A rte e educação
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F866a
Freitas Neto, Albérico Salgueiro de Arte e educação./ Albérico Salgueiro de Freitas Neto, José Carlos Rêgo. – Salvador: UNIFACS, 2014. 205 p.; 18,3 x 23,5cm. ISBN 978-85-8344-047-5 1. Arte – Estudo e ensino. 2. Arte e educação. I. Rego, José Carlos. II.Título. CDD: 307.5
S eja bem-vindo(a) à disciplina “Arteeducação”. O principal objetivo desta disciplina é analisar os fundamentos da arte-educação e suas relações com os saberes culturalmente construídos. Serão estudados alguns pontos da arte como base para consolidação de uma pedagogia centrada em um fazer lúdico e criativo. As unidades estão distribuídas de modo a sugerir atividades das linguagens artísticas em sala de aula, conteúdos estes que serão abordados de maneira a gerar críticas sobre esse fazer, ou seja, os aspectos sociais e culturais são motivadores para uma contextualização pedagógica do fazer artístico. A disciplina está distribuída em oito unidades, que expõem: conteúdos das diversas artes (artes visuais, música, dança, teatro) e suas relações com a educação; aspectos de construção de saberes, representação e significação; planejamento de um projeto pedagógico, utilizando-se da arte como subsídio de ação no que diz respeito ao desenvolvimento sensível-cognitivo da criança, especificamente aquele possibilitado pelas linguagens artísticas e pelas diversas formas de leituras; a construção da arte a partir de diferentes canais de informação. Bons estudos! Boas reflexões! Prof. Albérico Salgueiro de Freitas Neto
S umário ( 1)O
pensamento artístico e sua relação com os saberes culturalmente construídos, 13 1.1 O que é arte-educação?, 16 1.2 Psicomotricidade, 22 1.3 Conhecer e fazer arte, 26 ( 2 ) Aprendizagens
visuais, 37
significativas: artes
2.1 Os sentidos de olhar e ver, 45 2.2 Observando diferenças, 48 2.3 Leitura de obra visual, 54
( 3 ) Exercícios
e reflexão de estética – ar-
tes visuais, 61
3.1 Indicadores para apreciação de uma obra de arte, 66 3.2 Obra visual e intertextualidade, 68 3.3 Máscaras e outras caras..., 72 ( 4 ) Educação
musical – fazer música, 89
( 5 ) Elementos
da dança, 111
de dança e breve história
5.1 Breve história da dança, 114 5.2 Equilíbrio estático, 123 5.3 Movimento oscilatório, 124 5.4 Ponto de apoio ou equilíbrio/desequilíbrio, 125 5.5 Deslocamento: direção, sentido e lateralidade, 126 5.6 Espaço baixo, médio e alto, 127 5.7 Descanso, 127 5.8 Articulação do corpo, 128 5.9 Flexibilidade, 130 5.10 Forma do movimento – coreografia, 132 5.11 Dança com material (fitas, maculelê-pau, sombrinha-frevo, arco, bola), 132 ( 6 ) Exercícios
e reflexão de estética – teatro e educação, 137 6.1 O ator: ser eu e ser outros, 140 6.2 O texto, 142 6.3 O público, 145
6.4 Os gregos e o teatro: do princípio aos fins, 147 6.5 Gêneros teatrais, 150 6.5.1 Tragédia, 150 6.5.2 Comédia, 152
( 7 ) Propostas
pedagógicas de um arte-educador, 163
( 8 ) Arte-educação:
socioculturais, 187
influências e aspectos
(1)
O pensamento artístico e sua relação com os saberes culturalmente construídos
Albérico Salgueiro de Freitas Neto
Olá! Estamos iniciando a nossa disciplina “Arteeducação”. Nesta primeira unidade, você estudará a relação existente entre a arte e a educação, suas linguagens, perspectivas e métodos. Lembre-se de que é importante uma leitura cuidadosa, com o objetivo de estabelecer relações entre os saberes artísticos e seus aspectos histórico-sociais. Serão estudadas a arte como construção de diferentes linguagens e a educação dos sentidos no âmbito corporal, mental, cognitivo – psicomotricidade. Portanto, atente-se a esta disciplina com carinho, dando importância aos conteúdos na prática pedagógica. Bons estudos!
1.1 O que é arte-educação? Começar assim já fica difícil! Mas é inevitável a pergunta. A resposta não é nada fácil, pois para compreender o que é arte-educação é preciso anteriormente compreender o que é “arte” e o que é “educação”. Assim, temos a missão de conceituar essas duas categorias, objetos de conhecimentos muitas vezes múltiplos de significados. Peço a você, leitor, pois, que faça uma reflexão sobre o que conhece de arte-educação, que traga para a leitura desta unidade esses conhecimentos, dialogue comigo nesta leitura. Diz-se que, em um texto escrito, o leitor está inscrito; “o ouvinte decodifica símbolos do sistema fonológico; o leitor, símbolos do sistema ortográfico” (SILVA, 1981, p. 5). Isso realiza o fenômeno do nosso processo de comunicação. O que nós estamos fazendo aqui é uma arte mais do que viva. Eu (professor, produtor do texto) e você (leitor inscrito, escrevendo, lendo e relendo...) somos ouvintes e leitores a partir de um novo paradigma mediado pelas Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC). Por que falo disso para me referir à arte-educação? Porque o mundo se move, as ideias e as perspectivas da arte-educação tamArte e educação
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bém. Então, estamos construindo um conhecimento por meio de leituras. Leituras cuidadosas, por favor! Seguindo em nosso difícil caminho, que é o de conceituar – na compreensão de que o conceito, um conceito ou conceitos nos movem a caminhos múltiplos e no desejo de que esses caminhos sejam reflexões de nossas ações e também construções de conhecimentos fundamentados num fazer artístico-pedagógico com intenções e objetivos claros –
esclarecemos que a nossa proposta de arte-educação é construir saberes que sejam críticos a partir de um fazer lúdico, inteligível, criativo, que utilize elementos do conhecimento cotidiano de cada um dos estudantes, principalmente por estarem, muitos deles, em realidades sociais diversas, com problemas que dificultam a efetivação de uma educação global, ampla, promotora de um desenvolvimento cognitivo que permita um aprendizado prazeroso e frutífero. Voltemos no tempo... comecemos observando a figura a seguir.
Fonte:<http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Niaux,_bisons.JPG>. Acesso em: jul. 2014.
Vamos tentar analisar, juntos, essa figura? Perceber o quanto ela é resultado de observação, representação da observação e significação? Pessoas de outro tempo pintasuas vidas, imagens que faziam parte de suas realidades culturais e sociais. No começo dessa volta no tempo, podemos perceber que na pintura rupestre, ou seja, a que foi deixada por nossos antepassados mais remotos, elementos da vida cotidiana são retratados simbolicamente.
17 O pensamento artístico e sua relação com os saberes culturalmente construídos
ram imagens do cotidiano, representações de momentos de
Saiba mais Indico, como primeira parada no caminho que agora percorremos, o site “Arte-Educação” <http://www.arteducacao.pro.br>. Nele você encontrará informações sobre arte-educação, projetos, banco de informações com artigos (sobre música, artes visuais, artes plásticas, teatro, dança), fontes de pesquisa. Também poderá desenhar on-line utilizando elementos do Paint, deixando disponível para que outros possam acessar e visitar a Galeria. Boa pesquisa!
Nessa viagem por um passado em que o fazer humano (como construção de conhecimento) – em seus mundos tribais, aglomerados humanos desejosos de sobreviver – construía comunicação, linguagens, instrumentos de trabalho, ferramentas (o bastão, o machado, a roda, a alavanca), domínio do fogo. E as sociedades se desenvolveram. Assim, a arte-educação se fez presente em todas as circunstâncias do desenvolvimento de uma sociedade, ligada aos aspectos mais fortes de suas relações como ser social, representando saberes de um povo, que nos é objeto cotidiano se pensarmos na forma mais global da arte. Representações, formas de dizer, de realizações do homem no mundo: a fala, a escrita, o número, o tempo e o espaço, o movimento. Estamos rodeados de objetos artísticos o tempo todo. Arte e educação
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Informações nos são bombardeadas pelas mídias: televisão, rádios, jornais, revistas e, agora (mais do que nunca), internet – que nos oferece uma multiplicidade de acessos a múltiplos mundos/caminhos de conhecimento.
Para refletir Pensemos juntos: Fica fácil compreendermos que o nosso cotidiano vem de um fazer arte-educativo. Ou você acredita que os nossos antepassados fizeram tudo aquilo sem existir um processo de educação dentro de seus mundos tribais? Vamos refletir fazendo um texto sobre como devia ser a educação de nossos bisa e tetravós.
Eu, você e todos os outros seres vivos possuímos em nossos corpos órgãos sensoriais que são usados para perceber o mundo exterior. Na espécie humana, é através dos sentidos (audição, olfato, gustação, tato, visão) e da sinestesia (todos os sentidos simultaneamente) que conseguimos compreender o mundo e estabelecer relações com outros seres. Somos produto do conhecimento que nos foi deixado pelos nossos antepassados. No planeta em que vivemos nos comunicamos e produzimos conhecimentos sobre nós e sobre o mundo. Segundo McGarry (1999), a nossa condição de ser humano nos faz limitados por aparelhos sensoriais e é por meio deles que nos relacionamos com as informações que nos circundam.
Como analisa McGarry (1999, p. 11), que nos auxilia na compreensão de que os nossos sentidos, são importantes no acesso à informação: “A informação deve ser ordenada, estru-
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Os nossos sentidos são responsáveis pela construção de nossos saberes, já que eles estabelecem as relações de comunicação entre cada um de nós e o mundo que nos circunda. Um perfume que evoca uma imagem; um som que evoca um gosto; uma visão que evoca um aroma. Por meio desses sentidos é que adquirimos linguagens, ideias e conhecimentos.
turada ou contida de alguma forma, senão permanecerá amorfa e inutilizável. A razão disso recai em nossa qualidade de seres humanos, isto é, nas limitações do nosso aparelho sensorial”. Observe os tópicos a seguir e reflita sobre como as informações são percebidas por meio de nossos sentidos: • corpo (tato); • sabor por meio da língua (gustação); • cheiro por meio do orifício nasal (olfação); • sons por meio do aparelho auricular (audição); e • luz, imagem e movimento por meio dos olhos (visão). Para Ferreira (1984, p. 1.066), perceber é “construir conhecimento por meio dos sentidos”. Portanto, a percepção, como educação dos sentidos, é o objetivo do arte-educador, que tem como proposta auxiliar o estudante a desenvolver seus sentidos. Inicialmente, os sentidos são responsáveis pela nossa percepção do mundo, mas a construção do conhecimento como educação dos sentidos cria relações entre essa percepção e os saberes socialmente estabelecidos. Então, perceber não é conhecer, mas é processo que ajuda a construir o conhecer. A percepção de mundo não ocorre a partir de cada um desses sentidos isoladamente, mas sim da Arte e educação
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interação dos sentidos no desenvolvimento da inteligência (GARDNER, 1994).
Fonte: UNIFACS.
Essa charge muito criativa foi adaptada do site de cartoons <http://www.offthemark.com> nos faz refletir sobre os nossos sentidos. O morcego não se guia pela audição? Então, nesse caso, como fica...? O contexto da construção de linguagens, formas de representações, sejam elas habilidades verbais e de construção de escrita, produção de materiais visuais, musicais, poéticos e até dramáticos, foram formas de produção humanas desde o domínio do fogo, a organização dos grupos sociais e assim como também formas de educação, métodos e escolas de conhecimento. As formas de saber de cada grupo étnico são próprias, específicas e individuais, apesar de todas terem processos e métodos em comum, a percepção – eduA arte-educação é, antes de tudo, uma educação dos sentidos, porque utiliza os sentidos para a vivência de conteúdos de arte ou produção de conhecimento. O som, o ritmo, a consciência corporal (da emissão da voz, da respiração), dos movimentos do corpo, dicção dos fonemas, articulação, afinação, expressão e intenção são basicamente os principais conteúdos na organização pedagógica dos sentidos.
21 O pensamento artístico e sua relação com os saberes culturalmente construídos
cação dos sentidos.
Para refletir Sabemos como funcionam os nossos sentidos, mas também sabemos que muitas pessoas possuem deficiências nesses sentidos. Escreva um texto sobre os sentidos e a sua importância para o processo de comunicação humana e de que forma eles interferem nas relações entre as pessoas. Durante todo o processo educacional em que são postas em prática atividades com elementos de arte-educação fica a confirmação de que a arte desenvolve habilidades e valores humanos nos aspectos psicomotores, afetivos, estéticos e, principalmente, pela postura do professor: ético. É proposta uma pedagogia fundamentada na vivência do aluno dos elementos e sentidos, então, assim compreendemos que a arte-educação é também uma educação dos sentidos. O melhor aspecto para compreender cognitivamente como se processa essa educação é estudando a construção da imagem mental corporal, organização do esquema motor e desenvolvimento das habilidades psicomotoras.
1.2 Psicomotricidade Arte e educação
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Psicomotricidade é a relação entre as funções psíquicas e o controle neuromotor dos músculos. Essa relação consiste na indissociação do cérebro (estrutura psíquica nos seus diversos aspectos: mental, racional, afetivo etc.) e os movimentos do corpo ao realizar quaisquer atividades motoras; psicomotricidade é o conhecimento do próprio corpo dentro
da sua representação mental na complexidade da sua estruturação (AGUIRRE DE MENA; MENA GONZÁLEZ, 1992). No convívio com crianças em sala de aula, constatamos que muitas têm grandes dificuldades em compreender o próprio corpo como elemento de produção artística, principalmente ao falar (como os lábios e a língua se movimentam nos fonemas, e os campos de significação dos diálogos). Cada aluno possui uma compreensão do seu próprio corpo a partir da sua experiência vivencial anterior, se eles foram estimulados a tempo, se desenvolveram habilidades sensoriais, táteis, olfativas, e se questões emocionais ou sociais interferiram nos seus estímulos a essa compreensão. O professor precisa estar sensível para compreender a individualidade dos processos de educação dos sentidos de cada estudante. A partir dessas questões, ao serem avaliadas de forma cuidadosa, conseguimos perceber a importância da utilização da arte no desenvolvimento de habilidades psicomotoras. A qualidade da habilidade sensorial serve de estímulo na compreensão geral do esquema corporal. Essa compreensão só acontece quando se vivencia esse esquema, caminhando entre os objetos ou pessoas, tocando nos objetos para conhecer as suas formas, ouvindo os sons do ambiente para reconhecer a sua relação com eles. Portanto, a arte, ao desenvolver sistemas de abstração mental de análise, síntese, simbolização e expressão, desenvolpostura, estruturas do labirinto que promovem organizações no equilíbrio, assim como essa vivência artística estimula uma melhora global nos aspectos cognitivos de espaço-tempo. “Em toda a história da civilização ocidental, sempre houve a separação entre o trabalho que exige maior participação corporal, o manual e o trabalho intelectual” (GONÇALVES, 1994, p. 21).
23 O pensamento artístico e sua relação com os saberes culturalmente construídos
ve concomitantemente habilidades de domínio do controle da
Esses três aspectos (corporal, manual e intelectual) devem ser trabalhados com igual cuidado durante todo o processo do trabalho pedagógico.
Tanto o canto e a expressão corporal como o esquema respiratório estão ligados às emoções. Por isso, a arte é muito importante no desenvolvimento do domínio desse esquema, assim como ajuda na combinação entre o corporal (sentidos), manual (cognitivo) e intelectual (reflexão, produção de sentidos). Pensemos um pouco sobre a produção de sentidos na relação histórica entre o corpo e a mente... Os estudantes, em nossos contextos escolares, na sua maioria, chegam para a aula com os seus corpos bastante tensos, tensão esta, fruto de uma postura errada ao sentar, do posicionamento dos ombros, cabeça e coluna ao caminhar, assim como tensões corporais, fruto de violência social e situações familiares. A arte ajuda-os a eliminar essas tensões e a reconhecer o esquema corporal estimulando-os por meio do canto e do movimento. “O canto libera de tensões escolares e ajuda a descarregar estados emotivos tensos. Contribui para a socialização e integração no grupo” (AGUIRRE DE MENA; MENA GONZÁLEZ, 1992, p. 31, tradução nossa).1 Na organização dos corpos para a produção artística, a análise dos educadores João Felippe e Vera Felippe (1997, Arte e educação
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p. 13), a partir de estudos e elementos de orientação e mobilidade de pessoas deficientes visuais, contribui para a nossa compreensão sobre a construção dessa habilidade cognitiva, ao admitirem que “orientação é a habilidade do indivíduo para perceber o ambiente que o cerca, estabelecendo as
1. No original: “El canto libera de tensiones escolares y ayuda a descargar estados emotivos tensos. Contribuye a la socialización e integración en el grupo”.
relações corporais, espaciais e temporais com esse ambiente, através dos sentidos remanescentes”. Ou, no caso de pessoas sem deficiências sensoriais, é por meio da relação entre todos os sentidos, concluímos. Essa orientação melhor se organiza se a pessoa conhece o seu corpo, entende e possui uma compreensão do seu esquema corporal. Para poder se orientar, ele precisa ter noção de direção, de lateralidade. O aluno precisa saber onde está e para onde quer ir. A qualidade da orientação estará na capacidade do indivíduo em abstrair os conceitos de tempo e de espaço. Segundo os mesmos autores, “mobilidade é a capacidade ou estado inato do indivíduo de se mover reagindo a estímulos internos ou externos, em equilíbrio estático ou dinâmico” (FELIPPE, 1997, p. 13). Primeiro ele se localiza no espaço, depois, reagindo a estímulos internos ou externos, move-se ao lugar que deseja ir. Para executar a sua mobilidade, o indivíduo precisa ter controle dos músculos do corpo que realizarão os movimentos de deslocamento. É preciso ter noção de espaço e de construção de suas atividades artísticas, ou seja, uma compreensão do seu esquema corporal. Deste modo, o “esquema corporal consiste na representação mental do próprio corpo, como conjuntos de elementos que formam um todo único, de suas possibilidades de movimento e de suas limitações espaciais” (AGUIRRE DE MENA; MENA GONZÁLEZ, 1992, p. 31, tradução nossa).2 – construção do esquema corporal – e a psicomotricidade são habilidades construídas a partir de uma educação dos sentidos, que é um estímulo a um conhecer e fazer arte.
2. No original: “Esquema corporal consiste en la representación mental del propio cuerpo, como conjuntos de elementos que forman un todo único, de sus posibilidades de movimiento y de sus limitaciones espaciales”.
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Depreende-se, pois, que a linguagem e a corporeidade
1.3 Conhecer e fazer arte
Fonte: UNIFACS.
É divertido constatar que ao mesmo tempo que se dá sentido a um outro, o outro também faz significância sobre nós. Não é um diálogo constante que fazemos também com os nossos alunos em sala de aula? Dialogue com seus colegas sobre essa charge.
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Como sugestão de pesquisa sobre a arte em seus aspectos mais amplos relacionados aos diversos saberes da humanidade, o site da TV Cultura sobre a matemática como arte nos ajudará a ampliarmos a perspectiva sobre o uso da arte em sala de aula, <http://www2.tvcultura.com.br/artematematica/home.html>. A educação dos sentidos é um constante diálogo entre o pessoal e o social, e nesse processo de educação também é encontrada a construção da imagem corporal, que se modifica a partir da cultura artística de cada um, pois a consciência
de corpo está muito centrada nas questões sociais e culturais. Segundo Gonçalves (1994, p. 13), “a forma de o homem lidar com sua corporalidade, os regulamentos e o controle do comportamento corporal não são universais e constantes, mas, sim, uma construção social resultante de um processo histórico”. Cada corpo é único, e nessa natureza ímpar do corpo encontra-se a sua educação por meio dos sentidos; isso, em última análise, é a arte-educação. Indicamos como fonte de pesquisa em arte-educação, ludicidade e brincadeiras educativas o site extraído da Escola Básica Municipal Batista Pereira em Florianópolis, <http:// www.pmf.sc.gov.br/ebm_batistapereira/LINKS%20 DIVERTIDOS.htm>.
A arte-educação, com os seus aspectos amplos de acesso a conhecimentos e vivências de elementos de diversas linguagens, opera num âmbito global, exotérico, em que a arte é também um elemento de construção de um ser humano integral. Por exemplo, você sabe o que significa identidade cultural, estética, autoestima, superação de barreiras, potencial criador e produção cultural? São, basicamente, os elementos que constroem mudanças no âmbito biopsicossocial, motor e cultural. Observe o esquema a seguir:
O pensamento artístico e sua relação com os saberes culturalmente construídos
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Produção cultural
Arte Identidade cultural
Potencial criador Ser humano integral
Estética
Autoestima Sensibilidade
Ser
Fazer
Agir
Percepção de mundo
Superação de barreiras
Operando mudanças biopsicossociais, motoras e culturais
Fonte: UNIFACS.
Uma análise do esquema permite depreender que a construção integral do indivíduo tem como fundamento os seguintes elementos: • Identidade cultural: relação de pertencimento social, bairro onde mora, realidades de vida diversas a depender do mundo de cada indivíduo em particular,
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idiossincrasia própria de um sujeito social. • Estética: estabelecimento de valores dos elementos da própria arte, não valores de bom e ruim, ou bem e mal, mas valores de construção de linguagens, realização de arte identificada com o ambiente sociocultural, assim como também a educação dos sentidos para a leitura de mundo por meio de produção artística.
• Autoestima: importância que cada indivíduo dá a si mesmo, a partir da compreensão de suas individualidades, idiossincrasias, potencialidades e dificuldades próprias. • Sensibilidade: relaciona-se com os elementos da educação dos sentidos e da estética, estabelecendo pontes significativas para leituras e senso crítico. • Superação de barreiras: está relacionada às formas de expressão e linguagens; transformando-se por meio da arte; transforma o ambiente onde vive e também o cotidiano. • Potencial criador: a arte, com suas diversas formas de produção, ajuda os sujeitos no ato criativo, desenvolve a criatividade, principalmente no que se refere às formas de expressão individuais. • Produção cultural: que nada mais é do que um todo integrado entre o individual e o coletivo, um dizer e um ler; do ser pessoal nascem o fazer e o agir, operando-se mudanças no âmbito biopsicossocial, motor e cultural. Observe o quanto a nossa produção cultural está inserida em um contexto entre o ser individual e o ser social. E é a partir da relação entre o indivíduo e a socieestudos sobre arte-educação.
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dade que muitos pesquisadores vêm desenvolvendo seus
Outra fonte de pesquisa que indico como referências é o site “Centro de Referência em Educação Mário Covas” <http://www.crmariocovas.sp.gov.br>. Nesse site são encontrados artigos de importantes profissionais contemporâneos que, neste momento, estão fazendo o mesmo que nós, isto é, pensando os rumos da arte-educação, a exemplo de Lino de Macedo (1994a, 1994b), que nos traz contribuições sobre como construir uma escola para todos, e educação inclusiva. Laura Moreira Barboza (1994) e Elvira Cristina de Azevedo Souza Lima (1992) também nos auxiliam a pensar sobre o desenvolvimento e a aprendizagem. Outra boa contribuição desse site é a quantidade de links com outros da mesma natureza. Ainda, o livro de Ana Mae Barbosa – John Dewey e o Ensino da Arte no Brasil, publicado pela Cortez – é uma ótima indicação de leitura. Comentários sobre esse livro, você pode encontrar no site do Instituto Arte na Escola, <http://artenaescola.org.br>. Para todos esses autores, a presença das artes e da ludicidade é fundamental para o desenvolvimento das crianças em todas as áreas.
A pesquisa em arte-educação é necessária para um fortalecimento crítico sobre o momento em que vivemos, principalmente pensando na perspectiva dessa área na atualidade. No âmbito da sala de aula, a arte-educação é engendrada com dificuldades e desafios que são enfrentados diariamente. Entretanto, algumas certezas já despontaram: Arte e educação
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para ter uma prática pedagógica voltada para a dimensão artística do estudante é preciso produzir uma educação que seja digna do sujeito aprendente. Um outro aspecto não pode ser esquecido: para que esse pensamento se fortalecesse e efetivasse a realidade que temos hoje, foram muitos anos de batalha, com questões que ainda estão por se resolver, como o direito à educação.
SÍNTESE Você aprendeu nesta unidade que a arte-educação tem início a partir da capacidade humana de representação e simbolização, que desencadeou o desenvolvimento individual de conhecimentos a partir de cada grupo sociocultural para chegar até a complexidade de um fazer arte-educador. Aprendeu, ainda, que a arte-educação se configura em um dos seus suportes da formação integral de ser humano, pois amplia a compreensão e o desenvolvimento de linguagens e formas de significação. Como você pôde ver, a arte-educação tem como principal processo de construção: a educação dos sentidos; o conhecimento sobre arte; e o fazer arte. A arte-educação, conforme você estudou, é um conjunto de ações centradas na experiência sensorial de construção da imagem corporal, habilidades cognitivas e psicomotoras organizadas pela capacidade individual de aprendizagem. Além disso, vimos a importância da arte-educação para o desenvolvimento dos sentidos e da produção de significados de uma pessoa.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO A participação corporal, o trabalho manual e o trabalho intelectual são situações que aparecem separadas ao longo da história da educação. O que proponho como reflexão são as perspecvidades que podem ser realizadas a partir dessas perspectivas.
LEITURA INDICADA Sugiro como leitura complementar desta unidade os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte (BRASIL, 1997), os quais você pode ter como base para um estudo mais aprofun-
31 O pensamento artístico e sua relação com os saberes culturalmente construídos
tivas de inclusão dos três aspectos simultaneamente, e não as ati-
dado da relação entre as diferentes artes e a educação fundamental, inclusive no desenvolvimento de questões significativas para entender o papel do arte-educador nos processos de educação mais ampliados.
SITES INDICADOS Ao longo da unidade, sugerimos vários sites: <http://www.arteducacao.pro.br> <http://www2.tvcultura.com.br/artematematica/home.html> <http://www.pmf.sc.gov.br/ebm_batistapereira/LINKS%20 DIVERTIDOS.htm> <http://www.crmariocovas.sp.gov.br> <http://artenaescola.org.br> Como sugestão de aprofundamento do tema “Educação para todos”, indicamos, ainda, o site “Se essa rua fosse minha”, <http://www.seessarua.org.br>, cujo foco é trabalhar com crianças e adolescentes, utilizando o teatro e o circo como fundamento para transformações no âmbito social.
REFERÊNCIAS AGUIRRE DE MENA, O.; MENA GONZÁLEZ, A. de. Educación Arte e educação
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músical (manual para el profesorado). Aljibe: Archidona, 1992. BARBOSA, A. M. John Dewey e o ensino da arte no Brasil. São Paulo: Cortez, 2001. BARBOZA, L. M. Reflexões sobre a prática. São Paulo: FDE, 1994. (Série Idéias, 2)
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 dez. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm>. Acesso em: jul. 2014. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: jul. 2014. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro06. pdf>. Acesso em: jul. 2014. FELIPPE, J. A. M.; FELIPPE, V. L. R. Orientação e mobilidade. São Paulo: Laramara – Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual, 1997. FERREIRA, A. B. H. Pequeno dicionário da língua portuguesa. 11. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984. GARDNER, H. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994.
educação. Campinas: Papirus, 1994. LIMA, E. C. A. S. A atividade da criança na idade pré-escolar. São Paulo: FDE, 1992, p. 17-23. (Série Idéias, 10) MACEDO, L. A perspectiva de Jean Piaget. São Paulo: FDE, 1994a. (Série Idéias, 2)
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GONÇALVES, M. A. S. Sentir, pensar, agir: corporeidade e
MACEDO, L. Para uma avaliação construtivista. In: Escola em movimento. São Paulo: SE/CENP, 1994b, p. 123-129. (Série Argumento) MACEDO, L. Ensaios pedagógicos: como construir uma escola para todos? v. 1. Porto Alegre: Artmed, 2004. MCGARRY, K. O contexto dinâmico da informação: uma análise introdutória. Trad. Helena Vilar de Lemos. Brasília: Briquet de Lemos/Livros, 1999. SILVA, M. B. Leitura, ortografia e fonologia. São Paulo: Ática, 1981.
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Aprendizagens significativas: artes visuais
José Carlos Rêgo Albérico Salgueiro de Freitas Neto
Olá! Nesta unidade você estudará a respeito das artes visuais, especificamente a respeito do olhar e a relação entre esse sentido e a apreciação artística. Vamos iniciar uma compreensão do que venha especificamente a ser visual, tendo próximos seus cognatos: visão, visualidade, e seu irmão semântico: olhar. Vamos também analisar as estratégias formais das artes visuais, buscando delinear pontos-chave que, em certa medida, sugerem a operação de uma “gramática” na produção de sentido quando do fazer arte, da apreciação, da reflexão e da análise sobre as obras. Bons estudos!
Quando refletimos sobre a arte e a sua relação com os nossos sentidos, compreendemos que cada um deles nos traz informações preciosas para entendermos porque consideramos bela uma obra. A nossa compreensão do que é ou não agradável aos nossos sentidos nos remete a outra questão de ordem psicológica influenciada diretamente pela nossa vivência e situação social e cultural. Por que será que algumas pessoas gostam de um tipo de música e outras gostam de um gênero diferente? Por que algumas obras quando observadas podem causar espanto, ou indignação? Mas também são capazes de gerar graça, ou alegria ou reflexão? Como as pessoas constroem significações e estabelecem relações de identificação sobre determinadas cores? As respostas não são fáceis, mas vamos iniciar a nossa discussão sobre aprendizagens significativas na arte a partir da relação que podemos fazer entre como nos vemos e como vemos o mundo. Ou seja, a nossa aprendizagem visual. Quando falamos em visual, de imediato pensamos “no que é possível ver”; frequentemente tomamos visual como sinônimo de enxergar, sem nos darmos conta das sutilezas que distinguem um e outro.
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A visão, como órgão dos sentidos é uma coisa, como compreensão do que se vê, é outra. O sentido que nos permite ver é um, os sentidos que atribuímos ao que vemos são muitos, inclusive porque estes dependem do que sabemos e sentimos quando vemos. As artes visuais são a pátria da visualidade: atribuição de sentido ao que se vê com sentimento e conhecimento, um ver que conjuga percepção e emoção. E é bom lembrar que esse ver é aprendido, é passível de educação e, portanto, pode ser também ensinado.
Como atividade para um exercício do olhar e também sobre a diferença do olhar, propomos que em uma sala com um grupo de estudantes, cada um observe um ponto da sala. Depois deverão relatar, por escrito, quais as impressões resultaram dessa observação. Cada um, depois, lerá a sua observação para o grupo. Ao final, deverão ser discutidas as identificações de similaridade e diferença sobre os diversos “pontos de vista”. Podemos dizer que saber ver nada mais é do que ter um olhar sensível sobre o que é reconhecido e o que é estranho ao nosso olhar. E é dessa interseção entre o que se sabe e o que não se sabe, o que se sente e o que não se sente, o que se vê e o que não se vê que emergem os sentidos (interpretações), o que sugere que o apreciador em artes visuais é também um novo autor. O sentido de uma obra visual é promover o encontro entre artista(s)-autor(es), obra e apreciador(es)-autor(es), de modo que o movimento de atribuição de sentido entre eles promova novas atribuições de sentidos, bem como as visões de mundo possíveis até então. Autorretrato (1795), de Francisco Goya
Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Francisco_de_ Goya_y_Lucientes_100_c.JPG>. Acesso em: jul. 2014.
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A construção da identidade sociocultural realiza saberes que ajudam a construir um pensar sobre si e sobre o mundo. Muitos artistas fizeram autorretratos e muito na arte se produziu sobre o pintar o pintar. No link: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Painting_ in_art> há muitas imagens de artistas que se autopintaram. É interessante perceber suas visões sobre si, diferentes perspectivas de arte na pintura sobre a imagem humana. Autorretrato (1852), de Alexandre Cabanel
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42 Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Self_ Portrait_%28Alexandre_Cabanel%29.jpg>. Acesso em: jul. 2014.
As duas últimas imagens são exemplos de autorretratos de artistas, que usam a sua própria imagem como inspiração para a sua produção artística; podemos ver que eles trabalham a luz em suas telas de uma forma bem diferenciada. A primeira imagem representa Goya, que se pinta, pintando sua própria imagem e a luz que ele utiliza vem da janela por trás de sua figura. Mas, mesmo a luz vindo detrás, pode-
-se perceber que a figura de seu rosto mostra uma expressão simples, que revela a sua face. O seu retrato revela um leve perfil do seu lado esquerdo. Já na imagem do autorretrato de Cabanel, a luz que ele utiliza na imagem vem de cima e do lado, tanto que a sua testa é a parte de sua face mais bem iluminada. Sua expressão é séria e marcante, e também se pode observar que o seu rosto não é totalmente revelado, mas apenas o seu perfil direito, inclusive o seu corpo está voltado para o lado, deixando à amostra o seu ombro direito. Ele apenas pinta o seu rosto e parte do tronco, enquanto Goya pinta o seu corpo todo. Vemos, a seguir, outro exemplo de autorretrato de Goya, porém de alguns anos depois da primeira pintura. Autorretrato (1815), de Francisco Goya
Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Goya_ Self-portrait.jpg>. Acesso em: jul. 2014.
Percebe-se que cada um se vê de um jeito, e também que cada autor-artista-pintor realizará a sua obra de acordo também com o momento em que está vivendo. Como exemplo de que uma pessoa também pode mudar bastante ao longo dos anos, vemos, a seguir, outro autorretrato de Alexandre Cabanel. Esse retrato foi pintado cinco anos antes da imagem anterior.
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Autorretrato (1847), de Alexandre Cabanel
Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Alexandre_Cabanel_-_Self_Portrait_%281847%29.jpg>. Acesso em: jul. 2014.
A intenção desse nosso percurso é contribuir para que você amplie sua visão sobre essa linguagem artística, aperfeiçoe sua “alfabetização visual” e qualifique ainda mais os processos dessa “alfabetização” em sala de aula, pois, em tempos de saturação da imagem, aprender a ler os códigos de representação das artes visuais é tão importante quanto o entendimento dos sistemas numéricos e de escrita (KEHRWALD, 2004).
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Como outra referência na leitura sobre o sensível na arte, sugere-se João Francisco Duarte Júnior (2001), que conduz uma discussão bastante interessante sobre o assunto. Até o presente momento, vimos diferentes autoimagens de artistas em circunstâncias históricas distintas. Que semelhanças e diferenças podemos perceber no autorretrato do mesmo pintor em momentos diferentes de sua história? Vamos dialogar com os nossos colegas um pouco sobre isso?
Para refletir: Uma professora do ensino fundamental 1 entregou uma atividade de arte para os estudantes. A atividade consistia em um desenho de cavalo para ser pintado. Uma das crianças fez a sua pintura com a cor verde. A professora disse a essa criança que não existia cavalo verde, pois eram pretos, marrons, brancos, malhados, castanhos... nunca verdes. A criança retrucou, “o meu cavalo é verde porque ele ainda não amadureceu”. Reflita sobre essa pequena história e procure abrir seu entendimento sobre o sensível na arte para além de uma linguagem desconectada das outras, pois os sentidos se inter-relacionam para codificar e decodificar elementos visuais. Aliás, essa talvez seja uma das grandes contribuições do ensino da arte na escola: fazer com que diferentes “leituras” de uma obra possam ser compartilhadas e acrescidas de informações sobre esta, o artista, seu tempo e lugar de criação, técnica e estética de sua filiação.
2.1 O s sentidos de olhar e ver ensão sobre uma obra visual é algo que exige a convocação atenta dos sentidos, dos saberes e dos sentimentos, citados assim distintamente, mas bem mais intrincados do que costumamos supor. Dizemos dos sentidos porque, apesar de a porta de entrada (ou seria a janela?) serem os olhos, não raro, uma imagem traz consigo a memória, a percepção e a imaginação, o que inclui o uso de outros órgãos dos sentidos. Por exemplo, se apreciarmos uma pintura de uma marinha ouvindo ao mesmo tempo o barulho do mar, como isso modificaria a
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Como vimos no nosso começo de conversa, a compre-
nossa impressão da obra? Ou ainda, uma tela em que náufragos lutam para tentar se manterem vivos em alto-mar, como sons de gritos e pedidos de socorro que não serão ouvidos? Dizemos dos saberes, porque a compreensão sobre uma obra é também influenciada pelo que se sabe sobre ela, seu motivo, seu autor, seu contexto histórico-social, bem como sobre a linguagem visual e seus modos de produção de sentido. Veja, por exemplo, Guernica (1937), de Pablo Picasso. O que você sabe sobre essa obra? Procure anotar tudo o que sabe a respeito e depois visite o site <http://educa-terra.terra. com.br/voltaire/mundo/guernica_eta.htm> para acrescentar tudo o que não constava em suas anotações. Volte a olhar para a obra e responda sinceramente: sua leitura continua a mesma? Por quê? Então, é isso! Voltando às justificativas. Dizemos dos sentimentos porque nossas percepções e emoções estão sempre sujeitas às diferenças circunstanciais e contextuais em que vivemos, inclusive no que tange às intempéries do cotidiano e do viver em sociedade. Apreciar, por exemplo, o quadro Comedores de batatas (1885), de Van Gogh – para vê-lo, visite o site <http:// pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Vincent_Van_Gogh_-_The_
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Potato_Eaters.png> – vai resultar em sentimentos diferentes se isso ocorrer num solitário acesso a um museu virtual em chuvosa tarde de inverno paulistana ou numa visita com a turma da escola à exposição de reproduções das obras de Van Gogh, em um museu de sua cidade, em pleno verão. Isso para nos atermos às afetações exteriores, haja vista que não seria possível dar conta aqui do sem fim de singularidades, idiossincrasias, diferenças perceptivas e emocionais que constituem cada sujeito ao fruir obras de arte ou mesmo imagens cotidianas. Uma obra que pode contribuir para explicitar como o olhar se constitui como um limite/possibilidade de ver a
vida, inclusa aí a arte, é o documentário Janela da Alma, de João Jardim e Walter Carvalho (Brasil, 2001, 73 min.). É um programa imperdível para qualquer arte-educador, pois o filme apresenta pessoas, algumas delas artistas, com diferentes graus de deficiência visual (da miopia à cegueira), comentando suas visões sobre si e sobre os outros, sobre o mundo e a vida. Ainda que pese o chiste, essa produção definitivamente vale a pena ver. Sem compreendermos algumas das questões que emergem no referido documentário, geralmente, tendemos a acreditar que estamos vendo as mesmas coisas que todo mundo está vendo, com recíproca verdadeira, mas basta uma conversa mais demorada sobre a leitura de uma obra, como a que acabamos de mencionar, e um mundo de coisas outras “saltam aos olhos”. No frente a frente com uma obra visual, são muitas as imagens, vários os sentidos, tantos os sentimentos dispersos a depender de quem a vê, cada apreciador faz, no contato com a obra, a sua “leitura”, em conformidade com o seu “vocabulário” de imagens, de linguagens e de afetos. Ou seja, conversar sobre o que se vê ajuda a organizar discursivamente o quê e como vemos, e ao mesmo tempo nos permite abrir os olhos o quê, nem como e, portanto, não podíamos ver, nem sentir. Experimente depois de apreciar demoradamente uma obra de arte visual e registrar por escrito o que viu e depois apresentar a mesma a seus alunos e pedir que eles registrem suas “leituras”. Procure mais informações sobre o quadro, sobre o artista, as artes e o Brasil da época, e proponha então uma conversa a respeito, tendo uma boa reprodução à mão. Quanto mais cada um disser ao outro o que vê, mais será visto e mais se poderá ver. Visões com sentidos cambiantes, olhares com sentidos cambiáveis.
47 Aprendizagens significativas: artes visuais
para ver o que até então não víamos, porque não sabíamos
2.2 O bservando diferenças
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“Um jeito novo de olhar o mundo A liberdade de criar, de trazer novas referências visuais, sonoras e espaciais dá um sentido e um sentimento de que é possível vivenciar novos caminhos estéticos, além daqueles orientados pelo olhar europeu, ocidental e judaico-cristão. A África é um rico lugar de experiências estéticas que transitam desde as pinturas mais antigas, rupestres, primeiros testemunhos das expressões artísticas, até o mundo contemporâneo que recicla materiais, objetos, reinventando, atualizando formas, utensílios e usos, preservando, ao mesmo tempo, identidades, memórias coletivas e fundantes e ainda memórias pessoais, funcionais para o cotidiano e tudo que possa revelar pertencimento, inclusão e experiência cultural. Os conceitos de beleza e de estética estão profundamente relacionados aos conceitos de pertencimento. Portar, usar, exibir, apropriar-se do belo é viver e transmitir esse belo. A escolha de cores, de materiais, de objetos constitui-se em textos visuais, sonoros e plásticos que têm significados e sentidos para uma sociedade, uma etnia, um grupo cultural, assumindo identidades, tocando os territórios das diferenças. Justamente nessas diferenças é que são distinguidos os mais importantes sinais da pessoa e de sua história.” (LODY, 2006, p. 6768).
Talvez você esteja se perguntando: mas se cada um que olha para uma obra pode achar o que quiser, então para que estudar obras de arte? Pois é exatamente por não se tratar disso! Porque não
se trata de achar, mas sim de ler, decifrar, interpretar, compreender, e esses são todos saberes exigentes, que aprendemos à medida que ampliamos quantitativa e qualitativamente nossos encontros com as linguagens artísticas e com o mundo em que vivemos. No caso das seculares artes visuais, não precisamos inventar a roda ou redescobrir a pólvora. Ainda que sempre caibam novas leituras, isso não dispensa uma busca para nos pôr a par das informações já disponíveis sobre as obras e muito do que diz respeito à sua produção. Certamente tais análises ajudam a ampliar nosso repertório e capacidade crítica, inclusive sobre alguns aspectos que contribuem para o alargamento da compreensão sobre os “porquês” de determinados trabalhos serem reconhecidos como obras-primas de arte. Como a intenção desta unidade é a de configurar uma compreensão inicial sobre o olhar como limite/possibilidade de ser, estar e saber o mundo, fecharemos esse introito reflexivo com Merleau-Ponty (1994 apud CHAUÍ, 2000), pensador francês que dedicou parte significativa de sua obra ao assunto. Ele nos instruiu com a ideia de que a visão nos remete a vários espaços e lugares; com a visão podemos chegar até as estrelas. E que na companhia de obras representativas da arte tamente, em todos os sentidos! Antes de adentrarmos nas questões pertinentes às práticas artísticas propriamente ditas é bom desfazermos alguns mal-entendidos sobre as habilidades no fazer artístico e no desenvolvimento da competência de leitura e desfrute de produções (próprias, de outros e da natureza) nas diferentes linguagens. Uma forma de estudar a capacidade criativa e criadora da arte é observar diversas imagens, as muitas formas, diferentes usos, diferentes visões e significações para o mesmo
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universal e de seus autores possamos seguir vendo mais far-
objeto: a cadeira, por exemplo.
Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Chair.png>. Acesso em: jul. 2014.
Um dos entendimentos mais controversos na arte é de que ela é inata, que o artista nasceu com um “dom” divino, ao passo que outros vieram deste, destituídos. Essa crença costuma vir acompanhada da ideia de inspiração e genialidade que quer dizer que esse ser “especial”, eleito por alguma força sobre-humana, precisa estar sintonizado com ela para que a iluminação lhe chegue e ele possa produzir, ou que ele é um ser superior, superdotado em sensibilidade e capacidade criativa. Seguindo essa lógica de pensamento, as escolas de arte e a presença da arte na escola deixariam de ter sentido. Nunca é pouco lembrar que, sem perder de vista o desenvolvimento biológico, são as práticas sociais e as situações de
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aprendizagem que criam as condições para a construção do conhecimento, o que inclui a educação dos sentidos, da sensibilidade e da subjetividade.
Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Eames_
Wood_Chair.jpg>. Acesso em: jul. 2014.
Isso é o que nos difere como animais pensantes, ou seja, utilizadores e construtores de conhecimento. Se for possível visualizar uma obra de arte também é possível questionar como foi feita, ou qual a intenção de sua realização. Você visualizou até o presente momento duas diferentes cadeiras. Podemos ver que cada uma delas tem uma forma própria e específica. Assim também, peguemos esse exemplo para pensarmos nas cadeiras de nossas salas de aula, será que elas são adequadas a cada um dos alunos e às suas necessidades específicas?
Por que é possível aprender a fazer arte? Trata-se de uma modelação de reforços, uma manipulação de comportamentos? Quando apresentamos aos nossos alunos conhecimentos artísticos diversos, eles ficarão registrados nos compartimentos cerebrais específicos que buscarão respostas nos momentos solicitados?
As contribuições do que se convencionou chamar “Psicologia do desenvolvimento”, e particularmente as obras tantivas das concepções de como se davam os aprendizados. Sendo assim, já não faz sentido insistirmos em negligenciar as dimensões da cultura e da educação para o desenvolvimento das potencialidades artísticas. Como se vê, a psicologia da Gestalt tem como fundamento o racionalismo, ou seja, a crença na pré-formação do conhecimento, cuja ideia inicial é de que, ao nascer, o indivíduo já apresenta, virtualmente, pré-formadas, as estruturas do conhecimento. A lógica da razão preexiste à da experiência,
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de Piaget, Vygotsky e Wallon, significaram mudanças subs-
em outras palavras, existem estruturas inatas relativas à sensibilidade e ao conhecimento (COUTINHO; MOREIRA, 1999). Outra compreensão controversa tem a ver com a crença de que os objetos artísticos já teriam em si um natural senso estético, bastando mirá-los para ver tudo que eles têm de beleza. Teremos oportunidade mais à frente de desdizer isso com a leitura de obras visuais, mas desde já é preciso deixar clara nossa posição, pois acreditamos exatamente no contrário: o movimento de cultivo da procura, do encontro e da celebração da beleza dos objetos artísticos e suas significações é o que alimenta o desejo pelas artes e o que justifica seu ensino na escola. Knotted Chair (1996), de Marcel Wanders
Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Knot_Chair.jpg>. Acesso em: jul. 2014.
O arte-educador Duarte Jr. (1991, p. 57) problematiza as
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mesmas controvérsias e afirma categoricamente que “o belo não reside nem nos objetos nem na consciência dos sujeitos, mas nasce do encontro dos dois. A beleza se coloca entre o homem e o mundo, entre a consciência e o objeto. A beleza habita a relação”. Ele deixa pistas potentes sobre o que podem ser as artes na escola; é a potência das experiências e dos diálogos estabelecidos entre os diversos sujeitos: estudantes e os professores. Por tudo que já foi dito até aqui, não restam dúvidas de que acredito que o que vemos depende sim de nossa acuidade visual, mas principalmente do que e do quanto sabemos sobre o que vemos. Até por isso, foi dito na Unidade 1, que o
sentido de uma obra se faz do encontro de autorias entre o artista, sua produção e o público, não estando os significados de uma obra previamente dados, mas sendo construídos singularmente a cada fruição. A apreciação de obras artísticas, se orientadas no sentido do apuramento complexo do gosto estético, faz com que acionemos conhecimentos de diferentes campos disciplinares, sejam de ordem social, histórica, antropológica, política, sejam dos fundamentais, de ordem ética e estética.
Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Aeron_Chair.jpg>. Acesso em: jul. 2014.
Quando visualizada, o que essa figura lhe sugere de diferente das anteriores? Talvez as rodas nos pés da cadeira e os descansos para os braços? Por quê? mentos; ela é diferente de todas as anteriores. Assim podemos perceber, de maneira simples, que ela deve ter uma função diferente das outras. Na decifração do discurso artístico (formal/conceitual) muitos saberes vêm à baila: aqueles derivados do que já foi vivido e tido como significativo; os que são guardados na memória; os que estão ao alcance dos sentidos e fundados no sentimento (percepção e emoção); e os que, apesar de não estarem acessíveis de imediato, nos fazem vislumbrar possibilidades para além da realidade concreta mais próxima, aos quais podemos chamar de saberes da imaginação.
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Podemos ver que nessa cadeira aparecem novos ele-
Podemos também dizer, ao modo de Martins (1992), que tendo os cinco sentidos como base, nossa leitura se dá na articulação entre a leitura sensorial, a emocional e a racional. E se não é razoável prescrever dosagens no uso de cada campo de leitura, também não o é hierarquizar leituras tão indissociáveis, ainda que seja assim que muitas experiências com o ensino das artes visuais venham se dando. Precisamos estar atentos para o fato de que, como nos diz Kehrwald (2004, p. 24), a leitura não é uma tentativa de “decifrar ou adivinhar de modo isento o sentido de um texto, mas é, a partir do texto, atribuir-lhe significados relacionando-o com outros textos na busca de sua compreensão, dos seus sentidos e de outras possíveis leituras”, o que se relaciona à noção de polifonia textual defendida pelo russo Mikhail Bakhtin. Uma obra visual é também um texto polifônico e as “vozes” a serem ouvidas dependem da escuta sensível do apreciador, que em seu percurso de vida vai aprendendo a ler o mundo mediado por suas experiências. E mais uma vez é Kehrwald (2004, p. 24) que nos ajuda a pensar: “Quanto mais alimentado de imagens de arte estiver o seu olhar, maior será a possibilidade de inferências, criticidade e de sensibilidade nos demais relacionamentos da vida cotidia-
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na”; sendo de bom agouro que um professor de artes não se esqueça disso.
2.3 L eitura de obra visual A leitura de obra visual proposta por Feldman (1970 apud BARBOSA 1991, p. 44) possibilita-nos uma análise que preconiza como percurso quatro estágios interligados, a
saber: descrição, análise, interpretação e julgamento. Para a leitura de imagens, não pretendendo ser um receituário, mas um caminho entre outros possíveis, talvez valha a pena nos acompanhar num exercício simulado em que os referidos estágios são explicitados. A leitura de uma obra de arte é uma perspectiva de inter-relação entre cognição e sensibilidade na elaboração de sentidos, na construção de significações. No estágio da descrição, a atenção está focada no que se vê, na observação imediata, e nessa busca do detalhe procura-se listar tudo o que parece evidente: tipos de linhas e formas, cores, além do título, nome do artista, lugar e época da feitura, material utilizado, técnica, sistema de representação, entre outros. A análise vem a ser o estágio da procura e da identificação das interações entre os elementos, como se relacionam e se influenciam no tocante ao uso dos espaços, dos volumes, das cores e texturas e seus desdobramentos na configuração de contrastes, semelhanças, combinações e disposições. O estágio da interpretação, talvez o que mais tenha oportunidade de ser experienciado na escola, é aquele em que se vai paulatinamente se permitindo nomear as sensações e sentimentos experimentados ou disparados a partir do contaverso de referências do apreciador. Primeira Cadeira Elétrica, utilizada para executar William Kemmler em 1890. O condenado senta na cadeira e é amarrado por ambas as mãos e os pés.
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to com a obra, tentando estabelecer relações entre ela e o uni-
Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Electric_chair.jpg>. Acesso em: jul. 2014.
No estágio do julgamento chega a hora de valorar a qualidade da obra como tal, Kehrwald (2004) nos lembra que esse é um estágio de dissensos, pois o que tem relevância para um sujeito não necessariamente tem para outro, sendo esta uma ótima oportunidade para entender por que alguns trabalhos caem em desprestígio em seu tempo, para anos ou séculos depois ocuparem lugar de excelência na história da arte. Além de sugerir os quatro estágios, Feldman (1970 apud BARBOSA, 1991) recomenda que a leitura se faça no contraste de duas ou mais obras, para que as diferenças e semelhanças se acentuem e a acuidade dos sentidos desenvolva também modos de singularidade discursiva, pelos quais cada sujeito se implica com o que vê e com o que diz sobre o que vê.
SÍNTESE Vimos nesta unidade as artes visuais como elemento fundamentado pelo sentido da visão, porém não desconectadas dos outros sentidos. Analisamos a relação entre o conhecimento histórico-social e cultural, e como ela influencia a leitura das obras, assim como o prévio conhecimento de outras
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visões da mesma obra em épocas diferentes. Vimos, também, que uma obra é lida em quatro etapas: descrição, análise, interpretação e julgamento. Na próxima unidade trataremos de questões que são importantes para um fazer arte-educador; analisaremos as máscaras como elementos de busca de uma identidade cultural e mostraremos algumas possibilidades de atividades de artes na escola. Até a próxima!
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Vimos na presente unidade várias imagens de cadeiras; as cadeiras principalmente como objetos significativos com diferentes sentidos. Podemos verificar também que existem outras questões que se referem a esse objeto, como por exemplo, a cadeira da disciplina, a cadeira da Academia de Letras e ainda, mais especificamente, a cadeira de rodas. Vamos dialogar com nossos colegas sobre essas outras possibilidades de ler a imagem de uma cadeira?
LEITURA INDICADA Leia mais sobre a Guernica de Pablo Picasso é uma descrição artística do horror da guerra no site <http://educaterra. terra.com.br/voltaire/mundo/guernica_eta.htm>. Podemos verificar, no texto indicado, a relação da arte com a história, e também podemos observar que o artista não pode estar alheio aos acontecimentos que circunscrevem a sua realidade. A professora Silésia Maciel, em sua dissertação de mestrado, disponível no site <http://busca.unisul.br/pdf/90488_ estudar Ana Mae Barbosa, citando Feldman como etapa de
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desenvolvimento de leituras nas obras de arte.
Aprendizagens significativas: artes visuais
Silesia.pdf>, nos oferece uma excelente oportunidade de
SITES INDICADOS Além dos sites indicados ao longo desta unidade: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Painting_in_art> <http://educa-terra.terra.com.br/voltaire/mundo/guernica_ eta.htm>
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Vincent_Van_ Gogh_-_The_Potato_Eaters.png> <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/guernica_ eta.htm> <http://busca.unisul.br/pdf/90488_Silesia.pdf> Indicamos, ainda, o site <http://www.revista.art.br/site-numero-02/trabalhos/14.htm> e sugerimos que você visite também o site <http://www.auladearte.com.br/historia_da_ arte/van_gogh.htm>, um excelente site, pois nos remete a um pouco da história da arte e nos proporciona discussões sobre a obra de Van Gogh; nele, poderemos comparar as diversas obras desse autor e verificar a relação delas com a realidade em que vivemos.
REFERÊNCIAS BARBOSA, A. M. A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectivas, 1991. COUTINHO, M. T. C.; MOREIRA, M. Psicologia da educação: um estudo dos processos psicológicos de desenvolvimento e
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aprendizagem humanos, voltados para a educação: ênfase na abordagem construtivista. 7. ed. Belo Horizonte: Lê, 1999. CHAUÍ, M. Janela da alma: espelho do mundo. In: NOVAES, A. et al. O olhar. 8. reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. DUARTE JR., J. F. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Curitiba: Criar, 2001.
KEHRWALD, I. P. Ler e escrever em artes visuais. In: BITENCOURT, C. et al. Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. 6. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. LODY, R. Beleza e identidade: sobre os patrimônios afro-descendentes. In: BRANDÃO, A. P. (Coord.). Saberes e fazeres: modos de ver. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2006. (Projeto A Cor da Cultura, 1) MARTINS, M. Aprendiz da arte: trilhas do sensível olhar pensante. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1992.
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E xercícios e reflexão de estética – artes visuais
José Carlos Rêgo Albérico Salgueiro de Freitas Neto
Olá! Nesta unidade seremos mais explícitos na contribuição da criação de situações de aprendizagem como estratégia de construção de significados no uso dos sentidos; exploraremos o uso de “temas” na realização de uma proposta educativa. Apresentaremos, também, a indicação de atividades como elementos de busca de uma identidade cultural, produção artística e criações que podem ser experimentadas em sala de aula. Bons estudos!
Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Myrta.jpg>. Acesso em: jul. 2014.
Apurar o próprio olhar e, no caso de professores, contribuir para que outros desenvolvam e qualifiquem seus modos de ler as produções artísticas nas diversas linguagens constitui-se, além do prazer estético, num poderoso modo de ampliar os conhecimentos sobre o viver; por isso, será o primeiro ponto de nossa abordagem. Painel de cristal negro com gravações em ouro no Salão dos Cristais do Clube do Comércio de Porto Alegre, inaugurado em 1939-1940.
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Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/ Image:Clubedocomercio10.jpg>. Acesso em: jul. 2014.
A dimensão das técnicas e das questões afins com a criação é mais difícil no trato a distância, mas indicações de fontes atuais e virtuais podem ser de grande valia nesse sentido. Por fim, alguns apontamentos sobre o cultivo da refle-
xão, sobre a fruição de obras e sobre o prazer estético podem ensejar um percurso de compartilhamento qualificado das belezas apreciadas. Quiçá esse nosso percurso seja alegre. Antes de propor a leitura da obra em sala de aula é importante que você se cerque do maior número possível de informações sobre a obra, o autor e o contexto da época, além disso, em seus registros de leitura da obra, busque a pertinência do detalhe, pois, como podemos verificar: “conhecer as artes visuais é saber produzir e refletir estética e artisticamente sobre as imagens visuais, o que implica num envolvimento cognitivo, perceptível e sensível com as formas dessas ima-gens” (FUSARI; FERRAZ, 2001, p. 81). Sempre é bom lembrar que o professor de artes visuais precisa ser um bom leitor de imagens se quiser que seus alunos, além de enxergar, vejam as obras.
Ao observarmos as duas obras anteriores, podemos verificar que elas representam um mesmo tema (bailarina), porém cada uma delas foi construída a partir de técnicas de produção artísticas diferentes. Podemos observar que as bailarinas estão basicamente na mesma posição. Isso nos leva a entender que iniciamos o nosso percurso de apreciação de uma obra de arte a partir dos elementos familiares ao observador, que no caso em questão não é apenas uma obra, mas duas, os elementos similares e contrastantes entre elas. Então, vamos analisá-las tentando entender no que elas se diferenciam e se parecem.
65 Exercícios e reflexão de estética – artes visuais
O que podemos ver de igual nas duas últimas obras? O que existe de diferente nelas? Quais os sentimentos que as obras invocam em você? Qual o contexto e intenção dos pintores ao realizar essas obras?
3.1 I ndicadores para apreciação de uma obra de arte Descrição: neste momento cabe identificar os elementos (e se estiver em sala de aula, estimular que os estudantes o façam), portanto as perguntas mais elementares devem ter lugar aqui: • O que você está vendo no quadro? • O que está representado na obra? • São retratados objetos, coisas, pessoas, animais? O quê? • Que outros elementos compõem a imagem? • Existem linhas? Como são? Lisas, grossas, retas, quebradas, onduladas? • Que cores estão visíveis? São claras, escuras, esfumaçadas?
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• Que texturas são sugeridas nas roupas, nos corpos ou nos rostos, no céu, no chão? • Qual a técnica utilizada? Também devem ser consideradas as questões ligadas ao contexto histórico da obra e sua inscrição na produção do artista. Análise: momento de fazer a relação entre os elementos que compõe a obra: • Você identifica a sugestão de algum movimento na imagem? • Há uma figura central? Há algum elemento que dá desequilíbrio?
• Como é o tratamento da cor em relação às formas? Tem contraste? Tem volume? • Como é o fundo? Interpretação: aqui é comum que se fale mais à vontade, o imaginário parece mais liberto pela noção de certo ou errado não estar em questão: • Que sentimentos a obra provocou em você? • A realidade expressa na obra é a mesma de hoje? • Se Portinari fosse vivo será que pintaria o mesmo tema? • Que contraste pode ser feito entre a recepção dessa obra na época e hoje? • No que essa obra contribui em relação à realidade representada? Julgamento: hora de extrapolar a obra em si: • Por que o autor a pintou? Para quê?
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• Qual a importância dessa obra para a arte
Exercícios e reflexão de estética – artes visuais
• Você acha que essa obra é importante? Por quê?
brasileira? • Que outras obras você conhece que dialogam com a obra observada? Observação: Lembre-se de que essas questões são apenas sugestões, mas outras podem e devem ser elaboradas. Agora que os estágios propostos por Feldman (1970 apud BARBOSA, 1991) já foram devidamente apresentados, chegou o momento de experimentarmos ler uma obra (o que também pode ser feito com a turma em sala de aula poste-
riormente) levando em conta as considerações e as proposições do referido autor. Veja, por exemplo, a imagem da obra Menino com pipa (1954), de Cândido Portinari, no link <http:// www.portinari.org.br/#/acervo/obra/2607/detalhes>.
Desdobramentos e sugestões Outra sugestão de atividade em sala de aula é escolher um tema que seja pertinente e simultaneamente familiar aos estudantes – como os dois exemplos (o anterior e o que se segue). A partir dessas obras, podemos elaborar várias atividades artísticas que sugerem uma releitura das obras. Cada estudante pode construir um desenho, pintura, escultura, cujo tema seja exatamente pipas, papagaios, arraias. Outra atividade que pode ser desenvolvida é construir exatamente os objetos tema (com pequenas varetas de madeira e papel). Depois podemos realizar uma pesquisa com as crianças nas diferentes técnicas de realização de pipas. Podemos sugerir, também, que os estudantes construam um texto sobre a relação com essas brincadeiras e construir outras propostas de após a condução dessa atividade em sala de aula, você regis-
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atividades em que o lúdico seja explorado. Sugerimos que 68
tre suas impressões e elabore um relato de experiência.
3.2 O bra visual e intertextualidade Veja a imagem da obra O parque infantil (1784-1858), de Johann Michael Voltz, no link <http://www.escolaoficinaludica.com.br/brincadeiras/img/voltz1.jpg> Acesso em: jul. 2014. Sem pretender ir além de uma notícia sobre o tema, vamos agora tecer breves considerações sobre o exercício de
leitura de obra visual articulado com a ideia de intertextualidade, acompanhando o pensamento de Kehrwald (2004) e dos autores que ela convoca para ajudar na reflexão. Em linhas gerais, amparados nos autores mencionados, podemos dizer que a intertextualidade é a identificação de inter-relações entre dois ou mais textos, ou, seguindo sua etimologia, que vem a ser aquilo que habita dois textos, implícita ou explicitamente. Dado o avançado de nossa unidade, talvez uma imagem (na verdade duas, e ambas sugeridas pela autora citada anteriormente) possa ser mais elucidativa que muitas palavras. Vejamos o que trazem as imagens a seguir, buscando identificar os pontos de encontro, ou, mais objetivamente, a intertextualidade:
Koceks: Surname-i Vehbi, do palácio Topkapi de Istanbul
Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Koceks_-_ Surname-i_Vehbi.jpg>. Acesso em: jul. 2014.
69 Exercícios e reflexão de estética – artes visuais
Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Michelangelo%27s_ Pieta_5450_cropncleaned.jpg>. Acesso em: jul. 2014.
Apesar de os sistemas de representação serem bastante distintos, a Pietá (1497-1499) de Michelangelo é uma escultura em mármore, a outra imagem é uma fotografia tirada após o atentado de Oklahoma (1995), e de haver entre a primeira e a segunda mais de quinhentos anos de diferença, repare que existe intertextualidade tanto no tocante à temática quanto à própria estrutura das imagens. Não é necessário conhecer ambas para ser tocado por cada uma, mas saber de uma e de outra e estabelecer relações entre elas faz com que cada uma, e ambas, possam ser vistas mais intensa, mais ética e mais esteticamente.
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Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/ Image:DegasFoyerdeDanse72.jpg>. Acesso em: jul. 2014.
Quando observamos as diversas maneiras de organizar uma obra a partir do mesmo tema, podemos perceber no contraste da obra Koceks: Surname-i Vehbi com as obras que se seguem, os pintores utilizaram a dança como inspiração para a realização de suas obras. Todavia ao observarmos os quadros podemos verificar que apesar de utilizarem as artes visuais como uma forma de representar uma outra arte, no caso a dança, cada um pinta um estilo diferente de dança. Assim, cada um dos autores abre espaço para um grande número de conjecturas, algumas que podem, inclusive, ser suscitadas pelos apreciadores de suas obras.
Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Edouard_ Manet_The_Spanish_Ballet.jpg>. Acesso em: jul. 2014.
O termo releitura surgiu como derivado das experiências com a leitura de imagens e, de acordo com Kehrwald (2004), ajuda-nos a entender que reler é ler novamente, é interpretar, construir elaborações, definições; então a releitura vem a ser a criação de novos significados para uma obra apreciada, valendo-se de outros significantes e de outros modos de proposição estética. Definitivamente não se trata de uma cópia como querem alguns, mas de uma criação própria a partir de uma obra de referência, visando inclusive ampliar a compreensão sobre a mesma. para os estudantes é propor leituras de obras de arte sobre o mesmo tema/ideia, como foi sugerido na presente unidade, e procurar construir significações a partir de uma discussão sobre o simbólico, o estético e o cultural/social das obras que foram expostas nesta unidade. A utilização de produção artística a partir de um tema é uma forma maravilhosa de se realizar a arte em seu aspecto multirreferencial. Há várias perspectivas de produção e várias maneiras de observar uma mesma ideia/tema na produção artística.
71 Exercícios e reflexão de estética – artes visuais
Outra atividade que pode ser muito enriquecedora
3.3 M áscaras e outras caras...
Fonte: <http://cimitan.blogspot.com/2007/03/insetos-arte-da-natureza.html>. Acesso em jul. 2014.
A arte imita a vida, a natureza. As pessoas, em suas relações de observação da natureza, sempre buscaram nela fontes de inspiração. Vemos, na imagem anterior, uma fotografia de insetos que tem no seu design natural um formato de máscara. Observamos esses seres e pensamos que de alguma Arte e educação
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forma a máscara é um elemento que, na realidade, representa uma representação. O que é isso? A máscara é uma produção artística que tem em sua intenção representar um rosto, uma imagem. Mas também representa um sentimento, uma expressão facial que tem algum significado. “Libâneo (1985) também contribui para este “desenhar” do novo redirecionamento pedagógico, ressaltando a natureza do trabalho docente hoje, no qual “um saber, um saber ser e um saber fazer pedagógico” devem “integrar os aspectos material/formal do ensino e, ao mesmo tempo, articulá-los com os movimentos concretos tendentes à transformação da sociedade”. Percebendo a relevância de conhecer o processo histórico do ensino de arte e nele saber
Assim, inicialmente, vamos abordar a produção artística em seu aspecto cultural e social, e depois iremos, como principal modalidade de produção pedagógica, sugerir atividades utilizando máscaras como um elemento que permeia o fazer arte. Utilizando, assim, elementos das artes visuais que possibilitam o uso dos diversos sentidos na criação de obras que podem ter relações de trabalho e significação com outras áreas do conhecimento ou com outras formas de construção de linguagens. “O papel político do professor como mediador estético depende de sua consciência sobre as questões fundamentais que nas artes se tra-
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interferir com consciência, Ana Mae Barbosa apresenta-nos importantes análises e sínteses nessa área, em seus livros Arte-Educação no Brasil (1978), Recorte e Colagem: Influências de John Dewey no Ensino da Arte no Brasil (1982), Arte-Educação: Conflitos e Acertos (1984), História da Arte-Educação (1986), O Ensino da Arte e sua História (1990). Preocupada com a democratização do conhecimento da arte (isto é, com a necessidade de assumirmos o compromisso de ampliar o acesso da maioria da população aos domínios estéticos e artísticos, por meio de uma educação de qualidade), Ana Mae contribui com relatos e reflexões que podem conduzir nosso trabalho de professores a posicionamentos mais claros. Ela considera fundamental a recuperação histórica do ensino de arte para que se possam perceber “as realidades pessoais e sociais, aqui e agora e lidar criticamente com elas”. Essas idéias aparecem nitidamente em todos os seus livros, que nos convidam a discutir e encontrar formas de ação na atualidade.” (Do site “Arte-Educação” <http://www. arteducacao.pro.br/Artigos/educativa.htm>. Acesso em: jul. 2014).
duzem como elementos sensíveis. A forma, a plasticidade, as cores, as texturas, as combinações que resultam das interações têm uma significação que se exprime diretamente para o corpo, a sensibilidade, o universo do imaginário, onde a palavra divide com a imagem admiráveis intercâmbios. Isso repercute, de modo direto e indireto, no plano dos valores e das atitudes.” (MEIRA, 1999, p. 137).
O professor que trabalha com educação artística possui um papel que tem uma significância bem específica em sua ação pedagógica: a arte como subsídio de uma produção de conhecimento que envolve aspectos múltiplos da natureza do estudante com o qual o professor está trabalhando. Então, o espaço social e cultural são elementos preponderantes como fonte de inspiração na produção dos estudantes. É importante salientar que a maneira com a qual trabalhamos os conceitos de arte é significativa para que o estudante tenha um posicionamento crítico em relação ao ambiente em que vive. Observar as relações entre a cidade e a esco-
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la é imprescindível para uma educação artística questionadora de detalhes que podem interferir na vida do estudante. Na observação de pontos de exposição de arte na cidade, veremos que eles são múltiplos: espaços abertos e fechados, públicos e privados; então temos um conjunto de espaços e ambientes que interferem em nosso cotidiano pedagógico e cabe a nós, professores, estabelecermos uma metodologia de criticidade diante desses espaços. “Pouco adianta, para esse professor, estar informado sobre essa ou aquela metodologia, dominar as informações técnicas e teóricas relativas ao mundo da arte, se ele não souber refletir esteticamente sobre o sentido dessa produção. E mais, se ele não puder criar for-
mas de relação com a arte que sejam intensamente mobilizadoras. Isso requer uma cultura estética, um cultivo da própria sensibilidade e leituras que demandam não só informação sobre arte, mas exercício crítico e sensível no fazer artístico, seja ele em nível de percepção e imaginação, seja ele em nível de experiência prática.” (MEIRA, 1999, p. 137).
É exatamente na perspectiva de uma leitura estética observadora de elementos sociais e culturais que escolhemos as máscaras como elemento “tema” para a esta unidade. A máscara está representada em diversas culturas sob diferentes técnicas de fabricação: formas, texturas, cores, utilizações e significados. E, a sua produção, como intenção artística é que se propõe questionar para entender os seus significados. Vemos na cultura africana, asiática, americana, entre outras, diferentes povos a utilizarem como elemento ritualístico, místico, e outras como elemento de drama ou comicidade (como é o caso da utilização de máscaras no antigo teatro grego). Observamos, inclusive, que um dos símbolos do teatro é exatasentando a comédia) e outra triste (representando o drama); ou ainda apenas uma representação artística de um rosto, uma cara, uma face, ou uma forma também de se esconder. Na continuação de nosso trabalho, discutindo os elementos culturais da arte, a máscara aparece com significados que são construídos por meio de pesquisa. As idiossincrasias culturais constroem significações diferentes para o mesmo objeto. “Das cinco máscaras Yaka usadas fora do recinto, no dia em que se festeja a saída dos jovens, dá-nos conta R. Devisch. Verificamos que não são as mesmas de que fala M. Milheiros. Muito embora se nos afigure que apresentam características muito próximas daquelas a que
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mente a representação do par de máscaras: uma alegre (repre-
Milheiros chama muquixes Bau – apesar de não possuírem cornos —, a diferença parece-nos, evidentemente, derivar da diversidade cultural e geográfica dos grupos Yaka com os quais os dois autores trabalharam: se o investigador belga elaborou o seu estudo em território da actual República Democrática do Congo, como dissemos acima, as observações de Milheiros terão sido feitas entre os Yaka que vivem a sul do rio Zaire, em território angolano.” (PINTO, p. web).
Vemos claramente neste texto que apesar de os povos serem os mesmos (Yaka), uma diferença na estética da máscara com a mesma intenção e significação se deu devido a uma diferença geográfica e histórica. Os pesquisadores também o fizeram em momentos diferenciados e isso, logicamente, fez uma grande diferença na perspectiva da observação científica.
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“A arte africana representa os usos e costumes das tribos africanas. O objeto da arte é funcional, desenvolvido para ser utilizado, ligado ao culto dos antepassados, profundamente voltado ao espírito religioso, característica marcante dos povos africanos. É uma arte extremamente representativa, chama atenção pela sua forma e estética, os simples objetos de uso diário como ornamentos e tecidos, expressam muita sensibilidade. Nas pinturas, assim como nas esculturas, a presença da figura humana identifica a preocupação com os valores étnicos, morais e religiosos. A escultura foi uma forma de arte muito utilizada pelos artistas africanos usando-se o ouro, bronze e marfim como matéria-prima. [...] As máscaras são as formas mais conhecidas da plástica africana. Constituem síntese de elementos simbólicos mais variados se convertendo em expressões de vontade criadora do africano; foram os objetos que mais impressionaram os povos europeus desde as primeiras exposições em museus do Velho Mundo,
através de milhares de peças saqueadas do patrimônio cultural da África, embora sem reconhecimento de seu significado simbólico.” (No site “Raça Brasil” <http://racabrasil.uol. com.br/Edicoes/108/artigo43639-1.asp>. Acesso em: jul. 2014).
O estudo da arte, pelo menos em uma análise das máscaras sob o ponto de vista simbólico, não pode estar desconectado de sua localização geográfica, histórica, social e, por conseguinte cultural. Vemos muitas vezes que determinados objetos são utilizados por uma cultura que tem um determinado significado e não podem ser utilizados por outra cultura que não compreenda as suas bases de significação. Ainda sobre outra perspectiva do mesmo objeto podemos perceber que a máscara carnavalesca possui uma significação completamente diferente da cultura africana. Nesta, a máscara possui um sentido sacralizado ou ritualístico, enquanto que o seu uso durante o período do carnaval tem um sentido de se esconder, de causar temor, medo ou mesmo Podemos verificar no carnaval que as máscaras de figu-
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ras políticas ou históricas do passado ou do momento presen-
Exercícios e reflexão de estética – artes visuais
apenas um sentido de brincadeira, ludicidade ou comicidade.
te são utilizadas de maneira a provocar um chiste, ou crítica política, utilizando a graça como forma de falar de questões que são sérias. Como exemplo de diferentes visões do mesmo objeto, temos também as máscaras mortuárias. Elas eram formas encontradas de perpetuação da última imagem do sujeito morto. Essa era uma prática que acontecia no Egito Antigo. Atualmente alguns artistas plásticos estão utilizando a máscara mortuária como objeto de sua produção. Apesar de as obras terem esse nome, algumas delas são apenas cópias do rosto do artista produtor.
Ainda na perspectiva de diferentes significações para o mesmo objeto, temos também as máscaras faciais de tratamento de beleza. Essas se constituem como intenção de formação de um conceito do belo. Podemos verificar, se compararmos a intencionalidade da máscara mortuária e do tratamento de beleza facial, que ambas têm uma intenção de perpetuação do belo e do jovem. O professor em suas atribuições pedagógicas necessita realizar um estudo constante sobre o assunto com o qual está trabalhando. Assim, estudar sobre as concepções de máscaras é importante para que o seu trabalho possa tornar-se produtivo, crítico e para que os estudantes também realizem pesquisas no assunto que está sendo produzido. Então, o objeto “máscara” para o pedagogo terá uma função específica de uma intenção educativa, que pode vir a ser uma dramatização, um elemento que conjugue pintura, escultura ou até mesmo um baile de carnaval.
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Podemos ver no site <http://www.eb1-aveiro-n10.rcts.pt/ t2002_2003_imagens_escola.htm> exemplos de atividades de máscaras em uma escola na cidade de Aveiro, Portugal. “A confecção das máscaras foi apenas a culminância de todo um trabalho realizado durante as aulas de Português e Literatura, pelos alunos da 1ª série do ensino médio. Eles trabalharam temas como espaço territorial, religião, vestimenta, alimentação, vocabulário, economia, vegetação e produção literária. Na minha opinião, o resultado final foi proveitoso e despertou nos alunos um olhar diferenciado e investigativo para nossa origem”, acrescentou a Professora Jane Braga (No site <http://www.salesianoniteroi.com.br/SR/dest029.html>).
Todas as máscaras, independente de sua função cultural ou intenção artística, estão fundamentadas em três grandes estruturas: formas, textura e cor. Segundo Reily (1986), as dife-
rentes fases de aprendizagem de um fazer artístico visual estão inseridas na construção de objetos artísticos que se seguem: • Colagem: O uso das mãos é a primeira habilidade artística pretendida com os estudantes, pois a partir do desenvolvimento de sua coordenação motora ampla e fina é possível realizar outras atividades que posteriormente os estudantes precisarão realizar. • Desenho: No desenvolvimento desta fase da aprendizagem artística, o estudante precisará de melhor psicomotricidade para a sua realização, pois na fase de construção do desenho, outros conceitos mais complexos de habilidade são exigidos. Como também outros conceitos de técnicas e materiais podem ser explorados. Exemplos de materiais para a produção de desenhos temos: lápis de diferentes densidades de grafite (HB, 1B, 2B, 4B, 6B), lápis de cera, lápis de cor, caneta hidrográfica, hidrocor, giz colorido, entre outros. • Pintura: Inicialmente é sugerido que se faça a partir das mãos. Então, pode-se começar a trabalhar a pintura carmos a pintura das mãos, dos pés ou ainda o dedo sendo utilizado como pincel. Essa fase é anterior à habilidade de uso de ferramentas de pintura. Podemos verificar também que é possível usar diferentes qualidades e tipos de tintas, como óleo, acrílica ou PVC. • Uso de ferramentas: Nesta fase o estudante precisará de maturidade motora e psicológica para o uso de ferramentas, como tesouras, estilete, espátulas, pincéis, goivas entre outros, na produção de uma obra de arte. • Modelagem: Neste momento do desenvolvimento de habilidades do estudante, é preciso uma melhor compreensão do que se deseja produzir. Já que modelar
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com os dedos. É comum na educação infantil verifi-
é utilizar-se de um modelo para a produção de arte. Assim, vemos nesta fase uma necessidade de pesquisa por parte dos estudantes, já que eles necessitarão de fontes de inspiração para a construção deste saber artístico. • Escultura: Pode ser realizada a partir de diferentes materiais. Esculpir já é uma habilidade muito mais complexa do que as anteriores, pois se entende que a obra precisa ser visualizada anterior às primeiras relações com a ação de esculpir.
Exposição de máscaras Sugestão: criação de um CD de imagens em JPEG para ser visualizado por estudantes utilizando um aparelho de DVD e TV. A exposição, normalmente é a culminância de todo um trabalho realizado ao longo do ano pelo professor, pois é uma maneira dos estudantes poderem apreciar, e analisar as suas próprias produções e a dos demais colegas.
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• Pintura de máscaras: Pode ser feita a partir de diferentes técnicas como, por exemplo, a colagem de máscaras utilizando papel ofício colorido. É uma ótima opção para o estímulo à criatividade do estudante no uso das cores, todavia, a sua textura faz com que o produto final não tenha uma resistência no uso. • Máscaras usando pratos de papel: Os pratos podem ser cortados na altura dos olhos, nariz ou boca, depois pintados e presos por elásticos ou barbantes. • Máscaras utilizando sacos de papel: Pode-se utilizar também não apenas a pintura, mas também a colagem de papéis coloridos. • Reciclagem de material na confecção de máscaras:
Trabalho que exigirá do professor pesquisa e do estudante criatividade. • Máscaras com atadura engessada: Usa-se anterior à atadura um óleo no rosto do estudante para que a mesma não grude em sua face. A atadura é aberta, molhada e depois modelada no rosto de cada um deles. Ao final cada um terá um molde de seu próprio rosto. • Máscaras com papel micro-ondulado: Devido à sua firmeza é um excelente material para confecção de um produto que tenha uma utilidade duradoura. • Máscaras com argila: Desenvolve habilidades de modelagem e escultura. • Máscaras de papel machê: Assim como a argila, o papel machê é utilizado para o mesmo fim, modelagem e escultura. Finalizamos esta unidade com duas receitas para confecção de máscaras. Aproveite!
Receita 1 Material necessário: jornais; cola fria e um recipiente. Etapas: 1. Rasgue o jornal em pedaços não muito grandes e coloque-os em um recipiente; 2. Despeje sobre eles água e deixe o papel amolecendo por 24 horas (ou, no mínimo, por 10 a 12 horas). Acrescente um pouco de água sanitária para tirar o mau cheiro; 3. Esprema a massa para tirar o excesso de água e bata no liquidificador; 4. Recoloque as bolas formadas no recipiente, adicione a cola e forme uma massa, de preferência, compacta; trabalhe-a bem com as mãos e ela está pronta para ser usada. Observação: Se você quiser pode passar um verniz para dar brilho na peça e também para impermeabilizá-la.
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Receita 2 Material necessário: 1/4 de rolo de papel higiênico; farinha de trigo; gesso em partes iguais a da farinha de trigo e cola fria. Etapas:
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1. Corte o papel em pedaços bem pequenos e deixe-os de molho em bastante água durante a noite; ferva-os na mesma água, durante uma hora. Para obter melhor qualidade no trabalho, é importante que o papel fique completamente desmanchado; 2. Em seguida coe o papel num pano, até tirar toda a água. Coe de cada vez quantidades que você possa espremer facilmente com as mãos e não misture esses “bolos” entre si; 3. Depois de espremido todo o papel, acrescente o gesso e a farinha de trigo, previamente misturados. A proporção para a massa é de uma colher de sopa cheia da mistura farinha-gesso e uma colher de sopa de cola fria, para cada “bolo” de papel; 4. Amasse bem, até obter uma pasta homogênea. Se estiver muito seca pode esfarinhar. Neste caso, acrescente água aos pouquinhos, até obter o ponto em possa trabalhar a massa. Se a água começar a escorrer entre os dedos, é porque você colocou quantidade excessiva. Neste caso, acrescente um pouco mais de gesso. Observação: Não prepare quantidade maior de massa do que aquela que você pretende usar, pois uma vez seco o gesso, não será possível aproveitar a massa. Se desejar fazer escultura com esse material, não use gesso, ao preparar a mistura. Faça-a apenas com o papel, farinha e cola fria, na proporção indicada anteriormente.
SÍNTESE Na presente unidade pudemos observar imagens que nos trazem leituras diferenciadas a respeito do mesmo tema. Assim podemos desenvolver, em sala de aula, atividades que envolvem leituras e releituras de obras cujos temas podem ser variados: dança, guerra, fome, sofrimento, temas pueris como brincadeiras de crianças, e desta forma trabalharmos conteúdos específicos ou temas indiretos do que propomos no cotidiano. Durante esta unidade, foi possível visualizar várias imagens de máscaras. Desde máscaras de realidades culturais e étnicas, máscaras de carnaval de diferentes tipos, até máscaras de personagens de filmes e desenhos animados como Power Rangers e a Hello Kitty. Isso nos possibilita refletir sobre os diferentes aspectos do mesmo objeto artístico: a máscara. Dialogue com os seus colegas a respeito dos diversos usos da máscara e as suas diversas significações!
Vimos na presente unidade as implicações sociais e culturais de um fazer artístico-pedagógico. Como tema de produção utilizamos as máscaras, elemento permeador desse mesmo fazer. Vimos também as diferentes fases do desenvolvimento de produção artística, e concluímos com sugestões de técnicas para a confecção de obras de arte em sala de aula. Em nossa próxima unidade iniciaremos uma abordagem sobre os fundamentos do Teatro, buscando delinear sua genealogia, indicando marcadores históricos e comentando seu desenvolvimento como linguagem. O levantamento dos elementos que constituem o fazer teatral e a identificação de
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QUESTÃO PARA REFLEXÃO
sua tríade essencial, bem como dos gêneros e de noções de dramaturgia, também pautarão nossa agenda. Portanto, prepare-se para o próximo “ato”.
LEITURA INDICADA FILIPOUSKI, A. M.; KEHRWALD, I. P. Educação brasileira depois dos PCN: visão de futuro. Disponível em: <http:// www.artenaescola.org.br/pesquise_artigos_texto.php?id_ m=101>. Acesso em 20 jun 2008. Este artigo é muito interessante, pois aborda questões educativas em sua relação com os parâmetros curriculares nacionais. Os PCNs serão mais pormenorizadamente analisados e estruturados na unidade 8. Mas essa leitura é uma prévia para o desenvolvimento crítico de uma compreensão sobre a importância da arte em sala de aula.
SITES INDICADOS
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<http://www.inzotumbansi.org/malu.htm> Neste link é possível visualizar uma série de textos que nos trazem contribuições para a compreensão de questões étnicas ligadas ao povo negro. Dentre os textos é possível acessar um que foi citado na presente unidade com o intuito de facilitar a compreensão do elemento máscara como objeto de arte e religião. É importante essa leitura, pois possibilita desenvolver compreensões de objetos de arte em seus aspectos culturais, sociais e étnicos. <http://www.proa.org/exhibiciones/pasadas/portinari/salas/ id_portinari_retirantes.html> Este site nos apresenta diversos links para obras de Cândido Portinari. Você pode utilizá-las em sala de aula com propos-
tas de releituras, assim construindo possibilidades para um fazer arte-educador, criando um ambiente propício à reflexão em torno de situações sociais e culturais de nosso país. <http://www.escolaoficinaludica.com.br/brincadeiras/historias.htm> Trata-se de outro site em que podemos observar uma das imagens propostas nesta unidade e também verificar a relevância das brincadeiras infantis na construção de saberes. <http://racabrasil.uol.com.br/edicoes/108/artigo43639-1.asp> Este link nos permite acessar o texto completo que foi utilizado na presente unidade. Fala de obras de arte africanas e também da máscara africana em seus aspectos estéticos, culturais e religiosos.
REFERÊNCIAS BARBOSA, A. M. A imagem no ensino da arte. São Paulo:
FUSARI, M. F. R.; FERRAZ, M. H C. T. Arte na educação escolar. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. KEHRWALD, I. P. Ler e escrever em Artes Visuais. In: BITENCOURT Conceição et al. Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. 6. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. MEIRA, M. M. Educação estética, arte e cultura do cotidiano. In: PILLAR, A. D. (Org.). A educação do olhar no ensino das artes. Porto Alegre: Mediação, 1999.
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Perspectivas, 1991.
PINTO, A. O. A máscara enquanto objeto de arte e religião entre os yaka do kuango. In: site “Inzo Tumbansi”. Disponível em: <http://www.inzotumbansi.org/malunda10.htm>. Acesso em: 26 jun. 2008. REILY, L. H. Atividades de artes plásticas na escola. São Paulo: Pioneira, 1986. Site “Arte-Educação”: <http://www.arteducacao.pro.br/Artigos/educativa.htm>.
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(4)
E ducação musical – fazer música
Albérico Salgueiro de Freitas Neto
Olá! Nesta quarta unidade você vai estudar a música na sua prática, com o objetivo de pensar nos elementos do som e da música e de descobrir como utilizar esses conteúdos no cotidiano educativo. Você vai estudar a respeito dos fundamentos da educação musical, especificamente das técnicas: a relação do fazer musical – cantar, tocar, interpretar – com teóricos e teorias da música e como subsídio para o desenvolvimento cognitivo e emocional, tendo em vista as relações entre música e educação. Bons estudos!
Iniciemos esta unidade com a apreciação de uma pintura de Jan van Kessel: A alegoria da audição (1626-1679)
Fonte: <http://dulcians.org/iconography.htm>.
Como se vê, esta obra é uma pintura que retrata um conjunto de instrumentos musicais. A sua importância é significativa para percebermos a contextualização dos instrumentos e a relação existente entre o cotidiano musical. Na obra é possível observar diferentes tipos de instrumentos, de Arte e educação
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corda pinçada (alaúde, o avô do violão), de corda friccionada (violinos e violoncelos), instrumentos de sopro de diversos materiais (metal e madeira) e instrumentos de percussão. Trata-se de um exemplo perfeito da relação existente entre as artes, pois é uma obra de arte visual que aborda um assunto musical. Assim compreendemos que podemos fazer diversas relações entre as muitas artes. Você pode perceber que o cotidiano está encharcado de elementos musicais. Vemos todos os dias os sons vindos das ruas, dos bares, das pessoas que cantam... Historicamente falando, a música é entendida como um elemento que está associado a algo maior, diverso, que pode ser compreendido como um aspecto em que todos os povos do mundo, em suas realidades sociais, possuem instrumentos musicais e também saberes a respeito da música como forma de linguagem.
Aqui, inicialmente, trataremos das características físicas do som e as relações pedagógicas com esses conteúdos. A música não é apenas som. O som é um dos elementos que formam a música. A música é algo bem mais complexo, que envolve o som organizado de forma a produzir uma linguagem. Mas vamos, inicialmente, pensar a música somente como o elemento que a compõe: o som. O som é energia, fonte sonora vibrante, e é composto, em suas propriedades físicas, por quatro elementos: altura, timbre, intensidade e duração. Altura: No aspecto do som composto pela altura (grave e agudo) é estabelecida a sua comunicação dos corpos vibrantes (sonoros) como peso e comprimento, assim como frequência. “A altura de um som musical corresponde à sensação que nos permite distinguir entre sons mais graves e mais agudos” medida em que a altura musical é determinada pela medi-
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da da onda (frequência) que o corpo é capaz de produzir. “A
Educação musical – fazer música
(NUSSENZVEIG, 1981, p. 133). Essa relação se estabelece na
relação entre altura e frequência foi comprovada experimentalmente por Hooke em 1681” (NUSSENZVEIG, 1981, p. 133). A priori, corpos maiores e mais pesados produzem sons mais graves e corpos menores e mais leves sons agudos, porque a altura do som é definida pelo comprimento da onda que o instrumento é capaz de produzir. Corpos com maior peso e comprimento produzem ondas com maiores comprimentos. Para compreender melhor essa questão é só pegar um violão, tocar as diferentes cordas e comparar a mais grossa com o som de outra mais fina. Ao final deste exercício, você perceberá que a relação entre grave e agudo é proporcional à espessura da corda.
A altura musical é definida pela frequência, os sons produzidos por vibrações mais lentas possuem frequências mais baixas e soam mais grave; já as vibrações mais rápidas possuem frequências mais altas e soam mais agudas. “A altura medida pela freqüência é a única característica que, mais que qualquer outra, distingue sons musicais da mistura heterogênea de freqüência chamada ruído. Um TOM musical é definido por uma freqüência” (FERENCE JR., 1960?, p. 63). A altura musical é responsável por determinar as notas musicais: o dó, o ré, o mi... Cada nota possui sua própria frequência sonora. Timbre: é a característica particular, pessoal do corpo que produz o som, linguagem subjetiva de caráter unitário, ou seja, os aspectos únicos dos corpos que produzem essa sonoridade timbrística. Desta forma, o timbre sonoro realiza produz. Cada corpo tem o seu timbre característico construí-
Arte e educação
uma unicidade, pois está atrelada ao corpo específico que a 94
do a partir da natureza do seu próprio corpo. Para entender melhor essa questão, compare o som de diferentes materiais: plástico, vidro, metal, madeira, pedras... Você virá verificar que cada tipo de material tem um som característico, assim como cada forma de produzir som no instrumento também tem o timbre característico: instrumentos de corda, sopro, percussão etc. Outro aspecto fácil de identificar na voz é o timbre. Você irá perceber que é capaz de reconhecer uma pessoa somente pelo timbre de sua voz. “Nem todos os tons da mesma frequência e intensidade têm o mesmo efeito psicológico sobre o ouvido. O dó agudo de uma flauta pode ser facilmente distinguido da mesma freqüência produzida por um violino e a dife-
rença é essencialmente devida à diferença das intensidades relativas dos harmônicos nos dois tons e estes por sua vez, aos diferentes métodos pelos quais os sons são produzidos.” (FERENCE JR., 1960?, p. 65). “O timbre representa uma espécie de coloração do som.” (NUSSENZVEIG, 1981, p. 135). “Se na roda de Savart se troca a cartolina por uma fina prancha metálica, para freqüências iguais o ouvido distinguirá uma diferença no som; esta diferença proporciona o timbre, que é o que caracteriza de forma particular o manancial sonoro.” (PÉREZ MIÑANA, 1969, p. 39, tradução nossa). “Qualidade distintiva dos sons da mesma altura e intensidade, e que resulta dos harmônicos coexistentes com o som principal.” (FERREIRA, 1991).
Como sugestão de atividade em sala de aula, temos: pegue diferentes materiais, como plástico, vidro, metal, madeira, e depois faça um ditado de timbres para o desenvolvimento de habilidades auditivas no reconhecimento do material. É muito interessante, e os estudantes poderão explorar a habilidade e a construção sonora e auditiva. Outro aspecto interessante para ser considerado ao ouvir uma música é o exercício de tentar identificar quais são os instrumentos que estão sendo tocados. A intensidade do som é proporcional à força utilizada no corpo para produzi-lo, assim, a intensidade é o volume, a potência; a intensidade musical se manifesta acusticamente na maior ou menor amplitude de relações entre o corpo emissor sonoro e a energia que se desprende dessa emissão. Em outras palavras, é dizer que um som é fraco ou forte. Se o som
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é forte, então mais energia se desprende do corpo emissor; se o som é fraco, menos energia se desprende do corpo. “[...] medida pela quantidade de energia que atravessa uma unidade de área em 1 segundo ou, em unidades práticas, por decibéis. Também foram deduzidas expressões que mostram que a intensidade de uma onda de movimento harmônico simples depende dos quadrados da amplitude e da freqüência de vibração.” (FERENCE JR., 1960?, p. 64).1 “Intensidade: Segundo o vigor que a perturbação produz nas moléculas o som será mais ou menos intenso. Este vigor se traduz em uma maior ou menor amplitude de oscilação na vibração molecular.” (PÉREZ MIÑANA, 1969, p. 34, tradução nossa).
Para compreendermos melhor essa questão peguemos
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um tambor e uma baqueta. Você verificará que para ter um som mais forte é preciso percutir no tambor com mais força, e para um som mais fraco, então, se percute com menos intensidade... Ou seja, para que o tambor vibre mais energia é preciso imprimir (percutir, bater) nele mais com mais energia.
1. No original: “Intensidad: Según el vigor que la perturbación produce en las moléculas el sonido será más o menos intenso. Este vigor se traduce en una mayor o menor amplitud de oscilación en la vibración molecular”.
Azulejos, autor desconhecido. Primeira metade do século XVIII, Quartel do corpo de bombeiros, Av. Dom Carlos I, Lisboa, Portugal. Local original: Convento da Esperança, Lisboa, Portugal.
Fonte: <http://www.dulcians.org/pictures3/Azulejo-Esperan%E7a-M%FAsicos-Total_a%20.jpg>.
Quarto elemento – duração – que estrutura o som envolve um aspecto da música muitíssimo conhecido chamado ritmo. A duração do som, tomando-se como elemento o decorrer do tempo e a sua medição – o ritmo – é a comprovação da organização em conjuntos dos elementos do próprio tempo. Desta forma, o tempo pode ter um aspecto tanto musical (ritmo) quanto matemático (contagem do tempo). A música é construída dentro de um pulso. Toda a construção rítmica está subordinada a um decorrer do tempo que fundamenta a sua estruturação na pulsação. Esse pulso pode ter
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Você consegue ouvir o som vindo da obra de arte? Percebe que é possível ouvirmos sons mesmo utilizando somente a visão? Tente criar um desenho no qual seja possível ouvir sons vindos da imagem.
um decorrer preciso, metronômico,2 ou impreciso com variações que se revelam na qualidade de intenção composicional, como ralentando e acelerando. Basicamente, o ritmo é construído a partir de três aspectos. O primeiro é a subdivisão fracionária do tempo; o segundo a análise combinatória dessa divisão; e o terceiro os aspectos de caráter cultural/emocional. Os elementos que constituem o ritmo, porém, são alicerçados não apenas na duração e combinação do som, mas na combinação de som e silêncio (pausas) que arranjados de certa forma estruturam o ritmo. Antes de falar sobre os outros elementos da música, precisaremos revisar um aspecto muitíssimo importante: quando falamos de altura do som nos referimos ao fato de ele ser grave ou agudo, mas quando nos referimos ao volume do som dizemos que é forte ou piano (fraco). Então não podedo... mas dizemos sim “esse som está muito forte”, entendeu?
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mos dizer que “esse som está muito alto!”, isso não faz senti98
Já que começamos a falar de ritmo, continuemos então com os outros elementos da música como melodia e harmonia. A melodia é a sucessão de sons formando a música, a harmonia é o conjunto de sons tocados simultaneamente. Para se compreender o que é ritmo, melodia e harmonia pensemos em um cantor ou cantora cantando uma canção sendo acompanhado(a) por um violão. O ritmo e a melodia estarão presentes na sua voz e a harmonia da música no violão. Agora, para um entendimento mais detalhado do que é harmonia, vamos ler um trecho que trata sobre esse conceito.
2. Que se refere ao metrônomo, um relógio sonoro que produz sons regulares na velocidade que se deseje. É utilizado a fins de estudo para desenvolver precisão rítmica.
Na música, a harmonia constitui um conjunto de sons relacionados através da adoção de um sistema tonal fixo. Para muitos, harmonia é sinônimo de música; contudo, o conceito corrente da harmonia musical, do afinado ou desafinado, é algo tipicamente ocidental, que dificilmente se aplicaria à música clássica chinesa ou hindu, dissonante aos nossos ouvidos. Música chinesa, por exemplo: acreditava-se que sua principal função era sustentar – e reproduzir – a eterna harmonia entre o Céu e a Terra. Por isso nada se passava sem um som, fosse uma festa na corte ou um ritual aos ancestrais. Muito antes dos ocidentais, os chineses possuíam grandes orquestras com sopros, cordas e percussão. Cada instrumento era classificado conforme seu material: a categoria “Bambu” para muitos instrumentos de sopro, a “Madeira e Couro” para percussão, a “Pedra” para ressonadores, “Metal” para gongos e até mesmo “Seda” para o chin, uma cítara de sete cordas de espessuras diferentes. A música oriental é apenas um dos casos em que é preciso acertar o ouvido para novas harmonias. Outro é o das composições atonais, como as de Arnold Schönberg.
Até o momento, você conheceu os aspectos físicos e matemáticos do som e da música, agora é o momento de entrar em conteúdos propriamente da educação musical. A educação musical desenvolve a capacidade intelectual, física e moral de um ser humano, em geral. Não é apenas um trabalho para aquisição dos conhecimentos da música. Este aprendizado inclui tanto a aprendizagem dos elementos básicos da música (ritmo, melodia, harmonia, forma, textura e timbre) como outros elementos interdisciplinares (históricos, étnicos e estéticos). É imprescindível salientar que a educação musical inclui a educação em música e a educação através da música, a depender de cada grupo ou estudante que está
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Fo nt e:<ht t p://p t .w i k ip e d i a.or g /w i k i / Harmonia_%28m%C3%BAsica%29>.
sendo orientado, respeitando as diferenças, o processo individual de aprendizagem e as dificuldades e facilidades de construção de conhecimentos. “A pedagogia musical pretende estabelecer a livre expressão do educando no trinômio orfiano composto pela palavra, a música e o movimento” (AGUIRRE DE MENA; MENA GONZÁLEZ, 1992, p. 13, tradução nossa).3 O processo da educação musical está alicerçado em um contexto maior de educação. Não se pode querer fazer uma educação musical fundamentada em habilidades artísticas opressoras, repetir à exaustão, acreditar que o aluno não conhece música e que o professor irá ensiná-lo. Cada aluno já possui a sua vivência anterior em arte fundamentada nas suas realidades culturais, sociais e emocionais. Respeitá-lo como um ser autônomo, capaz de realizar atividades fundamentadas nos seus próprios anseios e desejos. Portanto, a educação musical deve ser uma educação libertadora. cal tendo em vista o aprendizado de habilidades e conteúdos
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Passaremos, agora, a refletir sobre a educação musi100
musicais, para tanto serão expostos os pensamentos de diversos autores nos aspectos relevantes à compreensão da educação musical e os seus fundamentos teóricos. Nenhum autor especificamente fala de aspectos totais em relação à educação musical. Desta forma, a construção da fundamentação teórica se dá através de um apanhado de autores no qual é feita uma bricolagem tendo como foco central não a escolha de um autor, mas a união de autores construindo um método próprio para as necessidades de diferentes tipos e grupos de estudantes. Os estudantes que produzem e pesquisam música, desenvolvem aspectos de construção de sua imagem mental
3. No original: “La pedagogía musical pretende establecer la libre expresión del educando en el trinomio orffiano compuesto por la palabra, la música y el movimiento”.
do corpo; com isso passam a ter com o corpo uma relação de expressão rítmica, melódica, constrói intenções emocionais: “tocar forte”, “tocar fraco”. Estabelece relação com o espaço, com os objetos no espaço e com outras pessoas. A música, na sua educação musical, como habilidade motora ajuda os sujeitos a desenvolverem aspectos relevantes às habilidades auditivas, sensoriais e a ordenar o sistema motor (WILLEMS, 1970), favorecendo o desenvolvimento da capacidade de expressão das ideias subjetivas e da linguagem. Como reação contra o intelectualismo em que desemboca o racionalismo do século XIX, aparecem os métodos ativos (Montessori, Decroly, Método Dalton ou Parkhurst). Seus autores são os principais representantes do movimento denominado “Escola Nova”, cujas raízes devemos buscar na linha das pedagogias sensoriais inaugurada por Comenio e Rousseau, e logo continuada por Pestalozzi (1745-1827) e A professora Gainza (1964, p. 20) ajuda a compreender
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que o campo de pesquisa sobre educação e sensorialidade,
Educação musical – fazer música
Froebel (1782-1852).
ou as pedagogias sensoriais é muito amplo e diversos autores podem nos fundamentar sobre ações em sala de aula. Ajudam a construir nossas ações de pedagogia musical! Um dos autores que ora destaco é Dalcroze. Ele se refere ao uso da música como suporte para o desenvolvimento de habilidades que concernem à movimentação e mobilidade. Para ele, a música está totalmente integrada com o movimento. Todo movimento é rítmico, material, tem necessidade de espaço-tempo e a regularidade dos movimentos desenvolve a mentalidade rítmica. Portanto, a utilização da música, unida ao movimento, é a base do desenvolvimento rítmico cognoscitivo do homem. A sensação de movimento reforçará o desenvolvimento intelectual do ser humano em geral por meio
da música. Movimentações como marchar em círculo para a direita, para a esquerda, fechando o círculo, abrindo-o desenvolve capacidades cognoscitivas de lateralidade. Movimentações a partir do comando de voz, usando todas as direções somadas a diferentes expressões e gestos. No trabalho com a dinâmica são utilizadas diferentes maneiras de andar: marcha lenta, marcha rápida, andar na ponta dos pés, andar com passos longos etc. O importante é a coerência do movimento com a música. Para Carl Orff (apud CHOSKY et al., 1986), a educação musical deve estar envolvida com a palavra e o movimento, essa união é o que faz a completude da educação. Orff defendia que a música deve estar articulada a elementos que a transformem em uma atitude ativa. Para ele, a educação musical deve estar sempre vinculada à palavra. A habilidade de tocar um instrumento deve ser unida à improvisameio do cantar, da prática de recitativos, execuções musi-
Arte e educação
ção e criação. Habilidades musicais serão desenvolvidas por 102
cais e exercícios rítmicos de vivência corporal. Defendeu a prática antes da teoria, não se preocupando com a segunda questão. Para Orff, a música é o resultado natural da fala, do ritmo e do movimento, estabelecendo-se, assim, a tríplice aliança artística, igualmente almejada por ele – música, dança e drama. Outro autor que vamos ver agora é muito importante, pois ele é um estudioso de Piaget, e sua pesquisa em educação musical se baseia em questões de respeito à individualidade na aprendizagem, como cada pessoa tem o seu tempo e processo de aprender. Vamos ampliar o nosso conhecimento artístico? Acesse o texto “Carmina Burana: a cantata cênica em latim medieval”, de Eliana da Cunha Lopes, disponível no site <http:// www.filologia.org.br/ixcnlf/13/04.htm>. Esse texto é uma rica
fonte de pesquisa sobre uma das músicas de Carl Orff mais famosas: “Carmina Burana”. Nesse endereço, você poderá ler o texto da obra e conferir a sua tradução. Vale também a pena conferir e ouvir um trecho dessa canção no link <http://www.youtube.com/watch?v=lF7_ PhB9coo> e, ao mesmo tempo, poderá ler a partitura do coro. A vida e a obra desse autor podem ser pesquisadas no link <http://pt.wikipedia.org/wiki/Carl_Orff>. Já Swanwick (1993, p. 13), em sua teoria espiral, confirma o quanto cada aprendizado (de cada aluno) tem um caráter próprio. Cada indivíduo possui o seu mecanismo próprio de desenvolvimento de habilidades psicomotoras, artísticas (estéticas) e emocionais. “Ensino sem afetividade, análise sem intuição, habilidades artísticas sem prazer estético; esta é a receita para um desastre educacional”. É necessário o respeito à individualidade de cada evolução das suas habilidades que se intercomunicam.
103
Swanwick (1991) afirma que o aprendizado da música só é
Educação musical – fazer música
aluno, pois o seu desenvolvimento está ligado a fases de
possível se essas habilidades forem trabalhadas numa ótica multifacetada. A improvisação é um aspecto que deve sempre ser levado em consideração, como também o solfejo, a prática musical, a escuta dos colegas em sala de aula, apresentações em público, para desenvolver desta forma uma educação musical ampliada. No âmbito desta mesma teoria, este mesmo autor defende a ideia de que para acontecer uma educação completa através da música é necessário desenvolver atividades musicais variadas fundamentadas em cinco aspectos básicos – TECLA: Técnica, Execução, Composição, Literatura e Apreciação.
T(écnica) – manipulação de instrumento, notação simbólica, audição; E(xecução) – tocar, cantar, dançar e cantar, tocar e cantar, tocar e dançar e tocar; C(omposição) – improvisação, criação, construção musical estruturada em formas ou modelos, podendo ou não ser preestabelecidos pelo professor, mas também livremente estabelecidos pelos estudantes em seus fazeres musicais. L(iteratura) – história da música, leitura musical. A(preciação) – reconhecimento de estilos, características culturais da música, forma, tonalidade, graus.
Diferente de Swanwick, Kodaly pensava a música em seu caráter mais simples, compreendia que as canções do nosso cotidiano promovem subsídios para se trabalhar os conteúdos musicais que se deseja alcançar. Para Kodaly as canções folclóricas são uma das bases da educação funidentidade cultural. Mas quem foi Kodaly? Kodaly foi um
Arte e educação
damentada nas características de um povo, ou seja, em sua 104
educador musical incentivador da música nas escolas, o que corrobora com a construção de um curso de música. Esse autor faz a confirmação artística das canções folclóricas, ele as utiliza como subsídios para a educação musical. Para conhecer um pouco mais sobre a vida e obra deste músico-educador, visite o link <http://pt.wikipedia.org/wiki/Zolt%C3%A1n_ Kod%C3%A1ly>. Veja a foto desses autores nos seguintes links: <http://www.naxos.com/composerinfo/13162.htm> <http://ublib.buffalo.edu/libraries/units/music/exhibits/ perry/kodaly.html> Tanto Kodaly quanto Willems têm em comum os aspectos da afetividade musical. Willems é uma fonte de pesquisa sobre da relação entre a música e a aprendizagem. Edgard
Willems foi um educador musical fundamentado na relação entre a música e o homem. Esse autor defendia a música como linguagem, assim como a relação entre psicologia e música. “Nas grandes linhas nós distinguimos: a sensorialidade auditiva, a afetividade auditiva e a inteligência auditiva” (WILLEMS, 1970, p. 56). Para Willems, a sensorialidade está vinculada aos aspectos de ritmo, que são também os aspectos instintivos do homem. A afetividade está vinculada à melodia, e a harmonia ao intelecto. Ele, porém, não inclui, em sua obra, os aspectos sociais e culturais que estão vinculados a esses três elementos ou quanto a sensorialidade, a afetividade e a inteligência podem estar vinculadas a todos os aspectos humanos cognoscitivos. Willems ajuda-nos a compreender melhor a música em seu aspecto psicológico, e o uso da inteligência, construção de habilidades artísticas. do a respeito da criatividade na exploração sonora, Martenot.
105
Ele estimulava os estudantes a construir instrumentos musi-
Educação musical – fazer música
Existe ainda outro autor que nos é importante no estu-
cais, pois assim seria possível desenvolver pesquisas em sonoridades. Martenot contribuiu para o desenvolvimento de timbres sonoros, criou instrumentos e formas diferenciadas de tocá-los, pois acreditava que os estudantes têm o direito de explorar a sonoridade dos instrumentos, e também com isso desenvolveu diversas técnicas de educação musical. Finalmente, vamos falar sobre Suzuki, um teórico japonês que criou um método e se difundiu no mundo todo, principalmente no que se refere ao estudo de violino e flauta transversal. Acesse on-line a seguinte imagem: <http://www.musicteachers. co.uk/journal/index.php?issue=2001-06&file=millar>.
Suzuki foi um importante músico e professor. Defendia, basicamente, que a educação musical deveria ser realizada do mesmo jeito que a criança aprende a falar, por meio da audição. Suzuki defendia que qualquer criança pode desenvolver habilidades musicais, assim o seu método consistia em conjunto de canções do cancioneiro popular e folclórico de diversos países. Outro aspecto muito importante dos fundamentos da educação de um instrumento musical, Suzuki defende que uma criança não deve começar os seus estudos com instrumentos de adulto, mas sim com instrumentos adaptados no seu tamanho para as mãos infantis. Assim quando uma criança começa a estudar violino, ela utilizará um instrumento que é 1/32 de um de adulto, e à medida que a criança vai crescendo e desenvolvendo os seus estudos no instrumento vai aumentando o tamanho do instrumento, então ela pasaté finalmente alcançar o tamanho original. Desta forma, os
Arte e educação
sará a utilizar de um violino de 1/16 depois de 1/8, 1/4, 1/2 106
estudantes se desenvolvem mais precocemente. Para maiores pesquisas sobre esse método e autor indicamos o site <http:// suzukiassociation.org>.
SÍNTESE Vimos, nessa unidade, os elementos do som: altura, intensidade, timbre e duração. Vimos também os diversos elementos que compõem e estruturam a música: melodia, ritmo e harmonia; vimos, ainda, que a música é um aspecto da arte que está presente em nosso cotidiano e que podemos utilizar os elementos que a compõem em uma realidade didática numa prática pedagógica. Estudamos, também, os diversos autores que contribuem para uma reflexão e ação de educação musical: Ana de
Mena González e Olga Aguirre de Mena discutem a relação entre corpo e música. Dalcroze nos fornece subsídios para compreender a relação entre música e movimento. Martenot nos inspira a desenvolver instrumentos e a explorar a sonoridade deles. Kodaly, foi um grande incentivador da música nas escolas, defendia que as crianças devem aprender as canções da sua realidade social e cultural. Orff defendia a prática antes da teoria, e que a música se constrói relacionando palavra e movimento. Willems, fala da relação entre ritmo, melodia e harmonia e como essas habilidades musicais estão relacionadas com a corporeidade, sensorialidade, afetividade e inteligência. Suzuki baseia a educação musical em canções folclóricas de diferentes culturas, promovendo uma pesquisa em cantigas de muitos países, assim como na educação de instrumento para criança adaptado ao tamanho da mão da criança. Swanwick explica sobre a importância de uma educação sensível à individualidade de cada estudante, os aspec-
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Comparemos as diferentes obras de arte que vimos ao longo da unidade. Podemos comprovar que todas elas são formas de representação visual de elementos sonoros. Pensemos sobre a relação entre as diferentes artes e os sentidos. De que forma podemos, em sala de aula, realizar atividades utilizando os sentidos da visão e da audição? Depois de estudar os diversos métodos e teóricos da educação musical, o que eles têm em comum ou diferente? Discuta sobre isso com os seus colegas.
107 Educação musical – fazer música
tos particulares de cada um, e o respeito à subjetividade.
LEITURA INDICADA Há um texto interessante que fala sobre a ação do professor especialista em música e o professor generalista, e também promove reflexões num âmbito acadêmico a respeito dos processos de educação musical. Ele se encontra no site <http://www. ceart.udesc.br/Revista_Arte_Online/Volumes/artteresa.htm>.
SITE INDICADO Um bom lugar para pesquisar sobre o método Dalcroze de educação musical é o endereço eletrônico <http:// br.geocities.com/leonardoabviana/metodo_dalcroze.htm>.
REFERÊNCIAS AGUIRRE DE MENA, O.; MENA GONZÁLEZ, A. Educación
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musical: manual para el profesorado. Aljibe: Archidona, 1992. CHOSKY, L.; ABRANSOM, R.; GILLEPIE, A. et al. Teaching music in the twenty century. New Jersey: Prentice-Hall, Inc., 1986. FERENCE JR., L. S. Curso de física, ondas (som e luz). São Paulo: Universidade de São Paulo/Edgard Blucher, 1960. FERNANDES, J. N. Pesquisa em educação musical: situação do campo nas dissertações e teses dos cursos de pós-graduação stricto sensu em Educação. Revista Opus, nº 6, out. 1999. FERREIRA, A. B. de H. Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa. 11. ed. Salvador: Gamma, 1991.
GAINZA, V. H. de. La iniciacion musical del nino. s.l.: Ricordi, 1964. MATEIRO, T. da A. N. Educação musical nas escolas brasileiras: retrospectiva histórica e tendências pedagógicas atuais. Periódico on-line de Artes. Disponível em: <http://www. ceart.udesc.br/Revista_Arte_Online/Volumes/artteresa.htm>. Acesso em: 31 out. 2007. NUSSENZVEIG, H. M. Curso de física básica. São Paulo: Edgard Blucher, 1981. PÉREZ MIÑANA, J. Compendio práctico de acústica. Barcelona: Editorial Labor, 1969. SWANWICK, K. Permanecendo fiel à educação musical.
______. Música, pensamiento y educación. Madri: Ediciones Morata, 1991. WILLEMS, E. As bases psicológicas da educação musical. Patrocinada pela F.C. Gulbenkian. Paris: Pro musica Bienne, 1970.
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Trad. Diana Santiago. In: Anais da ABEM, 1993.
(5)
E lementos de danรงa e breve histรณria da danรงa
Albérico Salgueiro de Freitas Neto
Olá! Nesta unidade, você vai estudar os elementos da dança, ou seja, o corpo na relação com o movimento, o tempo e o espaço; mais em especial o corpo em seu equilíbrio e o surgimento do movimento com intenção de dançar. Depois estudará uma breve história da dança e sua relação com as diferentes culturas, desde a dança primitiva, concepções relevantes entre diferentes concepções de corpo até a contemporaneidade e diversas formas de expressão. A importância desses conteúdos encontra-se em nos ajudar a compreender melhor as características básicas do movimento. Podemos utilizar a nossa criatividade e propor diversas atividades em sala de aula. Bons estudos!
Indubitavelmente o corpo é o principal elemento da dança, mais especificamente uma intenção do movimento. O que é a intenção do movimento? É a capacidade de expressão do corpo, de comunicação dele. É a partir dessa perspectiva que podemos perceber que a dança-educação se imbrica com a corporeidade e a educação. Assim, como nos elementos da música: o som e o não som (silêncio, pausa), vocês iniciarão o seu estudo dos elementos da dança, partindo do movimento e da condição do corpo do não movimento, de permanecer parado, ou em equilíbrio estático.
5.1
Arte e educação
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Breve história da dança Ao abordar a dança em seus aspectos históricos, de modo que o movimento expresse situações do cotidiano, verifica-se que a sua origem é tão remota quanto a própria linguagem humana. A dança é também uma forma de expressão plástica, na qual o corpo e o movimento são as ferramentas de conhecimento, pensemos historicamente sobre a sua origem nas diferentes culturas, e como o movimento, o tempo, o equilíbrio e a flexibilidade interferem na forma de expressão. A dança primitiva ou a dança dos homens pré-históricos é uma forma de expressão artística e pessoal e pode ser observada em diferentes momentos da história do homem. Gravuras rupestres que estão impressas em cavernas na Europa, América e África mostram como o homem, por meio das artes visuais (gráficas), retrata a realidade artística da dança. Inicialmente vamos pensar na dança e nas possibilidades de ser realizada a partir de três perspectivas:
• Reverenciar algum deus, ou deuses. • Práticas cerimoniais como nascimento, ritos de passagens (como puberdade, primeira caça etc.), casamento ou morte. • Entretenimento,
formas
de
comunicação
e
passatempo. A dança se desenvolveu ao longo da pré-história, cada cultura com a sua forma específica de práticas do movimento, a partir também da concepção de corpo de cada povo. Diferentes características físicas geraram movimentos próprios dentro das culturas individuais, o que nos permite perceber que cada grupo étnico possui as suas próprias linguaMuito provavelmente você já deve ter ouvido falar da “dança da chuva”. Essa intenção da dança, cultuada pelos povos indígenas, é uma forma de expressão do movimento como realidade entre o homem e a natureza. Assim como outras cerimônias indígenas são expressas por meio de formas diferenciadas de dançar, como por exemplo, pedir por boa colheita, pedir pela caça, homenagear os antepassados. Para cada intenção religiosa existe o seu conjunto de movimentos. Outros povos antigos que conservaram os hábitos religiosos fundamentados na música e na dança, hábitos conservados até os dias atuais, são os povos africanos. Estruturas de pensamentos musicais e coreográficos que representam símbolos de suas histórias e fundamentam a base de suas culturas. Para cada deus existe um “toque”, um ritmo específico dos atabaques, agogôs, xequerês, caxixis, um conjunto de canções e danças que representam ensinamentos, narrativas dos povos e das divindades.
115 Elementos de dança e breve história da dança
gens do movimento.
Na continuação da viagem por diferentes culturas – através da dança enquanto expressão da relação do ser humano com deus – chegamos na Grécia Antiga. Observemos, a respeito da dança na Grécia Antiga: existem muitas pinturas em vasos e descrições em documentos com pessoas se expressando por meio do corpo. Mas, sobretudo, para a cultura grega clássica, a dança surge dos deuses, especificamente da deusa Reia, esposa de Cronos. É por meio da dança que ela consegue salvar Zeus (seu filho) de Cronos (o pai dele). Podemos verificar que diferentes textos – como a Ilíada e a Odisseia – assim como diferentes autores – Platão, Eurípedes, Anaximandro de Mileto – fazem descrições de danças e como elas influenciaram nas ações e pensamentos do povo grego. Os gregos da Antiguidade Clássica utilizavam a dança
Arte e educação
116
como elemento essencial nos processos educativos, não somente a dança, mas a música, o teatro e a pintura, assim como o uso das máscaras em suas expressões nas artes. Os elementos da dança eram utilizados nas tragédias e comédias, assim como também o jogral e o uso de figurinos e maquiagem. Em Esparta e Atenas a dança com armas era também essencial na educação bélica dos jovens nos espaços ginásticos, em que a arte e a filosofia eram ensinadas com igual cuidado e atenção em suas realidades. As danças religiosas desempenharam importante papel no nascimento do teatro grego. No século IV a.C., peças de teatro chamadas tragédias tiveram origem numa cerimônia de hinos e danças em homenagem a Dionísio, o deus do vinho. A emélia, uma dança cheia de dignidade executada nas tragédias, compreendia uma série de gestos conhecidos. Um bailarino experiente podia relatar todo o enredo da peça através desses gestos. As peças humorísticas chamadas sátiras, e as comédias gregas, incluíam músicas alegres. Fonte: <http://www.edukbr.com.br/artemanhas/danca_antiga. asp>.
Continuemos a nossa viagem pela história da dança, agora focando a cultura egípcia antiga. Tanto as danças sagradas como as profanas existiam na Antiguidade, principalmente nas regiões junto ao mar do Mediterrâneo e no Oriente Médio. As pinturas, esculturas e escritos do Antigo Egito fornecem informações sobre os primórdios da dança egípcia. Este povo dedicava-se principalmente à agricultura, por isso suas festas religiosas mais importantes se concentravam em danças para homenagear Osíris, o deus da vegetação. A dança também servia como entretenimento. Os escravos, por exemplo, dançavam para divertir as famílias ricas e seus convidados.
Vamos agora a outro ponto de chegada da nossa viagem: a Índia. As danças indianas são muitas, e de diversas tradições e escolas filosóficas, mas vamos abordar a mais tradicional, e também uma das mais antigas, quiçá a mais antiga, com pelo menos cinco mil anos: bharatnatyam. Essa dança é um complexo conjunto de movimentos com todo o corpo, desde a cabeça, o pescoço, os olhos, e principalmente as mãos e pés. Nas mãos a dança se realiza por meio de mudras, ou seja, por meio de posições com os dedos e punhos, em que cada uma delas tem um nome e um significado. Assim pode-se realizar a dança falando com as mãos, ou contando uma história. Normalmente o conjunto de dan-
117 Elementos de dança e breve história da dança
Outra forma de dança presente até os dias atuais que se originou no Antigo Egito é a dança do ventre, bastante conhecida aqui no Brasil; essa dança utiliza elementos como a espada, o punhal e a serpente. Podemos apreciar os elementos da dança buscando por dança do ventre no site <www.youtube.com>. É muito interessante e vale a pena conferir.
ças que formam o estilo bharatnatyam fala das histórias de Krishna, a Suprema Personalidade de Deus, e também da criação, da manutenção e da destruição do mundo material. A partir do som e da dança surge o mundo material, que se mantém e também é destruído, num eterno processo de criação, manutenção e destruição. Shiva é o senhor da destruição e do recomeço. Ele também ressurge depois da destruição dos mundos e de sua destruição também. Ele realiza essa passagem entre a destruição e um novo começo dançando, e por meio de movimentos narra a sua história e a dos mundos ensinando os princípios religiosos. Com o seu corpo na forma de quatro braços, ele dança criando e destruindo. O tambor, na mão direita, é a criação, e o fogo, na esquerda, é a destruição.
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Como sugestão para exemplificar a dança indiana, seguem links: • <http://www.geocities.com/spitaletti/rituais.html> ajuda-nos a entender a relação entre a dança e a forma de concepção da criação do mundo material e sua destruição. • <http://quesabemosnos.blogspot.com/2006/06/dana-de-shiva.html> em que se pode observar um vídeo sobre a dança de Shiva e como ele representa o controle sobre o espaço e o tempo. • <http://www.youtube.com/watch?v=tyAEpDu354E> mostra a dança indiana no estilo clássico bharatanatyam que representa a dança de Shiva e a sua complexidade ao realizar o fenômeno da destruição dos mundos.
Continuando com a nossa viagem pelo planeta e pelo tempo, vamos pesquisar sobre as muitas passagens da Bíblia que relatam acontecimentos em que a arte, a música e a dança estão presentes? No livro de Lucas, capítulo 15, versículo 25,
temos: “Ora, o filho mais velho estivera no campo; e, quando voltava, ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças”. Existem outras passagens em que esses relatos são realizados, mas basicamente todos falam a respeito da mesma questão: a música e a dança nas três perspectivas que estão indicadas no texto de abertura desta unidade. A nossa viagem agora vai fazer uma parada em uma tradição cultural que vem da Turquia, os derviches dançantes, mais um exemplo da dança e da música como elemento de transcendência religiosa, ou da relação do ser humano com o divino. Segundo essa tradição, a dança é realizada girando-se no sentido anti-horário em torno de um eixo fixo do corpo, quando se atinge um transe e assim se pode contemplar e exaltar deus.
<http://musicadaturquia.blogspot.com/2007/12/blog-post. html> <http://www.youtube.com/watch?v=JKjoHSF4P7E> <http://www.youtube.com/watch?v=t6yDS9Et_64> Vamos agora tentar entender um pouco da dança a partir da Idade Média (século V até o século XIV). A dança na Idade Média estava associada ao povo e a sua cultura, basicamente a partir das danças teatrais, ou seja, realizadas em feiras livres, aldeias e ruas. A dança representava a expressão do povo e a sua intenção em se comunicar por meio da arte, e era realizada por artesãos, saltimbancos em circunstâncias festivas. O Cristianismo foi muito importante neste aspecto, pois influenciava de forma significativa o comportamento do povo. A Igreja, importante instituição que definia e legitimava boa parte dos comportamentos do povo, proibiu a sua realização devido ao fato de que os movimentos das danças expressavam movimentos de muita sensualidade. Apesar da
119 Elementos de dança e breve história da dança
Acesse:
proibição de algumas das danças populares, ela era permitida como uma forma de expressão em peças religiosas (autos), que se tornaram muito popular e eram realizadas também em praças públicas e espaços do cotidiano. Durante o período da peste negra, circunstância que matou um número muito grande de pessoas na Europa, aproximadamente um quarto da população, a dança ocorria como uma forma de expressão religiosa em cemitérios e sepultamentos. A sua intenção era acalmar a dor dos vivos pela perda dos seus amigos e entes queridos e também afastar os demônios e impedir que os mortos se levantassem e por ventura espalhassem a doença entre os vivos. Durante toda a Idade Média, os europeus continuaram a festejar casamentos, feriados e outras ocasiões com danças fol-
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clóricas, como a dança da corrente, que começou com os camponeses e foi adotada pela nobreza, numa forma mais requintada, sendo chamada de carola. No final da Idade Média, a dança tornou-se parte de todos os acontecimentos festivos. Viajemos um pouco mais no tempo e cheguemos até a Renascença (por volta de 1300 até 1600). Nesse período da história ocorreu um grande desenvolvimento artístico na Europa, as danças realizadas eram o minueto, a gavota, a quadrilha e a contradança, polca e a valsa, as galhardas, as pavanas e as voltas. Nesse período, principalmente na Itália, e depois na França, eram desenvolvidos elementos de danças populares que foram incorporadas pela nobreza. Os nobres contratavam mestres profissionais de dança para construir coreografias e espetáculos artísticos que posteriormente incorporaram outros passos, dando origem ao balli ou balletti (o balé). Os compositores construíam músicas que tinham como objetivo acompanhar os passos dos dançarinos, assim como outros artistas também criavam efeitos especiais e de figurino para que a dança pudesse ser realizada em forma de espetáculo.
Como fonte de pesquisa da música no Renascimento, sugerimos o link <http://www.edukbr.com.br/artemanhas/ danca_renascimento.asp>. O desenvolvimento do balé se desenvolveu principalmente na França a partir do Rei Luís XIV (1638 a 1715) que também dançava e incentivou o seu desenvolvimento. Assim como existiam os músicos profissionais da corte, o rei foi importante no processo de inclusão de pessoas de dança como profissionais da corte. O rei também interpretava papéis de personagens artísticos, e por isso ficou conhecido como o “Rei Sol”, pois o seu papel preferido era o de Apolo o deus grego do Sol. balé como tema para as suas pinturas, ele incluiu nas suas obras diferentes circunstâncias de danças, bailarinas e professores de balé. Peço paciência. Um pouco mais e daqui a pouco chegamos até os nossos dias. Mas antes, vamos aproveitar um pouco mais a viagem. Próxima parada: Romantismo. O Romantismo foi um movimento artístico que deu grande importância à individualidade e à liberdade de expressão pessoal. Até então, a maioria dos balés girava em torno dos deuses e deusas, mas com o Romantismo passaram a tratar de pessoas comuns. Muitos enredos de balés do século XIX tinham como personagens seres imaginários, como fadas e sílfides (espíritos do ar). No século XIX, grande parte das danças sociais que se popularizaram na Europa e na América começou com o povo. Outra vez, a nobreza, ao invés de lançar moda, imitava os camponeses, que dançavam valsas e polcas. O balé e as danças do Romantismo influenciaram diferentes formas
121 Elementos de dança e breve história da dança
Edgar Degas foi um importante pintor que utilizou do
coreográficas que promoveram mudanças significativas no dançar a partir do século XX. As danças que surgiram a partir de 1900 apresentaram uma infinidade de movimentos e intenções coreográficas. Os movimentos passam a ter novas intenções de expressão e também surgiram novos estilos de dança como o jazz, o rock e outras danças diferenciadas, inclusive o próprio balé, que passou a ter características que incluem novos estilos coreográficos e intenções artísticas. A dança, como elemento do teatro, ganha uma nova roupagem a partir do nascimento do cinema. Ela expressa intenções modernas, no cinema as antigas danças foram transformadas e modificadas, ganhando um novo conjunto de movimentos e formas diferenciadas de realização de
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suas coreografias. O dançar passa a ter uma característica de lazer podendo ser realizada de forma solista ou em par. Para cada tipo de dança, havia passos característicos e estilos musicais correspondentes. Vamos conferir, no box que se segue, um conjunto de danças que surgiram a partir do século XX e que nos influenciam até o presente momento histórico.
Novas danças populares surgiram e desapareceram no século XX. Em torno de 1900, surgiu o cadewalk, com seus passos altivos e pomposos. Alguns anos mais tarde, surgiram o tango e o charleston (1920); nas décadas de 1930 e 1940 dançava-se o jitterbug e o swing. Surgiu então o rock’n’roll, em meados de 1950, e com o seu surgimento, os estilos de dança popular tornaram-se mais desenvoltos. Nas décadas de 1960 e 1970, criou-se o twist, o hustle e muitas outras danças. Nestes últimos tipos de dança, os pares dançam juntos e obedecem a uma sequência marcada de passos. A dança é uma forma de arte que cresce a cada dia, sempre e em todo lugar estão surgindo novas danças, novos ritmos e novas combinações de passos.
A dança contemporânea é tudo aquilo que se faz hoje dentro dessa arte, não importa o estilo, procedência, objetivos nem a forma. Para ser contemporâneo não é preciso buscar novos caminhos. São contemporâneos tanto os coreógrafos que usam a técnica de balanchine ou béjart, como os que têm Martha Graham como fonte de inspiração; eles se inspiram em qualquer fonte: sua visão pessoal, a literatura e suas observações. A dança caminha ao lado da humanidade e de seus progressos, e, por isso, há uma grande riqueza à disposição do público, desde as grandes obras românticas até o modernismo, passando pelas danças folclóricas e as religiosas. Não é mais uma arte de elite, mas se transformou num meio de diversão de todas as classes, já que é apresentada além do teatro, em televisão, cinemas e praças. Fonte: <http://www.edukbr.com.br/artemanhas/danca_ moderna.asp>. Agora que chegamos finalmente aos tempos atuais, sabemos que todas essas danças, de diferentes realidades culturais e diversos momentos históricos, hoje, convivem no mundo globalizado; assim é importante tentar refletir sobre as muitas formas de dançar. Vamos fazer uma reflexão sobre as danças contemporâneas à nossa realidade? Tente junto com os seus colegas fazer uma lista de danças que surgiram a partir do final do século XX e início do século XXI.
5.2 E quilíbrio estático A nossa reflexão sobre corpo e movimento, e as possibilidades da dança no tempo e espaço, pode ser feita através dos elementos da dança na condição de como os nossos corpos começaram os seus processos de construção do movimento, ou seja, quando éramos crianças.
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É difícil de lembrar, como foi se sentar pela primeira vez, ou engatinhar, caminhar. Conseguir ficar em pé. Mas é fácil verificarmos o equilíbrio estático se observarmos diariamente uma criança pequena, de poucos meses ao longo do seu desenvolvimento: podemos verificar como o desenvolvimento do corpo, do controle do equilíbrio do próprio corpo é uma coisa muito complexa, e que a criança costuma levar alguns meses até conseguir se sentar, ou até mais de um ano até conseguir se levantar. Portanto, a organização de um equilíbrio está relacionada à construção de força em nossos corpos, na coluna vertebral para que o movimento de equilíbrio do corpo seja dominado e o de levantar-se seja realizado. Ao observarmos uma criança pequena é possível veri-
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ficar que o nosso corpo precisa desenvolver-se até conseguir se sentar. E é a partir do nascimento do movimento que conseguimos finalmente ficar em pé! É muito fácil constatar que o nosso corpo, uma vez em pé, tende a movimentar-se, deslocar-se para frente e para os lados numa tentativa de caminhar. Essa primeira tentativa é o movimento oscilatório, ou também uma forma de o corpo desenvolver um equilíbrio, para poder mover-se com autonomia dos membros.
5.3 Movimento oscilatório Quando começamos a desenvolver o nosso corpo de modo a querer andar, utilizamos um outro elemento que é o movimento oscilatório. Esse elemento do movimento é importantíssimo, principalmente quando a criança está nos
primeiros meses de vida, pois desenvolve a organização do labirinto interno que é o elemento responsável pelo equilíbrio dinâmico. Quais? São todas das crianças? Na observação de crianças numa sequência do seu desenvolvimento podemos perceber a construção do equilíbrio de seu corpo, para a realização do ato de sentar, mover-se a ponto de engatinhar, equilibrar-se de pé e andar são gestos de habilidade psicomotora dos membros para a realização do que vimos. Essa imagem nos remete à possibilidade de percebermos o quanto as fases de desenvolvimento infantil são importantes, pois a partir dessa perspectiva é possível verificarmos que em cada uma dessas fases a criança deve receber estímulos para que se desenvolva integralmente.
Ponto de apoio ou equilíbrio/ desequilíbrio Como o próprio nome já diz, equilíbrio (físico) é a capacidade de manter o corpo em um ponto, pode ser com os dois pés, ou um só, ou as mãos, uma só ou ambas. Quando caminhamos movemo-nos de um ponto de equilíbrio a outro. Assim como o equilíbrio, existe a perda do equilíbrio, ou desequilíbrio. A dança, muitas vezes, também, se utiliza desse elemento, como tropeços, topadas, projeções do corpo para os lados, frente ou trás e quedas. Na dança é comum mesclar elementos de equilíbrios e desequilíbrios. Há, ainda, a possibilidade de o dançarino estar amarrado ou pendurado a uma corda, ou um balanço ou um tecido, assim o ponto de apoio passa a ser a parte do corpo que estiver amarrada ou segura.
125 Elementos de dança e breve história da dança
5.4
As diferentes danças exigem do dançarino diversas capacidades de equilíbrio, ou, ainda, é possível a utilização de muitos pontos de apoio. Naturalmente o ponto mais comum são sempre os pés, porém as danças podem desenvolver diversos pontos como apoio para a execução de movimentos. Essa relação entre o equilíbrio e o desequilíbrio é o que realiza o deslocamento, que é um dos elementos mais utilizados na dança.
5.5 D eslocamento: direção, sentido e lateralidade Arte e educação
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Quando finalmente andamos, nos movemos, conseguindo organizar o equilíbrio dinâmico de nosso corpo, de modo a nos deslocarmos. A direção e a lateralidade são os elementos da dança que se relacionam com a intenção do deslocamento, já que dança é a intenção do movimento, como foi dito no começo da unidade. O elemento da lateralidade é um dos mais importantes para pessoas que utilizam a dança como suporte pedagógico, pois o seu sentido de direção se relaciona com a construção de habilidades que influenciam no desenvolvimento geral dela. Você conhece alguma atividade que desenvolva a lateralidade, a noção de direita e esquerda para o estudante? Converse com os seus colegas sobre atividades que desenvolvem habilidades de lateralidade nas crianças.
O deslocamento é a noção de sentido, direção e lateralidade; a possibilidade de nos mover nas diversas direções que
faz parte da compreensão do corpo no espaço. Mas o espaço não compreende somente a posição vertical, o corpo também pode mover-se em posições horizontais, ou utilizar-se dos espaços baixos, médios ou altos.
5.6 E spaço baixo, médio e alto A utilização dos diversos espaços em diversas direções é o que constitui os principais elementos da dança, na relação entre o deslocamento e a organização do corpo no espaço. A dança é, principalmente, a utilização da organização intencional no espaço a partir de uma perspectiva temporal, ou rítmica, musical. Assim como foi dito no início da unidade, o movimento e o não movimento (estado de repouso, descanso) são os principais elementos do corpo na dança.
5.7 D escanso O descanso na dança, sendo ele intencional, tem um significado, que pode variar a depender da intenção do bailarino. Pode até parecer que não se trabalha o corpo na realização do descanso, mas músculos são utilizados para manter o corpo parado. Um ótimo exemplo de atividade em que utilizamos o descanso como intenção coreográfica é a brincadeira da estátua: a partir de um determinado sinal, ou do silêncio súbito
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corporal e suas habilidades de realização de um movimento
de uma música a pessoa deve fixar-se em alguma posição que escolher. Essa atividade desenvolve principalmente a capacidade de improvisação e também de concentração. Oferece-nos, também, a união entre o silêncio musical e o estado de descanso do corpo; utilizamos, para sua realização, dois elementos simultâneos: música e dança. Podemos depreender das imagens das estátuas vivas que elas estão numa determinada posição utilizando-se também das partes do corpo, ou das articulações do corpo.
5.8 A rticulação do corpo Arte e educação
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As articulações são as responsáveis pelas movimentações de suas partes, ou seja, da cabeça, tronco e membros, braços, antebraços, mãos, dedos, pernas, pés e dedos dos pés. Alguns tipos de danças, como a indiana, tailandesa e japonesa, utilizam também movimentos dos olhos, pescoço e coluna.
As articulações são conexões habituais existentes entre dois ou mais ossos, nos vertebrados, ou entre os artículos dos apêndices dos invertebrados. Nos vertebrados superiores, as articulações móveis estão revestidas de cartilagem e incluem bolsas de fluido lubrificante. Podem ser sinoviais, fibrosas ou cartilagíneas. Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Articula%C3%A7%C3%A3o>
A força muscular e as habilidades de movimentação nas articulações influenciam o dançarino na utilização delas para a realização de movimentos como saltos e quedas.
Saltar é a capacidade de uma pessoa em projetar o seu corpo contra a gravidade, ou seja, pular; e a queda é a sua capacidade ou habilidade em retornar para o solo utilizando seu equilíbrio. A queda também pode ser uma característica do desequilíbrio. O salto e a queda são elementos da dança que criam muitas possibilidades, pois permite ao dançarino expressar-se de modo a comunicar, expressar uma intenção artística. Outro elemento da dança muito importante é a Rotação. É a capacidade do corpo em mover-se realizando movimentos giratórios, pivôs, piruetas e rotações em torno de um eixo em que se tem um ponto de apoio.
Nos vídeos que foram sugeridos, vemos pessoas realizando movimentos de rotação com grande habilidade e força muscular. Entretanto, em sala de aula a rotação é um movimento simples com uma intenção pedagógica, a dança é uma forma de unir o movimento com a educação.
129 Elementos de dança e breve história da dança
Podemos ver para ilustrar a capacidade de rotação, ou de girar em torno de um eixo, normalmente em um único pé, em diversos vídeos no YouTube; ver uma imagem de uma jovem realizando 36 piruetas é uma capacidade singular, e é uma forma de projeção do corpo em equilibrar-se em movimento giratório. Ainda, podemos ver também uma bailarina chamada Adeline Pastor e em como ela consegue girar utilizando apenas a ponta de um dos pés. Ainda na perspectiva dos giros e também dos saltos podemos ver outros vídeos. Basta procurar... Vamos lá?
Os jogos populares de movimento, cirandas, amarelinhas e muitos outros são importantes fontes de pesquisa. Essas manifestações populares devem ser valorizadas pelo professor e estar presentes no repertório dos alunos, pois fazem parte da riqueza cultural dos povos, constituindo importante material para a aprendizagem. A dança, assim como é proposta pela área de arte, tem como propósito o desenvolvimento integrado do aluno. A experiência motora permite observar e analisar as ações humanas, propiciando o desenvolvimento expressivo que é o fundamento da criação estética. Os aspectos artísticos da dança, como são aqui propostos, são do domínio da arte. Fonte: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro06.pdf>
Uma outra característica do corpo na realização dos ele-
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mentos da dança é a flexibilidade. Ela é responsável por promover movimentos que influenciam muitos tipos de dança.
5.9 F lexibilidade A flexibilidade é a capacidade do corpo de se mover nas articulações e assim realizar movimentos de extensão e retração dos músculos do corpo. É a capacidade de amplitude do movimento. Cada corpo tem a sua própria história de flexibilidade. Quando somos crianças, somos mais flexíveis, à medida que crescemos, e principalmente envelhecemos, vamos perdendo a capacidade flexível do músculo para realizar movimentos de extensão principalmente. Por isso, é muito importante o exercício regular de alongamentos do corpo para que retardemos esse processo natural de perda da flexibilidade.
Flexibilidade é a capacidade física que determina o grau de amplitude articular e de alongamento de uma estrutura muscular. A flexibilidade pode ser melhorada com exercícios específicos de alongamento muscular. Fonte <http://pt.wikipedia.org/wiki/Flexibilidade> A respeito da flexibilidade na dança, diferentes danças exigem diferentes capacidades dos dançarinos em realizar habilidades de flexibilidade. Basicamente é uma questão de perspectiva do tipo de corpo e conceito social que se estabelece em cada cultura.
Quando, finalmente, unimos todos os elementos de dança expressas sob as formas do movimento com uma proposta de comunicar, de expressar uma intenção, um significado é que realizamos uma coreografia.
131 Elementos de dança e breve história da dança
Ainda a respeito da flexibilidade acesse o link <http:// www.saudeemmovimento.com.br>; dessa forma, você pode continuar a pesquisa sobre a flexibilidade e sua relação com a amplitude de movimentos, os que fatores que facilitam ou os que dificultam isso. Pesquise também no site <www.flexibilidade.com.br>, no qual se pode achar artigos e referências de pessoas e textos das áreas de medicina, fisioterapia, e é claro também dança a respeito desse assunto, forma de enriquecer a nossa pesquisa.
5.10 Forma do movimento – coreografia A coreografia é a composição da dança em sua plenitude. São utilizados elementos e formas do movimento de acordo com o repertório próprio de cada dança, para cada tipo de corpo e habilidades individuais do bailarino. Existem inúmeras danças com muitas propostas e intenções (pudemos ver na unidade anterior a história da dança) de expressão do movimento. Já verificamos, também, que existem coreogra-
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fias que são também narração de histórias, formas de informação de uma cultura, de um legado histórico, entre outras. O corpo pode assumir diferentes perspectivas nas múltiplas maneiras de organização de uma coreografia. Como possibilidades de ampliações do corpo, que por vezes não se expressa sozinho, verifica-se o uso de objetos, materiais, de modo a expandir o corpo no espaço.
5.11 D ança com material (fitas, maculelê-pau, sombrinhafrevo, arco, bola) Podemos verificar uma série de danças que utilizam de material, ou um objeto para realizar a sua dança, como fitas, arco (ou bambolê), bola, cadeira, um pau, no caso do maculelê, e sombrinha no caso do frevo. Ou vários outros obje-
tos como mesa, vaso, tecidos entre outros. Ou ainda dança com instrumentos musicais como o pandeiro, tambores ou chocalhos pendurados nos pés ou nas mãos, sinos presos nos dedos, como na dança indiana, dança de castanholas, como na dança flamenca. Sugiro que pesquise as coreografias de balé. Por exemplo, podemos ver dois solos do bailarino Barishnikov, um em Don Quixote, e outro belíssimo e muito atlético no Corsário. Outro solo em forma de par com os bailarinos Margot Fonteyn e Rudolf Nureyev. Vale a pena conferir!
Como você pôde ver até aqui, os elementos da dança permitem que sejam estabelecidas múltiplas possibilidades de criações pedagógicas; que podemos desenvolver em sala de aula linguagens corporais por meio da dança, de coreografias e, assim, atingirmos objetivos educativos para um desenvolvimento cognitivo do estudante.
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Para observar habilidades do corpo em realizar giros, utilizando-se de uma forma de dança com materiais, observe a ginasta ucraniana Anna Bessonova, numa belíssima série de fita, em que o corpo e a fita se misturam numa intenção de união entre corpo e objeto cênico. Esta série está disponível em <http://www.youtube.com/ watch?v=CPcGny4Mq54>. Como conceito interdisciplinar dos conhecimentos de arte-educação e educação física, sugerimos que observe a ginástica rítmica, disponível em <http://www.geocities. com/grdclube/Revista/Grodesporto.html>, assim como também a capoeira e o maculelê, que são formas de luta, de desenvolvimento do controle do corpo nascidas da tradição cultural, podemos pesquisar projetos sociais que utilizam a capoeira como forma de construção pedagógica.
SÍNTESE Na presente unidade você estudou os elementos da dança, mais especificamente os elementos que fundamentam o corpo e o movimento: desde o estado do corpo em equilíbrio estático, ou seja, em seu estado de não movimento, as habilidades em realizar o movimento oscilatório, a utilização de pontos de apoio ou equilíbrio e também no equilíbrio dinâmico. A utilização das diversas direções no deslocamento do corpo, seja para frente, trás, lados ou para baixo, em plano médio ou alto. Vimos que para o corpo realizar os movimentos articula-se nas conexões entre os ossos; aprendemos, também, que o corpo é capaz de realizar saltos e quedas, rotações, saltos com giros e ainda contar histórias. O corpo, não
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mais solitário, expande-se em objetos que ajudam a expressar uma intenção coreográfica. Depois você estudou a dança em diferentes momentos históricos, da pré-história até a modernidade. Estudou diferentes realidades culturais da dança em diferentes países ao redor do mundo. E estudou também a importância da dança como fenômeno de linguagem, de uma realidade social. Viu que para cada forma de compreensão da dança como linguagem do corpo, o movimento acontece como expressão de uma cultura.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Todas as culturas que analisamos até o momento apresentam a dança como uma forma de manifestação da relação entre o ser humano e sua expressão artística, seja na relação com Deus ou Deuses, quando em cada cultura a dança se apresenta como um conjunto próprio de formas de movimentos, seja como formas de lazer ou manifestação cultural própria de cada grupo social ou tempo histórico.
Para ampliar o que estudamos, sugerimos uma reflexão sobre as muitas formas de dançar, as muitas formas de viver a realidade cultural de cada povo.
LEITURA INDICADA FREIRE, I. M. Dança-educação: o corpo e o movimento no espaço do conhecimento. Cad. CEDES, Campinas, v. 21, n. 53, abr. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0101-32622001000100003&lng=e n&nrm=iso>. Acesso em: 23 out. 2009.
SITES INDICADOS <http://www.edukbr> <http://marimontenegro.wordpress.com> <http://michaelminn.com> <http://www.britannica.com>
REFERÊNCIAS A evolução da dança através do tempo. Disponível em: http:// www.edukbr.com.br/artemanhas/danca_moderna.asp. Acesso em: 28 out. 2009. BÍBLIA. Antigo e novo testamento. Trad. João Ferreira de Almeida. 2. ed. rev. e atual. no Brasil. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993. BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.
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<http://www.scielo.br>
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E xercícios e reflexão de estética – teatro e educação
José Carlos Rêgo Albérico Salgueiro de Freitas Neto
Olá! Mais uma vez estamos juntos para continuarmos estudando sobre as artes cênicas. Nessa unidade, você vai analisar os elementos do teatro, mais especificamente o ator – representação (ser eu e ser outro) –, a personagem, o texto e o público. Vamos viajar nas imagens de obras de arte que representam o teatro ao longo da unidade... Serão abordados conteúdos específicos do teatro, utilizando elementos de sua história como fundamento para reflexão de uma pedagogia artística. Serão trabalhados conteúdos das artes cênicas. Para tanto serão sugeridas leituras de obras teatrais, cujo conteúdo propõe reflexões a respeito de ações pedagógicas utilizando o teatro como método. Bom divertimento!
Não é raro ver uma representação teatral se valer de outras artes e/ou de elementos destas para compor sua espetacularidade, mas o que seria essencial no teatro? Essa pergunta, já tantas vezes feita pelos estudiosos do assunto, é a que lhe fazemos agora. Para ajudá-lo a delinear uma resposta, elenque todos os elementos que considera pertencentes ao universo do fazer teatral. Quando estiver satisfeito com sua lista, pergunte quais dos elementos listados, quando ausentes, tornam a realização dessa arte impossível e destaque os que restarem. Muito provavelmente sua resposta coincidirá com a trí-
Arte e educação
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ade essencial apontada por Magaldi (2002): o ator, o texto (em sentido amplo) e o público. Se outros elementos lhe pareciam fundamentais, após o questionamento do parágrafo anterior, creio que será possível identificar aquilo que caracteriza o teatro enquanto tal. Sem que isso implique desconsiderar os outros elementos, veja em que medida esses elementos fundamentais evoluíram e provocaram alterações substantivas nos modos de produção de sentido de uma representação teatral. Você estudará cada um dos elementos isoladamente apenas por questões didáticas.
6.1 O ator: ser eu e ser outros Como foi visto anteriormente, foi na Antiguidade Clássica que se forjaram os urdimentos do que se constituiu como linguagem teatral, e foi também nesse momento que o ser ator se firmou como possibilidade de estar no mundo sendo outros.
Costuma-se reconhecer Téspis como o primeiro ator porque ele introduziu o solo de um recitante no coro dos sátiros celebrantes de Dionísio, com isso, inaugurando o diálogo como estruturante da linguagem verbal do teatro e abrindo os caminhos para que a cena fosse o lugar da vontade, da contravontade e do contraditório. Desde então, no Teatro, o ator é aquele que hospeda a personagem, que lhe dá vida, que faz com que sigamos crendo, duvidando e validando a simulação sugerida pelo texto (escrito ou improvisado). Tamanha ousadia existencial teve acolhida cultural diferente no tempo e no espaço, essa capafosse celebrado e/ou perseguido a depender do contexto histórico-social. “Fazer personagens que vivem no passado (ou no futuro) é delicioso, porque fica mais fácil fingir que se é outra pessoa que vive em outro lugar com roupas antigas (ou do futuro). Mas mesmo se a história da peça não se passe numa época passada (ou futura), é preciso que existam roupas especiais para serem usadas no palco e em gravações e filmagens. Os atores se movimentam mais do que as pessoas na vida real. Por exemplo, as mangas das blusas do ator não podem ser normais, porque na primeira vez que ele levanta os braços, abre-se um rasgo. Além disso, quando acabam os espetáculos, os figurinos estão quase sempre molhados de suor. Geralmente há de três a oito espetáculos por semana, e os filmes levam alguns meses para ser filmados, e as telenovelas levam muitos meses para serem gravadas. Por isso, os figurinos precisam ser lavados várias vezes por semana e, portanto, devem ser costurados com reforço, para não virarem trapos em pouco tempo. Adereços são os chapéus, bengalas, máscaras etc., que completam os figurinos. A maioria dos atores adora ter
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cidade de metamorfosear-se em outros, fez com que o ator
que usar adereços, porque resolvem o velho problema “o-que-eu-faço-com-minhas-mãos”. Isso, na nossa gíria, é o que se chama de bengala. Mesmo que a bengala não seja uma bengala. Mas, diga-se de passagem, não há bengala melhor que uma bengala.” (SOUZA, 2001, p. 79-80).
Compreender os cambiantes caminhos de reconhecimento do ator como artista, nos faz também estar a par da dinâmica das sociedades através dos séculos. De hipócrita a astro, muitos matizes valorativos foram vistos pelos teóricos na reflexão sobre o ser ator como profissão. Demorar-se um pouco Arte e educação
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mais no estudo dessas nuances é fundamental para adensar a reflexão sobre o sentido dessa arte na contemporaneidade. Por isso, é importante um estudo constante de textos que falam sobre o teatro, ator, sua formação, sua história em diferentes momentos e é claro sobre interpretação de textos que é também muito importante para os professores que irão utilizar elementos do teatro como fundamento para um fazer pedagógico.
6.2 O texto O texto, como se pode observar “é para o teatro o que o caroço é para o fruto, o centro sólido em torno do qual vêm ordenar-se os outros elementos” (BATY apud MAGALDI, 2002, p. 15). Este autor conclui dizendo que assim como o caroço, o texto, nos casos em que ele existe por escrito, depois de saboreado o fruto, a encenação é o que fica para assegurar o crescimento de outros frutos. Partindo dessa premissa, é possível marcar uma das diferenças no uso da palavra texto quando se trata da lingua-
gem teatral. O que se entende por texto no teatro pode até estar registrado por escrito, mas não é isso que define sua especificidade. É que na realidade, como a “leitura” de um espetáculo se faz pela decifração de códigos verbais e não verbais, o texto no teatro vem a ser tudo aquilo que o público consegue perceber de maneira significativa durante a encenação.
Então, como você já deve estar se dando conta, escrever uma peça de teatro é escrever uma peça de teatro. Fazer teatro, apreciar teatro, refletir sobre teatro, implica estar a par dos modos de produção de sentido em outros “modos textuais” que podem estar em cena, leiam-se cenários, figurinos, adereços, sonoplastia, iluminação, entre outros. Como estamos debruçados na análise do texto no teatro e sabemos que existe um grande número de obras literárias escritas para o palco, o que se convencionou chamar de literatura dramática, talvez seja razoável considerarmos as especificidades com relação à forma de operar a escrita nesse gênero textual. Atentemos para como está escrita a cena 1 do segundo ato da peça Beijo no Asfalto (1990), de Nelson Rodrigues. Desde a maneira de distribuir as palavras no papel, ao uso de elementos de distinção entre elas, o texto teatral tem um modo próprio de escrita. Repare que ele é estruturado por diálogos, em
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Para exemplificar, acolhidas as dificuldades em explicar por escrito algo que acontece tridimensionalmente, suponhamos que um ator vá ao centro do palco, coloque um dedo em riste na altura do abdome e, com a outra mão, realize sequenciados movimentos de pinça, num deslocamento curvilíneo da ponta para a base, rodeando completamente o referido dedo. Não será raro que o público, sabendo como se descasca uma banana, leia assim a ação que acaba de presenciar, sendo esta ação a representação do texto da cena em questão.
que o falante é identificado antes que se efetive sua fala e, vez por outra, a maneira como aquilo deve ser dito já está indicada entre parênteses. Além disso, veja que nem tudo o que está escrito será dito ao público. Algumas palavras destinam-se a leitores outros, que não aos que assistem a encenação: diretor, ator(es), cenógrafo, iluminador, figurinista, sonoplasta. Pois bem: indo ao plano da análise, podemos dizer, então, que o texto teatral se constitui da fricção de dois textos, sendo um o que contempla os diálogos, ou seja, as falas das personagens, e outro que apresenta as rubricas, que vêm a ser todas as palavras escritas no texto que não fazem parte dos
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diálogos: nome das personagens à frente de cada fala, descrições relativas ao cenário, figurino, entradas e saídas de cena, sugestões de marcações ou comentários explicativos sobre o estado de espírito das personagens etc. Além dessas distinções em seu pormenor, o texto teatral pode se valer de divisões de unidade mais amplas. As mais comuns são as de ato e cena, mas pode haver nomenclaturas diferentes, como quadro. Por ser algo convencional, a divisão do texto em unidades e subunidades variou com o espírito de cada época, não se podendo apontar, principalmente com os hibridismos formais contemporâneos, um padrão normativo que valha para todos os autores. “O problema do lugar e da função do texto dentro da realização cênica é menos recente do que se costuma imaginar e, além e acima das considerações estéticas, ele representa um cacife ideológico. No fundo, trata-se de saber em que mãos cairá o poder artístico, ou seja, a quem caberá tomar as opções fundamentais, e quem levará aquilo que antigamente se chamava “a glória” [...] Não é por acaso que, já no século XVII, um partido intelectual tende a impor uma hierarquia dos gêneros, a separálos uns dos outros por meio de uma rígida
regulamentação e de decretos que os valorizam ou desvalorizam. E não é por acaso que a maior valorização beneficia aquelas formas teatrais que repousam sobre um domínio exclusivo do texto (tragédia, alta comédia etc.); e que, pelo contrário, a desvalorização atinge todas as formas que atribuem ao espetáculo uma parte mais ou menos importante (comédia-balé, farsa, ópera com máquinas etc.). E isso contrariando o gosto do público, de todas as categorias sociais. “(ROUBINE, 1998, p. 45)
6.3
Da tríade fundamental em que a análise da unidade foi iniciada, o público é certamente o elemento que menos mereceu atenção dos estudiosos. O que sabemos sobre o público chega como reverberação dos estudos sobre o texto, o ator e, principalmente sobre a história do teatro, mas nunca de um olhar apurado que buscasse estabelecer uma compreensão sobre o teatro a partir de seu público. Vejamos outra coisa curiosa: o público é para quem se destina o espetáculo teatral, dele dependendo o sucesso ou o fracasso de uma obra, mas muito pouco se sabe sobre a complexa ciência de satisfazer aos que se encontram na plateia. Ainda que se possa ter uma noção razoável sobre os níveis de aceitação de uma montagem, não raro vemos espetáculos anunciados como de excelência conhecerem a indiferença popular e caírem na lona do esquecimento, e outros, de produção inferior e absoluta despretensão, tornarem-se referência espetacular e/ ou atravessarem longas temporadas de casa cheia. O público talvez seja o mais imponderável dos elementos, porque pensar nele implica pensar em tudo que aconte-
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O público
ce a todo o tempo no mundo. Levante a hipótese de você ter que escolher um texto dramático para montar em sua escola. Quais seriam os critérios que balizariam sua escolha? Se a resposta é complexa, é simples assegurar que em alguma medida você vai pensar no seu público e em tudo que envolve as condições de apreciação. Neste momento, depois de um passeio pelas artes visuais, agora chegou a vez de adentrarmos no mundo das artes cênicas, mais particularmente o mundo do teatro. E para iniciarmos nosso itinerário por essa linguagem, talvez seja razoável explicitar que, em nossa cultura, o termo teatro costu-
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ma ter dupla significação: tanto quer dizer, mais amplamente, uma arte específica transmitida ao público pelo intermédio de atores, quanto, mais restritamente, o imóvel onde se realizam espetáculos (MAGALDI, 2002). Em nosso estudo, ainda que façamos referências às diferentes edificações construídas para este fim, o interesse recairá muito mais sobre a primeira acepção. Ao mostrar a disposição física do prédio (palco, plateia), intencionamos pensar sobre as implicações desta para a alteração da relação artista/público e mesmo para a recepção do espetáculo. O teatro em sua abrangência e singularidade de sua natureza e história como área de conhecimento, a arte, mais especificamente a arte de narrar, contar histórias, de representar, será este o mote a pontuar nossa unidade que se segue, procurando, sempre que possível, contextualizar e apontar reflexões sobre as permanências e mudanças discursivas no desenvolvimento dessa linguagem.
6.4 O s gregos e o teatro: do princípio aos fins A respeito da polêmica acerca de sua origem, já que diferentes povos como os indianos e chineses têm uma cultura histórica sobre o teatro de muitos e muitos anos, costuma-se reconhecer a Grécia da Antiguidade Clássica como uma das mais antigas culturas que possuíam manifestações teagem, significando miradouro, lugar onde se vê, portanto, um espaço criado para ver e ser visto. Mas é bom que se saiba que a arte teatral antecede em muito a construção de edificações destinadas para este fim. Derivando na verdade de festas agrárias em louvor a Dionísio, o teatro nasce do sagrado, mas se faz arte na medida em que se afasta deste, evoluindo do ditirambo, canto coral de caráter apaixonado, para formas mais espetaculares, com protagonista, antagonista e coro, até chegar aos festivais de teatro, nos quais, durante seis dias, do crepúsculo ao amanhecer, tragédias e comédias eram apresentadas a um público que aplaudia e/ou protestava, alterando sobremaneira o desenrolar do espetáculo. Note-se aí que, desde essa época, o teatro se afirma no encontro das significações entre o palco e a plateia. Também nessa sua origem podemos colher um aprendizado precioso: o teatro é a arte do acontecimento. Enquanto o público não vê o(s) ator(es) atuando no sentido espetacular, não estaremos falando do fenômeno propriamente dito, mas dos elementos
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trais. Aliás, foi entre os gregos que o vocábulo teve sua ori-
que o podem constituir, sejam estes da cenografia, do figurino, da literatura dramática etc. A cada vez que se dá o acontecimento teatral ele é um, ainda que se trate da milionésima apresentação de uma mesma peça. O que se tece entre ator(es) e público, palco e plateia, a cada encenação, é resultado da interação entre as singularidades temporais, espaciais e pessoais dos partícipes na apreciação estética quando em seu fluxo, sendo esse acento efêmero, a um só tempo, a fraqueza e a fortaleza da arte teatral. A fruição, neste caso, tem duração imaterial e irremediavelmente irrecuperável. Todas as formas de registro
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do espetáculo se prestam bem à memória e à história, mas sabemos que efetivamente sua glória reside na dinâmica de sua “presencialidade” emergente, o que se vê no aqui e agora da ação dramática, é singular e múltiplo, a cada vez que se faz teatro. E mesmo quando este convoca outras artes para a cena, não o faz como adição, mas como multiplicação discursiva, devorando de tal forma os outros modos de dizer que estes terminam por não ser outra coisa senão teatro. Mas voltemos às questões “originais”, haja vista que, apesar de já se configurar como uma linguagem artística específica anteriormente, só com a edificação do lugar físico teatro, foi que o teatro pode denominar-se como arte. Sob o ponto de vista físico, o théatron grego, conforme Magaldi (2002), correspondia à plateia, anteposta à orquestra e envolvendo-a como três lados de um trapézio ou semicírculo, como se pode ver na foto a seguir. A solução espacial grega trouxe consigo, além da inovação arquitetônica, um grande número de outros elementos que vieram a se constituir como marcadores identitários do fazer teatral na Antiguidade Clássica. Isso pode ser visto através das máscaras, dos coturnos, das túnicas, da estruturação do texto e gêneros dramáticos, e da própria ideia de festival aberto ao público.
Sob o ponto de vista das personagens de sua dramaturgia, é possível dizer, rapidamente, que o teatro grego inicia com um palco “habitado” majoritariamente por deuses (ver Ésquilo e sua peça mais famosa, Prometeu Acorrentado), que é sucedido por um com homens e deuses que determinam sobremaneira seus destinos – ver Édipo Rei, de Sófocles (1976), e inicia sua laicização com um palco, no qual homens e deuses têm seus embates (As Troianas, de Eurípedes). Se quisermos usar uma analogia topológica, podemos dizer que o teatro grego vai, de suas origens à sua decadência, abandonando a representação do Olimpo nas alturas, para cada vez
“ÉDIPO: Tirésias! Tu que tudo percebes, Do mais claro ao mais denso dos mistérios Alto nos céus ou rasteiro na terra, Hás de sentir, mesmo sem poder ver, A desgraça que assola esta cidade... [...] Agora, tu: fica atento aos avisos das aves, e a quaisquer outros sinais, e aguça os teus poderes de adivinho! [...] Em tuas mãos estamos, e a mais nobre missão do ser humano é prestar sua ajuda ao semelhante por todos os meios ao seu alcance. “ SÓFOCLES (1976, p. 22). Não cabe aqui seguir listando e analisando todas as contribuições dos gregos para o fazer teatral que os sucedeu, mas no avançar de seus estudos sobre o assunto não será difícil concluir que tudo que se fez de lá para cá, já estava potencialmente anunciado pelos fundadores dessa linguagem, lembrando que, além de toda a riqueza da dramaturgia que chegou até nós, a Poética de Aristóteles, por exemplo, foi paradigma para muitos dos criadores do teatro que se fez posteriormente.
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mais espelhar o mundo dos mortais.
6.5 G êneros teatrais Quando falamos em gêneros dramáticos, por exemplo, nem sempre temos em mente a hierarquização que determina o valor de uma obra/autor a depender de suas filiações mais ou menos estreitas com a “boa palavra”, os “bons modos” e com o “belo”, seja lá o que essas coisas queiram dizer. Cada época tratou de erigir e sistematizar seus critérios de qualidade e, ape-
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sar de o sucesso junto ao público se dar de forma inversamente proporcional ao que sugerem esses manuais do “bom teatro”, continuamos a pensar pautados em alguns deles. Por exemplo, vejamos que a divisão mais tradicional é a que, baseada em Aristóteles, separa as peças em Tragédias e Comédias; também inspirada no filósofo, a que afirma que a mimese trágica fixaria os homens melhores do que eles ordinariamente são, enquanto que a cômica os fixaria piores. Vamos por partes:
6.5.1 Tragédia A palavra tragédia deriva etimologicamente daqueles ritos em nome de Dionísio, aos quais nos referimos anteriormente, significando literalmente “canto do bode”. Nos tais rituais havia o sacrifício do bode, maneira de simbolizar a morte e a inexorabilidade do destino, mas também a possibilidade de assim potencializar a ressurreição. O destino é o tema central e o motivo fundamental da tragédia grega. As personagens se apresentam com paixões, sofrimentos e causas grandiosas e superiores às acessíveis ao público em seu viver ordinário. Com tamanhos “superlativos existenciais” em cena, a representação intencionava
provocar na assistência “terror e piedade”, visando expurgar determinados sentimentos, conforme Aristóteles sentenciou em sua Poética. Sabendo ser bastante controversa a interpretação dessa obra de Aristóteles e, considerando a dimensão de nosso texto, talvez seja razoável aligeirar a análise sintetizando complexas considerações numa grosseira assertiva: terror (“Ah, se isso me acontecesse!”) e piedade (“Pobres pessoas que sofrem com isso!”). É como se, no esforço de compreensão dos motivos e do destino do “outro”, na dinâmica empatia-projeção, o público termina por vivê-los simbolicamente. Dizendo de outra gico da desmedida ao reconhecimento estaria, de certo modo, sublimando seus próprios excessos e desbastando suas dores. No entanto, o théatron da Atenas Clássica, embora respirasse ainda muitas das propriedades do ritual, era apenas “lugar de onde se vê” – uma plateia. Nesta, o vinho já não corria com a mesma facilidade e os cantos e as danças das solenes celebrações a Dionísio se achavam substituídos pelo respeitoso silêncio. Com os olhos no proskénion – o palco onde os atores fingiam emoções e ações alheias –, os assistentes submetiam-se à catarse, fenômeno que, segundo o filósofo Aristóteles (384?-322 a.C.), purifica a alma das paixões sufocantes. De acordo com ele, “ao inspirar, por meio da ficção, certas emoções penosas ou malsãs, especialmente a piedade e o terror, a catarse nos libera dessas mesmas emoções” (VICTOR CIVITA, 1976, p. 14). Existem autores que acreditam que isso continua valendo para a grande dramaturgia produzida posteriormente; outros são categóricos ao afirmar que a noção de tragédia só pôde ser vivida pelos gregos, considerando o conjunto de fatores que constituíram o tecido social da Grécia Antiga. Após o Cristianismo, tendo se desenvolvido a ideia do livre-
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maneira, na medida em que o público acompanha o herói trá-
-arbítrio, não teria sido mais possível sustentar os postulados basilares gregos.
6.5.2 Comédia Falemos agora da comédia. Ela também tem suas origens vinculadas aos ritos dionisíacos, mas com intenção bem distinta da tragédia: a de provocar o riso. Por seu traço de crítica, de ridicularização e/ou de celebração das “baixezas” humanas, atravessou os séculos gozando (literalmente) de grande prestígio junto ao público, mas nem tanto junto à crítica e aos poderes hegemônicos instituídos em cada momento
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histórico e em cada sociedade.
“Perfilando-se aos espetáculos circenses e mimos improvisados, a comédia latina, cujos maiores representantes foram Andronicus, Plauto (254-184 a.C.), logo se fez aceitar pelo povo romano, enquanto a aristocracia ouvia com muita gravidade a leitura das tragédias de Sêneca (4 a.C. - 65 d.C.). Estas jamais puderam concorrer com a popularidade das comédias que, apesar da pouca sutileza psicológica, eram repletas de motivos familiares aos romanos. Nelas não faltavam disfarces, travestimentos, truques de escravos, obscenidades, vigor colorido e permanente invenção da intriga.” (VICTOR CIVITA, 1976, p. 28).
Tendo como outra de suas características marcantes a sua acentuada proximidade com o viver presente do público, o que pode ser notado no teor dos diálogos, a comédia evidencia sua vinculação com a vida cotidiana quando faz referências a acontecimentos e personagens pertencentes ao contexto imediato de seu tempo. É verdade que esse traço de implicação com os costumes e valores vigentes não produziu
apenas gargalhadas e, por vezes, custou caro a seus autores, e atores, por extensão, que sofreram todo tipo de perseguição, chegando mesmo a provocar o banimento de alguns artistas de seus países. Para se pôr a par dessas e de outras notícias sobre o percurso da comédia no ocidente vale a pena consultar Iniciação à Comédia, de Vilma Áreass (RODRIGUES, 1990). É significativamente maior o número de autores que se debruçaram para estudar a tragédia, apesar da maior popularidade da comédia desde sempre. Isso nos parece ser motivo suficiente para que revisitemos os estudos já realizados e nos empenheAnalisando mais demoradamente as estratégias da comicidade para refletir o viver, e sobre ele, talvez possamos, além de nos desmancharmos em risos ao ver uma comédia como o Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, atentar também para o fato de que ali vícios sociais são passados em revista, desvios de conduta são dados a ver e falhas de caráter tornadas evidentes, fazendo com que o ser brasileiro, de mazelas e belezas, possa ser pensado no palco e na plateia. Mas com certeza depois das considerações sobre tragédia e comédia você deve estar se perguntando sobre os gêneros teatrais onde essas delimitações não são tão nítidas. Pelo tamanho e complexidade da literatura dramática universal, não é possível aqui analisar todas as formas derivadas dessas mais básicas e exemplificá-las com textos acessíveis. Contudo, a referência à obra de Willian Shakespeare (1564-1616) pode ser ilustrativa de como uma peça, tendo a catástrofe como desfecho, pode em seu percurso intercalar cenas de grande comicidade sem comprometer a unidade dramática (Hamlet, Rei Lear, Romeu e Julieta, Otelo, entre outros). Por ter produzido uma singular mistura da tragédia e da comédia, Shakespeare chegou a ser qualificado como bárba-
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mos em abrir novos.
ro pelos seus críticos; mas, por esse mesmo motivo, foi redimido pelo Romantismo, que o tomou como mestre, de tal modo que Victor Hugo (2002), no prefácio de Cromwell escrito em 1827, vai tomar essa combinação como paradigma para um novo gênero teatral, denominado drama. Daí em diante uma torrente de outras combinações foram operadas num contínuo até chegarmos ao apogeu do hibridismo em nossos dias. Aliás, contemporaneamente é bem mais fácil encontrar textos em que as diferentes perspectivas convivem, do que obras exclusivamente trágicas ou cômicas. Inclusive existem autores que assumem desde o título a opção pelo hibridismo
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dramático, como o francês Eugenne Ionesco (1909-1994) em suas peças de subtítulos bastante sugestivos nesse sentido: A Lição – drama cômico; As cadeiras – farsa trágica; Vítimas do Dever – pseudodrama. O que parece evidente é que superamos a hierarquização simplista dos gêneros, todos eles potenciais produtores de excelente dramaturgia, pois, hoje, podemos verificar que tanto a comédia quanto a tragédia estão presentes em filmes, na televisão e ainda em telenovelas. Assim podemos verificar que os diversos gêneros estão coexistindo sem gerar conflitos. Tomando pé do quão escasso é o espaço para tratar de tantas e complexas questões, vamos propondo exercícios e reflexões estéticas a partir de outra perspectiva artística. Está entre nossas intenções, além de para as artes visuais, contribuir também para o aperfeiçoamento das estratégias de leitura no campo das artes cênicas. Com o que refletimos até aqui e com a culminância através do que vamos propor logo abaixo, acreditamos que você possa, guardadas as singularidades, dar continuidade às suas pesquisas no campo das artes cênicas autonomamente. Mesmo quando os apontamentos tomaram como referência as artes visuais, saiba que o que de mais substantivo
havia na reflexão também se aplica ao Teatro. Podemos citar como exemplos: as considerações que fizemos sobre as linguagens artísticas operando códigos e pautando suas gramáticas; a crítica à perspectiva “inatista” e “espontaneísta” e a defesa do exercício cultivado do fazer artístico na escola; e por fim, as considerações sobre leitura, releitura e a intertextualidade. Assim, a ideia é que você realize a apreciação das obras indicadas a seguir, considerando os quatro estágios descritos por Feldman (1970 apud BARBOSA, 1991), e registre sistematicamente suas reflexões, além de buscar informações adicionais sobre cada obra e artista. deve procurar identificar intertextualidades entre elas, seja do ponto de vista da temática, do universo simbólico ou da estrutura. Por fim, irá eleger uma das obras indicadas para, a partir desta, elaborar uma releitura, explicitando, por escrito, o percurso criativo de seu trabalho. Você deve estar se perguntando: “Como assim?”. Pois é isso mesmo que você está pensando! Tudo o que dissemos sobre a leitura, releitura e intertextualidade deve te ajudar a elaborar sua criação artística tendo como referência obras indicadas por nós. Ou, sendo mais explícito, depois de realizada a leitura densa das obras, você poderá eleger algumas delas para ser analisada simbolicamente, visando um resultado estético. Você pode se valer da mesma linguagem para produzir sua releitura, mas também pode fazê-la numa linguagem diferente da que é utilizada na obra de referência. Por exemplo, elaborar um texto dramático a partir do quadro Menino Morto (conforme foi visto na unidade 6), de Portinari, ou uma xilogravura a partir da cena de Romeu e Julieta, de Shakespeare. A escolha da obra e da linguagem a ser utilizada é sua, por isso, é importante que você esteja atento para
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Tendo concluído essa fase da leitura das obras, você
identificar quais de suas escolhas podem melhor disparar sua autoria artística. Os textos dramáticos, como as obras visuais, precisam ser lidos nas entrelinhas para que a compreensão tenha substância, é interessante levantar questões sobre o que apresentam os diálogos e o que neles fica subentendido; sobre as indicações de cena e as demais rubricas; e mesmo sobre a biografia, o universo dos autores e o contexto da época. Como não tivemos tempo de trabalhar com a encenação propriamente dita fizemos a opção de propor a releitura a partir de um elemento do teatro que apreciamos no per-
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curso, o texto. E, sem esquecer o que dissemos na unidade 2, com a ajuda de Magaldi (2002). Indicamos a leitura da peça Bonitinha, mas ordinária, de Nelson Rodrigues. Os “finalmentes”: em tudo nessa vida costumamos ser melodramáticos, mas não é tempo de se ressentir ou lamentar o que não foi possível abordar aqui. Os espaços de aprendizagem são muitos, este é apenas um deles, com limites e possibilidades próprias. Importante, chegando ao final, é saber que nosso empenho foi sempre o de fazer chegar a você textos e imagens que ajudem a pensar outros lugares para a arte no mundo contemporâneo, que façam vislumbrar novos tempos para a arte na escola e que permitam transfigurar múltiplos lugares e tempos no viver, de modo que este possa, em alguns momentos, ser o mesmo que beleza. Quiçá ainda saberemos disso com alegria, sensibilidade e inteligência.
Sugestões de atividades • Construção de textos pelos estudantes para uma apresentação posterior. • Exploração das características dos personagens que serão trabalhados nas atividades de artes cênicas. • Produção de pesquisa em figurinos, maquiagem, cenários e movimentação corporal. • Exercícios de dicção e desenvolvimento de habilidades verbais. • Ensaios. • Apresentação (culminância do trabalho).
SÍNTESE Você viu nessa unidade os principais elementos que compõem o teatro: o ator, o texto e o público. Viu também que esses elementos se mostram e se realizam a partir de questões de fundo (crenças, valores, ideologias etc.), as condições materiais (tamanho e estrutura do lugar, localização, equipamentos disponíveis, tecnologias etc.) e as histórico-sociais (poder, economia, desenvolvimento humano etc.). Assim, observou que todas essas condições influem na fruição de cada espetáculo em seu contexto. Então, reflitamos o quanto pode ser verdadeiro que a resposta do público aponta ca-minhos a serem trilhados para o desenvolvimento da linguagem. Nessa unidade se iniciou uma aproximação com as artes cênicas e teve-se pistas do percurso histórico-social da constituição do teatro como linguagem artística. Se não foi possível discorrer densamente sobre as transformações pelas quais passou a arte teatral, de certo que se tomou consciência do tamanho da nossa ignorância sobre esse fazer com mais de 2500 anos de história e isso influencia ainda mais em uma ação reflexiva no âmbito da pesquisa em teatro e educação.
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Nesta unidade, foram propostas leituras de textos teatrais como fundamentos para uma produção em sala de aula. Sugeriu-se também a comunicação entre os diferentes elementos artísticos, ou seja, a possibilidade de uma produção visual de um texto verbal ou, ainda, uma produção cênica de uma imagem. Até a próxima!
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Você pôde verificar que o teatro possui os seus pró-
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prios elementos constitutivos e com isso também observar que cada condição de realização da arte em suas idiossincrasias também acontece em diferentes perspectivas. Vamos dialogar com os colegas sobre de que forma o teatro pode nos ajudar a interpretar os acontecimentos em nossas cidades e, também, de que forma essa arte pode nos auxiliar a estabelecer análises sobre acontecimentos que nos são cotidianos. Durante a unidade, pudemos verificar que o teatro grego clássico nos apresenta aspectos, elementos históricos que estão presentes atualmente em nossas vidas cotidianas, como, por exemplo, a comédia e a tragédia. Vamos dialogar com os nossos colegas de que maneira esses elementos podem nos ajudar a atuarmos em sala de aula. Na presente unidade pudemos, ainda, indicar a leitura de obras de teatro de pelo menos dois diferentes autores (Willian Shakespeare e Nelson Rodrigues). Vamos dialogar com os nossos colegas a respeito do que as obras possuem em comum, ou no que elas se diferenciam. Vamos refletir também de que maneira poderemos fazer releituras dos textos apresentados, construindo obras de arte em diversas linguagens, ou seja, a partir de uma imagem construir uma cena teatral, e a partir de uma cena teatral construir um desenho ou pintura.
LEITURA INDICADA Querendo saber mais sobre a formação do ator, leia o livro História e formação do ator (1989), de Enio Carvalho, e registre por escrito o que lhe pareceu singular e representativo da história e dos processos de formação do ator.
SITES INDICADOS Se desejar saber mais sobre o teatro grego são indicados os textos:
grega3.htm> <http://www.academia.org.br/abl_minisites/cgi/cgilua.exe/ sys/start.htm?infoid=75&sid=21&UserActiveTemplate=mach adodeassis> Podemos verificar neste texto uma estreita relação existente ente autores do romantismo, como Machado de Assis e Victor Hugo. <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-25551998000200005&script=sci_arttext&tlng=en> Nesse link podemos acessar um belo texto de Japiassu que vai nos auxiliar a discutir e refletir sobre a prática do teatro na escola pública. Esse texto também nos ajuda a elaborar saberes sobre a relação do teatro com a prática discursiva do estudante. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Teatro> Esse site nos traz indicativos do teatro em diferentes perspectivas e para tanto é uma ótima fonte de pesquisa para quem deseja incluir essa arte em sua prática educativa em sala de aula.
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<http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/tragedia_
<http://www.espacoacademico.com.br/046/46coliveira.htm> Nesse site pode-se verificar um texto em que é apresentado alguns aspectos falados durante a unidade que abordou do hibridismo entre o romantismo e o drama. <http://www.cobra.pages.nom.br/ecp-teatropedag.html> Nesse site poderemos acessar vários links que podem nos ajudar a construir atividades de teatro em sala de aula.
REFERÊNCIAS
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BARBOSA, A. M. A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectivas, 1991. CARVALHO, E. História e formação do ator. São Paulo: Ática, 1989. HUGO, V. Do grotesco e do sublime: tradução do prefácio de Cromwell. Trad. e notas Célia Berrettinni. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002. MAGALDI, S. Iniciação ao teatro. 7. ed. São Paulo: Ática, 2002. NOVELLY, M. C. Jogos teatrais: exercícios para grupos e sala de aula. Trad. Fabiano Antônio de Oliveira. Campinas: Papirus, 1994. SHAKESPEARE, W. Romeu e Julieta. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. SOUZA, F. de. O livro do ator. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2001. (Coleção Profissões)
RODRIGUES, N. Teatro completo de Nelson Rodrigues, 4: tragédias cariocas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. ROUVBINE, J-J. A linguagem da encenação teatral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. SÓFOCLES. Édipo Rei. Versão baseada na famosa tradução inglesa de Sir Richard Jebb. São Paulo: Abril Cultural, 1976. VICTOR CIVITA (Org.). Teatro vivo: introdução e história. São Paulo: Abril Cultural, 1976.
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P ropostas pedag贸gicas de um arte-educador
Albérico Salgueiro de Freitas Neto
Olá! Você começará a unidade estudando as relações entre a arte-educação e sua base legal e, assim, esperamos promover reflexões sobre o cotidiano educativo: procedimentos em sala de aula que promovam narrativas e produções de histórias, o brincar, o dançar, o cantar, formas de expressão com o corpo, sem se esquecer da intenção pedagógica das atividades. Você estudará sobre planejamento e implementação de um projeto de arte-educação e refletirá sobre a prática arte-educadora na perspectiva de produção de um projeto de ação pedagógica utilizando a arte como suporte. Lembre-se, também, que os interesses, as intenções, o comprometimento, a pesquisa e a escolha de material e atividades influenciam nos resultados de suas ações. A partir do bom planejamento poderemos realizar uma atividade de qualidade em nossas salas de aula. Bons estudos!
A base de toda e qualquer educação está no respeito à individualidade do aprendizado levando-se em consideração as virtudes, limitações e deficiências de cada aluno. Dentro de um processo de aprendizagem em grupo, o professor deverá ter como objetivo a construção de um denominador comum no aspecto metodológico. A própria diferença entre os alunos será um aspecto positivo para o aprendizado do respeito às diferenças e divergências. A arte-educação
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ajudará o estudante na compreensão de uma produção individualizada, mas integrada com o seu ambiente social, deixando-o aberto a se comunicar com diferentes tipos de pessoas no contexto escolar. Uma das Leis que fundamentam esse fazer educativo é o documento “Declaração de Salamanca – sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais”, que pode ser estudado na disciplina Educação Especial.
As diferenças nas necessidades educativas especiais se configuram como foco específico da declaração, cujo objetivo é garantir os direitos humanos às pessoas com deficiências ou portadoras de necessidades especiais, assim como a todo e qualquer cidadão. Esta educação, então, está alicerçada numa política integradora dando enfoque à preparação das escolas para atender a todo tipo de pessoa. Você deve estar se perguntando: mas o que isso tem a ver com a arte-educação em contexto escolar? Mais do que nunca, hoje o processo de inclusão é inevitável e necessário, e lembremos a respeito do que foi dito nas unidades 1 e 2: arte-educação é, principalmente, formas de expressão, comunicação simbólica, e a realidade cada vez mais exige que o professor esteja preparado para saber se comunicar com os muitos diferentes.
Quaisquer que sejam as diferenças na aprendizagem das crianças, elas têm o direito à educação, garantida pela Constituição Federal Brasileira (1988) em seu artigo 208, inciso III, e também pela ONU e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, define, em seu artigo 2º, a educação como “dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana”, tendo “por finalidade o pleno desendania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996). Essas ideias são pautadas na política educacional, cuja diretriz é alcançar um planejamento de ações sobre atividades educativas voltadas a uma “Educação Para Todos”. Essas ações estão na formação de pessoal docente especializado em atender e reconhecer as diferenças e deficiências dos estudantes e gerar adaptações do conteúdo e do método dos programas de estudo às necessidades individuais. Neste processo de um fazer educativo de qualidade, a arte-educação é extremamente importante, pois desenvolve, por meio de vivências lúdicas, habilidades e competências não somente no nível artístico, mas também habilidades linguísticas, matemáticas e também em perspectivas cognitivas e coordenação motora ampla e fina. Uma vez que refletimos sobre a importância de estudar as leis e proposta político-pedagógica da arte-educação, vamos ampliar essa discussão trazendo, para a nossa unidade, ações, mais propriamente as ditas intenções de sala de aula. A primeira delas é a necessidade de refletirmos sobre o cotidiano educativo, pois é nele que estaremos inseridos e atuaremos como professores. Sabemos que o dia a dia de sala de aula é muito cansativo, e para que ele fique mais interessante podemos utilizar a arte-educação como subsídio de transformação desse mesmo cotidiano.
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volvimento do educando, seu preparo para o exercício da cida-
Assim, precisamos saber que o cotidiano de sala de aula não pode ser composto – ou não deveria ser – de produções alienantes e repetitivas, mas deve ser uma tomada de consciência dos estudantes para a importância de sua própria produção intelectual, para que com isso promovam-se diversas reflexões sobre o futuro. Então, a melhor forma de pensar sobre o amanhã é agir no hoje, no cotidiano. A respeito desse assunto o documen-
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to “Proposta Curricular de Santa Catarina Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio”, da Secretaria de Educação de Santa Catarina, no diz que: “Esta categoria deve ser trabalhada em duas dimensões: o cotidiano como produto da sociedade moderna onde a separação entre o trabalho e a criação cultural promove a quebra da totalidade, o homem compartimentando trabalho manual e intelectual cuja relação com o tempo se dá de forma linear (a repetição diária de um fazer alienado) e a cotidianidade que permite o reencontro dos tempos desiguais e simultâneos, espaço das resistências e do vivido. [...] Os homens atuam no cotidiano. Nele está todo o potencial de rebeldia, mas também os controles, a alienação e as formas de dominação. Trabalhar com a noção de cotidiano supõe sair do nível do aparente (as coisas são o que aparentam, mas também não são) e penetrar na essência dos fenômenos. A análise das contradições propicia a reflexão crítica sobre o cotidiano e desvenda os conhecimentos significativos sobre o vivido. [...] É neste processo que as reflexões históricas e historiográficas permitem projeções sobre o devir, e para tanto, cabe ao professor formular hipóteses sobre as múltiplas possibilidades abertas pelos homens no tempo imediato. As-
sim, comparando cotidianos e cotidianidades diversas, poder-se-á garantir aos estudantes instrumentos de reflexão sobre o futuro.” (SANTA CATARINA, 1998).
A partir desse referencial de cotidiano e de educação que vimos até o presente momento, continuaremos o nosso estudo pensando a união da dança com a música em sala de aula. Serão sugeridos procedimentos pedagógicos ou ações que se, cretizar uma arte-educação de muito boa qualidade. O primeiro ponto a ser sugerido está na leitura do professor, ou seja, um procedimento individual do arte-educador, é: 1) Compreender sobre a importância da arte-educação na educação integral da criança Essa compreensão só será possível por meio de leituras, procura e pesquisa, vivência. Seja no nosso cotidiano educativo, na conversa com colegas mais velhos ou mais novos, que estão sempre a nos ensinar coisas, ou nos estudos, como esse que fazemos agora na disciplina arte-educação: música e dança. Os pontos que se seguem são sugestões de ações para/ com o estudante: 2) Capacitar a criança para a interpretação do/com o corpo, por meio de movimentos, da voz e de instrumentos musicais Para a realização dessa capacitação, é importante pensar na técnica. É um procedimento que vai acontecer ao longo de certo tempo. Com o devido planejamento/organização dos objetivos arte-educativos é possível capacitar a criança para a utili-
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conjuntamente, realizadas no cotidiano educativo podem con-
zação de seus corpos como instrumento de comunicação, possibilidades de construções de linguagens. Assim é o fazer arte em sala de aula. Sempre se deve ter um objetivo pedagógico claro por trás de toda atividade, por mais simples que ela pareça. 3) Desenvolver, com a criança, habilidades de produção e leituras de vivências artísticas Para a concretização do desenvolvimento infantil, é
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preciso agir e a ação está sempre na produção e na leitura de objetos de arte que são vivenciados pelas crianças em sala de aula, sejam eles visuais, sonoros, táteis, literários etc. É importante entender que só se aprende fazendo. É necessário fazer do cotidiano educativo uma constante produção de arte. Cantar, dançar, brincar etc. são algumas das formas de ajudar as crianças a se desenvolverem de forma sadia e lúdica. 4) Desenvolver sua capacidade de percepção diante dos fenômenos em seu ambiente sociocultural É importante desenvolver nas crianças o senso de inclusão de toda idiossincrasia dos grupos sociais, principalmente o respeito a toda realidade cultural. A sala de aula é um espaço que permite levar elementos da vida, das ruas dos estudantes, da influência social e cultural que se abate sobre eles. Dessa forma, podemos desenvolver um senso crítico sobre os fatos e acontecimentos que permeiam o dia a dia desse estudante em seus diversos ambientes socioculturais. 5) Fomentar as capacidades criativas e improvisadoras da criança Devemos sempre tratar a criança de forma positiva e motivadora. Sabemos o quanto é difícil, muitas vezes, a questão da disciplina e também do domínio de classe, mas se fomentamos constantemente o anseio de expressão da crian-
ça por meio de atividades que promovam o seu desenvolvimento criativo, os estudantes melhoram de atitude, passam a agir com mais respeito e segurança. 6) Proporcionar uma cultura de arte geral Cada estudante traz consigo, por meio da vivência de suas realidades, o seu próprio mundo artístico-cultural, inclusive com respeito a todas as áreas da arte. Assim, o pronando um ambiente favorável ao diálogo sobre as formas de produção e leitura de uma obra de arte. 7) Desenvolver o vocabulário, repertório de movimento e pesquisas artísticas básicas Para esse tipo de procedimento, é necessário entender que ele é da ordem da construção de uma literatura em arte e se relaciona com o procedimento anterior. Mas é necessário, principalmente, desenvolver, por meio de pesquisas em sala de aula, atitudes e habilidades que envolvam certo vocabulário artístico. O estudante deve se sentir estimulado a realizar questionamentos e críticas, mas, sobretudo, estar produtivo, conhecer o que está realizando. A questão do vocabulário artístico só é possível por meio de pesquisa e realização crítica de objetos artísticos.
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fessor deve agir com respeito à individualidade, proporcio-
O velho Guitarrista (1903), de Pablo Picasso
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Fonte: <www.wikimedia.org>.
Nessa obra de Picasso, percebemos uma representação visual de um elemento musical. Mais uma vez voltamos para a junção das diversas artes, ou seja, para uma compreensão da arte em sua amplitude de possibilidades – conceitos, habilidades, representação e simbolização –, sobretudo para o uso desses elementos como proposta pedagógica de um fazer arte-educador. Como uma forma de reavivar a sua memória, recapitularemos alguns pontos que merecem destaque: • A arte-educação é fruto da realidade social, cultural e histórica; promove a compreensão de linguagens e de formas de significação; realiza o desenvolvimento coletivo e individual de conhecimentos. • A arte educação fornece como fundamento de ação a educação dos sentidos. • A arte-educação desenvolve experiências sensoriais de construção da imagem corporal. • Psicomotricidade – desenvolve a coordenação motora ampla e fina.
• Aprende-se arte ou sobre arte realizando atividades de arte, fazendo arte. • Estudamos os principais autores, os pedagogos musicais e os aspectos que permeiam especificamente a educação musical. • Estudamos também os elementos do som: altura, intensidade, timbre e duração, e vimos também os diversos elementos que compõem e estruturam a • Conhecemos uma breve história da dança, as suas concepções em diferentes momentos históricos e lugares, realidades culturais. • Estudamos os elementos da dança: corpo, movimento, espaço e tempo. • E finalmente estudamos um pouco sobre a legislação que fundamenta a ação do arte-educador, utilizando a arte como fundamento da produção com uma boa qualidade pedagógica. Podemos afirmar, com base nos conteúdos estudados, que é possível criar diferentes propostas pedagógicas em sala de aula. Basta utilizar a sua criatividade e também um bom planejamento. É importante que você possa refletir sobre como planejar uma ação educativa – ou um projeto de arte-educação – para a sala de aula. Mas antes vamos refletir sobre um quadro geral da estrutura de um projeto ou planejamento de ação para a sala de aula. Uma unidade estudantil tem em média de 10 a 12 semanas, 50 a 60 dias letivos. Se pensarmos uma atividade específica de arte-educação por semana, no final da unida-
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música: melodia, ritmo e harmonia.
de serão 10 canções aprendidas, 10 coreografias realizadas, 10 habilidades/conceitos desenvolvidos, 10 temas trabalhados. Não devemos negligenciar maneiras criativas de educar. Então, o fazer arte e ensinar com arte promovem reflexões ao educador de modo a estimular criações mais humanas e centradas na complexidade dos estudantes. Quem não sabe da importância de se fazer cantigas de roda? Todo estudante de pedagogia vê, em diferentes discipli-
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nas, a respeito do uso das cantigas de roda como estratégia para ampliar os conhecimentos do universo cultural dos estudantes, além, é claro, de desenvolver a comunicação entre os estudantes, os conceitos de grupo e de unidade. Assim, por que não se fazer diariamente uma roda, cantar e dançar um pouco? Pois é, existem múltiplas possibilidades de trabalhar/ utilizar elementos de arte-educação e para isso, é necessário fazer pesquisa de material – histórias, músicas, danças, estilos – aplicando, em sala de aula, o resultado. Agora passaremos a ver uma estrutura mais ampla de um projeto de ação pedagógica.
ELEMENTOS DE UM PROJETO Objeto/tema (o que...?): O que o estudante irá estudar? Qual é o assunto? Sobre o que ele pesquisará ou desenvolverá? Qual o tema? Quais serão os conteúdos? Podemos estudar sobre diversos assuntos, inclusive fazer relações com outros conteúdos de disciplinas como matemática, português, ciências, geografia ou história. Pode-se pensar em canções que falem de um determinado tema que se está estudando, como amizade, amor, alegria, ou sobre temas mais específicos como recursos hídricos, meio ambiente... Objetivo (para que...?): Para que o estudante irá desenvolver o objetivo? É proposto desenvolver que habilidades no estudante? Quando pensamos os objetivos da atividade não devemos nos esquecer exatamente de qual habilidade ou conhecimento queremos que o estudante apreenda ou
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desenvolva. Assim os objetivos são as ações, os passos necessários para que o estudante logre êxito. Justificativa (por que...?): Por que é importante que o discente estude o assunto proposto? Qual o motivo dele estudar o objeto? A justificativa é uma parte muito importante do projeto, pois é ela quem delimita os motivos, as razões para a implementação de sua ação. Uma justificativa bem fundamentada e com uma construção crítica e inteligente é fundamental para uma realização, com qualidade, do que está sendo proposto. A justificativa sempre é uma forma de estruturar o professor para que possa ajudá-lo a saber exatamente o que está querendo com o conteúdo a ser trabalhado e com a atividade a ser realizada. Sujeitos (quem?): Quem são esses estudantes? Qual a faixa etária? Qual é a realidade social e cultural deles? Não podemos fazer uma educação sem sabermos exatamente quem serão os sujeitos/estudantes com os quais trabalharemos. Muitas vezes é preciso um diálogo com eles, uma avaliação anterior para depois analisar quais os métodos que serão mais adequados para as habilidades e dificuldades dos alunos. Material (com o que...?): Quais materiais precisarei para implementar a minha ação pedagógica? Papel, lápis, borrachas, tinta, pincel, instrumentos musicais, roupas para figurinos, cadeira, mesa, dentre outros. Espaço de ação (onde...?): Onde implementarei o projeto? Numa escola? Num centro social? Em sala de aula? No pátio da escola? Metodologia (como...?): Como serão as atividades? Em forma de oficinas? Quais serão os procedimentos (descrição) em cada momento da ação pedagógica? A metodologia não se restringe somente aos procedimentos de uma ação, mas é também a técnica, a abordagem, o referencial que fundamenta a ação, a intenção do como se está agindo. Referências (Qual fundamento...?): Com base em quê (em qual teoria ou fundamento), e quem (autor, teórico) realizo a proposta do projeto/planejamento? As referências vêm no final do texto, porém, na nossa produção, ao pensarmos no projeto/planejamento, começamos sempre com elas, que nada mais são do que as nossas leituras, os estudos que fazemos nos livros, artigos, textos de internet e diálogos com profissionais da educação e colegas nossos, além é claro de nossa vivência em sala de aula.
Outro método, que surte muito efeito nas crianças, e elas normalmente adoram, é a contação de histórias. É um momento em que as crianças podem soltar a imaginação e viajar entre personagens fictícios ou não, mas principalmente é um momento de leitura e interpretação de texto. Pode-se depois fazer canções sobre a história, tentar reproduzi-la por meio de mímicas ou teatro de fantoches, pode-se criar coreografias com elementos da história, pode-se desenhar ou
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reproduzir essa história em quadrinhos, entre outras coisas. Como sugestão, vou contar-lhe uma história que os irmãos Grimm me contaram, é sobre um flautista.
O flautista de Hamelin, dos irmãos Grimm Há muito, muitíssimo tempo, na próspera cidade de Hamelin, aconteceu algo muito estranho: uma manhã, quando seus gordos e satisfeitos habitantes saíram de suas casas, encontraram as ruas invadidas por milhares de ratos que iam devorando, insaciáveis, os grãos dos celeiros e a comida de suas bem-providas despensas. Ninguém conseguia imaginar a causa de tal invasão e, o que era pior, ninguém sabia o que fazer para acabar com tão inquietante praga. Por mais que tentassem exterminá-los, ou ao menos afugentá-los, parecia ao contrário que mais e mais ratos apareciam na cidade. Tal era a quantidade de ratos que, dia após dia, começaram a esvaziar as ruas e as casas, e até mesmo os gatos fugiram assustados. Ante a gravidade da situação, os homens importantes da cidade, vendo perigar suas riquezas pela voracidade dos ratos, convocaram o conselho e disseram: “Daremos cem moedas de ouro a quem nos livrar dos ratos”. Pouco depois se apresentou a eles um flautista taciturno, alto e desengonçado, a quem ninguém havia visto antes, e lhes disse: “A recompensa será minha. Esta noite não haverá um só rato em Hamelin”. Dito isso, começou a andar pelas ruas e, enquanto passeava, tocava com sua flauta uma melodia maravilhosa, que encantava aos ratos, que iam saindo de seus
Fonte: <http://www.contaconto.hpg.ig.com.br>.
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esconderijos e seguiam hipnotizados os passos do flautista que tocava incessantemente. E assim ia caminhando e tocando, levou-os a um lugar muito distante, tanto que nem sequer se poderia ver as muralhas da cidade. Por aquele lugar passava um caudaloso rio onde, ao tentar cruzar para seguir o flautista, todos os ratos morreram afogados. Os hamelineses, ao se verem livres das vorazes tropas de ratos, respiraram aliviados. E, tranquilos e satisfeitos, voltaram aos seus prósperos negócios e tão contente estavam que organizaram uma grande festa para celebrar o final feliz, comendo excelentes manjares e dançando até altas horas da noite. Na manhã seguinte, o flautista se apresentou ante o Conselho e reclamou aos importantes da cidade as cem moedas de ouro prometidas como recompensa. Porém esses, liberados de seu problema e cegos por sua avareza, reclamaram: “Saia de nossa cidade! Ou acaso acreditas que te pagaremos tanto ouro por tão pouca coisa como tocar a flauta?”. E, dito isso, os honrados homens do Conselho de Hamelin deram-lhe as costas dando grandes gargalhadas. Furioso pela avareza e ingratidão dos hamelineses, o flautista, da mesma forma que fizera no dia anterior, tocou uma doce melodia uma e outra vez, insistentemente. Porém esta vez não eram os ratos que o seguiam, e sim as crianças da cidade que, arrebatadas por aquele som maravilhoso, iam atrás dos passos do estranho músico. De mãos dadas e sorridentes, formavam uma grande fileira, surda aos pedidos e gritos de seus pais que, em vão, entre soluços de desespero, tentavam impedir que seguissem o flautista. Nada conseguiram e o flautista os levou longe, muito longe, tão longe que ninguém poderia supor onde, e as crianças, como os ratos, nunca mais voltaram. E na cidade só ficaram seus opulentos habitantes e seus bem repletos celeiros e bem cheias despensas, protegidas por suas sólidas muralhas e um imenso manto de silêncio e tristeza. E foi isso que se sucedeu há muitos, muitos anos, na deserta e vazia cidade de Hamelin, onde, por mais que se procure, nunca se encontra nem um rato, nem uma criança.
Use a sua imaginação e desenvolva atividades mil com histórias conhecidas ou criadas por você ou pelos alunos. Mais uma vez, vou narrar uma história para você que os irmãos Grimm me contaram. A história se passa na cidade de Bremen.
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Um homem tinha um burro que, há muito tempo, carregava sacos de milho para o moinho. O burro, porém, já estava ficando velho e não podia mais trabalhar. Por isso, o dono tencionava vendê-lo. O pobre animal, sabendo disso, ficou muito preocupado, pois não podia imaginar como seria seu novo dono... e então, para evitar qualquer surpresa desagradável, pôs-se a caminho da cidade de Bremen. “Certamente, poderei ser músico na cidade”, pensava ele. Depois de andar um pouco, encontrou um cão deitado na estrada, arfando de cansaço. – Por que estás assim tão fatigado? Perguntou o burro. – Amigo, já estou ficando velho e, a cada dia, vou ficando mais fraco. Não posso mais caçar; por isso meu dono queria me entregar à carrocinha. Então, fugi, mas não sei como ganhar a vida. – Pois bem, lhe disse o burro. Minha história é bem semelhante à sua. Vou tentar a vida como músico em Bremen. Venha comigo. Eu tocarei flauta e você poderá tocar tambor. O cão aceitou o convite e seguiu com o burro. Não tinham andado muito, quando encontraram um gato, muito triste, sentado no meio do caminho. – Que tristeza é essa, companheiro? Perguntaram-lhe os dois. – Como posso estar alegre, se minha vida está em perigo? Respondeu o gato. Estou ficando velho e prefiro estar sentado junto ao fogo, em vez de caçar ratos. Por esse motivo, minha dona quer me afogar. – Ora, venha conosco a Bremen, propuseram os outros. Seremos músicos e ganharemos muito dinheiro. O gato, depois de pensar um pouco, aderiu e acompanhou-os. Foram andando até que encontraram um galo, cantando tristemente, trepado numa cerca. – Que foi que lhe aconteceu, amigo? Perguntaram os três. – Imaginem, respondeu o galo, que amanhã a dona da
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casa vai ter visitas para o jantar. Então, sem dó nem piedade, ordenou ao cozinheiro que me matasse para fazer uma canja. Os outros, então, lhe propuseram: – Nós vamos a Bremen, onde nos tornaremos músicos. Você tem boa voz. Que tal se nos reuníssemos para formar um conjunto? O galo gostou da ideia e juntando-se aos outros seguiram caminho. A cidade de Bremen ficava muito distante e eles tiveram que parar numa floresta para passar a noite. O burro e o cão deitaram-se embaixo de uma árvore grande. O gato e o galo alojaram-se nos galhos da árvore. O galo, que se tinha colocado bem no alto, olhando ao redor, avistou uma luzinha ao longe, sinal de que deveria haver alguma casa por ali. Disse isso aos companheiros e todos acharam melhor andar até lá, pois o abrigo ali não estava muito confortável. Começaram a andar e, cada vez mais, a luz se aproximava. Afinal, chegaram a casa. O burro, como era o maior, foi até a janela e espiou por uma fresta. À volta de uma mesa, viu quatro ladrões que comiam e bebiam. Transmitiu aos amigos o que tinha visto e ficaram todos imaginando um plano para afastar dali os homens. Por fim, resolveram aproximar-se da janela. O burro colocou-se de maneira a alcançar a borda da janela com uma das patas. O cão subiu nas costas do burro. O gato trepou nas costas do cão e o galo voou até ficar em cima do gato. Depois, a um sinal combinado, começaram a fazer sua música juntos: o burro zurrava, o cão latia, o gato miava e o galo cacarejava. A seguir, quebrando os vidros da janela, entraram pela casa adentro, fazendo uma barulhada medonha. Os ladrões, pensando que algum fantasma havia surgido ali, saíram correndo para a floresta. Os quatro animais sentaram-se à mesa, serviram-se de tudo e procuraram um lugar para dormir. O burro deitou-se num monte de palha, no quintal; o cão, junto da porta, como a vigiar a casa; o gato, junto ao fogão, e o galo encarapitou-se numa viga do telhado. Como estavam muito cansados, logo adormeceram. Um pouco além da meia noite, os ladrões, verificando que a luz não brilhava mais dentro da casa, resolveram voltar. O chefe do bando disse aos demais:
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– Não devemos ter medo! E mandou que um entrasse primeiro para examinar a casa. Chegando a casa, o homem dirigiu-se à cozinha para acender uma vela. Tomando os olhos do gato, que brilhavam no escuro, por brasas, tentou neles acender um fósforo. O gato, entretanto, não gostou da brincadeira e avançou para ele, cuspindo-o e arranhando-o. Ele tomou um grande susto e correu para a porta dos fundos, mas o cão, que lá estava deitado, mordeu-lhe a perna. O ladrão saiu correndo para o quintal, mas, ao passar pelo burro, levou um coice. O galo, que acordara com o barulho, cantou bem alto: – Cocoricó!!!! Sempre a correr, o ladrão foi se reunir aos outros, a quem contou: – Lá dentro há uma horrível bruxa que me arranhou com suas unhas afiadas e me cuspiu no rosto. Perto da porta, há um homem mau que me passou um canivete na perna. No quintal, há um monstro escuro, que me bateu com um pedaço de pau. Além disso tudo, no telhado está sentado um juiz, que gritou bem alto: “Traga aqui o patife!!!”. – Acho que não devemos voltar lá... É muito perigoso! Depois disso, nunca mais os ladrões voltaram a casa, e os quatro músicos de Bremen sentiam-se muito bem lá, onde faziam suas músicas e viviam despreocupados. De vez em quando, alguém das redondezas os chamava e lá iam eles, felizes e contentes, tocar a sua música... Fonte: <http://www.contaconto.hpg.ig.com.br>. Esta fábula tem um significado óbvio: os quatro animais representam as diferentes classes do povo; os seus donos eram os regentes feudais desse tempo. Bremen, uma cidade livre Hanseática onde não existia feudalismo, era o local natural para se viver sem amos. Bremen recorda esta história através de uma estátua de bronze de dois metros de altura ao lado da Câmara Municipal (Rathaus).
Estátua de bronze de dois metros de altura ao lado da Câmara Municipal
Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Os_M%C3%BAsicos_de_Bremen>.
A narração de histórias é uma boa sugestão para iniciarmos as atividades. Podemos apresentar diversos assuntos, inclusive fazer relações com os outros conteúdos de disciplinas como matemática (o número de bichos), português (os sons dos animais), a fala, a comunicação entre eles, ou ainda ciências, como podemos introduzir questionamentos morais, a respeito da realidade de cada um dos animais e também a respeito dos ladrões. Podemos, ainda, construir mímicas, teatros, desenhos, revistas em quadrinhos da história. Tudo depende da nossa criatividade ou da proposta quisermos abordar. Digamos que você queira abordar o conteúdo de expressões corporais. Você observou que no texto da história algumas expressões estão escritas em negrito? Se não, volte ao texto e observe quais são elas.
Ainda com base na proposta dos animais como personagens, podemos recolher histórias incluindo também fábulas e histórias de diversas culturas. Vamos tentar imaginar
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alguma atividade incluindo essa canção como subsídio para que a ação educativa se realize? Uma velha senhora que contava histórias me disse que: “o que era de vidro quebrou-se, o que era de papel molhou-se, entrou por uma porta e saiu pela outra, o rei, meu senhor, que te conte outra”.
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Nessa unidade você viu um pouco sobre a base legal que fundamenta a educação e, a arte-educação dentro dessa legislação, o papel do professor diante do fazer no cotidiano educativo. Os fundamentos e bases de construção de um projeto de arte-educação. Depois estudou procedimentos para uma boa qualidade pedagógica, onde se utiliza a arte como fundamento de uma produção educativa. E, por fim, viu que pode desenvolver diversos tipos de atividades artísticas por meio de narração de histórias, que podem ser criadas pelos próprios alunos levando-se em consideração sua realidade social e cultural.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO As artes, no que concerne às suas possibilidades, são formas de linguagem: a música (compor, cantar, tocar, interpretar), a dança, o movimento, a mímica, as expressões faciais, a comunicação com o corpo; as artes visuais, a representação, a impressão, o desenho, a escultura, a fotografia, o filme, o teatro, as palavras, e finalmente as palavras sobre palavras. Você estudou ao longo da unidade diversas perspectivas e possibilidades de um fazer arte-educador, então é sugerido que se possa refletir sobre essa ação a partir dos elementos que compõem a arte em seus grandes campos de con-
teúdos. A partir disso, de que maneira podemos unir todos esses elementos para realizar uma ação centrada na realidade social e cultural do estudante?
LEITURA INDICADA BARBOSA, A. M. Arte-educação no Brasil. Trad. Sofia Fan. Estudos Avançados, vol. 3, n. 7, p. 170-182. Disponível em: 18 jul. 2014.
SITES INDICADOS Ainda com base na proposta dos animais como personagens, podemos recolher histórias incluindo também fábulas e histórias de diversas culturas. Vamos tentar imaginar alguma atividade incluindo essa canção como subsídio para que a ação educativa se realize? <http://www.magossi3.hpg.ig.com.br/pagina078.htm> Esta canção que segue é muito conhecida. Muitos professores a utilizam em sala de aula como uma forma de ampliar o conhecimento sobre as cores, o desenho, as técnicas de pintura, as formas geométricas, o uso do compasso, a linguagem, os países do mundo, entre outros. Viu quanto conteúdo se pode trabalhar com essa canção? Podemos utilizar a nossa criatividade e promover diversas ações educativas a partir de muitas delas, a questão, conforme dito anteriormente, é pesquisar canções ou histórias que possam nos servir de subsídios para concretizações de atividades lúdicas em sala de aula.
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em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v3n7/v3n7a10.pdf>. Acesso
<http://www.radioclubecampobelo.com.br/Letras%20de%20 musicas/aquarela.htm> Naturalmente, a canção “Aquarela” é muito usada para atividades de artes visuais. Vamos pensar em utilizar a nossa criatividade para criarmos uma atividade de música e dança com essa canção? <http://www.caracol.imaginario.com/discoteca/arcadenoe/
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porta.html> Outra sugestão de canção é “A porta”, em que podemos trabalhar conteúdos a respeito dos diversos materiais, podemos sugerir como atividade um desenho ou pintura de sua própria porta, onde depois cada um vai escrever o que tem por trás dela. É uma atividade rica, que promove muitas revelações próprias da natureza de cada um dos estudantes.
REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (1978). Normas ABNT sobre documentação; referências bibliográficas – NBR 6023. Rio de Janeiro: s.ed. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, 23 dez. 1996. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: jul. 2014. SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta Curricular de Santa Catarina Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio: Formação docente para educação infantil e séries iniciais. Florianópolis: COGEN, 1998.
Propostas pedag贸gicas de um arte-educador
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A rte-educação: influências e aspectos socioculturais
Albérico Salgueiro de Freitas Neto
Olá! Nesta última unidade de arte-educação iremos estudar ações pedagógicas baseadas nas diversas formas de arte, especificamente a música, a dança, as artes visuais e o teatro. Vamos estudar as influências dos Parâmetros Curriculares Nacionais e as suas perspectivas no fazer pedagógico e de que forma os conteúdos das diversas artes podem ser importantes na construção de significações por parte dos estudantes e professores na elaboração de saberes que estabelecem conexões entre os conhecimentos sociais, culturais e a prática de sala de aula. Boa viagem!
Os objetivos iniciais da educação fundamental, segundo os parâmetros curriculares nacionais (BRASIL, 1997), é estabelecer conexões entre os saberes construídos nos espaços sociais e culturais do estudante com a realidade da escola.
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A roda tem um significado muito grande, é um valor civilizatório afro-brasileiro, pois aponta para o movimento, a renovação, não tem início nem fim, o processo da coletividade, todas as pessoas podem se ver e transmitir energia positiva.
Este fazer pedagógico tem um foco de ação que é a intervenção do professor nesta realização por parte dos estudantes. O uso da criatividade é uma forma popular dentro da pedagogia de se trabalhar conteúdos das artes, mas se descaracterizou essa ação em um não direcionamento, em que ao estudante era permitido um fazer artístico sem um enfoque por parte dos professores para o uso de elementos das artes como fundamentais em uma perspectiva metodológica específica, quando é proposta uma arte crítica de elementos sociais e culturais na elaboração de saberes e de construção de conhecimentos. Assim os parâmetros curriculares nacionais nos ajudam a entender e a questionar essa prática do professor que usa as artes como método em sua ação educativa. “Atualmente, professores de todos os cantos do mundo se preocupam em responder pergun-
E, para tanto, são necessárias ações que permitam uma criticidade diante dos espaços em que vivem. Nesta direção de questionamentos propostos por pesquisadores da área de artes, Feldman, citado por Barbosa (1991), foi um pesquisador que ajudou a arte a construir saberes. Por isso, foram escolhidos os elementos da roda, da circularidade, como suporte para este fazer pedagógico, já que: “A questão do círculo, da roda, da circularidade tem uma profunda marca nas manifestações culturais afro-brasileiras, como a roda de samba, a roda de capoeira, as legendárias conversas ao redor da fogueira... No candomblé, os iniciados rodam/dançam durante alguns rituais ou festas. Com o círculo, o começo e o fim se imbricam, as hierarquias, em algumas dimensões, podem circular ou mudar de lugar, a energia transita num círculo de poder e saber que não se fecha nem se cristaliza, mas gira, circula, transfere-se...” (BRANDÃO, 2006a, p. 97)
O círculo é um elemento que utilizamos nas aulas, principalmente porque acreditamos que no processo ensino-aprendizagem o professor tanto ensina quanto aprende com os estudantes. O estudante é visto cada vez mais como um ser integral, em que a razão e a emoção não podem andar desvinculadas uma da outra, e que a sua produção intelectual cres-
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tas básicas que fundamentam sua atividade pedagógica: “Que tipo de conhecimento caracteriza a arte?”, “Qual a função da arte na sociedade?”, “Qual a contribuição específica que a arte traz para a educação do ser humano?”, “Como as contribuições da arte podem ser significativas e vivas dentro da escola?” e “Como se aprende a criar, experimentar e entender a arte e qual a função do professor nesse processo?” (BRASIL, 1997, p. 21)
ce na medida em que construímos habilidades básicas junto com os sujeitos (BRANDÃO, 2006b). A circularidade é também um ponto importante, pois na perspectiva de uma não hierarquização dos saberes, todas as disciplinas estão no mesmo patamar, assim como no círculo, em que todos se olham, se veem. Na circularidade utiliArte e educação
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zamos as diferentes artes, assim como as diversas disciplinas devem integrar um programa de conhecimentos oriundos de diversas áreas, pois as suas correlações se constroem a partir dos pontos em comum e dos pontos divergentes, assim como também de conteúdos que se relacionam com a vida cotidiana do educando (BRANDÃO, 2006b). A construção de novas ideias e o desenvolvimento da criatividade são também elementos que a arte ajuda a elaborar. Principalmente no desenvolvimento de linguagens, habilidades de leitura dos aspectos culturais e sociais que permeiam o cotidiano tanto dos professores quanto dos estudantes. “A manifestação artística tem em comum com o conhecimento científico, técnico ou filosófico seu caráter de criação e inovação. Essencialmente, o ato criador, em qualquer dessas formas de conhecimento, estrutura e organiza o mundo, respondendo aos desafios que dele emanam, num constante processo de transformação do homem e da realidade circundante. O produto da ação criadora, a inovação, é resultante do acréscimo de novos elementos estruturais ou da modificação de outros. Regido pela necessidade básica de ordenação, o espírito humano cria, continuamente, sua consciência de existir por meio de manifestações diversas.” (BRASIL, 1997, p. 26)
Podemos observar também que a roda não é apenas um elemento dos valores civilizatórios afrodescendente, mas
existe uma grande influência de diversas culturas que também utilizam a roda como um fazer artístico. Podemos reconhecer que quando a roda “roda” todos giram na mesma velocidade, e com isso podemos sugerir reflexões a respeito do tempo, do ritmo de aprendizagem de cada um dos sujeitos em particular, podemos nos aproximar diano. Podemos também, a partir da metáfora da roda, do círculo, promover um espírito colaborativo e cooperativo entre os membros do círculo, da turma que gira. A circularidade também estabelece saberes entre o que é interno e o que é externo ao círculo, as influências culturais se comunicam, dialogam em perspectivas que caminham entre as pessoas que ensinam e as pessoas que aprendem. Então, o conhecimento da circularidade também estabelece saberes entre o que é interno e o que é externo ao círculo, as influências culturais se comunicam, dialogam em perspectivas que caminham entre as pessoas que ensinam e as pessoas que aprendem. Então, o conhecer é um processo circular. Veja o que diz Maturana sobre os processos circulares. “B. Pörksen: Como você descreveria os processos circulares do conhecer e do viver? H. Maturana: Quando falo de circularidade, me refiro a uma dinâmica circular dentro do organismo (vale dizer, uma circularidade para o interior do sistema nervoso assim como uma circularidade na realização da autopoiese), que faz com que esse organismo se relacione com o meio como uma totalidade circular. O encontro com o meio não rompe essa circularidade, mas se produzem mudanças estruturais que por sua vez modificam a deriva da circularidade. Entretanto, aqui não se trata de um feedback do meio ou de uma relação segundo o esquema input/ouput, mas de uma mudança estrutural recíproca de organismo e meio. Essa é uma situ-
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das exigências e das necessidades de aprendizagens do coti-
ação completamente diferente. E se a circularidade se destrói pela relação com o meio, o organismo morre (MATURANA et al., 2005).1
A arte é um produto da realidade cultural. Para cada grupo social existe o seu próprio modo de significação das
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artes e de seus produtos artísticos. Podemos verificar nas obras de arte elementos que compõem uma estrutura formal de elaboração de saberes que são perpetrados no universo imagético de cada sujeito em particular na relação com essas obras. O enriquecimento do universo artístico dos nossos alunos, por meio de observações, análises e avaliação de objetos de arte promove reflexões sobre os sentidos; além disso, o seu desenvolvimento enriquece as leituras de mundo, promovendo reflexões críticas, e, a produção de obras de arte, independente da área, promove uma amplitude de significações históricas das artes como objeto de conhecimento. “Tanto a ciência quanto a arte, respondem a essa necessidade mediante a construção de objetos de conhecimento que, juntamente com as relações sociais, políticas e econômicas, sistemas filosóficos e éticos, formam o conjunto de manifestações simbólicas de uma determinada cultura. Ciência e arte são, assim, produtos que expressam as representações imaginárias das distintas culturas, que se renovam através dos tempos, construindo o percurso da história humana. A própria idéia de ciência como disciplina autônoma, dis-tinta da arte, é produto recente da cultura ocidental. Nas antigas sociedades tradicionais não havia essa distinção: a arte integrava a vida dos grupos humanos, impregnada nos ritos, cerimônias e objetos de uso cotidiano; a ciência era exerci-
1. Traduzido do espanhol por V.P.
da por curandeiros, sacerdotes, fazendo parte de um modo mítico de compreensão da realidade.” (BRASIL, 1997, p. 26).
A experiência criadora em arte envolve recursos pessoais e sociais, habilidades, técnicas, pesquisa de materiais, relações entre perceber, imaginar e realizar arte. Na construção de formas artísticas o repertório cultural também influencia significativamente na relação entre o que é pessoal e o social, pois promove diálogos entre esses aspectos e assim ajuda a elaborar a produção artística de um determinado grupo social. Portanto o fazer artístico é experimentação, potencialidade, percepção (uso dos sentidos), reflexão, sensibilidade, imaginação, intuição, curiosidade, flexibilidade, significação, informação e formação: produção social, cultural e histórica. “A aprendizagem artística envolve, portanto, um conjunto de diferentes tipos de conhecimentos, que visam à criação de significações, exercitando fundamentalmente a constante possibilidade de transformação do ser humano. Além disso, encarar a arte como produção de significações que se transformam no tempo e no espaço permite contextualizar a época em que se vive na sua relação com as demais.” (BRASIL, 1997, p. 32-33).
Cada uma das artes (artes visuais, música, dança ou teatro) trabalha com uma linguagem artística específica. Elas não estão isoladas umas das outras, mas podem se articular de maneira a construírem saberes coletivos que se misturam quando observados em seus contextos culturais. As artes visuais, especificamente, trabalham com um dos sentidos, a visão. Claro que em suas perspectivas con-
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pesquisa de textos, habilidades de construção de linguagens,
temporâneas a visão está articulada com os outros sentidos, não mais ilhados, mas construídos colaborativamente. Assim, podemos compreender que a divisão disciplinar das artes é uma forma didática de permitir que os estudantes a compreendam em suas especificidades e idiossincrasias próprias. Portanto, as artes visuais nos ajudam a entender a construção Arte e educação
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de saberes especificamente ligados à forma visual, cor, textura, desenvolvendo habilidades perceptivas e são utilizados em sala de aula enquanto crítica de um fazer histórico. “A educação em artes visuais requer trabalho continuamente informado sobre os conteúdos e experiências relacionados aos materiais, às técnicas e às formas visuais de diversos momentos da história, inclusive contemporâneos. Para tanto, a escola deve colaborar para que os alunos passem por um conjunto amplo de experiências de aprender e criar, articulando percepção, imaginação, sensibilidade, conhecimento e produção artística pessoal e grupal.” (BRASIL, 1997, p. 45).
A dança, por sua vez, nos auxilia a construir a linguagem corporal, a linguagem do movimento. Brincadeiras de roda são, em sua essência, atividades corporais de dança. Quando a roda gira, seja para um lado, seja para o outro, fechar a roda, abrir a roda, estamos desenvolvendo habilidades de construção espacial, a velocidade na qual a roda gira desenvolve habilidades de tempo. Podemos também realizar atividades de roda em duplas ou trios, em que o girar organiza o sistema vestibular (responsável pelo equilíbrio) e também organiza os sistemas protorreceptores. Podemos verificar que é muito comum observarmos crianças que costumam rodar e rodar no mesmo lugar e depois tentam andar em linha reta. Podemos perceber que é natural que se perca o equilí-
brio, exatamente porque se a criança gira muito, ou com grande velocidade, desorganiza esse sistema protorreceptor que está localizado no labirinto (ouvido). Assim a dança é responsável por um grande papel na elaboração de uma construção da imagem corporal. A dança também auxilia a desenvolver o corpo em movimento e organizar a expressão corporal. “A criança se movimenta nas ações do seu cotidiano. Correr, pular, girar e subir nos objetos são algumas das atividades dinâmicas que estão ligadas à sua necessidade de experimentar o corpo não só para seu domínio, mas na construção de sua autonomia. A ação física é a primeira forma de aprendizagem da criança, estando a motricidade ligada à atividade mental. Ela se movimenta não só em função de respostas funcionais (como ocorre com a maioria dos adultos), mas pelo prazer do exercício, para explorar o meio ambiente, adquirir melhor mobilidade e se expressar com liberdade. Possui, nesta etapa de sua vida, um vocabulário gestual fluente e expressivo.” (BRASIL, 1997, p. 49).
A música é uma das artes que promovem a expressão sonora da pessoa. As realidades culturais se revelam diversas por meio de diferentes tipos, qualidades de sons produzidos pela voz humana, sons de animais e instrumentos construídos com os mais variados materiais. A linguagem musical tem uma característica muito particular, pois promove a exploração de sonoridades de materiais, habilidades de coordenação motora ampla e fina, desenvolve habilidades de fala e de escuta. As cantigas de roda são muito comuns em diversas culturas, é comum vermos crianças brincando de roda e cantando músicas que falam exatamente sobre este rodar, girar. Há cantigas também que falam sobre o entrar na roda, o sair
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da roda, a escolha de um par para entrar na roda. Todas essas atividades são possibilidades de utilização de elementos musicais em sala de aula.
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“O processo de criação de uma composição é conduzido pela intenção do compositor a partir de um projeto musical. Entre os sons da voz, do meio ambiente, de instrumentos conhecidos, de outros materiais sonoros ou obtidos eletronicamente, o compositor pode escolher um deles, considerar seus parâmetros básicos (duração, altura, timbre e intensidade), juntá-lo com outros sons e silêncios construindo elementos de várias outras ordens e organizar tudo de maneira a constituir uma sintaxe. Ele pode também compor música pela combinação com outras linguagens, como acontece na canção, na trilha sonora para cinema ou para jogos eletrônicos, no jingle para publicidade, na música para dança e nas músicas para rituais ou celebrações. Nesse tipo de produção o compositor considera os limites que a outra linguagem estabelece.” (BRASIL, 1997, p. 53).
O teatro é uma das artes que exploram a imaginação, o jogo cênico, a representação. No teatro trabalhamos com conteúdos como a maquiagem, o figurino, o cenário, o texto: auxiliando o desenvolvimento de habilidades na dicção, interpretação e construção de textos. Um dos aspectos mais interessantes do teatro é que ele pode unir todas as artes em si. Em uma atividade teatral podemos realizar atividades das artes visuais (construção de cenário, máscaras, figurino, maquiagem), de música e de dança. O teatro também nos inspira a desenvolver jogos lúdicos que são importantes para a socialização da criança, pois promove uma comunicação, uma disciplina, organização e também construção de diálogos.
Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Giulio_Romano_002.jpg>.
Esse quadro chama-se Dança de Apolo com as musas. Se observarmos a base da obra poderemos ver que o seu autor escreve o nome das nove musas. Os seus nomes são: Calíope, Clio, Érato, Euterpe, Melpomene, Polímnia, Terpsícore, Tália, Urânia. Vimos durante esta unidade os aspectos múltiplos das artes, vimos também na última imagem uma roda entre as musas, ou seja, um movimento circular entre todas as expressões artísticas, e isso é o que sugerimos que seja feito em sala de aula por você, professor(a). Pois desejo que as disciplinas de arte-educação tenham ajudado a construir saberes significativos e que promovam uma profunda reflexão entre a realidade social e cultural que envolve os nossos estudantes.
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“O ato de dramatizar está potencialmente contido em cada um, como uma necessidade de compreender e representar uma realidade. Ao observar uma criança em suas primeiras manifestações dramatizadas, o jogo simbólico, percebe-se a procura na organização de seu conhecimento do mundo de forma integradora. A dramatização acompanha o desenvolvimento da criança como uma manifestação espontânea, assumindo feições e funções diversas, sem perder jamais o caráter de interação e de promoção de equilíbrio entre ela e o meio ambiente. Essa atividade evolui do jogo espontâneo para o jogo de regras, do individual para o coletivo.” (BRASIL, 1997, p. 57).
A aprendizagem em arte acompanha o processo de desenvolvimento geral da criança e do jovem. Observa-se, assim, que sua participação nas atividades do cotidiano social está envolta nas regularidades, acordos, construções e leis que reconhece na dinâmica social da comunidade à qual pertence, pelo fato de se perceber como parte constitutiva desta. 200 Arte e educação
Também cabe à escola orientar seu trabalho com o objetivo de preservar e impulsionar a dinâmica do desenvolvimento e da aprendizagem, preservando a autonomia do aluno e favorecendo o contato sistemático com os conteúdos, temas e atividades que melhor garantirão seu progresso e integração como estudante (BRASIL, 1997, p. 36).
SÍNTESE Na presente unidade estudamos a respeito da relação entre as artes e os aspectos sociais e culturais. Vimos a importância da arte na produção de saberes e o seu uso crítico como fundamento de um fazer pedagógico. Vimos também que não podemos desconectar os fazeres artísticos de uma realidade concreta dos estudantes. Como metáfora, o girar, o rodar, o círculo nos auxiliou a refletir sobre a roda da vida.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO As artes se apresentam como elementos da manifestação de uma realidade social e cultural que influenciam os professores e estudantes em seus cotidianos de produção de conhecimento, assim, vamos dialogar com os nossos colegas a respeito de como podemos utilizar a arte como crítica de um fazer pedagógico motivador de leituras criativas e também do lúdico na realização de produção de saberes.
LEITURA INDICADA Leia os “Parâmetros curriculares nacionais”. Para o acesso ao texto completo dos parâmetros pode-se recorrer ao link <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro06.pdf>, que é uma forma de atualizar as nossas leituras que darão zando as artes como fundamento educativo.
SITES INDICADOS <http://www.acordacultura.org.br/main.asp?Team=%7B729D 211D%2D04B3%2D41C6%2D940D%2DDCF3B3BE2028%7D> Esse link nos permite acessar os textos completos que utilizamos como referências, também sugere leituras que podemos utilizar como fundamento no uso de conteúdos afrodescendentes em sala de aula. <http://www.acordacultura.org.br> Esse link é um excelente espaço de pesquisa e construção de conhecimento em conteúdos artísticos que também nos são essenciais para um fazer pedagógico.
REFERÊNCIAS BARBOSA, A. M. A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectivas, 1991. BRANDÃO, A. P. (Coord.). Saberes e fazeres: modos de ver. v. 1. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2006a. ______. Saberes e fazeres: modos de ver. v. 2. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2006b.
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suporte para o nosso fazer pedagógico em sala de aula utili-
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. MATURANA, H.; PÖRKSEN, B. Del ser al hacer: las orígenes de la biología del conocer. Santiago: JC Saez Editor, 2005. Disponível em: <http://imanentemente.blogspot.com/2007/10/ Arte e educação
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autopoeise-e-circularidade.html>. Acesso em: 18 jul. 2014.
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