marcantes de nosso patrimônio cultural imaterial, uma das marcas individualizadoras de nossa sociedade. Analisando-o como ritual, o autor aponta que: O carnaval está, portanto, junto daquelas instituições perpétuas que nos permitem sentir [...] nossa própria continuidade como grupo. Tal como ocorre com um jogo da seleção brasileira, em que vemos, sentimos, gritamos e falamos com o Brasil no imenso ardil reificador que é o jogo de futebol. (DAMATTA, 1997, p. 30).

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Se pensarmos o carnaval em seu caráter abrangente de representar toda a complexidade da cultural brasileira (e da movimentação econômica que ele promove), perceberemos a relevância desse patrimônio para nossa identidade cultural. Trata-se de uma tradição cheia de particularidades (a composição das marchinhas, as temáticas das escolas de samba, as fantasias, os desfiles, os trio-elétricos etc.) que é, de fato, um bem imaterial profundamente difundido em nossa sociedade com o qual uma grande parcela da população se identifica.

NÃO DEIXE DE LER... Carnavais Malandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro, de Roberto Da Matta. A obra traz uma reflexão acerca da sociedade e de suas complexidades sob a perspectiva da Antropologia, utilizando o ritual do Carnaval e das festividades cívicas para analisar o que o autor chama de “o dilema brasileiro”. Da Matta propõe discutir a totalidade dessas e outras manifestações nacionais não de uma forma linear (uma história com começo, meio e fim), mas como um drama repleto de “indecisões, reflexos e paradoxos” (1997, Introdução).

3.4.2 Memória social e identidade Pense no seguinte parágrafo extraído do site da Unesco: Para muitas pessoas, especialmente as minorias étnicas e os povos indígenas, o patrimônio imaterial é uma fonte de identidade e carrega a sua própria história. A filosofia, os valores e formas de pensar refletidos nas línguas, tradições orais e diversas manifestações culturais constituem o fundamento da vida comunitária. Num mundo de crescentes interações globais, a revitalização de culturas tradicionais e populares assegura a sobrevivência da diversidade de culturas dentro de cada comunidade, contribuindo para o alcance de um mundo plural. (UNESCO).

Como vimos a relação entre memória e identidade através deste trecho retirado do site da Unesco, temos a ligação de patrimônio imaterial com o conceito de memória social. Podemos entender memória social como o armazenamento coletivo de informações pertinentes à cultura e história de um grupo específico, geralmente passada de geração em geração de forma oral (ou seja, não escrita). Trata-se, de certa forma, de um tipo de patrimônio que se busca preservar.

Figura 8 – O homem desempenha papel ativo na preservação e divulgação do patrimônio imaterial de um grupo. Fonte: Shutterstock, 2015.

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No âmbito social, o indivíduo desempenha o papel de propagador, isto é, de passar adiante esse conhecimento: ele é, portanto, um agente ativo na sua preservação e sobrevivência. A memória individual é frágil e subjetiva; a memória social, entretanto, funciona como um repositório de ideias sobre determinada sociedade e seus costumes. Pense em como a cultura organizacional de uma empresa é perpetuada entre seus membros e dá legitimidade ao grupo de colaboradores que fazem parte dela, bem como às funções que desempenham. Cada organização tem um modo muito próprio de operar e valorizar aqueles que contribuem para sua evolução, tanto que quando um novo membro entra ele é logo inserido nesse contexto; contam-lhe sobre a estrutura de cargos, sobre episódios passados, sobre sucessos e derrotas e também sobre lições aprendidas.

NÓS QUEREMOS SABER! O que é cultura organizacional? Bem, a cultura organizacional é o conjunto de práticas, valores e princípio, missão, políticas internas de uma organização. É também a confluência de conhecimentos específicos retidos desde sua fundação e passada aos novos colaboradores. Uma cultural organizacional forte e coerente tem o poder de aumentar a produtividade e estimular nos funcionários um sentimento de satisfação e de participação ativa nas conquistas e nos destino da empresa.

Lembre-se também dos ditados, histórias que seus avós contavam. Das rimas e canções de autoria anônima que você aprendeu na escola, das lendas, dos mitos e das personagens folclóricos que habitaram sua imaginação quando você era criança. Esse conhecimento informal (em oposição ao conhecimento formal adquirido na escola) faz parte também de seu processo de identificação com o passado comum que você teve com os outros integrantes de seu grupo. Podemos concluir, portanto, que a memória compartilhada por indivíduos, seja em um grupo étnico, seja em uma organização, liga-se ao conceito de identidade social discutido no início deste capítulo. A consciência de ter um passado em comum aproxima, juntamente com a comunhão nos modos de agir e pensar, um indivíduo à esfera social da qual ele participa.

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Síntese Síntese

Neste capítulo, você pôde:

• identificar o conceito de identidade e aplicá-lo ao contexto social, bem como compreender sua relevância para o estudo antropológico;

• contextualizar como a disciplina da Antropologia passou a discutir o conceito de identidade em um dado momento histórico;

• definir como identidade está ligada à conscientização do contraste com o outro, ou seja, com o que é diferente, e como isso afeta nosso modo de enxergar o mundo e nosso comportamento;

• compreender que a identidade social define-se pelo reconhecimento e pelas relações que mantemos com a coletividade da qual somos parte;

• compreender

que a realidade cultural é o próprio social, porém visto sob o viés das expressões religiosas, filosóficas, de seus costumes e tradições de determinado grupo;

• que a identidade cultural dá-se através do alinhamento entre características concretas e padrões abstratos de comportamento aprendidos ao longo de uma vida;

• constatar que as diferenças no modo de existir são padrões aprendidos e específicos de

cada grupo, mas que essa dinâmica está muito ligada à consciência que o indivíduo tem de si mesmo e de sua relação com o coletivo;

• perceber

os desdobramentos do choque cultural propiciado pela colonização e sua enorme influência sobre a construção de uma identidade nacional brasileira;

• perceber que a partir da independência política do Brasil, em 1822, houve uma constante busca pela identificação de uma unidade que desse coesão a uma sociedade tão plural quanto o povo que habitava seu território;

• elencar as inúmeras representações simbólicas de nossa identidade cultural, especialmente no âmbito das conquistas trabalhistas;

• definir

patrimônio cultural material e imaterial e sua relevância para a consolidação e perpetuação de nossas representações artísticas, sejam elas regionais ou nacionais;

• compreender a importância da preservação do patrimônio imaterial e sua relação com a memória social; e

• discutir como os conceitos de patrimônio cultural e memória relacionam-se com a questão da identidade social.

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Referências Bibliográficas

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Capítulo 4 As questões étnico-raciais no mercado de trabalho

Introdução O mundo moderno é palco de problemas étnicos, raciais, de gênero e de aceitação do “diferente” em amplo sentido. O reconhecimento das diferenças, sejam elas políticas, sociais, culturais ou de gênero, é um dos focos da Antropologia, que vem contribuindo para uma melhor compreensão das relações humanas. No mercado de trabalho e nas relações de consumo, essas diferenças tornam-se ainda mais gritantes. A ciência antropológica busca estudara heterogeneidade, desenvolvendo um novo olhar sobre a experiência humana no tempo e no espaço. O mundo globalizado possui uma característica muito complexa: os choques culturais nascem, muitas vezes, de incertezas e estranhamentos, da ênfase colocada no indivíduo, em que o “outro” torna-se o nosso inimigo reconhecido. A partir da concepção de individualismo moderno, a impessoalidade transformou-se em indiferença,gerando infinitas contradições. A abordagem antropológica apresenta-nos a noção de que o “outro”, antes de ser uma ameaça, é alguém com quem podemos nos identificar, sem supervalorizar nossa individualidade e enxergar apenas o que é diferente.As relações com o que é diferente podem acontecer pelo reconhecimento e pelo respeito, pela prática da alteridadee valorização do ser humano como um todo. Neste capítulo, compreenderemos as relações étnico-raciais no mercado de trabalho, enfatizando as questões do negro, do índio, da mulher, do portador de necessidades especiais, da religião e de gênero na sociedade brasileira, abordando também as questões de cidadania e inclusão. Em um primeiro momento, vamos abordar os conceitos de raça, diversidade e etnia, enfatizando-os no conceito do mercado de trabalho, abordando também conceitos complementares à discussãocomo desigualdade e relativismo. Em seguida, veremos os conceitos de raça e etnia na perspectiva da Antropologia, evidenciando a evolução desses conceitos, as teorias raciais do século XIX (biologização das diferenças culturais), bem como as abordagens contemporâneas sobre os temas. Finalmente, vamos compreender melhor a inclusão da cidadania em diferentes perspectivas, evidenciando como esse conceito é percebido e praticado no contexto do trabalho e quais os desafios que ainda existem a partir de um olhar crítico. Tenha um bom estudo!

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4.1 Relações étnico-raciais no mercado de trabalho Neste tópico, veremos as relações étnico-raciais dentro do contexto do mercado de trabalho atual, conceituando “raça” e “etnia” e investigando como eles impactam no cotidiano de milhares de pessoas. Veremos também o conceito de globalização em relação a questões como desigualdade e preconceito. Acompanhe!

4.1.1 Relações étnico-raciais no trabalho A Antropologia, assim como outras ciências cujo foco é o homem e a sua relação com o meio e com o “outro”, frequentemente lança novas discussões sobre a existência de desigualdades sociais, com destaque para as desigualdades étnico-raciais no mercado de trabalho no Brasil. O país, que se caracteriza por uma diversidade cultural muito intensa e pela miscigenação, é palco de divergências quanto à disposição de oportunidades igualitárias de trabalho e de relações de choque entre indivíduos de diferentes etnias e raças. As divergências se intensificam conforme o impacto que o fenômeno tem na atualidade. As políticas públicas, que recentemente têm levantado discussões e privilegiado ações que supostamente atenuam as desigualdades raciais (seja pela oferta de cotas em cursos de graduação ou em concursos públicos, por exemplo),são alvos de críticas por uma parcela da sociedade. Para compreender o pensamento social e econômico e medir as desigualdades econômicas e étnico-raciais, é preciso entender o processo histórico-cultural desse ambiente e buscar referências dessas dificuldades presentes hoje, principalmente no que tange ao mercado de trabalho. Ainda há dificuldades em compreender os choques raciais nos dias atuais, pelos elementos complexos oriundos do processo de globalização – a questão racial, por mais que seja uma constante em Antropologia, ainda é vista sobre os moldes neoclássicos. As desigualdades étnico-raciais foram construídas, em especial na América Latina e no Brasil, pelos processos culturais e políticos de colonização europeia, desde o século XVI. No contato com os povos oriundos dos continentes invadidos, os europeus se depararam com culturas e traços humanos diferentes dos seus – seja dos asiáticos, africanos, aborígenes, indígenas, entre outros. Percebia-se o “outro” pela perspectiva da inferioridade e do etnocentrismo. Mesmo que o povo dominado sofresse um processo de aculturação, isto é, fosse adquirindo um pouco do modo de ser de seus colonizadores, o fato de haver uma clara distinção que perpassava não apenas a cultura, mas a questão da raça e da etnia, teve inúmeros desdobramentos que chegam até nós e influenciam o modo como enxergamos o mundo. É certo dizer que esse entendimento vigora entre certos grupos sociais que buscam influenciar processos educativos e as relações de trabalho e de consumo, entre outros aspectos sociais. Veem-se ideias, comportamentos e posturas forjados do século XVI, que a globalização e universalização dos modelos culturais só deixou ainda mais em evidência.

4.1.2 Conceitos de raça e etnia O termo raça é bem complexo e refere-se aos traços biológicos de espécies distintas. A Antropologia atual compreende a unidade de raça, sem, contudo, encerrar as discussões interétnicasnesse conceito. Gomes (2005, p. 49) afirma que raça é “um misto de construções sociais, políticas e culturais nas relações sociais e de poder ao longo do processo histórico. Não significa, de forma alguma, um dado da natureza. É no contexto da cultura que nós aprendemos a enxergar as raças”. 66 Laureate- International Universities


Já o conceito de etnia refere-se ao pertencimento ancestral e étnico/racial dos grupos em nossa sociedade. Trata-se de um conjunto de indivíduos que têm um ancestral comum (real ou imaginário); têm uma língua em comum, uma mesma religião, crenças, valores ou visão de mundo; uma mesma cultura, o mesmo espaço geográfico e outros aspectos que os identifiquem em relação a outros grupos e identifique o indivíduo a um grupo em específico.

4.1.3 Preconceito, discriminação, estereótipo e desigualdades Das relações sociais entre raças e etnias distintas, há muitos fenômenos resultantes e, entre eles, o racismo, a discriminação e o estereótipo. Esses fenômenos estão presentes em ambientes em que diferentes tipos sociais estão em confluência, como, por exemplo, o mercado de trabalho. O racismo é um comportamento ou ação oriundos da aversão, por vezes, do ódio, em relação às pessoas que possuem umaorigem racial diferente, seja a cor de pele, o tipo de cabelo, os traços dos olhos, etc. Envolvido pelos conceitos de raça, etnia e racismo, encontram-se o preconceito racial, a discriminação racial e a segregação, fenômenos que expressam o racismo e correspondem a diferentes graus de violência. O preconceito implica um sentimento ou uma ideia estereotipada de características individuais ou grupais, que correspondem a valores negativos (LIMA, 2008).

Figura 1 – A discriminação é a não aceitação daquilo que se considera “diferente”. Fonte: Shutterstock, 2015.

Já a discriminação não se refere obviamente apenas à raça. Refere-se à rejeição ao diferente e perpassa o gênero, a etnia, as diferenças religiosas, as classes sociais e diversas outras categorias sociais. Pode ser tida como a efetivação do preconceito e intolerância pelo que é diferente. Os estereótipos, ou seja, os clichês, são aquelas imagens cristalizadas ou idealizadas de indivíduos ou grupo de indivíduos, em que há uma “rotulação” pejorativa ou limitada do sujeito, muitas vezes se reduzindo no preconceito.

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CASO No ambiente de trabalho, a discriminação pode ocorrer por parte dos outros funcionários, pelos administradores e até mesmo pelo contato com o público da empresa ou instituição. Foi o caso ocorrido no Distrito Federal em um salão de beleza, que ganhou visibilidade em todo o Brasil. Em 2014, uma australiana que vive no Brasil foi denunciada duplamente por racismo pelo Ministério Público do Distrito Federal. Louise Stephanie Garcia Gaunt se recusou a ser atendida por uma manicure negra em um salão de Brasília. A mulher também é investigada por discriminação a duas funcionárias terceirizadas da Companhia Energética de Brasília (CEB), empresa em que trabalhava. Além disso, Louise justificou as suas atitudes durante interrogatório afirmando simplesmente que teria sido criada em ambiente estrangeiro e não foi acostumada a ter relação com pessoas negras. A australiana responde a processos (apud EXAME, 2015).

4.1.4 Desigualdades e globalização O mundo globalizado faz com que o mercado de trabalho seja mais afunilado e inacessível para as pessoas consideradas diferentes pela sociedade. Prova disso são os constantes conflitos entre indivíduos de distintas etnias e raças, bem como aqueles que se distinguem em gênero, religião e aspectos físicos. As desigualdades sociais e econômicas são uma terrível consequência para os indivíduos que se diferem étnica e racialmente do perfil dominante. Se a globalização, por um lado, trouxe um contato maior entre diferentes grupos sociais, por outro, intensificou os conflitos e reconfigurou a luta por espaços e direitos. Isso se deve também ao fato de a globalização suprimir a comunicação entre esses diferentes elementos – a experiência de conhecer o outro não é valorizada e isso provoca impactos econômicos, políticos, no modo de perceber o tempo, na divisão dos espaços e na estruturação social. Os antropólogos acreditam que, no interior da sociedade contemporânea, há uma diversidade de fenômenos indesejados provenientes da globalização com múltiplos contornos e complexos no que se refere aos conflitos étnico-raciais. O conceito de identidade, como você já conhece, é relevante nessas relações e em uma sociedade composta por vertentes culturais profundamente heterogêneas.

VOCÊ O CONHECE? Claude Lévi-Strauss (1908-2009) foi um antropólogo francês fundador da vertente estruturalista. Os seus primeiros trabalhos foram referentes aos povos indígenas brasileiros ainda na década de 1930. O autor nunca aceitou a visão histórica da civilização ocidental como privilegiada e exclusiva, enfatizando que a mentalidade “selvagem” seria similar à da considerada “civilizada”, ou seja, as características humanas são as mesmas em diferentes contextos culturais. Entre as suas obras mais famosas está Tristes Trópicos (a que lhe deu visibilidade), que fala de suas percepções do período em que esteve no Brasil, e As estruturas elementares do parentesco.

4.2 Raça e etnia As diferenças raciais e étnicas geram desencontros no mercado de trabalho e são alvos de pesquisas por parte das ciências sociais. Vejamos agora os conceitos de raça e etnia na perspectiva da Antropologia, evidenciando a evolução desses conceitos, as teorias raciais do século XIX (biologização das diferenças culturais), bem como as abordagens contemporâneas sobre os temas. 68 Laureate- International Universities


4.2.1 Teorias raciais Pode-se dizer que as raças são, cientificamente, uma construção social e devem serestudadas pela Antropologia e pelas demais ciências sociais com profundidade. Por muito tempo, o conceito esteve ligado a fundamentações teóricas que o explicavam pelo viés biológico, ou das ciências biológicas, não considerando os aspectos sociais. Essa discordância entre as ciências sempre causou estranhamento. O conceito de raça para a Antropologia, por exemplo, considera os traços fisionômicos, os valores, a produção material relacionada a ela, as origens do grupo que a compõe, o sangue, os traços psicológicos, etc.Já para a Biologia, é um conjunto de características físicas e biológicas, oriundas da herança genética, tal como cor da pele, textura dos cabelos, estatura, etc. Essa perspectiva da Biologia ainda é mencionada nos livros didáticos, mas não se aplica mais ao indivíduo humano. Pode-se dizer que os conceitos de raça, cultura e identidade são conceitos paradigmáticos na Antropologia e nas demais ciências sociais – ou seja, as suas diferentes perspectivas têm motivado mudanças metodológicas, gerando novas tendências. A história da disciplina antropológica evidencia isso. A definição de todos os conceitos, e especialmente desses temas paradigmáticos que visam a delimitar grupos humanos, tem sido objeto não apenas de debates e polêmicas acadêmicas, mas também de brigas políticas e ideológicas. Não cabe aqui fazer uma exposição de toda a história de cada um desses termos,mas podemos observá-los, por exemplo, dentro do contexto brasileiro, para assim compreendê-los melhor. Para Hofbauer (2003), o conceito de raça aparece na literatura científica apenas a partir do século XVIII. Isso porque, na época, as diferenças humanas eram entendidas como uma consequência do impacto do clima e da geografia, por exemplo. Dessa forma, essas concepções acreditavam que muitos aspectos físicos eram provenientes das migrações, o que interferia na cor da pele, por exemplo. Um dos teóricos que sustentavam essas observações foi o cientista natural George Leclerc de Buffon (1707-1788). Por muito tempo, essas explicações foram aceitas. Já a partir da segunda metade do século XIX, o conceito de raça torna-se uma categoria biológica. Ainda assim, buscavam-se as causas das diferenças humanasencerradas no corpo humano e seus aspectos físico-biológicos como determinantes de todas as distinções observáveis no contexto social. Essas teorias foram desenvolvidas na Europa e nos EUA e isso explica o fato de essa concepção partir de elementos como a burocratização das relações sociais, consagração dos estados-nações, racionalização da economia, pensamento tradicional, etc. Vale destacar também que essas teorias serviram para “justificar” tendências ideológicas que viriam a surgir nesse período e evoluir na primeira parte do século XX, como o segregacionismo americano e sul-africano e as tendências nazifascistas na Europa (HOFBAUER, 2003). A crítica teórica de Boas dirigia-se não apenas aos teóricos raciais, mas também aos evolucionistas clássicos, que entendiam que todas as sociedades estivessem condenadas a percorrer as mesmas etapas de desenvolvimento e, – a partir desta crença cega no progresso –concebiam a cultura como um processo unilinear. (HOFBAUER, 2003, p. 58.)

Na década de 1930, o antropólogo Franz Boas propôs uma nova abordagem paraa questão da raça, observandoa luta política contra o racismo nos EUA e o nazismo na Europa. Ele separou o conceito de raça de seu sentido biológico, ou seja, afirmou que raça não influencia o desenvolvimento das culturas.Dessa forma, abriu uma nova abordagem para a Antropologia moderna. Após a Segunda Guerra, novas políticas globais surgiram para combater as problemáticas raciais em todo o mundo, com a contribuição das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). 69


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A própria biologia e as teorias genéticas também passaram a restringir o conceito de raça, como é o caso do geneticista Luigi Cavalli-Sforza que, em 1993, afirmou que a raça não possui qualquer realidade observável que não seja a genético-biológica (CAVALLI-SFORZA, 1997). Assim como esse autor, o geneticista francês Albert Jacquard (1925-2013) também acreditava que não é possível definir populações humanas explicando-as exclusivamente pela raça.

4.2.2 Teorias de etnia e identidade Na década de 1960, alguns antropólogos, contudo, observaram que o conceito de cultura não conseguia explicar os desdobramentos das características sociais humanas, ou seja, os limites culturais não coincidiam com os limites grupais. Em um mesmo grupo, poderia haver diversidade cultural, bem como grupos diferentes poderiam ter valores similares – como a mesma língua, por exemplo. Surge, então, a questão das identidades e o conceito de etnia. O antropólogo Fredrik Barth,em sua obra Ethnic groups and boundaries (Grupos étnicos e suas fronteiras), de 1969, afirmouque o que faz os seres humanos definirem distintos grupos étnicos não são as suas diferenças objetivas, mas que eles se constroem por emblemas de diferença – pode ser pela linguagem, pelas vestimentas, uma forma específica de fazer um penteado, etc., e que pode ser ainda justificado pela cor de pele. Alguns traços são evidenciados e outros ignorados, formando uma identidade, que é construída gradativamente. Hoje, a identidade e a etnia são conceitos amplamente estudados dentro da Antropologia. O antropólogo brasileiro Roberto Cardoso de Oliveira, por exemplo, afirmou, na década de 1970, em sua obra Identidade, etnia e estrutura social, que a identidade contrastiva refere-se à “afirmação dos nós diante dos outros”. O conceito de identidade e identidade étnica para Hofbauer (2003) contribuiu muitíssimo para que as Ciências Sociais pudessem compreender a dimensão e as escolhas que o indivíduo ou o grupo dispõem, inclusive para a sua legitimação social. Percebe-se que a concepção de raça é culturalmente construída e, muitas vezes, justifica que grupos que a concebem ainda sob o viés clássico, em que um grupo “diferente” é inferior a outro, e que uma suposta “cultura” deve ser preservada em relação a outra. Esse tipo de “confusão”, para se ter uma ideia, pode ser observado nos grupos neonazistas atuais, por exemplo, e em muitos outros casos. Veja que, no discurso, há termos como cultura, valores, identidade nacional e muitos outros em uma ótica que se faz limitada diante das comprovações científicas. E discursos similares muitas vezes estão presentes no mercado de trabalho, por exemplo, na escolha de trabalhadores “desejáveis” ou “indesejáveis”, por não pertencer aos parâmetros de um grupo.

NÃO DEIXE DE VER... Assista à apresentação O mito da raça(2013) do cientista social Demétrio Magnoli, exibida pelo programa Café Filosófico da TV Cultura. No caso, o cientista questiona o que se entende por raça, termo criado a partir de uma memória fabricada. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=p6NYwiQlqX0>.

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4.3 Gênero, religião e pessoas com necessidades especiais nas relações de trabalho As questões de gênero, religião e portadores de necessidades especiais são categorias que revelam aspectos interessantes sobre as diferenças sociais no mercado do trabalho. Neste tópico, abordaremos conceitos de gênero, religião e necessidades especiais dentro do contexto do mercado de trabalho, explicando a problemática nas relações do “eu” com o “outro”.

4.3.1 Questões de gênero no trabalho Como você pôde compreender, o mercado de trabalho brasileiro está marcado por significativas e persistentes desigualdades de gênero, etnia, raça, questões religiosas, entre outros aspectos.É algo que se considera (ou deveria ser considerado) nos processos de desenvolvimento de políticas públicas em geral e, em particular, das políticas de emprego, inclusão social e redução da pobreza. O gênero é um conceito diferente de sexo para muitos teóricos das ciências humanas e é como a questão é vista atualmente. Não se trata da mesma coisa, apesar de os termos se relacionarem. O gênero é um conjunto de ideias sobre o masculino e o feminino, ao passo que o sexo refere-se às características biológicas de homens e mulheres. Entenda, portanto, que o gênerose refere às construções sociais e culturais que se desenvolvem a partir desses elementos biológicos.

NÃO DEIXE DE LER... Para compreender melhor a questão de gênero e divisão sexual do trabalho, leia a obra de Hirata e Segnini,Organização, Trabalho e Gênero (Senac SP, 2008), que traz onze discussões sobre o tema.

A questão de gênero, assim como a raça, as etnias e outras categorias sociais, está relacionada aos estereótipos e à discriminação daquilo que é diferente do “natural” em determinados grupos. Por exemplo, na sociedade ocidental, percebe-se uma supremacia masculina nas relações de trabalho ao longo do tempo, resultando em funções específicas para homens e mulheres, distinção de oportunidades, salários e condições de trabalho. Essas noções se transformam com o tempo. Claudia Natividade Felipe (2006) pontua, como principal elemento para o estudo dos gêneros, que as desigualdades e os sistemas que geram desigualdades podem ser transformados. A modernidade e a globalização acentuaram as crises de identidade e os problemas sociais que não devem ser vistos como alheios da vida social. Para a autora, gênero refere-se a “[...] um construto analítico que diz respeito à organização social dos sexos”. O gênero também está relacionado às práticas políticas e situações como o mercado de trabalho sexualmente delimitado e a educação diferenciada. A autora afirma que o feminismo, por exemplo, um movimento oriundo da modernidade, questiona as “oposições binárias que são responsáveis pela fixação das identidades” (FELIPE, 2006, p. 57). O movimento contesta a posição social de mulheres e avança nas discussões sobre a formação de identidades sexuais e de gênero. Esse movimento foi incontestavelmente responsável por muitas modificações culturais e trouxe luz às discussões sobre as construções sociais da identidade.

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NÃO DEIXE DE VER... Assista à entrevista da antropóloga e pesquisadora do IEG (Instituto de Estudos de Gênero) da UFSC,Miriam Pillar Grossi, sobre as conquistas feministas no Brasil da década 1970 até a atualidade. A entrevista foi concedida ao programa Educação e Cidadania News (Band News, 2014). Disponível em: <http://educacaoecidadania.com.br/ blog/?p=10073>. No que tange à discriminação, as questões de gênero estão fortemente relacionadas aos fenômenos de exclusão social, que originam e reproduzem a pobreza. Há muitas barreiras para que pessoas e grupos discriminados possam transcender a pobreza e ter acesso a mais oportunidades de trabalho. Se antes as relações de gênero e desigualdade social eram vistas sob a ótica das minorias, vê-se que se referem à maioria da população, se considerarmos os dados oficiais das pesquisas, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 2014. Nesta, as mulheres representam 43% da população economicamente ativa (PEA) no Brasil. No quesito distribuição de renda, a pesquisa revela que 62% da população masculina têm ganhos de no máximo cerca de dois salários mínimos e, entre as mulheres, a taxa bate em 71%. Já os homens sem rendimento de trabalho representam 17% da população economicamente ativa (PEA) e, entre as mulheres, as que não possuem renda resultam em 28%.

Figura 2 – A mulher enfrenta desigualdades no mercado de trabalho. Fonte: Shutterstock, 2015.

Veja como as desigualdades de gênero no mercado de trabalho podem se expressar em números e não se encerram apenas em termos de distribuição de salários, que está longe de ser igualitária: seus rendimentos são sistematicamente inferiores aos dos homens, mesmo com os mesmos níveis de escolaridade. Por hora trabalhada, as mulheres recebem, em média, 79% da remuneração média dos homens (ou seja, 21% a menos) (PEA, 2014).

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Para falar de desigualdades de gênero no Brasil quanto ao mercado de trabalho,podemos situar as questões de gênero na raiz da reprodução das situações de pobreza e exclusão social. Essa discussão é muito pertinente para descontruir teoricamente a característica estrutural da sociedade brasileira, já que isso se encontra nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

NÓS QUEREMOS SABER! Você sabe o que são os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio? Refere-se à Declaração do Milênio, instituída em setembro de 2000 pelas Nações Unidas, com a declaração de compromisso de 189 nações (incluindo o Brasil) para combater a extrema pobreza e outros problemas sociais. Essa promessa acabou se concretizando nos 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) que deveriam ser alcançados até 2015.As questões de gênero e as suas relações com a desigualdade de oportunidades no mercado de trabalho também estão em pauta. Essas pesquisas têm contribuído de forma muito importante para evidenciar as desigualdades de gênero que caracterizam o mercado de trabalho e a sociedade brasileira. Contudo, é importante dizer que há fenômenos e situações que não se explicam meramente por dados estatísticos. Compreender esses indicadores, assim como os aspectos mais complexos das relações de gênero no mercado de trabalho, é uma forma de propor soluções aos obstáculos da inserção mais igualitária de mulheres e superação dessas desigualdades. Esses indicadores revelam também o funcionamento do mercado de trabalho em sua integralidade e a dinâmica de produção e reprodução das desigualdades sociais no Brasil.

4.3.2 Religião A religião é um aspecto social e cultural amplamente estudado pela Antropologia, inclusive em suas manifestações no mercado de trabalho, já que são recorrentes nas práticas produtivas e ambientes organizacionais. É outro aspecto relacionado a conflitos, aquisição e privação de direitos, ideologias e exclusão. A discriminação e alienação dos direitos básicos do indivíduo por conta de suas crenças e práticas religiosas criam conflitos diariamente.

Figura 3 – A discriminação no ambiente de trabalho pode ter origem na diferença religiosa. Fonte: Shutterstock, 2005.

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Na cultura e na religião, existe uma dualidade muito importante: o sagrado e o profano. Obviamente, essa dualidade está evidente no que cada indivíduo considera sagrado e profano – inclusive entre pessoas que trabalham em um mesmo ambiente. O sagrado é objeto de interdição e o profano é onde essas interdições se aplicam. De um grupo para outro, as normas religiosas de comportamento se tornam mais evidentes nos momentos de crise ou de importância relativa, como no casamento, na doença, na fome, no nascimento, na morte, etc.

NÃO DEIXE DE LER... O livro Etnologia-Antropologia (Vozes, 1999), de Tolra e Warnier, é uma importante obra bastante completa para quem deseja iniciar e se aprofundar em diversos conceitos abordados pela Antropologia Social.

Para exaltar esses momentos, há muitos ritos, como os de iniciação, de transição e de intensificação. Na prática cotidiana há ainda elementos como vestimentas específicas, modo de usar o cabelo, dias específicos para se trabalhar e se abster do trabalho, linguagens e vocabulários adequados e tudo o que represente uma série de crenças e valores do indivíduo para com a sua prática religiosa ou o grupo religioso ao qual pertence. A religião é um sistema de representação com muitos e diferentes processos significantes e, para os seus adeptos, os objetos que representam o sagrado. Quando não há a relativização das diferenças no ambiente de trabalho, os elementos religiosos justificam a discriminação e estigmatização por parte de uma parcela dominante.

4.3.3 Necessidades especiais A cultura impacta não só o modo como as pessoas convivem umas com as outras em uma sociedade, mas também no modo de valorização de si mesmas. Toda sociedade possui um tipo ideal de indivíduo que dela faz parte e isso pode implicar a exclusão, em diferentes níveis, daqueles que estão fora desse padrão. A cultura influencia e determina o comportamento das pessoas de sua sociedade. Dessa forma,conforme a cultura,cada sociedadevê e valoriza as pessoas de determinado modo, propondo seus princípios de respeito e de ideologia e a sua relação com aqueles que são diferentes.

Figura 4 – As necessidades especiais ainda são vistas com discriminação no mercado de trabalho. Fonte: Shutterstock, 2015.

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Em uma sociedade complexa, as pessoas que são integrantes de grupos ou classes diferentes das consideradas “normais” são efetivamente estereotipadas, estigmatizadas e segregadas. No que se refere aos portadores de necessidades especiais, por exemplo, aquilo que os diferencia é considerado algo individual – as suas limitações ou adaptações não são entendidas como algo que afeta a sociedade como um todo. Em muitas sociedades, como afirmam Alves (1992) e Goffman (1975), as necessidades especiais eram vistas com discriminação, ocorrendo inclusive extermínio por parte do grupo ou a tolerância, quando a característica especial era vista como exótica. Mesmo no Brasil, entre os povos indígenas no início da colonização, eram comuns as práticas de exclusão ou valorização de indivíduos portadores de necessidades especiais, conforme relatado por Alves (1992). Em outro exemplo no que se refere ao Brasil, Freyre (2006, p. 157) fala que o regime agrário escravista concebia o negro (após a substituição da mão de obra indígena) não como um ser humano, mas como um bem produtivo. Caso este se acidentasse, nascesse com necessidades especiais ou sofresse uma mutilação, era descartado e excluído dos demais – inclusive essa prática era prevista pela Lei do Sexagenário. Isso poderia ser uma das raízes da segregação e discriminação do trabalhador com necessidades especiais na sociedade brasileira no âmbito do trabalho, como vemos na atualidade. Há uma cultura da discriminação nas esferas do trabalho em todos os campos profissionais quanto ao portador de necessidades especiais. A deficiência, assim, tem suas raízes ligadas muito mais ao meio social e ao tratamento que as pessoas dispensam aos portadores de deficiência do que às suas limitações. [...] O entendimento dos problemas e a superação das barreiras dos portadores de deficiência requerem o estudo de situações sociais mais amplas, que vão muito além das suas limitações físicas, sensoriais ou mentais. (PASTORE, 2000, p. 18).

Como a globalização passou a exigir mais dos trabalhadores, gerou competições de todos os tipos, muitas vezes descantando as chamadas minorias e, entre estes, aqueles que possuem limitações no aspecto físico, tornando difícil o acesso às boas oportunidades. As leis específicas que garantem esse acesso nem sempre são cumpridas e possuem um alcance tímido. Pelo viés da Antropologia, a questão do portador de necessidades especiais da sociedade atual é complexa, sendo que esta categoriza as pessoas por cultura de valorização do corpo e atributos físicos, aquilo que é saudável, desejável, produtivo e bonito. Mas, conforme Pastore (2000), a sociedade que não proporciona os ajustamentos dos portadores de necessidades especiais acaba aprisionando-os dentro de seu próprio interim. O ser humano possui necessidades de todos os tipos, uns mais que outros, e no ambiente de trabalho as características produtivas exigidas pelo mercado globalizado são as mais valorizadas. Se há uma função comprometida ou um fator que não seja bem visto como produtivo pelo grupo, ocorrerão discriminação e conflitos nas relações sociais.

4.4 Inclusão e cidadania Os conceitos de inclusão e de cidadania estão em pauta nas discussões sobre as relações de trabalho do mundo moderno e são percebidos pela Antropologia. Neste tópico, vamos compreender a inclusão e cidadania em diferentes perspectivas, evidenciando como esses conceitos são percebidos e praticados no contexto do trabalho e quais os desafios que ainda existem a partir de um olhar crítico.

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Antropologia e cultura

4.4.1 Conceitos de cidadania O conceito de cidadania é bastante antigo. Provém da Grécia e Roma da Idade Antiga e Europa da Idade Média. Mas há uma nova percepção do que é cidadania após o período moderno e a estruturação do estado-nação (MACHADO, 2011). Trata-se de um estatuto de pertencimento de um indivíduo a uma comunidade politicamente articulada, tendo esses direitos e obrigações, sob a forma de leis. A cidadania pode ser vista na modernidade sob duas categorias: formal (refere-se ao direito indicativo de nacionalidade – como um “cidadão brasileiro”) e substantiva (definida pela sociologia e pela ciência política como posso de direitos sociais). Marshall é quem aponta o caráter substantivo da cidadania em Cidadania e classe social (de 1950),em querelata o que são os direitos civis, políticos e sociais de uma população ou nação. Essa configuração intensifica-se após aSegundaGuerra Mundial, quando os direitos sociais ficaram em evidência, pelos ideais coletivistas e igualitários. A partir desse período, intensificaram-se também os movimentos sociais e a efetiva participação da população pelos direitos políticos, sociais e civis para o bem-estar econômico, valorização das minorias, lazer, educação e político. Nota-se que cidadania é algo que está sempre em construção e o seu reconhecimento ocorre nas relações com o outro. Mesmo que se refira à humanidade, aos direitos igualitários, às individuais e coletivas, muitas vezes ocorrem confrontos às dominações, seja do próprio Estado ou de outras instituições. A cidadania é a pauta das lutas daqueles que são desprovidos das condições igualitárias. No Brasil, ainda há muito que fazer em relação à questão da cidadania, mesmo com as modificações realizadas nas Constituições e leis com o fim do regime militar (1964-1985) – inclusive no âmbito do mercado de trabalho. Mesmo coma conquista dos direitos políticos, sociais e civis,há milhares de pessoas privadas de seus direitos enquanto cidadãos – o que se reflete muitas vezes em miséria, altos índices de desempregoe tratamento diferenciado quanto a gênero, faixa etária, raça, etnia, etc., aumento de analfabetos e semianalfabetos, grandes níveis de violência, etc.

4.4.2 Conceitos de inclusão O que define quem deve ou não ter participação em um grupo social? Há uma relação entre o estigma e a inclusão – conceitos que em geral estão relacionados quando observados por uma abordagem antropológica.

NÓS QUEREMOS SABER! Você sabe o que é estigma? Para a Antropologia, o estigma social é a desaprovação de aspectos ou crenças pessoais, que vão contra normas culturais estabelecidas, o que pode levar à marginalização. É o que acontece muitas vezes entre pessoas com necessidades especiais, portadores de doenças ou vírus como o HIV, etnicidade específica, etc. Um teórico que observou a questão do estigma foi o antropólogo e cientista social ErvingGoffman (1922-1982).

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Se observamos a humanidade, veremos diversos movimentos sociais organizados que promovem a conquista e perpetuação dos direitos. Esses grupos reconhecem que há a privação de direitos, aceita implícita ou explicitamente por parte da população, mesmo que haja leis que garantam esses direitos. Com a globalização, essas diferenças se acentuaram;contudo,jamais houve tanta perspectiva de inclusão anteriormente na história. Mas é importante dizer que a inclusão sempre foi um fenômeno em todas as sociedades e agrupamentos sociais. Tornou-se hoje, conforme Machado (2011), um imperativo moral. O fenômeno da inclusão é uma resposta à exclusão, a falta de direito ou acesso às necessidades mais básicas, situações de injustiça, discriminação, à criação de estereótipos, à não aceitação do que é diferente. É na segunda metade do século XX que se intensificou bastante a luta pela igualdade de direitos, empreendida porvários setores da sociedade, com a organização de movimentos sociais reivindicatórios (MACHADO, 2011). Outro aspecto importante é a dissociação da “pregação” da inclusão e de sua prática, muito em voga nos últimos anos. No mundo do trabalho, mais especificamente no Brasil, percebemos que, nas últimas duas décadas, se tornaram frequentes as políticas corporativas de inclusão, beneficiadas inclusive por programas públicos de inserção de minorias no mercado de trabalho – como as vagas reservadas a portadores de deficiências e aex-presidiários, por exemplo. Contudo, essas mudanças ainda passam por um processo de assimilação da população maior: para que as pessoas de algum modo excluídas ou sem acesso real aos seus direitos de trabalhar e se prover pudessem se inserir no mercado de trabalho, foram necessárias políticas públicas e intervenções, mas a aceitação do “diferente” requer processos mais complexos dentro do grupo. Além disso, sugerir a inclusão pode significar e reforçar que algo (alguém) esteja excluído. Omote (2004, p. 287) afirma que as coletividades humanas podem se tornar bastante inclusivas, mas o modo como essas diferentes condições são acolhidas está relacionado às “condições de existência e funcionamento de cada coletividade”. Então, como dito antes, para se tornar inclusiva, uma sociedade acaba criando ainda mais estigmas em suas relações sociais. A diversidade justifica o motivo pelo qual uma sociedade precisa ser inclusiva: há diversidades, heterogenia estrutural. Isso implica uma igualdade de direitos e mobilidade social, que perpassa por novos estigmas.

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Síntese Síntese

Neste capítulo, você pôde:

• compreender

que a Antropologia sempre esteve relacionada às questões de raça, identidade, étnica e desdobramentos como racismo e discriminação. Contudo, apenas no início do século XX pôde-se observar a questão de raça por um viés não biológico;

• constatarque as diferenças grupais não podem ser explicadas pelos aspectos genéticos, mas pela cultura, e não somente por ela;

• viu que a cultura não se explica apenas por si só, mas pelas escolhas individuais e grupais

que implicam que haja diferenças entre indivíduos de um mesmo grupo e similaridades entre indivíduos de grupos distintos;

• concluirque o racismo é um discurso relacionado pela não aceitação de características físicas de quem é diferente, mas que, muitas vezes, engloba aspectos culturais e étnicos;

• entender

queas questões de gênero, religião e até mesmo referentes às necessidades especiais encabeçam problemas sociais ainda muito presentes no mercado de trabalho;

• eperceber que a inclusão e a cidadania dependem muito do modo como é percebida a

coletividade, mesmo que haja intervenção ideológica ou política para que sejam aceitas na sociedade.

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Referências Bibliográficas

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Minicurrículo das autoras Daisy Libório é professora e conteudista em disciplinas do Ensino Superior. Cursou Letras (UNIAS-

SELVI) e Ciências Sociais (FURB). É especialista em Educação a Distância – Gestão e Tutoria (UNIASSELVI), Língua Portuguesa e Literatura (UNIASSELVI) e Neuropsicopedagogia (UNIASSELVI). Possui MBA em Propaganda, Marketing e Comunicação Integrada (UGF) e MBA em Comunicação e Semiótica (UGF). Há 14 anos atua como professora, designer instrucional e revisora de textos. Possui certificação em Personal Coaching Certification (SLAC/IAC) e atua em treinamentos e programas especializados em desenvolvimento humano, comunicação e liderança. Link para o Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/8383447811482209>. Ana Paula Henrique Salvan. Possui graduação em História pela Universidade Federal de San-

ta Catarina (2009), curso de proficiência na língua inglesa pela Avalon School of London e mestrado em Antropologia Cultural pela Goldsmiths University of London (2012). Experiência na área de pesquisa, produção de textos técnicos e acadêmicos. Trabalha como redatora para FabriCO Educare, atuando também como conteudista. Currículo lattes: <http://lattes.cnpq. br/7509130112275111>.

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