[E-book] Currículo UNIFACS

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CURRĂ?CULO Autora: Ivonete Barreto de Amorim



SUMÁRIO AULA 1 - TEORIAS DO CURRÍCULO: TRADICIONAIS, CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS....................... 5 Síntese.................................................................................................................. 15 Questão para reflexão.......................................................................................... 15 Leituras indicadas ................................................................................................ 16 Site indicado......................................................................................................... 16 Referências........................................................................................................... 16 AULA 2 - O CURRÍCULO E SUAS IMPLICAÇÕES (CURRÍCULO EXPLÍCITO E OCULTO, ESCOLA CIDADÃ)........................................... 19 Quadro síntese...................................................................................................... 20 Síntese.................................................................................................................. 29 Questão para reflexão.......................................................................................... 30 Leituras indicadas................................................................................................. 31 Sites indicados...................................................................................................... 31 Referências........................................................................................................... 31 AULA 3 - CURRÍCULO: CULTURA, POLÍTICA E EPISTEMOLOGIA ........................................... 33 O que é cultura?................................................................................................... 34 O que é política?................................................................................................... 37 O que é epistemologia? ...................................................................................... 40 Síntese.................................................................................................................. 44 Questão para reflexão.......................................................................................... 44 Leituras indicadas................................................................................................. 46 Referências........................................................................................................... 46 AULA 4 - CURRÍCULO: DOCUMENTO DE IDENTIDADE.......................................................... 47 Então, o que é identidade?.................................................................................. 48 Síntese.................................................................................................................. 57 Questão para reflexão.......................................................................................... 57 Leituras indicadas................................................................................................. 58 Sites indicados...................................................................................................... 58 Referências........................................................................................................... 58


AULA 5 - CURRÍCULO E INTERDISCIPLINARIDADE............................................................... 61 O que é interdisciplinaridade?.............................................................................. 63 Síntese.................................................................................................................. 72 Questões para reflexão......................................................................................... 72 Leituras indicadas................................................................................................. 72 Site indicado......................................................................................................... 73 Referências........................................................................................................... 73 AULA 6 - CURRÍCULO: COMPLEXIDADE E MULTIRREFERENCIALIDADE.................................. 75 O que é multirrefencialidade e complexidade?................................................... 76 Síntese.................................................................................................................. 85 Questão para reflexão.......................................................................................... 85 Leituras indicadas................................................................................................. 86 Site indicado ........................................................................................................ 86 Referências........................................................................................................... 86 AULA 7 - LEGISLAÇÃO E CURRÍCULO (DIRETRIZES CURRICULARES, LDB, RCNEI E PCN)........ 89 Síntese................................................................................................................ 101 Questão para reflexão........................................................................................ 101 Leituras indicadas............................................................................................... 102 Sites indicados ................................................................................................... 102 Referências......................................................................................................... 102 AULA 8 - CURRÍCULO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES......................................................... 105 Síntese................................................................................................................ 116 Questão para reflexão........................................................................................ 116 Leituras indicadas............................................................................................... 116 Sites indicados ................................................................................................... 117 Referências......................................................................................................... 117


AULA 1 Teorias do currículo: tradicionais, críticas e pós-críticas Autora: Ivonete Barreto de Amorim

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“As professoras e os professores de todas as épocas e lugares sempre estiveram envolvidos, de uma forma ou outra, com o currículo”. Tomaz Tadeu da Silva

lá, estudante! Seja bem-vindo à nossa primeira aula! Conforme apresentação inicial acerca da disciplina Currículo, reafirmamos que, nesse primeiro contato, faremos reflexões sobre as teorias do currículo, ressaltando os pressupostos concernentes às teorias: tradicionais, críticas e pós-criticas.

Assim, o objetivo desta aula consiste em analisar as diferentes teorias e pressupostos que caracterizam o campo do currículo. Dessa forma, a sua leitura e a sua reflexão são uma condição básica para a construção de aprendizagem significativa. Vamos juntos desvelar esses conhecimentos?! Você já ouviu falar sobre o termo currículo? Pense um pouco sobre isso. O que vem a sua mente? Acaso você pensou em curriculum vitae? Pois é, o curriculum vitae é aquele documento que explicita a trajetória educacional, acadêmica e profissional de uma pessoa que em um dado momento de sua vida quer comunicar a outrem as suas habilidades e competências sobre as suas experiências profissionais e/ou acadêmicas.


CURRÍCULO

Mas, o currículo a ser tratado nesta aula diz respeito a uma instituição de ensino. Ele também é considerado um documento, contudo, um documento que representa a identidade de uma instituição, ou seja, diz respeito à sua organização, ao seu projeto político pedagógico, o qual se constitui no princípio fundante do currículo. No Projeto Político Pedagógico são definidos os planos de ensino, seus conteúdos, seus objetivos, sua metodologia, sua avaliação, enfim, o que influencia a determinação dos conhecimentos a serem ensinados ou não para determinado segmento de ensino. No entanto, a determinação do que ensinar e do que não ensinar não é uma tarefa ingênua ou neutral, pois o currículo, como afirma Silva (2003), é um “documento de identidade” da instituição, o qual explicita no seu bojo questões ideológicas, políticas, econômicas, culturais e sociais. Nesse sentido, precisamos olhar de forma crítica para as matrizes curriculares das instituições educacionais e perceber que o currículo é muito mais do que o conjunto de disciplinas de determinado curso, mas ele constitui-se em um artefato cultural e social. Agora que você já construiu suas primeiras impressões e possíveis dúvidas acerca do termo currículo, faremos uma interlocução com as perspectivas de teóricos que tratam o tema. Para início de conversa, Silva (1996) explicita que o currículo pode ser compreendido como: [...] um dos locais privilegiados onde se entrecruzam saber e poder, representação e domínio, discurso e regulação. É também no currículo que se condensam relações de poder que são cruciais para o processo de formação de subjetividades sociais. Em suma, currículo, poder e identidades sociais estão mutuamente implicados. O currículo corporifica relações sociais. (SILVA, 1996, p. 23)

Nesse contexto, conceituar currículo demanda romper com definições técnicas e definitivas, relacionando esse campo com suas trajetórias e historicidade nas diferentes teorias que balizaram e desenharam esse instrumento de identidade na escola. O currículo é determinado pelo contexto, pois nele se adquire diferentes sentidos de acordo com os diversos autores que constituem o espaço educativo. Assim, no campo do currículo, as teorias pedagógicas e educacionais estão diretamente imbricadas, pois, segundo Silva (2003, p. 21), “[...] as diferentes filosofias educacionais e as diferentes pedagogias, em diferentes épocas, bem como da institucionalização do estudo do currículo [...], não deixaram de fazer especulações sobre o currículo”. Silva (2003) referencia o livro The Curriculum de Bobbitt (1918), o qual explicita no seu bojo que o currículo constitui um campo especializado de estudo. O referido livro, escrito no século XX, especificamente em 1918, apresenta uma importante reflexão sobre a educação nos EUA naquele momento histórico em que foram compartilhados diferentes forças econômicas, políticas e culturais, as quais buscaram “moldar os objetivos e formas da educação de massas” (SILVA, 2003, p. 22). Com base nesse olhar sobre a educação, Bobbitt (1918) defendia um formato de escola que funcionasse igual aos princípios empresariais, destacando, nesse cenário, o alcance preciso dos objetivos através de métodos consistentes e mensuração dos resultados. Com efeito, o princípio que regia a escola estava vinculado à economia, e a palavra de ordem era a “eficiência”. Com isso, Bobbitt pretendia transferir para a escola os princípios da administração científica proposta por Frederick Taylor (1911).

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Dessa forma, Bobbitt institui um modelo de currículo predominantemente técnico que encontra eco na forma sintética do modelo implementado por Ralph Tyler (1974), o qual defendia quatro questões fundamentais, propostas a seguir, e que devem ser respondidas quando se desenvolve qualquer currículo e plano de ensino. 1) Que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir? 2) Que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcançar esses propósitos? 3) Como organizar eficientemente essas experiências educacionais? 4) Como podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados? (RALPH TYLER, 1974, p. 1), Essas questões nos remetem a uma percepção pautada no alcance de resultados previamente esperados, ressaltando uma perspectiva tradicional quanto à atividade educacional. Assim, fica evidente que, na questão 1, o enfoque recai sobre o currículo, nas questões 2 e 3, a busca pelo mote do ensino e da instrução e, na questão 4, o enfoque na avaliação. Tyler (1974), ainda afirma que [...] a fim de planejar um programa educacional e envidar esforços para um melhoramento continuado, é muito necessário fazer uma concepção dessas metas que tem em vista. Esses objetivos tornam-se os critérios pelos quais são selecionados materiais, se esboça o conteúdo, se desenvolvem procedimentos do ensino e se preparam testes e exames. Todos os aspectos do programa educacional são, em realidade, meios de realizar objetivos educacionais básicos. Por isso, a fim de estudar de maneira sistemática e inteligente um programa educacional, devemos começar por determinar exatamente quais são os objetivos educacionais colimados. (TYLER, 1974, p. 2).

Para Tyler, a seleção de objetivos, além de exercer o papel prioritário na realização do planejamento curricular, é a chave de todo o processo. Portanto, nessas questões, as teorias tradicionais do currículo passaram a incorporar uma visão estritamente técnica sobre o como fazer o currículo, adotando como condição importante o status quo. Você percebeu que as teorias tradicionais do currículo têm enfoque nos resultados? Então, observe que essas teorias tradicionais do currículo são caracterizadas pelas ênfases nos seguintes elementos curriculares: » » ensino; » » aprendizagem; » » avaliação; » » metodologia; » » didática; » » organização; » » planejamento; » » eficiência e objetivos. Como você deve ter percebido, as características ora elencadas são comuns em qualquer currículo das escolas na atualidade, contudo, esse referencial de organização data do século XVII com a Didática Magna, de Comênio.

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CURRÍCULO

Esse documento tinha como subtítulo a arte universal de ensinar tudo a todos, totalmente. Nessa obra, Comênio definiu muitos elementos que ainda hoje estão presentes em nossas práticas escolares, como: o planejamento, o objetivo, a exposição do professor, o exercício de fixação, os testes e as provas como forma de mensurar a aprendizagem. E você já ouviu falar em Comênio?

Jan Amos Komensky Komensky (Comenius em latim e Comênio em português) foi um educador e bispo protestante checo que marcou o século XVII com a criação da Didática Magna. Instrumento que oportunizou o processo seguro e excelente de instrução que tinha como máxima “ensinar tudo a todos”. Dessa forma, a Didática Magna apresentava-se como uma forma de currículo que orientava a prática pedagógica sobre o que ensinar e como ensinar. Quer saber mais? Acesse: <http://didaticaaplicada.blogsp ot. com/2008/02/didtica-magna-introduo.html>

Sintetizando, as práticas elencadas na Didática Magna integram as teorias tradicionais, as quais legitimam uma concepção neutral, científica e desinteressada sobre o processo educativo, considerando que “[...] os saberes dominantes representam a existência do que ensinar e as técnicas existentes, já definidas cientificamente, servem justamente para que o ensino se realize” (PADILHA, 2004, p. 123). Com efeito, a base da práxis pedagógica inspira-se na forma bancária de ensino que se constitui na tônica dessa teoria, pois a transmissão de conhecimentos inquestionáveis e de forma organizada legitima as características ressaltadas acima na estrutura curricular. Observe, nas ilustrações abaixo, a centralidade da transmissão explicitada nas teorias tradicionais:

Fonte: Unifacs

Assim como a negação das diferenças

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AULA 1 - TERRITÓRIOS REMANESCENTES DE QUILOMBOS: HISTÓRIA, POLÍTICA E EDUCAÇÃO

Fonte: <www.sxc.hu/ID1197684>

De acordo com Silva (2003, p. 27), as teorias tradicionais do currículo só foram contestadas nos Estados Unidos a partir dos anos 70, do Século XX, com o chamado movimento de “reconceitualização do currículo”. Esse movimento demonstrou a insatisfação das pessoas envolvidas com o estudo do campo do currículo em relação aos parâmetros estabelecidos por Bobbit (1918) e Tyler (1974). Essas pessoas passaram a perceber que o currículo não poderia ser entendido apenas de forma burocrática e mecânica, deveria ser levada em conta a sua relação com as teorias sociais da época, como a fenomenologia, a hermenêutica, o marxismo e a teoria crítica da Escola de Frankfurt. Você deve estar se perguntando o que foi a Escola de Frankfurt e quais características levaram-na a se opor às teorias tradicionais. Então, conheça um pouco sobre ela.

Escola de Frankfurt Ver Imagem no link abaixo Fonte: <http://alquimiadoverbo.zip.net/arch2008-03-23_2008-03-29. html> A Escola de Frankfurt foi fundada em 1924 por iniciativa de Félix Weil. Antes dessa denominação foi pensado em dar-lhe o nome de Instituto para o Marxismo, contudo, foi nomeado de Instituto para a Pesquisa Social. Esse fato é atribuído, provavelmente, por causa do anticomunismo que dominava a academia alemã nos anos 1920-1939, ou por alguns contribuintes rejeitarem ideologicamente o pensamento de Marx e do marxismo nesse momento histórico. O Instituto para a Pesquisa Social representou uma importante conquista para a universidade alemã e para o movimento dos trabalhadores e dos socialistas, destacando-se, ainda, a importância da publicação denominada de “Arquivos Grünberg”, promovido pelo primeiro diretor, Carl Grunberg. Em 1931, o Instituto foi associado à universidade de Frankfurt e possibilitou a inserção da Revista para a Pesquisa Social, a qual assumiu como bandeira a defesa da filosofia. Em 1937, Horkheimer, o diretor desta época, escreve um texto denominado “Teoria tradicional e teoria Crítica”, no qual expõe a indissociabilidade entre a teoria conceitual e a práxis social. Dessa forma, evidencia que a teoria Crítica possibilita a unificação entre o sujeito e objeto de conhecimento. Ele indica a incorporação do pensamento de filósofos “tradicionais”, colocando-os em tensão com o mundo presente.

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CURRÍCULO

Com base nas influências da Escola de Frankfurt e nas teorias sociais, os teóricos Henry Giroux (1997) e Michael Apple (1982) são notáveis questionadores das teorias tradicionais e representantes das teorias críticas. Para Giroux (1997), o currículo não está simplesmente envolvido com a transmissão de fatos e conhecimentos objetivos. O currículo é documento de identidade que é produzido ativamente e criam significados sociais. Corroborando com essa visão, Apple (1982) esclarece a possibilidade de perceber que, apesar desse processo ideológico e hegemônico de caráter mecanicista que domina o ambiente educacional, há meios de fazer com que as instituições educacionais possam ser mais humanas e educativas. Dessa forma, as teorias críticas do currículo “[...] efetuam uma completa inversão nos fundamentos das teorias tradicionais” (idem, p. 29), à medida que institui um olhar desvelador das ideologias e a relação de poder que norteiam o currículo na escola. Além de Giroux (1997) e Apple (1982), destacam-se como importantes referências sobre a implementação de olhares críticos sobre o campo do currículo a obra de Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido (1970), e a literatura francesa vinculada aos ensaios de Althusser (1983), Bourdieu e Passeron (1975), dentre outros. Com isso, estudante, é importante conhecer um pouco mais sobre os teóricos Henry Giroux, Michael Apple, Paulo Freire, Louis Althusser, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron. Para isso, leia as informações nos quadros a seguir e, caso queira ir mais adiante, leia, também, a literatura indicada.

Henry Giroux Nascido em 18 de setembro de 1943, em Providence, Rhode Island, é um dos teóricos fundadores da pedagogia crítica nos Estados Unidos. Giroux tem sido um importante contribuinte para o campo conhecido como pedagogia crítica. O seu trabalho baseia-se em uma série de tradições teóricas que se estende desde Marx a Paulo Freire de Zygmunt Bauman . Quer saber mais? Leia: GIROUX, Henry. Teoria crítica e resistência em educação (para além das teorias da reprodução). Petrópolis: Vozes, 1986. Ver imagem no link abaixo: Fonte: <http://www.nonformality.org/2008/08/recognition/>.

Michael Apple Michael W. Apple, nascido em 1942 nos Estados Unidos, cresceu em Nova Jersey, onde serviu como presidente do seu sindicato de professores. Ele é um educador renomado internacionalmente, destacando-se como pesquisador no campo do currículo. É autor de várias obras referenciais na área, entre elas, Ideologia e Currículo, a qual se encontra relacionada na bibliografia de grande parte dos cursos de graduação e pós-graduação em educação. Apple é um ferrenho defensor da escola pública e militante das causas populares. Quer sabe mais? Leia: APPLE, Michael. Ideologia e Currículo. São Paulo: Brasiliense, 1982. 10


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Ver imagem no link abaixo: Fonte: <http://www.edfac.unimelb.edu.au/news/lectures/2007series.html>.

Paulo Reglus Neves Freire Pernambucano, nasceu em Recife, em setembro de 1921. Um grande educador brasileiro, Paulo Freire, destacou-se principalmente com o trabalho realizado em Angicos (RN), com alfabetização de adultos e a publicação do livro Pedagogia do oprimido. Possui uma vasta literatura difundida em diferentes línguas e países.

Louis Althusser Nasceu em Birmandreis, Argélia, em 1918. Foi um ícone da filosofia francesa responsável pela concepção do Aparelho Ideológico do Estado, destacando que a transferência de poder do Estado para a burguesia capitalista comercial era resultado do ataque ao Aparelho Ideológico de Estado número um, a Igreja, substituída em seu papel dominante pelo Aparelho Ideológico de Estado escolar. Quer saber mais? Leia: ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1989.

Pierre Bourdieu O sociólogo francês Pierre Bourdieu considerado um dos intelectuais mais influentes de sua época, discutiu questões fundamentais como educação, cultura, arte, literatura, violência simbólica e relações de poder. Quer saber mais? Leia: <http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/pierre-bourdieu -307908.shtml>.

Jean-Claude Passeron Sociólogo francês, Jean-Claude Passeron nasceu em 1930, em Nice. Depois de estudar filosofia, ele foi a cabeça de Marselha Centro de Estudos e Pesquisas sobre cultura, comunicação, estilo de vida e socialização. Diretor de estudos na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. Quer saber mais? Leia: BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução: elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino. Petrópolis-RJ: Vozes, 2008. As teorias críticas, diferentemente das teorias tradicionais, imprimem, então, uma marca vincada na desconfiança, no questionamento e na transformação radical. Além disso, responsabilizaram o status quo como referência de desigualdade e de injustiça social. A defesa dessa teoria consiste em desenvolver conceitos que viabilizam compreender o que o currículo faz. Assim, [...] com as teorias críticas aprendemos que o currículo é, definitivamente, um espaço de poder. O conhecimento corporificado no currículo carrega as marcas indeléveis das relações sociais de poder. O currículo é capitalista. O currículo reproduz - culturalmente - as estruturas sociais. O currículo tem um papel decisivo na reprodução da estrutura de classes da sociedade capitalista. O currículo é um aparelho ideológico do Estado capitalista. O currículo

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transmite a ideologia dominante. O currículo é, em suma, um território político. (SILVA, 2003, p. 147-148).

Por conseguinte, nas teorias críticas são enfatizadas as seguintes características: » » ideologia; » » reprodução cultural e social; » » poder; » » classe social; » » capitalismo; » » relações sociais de produção; » » conscientização; » » emancipação e libertação; » » currículo oculto e resistência. Você percebeu as diferenças entre as Teorias Tradicionais e as Teorias Críticas? Observe que essas características das teorias críticas permitem questionar sobre o porquê de determinados conhecimentos e não outros serem trabalhados na escola, assim como permitem estabelecer relações entre educação e ideologia, questionando como a escola transmite ideologia. Ao refletir um pouco, você pode chegar à conclusão de que a escola atua de forma ideológica através do seu currículo, o qual pode explicitar uma influência direta por meio da legitimação de disciplinas técnicas como a matemática ou através de disciplinas que transportam valores e crenças das estruturas sociais, como a História e a Geografia. Para Apple (1982), o currículo não é um corpo neutro, inocente e desinteressado de conhecimentos, pois o conhecimento no currículo representa os interesses particulares dos grupos hegemônicos. Essa concepção reverbera, no contexto da práxis pedagógica, um olhar problematizador, questionador e transformador sobre a realidade e sobre o currículo, esclarecendo as influências ideológicas e suas possibilidades emancipatórias e libertárias. Agora que você conheceu as características e as diferenças que balizam as teorias tradicionais e as teorias críticas do currículo, conheça as implicações e os elementos constitutivos das teorias póscríticas. As teorias pós-críticas ocupam lugar diferencial em relação às duas outras teorias retratadas nessa aula, pois as teorias pós-críticas ampliam e, ao mesmo tempo, sugerem modificações sobre os aspectos que as teorias críticas nos ensinaram. Isso ocorre no final do século XX, quando as teorias pós-críticas direcionam suas bases na concepção de pós-modernidade, referendadas nos estudos de Lyotard (1993) e nos questionamentos em Foucault (2003), que advogam a favor da superação de verdades totalizantes e “absolutas”, “democratização cultural”, volatilidade de discursos, diversidades culturais e pulverização social. Leia os quadros a seguir e conheça um pouco sobre Foucault e Lyotard.

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Michel Foucault Foucault nasceu 1em 1926 em Poitiers, no sul da França, numa rica família de médicos. Aos 20 anos foi estudar psicologia e filosofia na École Normale Superieure, em Paris, período de uma passagem relâmpago pelo Partido Comunista. Em 1961, defendeu na Universidade Sorbonne a tese que deu origem ao livro A História da Loucura. Entre 1963 e 1977, integrou o conselho editorial da revista Critique. A partir dos anos 1970, militou no Grupo de Informações sobre Prisões. Entre suas principais obras estão História da Sexualidade e Vigiar e Punir. (FERRARI, M. [200-]) Quer saber mais? Leia: FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 2003.

Jean-François Lyotard Lyotard foi um filósofo francês, nascido em 1924, ficou famoso por ser um teorizador da pósmodernidade. Por mais de trinta anos lecionou filosofia no ensino e no ensino superior (Sorbonne, Nanterre, CNRS, Vincennes). Dedicou-se durante longos anos a trabalhos teóricos e práticos no grupo “Socialismo ou Barbárie” e em Pouvoir ouvrier. Também ministrou aulas na Universidade de São Paulo, em 1979. Lyotard perspectivou uma ruptura com a modernidade, propondo uma leitura pós-moderna no domínio do conhecimento, da ética, da política e da estética. Quer saber mais? Leia: LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno. Tradução: Ricardo Correia Barbosa. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993. É preciso perceber que as teorias pós-críticas do currículo questionam as grandes narrativas e tomam para si reflexões de questões relacionadas à identidade (subjetividade), ao conhecimento e ao poder, aspectos que incidem em temas como: gênero, etnia, raça, dentre outros. Em tempo, é ressaltado que nas teorias pós-críticas o currículo busca lidar com a questão da diferença como uma questão histórica e política. Como afirma Silva (2003, p. 102), “não se trata simplesmente de celebrar a diferença e a diversidade, mas questioná-las”. Nesse sentido, as teorias pós-críticas nos permitem perceber e analisar a questão do poder que perpassa pelas relações de gênero, etnia, raça e sexualidade, pois “nos fornece um mapa muito mais completo e complexo das relações socais de dominação do que aquele que as teorias críticas, com sua ênfase quase exclusiva na classe social” (SILVA, 2003, p. 146), refletidas anteriormente. Para as teorias pós-críticas do currículo, o conhecimento é parte inerente do poder, portanto, não é opositor nem põe em xeque esse poder. O poder está espalhado pela rede social. Por isso, as relações de poder e conhecimento, compreendidas pelas teorias pós-críticas, necessitam ir além das visões de poder entre classes sociais, extrapolando as diferentes situações vivenciadas na sociedade como um todo. Assim, as teorias pós-críticas revelam uma implicação singular com o que é político, o qual ultrapassa as atividades ao redor do Estado, revelando que “o pessoal também é político”, frase reverberada pelo movimento feminista. Nas teorias pós-críticas são ressaltadas as seguintes características:

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» » identidade; » » alteridade; » » diferença, subjetividade, significação e discurso; » » saber-poder; » » representação; » » cultura; » » gênero; » » raça; » » etnia; » » sexualidade e multiculturalismo. Então, você percebeu que as características das teorias pós-críticas imprimem uma nova visão sobre o campo do currículo? Pois é, a incorporação de elementos como a identidade, a alteridade, a subjetividade, dentre outros na compreensão do currículo, incidem em alterações significativas na práxis pedagógica. A práxis pedagógica vincada nesse modelo envolve-se de um movimento dialógico e dialético permanente com os autores do processo educativo, rompendo com procedimentos racionalistas e cartesianos, assumindo a necessidade de compreender o currículo através das relações de poder difundidas por toda rede social. O que torna possível desvelar, então, os diferentes fatores que envolvem procedimentos de dominação, os quais podem ser percebidos na dinâmica de poder entre gênero, raça, etnia, entre outros. Dessa forma, Silva (2003, p. 150) afirma que, [...] depois das teorias crítica e pós-críticas, não podemos mais olhar para o currículo com a mesma inocência de antes. O currículo tem significados que vão muito além daqueles aos quais as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade.

O que essa assertiva lhe estimula a pensar? Você deve ter percebido que o autor nos instiga a compreender o currículo como campo semântico de possibilidades, o qual rompe com a visão técnica, inocente e neutral, ajudando a forjar uma nova realidade impregnada de sentidos e de problematizações. Essa reflexão nos conduz a concordar com Moreira e Candau (2008, p. 17-18), para quem [...] à palavra currículo associam-se distintas concepções, que derivam dos diversos modos de como a educação é concebida historicamente, bem como das influências teóricas que a afetam e se fazem hegemônicas em um dado momento. Diferentes fatores sócio-econômicos, políticos e culturais contribuem, assim, para que o currículo venha a ser entendido como: (a) os conteúdos a serem ensinados e aprendidos; (b) as experiências de aprendizagem escolares a serem vividas pelos alunos; (c) os planos pedagógicos elaborados por professores, escolas e sistemas

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educacionais; (d) os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino; (e) os processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos procedimentos selecionados nos diferentes graus da escolarização.

Pois é, a aula está chegando ao fim. Você entendeu que as teorias do currículo aqui refletidas não são entendidas numa visão maniqueísta (bem e mal), mas referendadas através de momentos históricos legitimamente situados, os quais demandaram articulações ideológicas, políticas, econômicas e culturais, que foram incorporadas nos currículos escolares a ponto de influir consideravelmente na decisão do que ensinar e aprender, nos planejamentos, nos objetivos e na avaliação, assim como em uma visão emancipatória sobre o currículo? Quantas implicações as teorias do currículo nos leva pensar! Apesar da gama de informações abordadas nesta primeira aula, os conhecimentos referendados até aqui não foram esgotados, eles terão continuidade na próxima aula, quando serão estudadas questões referentes ao currículo e suas implicações (currículo explícito e oculto, Escola Cidadã), elementos que inevitavelmente estão imbricados com as teorias do currículo.

SÍNTESE Nesta aula, explicitamos, no seu bojo, aspectos concernentes às teorias do currículo, especificamente, as teorias tradicionais, críticas e pós-críticas. Essas teorias desvelaram as características que influenciaram o olhar sobre o currículo no âmbito escolar, em diferentes contextos históricos, os quais incidiram nos processos de ensino-aprendizagem, na organização, na concepção de saberes e na práxis pedagógica. Ressaltamos que o campo do currículo não se constitui em uma ação neutral, inocente ou desinteressada, mas em um campo de possibilidades que explicita trajetória, identidade e emancipação.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO A partir das interpretações e reflexões efetivadas diante do texto da Aula 1, estabeleça relações entre as imagens e a charge a seguir, refletindo sobre uma das teorias de currículo e sua implicação na práxis pedagógica.

Fonte: Ivonete Amorim <www.toondoo.com>.

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CURRÍCULO

Fonte: Unifacs

Fonte: <www.sxc.hu/ID990536>

LEITURAS INDICADAS MACEDO, R. S. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2007 SILVA, Tomaz Tadeu da. Documento de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2001b.

SITE INDICADO <http://www.scribd.com/doc/520266/TEORIAS-SOBRE-CURRICULO>

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AULA 1 - TERRITÓRIOS REMANESCENTES DE QUILOMBOS: HISTÓRIA, POLÍTICA E EDUCAÇÃO

REFERÊNCIAS ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1989. APPLE, Michael. Ideologia e currículo. São Paulo: Brasiliense, 1982. FERRARI, M. [200-], Revista Escola. Michel Foucault, um crítico da instituição escolar. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/critico-instituicao-escolar-423110. shtml?page=3#>. Acesso em: 27 mai. 2013. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 35. ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2003. FRÓES Burnham, T. Complexidade, Multirreferencialidade, subjetividade: três referências polêmicas para a compreensão do currículo escolar. In: Reflexões em torno da abordagem multirreferencial. São Carlos, SP: EdUFSCar, 1998. GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. MACEDO, R. S. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes, 2007. MACEDO, Roberto Sidnei. Por uma epistemologia multirreferencial e complexa nos meios educacionais. In: BARBOSA, Joaquim (Org.). Reflexões em torno da abordagem multirreferencial. São Carlos, SP: Ed. Da UFSCar, 1998. MOREIRA, Antonio Flavio B. A contribuição de Michael Apple para o desenvolvimento de uma teoria curricular crítica no Brasil. Fórum educacional, 1989. ______; CANDAU, Vera Maria. Currículo, conhecimento e cultura. Brasília: Ministério da Educação, secretaria de Educação Básica, 2008. PADILHA, Paulo Roberto. Currículo intertranscultural: novos itinerários para a educação. São Paulo: Cortez, 2004.  SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidades terminais: as transformações na política da pedagogia e na pedagogia da política. Petrópolis: Vozes, 1996. TYLER, W Ralph. Princípios básicos de currículo ensino. Tradução de Leonel Vallandro. Porto Alegre: Globo, 1974.

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AULA 2 O currículo e suas implicações (currículo explícito e oculto, escola Cidadã) Autora: Ivonete Barreto de Amorim

S

“[...] nas escolas não se aprendem apenas conteúdos sobre o mundo natural e social; adquirem-se também consciência, disposições e sensibilidades que comandam relações e comportamentos sociais do sujeito e estrutura sua personalidade.” Antonio Flavio Moreira

eja bem-vindo (a) à nossa segunda aula! Na aula 01, foram efetivadas importantes reflexões acerca das teorias do currículo: tradicionais, críticas e pós-críticas. Nesta aula, iremos recordar alguns saberes referentes a essas concepções, associando-as ao currículo explícito e oculto, assim como iremos pensar sobre o desenho da escola

cidadã.

Assim, o objetivo desta aula consiste em compreender o currículo quanto às suas implicações. Para tanto, as suas leituras e reflexões são importantes para ampliação dos seus conhecimentos acerca do campo do currículo. Vamos nessa!


CURRÍCULO

Como você deve ter percebido, na aula 1, o termo currículo associa-se a diferentes teorias, as quais se originam dos diversos modelos de educação situados historicamente. Dessa forma, pensar o currículo e suas implicações revela uma possibilidade de compreendermos as questões que ecoam no cotidiano escolar, desvelando a dinâmica do currículo explícito e oculto. Você Lembra? As teorias tradicionais do currículo deixaram latentes, no estudo anterior, que tinham como foco norteador a aceitação do status quo e a transmissão de conhecimentos dominantes, desenhando uma forma técnica de currículo. Já as teorias críticas imprimem uma marca fundada nos conceitos de ideologia e poder, ressaltando que o currículo contribui para reproduzir a estrutura da sociedade capitalista, ou seja, essas teorias saem da visão conceitual de ensino e aprendizagem. Segundo Silva (2003), as teorias pós-críticas, por sua vez, tomam como base o conceito de discurso em vez do conceito de ideologia ressaltado nas teorias críticas, assim como olham com desconfiança os conceitos como emancipação e libertação, dentre outros. Com o intuito de promover uma visão panorâmica das teorias ora apresentadas, é oportuno sistematizar os principais aspectos dessas teorias em um quadro com as principais características de cada uma delas.

QUADRO SÍNTESE TEORIAS TRADICIONAIS

ensino; aprendizagem; avaliação; metodologia; didática; organização; planejamento; eficiência e objetivos.

TEORIA CRÍTICAS

ideologia; reprodução cultural e social; poder; classe social; capitalismo; relações sociais de produção; conscientização; emancipação e libertação; currículo oculto e resistência.

TEORIAS PÓS-CRÍTICAS identidade; alteridade; diferença, subjetividade, significação e discurso; saber-poder; representação; cultura; gênero; raça; etnia; sexualidade e multiculturalismo.

Fonte: Adaptado de Silva (2003, p. 17).

Com base no quadro anterior, é importante sinalizar que esta aula aborda uma das características bastante significativa das teorias críticas, denominada currículo oculto. Quanto à origem do termo currículo oculto, segundo Silva (2003, p. 77-78), foi utilizado: [...] pela primeira vez por Philip Jackson, em 1968, no livro Life in Classrooms. Nas palavras de Jackson, “os grandes grupos, a utilização do elogio e do poder que se combinam para dar um sabor distinto à vida de sala de aula coletivamente forma um currículo oculto, que cada estudante (e cada profes-

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AULA 2 - O CURRÍCULO E SUAS IMPLICAÇÕES (CURRÍCULO EXPLÍCITO E OCULTO, ESCOLA CIDADÃ)

sor) deve dominar se quiser se dar bem na escola”. Caberia a Robert Dreeben, num livro intitulado On what is learned in school, ampliar e desenvolver essa definição funcionalista de “currículo oculto”.

As contribuições desses teóricos foram extremamente importantes para descortinar a determinação estrutural do currículo oculto. É importante sinalizar que o currículo oculto não se constitui em uma teoria sobre currículo, mas exerceu importantes influências em quase todas as teorias críticas em seu período inicial, desvelando o que estava por trás dos gestos, dos rituais, dos valores e das normas implementadas pela escola e que sutilmente eram absorvidas (ideologias) pelos estudantes no âmbito escolar. Com efeito, o currículo oculto é todo conhecimento transmitido e aprendido fora do currículo explícito, mas que está relacionado a ele e que é perpassado, às vezes, de maneira involuntária - pois muitos professores nem mesmo o reconhecem. A origem da noção de currículo oculto, no entanto, aconteceu alguns anos antes do período citado por Silva, foi, especificamente, em 1938 quando John Dewey denomina de “aprendizagem colateral” as atitudes que ocorrem paralelamente ao currículo explicito ou formal.

Quem foi John Dewey? Filósofo pragmatista (instrumentalista), acabou por se tornar mais conhecido, como um grande filósofo da educação moderna Dewey foi inicialmente professor primário e tornou-se mais tarde professor das Universidades de Minnesota, Michigan, Chicago e, finalmente, Nova Iorque. Em Chicago, fundou uma escola conhecida como “Escola de Educação” ou “Escola Dewey”, onde pôs em prática suas teorias pedagógicas. Quer saber mais? Leia: Dewey, John. A Escola e a Sociedade e a Criança e o Currículo. Lisboa. Relógio d`Água. 2002

Com efeito, o currículo explícito sob a forma documental, que declara em seu bojo o conteúdo, os objetivos e todos os fatores compreendidos como imprescindíveis para aquela atividade escolar, convive diariamente com o currículo oculto. Dessa forma, o currículo oculto indica o que não está sendo explicitado nos planos e nas propostas curriculares, por isso ganha uma conotação de não percepção pela maioria da comunidade escolar, mesmo estando presente nas atitudes e valores transmitidos pelas relações escolares. Moreira e Candau (2008, p. 18) salientam que o currículo oculto envolve “dominantemente, atitudes e valores transmitidos, subliminarmente, pelas relações sociais e pelas rotinas do cotidiano escolar”. Nesse sentido, os autores ressaltam os seguintes aspectos que fazem parte do currículo oculto: » » rituais e práticas; » » relações hierárquicas; » » regras e procedimentos; » » modos de organizar o espaço e o tempo na escola; » » modo por distribuir os alunos por agrupamento e turmas; » » mensagem implícita na fala dos(as) professores(as) e nos livros didáticos. (2008, p.18)

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CURRÍCULO

Pare um pouco e reflita sobre as informações contidas nas imagens a seguir:

Autora: Ivonete Barreto - <www.toondoo.com>

Autora: Ivonete Barreto - <www.toondoo.com>

Autora: Ivonete Barreto - <www.toondoo.com>

Autora: Ivonete Barreto - <www.toondoo.com>

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AULA 2 - O CURRÍCULO E SUAS IMPLICAÇÕES (CURRÍCULO EXPLÍCITO E OCULTO, ESCOLA CIDADÃ)

É pertinente afirmar, a partir destas imagens, que os rituais e as práticas podem ser percebidos na escola desde a simples negação do sujeito que aprende, quando não são considerados seus desejos, suas opções e seu direito de mostrar quem é em um processo educativo. Em detrimento dessa negação, a ritualidade dessas práticas impõe a inferioridade de um frente ao autoritarismo do outro.

As questões autoritárias não estão somente limitadas aos ritos e práticas, mas na própria estruturação do currículo explícito que comunica implicitamente uma hierarquização de saberes dispostos sobre a lógica de superioridade científica. Assim, desde os anos iniciais são privilegiados, por exemplo, o verbal, o escrito e o oral em detrimento de outras formas de expressão, como: musical, artística, gestual.

Autora: Ivonete Barreto - <www.toondoo.com>

Na convivência escolar, as regras e procedimentos são extremamente importantes para a manutenção de uma “ordem” na condução dos trabalhos, contudo, o diferencial está em como essas regras e procedimentos foram instituídas, podendo ser com a participação dos sujeitos (forma horizontalizada) ou como procedimento predeterminado e imutável (forma verticalizada).

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CURRÍCULO

Fonte: UNIFACS

As questões impostas no contexto escolar vão além das regras e dos procedimentos, podendo ser compreendidas por meio das relações de poder no contexto da sala de aula de acordo com a organização do espaço e a disposição das carteiras para os estudantes. Um exemplo dessa visão é a figura acima que explicita a imobilidade dos educandos, a centralidade do foco na lousa, lugar da autoridade docente. É comum em algumas instituições a presença do mapa de sala, o qual determina o lugar permanente do estudante durante o ano letivo assim como o seu número no diário de classe, que passa a ser uma identificação do sujeito na instituição.

Autora: Ivonete Barreto

Além da organização espacial que demanda uma ideologia na disposição das carteiras, muitas escolas utilizam os resultados cognitivos dos estudantes para a formação de turmas. Assim, é apresentado um novo tipo de hierarquização dos saberes com o intuito de classificar, selecionar e instituir práticas homogêneas.

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AULA 2 - O CURRÍCULO E SUAS IMPLICAÇÕES (CURRÍCULO EXPLÍCITO E OCULTO, ESCOLA CIDADÃ)

Autora: Ivonete Barreto - <www.toondoo.com>

Outra forma de interpretação do que está por trás dos discursos, oculto nas práticas docentes são os concernentes à fala dos professores que revelam a limitação e negação impostos pela escola sobre o que é realizado pelo sujeito fora das regras, dos rituais, dos procedimentos considerados aceitáveis para o contexto escolar. Diante dessas situações e reflexões, Moreira e Candau (2008, p. 19) questionam: » » Que consequências tais aspectos, sobre os quais muitas vezes não pensamos, podemos estar provocando nos alunos? » » Não seria importante identificá-los e verificar como, nas práticas de nossa sala de aula, poderíamos estar contribuindo para um currículo oculto capaz de oprimir alguns de nossos(as) estudantes? Reflita sobre essas questões e sobre as possíveis consequências dessas ações no contexto da formação dos estudantes, pois os docentes atuantes ou em processo de formação precisam se dar conta do seu papel na efetivação do currículo oficial e oculto. Como afirmam Moreira e Candau (2008, p. 19) “[...] o papel do educador no processo curricular é, sim, fundamental. Ele é um dos grandes artífices, queira ou não, da construção dos currículos que se materializam nas escolas e nas salas de aula”. Dessa forma, é importante registrar que as reflexões e discussões com os pares nas reuniões pedagógicas e com a escola sobre as questões do currículo oficial e do currículo oculto devem ser frequentes na dinâmica cotidiana da prática pedagógica com intuito de desvelar o que está escondido, e instituir, a cada momento histórico do currículo na escola, olhares críticos, reflexivos, includentes e democráticos. Portanto, não podemos, como docentes, ficar na lógica da crítica pela crítica, mas assumir atitude investigativa e comprometida com a elaboração de currículos mais significativos e que retratem as necessidades objetivas da realidade dos estudantes, a ponto de tornar o processo educativo mais criativo. Vamos esclarecer um pouco mais Sobre o que é currículo oculto?

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CURRÍCULO

Currículo oculto é constituído por [...] todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explicito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes [...] Para a perspectiva crítica, o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente atitudes, comportamentos, valores e orientações que permitem que crianças e jovens se ajustem da forma mais conveniente às estruturas e às pautas de funcionamento, consideradas injustas e antidemocráticas e, portanto, indesejáveis, da sociedade capitalista. (SILVA, 2003, p. 78-79).

Nesse sentido, é oportuno afirmar que o currículo oculto opera no processo entre o prescrito e/ou legitimado e realizado na prática. Assim, professores, estudantes e sistemas são contribuintes desse processo. Colaborando com essas assertivas, Giroux (1986, p. 70) propõe três insights: » » as escolas não podem ser analisadas como instituições removidas do contexto socioeconômico em que estão situadas; » » as escolas são espaços políticos envolvidos na construção e controle do discurso, dos significados e das subjetividades; » » os valores e as crenças do senso comum que guiam e estruturam a prática escolar não são universais a priori, mas construções sociais baseadas em pressuposições normativas políticas. Logo, não podemos falar de currículo oculto fora de um contexto historicamente situado, descobrindo as normas, valores que norteiam as práticas e os comportamentos no cenário da escola. Na perspectiva das teorias críticas, segundo Silva (2003), o currículo oculto imprime uma marca de conformismo, obediência e individualismo, sobretudo no que diz respeito às crianças das classes operárias que aprendem atitudes submissas ao seu papel de pertencimento à classe oprimida da sociedade, enquanto, as crianças das classes proprietárias aprendem atitudes de dominação frente ao papel opressor de sua classe no capitalismo. Ressaltamos, ainda, que através do currículo oculto outros valores e atitudes são impregnados no sujeito que aprende, por exemplo, aqueles ligados à nacionalidade, às relações de gênero, à sexualidade, à etnia. Diante do que foi discutido e refletido é relevante destacar de forma crítica os formatos de currículos que são vivenciados e sistematizados no âmbito das escolas, constatando a necessidade de desenharmos uma escola que busca a formação cidadã, exemplo que veremos a seguir. O que é a escola cidadã? Após as considerações e reflexões efetivadas sobre o currículo oculto e explícito na escola, convido você a refletir sobre as disposições das cadeiras e sobre o conteúdo explicitado na imagem a seguir.

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AULA 2 - O CURRÍCULO E SUAS IMPLICAÇÕES (CURRÍCULO EXPLÍCITO E OCULTO, ESCOLA CIDADÃ)

Autora: Ivonete Barreto - <www.toondoo.com>

Esta imagem nos remete a pensar em uma escola que assume como princípio fundante os direitos e os deveres, contextualizando os conteúdos escolares com a formação para a cidadania. Uma escola feita para o estudante que participa dela e que a busca com intuito de construir saberes na interação com a comunidade de forma democrática e política. Assim, a transparência, o companheirismo e a participação constituem-se na tônica do discurso entre os sujeitos que fazem parte dessa escola, além de se configurar em uma constante procura pela escola que viabilize a qualidade e a inclusão do sujeito cidadão. Dessa forma, em busca desse novo desenho de escola, o discurso da Escola Cidadã surge, segundo Gadotti (2001), com o inconformismo de educadores e não educadores frente à degradação da rede pública de ensino e do enfrentamento ousado aos ditames das propostas neoliberais, contrapondo-se através de uma opção vincada em um formato de escola embasado em uma concepção democrática de educação e sustentada por experiências de ressignificação do ensino. No livro Pedagogia da Práxis, Gadotti (2001, p. 266-267) explicita o que ele denomina de “Decálogo da Escola Cidadã”, o qual compreende dez aspectos imprescindíveis para o desenho dessa escola. O primeiro aspecto elencado por Gadotti compreende que “a escola pública é, antes de mais nada, democrática”. Essa assertiva nos leva a pensar sobre a validade da democratização do ensino público, sobretudo quando ele assume uma postura engendrada na gestão democrática que tem como foco principal o acesso e a permanência dos estudantes no contexto escolar. Essa atitude includente do estudante no processo educativo, esclarece o caráter social da escola como espaço público e, além disso, popular, o qual oportuniza a elaboração de cultura. O segundo aspecto ressalta que “para ser autônoma não pode ser dependente de órgãos intermediários que elaboram políticas das quais ela é mera executora”. Com efeito, na escola Cidadã é suscitada uma atitude independente, autônoma nas unidades escolares com relação aos técnicos oriundos dos órgãos centrais do sistema educativo. Ou seja, nessa compreensão, a escola teria a possibilidade de se autorizar não só nos aspectos pedagógicos, mas na definição de sua extensão através de prédios ou campus, diante dos quais a premissa básica seria acolher a todos.

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CURRÍCULO

No terceiro aspecto abordado pelo autor, “a escola cidadã deve valorizar o contrato de dedicação exclusiva do professor”, o enfoque mostra a valorização da docência no contexto do ensino como profissão. Assim, destaca-se o respeito à carga horária do docente na escola, a qual terá “o máximo de quatro horas diárias de aula e quatro horas de outras atividades na escola”. Em tempo, é importante ressaltar que a escola deve oferecer as condições objetivas para que o trabalho docente ocorra de forma adequada e significativa. Sobretudo, no que diz respeito à feitura das tarefas destinadas ao ensino na escola para que o professor não leve para casa trabalhos extraescolar. Caso contrário, o professor pode até realizar atividades extraclasse em casa, desde que não haja adequação do espaço na escola para realização delas. Contudo, esse tempo trabalhado em casa deve ser considerado como carga horária de trabalho. O quarto aspecto denominado de “Ação direta” tem como princípio fundante a valorização dos projetos

da escola e das propostas efetivadas pelas pessoas que compõem o contexto escolar. Essas atitudes irão impactar significativamente na democratização de oportunidades que serão desenhadas a partir da escuta desses projetos e propostas, os quais estão legitimamente ligados às necessidades reais das escolas e dos sujeitos que a constituem. No quinto aspecto Gadotti afirma que “a escola autônoma cultiva a curiosidade, a paixão pelo estudo, o gosto pela leitura e pela produção de textos, escritos ou não”. Esses elementos elencados indicam uma aproximação de fato de uma escola respaldada nos princípios da cidadania, pois revela no seu bojo a valorização da aprendizagem problematizadora, política e vincada em leituras para além das palavras, revelando, assim, uma aprendizagem criativa e questionadora. O autor afirma no sexto aspecto que a escola cidadã “é uma escola disciplinada”. Esse quesito referese à necessidade da disciplina para o andamento sistemático e progressivo do contexto escolar, demonstrando que na escola Cidadã a organização é respeitosa e conduz a um desenvolvimento que dignifique o papel social da escola. No sétimo aspecto “a escola não é mais um espaço fechado. Sua ligação com o mundo se dá com o trabalho”. É nítido o compromisso da escola cidadã com a classe trabalhadora, aspecto explicitado através da dialogicidade entre escola e suas múltiplas relações com o mundo do trabalho, com as profissões e com os espaços sociais. Nesse contexto, cabe ressaltar que a escola deve ser um local de promoção de experiências que contemplem o mundo exterior a ela. Gadotti desvela no oitavo aspecto que “a transformação de escola não se dá sem conflitos”. O termo conflito utilizado pelo autor demonstra que a transformação da escola acontece como ato político e democrático, no qual a dialogicidade, os diferentes discursos e as opiniões são as premissas da mudança, sobretudo no que concerne à participação e às modificações indicadas pelos professores, estudantes e por toda a comunidade escolar. “Não há duas escolas iguais”, este se constitui no nono aspecto dessas reflexões. Na verdade, cada escola,

em face da multiplicidade de relações culturais, políticas e socais não pode ser compreendida sobre um único prisma, pois essa constituição demanda identidades e pluralidades de saberes, de discursos, de conflitos e de posicionamentos. Assim, realmente devemos afirmar que cada escola é diferente, dada as suas especificidades e demandas sinalizadas durante o processo.

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AULA 2 - O CURRÍCULO E SUAS IMPLICAÇÕES (CURRÍCULO EXPLÍCITO E OCULTO, ESCOLA CIDADÃ)

Completando o decálogo, o autor destaca como último aspecto o fato de que “cada escola deveria ser suficientemente autônoma para poder organizar o seu trabalho da forma que quisesse, inclusive contratando e exonerando, a critério do conselho de escola”. Essa assertiva indica um posicionamento radical no sentido de buscar a raiz do problema para viabilizar soluções capazes de manter a organizacionalidade, gestão de pessoal e tomada de decisão com base em respaldos colegiados, reafirmando, assim, a autonomia e concepção democrática de escola. Ficou clara para você a complexidade da Escola Cidadã? Como será que fica o currículo dessa escola? A escola desenhada pelo Decálogo de Gadotti nos remete a uma visão de currículo articulado entre os conteúdos disciplinares e atitudinais, à medida que contempla no seu referencial um olhar acolhedor do sujeito que aprende e ensina na sua totalidade, em um processo dinâmico, criativo e democrático. Fica clara, na Escola cidadã, a possibilidade de libertação para todos os envolvidos no processo educativo. Para Padilha (2004, p. 107): [...] o currículo, nas diversas experiências da Escola Cidadã, procura respeitar os padrões culturais de classe de seus alunos, bem como seus valores, sua sabedoria, sua linguagem. Os documentos e publicações oficiais nessa perspectiva curricular discutem a teoria do conhecimento, relacionando-o à arte, à ética, à sexualidade, aos direitos humanos, aos esportes, às classes sociais, à linguagem, à política, à ideologia e à educação.

Assim, o currículo, no contexto da escola cidadã articula diferentes saberes significativos que colaboram e interagem constantemente com o científico e não científico, político, pedagógico, conceitual e atitudinal, instituindo um princípio de dialogicidade e problematização defendido por Paulo Freire. Importante essas considerações, concorda? Mas, a aula está chegando ao fim e os aspectos discutidos sobre o currículo e suas implicações (currículo explícito e oculto, Escola Cidadã) revelaram o que estava encoberto de forma ideológica na incorporação de normas, valores, comportamentos e atitudes legitimados pela escola e incorporados pelos sujeitos do processo educativo. Contudo, essas questões não estão dissociadas da compreensão de currículo: cultura, política e epistemologia são conteúdos que serão abordados na próxima aula. Contamos com seu interesse! Até lá!

SÍNTESE Nesta aula, discutimos algumas implicações sobre o currículo, destacando a questão do currículo explícito e oculto e da escola cidadã. Assim, é oportuno destacar que o currículo oculto encontrase diretamente ancorado em atitudes, comportamentos, dentre outros aspectos que estão subliminarmente no currículo oficial. Com efeito, o currículo oculto indica o que está implícito nos planos e nas propostas curriculares, por isso ganha uma conotação de não percepção pela maioria da comunidade escolar, mesmo estando presente nas atitudes e nos valores transmitidos pelas relações escolares. No contexto da escola cidadã, o currículo ganha um caráter articulador entre os saberes disciplinares e atitudinais, salientando no seu referencial um olhar acolhedor sobre o sujeito que aprende e ensina em um processo dinâmico, criativo e democrático. Assim, fica clara na Escola cidadã a possibilidade de libertação para todos os envolvidos no processo educativo. 29


CURRÍCULO

QUESTÃO PARA REFLEXÃO Tendo como base os aspectos concernentes ao currículo explícito e oculto e o desenho da Escola Cidadã, reflita sobre os discursos presentes acerca dessas temáticas no trecho da música de Gabriel, o pensador, e na charge.

Trecho da música Estudo Errado de Gabriel, o Pensador.

Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi(x2) Decoreba: esse é o método de ensino Eles me tratam como ameba e assim eu não raciocino Não aprendo as causas e consequências só decoro os fatos Desse jeito até história fica chato Mas os velhos me disseram que o “porquê” é o segredo Então quando eu num entendo nada, eu levanto o dedo Porque eu quero usar a mente pra ficar inteligente Eu sei que ainda não sou gente grande, mas eu já sou gente E sei que o estudo é uma coisa boa O problema é que sem motivação a gente enjoa O sistema bota um monte de abobrinha no programa Mas pra aprender a ser um ingonorante (...) Ah, um ignorante, por mim eu nem saía da minha cama (Ah, deixa eu dormir) Eu gosto dos professores e eu preciso de um mestre Mas eu prefiro que eles me ensinem alguma coisa que preste - O que é corrupção? Pra que serve um deputado? Não me diga que o Brasil foi descoberto por acaso! Ou que a minhoca é hermafrodita Ou sobre a tênia solitária. Não me faça decorar as capitanias hereditárias!! (...) Vamos fugir dessa jaula!

Fonte: http://letras.terra.com.br/gabriel-pensador/66375/

Autora: Ivonete Barreto - www.toondoo.com

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AULA 2 - O CURRÍCULO E SUAS IMPLICAÇÕES (CURRÍCULO EXPLÍCITO E OCULTO, ESCOLA CIDADÃ)

LEITURAS INDICADAS GADOTTI, Moacir. Pedagogia da práxis. São Paulo: Cortez, 2001. MOREIRA, Antonio Flavio B.; CANDAU, Vera Maria. Currículo, conhecimento e cultura. Brasília: Ministério da Educação, secretaria de Educação Básica, 2008. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documento de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

SITES INDICADOS www.curriculosemfronteiras.org http://www.posgrad.fae.unicamp.br/gtcurriculoanped/publicacoes.html www.anped.org.br/reunioes/23/textos/te13b.PDF http://revistaescola.abril.com.br/gestao-escolar/orientador-educacional/curriculo-oculto-448775. shtml

REFERÊNCIAS CANDAU, V. (coord.) et al. Somos todas iguais? Escola, discriminação e educação em direitos humanos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. GADOTTI, Moacir. Pedagogia da práxis. São Paulo: Cortez, 2001. ______________. Educação para e pela cidadania. In: RATTNER, Henrique (org.). Brasil no limiar do século XXI: alternativas para a construção de uma sociedade sustentável. São Paulo: Edusp, 2000, p. 289-307. GIROUX, Henry. Teoria crítica e resistência em educação (para além das teorias da reprodução) Petrópolis, Vozes, 1986. MOREIRA, Antonio Flavio B. A contribuição de Michael Apple para o desenvolvimento de uma teoria curricular crítica no Brasil. Fórum educacional, 1989. ______. Currículos e programas no Brasil. Campinas: Papirus, 1995. ______; CANDAU, Vera Maria. Currículo, conhecimento e cultura. Brasília: Ministério da Educação, secretaria de Educação Básica, 2008. PADILHA, Paulo Roberto. Currículo intertranscultural: novos itinerários para a educação. São Paulo: Cortez, 2004. SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sob a prática. 3ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documento de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

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AULA 3 Currículo: cultura, política e epistemologia Autora: Ivonete Barreto de Amorim

O

“A língua é minha pátria e eu não tenho pátria: tenho mátria. Eu quero frátria” Caetano Veloso

lá! Seja bem-vindo (a) à nossa terceira aula!

Espera-se que as aulas anteriores tenham lhe oportunizado reflexões acerca do currículo e suas implicações, sobretudo no que concerne às questões ligadas ao currículo explícito, oculto e à escola cidadã. Nesta aula, abordaremos outras implicações do currículo que serão a respeito do viés da cultura, política e epistemologia. Com efeito, o objetivo desta aula consiste em conhecer e refletir sobre as implicações da cultura, política e epistemologia no campo do currículo. Para tanto, o seu comprometimento com as leituras, registros e discussões são de fundamental importância para a construção de aprendizagem significativa. Sigamos em frente!


CURRÍCULO

Pensar o currículo exige um olhar apurado sobre as redes sociais, assim como implica romper com uma visão ingênua e neutra sobre os processos que estão diretamente imbricados nos atos de currículo. Como você pode ter percebido, na aula anterior foram expostos os aspectos que recheiam o currículo oculto e que muitas vezes são negados por estarem implícitos no currículo oficial, também observamos a possibilidade de um currículo desenhado com vistas ao formato da escola participativa com princípios emancipatórios e democráticos vincados na formação cidadã. Nesta aula, vamos pensar e dialogar sobre a seguinte questão: quais as implicações da cultura, da política e da epistemologia no campo do currículo? Para início de conversa, vamos desvelar alguns conceitos como o de cultura, o de política e o de epistemologia que estão relacionados com essa questão. Vamos nessa!

O QUE É CULTURA? Definir cultura representa uma tarefa hercúlea, dada a complexidade e as implicações dos seus sentidos ao longo do tempo. Segundo Chauí (2008, p. 55), etimologicamente, a palavra cultura vem do verbo latino colere. Originalmente, “cultura” significava cultivo, cuidado, e seu emprego, inicialmente, estava relacionado ao cuidado com a terra, com as crianças, com os deuses e o sagrado. Esses usos justificam a formação das seguintes palavras: agricultura (como ilustra a figura a seguir), puericultura e culto, respectivamente.

Figura 1 - Prática da agricultura, puericultura e culto

Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Rice_Field.jpg>

Ainda segundo Chauí (2008), esse conceito foi se perdendo com o tempo, mas, no século XVIII, no ocidente, o termo cultura ressurge como sinônimo de civilização, ancorado na perspectiva de vida política e regime político. Com o Iluminismo, “[...] a cultura passa a ser encarada como um conjunto de práticas (artes, ciências, técnicas, filosofia, os ofícios) que permite avaliar e hierarquizar o valor dos regimes políticos, segundo um critério de evolução” (CHAUÍ, p. 55). Você pode perceber na figura a seguir características presentes na citação, como a expressão da fala, o símbolo da ciência, da arte, a tecnologia e as ideias que movimentam as culturas. Com efeito, cultura torna-se sinônimo de progresso, o qual determina a avaliação de determinada cultura. 34


AULA 3 - CURRÍCULO: CULTURA, POLÍTICA E EPISTEMOLOGIA

Figura 2 - Produção cultural

Fonte: <www.toondoo.com>

Esse conceito com enfoque político-ideológico volta à tona no século XIX através de uma conotação antropológica, que tem como premissa básica de cultura o conceito iluminista de evolução ou progresso. Como Chauí (2008) ressalta, as sociedades começaram a ser avaliadas a partir da posse ou da ausência de determinados elementos oriundos do ocidente capitalista. Assim, a ausência desses elementos determinava a classificação de falta de cultura ou de pouca evolução cultural. Por conseguinte, as culturas passam “[...] a ser avaliadas segundo a presença ou ausência de alguns elementos que são próprios do ocidente capitalista e a ausência desses elementos foi considerada sinal de falta de cultura ou cultura pouco evoluída”. (CHAUÍ, 2008, p. 56). Essa percepção etnocêntrica colocava a Europa no topo da evolução civilizatória e, em contrapartida, os países do Terceiro Mundo e/ou em desenvolvimento foram percebidos como portadores de uma cultura menor. Já na segunda metade do século XX, ocorre um movimento dos antropólogos europeus para desfazer essa visão etnocêntrica e ampliar a concepção de cultura. Dessa forma, ancorada na antropologia social e política, o termo cultura [...] passa a ter uma abrangência que não possuía antes, sendo agora entendida como produção e criação da linguagem, da religião, da sexualidade, dos instrumentos e das formas do trabalho, das formas de habitação, do vestuário e da culinária, das expressões de lazer, da música, da dança, dos sistemas de relações sociais, particularmente os sistemas de parentesco ou a estrutura da família, das relações de poder, da guerra e da paz, da noção de vida e morte. A cultura passa a ser compreendida como o campo no qual os sujeitos humanos elaboram símbolos e signos, instituem as práticas e os valores, definem para si próprios o possível e o impossível, o sentido da linha do tempo (passado, presente, futuro), as diferenças no interior do espaço (o sentido do próximo e do distante, do grande e do pequeno, do visível e do invisível), os valores como o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, o justo e o injusto, instauram a idéia de lei, e, portanto, do permitido e do proibido, determinam o sentido da vida e da morte e das relações entre sagrado e o profano. (CHAUÍ, 2008, p. 57).

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CURRÍCULO

Com isso, o conceito de cultura ganha uma penetração significativa nas formas de vida de diferentes grupos sociais, aspecto que reverbera1 no enfoque do currículo, pois são considerados os valores, os símbolos e os signos, assim como outras manifestações que representam as práticas sociais. Com base nessas considerações, o que podemos refletir sobre a relação entre cultura e currículo? Para Moreira e Candau (2008), o currículo representa um conjunto de práticas pertinentes à produção, à circulação e ao consumo de significados no espaço social, as quais incidem substancialmente na construção de identidades socioculturais. Com isso, a cultura constitui-se em um campo de resistência de uma cultura particular de um determinado grupo e do conteúdo do mesmo. Nessa perspectiva, a ideia de cultura está sempre relacionada à de grupo e à de classes sociais. Com efeito, é constante vivenciarmos, no âmbito social, as lutas e contestações diante das divisões sociais. Assim, a relação cultura/currículo representa um importante retrato dos conflitos instaurados no contexto de uma sociedade em que a divisão de classe é a tônica. Portanto, a cultura, segundo Moreira (2008), não pode ser compreendida como conjunto de conhecimentos e valores estáticos que precisam ser transmitidos a outrem ou às gerações futuras, mas como uma produção ativa, a qual é sucinta uma relação entre o binômio produção e contestação das identidades e dos grupos sociais. A relação cultura/currículo gira em torno da significação e da identidade, pois é inevitável a articulação entre o conhecimento, o currículo e as implicações com os sujeitos e os grupos culturalmente situados. Colaborando com essa perspectiva, Silva (2003, p. 135) afirma que currículo é um artefato cultural em pelo menos dois sentidos: » » a “instituição” do currículo é uma invenção social como qualquer outra; » » o “conteúdo” do currículo é uma construção social. Nesse sentido, a compreensão do currículo como artefato cultural carece de uma reflexão sobre as relações de poder que determinaram a estrutura de currículo para uma determinada comunidade escolar e não outra estrutura, assim como a escolha do ensino de determinado conteúdo em detrimento de outros, revelando suas tensões, seus discursos, suas linguagens, suas implicações e sua legitimidade das escolhas, as quais desvendam as identidades culturais e sociais. É importante sinalizar que o currículo, com base na orientação cultural, demanda ruptura com a versão centrada em uma verdade absoluta sobre a compreensão do que é cultura e como o currículo pode incorporar as leituras e os legados dos sujeitos do processo de ensino-aprendizagem. Aguçar o olhar sobre a formação dos estudantes demanda preparação do docente, assim como exige uma nova forma de pensar e olhar o outro, a sua cultura e a sua diferença. A escola não pode mais silenciar os que parecem diferentes dos discursos culturais hegemônicos, dada a pluralidade do mundo e a necessidade de promoção de interações com outras formas de produção cultural. Assim, os conteúdos elencados no corpo das diferentes disciplinas precisam dar conta da relação histórica e socialmente contingente.

1. Reverbera tem o sentido, nesse texto, de ecoar no currículo. 36


AULA 3 - CURRÍCULO: CULTURA, POLÍTICA E EPISTEMOLOGIA

É fundante afirmar que quem aprende no contexto da escola precisa se sentir copartícipe daquela construção de conhecimento reconhecendo nesse processo a incorporação de valores, comportamentos, crenças, dentre outros aspectos do mundo externo à escola, os quais encontram espaço e ênfase dentro dela. Assumido o princípio de inclusão e valorização da diversidade cultural pela escola, com vista a se refletirem no currículo, esta passa a representar um espaço pedagógico que deve priorizar o diálogo frequente com os tantos outros espaços e tempos que também promovem aprendizagens fora dela. Observe a charge a seguir e reflita sobre a possibilidade de inclusão da cultura no currículo, sem discriminação, valorizando as contribuições, contestações, influências e diálogos culturais.

Figura 3 - Cultura na escola

Autora: Ivonete Barreto - www.toondoo.com

Portanto, elaborar currículos com orientação cultural requer uma nova postura das instituições de ensino e dos docentes no que concerne à valorização das diferentes culturas, que os nossos estudantes carregam nas suas identidades pessoais e coletivas. Nessa perspectiva, é relevante os docentes participarem de formação continuada que visem a ampliar os conhecimentos teóricos com as demandas reais da sociedade onde está inserido, para que as identidades e as culturas ganhem eco positivo e não sejam silenciadas. Dessa forma, fica evidenciada a importante imbricação entre cultura e currículo. Agora, vamos refletir sobre a questão da política no campo do currículo. Em tempo, convido você a pensar sobre o que é política.

O QUE É POLÍTICA? O termo política é outra implicação do currículo que demanda complexidade no seu entendimento. Na contemporaneidade, vivemos num cenário de questionamentos acerca deste termo, sobretudo no que concerne às relações empreendidas pelos políticos profissionais. Entretanto, política não se restringe apenas a essas relações, o termo na etimologia da palavra vem do grego, pólis (cidades - Estado), então política significa toda a discussão que envolve a cidade englobando a procura para a solução dos problemas que ocorrem dentro desta.

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CURRÍCULO

Podemos compreender a política também como a arte2 de governar e o político como o sujeito que atua na vida pública imbuído de poder para governar. Chauí (2007, p. 75) afirma que a invenção da política introduz três aspectos decisivos. O primeiro compreende “a idéia da lei como expressão da vontade de uma coletividade humana”, decidindo por livre-arbítrio o que é melhor para si, assim como para suas relações internas e com a cidade. No segundo, é revelado que “o surgimento de um espaço público, que faz aparecer um novo tipo de palavra ou de discurso”. Ou seja, através das discussões públicas é inevitável a articulação com diferentes palavras e discurso, situação que reverbera em novas descobertas, posicionamentos e conflitos. A autora ressalta no terceiro aspecto a “idéia de discussão pública das opiniões e idéias, pois a política estimula um pensamento e um discurso”. Essa fala reitera que as discussões no espaço público determinam uma nova compreensão sobre o ato de pensar impactando em mudanças de ideias e opiniões acerca dos discursos efetivados com outrem. Outrossim, representa a possibilidade de comunicação entre todos que participam do processo de discussão. Essas assertivas instituem uma lógica de solucionar conflitos e produzir conhecimentos a partir do diálogo entre as ideias de forma participativa e coletivizada, partilhando deste cenário com os princípios democráticos. O que nos leva a pensar: você sabe o que é democracia ou apenas o sentido mais geral? Vamos ver! A palavra democracia advém do grego demos (povo) e kratia (poder, governo, autoridade), aspectos legitimados historicamente pelos atenienses dado ao direito dos cidadãos exercerem, por meio da retórica em praça pública, as decisões da pólis. Com efeito, para pensar em política como direito do cidadão de discutir e resolver os conflitos sociais é imprescindível ter garantidos os direitos democráticos, como o voto. Sobre os direitos democráticos salientamos que são as manifestações políticas que veem os conflitos como um direito legítimo que, por sua vez, garantem as discussões na sociedade. Colaborando com essa afirmativa Chauí (2007, p. 79) reitera que “[...] a democracia é a única forma política que considera o conflito legal, permitindo que ele seja trabalhado politicamente pela própria sociedade”. Outrossim, a autora ainda esclarece que as ideias ligadas à igualdade e à liberdade constituem-se direitos civis dos cidadãos; portanto, extrapolam o campo da política formal. Com efeito, os cidadãos são sujeitos de direitos, assim onde esses direitos não forem cumpridos, é legítima a luta por estes. Afinal, essa é a cerne da democracia. Dessa forma, o termo política perpassa pela inexorável articulação entre poder e democracia, pois os conflitos emergentes dessas tensões inauguram campos semânticos de possibilidades para legitimar as conquistas de direitos e a incorporação de deveres que colaborem com a construção de uma sociedade justa. Assim, afirmamos que as relações entre política e currículo passam a ser tão pertinentes quanto o fato de que o ensino é um mecanismo de prática cultural e de política, o qual se relaciona com o poder e com a cultura. Portanto, é preciso desvendar no currículo as relações de poder e sua implicação político-social. 2. O termo arte tem sentido nesse texto de dominar a retórica no espaço público e de saber governar. 38


AULA 3 - CURRÍCULO: CULTURA, POLÍTICA E EPISTEMOLOGIA

Como exemplo de uma articulação politicamente correta nas relações cotidianas do currículo atuado em sala de aula, Freire (2003, p. 71) explicita: [...] em nome do respeito que devo aos alunos não tenho o direito por que me omitir, por que ocultar a minha opção política, assumindo uma neutralidade que não existe. Esta omissão do professor em nome do respeito ao aluno, talvez seja a melhor maneira de desrespeitá-lo. O meu papel, ao contrário, é o de quem testemunha o direito de comparar, de escolher, de romper, de decidir e estimular a assunção deste direto por parte dos educandos.

Assim, as atitudes, as interações e os conteúdos devem explicitar o que de fato queremos fazer com o currículo da escola, que tipo de cidadão estamos ajudando a formar, deixando claro qual o papel político dos docentes e das instituições neste processo, pois é fato reconhecer que o currículo traduz o seu papel político, cultural e ideológico. Não há mais espaço para uma ingênua transmissão de conhecimentos hegemônicos, silenciando as vozes dos sujeitos que compõem a história do processo educativo, assim como não é possível negar as influências políticas que estão diretamente imbricadas no currículo oficial das instituições de ensino. Diante disso, ressaltamos, que a forma como os conteúdos no currículo são tratados, hierarquizados, explicitam os sentidos ideológicos, políticos, culturais e sociais. Nesse sentido, reconhecemos que os conteúdos apresentados na estrutura do currículo não são neutros nem ingênuos, pois currículo é território onde, de forma efetiva se produz e se cria conhecimentos sociais significativos, os quais estão diretamente ligados às relações de política cultural e social. E, é nesse cenário que, segundo Moreira (1995), o docente como intelectual pode transformar o pedagógico em político (quando introduz no campo educacional, reflexões sobre as relações de poder presentes no processo de escolarização do sujeito) e o político mais pedagógico (quando oportuniza vez e voz aos estudantes no processo educativo, instigando-os a pensar como o conhecimento é socializado, construído e divulgado, ressaltando o olhar crítico, dialógico e emancipatório que precisam ser instituídos nas relações entre ensinar e aprender). Veja as implicações de um posicionamento político na charge a seguir, quando o estudante é instigado a pensar sobre a importância do discurso e do posicionamento político, diante de determinadas situações.

Figura 4 - Elegendo representante

Fonte: <www.toondoo.com>.

Percebemos a implicação das atitudes relevantes do educador em contribuir com uma perspectiva política, pautada na problematização dos conhecimentos, vivenciando o currículo da escola na escola e na sociedade e com a sociedade, desvelando suas obscuridades e construindo identidades formativas.

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CURRÍCULO

Essas reflexões sobre a política no campo do currículo repercutem nas implicações sobre o conhecimento dadas as questões referentes à validade de um determinado tipo de conhecimento em detrimento do outro. E é por causa dessas questões acerca do conhecimento que convido você a refletir sobre o que é epistemologia? Vamos descortinar esse termo?

O QUE É EPISTEMOLOGIA? Inicialmente, é necessário compreendermos que o termo epistemologia vem do grego episteme e significa conhecimento, ciência; e logia é estudo e constitui-se no ramo da filosofia que trata dos problemas filosóficos relacionados à crença e à verdade que se interceptam no conhecimento, aspecto explicitado na figura a seguir (Figura 8).

Figura 5 - Representação de sistemas com o conhecimento como interseção

Fonte: Unifacs

A visão epistemológica apresenta dois polos: conhecimento espontâneo ou do senso comum e conhecimento científico. O conhecimento espontâneo encontra-se diretamente relacionado às tentativas do homem em solucionar os seus problemas da vida cotidiana. Esse conhecimento é construído de forma singular, por meio das interações com diferentes diálogos entre os saberes humanos. Já o conhecimento científico encontra-se vinculado a um conjunto de conhecimentos sobre um determinado objeto de estudo, o qual sofre observação rigorosa e precisa. Esses conhecimentos são resultados de aplicação de método científico pelo qual procederá ao controle da pesquisa.

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AULA 3 - CURRÍCULO: CULTURA, POLÍTICA E EPISTEMOLOGIA

Figura 6 - Mosaico de imagens (Jesus Cristo, Monalisa, O Pensador e Albert Einstein)

Fontes: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/cb/Jesus_Christ_%28German_steel_engraving%29_ detail.jpg>; <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/5f/MonaLisa_sfumato.jpeg>; <http://upload. wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d3/Albert_Einstein_Head.jpg>; <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/ commons/0/07/AUGUST_RODIN_O_pensador_%28vista_frontal%29.jpg>

Em se tratando do campo do currículo, devemos articular a teoria do conhecimento, o estatuto da ciência e a cientificidade com as diferentes disciplinas que remetem ao currículo escolar, aspectos ilustrados na Figura 9, quando é articulado, por meio do mosaico de imagens, os conhecimentos da religião (Jesus Cristo), das artes (Monalisa e o Pensador) e da ciência (Albert Einstein). Com isso, é importante refletir sobre a possibilidade de articulação entre diferentes saberes na construção do conhecimento e, consequentemente, em um novo olhar sobre as disciplinas, seus saberes e a dialogicidade nas aprendizagens do contexto escolar. Precisamos, com base nessa reflexão, atentar para condições objetivas vivenciadas no contexto da sala de aula, as quais indicam como o conhecimento está sendo efetivado de fato. Sobre esse ponto de vista, Moreira e Candau (2008, p. 25) dizem que é preciso refletir sobre o perigo da hierarquia disciplinar que se encontra no currículo, como o exemplo: [...] a prioridade concedida à matemática em detrimento da língua estrangeira ou da geografia, deriva, certamente, de relações de poder. Nessa hierarquia, se supervalorizam as chamadas disciplinas científicas, secundarizando-se os saberes referentes às artes e ao corpo. Nessa hierarquia, separam-se a razão da emoção, a teoria da prática, o conhecimento da cultura. Nessa hierarquia, legitimam-se saberes socialmente reconhecidos e estigmatizam-se saberes populares. Nessa hierarquia, silenciam-se as vozes de muitos indivíduos e grupos sociais e classificam-se seus saberes como indignos de entrar na sala de aula e de serem ensinados e aprendidos.

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CURRÍCULO

Essa assertiva nos indica o cuidado e a necessidade em percebermos como são selecionados os conteúdos disciplinares a serem apreendidos pelos estudantes, atentando para a relevância de incluir nos processos de ensino e aprendizagem vozes de sujeitos envolvidos no processo educativo, contextualizando os conhecimentos, valorizando o posicionamento político e organizando os conteúdos com base na cultura. As atitudes includentes produzem uma visão democrática ao currículo e possibilitam a construção de aprendizagens que ultrapassam os muros das escolas, pois houve interação, diálogo e inclusão. As mudanças de atitudes ainda indicam que é possível instituir um currículo capaz de romper com o olhar sectário, limítrofe, preconceituoso e hierárquico diante da relação com a construção do conhecimento a ponto de incluir, nos processos de ensino e aprendizagem, os saberes advindos da cultura dos estudantes, articulados com os saberes científicos sem a supremacia de um sobre o outro. Com isso, é revelada uma lógica democrática e libertária sobre o ensinar e o aprender, oportunizando aos sujeitos autores do processo legitimidade nos discursos, os quais ganham espaço político e cultural consistentes, assim como inaugura uma postura de horizontalidade sobre o conhecimento. Na perspectiva freiriana, o ensinar e o aprender constituem uma relação curiosa, na qual o papel do educador não é o de transmitir conhecimentos, mas é o de instigar a curiosidade e o questionamento para que o conhecimento seja construído. Com efeito, o ato de construir conhecimento incide na relação tríade entre educador, educando e conteúdo. Portanto, como afirma Freire (1982) não é o sujeito que determina o objeto de estudo, tampouco é o objeto que determina o sujeito, pois é inevitável na interação ensino-aprendizagem a explicita “relação entre sujeito-objeto-sujeito e não sujeito-objeto” (FREIRE, 1982, p. 114). Essa situação pode ser contemplada na charge (Figura 10) a seguir, na qual é visível a relação entre o conhecimento do estudante sobre o objeto de estudo, o estudante e os conhecimentos científicos sobre este mesmo objeto.

Figura 7 - Conhecimento

Autora: Ivonete Barreto - www.toondoo.com

Tomando a educação como ato de conhecimento, Freire nos apresenta uma lógica significativa em articular o ensinar e o aprender, sobretudo no que concerne a atitude docente e do estudante nesse diálogo, que ensinar não [...] é transferir conhecimentos - não apenas precisa de ser apreendido por ele e pelos educandos nas suas razões de ser - ontológica, política, ética, epistemológica, pedagógica, mas também precisa de ser constantemente testemunhado, vivido” (FREIRE, 2007, p. 47). 42


AULA 3 - CURRÍCULO: CULTURA, POLÍTICA E EPISTEMOLOGIA

Para além do dito, é preciso perceber o sabor e o saber do sentir, viver e produzir conhecimento na relação de ensino-aprendizagem, relacionado saberes disciplinares, visão de mundo, curiosidade, questionamentos, gerindo os conflitos, conquistando e ressignificando os saberes, assim como o porquê de ensinar esses conteúdos e não aqueles. Como afirma Elvira Lima (2008, p. 22) “[...] o conhecimento é um bem comum, devendo, portanto, ser socializado a todos os seres humanos. O currículo é o instrumento por excelência desta socialização”. A autora reitera ainda que, os conhecimentos selecionados para fazer parte do currículo, têm um papel relevante na formação. Assim, as atividades concernentes às aprendizagens precisam estar em consonância com as estratégias de desenvolvimento para cada idade. Outrossim, a efetivação do currículo precisa mobilizar determinadas funções centrais do desenvolvimento humano como a função simbólica, a percepção, a memória, a atenção e a imaginação. Nesse sentido, independente da área de conhecimento, Lima (2008) sinaliza exemplos de atos de currículo que contribuem com a construção do conhecimento: » » O desenvolvimento da função simbólica no ser humano é de extrema importância, uma vez que é por meio do exercício desta função que o ser humano pode construir significados e acumular conhecimentos.

» » A percepção é realizada pelos cinco sentidos, o ensino deve mobilizar várias dimensões da percepção para que o aluno possa “guardar” conteúdos na memória de longa duração. » » A o entrar em contato com algo novo, o ser humano pode criar novas memórias, ou seja, arquivar este conhecimento, experiência ou ideia em sua memória de longa duração. A memória é modulada pela emoção. Isto quer dizer que os estados emocionais podem “interferir”, facilitando ou reforçando a formação de novas memórias, assim como podem, também, enfraquecer ou dificultar a formação de uma nova memória. » » A imaginação é pautada pela invenção, ou seja, pela criação de objetos, de sistemas, de linguagens, tecnologia, teorias, ciência, arte, códigos. Toda produção cultural é resultante de um processo cumulativo de invenções, pequenas e grandes, que dão base para as invenções futuras. Essas indicações reforçam, para nós, que a escola e, consequentemente, o currículo, lidam com pessoas que trazem consigo diferentes saberes e visões de mundo, incorporados através da cultura, dos posicionamentos sociais e da relação com os saberes. Com efeito, as instituições de ensino precisam considerar as vivências e as experiências dos estudantes contextualizando-as com os saberes científicos para que a identidade de novos conhecimentos seja gerada na interação entre pessoas e objetos de estudo. Compreender as implicações entre cultura, política e epistemologia no campo do currículo representa atingir reflexões relevantes acerca desse campo, devido não só à dialogicidade com as possibilidades de ir além dos conteúdos mínimos elencados para cada série ou ciclo, mas valorizar as lutas, as discussões e os conflitos com vistas à mobilização pela democracia no campo do currículo. Nesse sentido, é preciso pensar nas diferentes instâncias em que se produzem as políticas de currículo como a dimensão governamental, a dimensão escolar e a dimensão dos movimentos sociais. Esses contextos remetem a necessidade de diálogo, discussão, tensão e tomada de decisão que validem os anseios da sociedade que, por sua vez, merece decidir sobre os conhecimentos a serem ensinados nas escolas, produzindo sentido para uma política cultural.

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CURRÍCULO

Quando salientamos a questão de uma política cultural, significa articular o social, o cultural, o político e o econômico. Dessa forma, valoriza-se, no contexto escolar, a pluralidade dos discursos e das lutas que ocorrem dentro e fora da escola, na qual professores, alunos, pais e comunidade são legitimamente os autores e protagonistas para o desenho da escola que querem, desejam e merecem ter. Com efeito, esse aspecto influenciará indubitavelmente nas questões epistemológicas do currículo, valorizando os conhecimentos significativos que devem ser socializados e construídos na escola e, essa articulação produzirá uma mudança significativa na visão disciplinar no que concerne a dialogar com os saberes prévios dos estudantes, articulando-os com os saberes científicos a ponto de gerar outros conhecimentos impregnados de sentidos. Bem, nossa aula está chegando ao fim, mas essas discussões acerca do político, do epistemológico e do cultural estarão presentes na próxima aula, quando discutiremos aspectos relevantes sobre a identidade no campo do currículo, tema que dialoga com a subjetividade, a cultura, o político e o conhecimento. Portanto, prepare-se para novas e consistentes articulações sobre o campo do currículo. Até lá!

SÍNTESE Nesta aula, abordamos questões referentes à cultura, à política e à epistemologia nos seus conceitos históricos e nas suas implicações no campo do currículo e, consequentemente, nas relações de ensino e aprendizagem. Ressaltamos que a conquista do conhecimento, com base nos desvelamentos das relações de poder, institui uma conduta democrática e participativa dos sujeitos fazedores da história individual e coletiva. Por conseguinte, o campo do currículo inevitavelmente precisa ser bordado com os fios da diversidade, do discurso, dos conflitos e dos diálogos, legitimados pelos autores do processo educativo.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO A cultura, a política e a epistemologia são aspectos diretamente imbricados no campo do currículo. Com base nessa compreensão, pense nos discursos implícitos na música e imagem a seguir.

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AULA 3 - CURRÍCULO: CULTURA, POLÍTICA E EPISTEMOLOGIA

Paratodos Chico Buarque O meu pai era paulista Meu avô, pernambucano O meu bisavô, mineiro Meu tataravô, baiano Meu maestro soberano Foi Antonio Brasileiro

Para um coração mesquinho Contra a solidão agreste Luiz Gonzaga é tiro certo Pixinguinha é inconteste Tome Noel, Cartola, Orestes Caetano e João Gilberto

Foi Antonio Brasileiro Quem soprou esta toada Que cobri de redondilhas Pra seguir minha jornada E com a vista enevoada Ver o inferno e maravilhas

Viva Erasmo, Ben, Roberto Gil e Hermeto, palmas para Todos os instrumentistas Salve Edu, Bituca, Nara

Nessas tortuosas trilhas A viola me redime Creia, ilustre cavalheiro Contra fel, moléstia, crime Use Dorival Caymmi Vá de Jackson do Pandeiro

O meu pai era paulista Meu avô, pernambucano O meu bisavô, mineiro Meu tataravô, baiano Vou na estrada há muitos anos Sou um artista brasileiro

Gal, Bethania, Rita, Clara Evoé, jovens à vista

Vi cidades, vi dinheiro Bandoleiros, vi hospícios Moças feito passarinho Avoando de edifícios Fume Ari, cheire Vinícius Beba Nelson Cavaquinho

Fonte: <http://letras.terra.com.br/chico-buarque/45158/>

Figura 8 - Imagem baseada no artigo 1 dos Direitos Humanos

Fonte: Ivonete Barreto - <www.toondoo.com>

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CURRÍCULO

LEITURAS INDICADAS LIMA, Elvira Souza. Currículo e desenvolvimento humano. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008. Capítulo 02. MOREIRA, Antonio Flavio B.; CANDAU, Vera Maria. Currículo, conhecimento e cultura. Brasília: Ministério da Educação, secretaria de Educação Básica, 2008. Capítulo 01 Site Indicado http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/secret/CyE/cye3S2a.pdf

REFERÊNCIAS ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. Rio: Graal, 1989. CANDAU, V. (coord.) et al. Somos todas iguais? Escola, discriminação e educação em direitos humanos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. CHAUÍ Marilena. Cultura e democracia . In: Crítica y emancipación: Revista latinoamericana de Ciências Sociales. Ano 1, n. 1, jun. 2008. Buenos Aires: CLACSO, 2008. ISSN 1999-8104. Disponível em: <http://bibliotecavirtual .clacso.org.ar/ar/libros/secret/CyE/cye3S2a.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2010. CHAUÍ, Marilena & OLIVEIRA, Pérsio Santos de. Filosofia e sociologia. São Paulo: Ática, 2007. FREIRE, Paulo. Sobre educação: diálogos (Paulo Freire e Sérgio Guimarães). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982 GIROUX, Henry. Teoria crítica e resistência em educação: para além das teorias da reprodução. Petrópolis: Vozes, 1986. LIMA, Elvira Souza. Currículo e desenvolvimento humano. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008. MOREIRA, Antonio Flavio B Currículos e programas no Brasil. Campinas: Papirus, 1995. ______. A contribuição de Michael Apple para o desenvolvimento de uma teoria curricular crítica no Brasil. Fórum Educacional, 1989. ______.; CANDAU, Vera Maria. Currículo, conhecimento e cultura. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008. NORGAARD, Richard. A improvisação do conhecimento discordante. Ambiente & Sociedade, Ano I, n. 2, p. 25-40, 1998. SACRISTÁN, J. Ginemo. O currículo: uma reflexão sob a prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documento de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2001B. TYLER, Ralph W. Princípios básicos de currículo e ensino. Porto Alegre: Globo, 1974.

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AULA 4 Currículo: documento de identidade Autora: Ivonete Barreto de Amorim

O

Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive. Fernando Pessoa

lá, estudante! Seja bem-vindo (a) a nossa quarta aula! Na aula anterior foram abordadas questões referentes à cultura, política e epistemologia em seus conceitos históricos e suas implicações no campo do currículo e, consequentemente, nas relações de ensino e aprendizagem.

Em tempo, salientamos que os aspectos ligados à cultura, política e epistemologia irão contribuir para compreender o foco desta aula intitulada de “Currículo: documento de identidade”, título inspirado no livro “Documentos de identidade” de Tomaz Tadeu (2003). É importante ressaltar que o objetivo dessa aula é compreender o currículo quanto às suas implicações identitárias, portanto, as suas leituras, seus questionamentos e suas discussões serão de relevante importância para o processo de aprendizagem. Assim como afirma o poeta Fernando Pessoa “Põe quanto és no mínimo que fazes”. Implique-se, vamos nessa!


CURRÍCULO

Como vimos na aula anterior, o currículo efetivado na escola revela imbricações com as questões relacionadas à cultura, à política e à epistemologia, as quais reverberam, inevitavelmente, junto aos processos de ensino e aprendizagem. Assim, as articulações tecidas nessa rede de significações, discursos e saberes, denunciam as relações de poder, as hierarquias e as atitudes críticas e democráticas presentes na premissa que envolve o que ensinar ou não ensinar em um determinado nível de ensino. O currículo instituído a partir dessas relações constitui-se como território, como documento de identidade, o qual é imbuído de significados que revelam a identidade daquela escola, daquele povo, daquela sociedade e suas relações com o mundo. Nesta aula, iremos refletir e dialogar sobre o currículo como documento de identidade. Então, convido você a desvelar essas implicações e a pensar sobre a polissemia do conceito de identidade.

ENTÃO, O QUE É IDENTIDADE? Os diálogos acerca do termo identidade apresentam uma visão polissêmica sobre esse conceito, dadas as implicações históricas e pelas investigações de diferentes áreas do conhecimento. A identidade é considerada uma categoria de análise, a qual é utilizada como elemento importante para desvelar o objeto. Neste sentido, Gadotti (1983) revela que identidade constitui-se em uma processualidade histórica vinculada ao conjunto das relações que permeiam a vida cotidiana. Assim, as diferentes interpretações de identidades na contemporaneidade indicam as novas articulações entre o social, pessoal e contemporâneo. Para Stuart Hall (2005, p. 10), o termo identidade apresenta três concepções diferentes: » » Sujeito do Iluminismo - Para a concepção iluminista o sujeito estava baseado numa concepção de pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo - contínuo ou “idêntico” a ele - ao longo da existência do indivíduo, o centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa. » » Sujeito Sociológico - Para a concepção sociológica, a identidade refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e autossuficiente, mas era formado na relação com “outras pessoas importantes para ele”, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos. [...] A identidade nessa concepção sociológica, preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior”- entre o mundo pessoal e o mundo público. » » Sujeito pós-moderno - Para a concepção pós-moderna o sujeito é conceitualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebridade móvel”. [...] É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identidades estão sendo continuamente deslocadas.

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AULA 4 - CURRÍCULO: DOCUMENTO DE IDENTIDADE

As três concepções, explicitadas pelo autor, nos indicam a complexidade da compreensão do que de fato significa identidade sobre o foco, o sujeito do iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pósmoderno, pois compreender a identidade a partir desses enfoques rompe com a visão inatista de que somos assim porque nascemos assim, e introduz uma percepção sobre sujeito, em que ele estabelece um diálogo permanente entre o seu eu interior e exterior, assim como ratifica na visão pós-moderna de que o sujeito sofre com modificações identitárias de acordo com as interações sujeito e contexto histórico. Essas considerações de Hall mostram um pouco da sua implicação como sujeito historicamente situado. Você já ouviu falar em Stuart Hall?

Stuart Hall Nascido em Kingston, na Jamaica, em 3 de fevereiro de 1932, Hall viveu sua infância e adolescência cercado pelas contradições impostas pela condição de pertencer a um país colonizado. É um teórico cultural formado na Jamaica e em Oxford. Stuart Hall mora na Grã Bretanha e seu pensamento passa por convicções democráticas e pela aguçada observação da cena cultural contemporânea. (HALL, 2005) Quer saber mais? Leia: HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de janeiro: DP& A, 2005.

Para Stuart Hall (2005), além dessas concepções acerca da identidade, a globalização tem significativo impacto na perspectiva da identidade cultural. Ademais, é relevante sinalizar que a Globalização pode ser compreendida como o envolvimento de várias economias no mercado internacional, ou a interdependência comercial entre os países, as quais podem ser percebidas por meio do acelerado crescimento de intensas relações de investimentos comerciais, turísticos, comunicacionais etc. Com efeito, ratificando a fala de Hall, a globalização impacta, atinge as culturas, que muitas vezes são alteradas em seu modo de vestir, de comer, de se divertir, além de interferir na música, no cinema, dentre outros. Preocupado com essas influências sobre identidade, Stuart Hall narra uma interessante história sobre o binômio identidade e mudança, através de um fato real, o qual ilustra “[...] as consequências políticas da fragmentação ou ‘pluralização’ de identidades” (HALL, 2005, p. 18). Em 1991, o então presidente americano, Bush, ansioso por restaurar uma maioria conservadora na suprema Corte americana, encaminhou a indicação de Clarence Thomas, um juiz negro de visões políticas conservadoras. No julgamento de Bush, os eleitores brancos (que podiam ter preconceitos em relação a um juiz negro) provavelmente apoiaram Thomas porque ele era conservador em termos de legislação de igualdade de direitos, e os eleitores negros (que apoiam políticas liberais em questões de raça) apoiaram Thomas porque ele era negro. Em síntese, o presidente estava “jogando o jogo das identidades”. Durante as “audiências” em torno da indicação, no Senado, o juiz Thomas foi

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acusado de assédio sexual por uma mulher negra, Anita Hill, uma ex-colega de Thomas. As audiências causaram um escândalo público e polarizaram a sociedade americana. Alguns negros apoiaram Thomas, baseados na questão da raça; outros se opuseram a ele, tomando como base a questão sexual. As mulheres negras estavam divididas, dependendo de qual identidade prevalecia: sua identidade como negra ou sua identidade como mulher. Os homens negros também estavam divididos, dependendo de qual fator prevalecia: seu sexismo ou seu liberalismo. Os homens brancos estavam divididos, dependendo não apenas de sua política, mas da forma como eles se identificam com respeito ao racismo e ao sexismo. As mulheres conservadoras brancas apoiavam Thomas, não apenas com base em sua inclinação política, mas também por causa de sua oposição ao feminismo. As feministas brancas, que frequentemente tinham posições mais progressistas na questão da raça, se opunham a Thomas tendo como base a questão sexual. E, uma vez que o juiz Thomas era membro da elite judiciária e Anita Hill, na época do alegado incidente, uma funcionária subalterna, estavam em jogo, nesses argumentos, também questões de classe social (HALL, 2005, p. 18-19).

Você já tinha pensado no termo identidade através dessas implicações? Pois é! O autor Stuart Hall (2005), com a narrativa desse episódio que ganhou projeção midiática em todo o mundo, não estava questionando sobre a absolvição ou condenação do juiz Thomas, mas problematizava a questão do “jogo de identidades” e suas implicações políticas. Considerando os seguintes elementos: » » As identidades eram contraditórias. Elas se cruzavam ou se “deslocavam” mutuamente. » » As contradições atuavam tanto fora, na sociedade, atravessando grupos políticos estabelecidos, quanto “dentro” da cabeça de cada indivíduo. » » Nenhuma identidade singular - por exemplo, de classe social - podia alinhar todas as diferentes identidades com uma “identidade mestra” única, abrangente, na qual se pudesse, de forma segura, basear uma política. As pessoas não identificam mais seus interesses sociais exclusivamente em termos de classe; a classe não pode servir como um dispositivo discursivo ou uma categoria mobilizadora através da qual todos os variados interesses e todas as variadas identidades das pessoas possam ser reconciliadas e representadas. » » De forma crescente, as paisagens políticas do mundo moderno são fraturadas dessa forma por identificações rivais e deslocantes – advindas, especialmente, da erosão da “identidade mestra” da classe e da emergência de novas identidades, pertencentes à nova base política definida pelos novos movimentos sociais; o feminismo, as lutas negras, os movimentos de libertação nacional, os movimentos antinucleares e ecológicos (MERCER, 1990, apud HALL, 2005, p. 21). » » Uma vez que a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, a identificação não é automática, mas pode ser ganhada ou perdida. Ela tornouse politizada. Esse processo é, às vezes, descrito como constituindo uma mudança de uma política de identidade (de classe) para uma política de diferença. (HALL, 2005, p. 20-21). As considerações de Stuart Hall sobre os elementos contraditórios, rivais e fragmentados das identidades no cenário social, revelam as mutações nas relações identitárias na contemporaneidade, dadas as suas atitudes transitórias e fugazes explicitadas no processo de identificação (nessa discussão, foi apresentada a situação do julgamento do juiz Thomas). Nessa linha de pensamento, as identidades culturais adotam a flexibilidade e mudança como batuta de orquestra que baliza a construção identitária.

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Veja que a relação entre política, cultura e a identidade está atrelada entre si, a ponto de percebermos variações sobre um mesmo episódio, dadas as implicações políticas, éticas, lutas de classe, dentre outras, as quais impulsionam o sujeito a julgar um fato sobre a égide do que a política adota como mais “aceitável” naquele dado momento histórico. Santos (2006) salienta que [...] mesmo as identidades aparentemente mais sólidas, como a de mulher, homem, país africano, país latino-americano ou país europeu, escondem negociações de sentido, jogos de polissemia, choques de temporalidades em constante processo de transformação, responsáveis em última instância pela sucessão de configurações hermenêuticas que de época para época dão corpo e vida a tais identidades. Identidades são, pois, identificações em curso. (SANTOS, 2006, p. 135).

Assim, para Boaventura de Souza Santos (2006), as identificações são plurais e transitórias quando compreendidas pelo contexto histórico como as mais consolidadas (as identidades de homem, mulher...), ganhando interpretações diferentes conforme as interlocuções junto a discursos polissêmicos, assim como as alterações dadas aos sentidos que cada período histórico legitimamente situado explicita. A compreensão de Santos (2006) sobre a questão da identidade na contemporaneidade consiste em percebê-la como sinônimo de subjetividade. E, sobre essa percepção, o autor ressalta que “[...] a preocupação com a identidade não é, obviamente, nova. Podemos dizer até que a modernidade nasce dela e com ela. O primeiro nome moderno da identidade é a subjetividade” (SANTOS, 2006, p. 136). O autor ainda alerta que a subjetividade nesse contexto pode ser percebida em dois sentidos: o primeiro referente as subjetividades individual e coletiva e o segundo alusivo às subjetividades contextual e abstrata, as quais introduzem que: [...] na tensão entre subjectividade individual e subjectividade colectiva, a prioridade é dada à subjectividade individual; na tensão entre subjectividade contextual e subjectividade abstracta, a prioridade é dada à subjectividade abstracta. Trata-se de propostas hegemónicas, mas não únicas nem em todo caso estáveis. (SANTOS, 2006, p. 137).

A identidade vai sendo instituída, ao longo do tempo, através de processos dialógicos e dialéticos que envolvem as relações sociais, assim como desconstrói a ideia do pronto, fixo e estável, instituindo um olhar sobre as identidades como possibilidades contraditórias, abertas e inacabadas, as quais ditam o tom do sujeito na pós-modernidade. Esses estudos realizados por Santos (2006) ganham significativas orientações no campo do currículo, pois a concepção do pós-modernismo empurra as narrativas das teorias críticas do currículo para seus limites, questionando aspectos como a libertação e emancipação do sujeito, os quais validam posições de certeza sobre o contexto social. Você quer saber um pouco mais sobre as concepções de Boaventura de Sousa Santos? Veja, então, o quadro a seguir!

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Boaventura de Sousa Santos Nascido em Coimbra, Portugal, em 15 de Novembro de 1940, Boaventura de Sousa Santos é doutor em sociologia do direito pela Universidade de Yale, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick. É também diretor dos Centro de Estudos Sociais e do Centro de Documentação 25 de Abril, e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa. Seus escritos dedicam-se ao desenvolvimento de uma Sociologia das Emergências, que segundo o autor procuraria valorizar as mais variadas gamas de experiências humanas, contrapondo-se a uma “Sociologia das Ausências”, responsável pelo desperdício da experiência. (BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, 2013) Quer saber mais? Leia: SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2006.

As contribuições de Santos levam-nos a refletir sobre as congruências e pertinências de elementos ressaltados nas teorias pós-críticas do currículo, as quais dialogam constantemente com a identidade, alteridade, diferença, subjetividade, gênero, raça, etnia, sexualidades, multiculturalismo, significação, dentre outros elementos que tangenciam as misturas, o hibridismo e a mestiçagem de culturas e modos de vida. Contudo, o currículo oficial que é partilhado nos diferentes contextos escolares ainda está preso aos princípios modernos, ou seja, vinculados a grandes narrativas da modernidade, marcado pela disciplinaridade, linearidade e hierarquização de saberes. Para Silva (2003), o currículo existente está “baseado numa separação rígida entre “alta” e “baixa” cultura, entre conhecimento científico e conhecimento cotidiano. Ele segue fielmente o script das grandes narrativas da ciência, do trabalho capitalista e do Estado-Nação” (SILVA, 2003, p. 115). Com efeito, o sujeito instituído nesse enfoque do currículo baseia-se na racionalidade e autonomia tão presentes nos discursos da Modernidade. Assim, é oportuno salientar que as influências dos princípios emergentes da pós-modernidade no campo do currículo assinalam o início das teorias pós-críticas, reforçando as incertezas, as dúvidas e a indeterminação. Sim!? Você deve estar pensando: como fica o currículo nessa história toda? Diante dessa demanda, Silva (2003) nos inspira a elucidar essa questão junto à sua reflexão. Depois das teorias críticas e pós-críticas, torna-se impossível pensar o currículo simplesmente através de conceitos técnicos como os de ensino e eficiência ou de categorias psicológicas como as de aprendizagem e desenvolvimento ou ainda de imagens estáticas como as de grade curricular e lista de conteúdos. Num cenário pós-crítico, o currículo pode ser todas essas coisas, pois ele é também aquilo que dele se faz, mas nossa imaginação está agora livre para pensá-lo através de outras metáforas, para concebê-lo de outras formas, para vê-lo de perspectivas que não se restringem àquelas que nos foram legadas pelas estreitas categorias de tradição. (SILVA, 2003, p. 147). (grifos nossos) 52


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Importante essa assertiva de Silva (2003), não é? Acredito que agora está mais fácil compreender o currículo nesse cenário pós-moderno, em que identidade é apresentada como sinônimo de subjetividade. Assim, quando é autorizado ao campo do currículo fazer as mudanças necessárias, essas mudanças estão diretamente relacionadas ao que é efetivado pela própria mudança, sobretudo, no que concerne a compreendê-lo como documento de identidade. Dessa forma, é inevitável deixar de pensar na subjetividade como princípio social. Partilhando desse contexto semântico de possibilidades, vale salientar que na teoria social contemporânea, “[...] a diferença, tal como a identidade, não é um fato, nem uma coisa. A diferença, assim como a identidade, é um processo relacional. Diferença e identidade só existem numa relação de mútua dependência.” (SILVA, 2003, p. 101). Com efeito, o autor reitera que a definição do que é identidade depende do que é a diferença e viceversa. Esse aspecto é explicitado na figura a seguir, na qual o documento de identidade sozinho não tem significado representativo sem uma relação direta com os sujeitos ali representados.

Figura 9 - Relação entre diferenças e identidade

Fonte: www.mercadoetico.terra.com.br/.../2009/12/racial.jpg (foto1); www.crearo.org.br/crearo/scripts/fotos/260220 (foto 2)

Essas indagações e reflexões efetivadas por Silva (2003) indicam que, a partir da visão de diferença e de identidade como conceitos relacionais, conforme figura relação entre diferenças e identidade que representa pessoas de diferentes etnias, sexos e ao mesmo tempo identificadas a partir de um documento), a diversidade constitui-se de um processo relacional, historicamente situado e imbricado em um discurso e de construção da diferença. Assim, o autor esclarece: É através do vínculo entre conhecimento, identidade e poder que os temas da raça e da etnia ganham seu lugar na teoria curricular. O texto curricular, entendido aqui de forma ampla – o livro didático e paradidático, as lições orais, as orientações curriculares oficiais, os rituais escolares, as datas festivas e comemorativas – está recheado de narrativas nacionais, éticas e raciais. Em geral, essas narrativas celebram os mitos da origem nacional, confirmam o privilégio das identidades dominantes e tratam as identidades dominadas como exóticas ou folclóricas. (SILVA, 2003, p. 147).

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Reforçando esse enfoque, Santomé (1995, p. 170) afirma que [...] no interior das salas de aula é muito raro que o professorado e os alunos e alunas cheguem a refletir e investigar questões relacionadas com a vida e a cultura de etnias e grupos mais próximos e conflitivos.

Essa marca, de acordo com o mesmo autor, afirma o privilégio das culturas dominantes sobre o currículo, o qual legitima “[...] a imparcialidade no momento de definir a cultura legítima, os conteúdos culturais que valem a pena.” (1995, p. 165). Nesse instante, estudante, convido você a pensar! A escola leva em consideração as demandas dos estudantes? Ou apenas segue o plano de aula? Observe o discurso dominante presente na figura a seguir:

Figura 10 - Contando

Autora: Ivonete Barreto - <www.toondoo.com>

As afirmativas reivindicatórias de um currículo de fato e de direito que se relaciona com o sujeito, com a diferença, com a identidade e, consequentemente, com a diversidade cultural, buscam introduzir um novo tom à regência da orquestra que organiza o currículo escolar, pautado comumente na negação da diversidade cultural, aspecto que é compreendido por Santomé (1995, p. 173), como “[...] currículo turístico, ou seja, em unidades didáticas isoladas, nas quais, esporadicamente, se pretende estudar a diversidade cultural”. Assim, estudante, é preciso compreender que a construção do conhecimento, assim como a sua escolha e legitimação está transpassada de diversidade cultural. Dessa forma, não cabe apenas discutir e refletir a questão da diversidade cultural como tema transversal no bojo do currículo, mas incorporála nas matrizes das diferentes áreas do conhecimento e no currículo como todo. Afinal, o currículo constitui-se em um elo entre a teoria educacional e a prática escolar, desenhando suas articulações, possibilidades, perspectivas, escolhas, relevâncias e omissões. [...] nessa perspectiva, o currículo é considerado um artefato social e cultural. Isso significa que ele é colocado na moldura mais ampla de suas determinações sociais, de sua história, de sua produção contextual. 0 currículo não é um elemento inocente e neutro, de transmissão desinteressada do conhecimento social. 0 currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares. 0 currículo não é um elemento transcendente

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e atemporal - ele tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação. (MOREIRA; SILVA, 1999, p. 07-08).

Portanto, as narrativas explicitadas no bojo do currículo inculcam no processo de formação do estudante os grupos sociais que são legitimados pela escola como representantes da sociedade, assim como revela quais grupos são excluídos de qualquer tipo de representação. Essas narrativas acabam por contribuir com a visão desenvolvida pelos alunos sobre identidade e diferença nas suas diversas implicações como: etnia, sexualidade, gênero, dentre outros. Com efeito, é inevitável alterar a arquitetura curricular que nega a diversidade cultural na estrutura organizacional da escola, pois refletir e implementar os elementos concernentes à diversidade no currículo escolar consiste em proporcionar vez e voz a grupos sociais que foram silenciados e inferiorizados durante anos da história politicamente situada. Com isso, segundo Gomes (2008), a inclusão da diversidade na estrutura curricular desvela o entendimento das causas políticas, econômicas e socais de elementos discriminatórios como: etnocentrismo, racismo, dentre outros que tanto polarizaram a relação opressor-oprimido. Colaborando com essa discussão, Gomes (2008, p. 20-39) ressalta alguns aspectos para ser indagados no campo do currículo. Veja a seguir: » » Diversidade biológica e currículo – [...] Os seres humanos, quanto seres vivos, apresentam diversidade biológica, ou seja, mostram diferença entre si. No entanto, ao longo do processo histórico e cultural e no contexto das relações de poder estabelecidas entre os diferentes grupos humanos, algumas dessas variabilidades do gênero humano receberam leituras estereotipadas e preconceituosas, passaram a ser exploradas e tratadas de forma desigual e discriminatórias. » » Diversidade cultural e currículo – [...] Ao discutir a diversidade cultural, não podemos nos esquecer de pontuar que ela se dá lado a lado com a construção de processos identitários. Assim como a diversidade, a identidade, como processo, não é inata. Ela se constrói em determinado contexto histórico, social, político e cultural [...] Assim como a diversidade, nenhuma identidade é construída no isolamento. Ao contrário, ela é negociada durante a vida toda dos sujeitos por meio do diálogo, parcialmente exterior, parcialmente interior, com os outros. » » A luta política pela diversidade à diversidade - Falar sobre diversidade e diferença implica posicionar-se contra processos de colonização e dominação. É perceber como, nesses contextos, algumas diferenças foram neutralizadas e inferiorizadas sendo, portanto, tratadas de forma desigual e discriminatória. [...] É incorporar no currículo, nos livros didáticos, no plano de aula, nos projetos pedagógicos das escolas os saberes produzidos pelas diversas áreas e ciências articulados com os saberes produzidos pelos movimentos socais e pela comunidade. » » Diversidade e conhecimento – [...] inspirados em Boaventura de Sousa Santos (2006), podemos dizer que a relação entre currículo e conhecimento nos convida a um exercício epistemológico e pedagógico de tomar os saberes produzidos pelos movimentos sociais e pela comunidade em “emergência”, uma vez que a importância social, política e pedagógica, por vezes, tem sido colocada no campo das “ausências” resultado no “desperdício de experiência social e educativa”. » » Diversidade e ética – O reconhecimento do aluno e do professor com sujeitos de direitos é também compreendê-los como sujeitos éticos. No entanto, a relação entre ética e diversidade ainda é pouco explorada nas discussões sobre currículo.

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Diversidade e organização dos tempos e espaços escolares - Assim como o tempo, o espaço da escola também não é neutro e precisa passar por um processo de desnaturalização. O espaço escolar exprime uma determinada concepção e interpretação do sujeito social. Podemos dizer que a escola enquanto instituição social se realiza, ao mesmo tempo, como espaço físico específico e também sócio-cultural Você percebeu que os elementos elencados por Gomes (2008) fornecem pistas para efetivação de um currículo pautado na diversidade cultural? Que bom! Estamos felizes por isso! Assim, para construir um currículo como documento de identidade, é imprescindível uma ação focada na diferença e na identidade, que, portanto, implica em articular a inclusão de saberes, conhecimentos espontâneos e científicos, tempos e espaços, discursos e dimensão ética, os quais se constituem em elementos básicos nas articulações entre currículo e diversidade. Trazer para escola essa estrutura plural e singular, local e global, indica a implementação de ações democráticas que horizontalizam as relações de poder e incluam a participação dos estudantes, dos docentes, da família e da comunidade na decisão dos conhecimentos a serem trabalhados no currículo com intuito de garantir uma visão da diversidade cultural em que aquela escola e aquele grupo social estejam historicamente situados. Isso nos remete a questionar: qual o lugar da diversidade no currículo da escola atual? Para inferirmos a resposta desse questionamento, torna-se necessário conhecer a orientação oficial explicitada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LBD nº 9.394/96, para a construção das diretrizes curriculares da educação nacional. Observe o que diz o artigo 26: Art. 26º Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela (grifos nossos).

§ 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil. § 2º O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos. § 3o A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica, sendo sua prática facultativa ao aluno (Redação dada pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003).

Com esse artigo e seus respectivos incisos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional outorga aos sistemas de ensino e estabelecimentos escolares a liberdade em organizar a parte destinada à diversidade do currículo, a qual é identificada como complemento das disciplinas localizadas no núcleo comum a citar: Língua Portuguesa, Matemática..., que sejam cumpridas as determinações da base nacional comum.

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Em tempo, é pertinente registrar que a LDB nº 9.394/96 indicou avanços no campo do currículo, sobretudo no que concerne à liberdade de estruturação de acordo com as demandas regionais. Sobre essa parte diversificada, Gomes (2008, p. 29) esclarece que é preciso “reconhecer não apenas a diversidade no seu aspecto regional e local, mas, sim, a sua presença enquanto construção histórica, cultural e social que marca a trajetória humana.” A autora ainda reitera que o nosso modelo curricular precisa ser revisto, em face do formato (núcleo comum e parte diversificada) que ainda está preso aos moldes da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 5692/71, que ela ressalta que o “peso da rigidez dessa lei marcou profundamente a organização e a estrutura das escolas” (GOMES, 2008, p. 29). É dessa referência que “herdamos” a forma fragmentada de tratar o conhecimento escolar e o currículo. Entretanto, com os movimentos sociais, as conferências municipal, estadual e nacional constituemse em fóruns relevantes para pensar sobre os ajustes e modificações estruturais na organização do currículo, rompendo com visões fragmentadas e polarizadoras do conhecimento. Ao chegar ao término desta aula, fica o indicativo de que compreender o currículo como documento de identidade demanda uma ressignificação sobre o que se faz no currículo e sobre o que é feito dele a partir das alterações necessárias para que esse currículo não seja uma narrativa dos outros, mas uma narrativa “do nós”. Ademais, é fundante ressaltar que os fios que tecem a rede de relações desse currículo devem estar recobertos de diferença, identidade, subjetividade individual e coletiva, validando a multiculturalidade, enfim, a diversidade cultural.

SÍNTESE Nesta aula, foram abordadas questões referentes ao currículo como documento de identidade, ressaltando os princípios norteadores da pós-modernidade e suas implicações no campo do currículo. Ressaltamos as mutações, contradições e incertezas que impregnam as identidades na pósmodernidade, assim como a necessidade de discussões sobre o multiculturalismo no âmbito do currículo, favorecendo a vez e a voz de grupos sociais discriminados historicamente. O currículo arquitetado para essa estrutura includente se veste de diversidade e diferença e posicionase contra a opressão e dominação de um determinado grupo sobre o outro, produzindo um novo documento de identidade.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO Leia a citação e a letra da música a seguir e discorra sobre as relações possíveis em construir um currículo como documento de identidade cultural. Em seguida, pense como os docentes traduzem a questão da diversidade cultural em suas práticas pedagógicas? Em sociedades multiculturais marcadas por desigualdade, racismos e neo-nazismos que se manifestam, de forma cada vez mais assustadora, em nosso mundo contemporâneo, a produção de pesquisas que questionem discursos homogeneizadores e busquem formas alternativas de valorização da plurali-

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dade cultural e desafio a construções discursivas xenófobas e discriminadoras torna-se [...] uma necessidade vital para a reflexão curricular e educacional, no início do novo milênio. (CANEN et al., 2000, p. 10).

Respeitem Meus Cabelos Brancos Composição: Chico César Respeitem meus cabelos, brancos Chegou a hora de falar Vamos ser francos Pois quando um preto fala O branco cala ou deixa a sala Com veludo nos tamancos Cabelo veio da áfrica Junto com meus santos Benguelas, zulus, gêges Rebolos, bundos, bantos Batuques, toques, mandingas Danças, tranças, cantos Respeitem meus cabelos, brancos Se eu quero pixaim, deixa Se eu quero enrolar, deixa Se eu quero colorir, deixa Se eu quero assanhar, deixa Deixa, deixa a madeixa balançar

LEITURAS INDICADAS GOMES, Nilma Lino. Diversidade e cultura. Brasília: Ministério da Educação, secretaria de Educação Básica, 2008. SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sob a prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

SITES INDICADOS http://nunosilvafraga.net/?p=1460 - 42k – http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/indag4.pdf -

REFERÊNCIAS ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. Rio: Graal, 1989. BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS. Homepage. Disponível em: <http://www.boaventuradesousasantos. pt/pages/pt/homepage.php>. Acesso em 27 mai. 2013. CANDAU, V. (coord.) et al. Somos todas iguais? Escola, discriminação e educação em direitos humanos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

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CANEN, Ana et al. Pesquisando multiculturalismo e educação: o que dizem as Dissertações e Teses. Caxambu: 23ª Reunião Anual da ANPEd, setembro de 2000. CHAUÍ Marilena. Cultura e democracia. In: Crítica y emancipación. Revista latinoamericana de Ciências Sociales. Ano 1, n. 1 (jun. 2008- ). Buenos Aires: CLACSO, 2008. ISSN 1999-8104. Disponível em: <http://bibliotecavirtual .clacso.org.ar/ar/libros/secret/CyE/cye3S2a.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2010. CHAUÍ, Marilena; OLIVEIRA, Pérsio Santos de. Filosofia e sociologia. São Paulo: Ática, 2007. FREIRE, Paulo. Sobre Educação: diálogos (Paulo Freire e Sérgio Guimarães). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. GIROUX, Henry. Teoria crítica e resistência em educação: para além das teorias da reprodução. Petrópolis: Vozes, 1986. GOMES, Nilma Lino. Diversidade e cultura. Brasília: Ministério da Educação, secretaria de Educação Básica, 2008. HALL, Stuart. A identidade cultural da pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005 LIMA, Elvira Souza. Currículo e desenvolvimento humano. Brasília: Ministério da Educação, secretaria de Educação Básica, 2008. MOREIRA, Antonio Flavio B. Currículos e programas no Brasil. Campinas: Papirus, 1995. ______. A contribuição de Michael Apple para o desenvolvimento de uma teoria curricular crítica no Brasil. Fórum educacional, 1989. ______; SILVA, Tomaz T. Currículo, cultura e sociedade. São Paulo, Cortez, 1999. ______; CANDAU, Vera Maria. Currículo, conhecimento e cultura. Brasília: Ministério da Educação, secretaria de Educação Básica, 2008. NORGAARD, Richard. A improvisação do conhecimento discordante. In: Ambiente & Sociedade, Ano I, n. 2, p. 25-40, 1998. SANTOMÉ, Jurjo Torres. As Culturas Negadas e Silenciadas no Currículo. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995, p.158- 189. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2006. SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sob a prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. SACRISTÁN, J. Gimeno. Currículo e diversidade cultural. In: SILVA, Tomaz Tadeu da & MOREIRA, Antônio Flávio (orgs). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis: Vozes, 1995, pp. 82-113. SÁCRISTAN, J. Ginemo. O currículo: uma teoria e prática. 3. ed. Trad. Ernani F. da Fonseca Rosa. Petrópolis: Vozes, 1998. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documento de identidade: uma introdução ás teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. TYLER, Ralph W. Princípios básicos de currículo e ensino. Porto Alegre: Globo, 1974.

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AULA 5 Currículo e interdisciplinaridade Autora: Ivonete Barreto de Amorim

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“Minha vida intelectual é inseparável da minha vida [...] não sou daqueles que têm uma carreira, mas dos que têm uma vida [...].” Edgar Morin

lá! Seja bem-vindo a nossa quinta aula! Na aula anterior foi abordado o termo Currículo como “documento de identidade”, ressaltando as questões referentes à identidade como sinônimo de subjetividade, de diferença e de multiculturalismo.

Nesta aula serão abordados aspectos concernentes ao currículo e à interdisciplinaridade. Assim, salientamos que o objetivo desta aula consiste em conhecer e conceituar os pressupostos da interdisciplinaridade no campo do currículo. Vamos juntos desvelar esse aspecto do campo do currículo?! Bem, para que o seu entendimento acerca da relação entre a interdisciplinaridade e o campo do currículo ocorra de forma significativa, convidamos você a interagir através da leitura atenta e reflexiva sobre os pressupostos do termo. Acreditamos que, ao longo do percurso da sua formação, já tenha escutado ou lido algo sobre interdisciplinaridade. Acertamos? Mas você realmente domina o conceito desse termo? Vamos continuar desvendando outras interpretações sobre interdisciplinaridade?


CURRÍCULO

A organização do conhecimento apresenta um formato diferenciado desde a idade antiga (Grécia e Roma) quando os saberes concernentes às ciências humanas apresentavam a seguinte estrutura: o trivium, composto da Gramática, Retórica e Dialética; e o quadrivium, instituído pela Aritmética, Geometria, Música e Astronomia. A junção desses conhecimentos formava as sete Artes Liberais. Embora os saberes apresentem uma separação, a intenção desse momento histórico era a aproximação entre os saberes como, por exemplo, a Música e a Astronomia formando um conjunto de “Artes e Ciências”. Essa estrutura de organização de conhecimento tornou-se importante exemplo para a educação, e, consequentemente, para uma visão de currículo disciplinar na modernidade. No século XVII, com base nos estudos de Aranha e Martins (1986), a formação de uma nova classe burguesa influencia em uma nova realidade cultural, aspectos que determinam um novo tom para a ciência física e a filosófica. Essa lógica filosófica impacta na compreensão do conhecimento através de dois polos: o sujeito cognoscente (o sujeito que conhece) e o objeto conhecido. Com efeito, “o sujeito tende para o objeto e dele se “apossa” pelo pensamento, assim como o objeto “determina” o pensamento do sujeito” (ARANHA; MARTINS, 1986, p.166). E é a partir dessa compreensão que surge a necessidade de instituir um método que garanta a veracidade do conhecimento sobre o objeto conhecido. Dessas premissas, originam-se duas correntes: o racionalismo e o empirismo. René Descartes (1596-1650), conhecido como o pai da modernidade, encampa e sustenta o racionalismo cartesiano, o qual tem como principal preocupação a busca substancial da verdade, propondo a conversão da dúvida em método. Descartes foi partidário voraz do rigor, da clareza e da disciplina metódica. Essa visão rigorosa e clara de Descartes sobre a busca pelo conhecimento validado e consistente é estruturada através da unificação do conhecimento por meio da figura da árvore do saber a seguir, na qual é apresentada uma organização de conhecimento com a seguinte estrutura: as raízes da árvore representa­riam o metafísico, ciência primeira que oferece toda sustentabilidade às ciências; o tronco da árvore, que representaria a física, a qual seria o tronco de onde sairiam as demais ciências; e os galhos representariam a mecânica, a medicina e a moral, as quais manteriam a relação de movimento.

Figura 11 - Árvore do saber

Fonte: DECARTES. Adaptado.

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AULA 5 - CURRÍCULO E INTERDISCIPLINARIDADE

A “árvore do saber” desenhada por Descartes nos instiga a pensar nas possíveis ramificações que compreendem os saberes disciplinares, assim como nos oferece a possibilidade de contemplar o todo na imagem da árvore com suas partes constituintes. Já o empirismo de Francis Bacon (1561-1626), diferentemente do racionalismo cartesiano, enfatiza a questão da experiência diante do conhecimento. Dessa forma, Bacon defende que “Saber é poder” (ARANHA; MARTINS, 1986, p. 166), revelando um saber instrumental, capaz de produzir dominação sobre a natureza. Assim, a intencionalidade do conhecimento vai tomando um novo rumo no que concerne à polarização e à fragmentação do conhecimento. E no século XIX, quando a ciência é considerada a soberana na validação do conhecimento, Augusto Comte desenvolve o pensamento positivista. Nesse momento histórico, Comte formulou a seguinte classificação das ciências: Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia e Sociologia. Essa ordem tem como princípio o cientificismo, considerado como o único conhecimento possível. Então, você percebeu que a forma de compreender o conhecimento perpassa por diferentes formas de validá-lo e classificá-lo. Mas, é no século XIX que são encampadas críticas sobre o conhecimento superior da ciência sobre os demais saberes. Nesse sentido, é importante questionar: o que é interdisciplinaridade?

O QUE É INTERDISCIPLINARIDADE? Interdisciplinaridade é um termo que deriva da palavra primitiva “disciplinar” por prefixação (inter – que significa ação recíproca, comum) e sufixação (dade – que significa qualidade, estado ou resultado da ação). Contudo, o termo interdisciplinaridade é polissêmico, pois demanda diferentes interpretações efetivadas por sujeitos, estudiosos em diversos contextos. Nesse aspecto, em todas as interpretações existe um ponto de intersecção, o qual consiste em engendrar uma nova postura diante da aquisição e troca de conhecimento, atribuindo uma postura de rompimento com a fragmentação. O termo interdisciplinaridade começa a ser discutido e pesquisado na década de 1960, na Europa. A coincidência desse surgimento está vinculada às críticas desse período histórico sobre o paradigma de ensino fragmentado e descontextualizado da realidade. Sobre essa questão, Morin (2000, p. 13) sinaliza a: [...] inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transacionais, globais, planetários.

De acordo com o autor, compreendemos que as críticas concernentes à compreensão do ensino sobre o formato fragmentado e descontextualizado demonstram um fosso entre o currículo desenhado no formato do ensino na escola e as demandas sociais vivenciadas pelos sujeitos do processo.

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CURRÍCULO

Os estudos interdisciplinares emergiram no Brasil em meados da década de 1970, tendo como precursor desse estudo Hilton Japiassú, através da publicação do livro “Interdisciplinaridade e Patologia do Saber”. O autor teve como preocupação fundamental nessa obra a abordagem epistemológica da interdisciplinaridade, ressaltando os pressupostos de uma metodologia interdisciplinar, que para ele “[...] consiste no fato de que ela incorpora os resultados de várias disciplinas, tomando-lhes de empréstimo esquemas conceituais de análise a fim de fazê-los integrar, depois de havê-lo comparado e julgado” (JAPIASSÚ, 1976, p. 32). Essa afirmativa do autor reitera o movimento de questionamentos acerca do conhecimento fragmentado e descontextualizado, criticado na década de 1970, na Europa, e sinaliza uma nova possibilidade de construção do conhecimento, tendo como método a dialogicidade de diferentes campos do saber, em busca do rompimento da compartimentalização do conhecimento. Assim, essa perspectiva defendia a incorporação de uma metodologia capaz de efetivar um projeto interdisciplinar no contexto das ciências humanas, o qual teria como princípio fundante as inter-relações entre as ciências. Para compreender a questão da interdisciplinaridade no contexto do ensino, é mister perceber o princípio da disciplinaridade ou da visão disciplinar, que em seu bojo representa, segundo Luck (1994, p. 49), uma “[...] visão limitada para orientar a compreensão da realidade complexa dos tempos modernos e da atuação em seu contexto”. Sobre essa questão, Morin (2001, p. 105) avaliza que a disciplina “[...] é uma categoria organizada dentro do conhecimento científico; ela institui a divisão e a especialização do trabalho e responde à diversidade das áreas que as ciências abrangem”. Dada a pertinência das críticas sobre o olhar disciplinar limítrofe e fragmentado, novos estudos ganharam notoriedade no cenário acadêmico. Dessa forma, vale ressaltar a importância dos estudos de Ivani Fazenda (1999), Moacir Gadotti (2000), Pedro Demo (1998), entre outros, para compreensão da interdisciplinaridade. A abordagem efetivada por Ivani Fazenda, inspirada nos estudos de Japiassú e alguns estudiosos europeus, fez parte de sua trajetória nas orientações de pesquisas de mestrado e doutorado, reverberando em importantes contribuições para o campo educacional, sobretudo, no que compreende a oposição de conhecimentos especializados e de organizações curriculares verticalizadas. Com efeito, a autora explicita uma visão de ruptura com a perspectiva disciplinar defendendo que: [...] esse posicionamento nasceu como oposição a todo o conhecimento que privilegiava o capitalismo epistemológico de certas ciências, como oposição à alienação da academia às questões da cotidianeidade, às organizações curriculares que evidenciavam a excessiva especialização e a toda e qualquer proposta de conhecimento que incitava o olhar do aluno numa única, restrita e limitada direção, a uma patologia do saber. (FAZENDA, 1995, p. 19).

Essa assertiva retrata as inquietações e os questionamentos que a autora fazia na sua avaliação da educação brasileira, destacando-se a direção que o ensino tomara na década de 1970, marcadamente pelo tecnicismo e limitação das interações de conhecimentos. Vale ressaltar que a dialogicidade entre as disciplinas nos currículos escolares desse período continuam latentes no período atual. Portanto, as sinalizações de Fazenda (1995) acerca de uma “patologia do saber” ainda são bastante atuais e merecem nossa atenção nas organizações curriculares. Outros estudos foram ganhando forma no cenário educacional brasileiro. Para Gadotti (2000), é relevante refletir em termos metodológicos sobre a prática pedagógica interdisciplinar, ressaltando as seguintes implicações:

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» » integração de conteúdos; » » passar de uma concepção fragmentária para uma concepção unitária do conhecimento; » » superar a dicotomia entre ensino e pesquisa, considerando o estudo e a pesquisa, a partir da contribuição das diversas ciências; » » ensino-aprendizagem centrado numa visão que aprendemos ao longo de toda a vida (educação permanente). Esses elementos, elencados por Gadotti (2000), indicam pistas para efetivação de uma prática pedagógica pautada em princípios interdisciplinares, os quais precisam, inevitavelmente, estabelecer uma relação integradora de conteúdos, rompendo com a visão fragmentada e de superioridade de uma ciência sobre a outra, acolhendo a contribuição de diferentes campos de conhecimento, através das articulações entre ensino-pesquisa e ensino-aprendizagem imbricados com a realidade.

Figura 12 - Ciclo interdisciplinar

Fonte: Adaptado de interdisciplinaridadenaescola.blogspot.com.

Entretanto, para chegar a esse grau de interdisciplinaridade na prática pedagógica sinalizada por Gadotti, como sinaliza a figura do ciclo interdisciplinar (figura 2), faz-se necessário refletir sobre outros aspectos dos estudos de Japiassú (1976) que, além de fundamentar-se em argumentos epistemológicos, contradisciplinares, elencou quatro graus “sucessivos de cooperação e de coordenação crescentes” (JAPIASSÙ, 1996, p. 75), a citar: » » Grau um - denominou de multidisciplinar, o qual consistia em uma “simples justaposição, num trabalho determinado, dos recursos de várias disciplinas” sem que tenha havido qualquer relação entre conteúdos de cada disciplina. Perceba na representação a seguir que, no grau multidisciplinar, a articulação e o diálogo entre as disciplinas, aqui representadas pelas letras A, B e C, são nulas. Embora as disciplinas estejam localizadas na mesma posição, não acontecem interações ou comunicação entre elas e o tema ou conteúdo.

Figura 13 - Diagrama de multidisciplinaridade

Fonte: Adaptado de http://www.scielo.br/img/revistas/sausoc/v14n3.

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CURRÍCULO

» » Grau dois - denominou de pluridisciplinar, no qual “as disciplinas estariam justapostas, ainda também em um só nível hierárquico, mas dando margem a certa cooperação, embora excluindo toda coordenação”. Veja, na representação a seguir, uma tentativa de articulação entre as disciplinas A, B e C. Contudo, a coordenação dos trabalhos não apresenta uma dialogicidade entre as três ciências.

Figura 14 - Diagrama de pluridisciplinaridade

Fonte: http://www.scielo.br/img/revistas/sausoc/v14n3.

» » Grau três - denominou de interdisciplinar, caracterizado “pela intensidade de trocas entre especialistas e pelo grau de integração real entre as disciplinas no interior de um projeto específico de pesquisa, [...] o papel específico da atividade interdisciplinar consiste, primordialmente, em lançar uma ponte para religar as fronteiras que haviam sido estabelecidas anteriormente entre as disciplinas com o objetivo específico de assegurar a cada uma seu caráter propriamente positivo, segundo modos particulares e com resultados específicos”. Dessa forma, a interdisciplinaridade implica a inter-relação de processos, conhecimentos e práticas que transborda o campo da pesquisa e do ensino no que diz respeito às disciplinas científicas e às suas possíveis articulações. Com efeito, o termo interdisciplinaridade vem sendo usado como sinônimo de interação e colaboração entre diversos campos do conhecimento e práticas pedagógicas diversas. Assim, uma representação esquemática sobre a interdisciplinaridade evidencia uma integração entre as disciplinas, sobretudo, pelo elemento integrador denominado de D, religando as fronteiras disciplinares. Percebe-se, como afirma Demo (1998, p. 88), que a interdisciplinaridade quer “[...] horizontalizar a verticalização, para que a visão complexa seja também profunda, e verticalizar a horizontalização, para que a visão profunda seja também complexa”.

Figura 15 - Diagrama de interdisciplinaridade

Fonte: Adaptado de http://www.scielo.br/img/revistas/sausoc/v14n3.

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» » Grau quatro - denominado de transdisciplinar, no qual “desapareceria as fronteiras entre as disciplinas e chegaria a uma totalidade epistemológica. Esse sistema total, de níveis e objetivos múltiplos [coordenaria] todas as disciplinas e interdisciplinas, tomando por base uma coordenação a ser feita tendo em vista uma finalidade comum dos sistemas”. Nesse sentido, a transdisciplinaridade envolve não apenas as interações ou reciprocidade entre os campos disciplinares, mas a colocação dessas relações dentro de um sistema total, sem quaisquer limites rígidos entre as disciplinas ou campo de saber. A representação esquemática do quarto grau demonstra uma integração total entre as diferentes disciplinas, formando um novo sistema de caracterização pela integração na sua totalidade.

Figura 16 - Diagrama de transdisciplinaridade

Fonte: Adaptado de http://www.scielo.br/img/revistas/sausoc/v14n3.

Assim, é possível afirmar que a transdisciplinaridade apresenta um esquema nitidamente distinto dos esquemas oriundos dos graus multidisciplinar, pluridisciplinar e interdisciplinar, aspecto que nos inspira a pensar na complexidade do termo. Assim, voltaremos a tratar desse termo na próxima aula, quando faremos alusão ao pensamento complexo, o qual tem relação consonante com transdisciplinaridade. Ademais, salientamos que as contribuições de Japiassú, Fazenda, Gadotti, Padilha, dentre outros pesquisadores, introduziram novos olhares acerca dos estudos interdisciplinares. E você, quer saber mais sobre as pesquisas desses estudiosos e pesquisadores? Observe os quadros a seguir e amplie os seus estudos.

Moacir Gadotti é um dos grandes educadores brasileiros. Lecionou em vários níveis do ensino e nas principais universidades do país. Atualmente é diretor do Instituto Paulo Freire, que desenvolve inúmeros projetos de educação popular. Quer saber mais? Leia: GADOTTI, Moacir. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

Quadro 1 - Moacir Gadotti Fonte: http://www.sigloxxieditores.com/cont/autores/imagePot/gadottimoacir.jpg.

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CURRÍCULO

Ivani Fazenda é autora consagrada no campo da interdisciplinaridade. Doutora em Antropologia Cultural e mestre em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação na mesma instituição e na Universidade da Cidade de São Paulo e professora colaboradora do Centre des Recherches Interdisciplinaires en Education (CRIE), da Universidade de Sherbrooke, no Canadá e titular de uma das cadeiras da Academia Paulista de Educação. Quer saber mais? Leia: FAZENDA, Ivani. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. São Paulo: Papirus, 1995.

Quadro 2 - Ivani Fazenda Fonte: http://www.cel.unicamp.br/unicamp/sites/unicamp.br/files/imagens/forum_ivani081029_290x240.jpg.

Paulo Roberto Padilha é doutor e mestre em Educação na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP-2003 e 1998). Sua tese de doutorado intitula-se “Currículo Intertranscultural: novos itinerários para a educação”. Padilha é pedagogo e bacharel em Ciências Contábeis. Atualmente é Diretor de Desenvolvimento Institucional do IPF e professor universitário em cursos de Pedagogia, pós-graduação Lato Sensu e diversas graduações e licenciaturas. Quer saber mais? Leia: PADILHA, Paulo Roberto. Currículo intertranscultural: novos itinerários para a educação. São Paulo: Cortez, 2004. Quadro 3 - Paulo Roberto Padilha Fonte: http://www.paulofreire.org/pub/Institucional/PauloRobertoPadilha/padilha.png.

Hilton Japiassú é formado em Filosofia e Teologia. Doutorado em Filosofia em Grenoble (França), na Université des Ciences Sociales (1974), defendendo tese sobre “Les Relations Interdisciplinares dans les Sciences Humaines”. Em 1984/85, fez pós-doutorado na Université des Sciences Humaines de Strasbourg (França) com um trabalho de pesquisa sobre “Le Statut Epistemologic des Sciences Humaines”. Dedica suas atividades docentes e de pesquisa ao domínio da Epistemologia e História das Ciências Humanas. Tem vários artigos e dezenas de livros. Quer saber mais? Acesse: http://www.editoraeletronica.net/ Quadro 4 - Hilton Japiassú Fonte: http://4.bp.blogspot.com/_3j1wM2KkrNk/SfT3BAltGDI/AAAAAAAAAXU/FtZU77S7J3w/s400/ HiltonJapiassu_02+(1).JPG.

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AULA 5 - CURRÍCULO E INTERDISCIPLINARIDADE

Com base nas indicações dos teóricos supracitados, como fica a interdisciplinaridade no currículo da escola? O currículo edificado sobre o formato interdisciplinar solicita a incorporação de propostas pedagógicas construídas a partir da realidade, considerando o estudante com suas diferenças e saberes. Dessa forma, demanda uma mudança radical na elaboração do Projeto Político Pedagógico, o qual deverá estar inter-relacionado com os interesses da comunidade escolar na elaboração de planos globais, bem como com o planejamento e as questões administrativas /pedagógicas/ financeiras. Com isso, os desenhos dos currículos nas escolas ainda permanecem no modelo disciplinar, o qual apresenta um formato fragmentado através da hierarquização de disciplinas diversas, sem relação aparente entre elas, conforme o tema debatido no texto “Atomizados compartimentalizados” a seguir.

Atomizados compartimentalizados Pela forma com que é ensinada, cada matéria está destinada a ser cuidadosamente arrumada em sua gavetinha, uma para Gramática, outra para Geografia, uma para História, outra para Ortografia etc., e cada gaveta não se comunica com as outras. Elas se abrem, uma de cada vez, na hora certa. Mas o aluno que dispõe de uma gaveta bem cheia de conhecimentos ortográficos, por exemplo, só os utilizará nos exercícios de ditado, e seus outros textos escritos estarão cheios de erros mais grosseiros. As gavetinhas têm seus conteúdos bem hierarquizados. Algumas guardam coisas de maior valor. Na escola primária, por exemplo, uma das maiores riquezas que se pode arrumar numa gaveta é a ortografia, pois, segundo o domínio que se tenha dela, é que se poderá prosseguir nos estudos. Outras gavetas são menos consideradas. Pouco importa à escola que tenha uma gaveta repleta de boa música ou de belos desenhos. O ensino da língua materna, tal como se pratica ainda na maioria das aulas, é um exemplo típico de parcelização arbitrária do saber. Na verdade, ele é cortado em fatias: vocabulário, conjunção, gramática, pronúncia, ortografia, redação, leitura, análise de textos etc. No entanto, quando um adulto fala, lê, escreve, não passa pela sua cabeça afirmar que nesse momento está usando vocabulário ou gramática ou pronúncia. Dirá simplesmente: Discuti com amigos, Passei os olhos no jornal, Consultei a revista, Escrevi a carta etc. R.F Texto e imagem extraídos do livro: HARPER, Babette et al. Cuidado, escola!: desigualdades, domesticação e algumas saídas. São Paulo: Brasiliense, 2003. p. 64.

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CURRÍCULO

Esse modelo de currículo explicitado é comum em diferentes contextos, embora exista um discurso acolhedor ao desenho de currículo interdisciplinar, o qual terá que contemplar no seu bojo nova concepção sobre o conhecimento, ressaltando a interdependência, a interação e a comunicação existentes entre as disciplinas e buscando a integração do conhecimento num todo coeso e significativo. A organização de currículo com base interdisciplinar demanda, além da estrutura, a implementação de atitude interdisciplinar, a qual é caracterizada por Fazenda (1999) através da ousadia, da busca constante pela pesquisa, aspectos estes que visam à transformação da insegurança em um exercício do pensar e do construir juntos. Ressaltamos que adotar atitudes interdisciplinares como metodologia no desenvolvimento do currículo escolar não significa o abandono dos conceitos disciplinares, mas a articulação entre eles, afinando a organização do trabalho em equipe em diferentes áreas e disciplinas, pensando e construindo novas formas de interações com os problemas apresentados e vivenciados no contexto social. Nesse sentido, a interdisciplinaridade será uma articuladora do processo de ensino e de aprendizagem na medida em que se produz como atitude e como pensar (FAZENDA, 1999). Ou, como afirma Japiassú (1976, p. 75): Podemos dizer que nos reconhecemos diante de um empreendimento interdisciplinar todas as vezes em que ele conseguir incorporar os resultados de várias especialidades, que tomar de empréstimo a outras disciplinas certos instrumentos e técnicas metodológicas, fazendo uso dos esquemas conceituais e das análises que se encontram nos diversos ramos do saber, a fim de fazê-los integrarem e convergirem, depois de terem sido comparados e julgados. Donde podemos dizer que o papel específico da atividade interdisciplinar consiste, primordialmente, em lançar uma ponte para ligar as fronteiras que haviam sido estabelecidas anteriormente entre as disciplinas com o objetivo preciso de assegurar a cada uma seu caráter propriamente positivo, segundo modos particulares e com resultados específicos.

Ao conceber atitudes, pensamento e uma metodologia interdisciplinar no âmbito da escola, é inevitável lançar mão de uma estrutura relacional entre os pares, entre os saberes, entre as disciplinas, ligando as fronteiras de tal forma que rompa com as fragmentações conceituais e estabeleça uma relação dialógica e dialética junto a uma nova concepção de construção de conhecimento. Por certo, a atitude frente a um modelo de currículo focado em uma visão interdisciplinar incidirá na qualidade de aprendizagem, que visa à participação democrática, o questionamento da soberania dos saberes disciplinares, instaurando, assim, uma nova forma de pensar as inúmeras possibilidades de conhecer sobre o enfoque de uma abordagem integradora como a tônica do processo educativo. As tentativas de acoplar olhares e atitudes interdisciplinares ganham ênfase oficialmente no nosso país a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96, dada a sua flexibilização no campo do currículo e dos respectivos modelos de currículo para educação básica, os quais são explicitados através de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), para Ensino Fundamental e Médio, e Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI), os quais foram traduzidos na prática, respectivamente com os temas transversais e pedagogia de projetos. Nas citações a seguir, é notório o desejo de incorporação de saberes integradores e do rompimento com a fragmentação de conhecimentos disciplinares: Os conteúdos são compreendidos, aqui, como instrumentos para analisar a realidade, não se constituindo um fim em si mesmos. Para que as crianças

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AULA 5 - CURRÍCULO E INTERDISCIPLINARIDADE

possam compreender a realidade na sua complexidade e enriquecer sua percepção sobre ela, os conteúdos devem ser trabalhados de forma integrada, relacionados entre si. Essa integração possibilita que a realidade seja analisada por diferentes aspectos, sem fragmentá-la. (BRASIL, 1998, p. 53).

O Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil sugere que aconteça, no bojo da prática educativa na escola infantil, um olhar acolhedor das demandas da realidade da criança articulada com os conhecimentos construídos no segmento desse ensino. Assim, esse instrumento indica e defende uma concepção integrada e relacional entre as diferentes áreas do conhecimento, situação reiterada no PCN, conforme citação a seguir. A interdisciplinaridade supõe um eixo integrador, que pode ser o objeto de conhecimento, um projeto de investigação, um plano de intervenção. Nesse sentido, ela deve partir da necessidade sentida pelas escolas, professores e alunos de explicar, compreender, intervir, mudar, prever, algo que desafia uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de um olhar, talvez vários. (BRASIL, 2002, p. 88-89).

Essas citações do RCNEI e PCN ilustram a indicação de caráter interdisciplinar que precisam permear um currículo imbricado nas identidades, no multiculturalismo, marcado pela formação do sujeito cidadão, possibilitando posicionamento crítico frente aos problemas sociais que são vivenciados na prática, e estabelecendo uma dimensão contextual entre as ciências e a vida cotidiana dos estudantes, professores e toda comunidade escolar. Portanto, como afirma Macedo (2002, p. 129): O currículo deve incentivar a interdisciplinaridade, a transgressão intelectual, a construção multirreferencial, comportando áreas de estudo articuladas com diversos saberes disponíveis na comunidade e pertinentes para o exercício da cidadania emancipada.

Conforme afirma Macedo (2002), o currículo numa dimensão interdisciplinar rompe com os saberes disciplinarizados, estabelecendo uma visão integradora, multirreferencial, que interagem com os diferentes sujeitos, processos, contextos, a ponto de instituir uma postura cidadã embasada nos princípios emancipatórios, portanto, includentes, dialéticos e dialógicos, os quais propõem romper com as certezas, com os dogmas e com a fragmentação. Compreender o campo do currículo sobre o olhar interdisciplinar inaugura novas possibilidades sobre o processo de ensinar e aprender, sobre o que ensinar e como ensinar, sobre as ações e interações na sala de aula e fora dela, desenhando um currículo que: » » oportunize o trabalho em equipe; » » favoreça interlocução entre as diferentes disciplinas; » » efetive planejamento dialógico; » » rompa com os dogmas disciplinares; » » oportunize a articulação entre ciência e cotidiano; » » permita lidar com a incerteza e com a contradição. Lidar com as interações entre as fronteiras disciplinares, ressaltando suas interações, aproxima os sujeitos de uma formação de fato e de direito, vincado na democracia e na cidadania, validando vozes, questionamentos e a possibilidade de construção significativa de conhecimentos, os quais ultrapassam a fragmentação e muros das instituições, denotando o princípio da vida, que fornece o tom em cada pôr do sol, em cada manhã.

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CURRÍCULO

Pois é, nossa aula está chegando ao final. Contudo, a temática não foi esgotada, uma vez que traremos novos enfoques na próxima aula sobre a abordagem da multirreferencialidade e complexidade no campo do currículo, aspectos estes diretamente imbricados ao olhar interdisciplinar.

SÍNTESE Nesta aula foi abordada a questão da interdisciplinaridade e o campo do currículo, ressaltando a polissemia desse termo e salientando quatro graus que tangenciam os processos interdisciplinares, a citar: multidisciplinaridade, que abarca uma justaposição entre diferentes disciplinas sem que haja interação entre elas; a pluridisciplinaridade, na qual é efetivada uma tímida comunicação entre disciplinas da mesma área sem coordenação articulada; a interdisciplinaridade, na qual ocorre uma dialogicidade e interação entre as disciplinas; e a transdisciplinaridade, que extrapola o campo do diálogo e inter-relação entre as ciências a ponto de formar um todo coeso. Ademais, foi abordado que o desenho do currículo incorpora os princípios interdisciplinares e aproximam os saberes da ciência aos problemas vivenciados nos contextos sociais, apresentando uma leitura contextualizada e integradora.

QUESTÕES PARA REFLEXÃO 1) Tendo como base o currículo como artefato cultural, e a interdisciplinaridade como uma perspectiva relacional e dialógica com diferentes saberes, pense nos entraves, possibilidades e rupturas possíveis de serem efetivadas junto ao currículo desenhado no texto intitulado “Atomizados compartimentalizados”, presente no corpo desta aula. Após suas reflexões, discuta no espaço virtual as suas considerações. 2) O Projeto Político Pedagógico constitui-se em um princípio fundante do currículo. Diante disso, pense em uma possibilidade de trabalho interdisciplinar na escola de ensino fundamental em que o desenho do currículo esteja ancorado no viés da fragmentação do conhecimento conforme o texto “Atomizados compartimentalizados”, situado em aulas com duração de 50 minutos. Após a elaboração das possíveis articulações, discuta sobre essas possibilidades no espaço virtual.

LEITURAS INDICADAS FAZENDA, Ivani. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 2. ed. São Paulo: Papirus, 1995. Capítulo 1. GADOTTI, Moacir. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. Capítulo 2. JAPIASSÚ, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976. Capítulo 1. PADILHA, Paulo Roberto. Currículo intertranscultural: novos itinerários para a educação. São Paulo: Cortez, 2004.  Capítulo 4.

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AULA 5 - CURRÍCULO E INTERDISCIPLINARIDADE

SITE INDICADO http://www.editoraeletronica.ne

REFERÊNCIAS ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1986. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília, DF: MEC/SEF, 1998. ______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997. DEMO, P. Conhecimento moderno: sobre ética e intervenção do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1998. FAZENDA, I. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. 2. ed. São Paulo: Papirus, 1995. ______. (Org.). Didática e interdisciplinaridade. São Paulo: Papirus, 1997. ______. (Org.). Práticas interdisciplinares na escola. São Paulo: Cortez, 1999. FREIRE, P. Sobre educação: diálogos (Paulo Freire e Sérgio Guimarães). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. GADOTTI, M. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. GIROUX, H. Teoria crítica e resistência em educação: para além das teorias da reprodução. Petrópolis: Vozes, 1986. JAPIASSÚ, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976. ______. Nascimento e morte das ciências humanas. Rio de Janeiro: F. Alves, 1982. ______. A crise da razão e do saber objetivo: as ondas do irracional. São Paulo: Letras & Letras, 1996. LIMA, E. S. Currículo e desenvolvimento humano. Brasília, DF: Ministério da Educação; Secretaria de Educação Básica, 2008. LUCK, H. Pedagogia interdisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994. MOREIRA, A. F. B. A contribuição de Michael Apple para o desenvolvimento de uma teoria curricular crítica no Brasil. Fórum educacional, 1989. ______. Currículos e programas no Brasil. Campinas: Papirus, 1995. MOREIRA, A. F. B.; CANDAU, V. M. Currículo, conhecimento e cultura. Brasília, DF: Ministério da Educação; Secretaria de Educação Básica, 2008. SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sob a prática. Porto Alegre: Artmed, 1998. ______. O currículo: uma teoria e prática. 3. ed. Tradução de Ernani F. da Fonseca Rosa. Petrópolis: Vozes, 1998.

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AULA 6 Currículo: complexidade e multirreferencialidade Autora: Ivonete Barreto de Amorim

O

“Os conhecimentos fragmentados só servem para usos técnicos. Não conseguem conjugar-se para alimentar um pensamento capaz de considerar a situação humana no âmago da vida, na terra, no mundo, e de enfrentar os grandes desafios da nossa época.” Edgar Morin

lá, estudante! Seja bem-vindo a nossa sexta aula! Foi abordado na aula anterior o tema “Currículo e interdisciplinaridade”, salientando a necessidade de adotarmos uma postura relacional com as fronteiras disciplinares a ponto de oportunizar, no campo do currículo, questões complexas com as quais lidamos na vida cotidiana.

Ademais, ressaltamos que o objetivo desta aula é conhecer os pressupostos da multirreferencialidade e da complexidade no campo do currículo. Dessa forma, as suas dúvidas, leituras e reflexões serão fundamentais para a construção de aprendizagem significativa. Vamos nessa!


CURRÍCULO

Como você percebeu na aula anterior, a interdisciplinaridade instituiu no campo do currículo um novo olhar sobre a construção do conhecimento, sobretudo no que concerne à compreensão da adequação de uma abordagem curricular mais próxima dos problemas da vida cotidiana, os quais se apresentam de forma multiferreferencial e complexa. Com isso, faz-se necessário investir em novas reflexões sobre currículo considerando o cenário da contemporaneidade guiado pelas questões sociológicas, políticas, epistemológicas, entre outras. Com efeito, o currículo é visto como um artefato cultural e social. Isso significa que ele é efetivado e compreendido em uma perspectiva mais ampla de suas determinações sociais, de sua história e de sua produção contextual. Então estudante, vamos investir o tempo de aula em leituras sobre a questão da multirreferencialidade e complexidade no campo do currículo? O convite está feito.

O QUE É MULTIRREFENCIALIDADE E COMPLEXIDADE? O termo multirreferencialidade é bem recente no cenário acadêmico brasileiro, sobretudo com os estudos na década de 1990 protagonizados pelos professores pesquisadores Teresinha Fróes Burnham e Roberto Sidnei Macedo, da Faculdade de Educação da UFBA. A abordagem sobre a multirreferencialidade engendrada por esses pesquisadores introduz no cenário acadêmico importantes contribuições para o campo do currículo, formulando críticas relevantes sobre os formatos sectários e a indicação de caminhos para se construir uma compreensão menos redutiva da realidade, refletindo sobre a complexidade do princípio de realidade, o que o faz exigir, portanto, múltiplas referências de leitura e olhares. Contudo, a autoria do termo é creditada pelos pesquisadores anteriormente citados a Jacques Ardoino, conhecido desde a década de 1960 pelos estudos acerca dessa temática. Ardoino (1998) atribui ao termo uma leitura plural de seus objetivos, considerando diferentes ângulos em função de sistemas de referências distintos, considerados como não reducionista uns aos outros. A multirreferencialidade aparece como forma de mudança significativa das atitudes reducionistas e simplificadas sobre o conhecimento, percepção que tem impacto significativo na nossa vida e no campo do currículo. Macedo (2002) afirma que a proposta de caminhar com a pluralidade irredutível consiste na busca eminente no projeto de Ardoino e do grupo de pesquisadores da Universidade de Paris VIII. A busca pela compreensão da realidade a partir de uma base epistemológica e metodológica regida pela dialeticidade dos processos incide em uma relação dialógica com diferentes formas de linguagens, sem com isso negar a heterogeneidade dos sujeitos, dos contextos e dos objetos. A compreensão do olhar multirreferencial exige romper com metodologias prontas, instituindo uma postura de criação e construção denominada “bricolagem”1. A abordagem multirreferencial compreende a educação, segundo Ardoino (1998), como uma função social global, a qual perpassa pelo campo de um conjunto de ciências em que estão diretamente implicados o homem e a sociedade e que interessa ao psicólogo, ao economista, ao historiador, entre outros, em um processo de aprendizagem complexa. Assim, o autor aponta que o objeto da educação constitui-se numa hipercomplexidade.

1. Bricolagem é um termo utilizado por Lapassade citado por Borba (1990), para designar o fazer ciências, o criar, o construir ciência, que definirá a composição (a bricolagem) metodológica. 76


AULA 6 - COMPLEXIDADE E MULTIRREFERENCIALIDADE

Dessa forma, o que rege a multirreferencialidade, segundo Macedo (2002), não está relacionado a práticas complementares, aditivas, tampouco àquelas práticas referentes ao domínio absoluto de saberes, mas sim a aprender a lidar com as limitações dos diferentes campos de saberes, aprendendo diante das inquietações que a realidade apresenta. Essa visão sobre as relações que envolvem o sujeito e diferentes campos do saber reverbera no campo do currículo como uma possibilidade de um sistema aberto e relacional. Pensar o currículo em uma perspectiva multirreferencial nos inspira a refletir acerca da teoria da complexidade, a qual, segundo Edgar Morin (2001), é o estado de ser de todos os sistemas abertos, vincados numa visão “auto-eco-organizados”2 e, ao mesmo tempo, organizadores, significando também “tecer junto, religar, rejuntar”. Então, estudante, vamos identificar as implicações da complexidade no campo do currículo? Compreender o pensamento da complexidade no campo do currículo nos convida a pensar nas perspectivas sectárias e fragmentadas que ainda imperam nas lógicas do pensamento sistematizado, que muitas vezes descaracterizam os saberes dos atores e autores do processo. Assim, é nevrálgico3 sinalizar que o espaço da sala de aula se constitui em um momento de ação de currículo capaz de provocar a discussão sob a pluralidade de olhares, provocando articulações, experimentando momentos de alteração, de encontros e de desencontros. Segundo Morin (2001), a complexidade é um problema, é um desafio e não uma resposta. O desafio do pensamento complexo situa-se em duas vertentes, científica e filosófica, do conhecimento. Discutir os conhecimentos sobre esses saberes contribui para situá-los com precisão uns em relação aos outros em razão de suas alteridades históricas, antropológicas e epistemológicas. Elencar a perspectiva engendrada por Edgar Morin sobre o pensamento complexo e o conceito de multirreferencialidade regido pela visão de Jacques Ardoino perpassa pela possibilidade de convivermos com campos semânticos sobre pensar em movimento, ou seja, o pensar complexo, o pensar conceitos em movimento, dialeticamente. Macedo (2002) reitera que o pensamento multirreferencial trabalha com a necessidade das articulações, das combinações, das conjunções, face às heterogeneidades como realidades antropológicas. Edgar Morin, sociólogo francês, nasceu em 1921 em Paris. Autor da epistemologia da Complexidade, que incorpora à sua obra a partir da década de 1960 – integra os diversos modos de pensar, opondo-se ao pensamento linear, reducionista e disjuntivo. É diretor emérito de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), fundador do Centro de Estudos Transdisciplinares da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESC, Paris). Quer saber mais? Leia: MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

2. O termo auto-eco-organizados, segundo Macedo (2002), significa vivos, sentido referendado neste texto. 3. Nevrálgico nesse texto tem o sentido de que é crucial, decisivo.

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CURRÍCULO

Jacques Ardoino nascido 1927 em Paris, é professor de Ciências da Educação na Universidade de Paris VIII, autor de diversas obras e pesquisador da Complexidade e Multirreferencialidade. O autor é considerado pioneiro nas discussões e nos estudos sobre a abordagem multirreferencial. Quer saber mais? Leia: ARDOINO, Jacques. Abordagem multirreferencial (plural) das situações educativas e formativas. Tradução de Rosângela B. de Camargo. BARBOSA, J. G. (Org.). Multirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: EdUFSCar, 1998.

Esse enfoque no campo do currículo constitui-se na relação entre saberes diferentes, culturas diferentes, compreendidos em cenários complexos, inaugurando diálogos, encontros e desencontros diante de uma visão predominantemente política dos “atos de currículo4” em sala de aula. Assim, interagir com essa pluralidade de princípios exige uma postura de intercrítica, intensificando as dicotomias diante do objeto, do conhecimento, dos discursos diferentes, dos confrontos e conflitos. Na complexidade do mundo contemporâneo é imprescindível uma práxis dialógica, argumentativa e de entendimento na construção de consensos que explicitem visões interdisciplinares e multirreferencialidade como expressão científica de verdades e sentidos em constante reconstrução. O confronto de múltiplos saberes e olhares sobre o vivido e experienciado é condição básica para a construção de novas compreensões da vida, do mundo, das práxis e do currículo. Compreender as diversidades dos olhares nos espaços educativos é uma condição básica para validarmos o microcosmo complexo que compõe a sala de aula e os sujeitos que efetivam os atos de currículo à medida que: [...] uma das situações mais comuns a ser encontrada no trato com a sala de aula é a diversidade com que nossos cenários de aprendizagem são construídos. Em qualquer situação educativa, o corpo discente é composto de alunos advindos de famílias com situações financeiras diferenciadas, com múltiplas opções religiosas, com expectativas sócio-culturais diferentes, com hábitos inerentes à sua educação inicial. (MACEDO, 2002, p. 61).

As interações dessas diferenças provocam e produzem um pensamento complexo. Segundo Morin (2001, p. 89), é fundante suprimir um pensamento “[...] que isola e separa por um pensamento que distingue e une. É preciso substituir um pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento do complexo, no sentido originário do termo complexus: o que é tecido junto”. Tecer junto é trazer para a realidade os diferentes saberes, é problematizar, é tencionar as discussões no limiar das incertezas, provocando descobertas, trilhando novos caminhos sobre o ato de conhecer, sobre o conhecimento, sobre as certezas, examinando as dicotomias e mediatizando os confrontos e conflitos que permeiam as novas visões que vão se constituindo a partir das experiências efetivadas na vida, na escola, no mundo, com o conhecimento construído e reconstruído na práxis cotidiana. Sobre essa questão, Morin (2001) nos inspira trazendo para reflexão sete princípios que orientam o seu pensamento, os quais se apresentam complementares e interdependentes.

4. Termo utilizado por Macedo (2002) para designar as ações efetivadas no contexto da sala de aula. 78


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O primeiro princípio é denominado sistêmico ou organizacional, que representa a ligação entre o conhecimento das partes e o conhecimento do todo; a ideia desse princípio consiste em deixar claro que “[...] o todo é mais do que a soma das partes” (MORIN, 2001, p. 94). Assim, é notória nesse princípio uma visão oposta ao reducionismo e isolamento do conhecimento. Em seguida, Morin (2001) ressalta o segundo princípio, o hologrâmico, afirmando que esse termo expõe o paradoxo que norteia as organizações complexas, em que a parte está no todo, assim como o todo está inscrito na parte. Dessa forma, exemplifica que a sociedade está presente em cada indivíduo, através da linguagem, da cultura, dentre outros aspectos. Já o terceiro princípio é chamado de circuito retroativo, o qual tem como premissa básica o rompimento com o princípio da causalidade linear, considerando que tanto a causa age sobre o efeito quanto o efeito age sobre a causa, explicitando assim uma forma regulada. O autor denomina o quarto princípio de circuito recursivo, que é considerado como circuito gerador da própria produção e efeito. Assim, Morin salienta que nós, indivíduos, somos produtores de um determinado sistema de reprodução vinculado na saciedade diante do tempo, como exemplo: ressalta que a reprodução do sistema só poderá acontecer se os humanos reproduzirem através do acasalamento. O quinto princípio é intitulado autonomia/dependência (auto-organização). Sobre esses termos, Morin (2001) admite que os seres vivos são, inevitavelmente, auto-organizadores, com isso não param de se autoproduzir e, com essa ação, estabelecem uma relação de autonomia e de dependência, pois no processo de se autoproduzir necessitam do ambiente ou de outrem. O princípio dialógico corresponde ao sexto aspecto sinalizado pelo autor, o que implica a acolhida da inseparabilidade de noções contraditórias que envolvem a compreensão de um determinado fenômeno complexo. Ou seja, dialógico pode ser percebido como um tecer junto. Por fim, o sétimo princípio é chamado de reintrodução do conhecimento em todo conhecimento. Esse princípio reitera as falas recorrentes do autor no que concerne ao pensamento que junta e não separa. Assim ele indica que todo conhecimento é reconstrução/tradução feita por mente/cérebro, em uma cultura e época determinadas. Esses princípios nos conduzem a pensar na possibilidade de engendrar uma conduta de solidariedade, de trocas fecundas entre os saberes e conhecimento e entre as culturas. Com efeito, o pensamento ultrapassa as barreiras do local, do particular, do fechado e se abre para compreender e interagir com o conjunto, incorporando o que Morin denomina “reforma de pensamento”. E essa reforma de pensamento estabelece um eco valioso no campo do currículo, o qual é referendado por Macedo (2002) como processo que revela caminhadas autônomas, admitindo erros e acertos dessa trajetória.

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CURRÍCULO

O professor Roberto Sidnei Macedo é doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Paris Saint-Denis e professor adjunto da Universidade Federal da Bahia, lecionando as disciplinas Currículo e Etnopesquisa Crítica nos Programas de Pós-graduação em Educação dessa Universidade. O autor produziu diversos artigos e alguns livros exercitando a epistemologia da complexidade e da multirreferencialidade no campo do currículo, da etnopesquisa crítica, da educação docente e da educação infantil. Quer saber mais? Leia: MACEDO, Roberto Sidnei. CHYSALLÍS, currículo e complexidade: a perspectiva críticomultirreferencial e currículo contemporâneo. Salvador: EDUFBA, 2002. Com isso, o autor, embasado nos princípios elencados por Morin (2001), reflete sobre esses e outros elementos fazendo uma relação no campo do currículo, entre os quais refletiremos sobre os seguintes: » » No princípio denominado reintrodução do conhecimento é referendado que, em termos curriculares, o conhecimento seja sempre indagado, questionado, investigado, ressaltando que a ciência não pode mais discursar com base em uma superioridade sobre homens e mulheres e dos seus contextos. » » A ordem/desordem é referendada como necessidade de rompermos com a lógica de aprender com a separação das coisas, que serviu apenas para estabelecer uma dominação social. Com isso, o autor revela que o princípio de ordem e desordem é algo relacional, ou seja, está em movimento e encontra-se diretamente ancorado a nossa lógica dialógica e dialética. » » A temporalidade é compreendida como relação entre a realidade e as ações efetivadas pelos atores sociais. Assim, o caráter temporal no campo do currículo é entendido como uma construção social em movimento, marcada pela historicidade de dominação hegemônica, assim como pelas resistências socioculturais sobre os modelos validados. » » Sobre a opacidade/incerteza no campo do currículo, o autor reitera que, se o currículo considera a realidade como contexto e história, precisa estar preparado para compreender que as opacidades e incertezas acompanham as trajetórias humanas. » » A singularidade é outro princípio que reverbera5 no campo do currículo através da instituição de uma pedagogia que valorize uma consciência reflexiva da diferença, na qual os sujeitos sociais são convidados a pensar sobre as “diferenças básicas e para a pluralidade e irredutibilidade de formas de vida diferentes” (MACEDO, 2002, p. 37). » » A pluralidade é um princípio que representa uma importante contribuição para o currículo, sobretudo, quando é referendada no sentido de multiculturalismo crítico, o qual problematiza a pluralidade de forma dialógica e dialética. » » A alteração apresenta-se como possibilidade de mover-se, transformando-se. Esse princípio no campo do currículo é objetivado através de processos democráticos na escola, os quais instituem as alterações necessárias a partir da voz dos autores do processo.

5. Reverbera tem o sentido nesse texto de ecoar no currículo. 80


AULA 6 - COMPLEXIDADE E MULTIRREFERENCIALIDADE

» » A dialogicidade/dialeticidade relaciona-se ao currículo através da promoção de diálogos entre as áreas, problematizando sobre o olhar disciplinar e indicando o caminho do diálogo como princípio fundante do complexo e multirreferencial. » » A autorização, como princípio, é entendida como possibilidade de movimento fecundo na concepção de currículo como artefato cultural, no qual os sujeitos sociais precisam autorizar-se, rompendo com a predominância histórica de desautorização na educação, e consequentemente, no currículo. » » A emergência é o princípio que se apresenta como “antídoto” dos reducionismos curriculares, formatos regidos e técnicos, propondo agir na emergência de um currículo que inclua a realidade cotidiana, enfim a vida. » » A articulação crítica dos saberes, segundo Macedo (2002, p. 54) “[...] é comum ouvirmos inquietações tais como: então ser multirreferencial é articular tudo?”. Entre outras questões convergentes a essa, Macedo ressalta que a multirreferencialidade como outra teoria não pode ser compreendida como uma “panaceia”. Portanto, na proposta multirreferencial inscreve-se uma crítica ao disciplinar e à especialização, por separar coisas que são inseparáveis. Assim a implicação da multirreferencialidade no campo do conhecimento inaugura uma postura “éticopolítica identificada como justiça social” (MACEDO, 2002, p. 55). Esses princípios imprimem uma sugestão de mudança no campo do currículo, sobretudo, no que se refere a operar com pensamento complexo e multirreferencial, os quais suscitam, além do ato de conhecer, questionar e explicar. Exige uma postura de “reaprendizagens e contágio”. Nesse sentido, é desenhado um formato de currículo pautado na dialogicidade, dialeticidade e pluralidade, oportunizando relação de diferentes áreas e saberes, sujeitos legitimamente situados no tempo histórico. Ressaltamos, ainda, que na construção desse sujeito, o currículo: [...] significa um dos principais processos, na medida em que aí interage um coletivo de sujeitos-alunos e sujeitos-professores, além de outros que não estão tão diretamente ligados à relação formal de ensinar-aprender. Nesta interação, mediada por uma pluralidade de linguagens – verbais, imagéticas, míticas, rituais, mímicas, gráficas, musicais, plásticas... – e de referências de leitura de mundo – o conhecimento sistematizado, o saber popular, o senso comum... –, os sujeitos, intersubjetivamente, constroem e reconstroem a si mesmos, o conhecimento já produzido e que produzem, as suas relações entre si e com a realidade, assim como, pela ação (tanto na dimensão do sujeito individual quanto social), transformam essa realidade num processo multiplamente cíclico que contém, em si próprio, tanto a face da continuidade como a da construção do novo. (FRÓES BURNHAM, 1998, p. 37).

O posicionamento de Fróes Burnham fornece uma possibilidade de ação curricular que dialoga de modo permanente com os saberes diversos legitimamente situados e incorporados nas narrativas dos sujeitos constituintes do processo.

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CURRÍCULO

A professora Teresinha Fróes Burnham é doutora em Filosofia pela University of Southampton, Inglaterra (1982) e pós-doutora em Sociologia e Política do Currículo, na University of London (1997). Atualmente é professora-adjunta da Universidade Federal da Bahia e coordenadora do Doutorado Multi-Institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento DMMDC, da Rede Interativa de Pesquisa e Pós-graduação em Conhecimento e Sociedade (RICS). Desenvolve pesquisas nas áreas de Ciência da Informação e Educação, com ênfase na relação conhecimento e sociedade, principalmente nos seguintes temas: currículo, trabalho, espaços de aprendizagem, construção, gestão e difusão do conhecimento. Quer saber mais? Leia: FRÓES BURNHAM, T. Complexidade, multirreferencialidade, subjetividade: três referências polêmicas para o currículo. In: BARBOSA, Joaquim Gonçalves (Org.). Reflexões sobre multirreferencialidade. São Carlos: UFSCar, 1998. Macedo (2002), influenciado por essas argumentações, elenca alguns elementos que podem representar a formulação de um currículo, em que a trajetória, a itinerância e a errância sejam mediadoras da formação do currículo. Observe a relação desses elementos: » » coletivizar programas e estratégias; » » historicizar e contextualizar conteúdos; » » explicitar e vivenciar a angústia do método (MACEDO, 2002), os ruídos, os delírios e os transbordamentos (ATLAN, 1992); » » aceitar o erro como um caminho construtivo, analítico e compreensivo; » » instituir brechas no currículo instituído, em que se possa pleitear o acontecimento e as emergências; » » mobilizar o enfrentamento da complexidade formativa pela cooperação solidária, face aos obstáculos e às resistências no estabelecimento das competências qualificadas; » » explicitar o contrato pedagógico; ouvir sensivelmente as resistências, as negatricidades dos alunos, assim como levá-las em consideração (PERRENOUD, 1999); » » disseminar o sentido dinamogênico da ética da solidariedade e da responsabilidade como nortes axiológicos do processo formativo; » » ressignificar a avaliação, a partir de um processo em que a participação não seja apenas uma prestação de contas do aluno a um expert que assiste isoladamente a uma performance, anunciada e prescrita; experienciar, portanto, a prática da avaliação como trabalho ou atividade responsável e politicamente reflexiva; » » não perder de vista o movimento complexo do mundo do trabalho e a sintonia analítica a ser estabelecida com esse movimento; » » exercitar o currículo como contrato movente, como democracia cognitiva. (MACEDO, 2002).

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Os elementos elencados oferecem indubitavelmente uma possibilidade objetiva de uma modificação curricular no contexto da prática educativa, pois um currículo só é alterado de fato quando as atitudes educativas são alteradas. Assim, é preciso pensar essas modificações legitimamente situadas e constituídas em um projeto político pedagógico, o qual deverá ser concebido de forma democrática e participativa dos sujeitos-alunos, sujeitos-professores, sujeitos-diretores, sujeitos-coordenadores, sujeitos-pais, sujeitos-funcionários e sujeitos-comunidade. Dessa forma, é legítimo explicitar que foi possibilitada a vinculação de cada sujeito social no processo que desenha um currículo pautado na pluralidade, nos diferentes olhares, nos conflitos e contradições que constituem um processo dialógico e dialético da contextualização da realidade no currículo da escola. Caro estudante, nossa aula está chegando ao fim, que pena! Mas, com intuito de pensarmos sobre o que estudamos até agora, sugerimos que você observe as charges a seguir e reflita sobre o olhar multirreferencial e complexo que devemos ter na construção do conhecimento e na percepção dos problemas que tangenciam o contexto escolar, assim como um novo olhar sobre os sujeitos, o conhecimento, os processos, a realidade e a práxis educativa.

Fonte: Elaboração da autora.

A análise dessa charge nos permite depreender que os problemas da realidade não podem ser resolvidos com a visão limítrofe, preconceituosa e fragmentada, como a visão da professora Mara. Consequentemente, indica a incorporação da visão do professor João e da outra professora, que revelam a necessidade de compartilhar com outrem os diferentes olhares sobre o mesmo problema. A partir dessa visão multirreferencial, instituímos uma compreensão dialógica e dialética sobre os sintomas, as causas, as consequências e os encaminhamentos sobre determinado problema. A charge a seguir problematiza a formação do estudante cidadão tendo como base a influência de disciplinas do currículo que visem a uma articulação intercrítica sobre o sujeito que aprende, as diferentes contribuições de saberes e campo compreendendo a possibilidade de redes conceituais, atitudinais e procedimentais.

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CURRÍCULO

Fonte: Elaboração da autora.

Na charge anterior, os docentes estão preocupados em elaborar um trabalho com a metodologia multirreferencial, tendo como base a interpretação de que a realidade é complexa e para ser compreendida faz-se necessária uma mudança de postura sobre a ciência, o sujeito que aprende e a atuação docente. A seguir, ilustramos, mais uma vez através de uma charge, a visão multirreferencial dos docentes e, consequentemente, da escola acerca da construção do conhecimento que reverbera no âmbito familiar. Quando o estudante aprende de forma significativa e esses conhecimentos são importantes para a vida, a educação cumpre o seu papel de autorizar o sujeito a perceber novos e importantes itinerários de conhecimentos.

A família representada na charge demonstra a satisfação pela escola devido à contextualização dos problemas, os quais são diretamente articulados com os conhecimentos aprendidos. Com efeito, o trabalho pedagógico dessa escola explicita a ultrapassagem dos muros desta, tornando-a viva e consistente no seu papel de educar. Esses aspectos imprimem um novo olhar sobre o sujeito que aprende, sobre a escola e sobre a práxis educativa, e é com base nessas reflexões que articularemos na próxima aula questões referentes à legislação e ao currículo (diretrizes curriculares, RCNEI e PCNs). Até lá!

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SÍNTESE A aula sobre multirreferencialidade e complexidade no campo do currículo explicitou possibilidades de organizar um currículo pautado em olhares multirreferenciais e complexos, os quais permitem romper com as visões sectárias, reducionistas e especializadas sobre a relação com o conhecimento. Outrossim, foi ressaltado que a proposta multirreferencial e complexa demanda alterações e posicionamentos dos sujeitos perante os processos educativos, buscando a legitimação do autorizar-se sempre. Ademais, as alterações no campo do currículo requisitam uma participação efetiva na prática pedagógica, a qual deve estar vincada nos pressupostos do projeto político pedagógico construído pela coletividade da escola.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO Percebemos na proposta da multirreferencialidade e da complexidade um processo de múltiplos olhares sobre os sujeitos, sobre o objeto e sobre o conhecimento. Com base nessa assertiva, pense nas implicações do conhecimento contidas na poesia de Mauro Lasi e o olhar multirreferencial e complexo para a sua vida e para o campo do currículo.

Aula de Vôo Mauro Lasi O conhecimento caminha lento feito lagarta. Primeiro não sabe que sabe e voraz contenta-se com cotidiano orvalho deixado nas folhas vividas das manhãs.

Mas o vôo mais belo descobre um dia não ser eterno. É tempo de acasalar: voltar à terra com seus ovos à espera de novas e prosaicas lagartas.

Depois pensa que sabe e se fecha em si mesmo: faz muralhas, cava Trincheiras, ergue barricadas. Defendendo o que pensa saber levanta certeza na forma de muro, orgulha-se de seu casulo.

O conhecimento é assim: ri de si mesmo E de suas certezas. É meta de forma metamorfose movimento fluir do tempo que tanto cria como arrasa

Até que maduro explode em vôos rindo do tempo que imagina saber ou guardava preso o que sabia. Voa alto sua ousadia reconhecendo o suor dos séculos no orvalho de cada dia.

a nos mostrar que para o vôo é preciso tanto o casulo como a asa Fonte: MACEDO, Roberto Sidnei. CHYSALLÍS, currículo e complexidade: a perspectiva críticomultirreferencial e currículo contemporâneo. Salvador: EDUFBA, 2002.

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CURRÍCULO

LEITURAS INDICADAS FRÓES BURNHAM T. Complexidade, multirreferencialidade, subjetividade: três referências polêmicas para o currículo. In: BARBOSA, J. G. (Org.). Reflexões sobre multirreferencialidade. São Carlos: UFSCar, 1998. MACEDO, R. S. O currículo no movimento do pensamento complexo e multirreferencial. In: MACEDO, R. S. CHYSALLÍS, currículo e complexidade: a perspectiva crítico-multirreferencial e currículo contemporâneo. Salvador: EDUFBA, 2002.

SITE INDICADO www.ces.uc.pt/lab2004/inscricao/pdfs/.../TeresinhaBurnham.pdf -

REFERÊNCIAS ARDOINO, J. Abordagem multirreferencial (plural) das situações educativas e formativas. Tradução de Rosângela B. de Camargo. In: BARBOSA, J. G. (Org.). Multirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: EdUFSCar, 1998. ATLAN, H. Entre o cristal e fumaça: ensaios sobre a organização sobre o ser vivo. Rio de Janeiro: Zahar, 1992. BARBOSA, J. G. (Org.). Reflexões em torno da abordagem multirreferencial. São Carlos: UFSCar, 1998. FREIRE, P. Sobre educação: diálogos (Paulo Freire e Sérgio Guimarães). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. FRÓES BURNHAM, T. Complexidade, multirreferencialidade, subjetividade: três referências polêmicas para o currículo. In: BARBOSA, J. G. (Org.). Reflexões sobre multirreferencialidade. São Carlos: UFSCar, 1998. GIROUX, H. Teoria crítica e resistência em educação (para além das teorias da reprodução). Petrópolis: Vozes, 1986. LIMA, E. S. Currículo e desenvolvimento humano. Brasília, DF: Ministério da Educação; Secretaria de Educação Básica, 2008. MACEDO, R. S. CHYSALLÍS, currículo e complexidade: a perspectiva crítico-multirreferencial e currículo contemporâneo. Salvador: EDUFBA, 2002. MOREIRA, A. F. B. A contribuição de Michael Apple para o desenvolvimento de uma teoria curricular crítica no Brasil. Fórum educacional, Rio de Janeiro, v. 3, n. 4, p.17-30, 1989. ______. Currículos e programas no Brasil. Campinas: Papirus, 1995. MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

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AULA 6 - COMPLEXIDADE E MULTIRREFERENCIALIDADE

NORGAARD, R. A improvisação do conhecimento discordante. Ambiente & Sociedade, ano I, n. 2, p. 25-40, 1998. PERRENOUD, P. Novas competências para ensinar. Tradução de P. C. Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sob a prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. SILVA, T. T. da. Documento de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

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AULA 7 Legislação e currículo (diretrizes curriculares, LDB, RCNEI e PCN) Autora: Ivonete Barreto de Amorim

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“Precisamos conhecer os seres e os momentos a fim de criar o currículo.” Willian Doll

lá, estudante! Seja bem-vindo a nossa sétima aula! Foram elencados, na aula seis, aspectos concernentes ao tema Currículo como a multirreferencialidade e a complexidade, destacando-se os diferentes olhares que podem ser tecidos sobre os problemas e conhecimento legitimamente situados no cotidiano e no campo do currículo.

Ademais, é relevante ressaltar que o objetivo desta aula consiste em reconhecer as principais orientações da legislação e o currículo. Dessa forma, é de extrema importância a sua implicação nas leituras e reflexões acerca da temática ora apresentada. Autorize-se nos estudos! Estudante, foi importante ler sobre a possibilidade de mudança na percepção e articulação do conhecimento, tendo como foco o olhar multirreferencial da complexidade no campo do currículo? Esperamos que sim, sobretudo, no que concerne à aproximação desse olhar em rede com os problemas cotidianos e com a incorporação de saberes diferenciados sobre um determinado objeto de estudo.


CURRÍCULO

Agora, apresentamos, nesta aula, a oportunidade de outras reflexões sobre o currículo, enfatizando as mudanças nesse campo a partir de alterações indicadas em lei, diretrizes e sugestões de parâmetros e referenciais curriculares. Inicialmente, é mister trazer um pouco desse histórico para que você perceba as implicações entre diretrizes, LDB e parâmetros no campo do Currículo. Venha conosco! A década de 1990 caracterizou-se por importantes mudanças no campo educacional brasileiro e internacional. Esse fato advém da Conferência Mundial sobre Educação para Todos que aconteceu no período de 5 a 9 de março de 1990 em Jomtiem/Tailândia. A conferência cunhou, como objetivo principal, estabelecer compromissos mundiais para garantir a todas as pessoas os conhecimentos básicos necessários à vida digna, condição importante para o advento de uma sociedade mais solidária e justa. É importante registrar a presença e participação da Unesco e da Unicef, apoiadas pelo Banco Mundial e outros organismos internacionais, nas discussões dessa conferência. O resultado dessa conferência foi concretizado através de um documento intitulado “Declaração Mundial sobre Educação para Todos”. O teor desse documento consistiu em definições e abordagens sobre as necessidades básicas de aprendizagem, assim como no compromisso dos governos diante da educação básica que foi explicitado através de planos decenais de educação, diretrizes curriculares e de um relatório da Unesco, intitulado “Educação: um tesouro a descobrir”, sob a organização de Jacques Delors e publicado no Brasil, numa parceria da Unesco com o MEC. Dessa forma, ressaltamos que esse documento representa a sistematização do resultado da Conferência Mundial sobre Educação para Todos.

Jacques Delors Delors, político francês, foi presidente da Comissão Europeia entre 1985 e 1995, estudou economia na Sorbonne e foi funcionário do Banco da França em 1945. Autor e organizador do relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, intitulado “Educação: um tesouro a descobrir” (1996). Quer saber mais? Leia: DELORS, Jacques. Os quatro pilares da educação. In: ______ (Org.). Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 1996. p. 89-102. No Brasil, foi elaborado o Plano Decenal correspondente ao período de 1993 a 2003, o qual deixou claro que a meta principal do governo consistia em assegurar a crianças, jovens e adultos, nesses dez anos, os conteúdos mínimos em disciplinas a ponto de garantir uma interlocução com as necessidades da vida contemporânea, a universalização do Ensino Fundamental e a erradicação do analfabetismo. Vale ressaltar que o Plano Decenal de Educação ganha importante eco no âmbito da educação brasileira, quando em 20 de dezembro de 1996, é promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96 (BRASIL, 1996), conhecida como Lei Darcy Ribeiro, a qual é responsável por importantes mudanças no campo do currículo, através de reformas educacionais e elaboração de diretrizes, as quais reverberam na educação em todo o país, desde a Educação Infantil até o Ensino Superior.

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Essa lei é compreendida, sobretudo, pela flexibilização no campo do currículo e da avaliação, na descentralização da educação e pela busca de autonomia nas escolas através da construção do Projeto Político Pedagógico1 que representa um núcleo fundante do currículo. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), a educação passa a incorporar os princípios da Conferência Mundial, valorizando a educação como direito do cidadão que vive em sociedade. Com efeito, é importante destacar que a LDB juntamente com as Diretrizes Curriculares Nacionais, representam a legislação oficial para todos os níveis de ensino. Vale salientar que as diretrizes curriculares nacionais têm origem na Lei de Diretrizes e Bases da Educação n. 9.394/96, que assinala, através do artigo 8.º, ser incumbência da União: IV – estabelecer, em colaboração com os Estados, Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e os seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar a formação básica comum. (BRASIL, LDB, 1996).

Nesse sentido, é importante destacar que, no contexto da educação, as Diretrizes Curriculares são leis diretivas para cada segmento de ensino, aspecto diferente dos Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Fundamental e Ensino Médio – representados nas figuras 1 e 2) e o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil, ilustrado na figura 3. Esses documentos representam exemplos de currículos para esses segmentos educativos e servem para avaliação de consonância ou divergência do que ali se encontra ancorado. O Conselho Nacional de Educação ressalta a validade das diretrizes curriculares nacionais como lei comprometida com cada área de conhecimento em consonância com promoção do estudante nas suas capacidades intelectual e profissional. Veja as diretrizes elencadas a seguir: » » Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil; » » Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental; » » Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 1999) explicitam, no seu bojo, elementos que orientam a organização das instituições que se dedicam ao atendimento de crianças dessa faixa etária. Por se constituir em um documento de caráter obrigatório, essas diretrizes estabelecem novas exigências para as instituições de educação infantil, ressaltando as orientações curriculares e processos de elaboração de seus projetos políticos pedagógicos. Reitera, ainda, os princípios éticos, políticos e estéticos que devem fundamentar as propostas pedagógicas em Educação Infantil, ressaltando a necessidade de adoção de planejamento participativo, o qual valide a autonomia da escola no desenho do currículo para o segmento em foco. Conforme indicam os artigos 1, 2 e 3 da DCNEI (BRASIL, 1999) a seguir: Art. 1.º – A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, a serem observadas na organização das propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil integrantes dos diversos sistemas de ensino. Art. 2.º – Diretrizes Curriculares Nacionais constituem-se na doutrina sobre Princípios, Fundamentos e Procedimentos da Educação Básica, definidos pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que orienta1. Proposta pedagógica da escola construída coletivamente e que explicita no seu bojo os objetivos, as metodologia, as metas, os conteúdos, enfim, a organização e o desenho da escola. 91


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rão as Instituições de Educação Infantil dos Sistemas Brasileiros de Ensino, na organização, articulação, desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas. Art. 3.º – São as seguintes as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil: I – As Propostas Pedagógicas das Instituições de Educação Infantil devem respeitar os seguintes Fundamentos Norteadores: a) Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum; b) Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da Criticidade e do Respeito à Ordem Democrática; c) Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais. II – As Instituições de Educação Infantil ao definir suas Propostas Pedagógicas deverão explicitar o reconhecimento da importância da identidade pessoal de alunos, suas famílias, professores e outros profissionais, e a identidade de cada Unidade Educacional, nos vários contextos em que se situem. III – As Instituições de Educação Infantil devem promover, em suas Propostas Pedagógicas, práticas de educação e cuidados que possibilitem a integração entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivo/linguísticos e sociais da criança, entendendo que ela é um ser completo, total e indivisível. (DCNEI, BRASIL, 1999).

Com base nas orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, faz-se necessário que as instituições educacionais que trabalham com esse segmento de ensino priorizem na sua proposta pedagógica os princípios éticos, democráticos, estéticos, garantindo na ação pedagógica a validação da criatividade, da ludicidade e das manifestações artísticas que interferem de forma substancial na identidade dos estudantes e na relação família-escola. Ademais, é oportuno ressaltar que as propostas pedagógicas para a Educação Infantil precisam compreender o desenvolvimento infantil nas dimensões bio-psico-sociais da criança. Afinal, a Educação Infantil compreende uma etapa fundamental da educação básica, conforme afirma o artigo a seguir: Art. 29. A Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. (BRASIL, LDB, 1996).

Essas determinações legais indicaram a necessidade de elaboração do Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI) pelo Ministério da Educação (MEC), um documento organizado em três volumes (Introdução – vol. 1 (figura 1), Formação pessoal e social – vol. 2, Conhecimento de mundo – vol.3). Esse documento consiste num conjunto de referências e orientações pedagógicas para a práxis educativa nesse segmento de ensino, embora não se constitua como base obrigatória à ação docente.

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Figura 17 - RCNEI

Fonte: http://educacaodialogica.blogspot.com/2008_03_01_archive.html.

Concomitantemente à elaboração do RCNEI, o Conselho Nacional de Educação definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), com caráter mandatório, como vimos anteriormente. De acordo com a Resolução n. 1, de 7 de abril de 1999, no seu artigo 2.º, essas Diretrizes constituem-se na doutrina sobre princípios, fundamentos e procedimentos da Educação Básica do Conselho Nacional de Educação e orientarão as instituições de Educação Infantil dos sistemas brasileiros de ensino na organização, articulação, desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas. Observe, na charge a seguir, a possibilidade de reflexão que esse documento pode ter na prática educativa dos professores que atuam na Educação Infantil. Assim, é possível interpretar as orientações significativas e convergentes com a realidade da sala de aula e, consequentemente, o currículo da escola.

Dessa forma, as diretrizes e a LDB constituem-se como importantes leis e o RCNEI como referenciais para a elaboração de novas propostas nas instituições da Educação Infantil, sobretudo no que concerne a um exemplo de currículo para esse segmento.

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Observe o esquema a seguir:

Figura 18 - Diagrama do RCNEI

Fonte: http://georgeton.blogspot.com/feeds/posts/default.

Esse desenho curricular (figura 3) representa uma sugestão para ação educativa na escola de infância, indicando uma possibilidade de articulação entre a formação pessoal e social e o conhecimento de mundo. Ou seja, a criança tem a oportunidade de vivenciar, durante a formação da primeira etapa da educação básica, a construção da sua identidade e autonomia diante da aprendizagem, assim como é permitida a interação com diferentes áreas do conhecimento, como: linguagem oral e escrita, natureza e sociedade, matemática, artes visuais, movimento e música. Você deve estar se perguntando: E o Ensino Fundamental? Como foi o processo? Aconteceu do mesmo jeito que na Educação Infantil? Com relação ao Ensino Fundamental, a dinâmica de articulação entre Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e Referencial Nacional para o Ensino Fundamental procede com as mesmas premissas da Educação Infantil. Ou seja, as Diretrizes e a LDB representam um caráter mandatório sobre esse segmento de ensino, enquanto os PCN são compreendidos como exemplos, parâmetros de um modelo de currículo pautado no desenvolvimento integral do estudante, como explicita o artigo 32. 94


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Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: (Redação dada pela Lei n. 11.274, de 2006). I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. § 1.º É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o ensino fundamental em ciclos. § 2.º Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem adotar no ensino fundamental o regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino. § 3.º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. § 4.º O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais. § 5.º O currículo do ensino fundamental incluirá, obrigatoriamente, conteúdo que trate dos direitos das crianças e dos adolescentes, tendo como diretriz a Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente, observada a produção e distribuição de material didático adequado. (Incluído pela Lei n. 11.525, de 2007).

Observamos que o ensino com duração de nove anos deverá ser iniciado no sexto ano de vida da criança e que as escolas deverão distribuir os anos em ciclos ou séries. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), ilustrados na figura 4, explicitam possibilidade de articular os conteúdos, os conceitos, os procedimentos, os valores, as normas e as atitudes. Esses aspectos estão presentes nos documentos tanto de áreas quanto de Temas Transversais, por contribuírem para a aquisição das capacidades definidas nos Objetivos Gerais do Ensino Fundamental. A consciência da importância desses conteúdos é essencial para garantir-lhes tratamento apropriado, em que se vise a um desenvolvimento amplo, harmônico e equilibrado dos alunos tendo em vista sua vinculação à função social da escola. Eles são apresentados nos blocos de conteúdos e/ou organizações temáticas. Os blocos de conteúdos e/ou organizações temáticas são agrupamentos que representam recortes internos à área e visam explicitar objetos de estudo essenciais à aprendizagem.

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No documento é possível perceber as especificidades dos conteúdos, esclarecendo qual é o objeto do trabalho, tanto para o aluno como para o professor. É importante ter consciência do que se está ensinando e do que se está aprendendo. Os conteúdos são organizados em função da necessidade de receberem um tratamento didático que propicie um avanço contínuo na ampliação de conhecimentos, tanto na quantidade quanto na qualidade, pois o processo de aprendizagem dos alunos requer que os mesmos conteúdos sejam tratados de diferentes maneiras e em diferentes momentos da escolaridade, de forma a serem ressignificados, em função das possibilidades de compreensão que se alteram pela contínua construção de conhecimentos e de acordo com a complexidade conceitual de determinados conteúdos.

Figura 19 - PCN - Ensino Fundamental

Fonte http://www.asseec.org.br/artigos/texto.asp?id=47.

Figura 20 - Estrutura do PCN

Fonte: PCN (BRASIL, 1998 ), p. 58. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=articl e&id=12657:parametros-curriculares-nacionais-5o-a-8o-series&catid=195:seb-educacao-basica.

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É notório na estrutura de currículo sugerida pelo PCN, através da figura 5, que as disciplinas para o Ensino Fundamental estão horizontalmente localizadas e são apontados conteúdos, objetivos, critérios e orientações didáticas para cada momento da escolaridade e área. Além desses aspectos, concernentes às áreas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História, Geografia, Arte e Educação Física, são tangenciados os seguintes temas transversais: Ética, Pluralidade Cultural e Orientação Sexual, Meio Ambiente, Saúde e Trabalho e Consumo, os quais geralmente são reverberados na escola através da elaboração de projetos sobre essas temáticas e/ou incorporação de um desses temas com os conteúdos trabalhados nas disciplinas, tangenciando reflexões no bojo da práxis educativa. Observe na charge a seguir a possibilidade de contextualizar os temas transversais elencados no PCN como interesse e necessidade dos estudantes e do planejamento pedagógico. Ademais, salientamos que os temas transversais podem e devem extrapolar os exemplos propostos pelo PCN. Ou seja, deve ter uma ligação direta com a realidade escolar.

Dessa forma, os Parâmetros constituem-se um importante referencial para a renovação e reelaboração de uma proposta curricular que vise à qualidade da educação como responsabilidade de todos. Assim, faz-se necessário que toda a comunidade escolar discuta sobre a possibilidade de incorporação de alguns desses princípios do PCN na proposta real da escola, pois não é sugerida uma cópia do PCN, mas a análise daquilo que seja adequado à instituição de ensino. Com efeito, os Parâmetros Curriculares Nacionais reconhecem a complexidade da prática educativa e buscam auxiliar o professor na sua tarefa como profissional, o lugar que lhe cabe pela responsabilidade e importância no processo de formação dos estudantes de Ensino Fundamental. Com base nessas premissas, os PCNs geralmente são utilizados para: » » rever objetivos, conteúdos, formas de encaminhamento das atividades, expectativas de aprendizagem e maneiras de avaliar; » » refletir sobre a prática pedagógica, tendo em vista uma coerência com os objetivos propostos; » » preparar um planejamento que possa de fato orientar o trabalho em sala de aula; » » discutir com a equipe de trabalho as razões que levam os alunos a terem maior ou menor participação nas atividades escolares; » » identificar, produzir ou solicitar novos materiais que possibilitem contextos mais significativos de aprendizagem;

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» » subsidiar as discussões de temas educacionais com os pais e responsáveis. (BRASIL, 1998, p.9). Essas premissas presentes nas orientações didáticas dos PCN revelam para o docente um possível caminho para que haja uma qualidade no âmbito da sala de aula a ponto de adotar no contexto da práxis atitudes que ressignifiquem os objetivos, planejamentos, metodologias e diálogos com os pares, com os estudantes e pais. Bem, estudante, foi interessante ler sobre essas implicações entre as Diretrizes do Ensino Fundamental, a LDB e o PCN? Desejamos que sim! Pois então! O convite agora é para você proceder a leitura sobre orientações que estão expressas no currículo para o Ensino Médio, porque, mesmo que a Pedagogia se prepare para a docência da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, é preciso conhecer a estrutura curricular de todos os níveis de ensino. As orientações que compõem o currículo do Ensino Médio, através das Diretrizes desse segmento, também são de caráter obrigatório e estão diretamente ligadas aos princípios da LDB e dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM). Inicialmente, registramos os artigos 2.º, 4.º e 5.º do DCNEM (BRASIL, 1998), os quais rezam, no seu bojo, como deve acontecer a organização do currículo, a proposta pedagógica e as finalidades da LDB para o Ensino Médio, conclamando a todos que queiram investir em uma educação de qualidade baseada na ética, solidariedade e justiça social. Os quais estão em convergência com o artigo 36 da LDB. Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes: I – destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania; II – adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes; III – será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição. IV – serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio (Incluído pela Lei n. 11.684, de 2008). § 1.º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que, ao final do ensino médio, o educando demonstre: I – domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna; II – conhecimento das formas contemporâneas de linguagem. § 3.º Os cursos do ensino médio terão equivalência legal e habilitarão ao prosseguimento de estudos. (BRASIL, LDB, 1996).

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Observamos que nessas diretrizes curriculares a educação está vinculada tanto ao trabalho como à prática social. Nessas diretrizes, são contempladas as questões relativas à diversidade e às identidades. O currículo será organizado em áreas de conhecimento que serão construídas em permanente diálogo com a realidade dos alunos. O que é instituído na Lei de Diretrizes e Bases é ampliado e ancorado nas diretrizes curriculares para o ensino médio, sobretudo no que concerne aos artigos 2.º, 4.º e 5.º, os quais ditam que a organização curricular deve ser fundamentada no interesse social, nos deveres e direitos do cidadão, ressaltando os princípios da cidadania e a validade da proposta pedagógica da escola historicamente situada, convergente com metodologias diversificadas e as demandas da contemporaneidade, conforme se pode observar no artigo a seguir: Art. 2.º – A organização curricular de cada escola será orientada pelos valores apresentados na Lei n. 9394/96, a saber: I – os fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática; II – os que fortaleçam os vínculos de família, os laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca. Art. 4º – As propostas pedagógicas das escolas e os currículos constantes dessas propostas incluirão competências básicas, conteúdos e formas de tratamento dos conteúdos, previstas pelas finalidades do ensino médio estabelecidas pela lei: I – desenvolvimento da capacidade de aprender e continuar aprendendo, da autonomia intelectual e do pensamento crítico de modo a ser capaz de prosseguir os estudos e de adaptar-se com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento; II – constituição de significados socialmente construídos e reconhecidos como verdadeiros sobre o mundo físico e natural, sobre a realidade social e política; III – compreensão do significado das ciências, das letras e das artes e do processo de transformação da sociedade e da cultura, em especial as do Brasil, de modo a possuir as competências e habilidades necessárias ao exercício da cidadania e do trabalho; IV – domínio dos princípios e fundamentos científico-tecnológicos que presidem a produção moderna de bens, serviços e conhecimentos, tanto em seus produtos como em seus processos, de modo a ser capaz de relacionar a teoria com a prática e o desenvolvimento da flexibilidade para novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; V – competência no uso da língua portuguesa, das línguas estrangeiras e outras linguagens contemporâneas como instrumentos de comunicação e como processos de constituição de conhecimento e de exercício de cidadania. Art. 5º – Para cumprir as finalidades do ensino médio previstas pela lei, as escolas organizarão seus currículos de modo a: I – ter presente que os conteúdos curriculares não são fins em si mesmos, mas meios básicos para constituir competências cognitivas ou sociais, priorizando-as sobre as informações; II – ter presente que as linguagens são indispensáveis para a constituição de conhecimentos e competências; III – adotar metodologias de ensino diversificadas, que estimulem a recons-

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trução do conhecimento e mobilizem o raciocínio, a experimentação, a solução de problemas e outras competências cognitivas superiores; IV – reconhecer que as situações de aprendizagem provocam também sentimentos e requerem trabalhar a afetividade do aluno. (BRASIL, LDB, 1996).

As diretrizes curriculares focadas na formação cidadã dos jovens do Ensino Médio são contempladas pelas orientações dos quatro pilares da educação apontados por Jacques Delors (2000), autor do relatório para a Unesco, como eixos estruturais da educação na sociedade contemporânea: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser. Aprender a conhecer constitui-se uma concepção de aprendizagem que visa à preocupação em movimentar no estudante o desejo e a vontade de aprender, de querer saber mais e melhor, ou seja, de aprender a conhecer. Aprender a fazer representa a aprendizagem vincada na formação técnico-profissional, a qual ocorre indissociada do aprender a conhecer e consiste fundamentalmente na aplicação prática de conhecimentos teóricos. Aprender a viver com os outros se configura como um grande desafio no campo educacional, pois incide diretamente nas atitudes e valores construídos pelo sujeito. Dessa forma, faz-se necessário combater os preconceitos e as rivalidades no âmbito da convivência para criar um ambiente harmônico e respeitoso junto aos outros. Aprender a ser constitui-se uma interligação dos três pilares descritos anteriormente, pois a educação necessita da incorporação do desenvolvimento total do indivíduo, ou seja, o seu relacionamento consigo, com os outros, com o conhecimento e com a práxis. Esses pilares contribuíram de forma efetiva no desenho estrutural do PCN para o Ensino Médio, pois esse documento revela no seu bojo as influências dessas questões discutidas no âmbito internacional e nacional. Com efeito, o PCN (figura 7) para o Ensino Médio desenha uma alternativa de organização curricular comprometida, de um lado, com o significado de trabalho no contexto do mundo globalizado e, de outro, vinculado com o princípio do sujeito ativo, o qual se apropria de conhecimentos para se aprimorar no mundo do trabalho e da prática social. Esse instrumento de referência indica a necessidade de romper com os modelos tradicionais para que os objetivos destinados ao ensino médio sejam alcançados. Assim, é instituída uma perspectiva de currículo que valida a aprendizagem permanente e continuada dos jovens na conquista da sua cidadania, priorizando, dessa forma, a formação ética, o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.

Figura 21 - PCN - Ensino Médio

Fonte: http://historiadeararaquara.blogspot.com/2009_06_14_archive.html.

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Ainda referendando as implicações da legislação no campo do currículo em diferentes níveis de ensino, vale destacar a pertinência da promulgação de duas leis que visam, no seu âmbito estrutural, à inclusão dos conteúdos de história da África e da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas públicas e privadas deste país, a citar: Lei n. 10.639/03 e Lei n. 11.645/08. A Lei n. 10.639/03 (BRASIL, 2003) estabelece o ensino da história da África e da cultura afro-brasileira nos sistemas de ensino. Essa lei representa o reconhecimento da importância da questão do combate ao preconceito, ao racismo e à discriminação na agenda brasileira de redução das desigualdades. Posteriormente, a Lei n. 11.645 (BRASIL, 2008) reforça a mesma lógica da Lei n. 10.639/03, todavia ressaltando a orientação quanto à temática indígena. Essas leis não são apenas instrumentos de orientação para o combate à discriminação. São também leis afirmativas, no sentido de que reconhecem a escola como lugar da formação de cidadãos e afirmam a relevância de a escola promover a necessária valorização das diferenças, a partir da compreensão do direito a ter direito. Pois é, estudante, a aula está acabando, mas ainda teremos oportunidade de diálogo sobre essa temática na oitava aula, quando serão explicitados aspectos concernentes aos limites e às possibilidades no campo do currículo, questões relevantes para vislumbrarmos as articulações entre o currículo indicado nas diretrizes e o currículo efetivado no contexto da sala de aula. Até mais!

SÍNTESE A aula sobre Legislação e Currículo (diretrizes curriculares, LDB, RCNEI e PCN) explicitou as implicações desses instrumentos nos diferentes níveis de ensino, ressaltando o caráter mandatório da lei e diretrizes e o princípio referencial contido nos PCN e RCNEI. Ademais, destacam-se as implicações das políticas internacionais nas reformas da educação efetivada no nosso país a partir da década de 1990, as quais mostram uma adequação e/ou conformidade com as orientações de organismos internacionais como Banco Mundial e Unesco. Com efeito, foram sinalizadas algumas formas estruturais de currículo para a educação básica, na formação do educando e da práxis pedagógica.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO Tendo como base o caráter mandatório da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.934/94 e das Diretrizes Curriculares Nacionais, é possível dizer que os Parâmetros Curriculares Nacionais e o Referencial Curricular para a Educação Infantil, embasados na estrutura legal, são apenas referenciais para orientação da práxis educativa? Pense sobre essa consigna e discuta no fórum do nosso ambiente virtual.

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LEITURAS INDICADAS DELORS, Jacques. Os quatro pilares da educação. In: ______ (Org.). Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 1996. p. 89-102. FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p. 24-54.

SITES INDICADOS http://www.pitangui.uepg.br/nep/documentos/Declaracao%20-%20jomtien%20-%20tailandia.pdf http://arqnew.fbb.br/arqnew/ARQUIVOS/BACHARELADO_EM_ADMINISTRACAO_COM_ENFASE_EM_ MARKETING_-_MATUTINO/ETICA/Relat%C3%B3rio%20para%20Unesco.pdf http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.pdf www.ced.ufsc.br/~nee0a6/psumari.PDF http://www.zinder.com.br/legislacao/dcn.htm#ceb498

REFERÊNCIAS ARDOINO, J. Abordagem multirreferencial (plural) das situações educativas e formativas. Tradução de Rosângela B. de Camargo. In: BARBOSA, J. G. (Coord.). Multirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: EdUFSCar, 1998. BARBOSA, J. (Org.) Reflexões em torno da abordagem multirreferencial. São Carlos: EFSCAR. 1998. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio. Brasília, DF: MEC/ SEF, 2000. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf>. Acesso em: 20 maio 2010. ______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil. Resolução CEB n. 1, de 7 de abril de 1999. ______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Básicos de Infra-Estrutura para Instituições de Educação Infantil. Brasília, DF: MEC/SEB, 2006. ______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Nacionais de Qualidade para Educação Infantil. Brasília, DF: MEC/SEB, 2006. ______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf>. Acesso em: 21 jun. 2010. ______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais de 5.ª a 8.ª série. Brasília, DF: MEC/SEF, 1998. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/ index.php?option=com_content&view=article&id=12657:parametros-curriculares-nacionais-5o-a-8oseries&catid=195:seb-educacao-basica>. Acesso em: 20 maio 2010.

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AULA 7 - LEGISLAÇÃO E CURRÍCULO (DIRETRIZES CURRICULARES, LDB, RCNEI E PCN)

______. Presidência da República. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 21 jun. 2010. ______. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília, DF: MEC/SEF, 1998. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb /arquivos/pdf/eduinf_esp_ref.pdf>. Acesso em: 20 de maio de 2010. FREIRE, P. Sobre educação: diálogos (Paulo Freire e Sérgio Guimarães). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. GIROUX, H. Teoria crítica e resistência em educação (para além das teorias da reprodução). Petrópolis, RJ: Vozes, 1986. LIMA, E. S. Currículo e desenvolvimento humano. Brasília, DF: Ministério da Educação; Secretaria de Educação Básica, 2008. MACEDO, R. S. CHYSALLÍS, currículo e complexidade: a perspectiva crítico-multirreferencial e currículo contemporâneo. Salvador: EDUFBA, 2002. MOREIRA, A. F. B. A contribuição de Michael Apple para o desenvolvimento de uma teoria curricular crítica no Brasil. Fórum Educacional, 1989. ______. Currículos e programas no Brasil. Campinas: Papirus, 1990. ______. Currículos e programas no Brasil. Campinas: Papirus, 1995. MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. ______. A cabeça bem feita: reformar a forma, reformar o pensamento. Tradução de Eloá Jacobina. 10. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. NORGAARD, R. A improvisação do conhecimento discordante. Ambiente & Sociedade, ano 1, n. 2, p. 25-40, 1998. PACHECO, A. J. Currículo: teoria e práxis. Portugal: Porto, 2001. SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sob a prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. SILVA, T. T. da. Documento de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

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AULA 8 Currículo: desafios e possibilidades Autora: Ivonete Barreto de Amorim

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“Acolher a emergência é, portanto, aceitar o papel significativo que os problemas e as perturbações desempenham. No bojo deste acolhimento, faz-se necessário lidar com o tatear hesitante, com a intuição, com a errância como um dos componentes do desempenho.” Roberto Sidnei Macedo

lá, estudante! Seja bem-vindo a nossa oitava aula! Na aula sete, foram articulados importantes aspectos sobre o currículo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (n. 9.394/96), as Diretrizes Curriculares Nacionais, os Parâmetros Curriculares Nacionais e o Referencial Curricular para a Educação Infantil.

Nesta aula, são oportunizadas importantes reflexões com o objetivo de relacionar os desafios e as possibilidades no campo do currículo. Para tanto, a sua implicação na leitura e reflexão é de fundamental contribuição para ressignificar saberes e conhecimentos construídos durante o processo de ensino e aprendizagem. Vamos nessa!


CURRÍCULO

Como você percebeu na aula anterior, as implicações entre o currículo e a legislação incidem em uma relação mandatória objetivando, através de metas e objetivos traçados para educação nacional, aspectos que reverberam nas propostas curriculares indicadas como possibilidades de currículo, a citar: RCNEI, PCN e PCNEM, respectivamente, para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Com efeito, a Proposta Pedagógica da escola precisa incorporar as demandas e os anseios da comunidade escolar para que o currículo desta não negue as demandas, princípios dos aspectos legais na busca de regular os conhecimentos que compõem as disciplinas do núcleo comum do currículo, mas que esse reflita sobre o porquê de determinados conhecimentos, além daqueles explicitados nas leis e diretrizes, serem incorporados na matriz curricular proposta pela escola, dada a necessária contextualização e a validação identitária da instituição de ensino. Assim, convidamos você a uma leitura atenta e reflexiva sobre os desafios e possibilidades no campo do currículo. Vamos nessa! O currículo escolar consiste na materialização de um documento construído coletivamente, o qual rompe com as visões fragmentadas e excludentes, mas que introduza mundo-visões de forma integrada, interdisciplinar e capaz de desenvolver permanentemente o pensamento crítico do cidadão que aprende e que ensina, pois: Se ainda se pretende a educação a favor de um mundo social mais justo, é preciso orientar o trabalho pedagógico com base em uma visão de futuro, em uma perspectiva utópica que desafie os limites do estabelecido, que afronte o real, que esboce um novo horizonte de possibilidades. Julgo que essa perspectiva reforça o caráter político da educação e revaloriza o papel da escola e do currículo no desenvolvimento de um projeto de transformação da ordem social. (MOREIRA, 2002, p. 25).

Essa premissa desafiante nos indica, como caminho fecundo para o campo do currículo, aceitar os desafios que consistem em pensar a construção do conhecimento de forma libertária e democrática, ou seja, é imprescindível a articulação dos aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais na elaboração da proposta curricular da escola, atribuindo-lhe identidade, incorporando o conflito, os diferentes saberes, a multirreferencialidade, para compreender a dinâmica do todo sem ignorar as partes que o compõe. O currículo apresenta no cenário educativo uma polissemia de significados. Segundo o dicionário Houaiss (2001), a palavra currículo é definida através de dois verbetes: o primeiro remete ao “ato de correr, corrida, curso [...] programação total ou parcial de um curso ou de matéria a ser examinada”; o segundo, a “documento em que se reúnem dados relativos a características pessoais, formação, experiência profissional”. Essa definição foi contemplada na primeira aula quando diferenciamos o curriculum vitae do currículo escolar, lembra? Além desse caráter, percebemos a compreensão do currículo sob a lupa de diferentes teorias: tradicionais, críticas e pós-críticas. A depender da visão teórica, o currículo pode ser neutral, como na lógica tradicional, pode ser compreendido como aparelho ideológico do estado, na visão das teorias críticas, ou pode ser entendido como artefato cultural e documento de identidade, como nas teorias pós-críticas.

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AULA 8 - CURRÍCULO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES

Portanto, os desafios e as possibilidades no campo do currículo são engendrados a partir das teorias críticas e pós-críticas, pois imprimem uma marca includente da realidade no currículo, descortinam o currículo oculto, solicitam a dialogicidade, a alteridade, a voz aos discursos silenciados, valorizam as diferenças na luta pela igualdade de direitos, problematizam a perspectiva de olhar multirreferencial sobre o objeto de estudo, aproximando-os dos problemas da realidade. Dessa forma, como afirma Silva (2001, p. 14), “uma definição não nos revela o que é, essencialmente, o currículo: uma definição nos revela o que uma determinada teoria pensa o que o currículo é”. Assim, não podemos definir currículo fora da sua historicidade legitimamente situada e descortinar a teoria que o sustenta e orienta. Portanto, o currículo no contexto escolar lida com as determinações legais gerais, lida com as teorias educativas, com as práticas pedagógicas, com os conteúdos elencados para cada segmento de ensino, com as atividades escolares e com a organização dos horários de disposição das disciplinas. Com efeito, o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola representa a pedra fundante do currículo, pois é através do PPP que se materializa o desenho do que ensinar ou não ensinar na escola. Embora as leis e diretrizes tenham seu caráter mandatório no que concerne ao que ensinar nas disciplinas do núcleo comum, o PPP pode e tem livre arbítrio em incorporar na parte diversificada do currículo aquele que diz respeito à identidade daquela escola, daqueles cidadãos legitimamente situados. Cabe, nesse instante, destacar os artigos 12.º, 13.º e 14.º da Lei de Diretrizes e Bases n. 9.394/96 (BRASIL, 1996), com alguns itens que respaldam a implicação dos sujeitos e da escola nesse processo. Veja a seguir. Art. 12.º Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I - elaborar e executar sua proposta pedagógica; II - administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros; III - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas; IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente; V - prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento; VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola; VII - informar pai e mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a frequência e rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola; (Redação dada pela Lei n. 12.013, de 2009); VIII – notificar ao Conselho Tutelar do Município, ao juiz competente da Comarca e ao respectivo representante do Ministério Público a relação dos alunos que apresentem quantidade de faltas acima de cinquenta por cento do percentual permitido em lei. (Incluído pela Lei n. 10.287, de 2001).

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CURRÍCULO

O Artigo 12.º deixa claro que os estabelecimentos de ensino, além de respeitar as normas comuns ao sistema educacional do país, possuem a autonomia de desenhar a proposta curricular da escola, explicitando os princípios que devem nortear o trabalho pedagógico consistente. Esse visa, no seu bojo, à equidade dos recursos materiais e financeiros; da organização do pessoal; do cumprimento dos dias letivos; da articulação significativa entre família, escola e sociedade, assim como o acompanhamento da frequência dos estudantes e da informação junto ao conselho tutelar quando os educandos atingem um número de faltas acima de cinquenta por cento. Vale ressaltar que essa indicação da lei, além de demonstrar uma flexibilidade na proposta curricular da escola, valida a necessidade das instituições de ensino estarem atentas ao acompanhamento do desempenho escolar dos estudantes com vistas a garantir um trabalho pedagógico coerente e da efetivação de aprendizagem junto aos estudantes. Art. 13.º Os docentes incumbir-se-ão de: I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; III - zelar pela aprendizagem dos alunos; IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade. (BRASIL, LDB, 1996).

A lei, no seu artigo 13.º, reitera a importante contribuição dos docentes na efetivação da proposta pedagógica da instituição de ensino, a qual deverá primar pelo cumprimento do trabalho pedagógico que vise à regulação da aprendizagem dos estudantes; ao acompanhamento aos estudantes com dificuldades, com a intenção de promover a inclusão nos estudos; à ressignificação do planejamento com intuito de promover uma ação profissional competente e eficaz; e a ratificar a parceria fecunda entre família e escola em conselhos escolares, revelando a participação democrática. Assim, é relevante ressaltar as premissas do artigo 14.º, o qual valida a perspectiva democrática. Art. 14.º Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. (BRASIL, LDB, 1996).

Nesse artigo, fica evidente o caráter democrático que deve fundamentar a gestão na escola. Dessa forma, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional outorga à escola o direito de produzir o seu desenho de escola através da participação democrática no documento PPP, legitimado pelos docentes, pelos estudantes e por toda a comunidade escolar.

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AULA 8 - CURRÍCULO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES

Nesse sentido, o currículo oficial pode e deve ser revestido de significado e forjado de uma identidade própria da escola. Com base nessas questões, Domingues (1988) elenca quatro níveis de currículo possíveis no contexto da escola: » » um currículo formal: de caráter prescritivo e mandatário; » » um currículo operacional: aquele que é efetivado em sala de aula; » » um currículo percebido: o que é exercido na prática docente; » » um currículo experienciado: aquele que é vivido e sentido pelos estudantes. Com efeito, podemos refletir que existe uma distância entre o que é legitimado pela lei e o que de fato é efetivado e sentido pelos autores do processo. Esse fato é inevitável, pois as questões culturais e identitárias falam mais alto. Dessa forma, é inevitável ressaltar que a Proposta Pedagógica institui uma importante flexibilidade no âmbito da escola. Nesse sentido, não podemos negar que o currículo explicitado na escola constitui-se opção seletiva sobre determinado conteúdo. Assim, precisamos decidir “o que eles ou elas devem se tornar?” (SILVA, 2001, p. 14). Essa pergunta, encharcada de sentido político, cultural, ideológico, entre outros aspectos, pretende, no sentido curricular, formar o sujeito cidadão, cônscio dos seus direitos e deveres, imerso em uma sociedade plural e complexa, a qual suscita que “os sistemas de educação devem se adaptar ao surgimento das sociedades do conhecimento e a novos desafios sociais, culturais e econômicos de um mundo crescentemente mais globalizado”, alerta a Unesco (2005, p. 6) ao reconhecer que cabe ainda ao sistema educacional tirar o máximo proveito das modernas tecnologias de informação e comunicação. Para enfrentar esse contexto complexo imerso em uma pluralidade de informações, quais desafios e possibilidades o PPP e sua proposta curricular precisam explicitar? A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (n. 9.394/96) indica que a construção democrática e coletiva do PPP descortina novas possibilidades sobre o currículo escolar. Nesse sentido, não podemos deixar de ressaltar que a escola — e, consequentemente, a sala de aula — representa um dos lócus mais comuns de convívio com a diversidade. Como afirma Macedo (2006, p. 61): [...] em qualquer situação educativa, o corpo discente é composto de alunos advindos de famílias com situações financeiras diferenciadas, com múltiplas opções religiosas, com expectativas sócio-culturais diferentes, com hábitos inerentes à sua educação inicial.

Com isso, é referendado o convite para que a escola não apenas reconheça a diversidade que precisa ser contemplada nas propostas pedagógicas, mas que sejam incluídos, na práxis pedagógica explicitada no trabalho, os conteúdos que devem primar pelos processos dialógicos e dialéticos. Dessa forma, é importante compreender que ensinar e aprender exige lidar com a diferença, com a identidade, com a subjetividade e, inevitavelmente, com fatores políticos, econômicos, sociais e culturais. Então, como dialogar com essa complexidade semântica no PPP?

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CURRÍCULO

Pense nas possibilidades que o PPP pode tangenciar no contexto escolar diante da complexidade dos problemas reais e da necessária incorporação de pontos de vista diferenciados para compreender e interagir de forma significativa na resolução de situações-problema, com o intuito de atenuar as desigualdades e a exclusão. Segundo Macedo (2002, p. 130), “nenhum processo decisório no seio de uma prática curricular implicada a uma perspectiva ético-política pode prescindir de um projeto pedagógico. É o seu princípio fundante”. Através do PPP da escola, é possível vislumbrar diferentes possibilidades sobre a caminhada escolhida para aquela determinada escola. Por conseguinte, o PPP precisa ser articulado e construído com a participação dos diferentes segmentos da escola: aluno, professor, corpo técnico-administrativo, funcionários, gestores, pais e comunidade, os quais devem problematizar as questões referentes ao desenho da escola que precisam e querem ter. Com base nesse olhar includente, é caracterizada uma gestão de currículo pautado no desenvolvimento humano e na qualidade do processo educativo. Para o desenvolvimento desse documento identitário da escola, Macedo (2002, p. 130) registra importantes visões norteadoras: » » Visão cosmológica – de onde olhará as construções humanas no mundo e suas relações com tempo-espaço ampliados; » » Visão antropossocial – onde deixa antever a visão de homem que inspira o projeto; » » Visão epistemológica – onde aparecem as opções em termos dos saberes selecionados e mesmo do entendimento do que seja o conhecimento humano; » » Visão ético-política – onde são explicitadas as questões relativas ao norteamento político e axiológico deste projeto. » » Visão didático-pedagógica – topus da arquitetura e fonte de construção dos indicativos filosófico-educacionais do saber docente; » » Visão técnico-profissional – composta pelos delineamentos do que seja a formação e sua inserção no mundo do trabalho e suas relações ético-políticas; » » Visão senso-estética – lugar de onde se pensa o cultivo dos âmbitos do sensível, das linguagens dos afetos no campo do currículo. Dessa forma, o autor apresenta, de forma didática, a possibilidade de articulação entre diferentes saberes, mostrando a sua defesa ao olhar multirreferencial que precisa ser incorporado aos projetos coletivos, os quais têm como premissa básica a rejeição dos olhares excludentes, sectários e fragmentados. O desafio da construção de uma proposta curricular pautada nessa compreensão contextualizada remete a uma incorporação dos desafios do currículo intertranscultural, neologismo criado por Paulo Roberto Padilha para abordar uma perspectiva de currículo que valida diferentes pontos de vista, novas concepções, para construir novos desafios para atender as demandas da sociedade. Assim, o autor reitera que o currículo intertranscultural “[...] se constrói em cada contexto de acordo com as relações neles estabelecidas, ao qual passamos a nos referir como sendo a perspectiva curricular da Escola Cidadã” (PADILHA, 2004, p. 91). Para realização dessa proposta faz-se necessária uma postura autoral dos sujeitos envolvidos no processo educativo, assim como a tomada para si da responsabilidade dessa construção histórica, social, política e cultural.

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AULA 8 - CURRÍCULO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES

Assim, o currículo intertranscultural apresenta-se como sinônimo de desafio e possibilidade sobre o campo do currículo, o qual segue alguns princípios e valores, orientações gerais e práticas: » » Englobar, no conceito de currículo, todas as ações e relações desenvolvidas na escola, inclusive a sua organização democrática dinâmica, direta, participativa e representativa e aberta à comunidade escolar.

» » Tornar a escola significativa e alegre para a vida dos educandos e de todas as pessoas que nela convivem;

» » Valorizar a escola como espaço de construção individual e coletiva da ação pedagógica e das trocas intertransculturais;

» » Visar à educação permanente de todas as pessoas que participam e atuam direta ou indiretamente na escola, para o exercício da cidadania planetária;

» » Assumir uma postura dialógico-dialética e complexa diante da realidade, abrindo-se para toda manifestação de sensibilidade, expressividade, espiritualidade, do sentimento e do conhecimento humanos;

» » Questionar todo e qualquer discurso, informação, conhecimento e processo de ensino-e-aprendizagem que se autodenomine neutro ou que se apresente numa perspectiva homogeneizadora;

» » Valorizar o intercâmbio e o diálogo entre os grupos culturais e seu mútuo enriquecimento, questionar e buscar a superação de quaisquer manifestações que pretenda, sob qualquer alegação, naturalizar o predomínio de uma cultura sobre a outra;

» » Trabalhar o conhecimento na escola com base nas relações e nas trocas intertransculturais e valorizar os Círculos de Cultura como seus espaços privilegiados;

» » Promover a superação de toda e qualquer lógica binária e analisar a multidimensionalidade do ser humano;

» » Criar novos contextos educativos para a integração criativa, cooperativa, solidária, emancipadora e humanizadora entre os diferentes sujeitos, grupos de pessoas e comunidades;

» » Posicionar-se frontalmente contra qualquer tipo de manifestação preconceituosa, etnocêntrica, violenta, que promova a desigualdade e a exclusão social;

» » Superar o modelo de controle da exclusão social por um Estado que “pilota” as políticas sociais com “tutelador” e não como gestor, alterando as formas de relação entre Estado educador e educação escolar;

» » Trabalhar os processos de reconstrução do conhecimento sempre visando à justiça social e à humanização da educação, estimulando a aprendizagem como forma de intercâmbio e partilha;

» » Respeitar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, os princípios da Carta da Terra, bem como todos aqueles já consagrados nas cartas e nos documentos surgidos nas amplas discussões nacionais e internacionais [...]. (PADILHA, 2004, p. 314).

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CURRÍCULO

Esses princípios, valores e orientações supracitados que oferecem pistas de construção da proposta pedagógica e curricular da escola historicamente situada e com a construção participada, democrática, humanística, problematizadora e comprometida com a educação planetária, portanto, multirreferencial, pautada na complexidade e aceitando os desafios intertransculturais como possibilidade de vencer a barreira da lógica clássica que hierarquiza, sectariza e hegemoniza os conhecimentos. Com efeito, é legítimo resgatar os eixos do currículo da Escola Cidadã legitimados por Gadotti (1999) nos quatro aspectos a seguir: princípios de convivência e aprendizagem em rede; gestão democrática; currículo; ciclos e avaliação. Esses eixos são ressignificados na visão intertranscultural de Padilha (2004), ganhando uma nova nomenclatura, as quais serão explicitadas a seguir. » » O primeiro eixo recebe o nome de relações humanas e de aprendizagem. Deixa explícito que nenhuma relação em nível global pode negar as relações humanas com a diversidade e a diferença; e, nessas interações, inevitavelmente, acontece o contato com novas culturas, saberes que reverberam na necessidade básica da convivência e do aprender com o outro, através da inclusão com e no outro. Essas relações estão diretamente ligadas às inter-relações pessoais, interpessoais, grupais e institucionais. » » O segundo eixo passa a ser chamado de gestão democrática e parcerias comunitárias e sociais. Diz respeito à ação escolhida para envolver a todos que participam da escola e, principalmente na gestão organizacional dessa instituição, considerando sempre o princípio da parceria comunitária como aspecto norteador das diretrizes que determinam os procedimentos educacionais, respaldados nas experiências e diálogos que garantam o olhar democrático sobre a escola e seus sujeitos constituintes. » » O terceiro eixo é denominado de gestão sociocultural das aprendizagens. Constitui-se num eixo de extrema importância, pois envolve a significação da aprendizagem na escola e fornece o retorno desse processo para a própria comunidade, explicitando as trajetórias, aprofundando outras questões, revelando como as relações humanas são manifestações multirreferenciais de saberes e aprendizagens. » » O quarto eixo é o da avaliação dialógica continuada e formação humana. É definida como um processo dinâmico contínuo, geral e específico, ou seja, envolve estudantes, professores, instituições. » » É sugerido, ainda, um quinto eixo que está relacionado intimamente às iniciativas que fazem parte do projeto eco-político-pedagógico da escola, dada a sua implicação direta com a educação pensada para aquela escola em diálogo com as diretrizes e ação nas dimensões poética, ética, estética, sensível, criativa, crítica. Com base nesses princípios e eixos, o grande desafio do Projeto Pedagógico da escola como princípio fundante do currículo, consiste em permitir o trabalho com base nas diferenças pessoais e coletivas nos seus contextos historicamente situados, superando “[...] nesse sentido, as lógicas binárias, bipolares e excludentes, buscando no encontro entre as pessoas o reconhecimento, também, do que lhes é peculiar, reconhecível, próximo” (PADILHA, 2004, p. 316).

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Esse tipo de proposta não é legitimado pelo modelo rígido, unilateral e excludente, mas é possibilitada uma interação constante entre os eixos, assim como é avaliado e ressignificado constantemente. Para tanto, a curiosidade, a problematização, o enfrentamento dos conflitos e confrontos são a tônica do trabalho didático-pedagógico, demonstrando toda riqueza dos olhares multirreferenciais que compõem os problemas complexos da realidade. Com efeito, os currículos engendrados nesses princípios têm a autonomia como bússola que norteia todas as ações na escola e, por conseguinte, os questionamentos para ser ponto alto a todo e qualquer programa impositivo ou respaldado em lógicas mandatórias e modelares que se apresentam na e para escola sobre a camuflagem de referenciais, mas que no cerne da questão são paradigmas a serem seguidos. Portanto, a autonomia da escola na decisão da proposta pedagógica institui um novo caminho, assim como revela e indica responsabilidades coletivas e individuais sobre aquilo que defendemos como nosso, como relevante para a formação de outrem e que inclui os olhares diferentes para a validação de um bem comum, ou seja, de uma escola que conversa com a cultura, com o político, com o social, com o local e o global delineando uma história multi, inter, transcultural no campo curricular. Afinal, não podemos esquecer que o currículo é território, é espaço político de poder e de lutas. “Assim aprendemos que o currículo é uma construção social e que, portanto, o importante é perguntar que conhecimentos são considerados válidos para uma determinada sociedade” (SOUZA, 2010, p.40). Tendo em vista essa interpretação do currículo como uma construção social, é demandado que a democracia esteja presente sempre nesse processo e isso envolve conflitos e fissuras para que seja produzida uma construção de fato e de direito com o respeito aos múltiplos olhares que tangenciam os problemas sociais. Ademais, é relevante ressaltar que a abertura da escola e do currículo para novas possibilidades, incorporando os desafios que se apresentam na caminhada, ajudam indubitavelmente para a decisão de novos caminhos em que as oportunidades de acesso e inclusão da cultura, da ciência, dos saberes, dos contextos, dos sujeitos e de outras lógicas de conhecimentos se transformem em mola mestra na busca pelo conhecimento que move, mobiliza e autoriza os sujeitos cidadãos a romperem com tudo que separa, exclui e nega os outros. Bom, estudante, observe as charges a seguir e reflita sobre algumas possibilidades e desafios no campo do currículo

Fonte: www.toondoo.com

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CURRÍCULO

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Os desafios que se apresentam no campo do currículo reverberam nas práticas educativas, nas atitudes dos estudantes, no processo avaliativo. E esse último representa o retrato das concepções de ensino e do currículo que valida. Como afirma Romão (1999), a escola brasileira é marcada pela visão antagônica sobre o processo avaliativo, pois, de um lado, as teorias educacionais que se autodenominam progressistas ganham notoriedade e expressão nas abordagens dos profissionais da área e, de outro, as idealizações com enfoques competitivos, classificatórios e meritocráticos ganham menos adeptos na expressão e na abordagem dos profissionais da área. Assim, inspirando-se em Romão (1999), apresentamos a imagem a seguir, que diferencia essas aprendizagens:

Fonte: ROMÃO, 1999, p. 61.

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AULA 8 - CURRÍCULO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES

O autor não se propõe a qualificar nenhuma das duas concepções, pois cada uma delas explicita, no seu bojo, pontos avançados e progressistas em detrimento do julgamento da outra como atrasada e desatualizada, mas problematiza que os defensores da primeira concepção acreditam pura e simplesmente na autoavaliação ou na avaliação interna, renegando todo o tipo de avaliação externa ao processo avaliativo. Dessa forma, na verificação da aprendizagem, só os estudantes seriam os legítimos avaliadores, assim como a avaliação da escola seria efetivada pelos professores que participam do processo de ensino-aprendizagem. Esse tipo de concepção, classificada por Romão (1999) como construtivista, contempla apenas os aspectos qualitativos, rejeitando toda e qualquer forma quantitativa de avaliar o processo e defende exclusivamente como finalidade da avaliação o processo diagnóstico, contínuo e permanente. Sobre a segunda concepção, o autor retrata que é notória uma teoria pedagógica oposta à concepção anterior, pois acredita que a autoavaliação produz um processo de enganação a estudantes e instituições na medida em que rejeita qualquer resultado da sua atividade. Com efeito, é validada nessa concepção a importância das medidas ou aspectos quantificáveis, ressaltando a expressão dos desempenhos e da função classificatória baseada em padrões aceitáveis e desejáveis socialmente. Romão (1999) afirma que esse tipo de concepção se encontra ancorado no que classificamos como grupos positivistas, para os quais o que importa é o produto, nesse caso, o desempenho dos estudantes. Nesse sentido, o autor salienta que uma posição dialética sobre a compreensão da construção do conhecimento não: [...] se colocaria em nenhum dos pólos da dicotomia mencionada, nem cairia no ecletismo mediador das duas teorias divergentes que, por isso mesmo, acabaria por apenas justapor, a partir de critérios meramente formais, analógicos. (ROMÃO, 1999, p. 63).

Por conseguinte, a concepção dialética de educação propõe fazer uma avaliação da realidade, organizando uma reflexão sobre a mesma e procedendo intervenções nessa realidade em benefício de todos que participaram do processo. Esse olhar dialético corrobora nosso enfoque sobre os princípios da Escola Cidadã e sobre um Projeto Político Pedagógico que considera a construção coletiva pautada no conhecimento da realidade, das suas necessidades e do seu desenvolvimento diante da busca pelo conhecimento significativo e multirreferencial. Infelizmente, estudante, a nossa aula está chegando ao final e a disciplina também. Esperamos que as perspectivas abordadas acerca do campo do currículo empreendidas no bojo das oito aulas possam ter mobilizado você a aguçar o seu olhar sobre os conhecimentos que são legitimados nos contextos escolares. Dessa forma, foi possível refletir sobre as formas que as práticas pedagógicas e os projetos pedagógicos podem se materializar através de toda organização da gestão escolar, um currículo marcado pela busca de legitimar processos includentes e problematizadores sobre a realidade, assim como perceber que tudo na escola (horários, ritos, disposição de conhecimentos, disciplinas, conteúdos, formas de avaliação) envolve o currículo, mas o currículo não é qualquer coisa, o currículo não é ingênuo; ele é intencional, é de fato um artefato cultural, portanto político e social, e precisa estar vincado no projeto desejado e defendido pela formação do sujeito e pela sociedade.

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SÍNTESE Esta aula explicitou importantes princípios e eixos acerca da estruturação de uma proposta pedagógica que valida no seu bojo um currículo intertranscultural. Nesse sentido, foi considerada a participação coletiva de toda comunidade escolar na elaboração do Projeto Político Pedagógico, pautado na dialogicidade contínua e implicada com os anseios e pertinências culturais, políticas, sociais dos autores do processo educativo. A discussão no âmbito dessa aula situa a escola cidadã como possibilidade de vivenciarmos no contexto da práxis relacional o desafio do trabalho didáticopedagógico intertranscultural.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO Tendo como base os desafios e as possibilidades apresentadas no campo do currículo, pense na concepção empreendida na base curricular dessa disciplina para a sua formação no curso de Pedagogia. Compreendendo o que seja uma escola cidadã, inspire-se na charge a seguir e reflita acerca do que você percebe sobre os desafios e as possibilidades na construção do Projeto Político Pedagógico da escola na objetivação de um currículo intertranscultural conforme à realidade.

Fonte: www.toondoo.com.

LEITURAS INDICADAS MACEDO, Roberto Sidnei. O currículo no movimento do pensamento complexo e multirreferencial. In: MACEDO, Roberto Sidnei. CHYSALLÍS, currículo e complexidade: a perspectiva crítico-multirreferencial e currículo contemporâneo. Salvador: EDUFBA, 2002. p. 113-131. PADILHA, Paulo Roberto. Currículo intertranscultural: novos itinerários para a educação. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo Freire, 2004. p.183-225.

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AULA 8 - CURRÍCULO: DESAFIOS E POSSIBILIDADES

SITES INDICADOS http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2004/cp/tetxt3.htm http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.pdf http://www.ced.ufsc.br/~nee0a6/psumari.PDF - Similares http://www.ces.uc.pt/lab2004/inscricao/pdfs/.../TeresinhaBurnham.pdf

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CURRÍCULO

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