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EDUCAÇÃO INFANTIL Autora: Profª. Ms. Maria Salete da Costa



Sumário 1. FUNDAMENTOS POLÍTICOS, SOCIAIS E LEGAIS DA EDUCAÇÃO INfANTIL NO BRASIL......... 7 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 7 OBJETIVOS................................................................................................................ 8 FUNDAMENTOS POLÍTICOS, SOCIAIS E LEGAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL.. 8 Histórico da Educação Infantil no Brasil............................................................. 8 Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN/61 e 71.................. 11 Da Constituição de 1988 à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9394/96..................................................................................................... 12 Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil RCNEI/1998.................. 13 Exemplo de síntese de leitura do RCNEI/98.................................................. 17 SÍNTESE.................................................................................................................. 18 Saiba mais em sites e no Youtube...................................................................... 19 Referências........................................................................................................... 20 2. GÊNESE DO CONCEITO DE INfÂNCIA E DA EDUCAÇÃO INfANTIL.................................... 21 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 21 Objetivo................................................................................................................. 22 Rousseau............................................................................................................... 22 O pensamento filosófico e a Pedagogia de Rousseau......................................... 24 Pestalozzi.............................................................................................................. 25 Biografia................................................................................................................ 26 O pensamento e método educacional de Pestalozzi........................................... 27 Froebel.................................................................................................................. 28 Biografia................................................................................................................ 28 Teoria educacional................................................................................................ 30 Práticas pedagógicas no jardim da infância......................................................... 30 SÍNTESE.................................................................................................................. 31 Saiba mais em sites e no Youtube....................................................................... 33 Referências........................................................................................................... 33 3. A ESCOLA NOvA E OS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO INfANTIL NO SÉCULO XX................... 35 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 35 Escola Nova........................................................................................................... 36 Dewey................................................................................................................... 37 Montessori............................................................................................................ 40 LINKS..................................................................................................................... 44


SÍNTESE.................................................................................................................. 45 Referências........................................................................................................... 46 4. TEORIAS E PRÁTICAS DO SÉCULO XX EM DESTAQUE: CONSOLIDAÇÃO DA EDUCAÇÃO INfANTIL...........47 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 47 Desenvolvimento e aprendizagem da criança..................................................... 48 Piaget (1986-1980 – Suíça)................................................................................... 51 Vygotsky (1896-1934 – União Soviética).............................................................. 52 Wallon (1879-1962 – Paris).................................................................................. 53 Práticas inovadoras e a Consolidação da Educação Infantil................................. 54 Decroly (1871-1932 – Bélgica)........................................................................ 54 Freinet (1896-1966 – França)............................................................................... 56 SÍNTESE.................................................................................................................. 58 SAIBA MAIS EM SITES ........................................................................................... 59 Referências........................................................................................................... 59 5. OS AMbIENTES DE ApRENDIZAGEM............................................................................... 61 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 61 OBJETIVOS.............................................................................................................. 62 A Organização do espaço e tempo....................................................................... 62 A organização do espaço físico e pedagógico...................................................... 63 As experiências das crianças ao ar livre............................................................... 66 O desafio de ingressar na escola.......................................................................... 69 Síntese.................................................................................................................. 71 Referências........................................................................................................... 71 6. O LÚDICO NO PROCESSO PEDAGÓGICO DA EDUCAÇÃO INfANTIL................................... 73 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 73 OBJETIVOS.............................................................................................................. 74 O jogo como recurso de desenvolvimento da criança na Educação Infantil........ 74 O jogo como processo de aprendizagem............................................................. 76 As brincadeiras e o desenvolvimento da criança................................................. 79 Os jogos simbólicos na Educação Infantil............................................................. 82 Síntese.................................................................................................................. 83 referências............................................................................................................ 84 7. FAMÍLIA E ESCOLA......................................................................................................... 85 Introdução............................................................................................................. 85 Objetivos............................................................................................................... 86 Parceria com as famílias....................................................................................... 86


Acolhimento das famílias e das crianças na escola............................................. 88 Acolhimento de famílias com filhos com necessidades especiais....................... 90 Síntese.................................................................................................................. 93 Referências........................................................................................................... 93 8. A PRÁTICA EDUCATIvA NA EDUCAÇÃO INfANTIL............................................................ 95 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 95 Organização e planejamento na Educação Infantil.............................................. 96 Representações sociais na Educação Infantil....................................................... 99 O Professor como mediador da criança em sua aprendizagem......................... 101 Loris Malaguzzi.................................................................................................... 104 Síntese................................................................................................................ 107 Referências......................................................................................................... 107



Aula 1 Fundamentos Políticos, Sociais e Legais da Educação Infantil no Brasil Profª. Ms. Maria Salete da Costa

INTRODUÇÃO

É

muito recente a terminologia “Educação Infantil” para designar o espaço de Ensino para pequenos. Porém, também não é muito antiga a ideia de que essas crianças podem ir à a escola.

Primeiramente veremos o histórico da escola para crianças no Brasil, a evolução do conceito de “criança” e a evolução da ação educativa que é apresentada hoje num tripé indissociável que consiste em educar, brincar e cuidar.


Educação Infantil

Veremos, também, a contribuição das leis brasileiras responsáveis pelas propostas educacionais das últimas décadas da nossa história: a Constituição de 1988, as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/61-71-96), e, por fim, o documento que dá base à Educação Infantil hoje, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI/98). Com relação a este último, explicaremos e comentaremos o seu volume 1 devido a sua real importância relacionada às concepções que discutem e anunciam como atuais e vigentes na educação brasileira e que servirão de base para esta disciplina: criança, educar, cuidar e brincar. Apresentaremos, ainda nesta aula, um depoimento feito por uma aluna do nosso curso de Pedagogia, ministrado em 2011, sobre a compreensão e a mudança de conceitos referentes à Educação Infantil, após a leitura do RCNEI/98.

OBJETIVOS O objetivo desta unidade é dar as visões pelas quais a educação da criança foi se desenvolvendo; mostrar a evolução educacional; e chegar às políticas sociais atuais. A fundamentação desses objetivos baseia-se numa visão histórica que discute as condições sociais da infância e enfatiza a escola como possibilidade de educar o cidadão para a sociedade. Isto significa conhecer e saber construir a realidade da vida do indivíduo.

FUNDAMENTOS POLÍTICOS, SOCIAIS E LEGAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL Histórico da Educação Infantil no Brasil A história da Educação Infantil no Brasil acompanha a Educação Infantil no mundo. Os primeiros jardins de infância, que surgiram na Alemanha, não demoraram a chegar aqui. Segundo Zilma de Oliveira (2002), a data da criação dos primeiros kindergartens – “jardins da infância”, em alemão - é de 1837, no mesmo século XIX, em que surgiram as nossas escolas de “crianças pequenas”. Em 1875, o Rio de Janeiro, sede do Império, foi agraciado com o primeiro jardim da infância para atender a elite carioca. Este, segundo Kishimoto, foi criado por Menezes Vieira e tinha o mesmo formato do modelo alemão. Portanto, apenas 38 anos de diferença – apesar de existirem pesquisas recentes apontando para a existência de jardins da infância já no ano de 1862, na cidade de Castro, no Paraná (http:// www.faced.ufu.br), sempre seguindo as orientações do mestre Froebel - pioneiro que será estudado na unidade desta disciplina. Estas novas informações permitem dizer que, em apenas 25 anos, tivemos acesso a novas versões europeias de educação, o que nos fortalece a ideia de que a vinda da Família Real para o Brasil nos trouxe algumas conquistas, mesmo que endereçadas às classes privilegiadas, esquecendo, como sempre, daqueles que mais necessitam.

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Menezes, criador deste espaço para crianças, apesar de atender a alta aristocracia da época, defendia que os jardins de infância deveriam dar assistência às crianças negras libertas pelo ventre livre e às com pouca condição econômica. Iniciou-se, assim, uma discussão sobre esta necessidade. Por outro lado, muitas mães abandonavam seus bebês porque precisavam trabalhar e não tinham com quem deixar seus filhos. Nessa época tornaram-se famosas as “rodas de expostos” (um portão giratório em orfanatos, onde se colocavam crianças do lado de fora e rodavam para que elas fossem recolhidas do lado de dentro, sem identificação de quem as deixava), que herdamos de ideias francesas como sendo a casa de caridade. Essas casas, ligadas a conventos de freiras católicas, na verdade eram asilos infantis, o que, segundo Oliveira (2002), gerou confusão no atendimento das classes subalternas em relação aos jardins de infância. Alguns entendiam que “guardar” as crianças era diferente da proposta dos jardins, onde os educadores deveriam trabalhar como “jardineiros” responsáveis pelo desabrochar das flores, sendo esta a visão de Froebel.

Kindergarten (“jardim de infância”): onde crianças e adolescentes – pequenas sementes que, adubadas e expostas a condições favoráveis em seu meio ambiente, desabrochariam sua divindade interior em um clima de amor, simpatia e encorajamento – estariam livres para aprender sobre si e sobre o mundo. (OLIVEIRA, 2002, p. 67)

Antes das escolas públicas, também foram criadas, em São Paulo, em 1877, escolas infantis privadas, que, assim como no Rio de Janeiro, atendiam as camadas mais ricas da população que tinham condições de gastar com seus filhos. Radicalizam-se, assim, os tipos de oferta de ensino, sendo um deles a guarda de crianças pobres em asilos, completamente diferente da oferta educacional baseada em brincadeiras, que tinha educadores para cuidar de sementes floreiras que se desenvolveriam à base de um trabalho educacional sistemático e de qualidade. Vemos, portanto, o nascimento das “creches que cuidam” e escolas que brincam, educam e cuidam ao mesmo tempo. As crianças, provindas das classes nobres, sempre foram bem atendidas, mesmo fora do seu ambiente requintado, que eram seus lares. O mesmo não pode ser dito a respeito das crianças pobres, uma vez que não tinham boas condições financeiras em casa e não eram bem tratadas na escola. Isto acontecia mesmo com constantes debates da imprensa e do legislativo. A partir da implantação da República no Brasil, as escolas ditas como jardins de infância começaram a se proliferar, apesar de que, no início, ainda não havia muito interesse em mandar crianças para a escola. Havia, nessa época, uma ideia muito difundida e culturalmente aceita de que o melhor para elas seria o ambiente familiar.

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Nas conquistas republicanas, incluem-se também a fundação das primeiras escolas infantis públicas, parecidas com os jardins de infância criadas para a elite do império. Só em 1896 foi criada, em São Paulo, na Escola Normal Caetano de Campos, o que pode ser considerado um jardim de infância público. Depois deste, em 1909, no Rio de Janeiro, o Campos Salles; em 1910, o Marechal Hermes; e, em 1922, o Bárbara Oroni, todos jardins de infância públicos. Ainda assim, estas modalidades de ensino são confundidas com asilos franceses ou com o início da escolaridade precoce. Outros propõem compensação das perdas sociais, discussão que temos ainda hoje a respeito de uma Educação Infantil assistencialista. Antigamente, só se mandavam os filhos para a escola quando não tinha outro jeito, ou seja, como uma solução para mães que precisavam trabalhar ou como uma assistência social. Poucos educadores e debatedores da causa defendiam a educação de qualidade. Assim, casualmente tínhamos uma escola que realmente educava as crianças. No início do século XX, a vida se concentrava nas zonas rurais e ainda predominava o trabalho agropecuário. Segundo Oliveira (2002), o modelo de trabalho rural permitia que os pais levassem seus filhos, acompanhando-os na jornada de trabalho, sendo que, muitas vezes, não havia necessidade de deslocamento e, quando se deslocavam, era apenas nas imediações de suas casas. Dessa forma, o “cuidar” estava garantido. Durante a Primeira República, quando surgiram as indústrias e quase todos os homens estavam integrados na lavoura, tornou-se necessário que as mulheres ocupassem as vagas nas fábricas, surgindo a figura da “mulher operária”. Ao mesmo tempo, essa mulher precisa de alguém que cuide de seus filhos. Surgiu, então, outra figura – a “criadeira” –, que cuida de várias crianças, além das suas, enquanto as outras mães vão trabalhar nas fábricas. Conclui-se que essa solução vai fortalecer também a noção assistencialista, que exige apenas cuidados, ou seja, uma pessoa tomando conta das crianças enquanto a mãe trabalha. Nessa época, as reivindicações para a criação de escolas públicas aconteciam mais nas discussões intelectuais do que nas associações de classe, partindo dos próprios operários. Existiam controvérsias em relação a propiciar escolas ou “contratar” pessoas para cuidar das crianças, e ainda a defesa da própria mãe em cuidar dos filhos em vez de não sair para trabalhar. Mesmo assim, algumas fábricas passaram a oferecer este serviço às funcionárias que tinham filhos. Na década de 1930, com a chegada e a permanência de imigrantes na cidade, o problema da procura de operárias diminuiu e, desta forma, um número menor de mães foram deslocadas de seus lares para a força de trabalho operário. Ao mesmo tempo, surgiu um movimento de renovação do trabalho pedagógico que gerou conflitos na Nova República, culminando, em 1932, com o “Manifesto da Escola Nova”, contendo propostas à semelhança das ideias de Froebel para crianças. Em 1942, foi criada a “Casa da criança” pelo Departamento Nacional da Criança, que pertencia ao Ministério da Educação e Saúde. Um ano depois, ainda no governo Vargas, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), esta teve referências “sobre o atendimento dos filhos das trabalhadoras com o objetivo de facilitar a amamentação durante a jornada”, como afirma Oliveira (2002), mas nessa época a preocupação na área da saúde se proliferava. Desta forma, as propostas para crianças da primeira infância ficaram atreladas ao higienismo, filantropismo e a puericultura.

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Em 1953, ano em que se dividiu o Ministério da Saúde e Educação em dois (um para cada área), as creches ficam sob o comando do Ministério da Saúde, acentuando esta tendência. Nessa mesma época, segunda metade do século XX, o incremento da industrialização e da urbanização no País propiciou novo aumento da mulher no mercado de trabalho. [...] as creches e os parques que atendiam crianças em período integral passaram a ser cada vez mais procurados não só por operárias e empregadas domésticas, mas também por trabalhadoras do comércio e funcionárias públicas. (OLIVEIRA, 2002, p. 102).

Nessa década, houve uma campanha para a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), sobre a qual falaremos a seguir.

Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN/61 e 71 A primeira lei específica da Educação surgiu em 1961 e pretendia que as escolas infantis fossem inseridas no Sistema de Ensino, no Capítulo II da Educação Básica, na Seção II da Educação Infantil. Esta lei – Lei 4024/61 – era constituída pela ideia da inclusão da seguinte maneira: Art. 23 - “A educação pré-primária destina-se aos menores de até sete anos e será ministrada em escolas maternais ou jardins de infância.” Art. 24 - “As empresas que tenham a seu serviço mães de menores de sete anos serão estimuladas a organizar e manter, por iniciativa própria ou em cooperação com os poderes públicos, instituições de educação pré-primária.” (PLANALTO, Lei 4024/61)

Com a implantação do Regime Militar, em 1964, essa lei é destituída, portanto, sem tempo hábil de se consolidar a lei. A então nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 5692/71 (Regime Militar) – trata da educação dos menores de sete anos sem uma regulamentação precisa [...] para a educação pré-escolar, referida apenas em dispositivo da Lei nº 5.692/71 – Reforma do Ensino de 1º e 2º graus, integrado ao capítulo do ensino de 1º grau (art. 19, § 2º), estabelecendo que os sistemas de ensino velarão para que as crianças de idade inferior a sete anos recebam conveniente educação em escolas maternais, jardins de infância e instituições equivalentes. Assim, transferiu-se aos sistemas a incumbência de regulamentar a educação nesta faixa etária, o que resultou em significativa diversidade de políticas educacionais. (CÂMARA DOS DEPUTADOS)

Após a Reforma de 1971, foram criaram classes de alfabetização em várias redes de ensino como fase intermediária entre a pré-escola e a 1ª série, nas quais procedia-se a avaliação do aprendizado dos alunos inclusive para acesso à 1ª série do ensino de 1º grau, agravando-se ainda mais a ideia não educativa para crianças menores. Somente na Constituição de 1988 que reaparece tal ideia, que será detalhada a seguir.

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Da Constituição de 1988 à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9394/96 A partir da redemocratização do País, em 1985, com a conquista das eleições de candidatos civis, aconteceram manifestações constantes pela nova constituição, aprovada em 1988, sendo o grande marco dessa transformação política. Para a Educação, a nova Constituição representa avanços legais bastante significativos, como a ampliação da obrigatoriedade do Ensino Fundamental, que passa a ser direito do cidadão, passando a ser também dever do Estado garantir acesso gratuito a todos. Na Educação Infantil, a novidade era que finalmente se conquistou, de forma definitiva, a organização e a orientação das creches e pré-escolas, que deveriam ser feitas pela Educação, sendo reconhecida como um dever do Estado e um direito da criança. Esses direitos educacionais, adquiridos por muitos movimentos populares, preparavam a nova LDB, aprovada em 1996. A nova LDB – Lei 9394/96 – é uma conquista histórica pois, ao colocar a Educação Infantil como parte da Educação Básica, finalmente destituiu a ideia de que as crianças pobres devessem depender de instituições de caridade, como assistência social, e não como seres dignos de direito de cidadania. A Educação Infantil recebeu um destaque, na nova LDB, inexistente nas legislações anteriores. O destaque consta na Seção II, do capítulo II (Da Educação Básica), nos seguintes termos:

Art. 29 - A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Art. 30 - A Educação Infantil será oferecida em: I – creches ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II – pré-escolas para crianças de quatro a seis anos de idade. Art. 31 - Na Educação Infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro de seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao Ensino Fundamental. (MEC)

Essa lei também passa a incumbência de criação, gestão e manutenção das creches e pré-escolas para os municípios, o que possibilita proximidade dos movimentos reivindicatórios. Muitas medidas foram tomadas para possibilitar o funcionamento desta modalidade de ensino, principalmente as que se referem à formação inicial e continuada dos profissionais que atendem este segmento. As creches que contavam com profissionais não especializados passam a exigir professores com Ensino Superior. Para garantir o cumprimento da lei e possibilitar o entendimento das novas propostas pedagógicas que estão fundamentadas em novas concepções do desenvolvimento cognitivo e da linguagem infantil, foi criado um documento referendando toda mudança com este título: Referencial Curricular Nacional Para A Educação Infantil, publicado em 1998.

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Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil RCNEI/1998 Este documento, elaborado pelo Ministério da Educação e do Desporto, foi publicado em três volumes. São eles: “Introdução”, “Formação pessoal e social” e “Conhecimento do mundo”. No primeiro volume, o documento apresenta uma reflexão sobre creches e pré-escolas no Brasil, situando e fundamentando concepções de criança, de educação, de instituição e profissional como aponta a própria lei (MEC). O segundo trata dos eixos de trabalho no currículo infantil, que torna prioritária a construção da identidade e autonomia das crianças. Já o último volume contempla a experiência que a criança pode ter em conhecer o mundo circundante e o mais distante, centrando nas diferentes linguagens, privilegiando nessa construção: movimento, música, artes visuais, linguagem oral e escrita, natureza e sociedade e matemática. Este referencial deve proceder como um guia de orientação para todos os profissionais envolvidos neste nível de ensino, contribuindo tanto para as concepções teóricas como também para modelos da prática, principalmente sugerindo e estipulando conteúdos para serem tratados na infância. Esse documento foi formulado para garantir uma orientação que, ao fazer sugestões, funciona muito bem como um guia eficaz. A leitura de seu primeiro volume na íntegra, na qual é revelada a “Concepção de Educação Infantil”, que se pretende aos educadores de todo território brasileiro, é fundamental para esta disciplina. Uma interpretação objetiva que garanta o seu entendimento real propicia o panorama do ideal brasileiro para a Educação Infantil. Mesmo que tenhamos inúmeras críticas quanto a realização destas perspectivas, é interessante as conhecermos. Em linhas gerais, trataremos aqui as principais ideias da introdução do primeiro volume do documento. Um dos aspectos ressaltados diz respeito ao atendimento às crianças de 0 a 6 anos, reconhecido na Constituição Federal de 1988, mas que hoje já foi aperfeiçoado pela Lei 11.274 de 2006, que alterou a LDB de 1996 e agora torna obrigatória a matrícula das crianças de seis anos de idade no Ensino Fundamental de Nove Anos, estabelecendo o prazo de implementação, pelos sistemas, até 2010. Portanto, já estamos vivendo com esta realidade, o que quer dizer que as crianças devem ser atendidas pela Educação Infantil de 0 a 5 anos. Outra discussão levantada – e já comentada anteriormente – é que LDB de 1996 estabelece o vínculo do atendimento dessa faixa etária com a Educação e não mais com outras secretarias, entendendo o caráter educativo em vez de apoio assistencialista das creches. Agora, como já foi dito, a Educação Infantil está inserida na Educação Básica e integra-se ao sistema de ensino. O Ministério da Educação, quando propõe o RCNEI, não deixa dúvidas de que avança como espaço de discussão. Uma das questões é sobre os princípios: » » o respeito à dignidade e aos direitos da criança, consideradas nas suas diferenças individuais, sociais, econômicas, culturais, éticas, religiosas etc.; » » o direito de brincar às crianças , como forma particular de expressão, pensamento, interação e comunicação infantil; » » o acesso das crianças aos bens socioculturais disponíveis, ampliando o desenvolvimento das capacidades relativas à expressão, à comunicação, à interação social, ao pensamento, à ética e à estética;

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» » A socialização das crianças por meio de sua participação e inserção nas mais diversificadas práticas sociais, sem discriminação de espécie alguma; » » O atendimento aos cuidados essenciais associados à sobrevivência e ao desenvolvimento de sua identidade. (RCNEI, 1988, p.13) Estes, ao serem levantados, dignificam a criança como ser, principalmente aquelas que são desrespeitadas já pelas próprias condições de vida, quando fazem parte de uma realidade desigual e discriminadora para os integrantes das classes populares. Outra questão importante é tirar a “fama” de que a escola é um lugar que não pode ser apreciado. Ao contrário disso, precisamos estabelecer um novo status para a escola que acolhe crianças como o lugar ou ambiente que propicia experiências prazerosas. “Este Referencial é uma proposta aberta, flexível e não obrigatória, que poderá subsidiar os sistemas educacionais que assim o desejarem, na elaboração e implementação de programas e currículos condizentes com sua realidade e singularidade. (RCNEI, 1988, p. 14)”

Quanto à proposta pedagógica, também ficará vinculada ao currículo essa pretensa flexibilidade e de acordo com a realidade. A busca de qualidade será a meta desejada, mas dependerá também de políticas públicas de recursos humanos e financeiros para possibilitar o estabelecimento de padrões nacionais. Não será possível nada disso acontecer se não for desconstruído conceitos antigos sobre criança que desfavorecem as propostas. É neste sentido que se discute um novo conceito, apresentado na sequência.

Criança A concepção de criança é uma noção historicamente construída, isto quer dizer que temos de considerá-la na sua individualidade, mas principalmente levando-se em consideração o seu grupo étnico e a sua classe social. Na mesma época e na mesma sociedade, as condições sociais das crianças se diferenciavam, com possibilidade de serem precárias, havia a necessidade de garantir seu próprio sustento, e também cuidar e sustentar irmãos, ou, ao contrário, serem muito bem protegidas, às vezes exageradamente, recebendo todos os cuidados da família e da sociedade em geral para seu desenvolvimento, desde os primeiros meses de vida. Nossa sociedade não resolveu essa dualidade, e ela aparece reproduzida na escola, o que gera problemas por não serem reconhecidos a contradição e o conflito, nem sempre revelados, como a desigualdade social presente no nosso cotidiano. A criança “faz parte de uma organização familiar que está inserida em uma sociedade, com uma determinada cultura, em um determinado momento histórico” (RCNEI, 1988, p. 21). A família em que nasce, ou melhor, em que é criada (considerando as adoções), determina as suas condições de existência, portanto, de ser criança. Segundo o RCNEI, todas crianças

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“possuem uma natureza singular, que as caracteriza como seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio. Por meio das brincadeiras, explicitam as condições de vida a que estão submetidas e seus anseios e desejos. No processo de construção do conhecimento, as crianças se utilizam das mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que possuem de terem ideias e hipóteses originais sobre aquilo que buscam desvendar. (RCNEI, 1988, p. 21).”

Esse processo se dá na interação que se estabelece com adultos e outras crianças e o meio em que vivem, segundo orientações das teorias da Psicologia, que serão discutidas numa outra unidade de estudo. No processo de construção do conhecimento, nas mais diferentes linguagens. O conhecimento não se constitui em cópia da realidade, mas como fruto de um intenso trabalho de criação, significação e ressignificação. Este conceito de criança nos conduz a um trabalho educacional que implica em algumas ações educativas integradas: educar, brincar e cuidar – discutidas no documento.

Educar Novamente a contribuição de orientação do RCNEI é fundamental, pois sugere a redefinição dos papéis das instituições de Educação Infantil, pedindo que incorporem de maneira integrada as funções de educar e cuidar. Como já vimos no histórico, temos uma tradição de confundir a função da escola infantil como aquela que apenas cuida da criança. A nova noção dessa função está ligada ao significado de educar. “Educar significa propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, [...] e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. (RCNEI, 1988, p. 23)”

Não é possível realizar essa ação integrada sem considerar a criança de acordo com o lugar que ocupa no mundo que a circunda.

Cuidar Durante muito tempo se vinculou o ato de cuidar da criança com uma perspectiva de assisti-la e guiála nas suas ações. Este conceito é resquício da tradição que concebe a Educação como algo que os adultos dão aos menores, como uma imposição dos padrões vigentes. Hoje pretende-se que a criança vá se apropriando de comportamentos e regras sociais, construindo sua autonomia em relação a si próprio e a seu convívio com os demais. O RCNEI (1998, p. 24) infere que “[...] cuidar significa valorizar e ajudar a desenvolver capacidades. É um ato em relação ao outro e a si próprio que possui uma dimensão expressiva”. Esses cuidados vão desde os básicos, como o do corpo, relacionados à higiene e à saúde, à qualidade da alimentação etc.; até os afetivos, tais como carinhos e emprego de limites. Mas, para entendê-los, irá depender do conhecimento e das oportunidades oferecidas por aqueles que cuidam, além do modo como estes conduzem o caminho para ensinar a se cuidar e se proteger.

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Apesar de os cuidados atenderem necessidades básicas, implicam em procedimentos específicos de acordo com o contexto sociocultural. Dependem também de crenças e valores. As formas de se identificar, valorizar e atender aos cuidados são díspares em diferentes hábitos e comportamentos culturais que são construídos socialmente, estando, portanto, ligados às classes sociais e as suas especificidades. Mas em todas as situações, este cuidar da vida orgânica, do afeto, da saúde, é para tornar a criança autônoma. Tanto o educar como o cuidar, como já dissemos, estão intrinsicamente ligados ao brincar e são expressos no seu processo e desenvolvimento pela brincadeira.

Brincar Já temos suficientes teorias psicopedagógicas que nos garantem que: “[...] a brincadeira é uma linguagem infantil que mantém um vínculo essencial com aquilo que ocorre no plano da imaginação. Isto implica que aquele que brinca tenha o domínio da linguagem simbólica” (RCNEI, 1988, p. 27). Precisamos entender, então, a necessidade de a criança ter consciência do que é realidade e do que é brincadeira. Isto se consegue por meio da articulação da imaginação e a imitação da realidade. Para brincar, é preciso apropriar-se de elementos da realidade imediata de tal forma a atribuir-lhes novos significados. “O principal indicador da brincadeira, entre as crianças, é o papel que assumem enquanto brincam. Ao adotar outros papéis na brincadeira, as crianças agem frente à realidade de maneira não literal, transferindo e substituindo suas ações cotidianas pelas ações e características do papel assumido, utilizando-se de objetos substitutivos. A brincadeira favorece a autoestima das crianças, auxiliando-as a superar progressivamente suas aquisições de forma criativa. Brincar contribui, assim, para a interiorização de determinados modelos de adultos, no âmbito de grupos sociais diversos. Essas significações atribuídas ao brincar transformam-no em um espaço singular de constituição infantil. (RCNEI, 1988, p. 27)”

É no ato de brincar que as crianças transformam os conhecimentos já adquiridos em conceitos gerais, isto é, conceitos anteriores são utilizados para ampliação de outros com os quais brinca e experimenta hipóteses. Esta atividade é espontânea e imaginativa. E brincadeira espontânea, naturalmente, ocorrerá no grupo desde que o professor se conscientize de tal necessidade e disponha de espaço ativo para que ela aconteça e também seja observada, para que ele possa inteirar-se do seu processo de desenvolvimento. Além disso, deverá levar as crianças a aprender em situações orientadas, não apenas aquelas que são propostas pelo professor, mas essencialmente baseadas na escuta do que elas estão processando na espontaneidade. A brincadeira cria um espaço no qual as crianças podem experimentar o mundo e internalizar uma compreensão particular sobre as pessoas, os sentimentos e os diversos conhecimentos.

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Para que as crianças sejam bem-sucedidas, precisam de alguns aprendizados. São eles: » » interação com outras da mesma idade e de idades diferentes, fazendo com que haja avanços; » » conhecimentos prévios para dar novos significados relacionados à compreensão do seu desenvolvimento, observando para poder intervir. “A observação acurada das crianças é um instrumento essencial nesse processo.” (RCNEI, 1998, p. 33); » » a individualidade e a diversidade. Olhar cada criança sem se esquecer do conjunto, entendendo essas diferenças; » » o grau de desafio e a significação das atividades contribuem para o sucesso, mas isso não significa deixar de propiciar a ampliação das experiências; » » a resolução de problema real como forma de aprendizagem.

EDUCAR CRIANÇAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS As pessoas portadoras de necessidades especiais (deficiência mental, auditiva, visual, física, deficiência múltipla e de altas habilidades) representam hoje 10% da população, portanto uma porcentagem significativa. A parte negativa disso se dá pelo fato de a grande maioria dessas pessoas terem uma vasta experiência de exclusão. Portanto, o maior desafio da escola é promover o convívio com a diversidade, ou seja, conseguir que haja, de fato, integração. Valores éticos, tais como dignidade, respeito, igualdade, equidade e solidariedade, precisam ser trabalhados urgentemente. Essa inserção é necessária, mas deve ser feita com inclusão! Para isto, será muito importante que haja qualidade no processo de integração, com estrutura adequada e recursos tanto humanos, como financeiros. Com certeza, mais uma vez nada ocorrerá se os sistemas não cumprirem com sua parte. Para melhor compreensão deste capítulo, é fundamental a leitura na íntegra do RCNEI/98.

Exemplo de síntese de leitura do RCNEI/98 Depoimento a respeito da importância da leitura do RCNEI Rafaela Fonseca Pettenoni, aluna do curso de Pedagogia da Universidade Anhembi Morumbi. Atividade 2 – Comparação de conceitos prévios e os conceitos do RCNEI Não é difícil saber o que se espera de uma escola de Educação Infantil. O difícil é encontrar escolas acessíveis a todas as crianças que cumpram tudo que se é esperado. Antes da leitura do RCNEI, eu já tinha uma ideia do que era necessário para ser uma professora atuante na área da Educação Infantil; o que eu não sabia era que existia este documento que explica, de maneira tão clara, o que um profissional da área precisa fazer, qual a relação que ele precisa construir com cada criança e o motivo pelo qual está tomando certas atitudes. Por exemplo, a importância do brincar na Educação Infantil, que eu julgava ser bem importante, mas não sabia explicar o porquê. Depois da leitura, ficou claro que:

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Educação Infantil

“Ao brincar, as crianças recriam e repensam os acontecimentos que lhes deram origem, sabendo que estão brincando. O principal indicador da brincadeira, entre as crianças, é o papel que assumem enquanto brincam. Ao adotar outros papéis na brincadeira, as crianças agem frente à realidade de maneira não literal, transferindo e substituindo suas ações cotidianas pelas ações e características do papel assumido, utilizando-se de objetos substitutos. (RNCEI, 1988, p. 8)”

É muito bom saber que a Educação Infantil possui um Referencial que guia as escolas e os profissionais. O triste é saber que, na realidade, só temos isso no papel. Não digo que no Brasil não existam escolas que seguem o Referencial, que busquem uma formação contínua do corpo docente e que busquem contemplar tudo que a Educação Infantil necessita, o problema é que a maioria dessas escolas não são acessíveis por todos os grupos sociais. “Boa parte das crianças pequenas brasileiras enfrentam um cotidiano bastante adverso que as conduz desde muito cedo a precárias condições de vida e ao trabalho infantil, ao abuso e a exploração por parte de adultos. Outras crianças são protegidas de todas as maneiras, recebendo de suas famílias e da sociedade em geral todos os cuidados necessários ao seu desenvolvimento. Essa dualidade revela a contradição e o conflito de uma sociedade que não resolveu ainda as grandes desigualdades sociais presentes no cotidiano. (RCNEI, 1988, p. 5)”

Enfrentamos este grande problema na Educação brasileira: essa grande dualidade existente no País. Mesmo que existam formas de tentar diminuir esta diferença, como, por exemplo, o RCNEI, é complicado exigir que as escolas o sigam, sabida a sua não obrigatoriedade. Considerando e respeitando a pluralidade e diversidade da sociedade brasileira e das diversas propostas curriculares de Educação Infantil existentes, este Referencial é uma proposta aberta, flexível e não obrigatória, que poderá subsidiar os sistemas educacionais, que assim o desejarem, na elaboração ou implementação de programas e currículos condizentes com suas realidades e singularidades. (RCNEI, 1988, p. 2)

Também se tem problemas na formação dos profissionais que atuarão na área da Educação. Os cursos estão ficando cada vez menos exigentes e mais curtos. Isso acaba fazendo com que haja falta de professor que consiga realizar tudo que é esperado dele. “[...] cabe ao professor propiciar situações de conversa, brincadeiras ou de aprendizagens orientadas que garantam a troca entre as crianças, de forma a que possam comunicar-se e expressar-se, demonstrando seus modos de agir, de pensar e de sentir, em um ambiente acolhedor e que propicie a confiança e a autoestima. (RCNEI, 1988, p. 10)”

SÍNTESE As primeiras escolas para menores de sete anos surgiram no século XIX, na Alemanha, criadas por Froebel. Na Europa, em geral, começaram a aparecer os jardins de infância, como são chamadas as escolas infantis. O Brasil acompanhou essa história desde o início, e aqui os primeiros jardins de infância foram criados em 1875, no Rio de Janeiro, e em 1877, em São Paulo.

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Aula 1 - Fundamentos Políticos, Sociais e Legais da Educação Infantil no Brasil

No início, eram de entidades privadas, depois públicas, mas todas de inspiração froebianas. Note que, nessa época, estávamos em pleno período imperial, então essas escolas foram feitas para as famílias mais abastadas. Por esse motivo, sempre se confundiam tais escolas com asilos, que passaram a existir também para classes menos favorecidas. Também começaram os movimentos de proteção às crianças. Na Primeira República, aumentaram os números das creches e dos os jardins de infância. Com a industrialização crescente, eram necessários locais para “guarda” da criança enquanto a mãe trabalhava. Apesar de a proposta froebiana estar centrada na escola para a criança aprender brincando, não era isso que acontecia nessa época. Existe uma confusão: já que são os pobres que mais necessitam de cuidados, acredita-se que esses espaços devem ser assistenciais. A visão dessa escola para crianças passa, então, a ser assistencialista, isto é, só existe para cuidar, tomar conta, guardá-las enquanto os pais trabalhavam. O máximo que se conseguiu como evolução histórica foi uma visão higienicista, tentando dar orientação de puericultura para quem cuida da criança, ou seja, mais uma vez o “cuidar” é o aspecto central dessa proposta. Foi no início do século XX que realmente surgiram as escolas infantis mais próximas do conceito de Froebel. Com a proliferação das indústrias, fez-se necessário, por parte das mães, deixar o cuidado dos filhos para se dedicar a trabalhos fora do lar. No trabalho rural, as mulheres trabalhavam, na maioria das vezes, próximas às suas casas e as crianças as acompanhavam. Na década de 1930, foram discutidas as necessidades de criação de creches oferecidas pelas próprias fábricas e, com a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, foram discutidas também as questões educacionais. O movimento da “Escola Nova” vem somar com as propostas de escolas com a finalidade de brincar. Entende-se, agora, este ato como única forma de educar, contribuindo para o desenvolvimento da criança. Mas foi apenas no final desse século que as mudanças tornaram-se mais contundentes no Brasil. A sociedade, mais consciente após a contradição da Ditadura Militar (1964-1985), e os avanços de estudos da Psicologia sobre o desenvolvimento humano começaram a entender a infância como período de importantes aprendizagens e favoreceram reivindicações na Educação. Na Constituição Federal de 1988, a Educação da criança de zero a seis anos, passa a ser reconhecida com a sua devida importância. Em 1996, a nova LDB, Lei 9.394/96, estabeleceu o vínculo do atendimento à criança com a Educação e não mais com a Assistência Social. Para completar e implementar essas propostas, foi publicado, pelo Ministério de Educação e Desporto, o RCNEI, em 1998. Este documento, disponível em três volumes, pretende orientar e direcionar para a criação e manutenção de propostas metodológicas na Educação Infantil sobre um tripé indissociável: educar, brincar e cuidar.

Saiba mais em sites e no Youtube PACHOAL, J. D.; MACHADO, M. C. G. A história da Educação Infantil no Brasil: avanços, retrocessos e desafios dessa modalidade educacional. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/ revista/edicoes/33/art05_33.pdf>. Acesso em: 11 jan. 2012. Educação infantil – Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <pt.wikipedia.org/wiki/Educação_ infantil>. Acesso em: 11 jan. 2012.

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Educação Infantil

BARRETO, L. G. M.; SILVA, N. de; MELO, S. S. A história da educação infantil: Centro de Educação Infantil Eusébio Justino de Camargo. Disponível em: <http://need.unemat.br/4_forum/artigos/luciani.pdf>. Acesso em: 11 jan. 2012. Breve histórico da Educação Infantil. Disponível em: <http://www.artigonal.com/educacao-infantilartigos/breve-historico-da-educacao--infantil-3745694.html>. Acesso em: 11 jan. 2012. Educação Infantil: História da Educação Infantil. Disponível em: <samanthapaiva.blogspot. com/2008/07/histria-da-educao-infantil.html>. Acesso em: 11 jan. 2012. História da Educação Infantil no Brasil. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=d2ZN4lyc8oA19>. Acesso em: 11 jan. 2012.

Referências BASSEDAS, E.; HUGUET, T.; SOLÉ, I. Aprender e ensinar na educação infantil. Porto Alegre: 2007. EDWARDS, C.; GANDIN, L.; FORMAN, G. As cem linguagens da criança. Porto Alegre: Artmed, 1999. FORMOSINHO, J. O.; KISHIMOTO, T. M.; PINAZZA, M. A. (orgs.), Pedagogia(s) da infância Porto Alegre: Artmed, 2007. BRASIL. Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil. Brasília: SEB, 1998. MACHADO, L. B.; SANTIAGO, E. Políticas e gestão da Educação Básica. Recife: UFPE, 2009. OLIVEIRA, Z. R. Educação Infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002. ARIÉS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. BARBOSA, M. C. S. Rotinas na Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 2006. BONDIOLI, A.; MANTOVANI, S. Manual de Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 1998. MOYLES, J. et. al. Fundamentos da Educação Infantil: enfrentando o desafio. Porto Alegre: Artmed, 2010. FACULDADE DE EDUCAÇÃO. Disponível em: <http://www.faced.ufu.br>. Acesso em: 30 jan. 2011.

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Aula 2 Gênese do Conceito de Infância e da Educação Infantil Profª. Ms. Maria Salete da Costa

INTRODUÇÃO

N

o século XVIII, Jean-Jacques Rousseau, grande crítico da sociedade e da educação tradicional, foi o primeiro pensar a criança como tal, sendo um dos precursores da Educação Infantil. Ele é o pioneiro que mostra a importância da infância a ser considerada como um período específico no desenvolvimento humano. Nesta unidade, iremos mostrar as contribuições e as ideias de Rousseau para a Pedagogia, aprofundar o estudo e debater suas teorias. Destacaremos fatos relevantes de sua vida, suas obras e seus pensamentos filosóficos que embasam a pedagogia posterior. Em suma, nosso foco estará na educação em contato com a natureza e o entendimento do desenvolvimento natural dos homens.


Educação Infantil

A seguir, apresentaremos Pestalozzi, educador do século XIX, considerado um dos defensores da escola popular extensiva a todos e do reconhecimento da função social do ensino. Pela educação, segundo ele, cada um é levado à plenitude do seu ser na preparação do homem integral. Além de ter se dedicado ao estudo de Filosofia e Política e ser escritor literário, Pestalozzi foi um dos pioneiros da Pedagogia moderna, pois influenciou profundamente todas as correntes educacionais, e ainda hoje é uma referência atual. O educador fundou escolas e cativou todos para a sua causa: uma educação capaz de atingir o povo num tempo em que o ensino era privilégio exclusivo da elite. Também faremos uma breve explicação da teoria de Froebel, outro filósofo e educador do século XIX. Como filósofo alemão do período romântico, acreditou na criança, enalteceu sua perfeição e valorizou a liberdade de expressão da natureza infantil por meio de brincadeiras livres e espontâneas. Criou, em 1837, um modelo alemão chamado de kindergarten – jardim de infância, como ficou conhecido no Brasil, visto na unidade anterior. Para que se perceba a importância da contribuição destas teorias e práticas pedagógicas, destacaremos o jogo e a brincadeira como recursos fundamentais ao desenvolvimento da criança. Esta ideia, divulgada nesse século, ainda é muito presente entre nós na teoria e coloca-se como necessidade urgente da sua incorporação para a prática pedagógica.

Objetivo Esta unidade tem como objetivo abordar os primeiros teóricos a considerar a infância com características próprias e como são sugeridas propostas que dão origem à Educação Infantil. Os teóricos que trataremos nesta unidade foram importantes e ainda são para os dias de hoje. Partimos da questão: Quais as influências que os primeiros pensamentos sobre a infância e os primeiros modelos da Pedagogia da infância exercem hoje?

Rousseau Este pensador do século XVIII mantém grande importância, entre outras, no cenário educacional mundial. Rousseau revolucionou o conceito de Educação, condenando veementemente o que era vigente na época. Por isto, foi muito polemizado e até hoje é discutido.

1.1.1 Biografia De acordo com Aranha e Piletti, Rousseau nasceu em Genebra, em 28 de junho de 1712. Aos seis anos, iniciou suas leituras com a ajuda de seu pai, na biblioteca de sua mãe, falecida no parto. Em 1722, sob tutela de seu tio Bernard, foi morar em Bossey, onde aprendeu latim e matérias da educação básica da época. Este foi o início de uma carreira de perambulações. Mais velho, teve um caso com uma senhora da nobreza e ela lhe mostrou novas ocupações, fazendo com que Rousseau se interessasse por música, desenhos, pinturas etc.

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Aula 2 - Gênese do Conceito de Infância e da Educação Infantil

Em 1742, foi para Paris em busca de sucesso. Depois de três anos na cidade, conheceu Thérèse Levasseur, uma camareira com a qual se relacionou de modo superficial, em princípio. Com o passar do tempo, a relação tornou-se séria e com ela teve cinco filhos que foram entregues a um orfanato. Rousseau foi extremamente criticado por aqueles que não concordavam com suas ideias, pois elas eram completamente incoerentes com as suas ações práticas. Este fato contribuiu para a fama de falso moralista. Em 1749, Rousseau redigiu o “Discurso sobre as ciências e as artes”, além de artigos relacionados à música. Em 1750, publicou o “Discurso sobre as ciências e as artes”, que lhe rendeu um prêmio e aumentou a sua credibilidade. Apesar disso, a polêmica sobre ele tornou-se ainda maior. A partir de 1760, Rousseau publicou suas principais obras: “O discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”; ainda no mesmo ano, “Contrato social”; e um mês depois, “Emílio ou da Educação” que, dois anos mais tarde, foi condenado à fogueira. Para sobreviver, Rousseau trabalhou, no ano de 1775, como copiador de música. Um ano depois, terminou a redação dos “Diálogos” e iniciou “Os devaneios do caminhante solitário”. O pensador morreu em 2 de julho de 1778, quando voltava de um passeio pelo campo, deixando inacabada a última obra citada.

“Emílio ou da Educação” Esta obra foi escrita a partir de um aluno imaginário em uma ilha, que ele acompanharia desde o nascimento até a idade de 25 anos. Rousseau não se restringia ao “abstrato” para filosofar, mas utilizava exemplos práticos do dia a dia de uma criança, desde o choro, a alimentação e as fraldas até a escolha dos livros. “Emílio ou da Educação” divide-se em cinco partes: Livro 1 – A idade da necessidade (do nascimento aos 2 anos). Valorização da criança e suas especificidades; Livro 2 – A idade da natureza (dos 2 aos 12 anos). A liberdade bem regrada para a criança; educação sensitiva; Livro 3 – A idade da força (dos 12 aos 15 anos). A lei da utilidade: a prática de uma educação que leva à autonomia da criança e que se define pela liberdade; Livro 4 – A idade da razão e das paixões (a partir dos 15 anos). Relação do mundo dos homens; entrada para o mundo moral (segundo nascimento); trata da unidade entre corpo/espírito/razão/sentimento; e Livro 5 – A idade da sabedoria e do casamento. Trata mais especificamente da educação política de Emílio e de sua inserção na ordem civil; fala sobre o dever social: constituir uma família e a vida social.

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Educação Infantil

Rousseau acreditava que o homem é naturalmente bom, mas corrompido pela sociedade. Seu foco é “[...] formar um homem livre, capaz de se defender contra todos os constrangimentos” (ROUSSEAU, 1996, p. XX). Para ele, é primordial, na Educação, respeitar a liberdade, que é a primeira necessidade da criança, mas sem confundir com a liberalidade como o fizeram na época (século XVIII), pois gera a “[...] devassa e devastadora neutralidade [...]”, ou seja, quando os pais não agem para garantir bons costumes, em nome da liberdade. Pois, segundo Rousseau, os pais neutros e frágeis que não ensinam submissão às leis da natureza e que não mostram para as crianças a grande e importante diferença entre conseguir algo porque precisam e não porque querem, acabam assim, por ceder a todos caprichos dos filhos. Num pseudorrespeito à liberdade, os pais acabam tornando seus filhos eternos dependentes das coisas e dos outros para suas realizações, sem conseguirem lidar com as negativas às suas aspirações, e tampouco firmeza em suas atitudes. “Se há um adjetivo que JeanJacques teria vomitado, é a palavra ‘neutro’: nem um nem outro, sem interesse” (Op. cit.). Os pais não se colocam nem a favor nem contra, deixando por conta da criança que ainda não está preparada para decisões. Rousseau enfatiza a primeira fase da vida (ou primeira infância), com a substituição da linguagem, citando: “Quando as crianças começam a falar, choram menos [...]” (ROUSSEAU, 1996, p. 65), pois sempre utilizam e dão mais importância à última conquista, deixando quase no esquecimento a anterior. Segundo ele, o homem da natureza é o oposto ao civil, que, desde seu nascimento até sua morte, é um escravo de tudo e de todos que o rodeiam. “Sofrer é a primeira coisa que ele deverá aprender, e a que ele terá maior necessidade de saber.” (ROUSSEAU, 1996, p. 66), porque, para Rousseau, é fundamental começar a lidar com as pequenas dores para saber lidar com as grandes quando fatalmente vierem.

O pensamento filosófico e a Pedagogia de Rousseau O centro do pensamento filosófico de Rousseau é: “Há, pois, uma bondade original da natureza humana: a evolução social corrompeu-a”. Apesar de configurar-se no período Iluminista, seu foco não era a razão humana. O pensador não descarta essa característica humana, até mesmo a valoriza muito, mas seu propósito é chamar a atenção para os aspectos naturais da própria espécie. A natureza humana não é razão; é instinto, sentimento, impulso, espontaneidade. A razão em si transvia-se e perde-se quando não tem por guia o instinto natural. Os seus produtos e as suas criações mais importantes não impedem o transvio do homem se a razão não se afirma no instante e não se adequa à espontaneidade natural. O Iluminismo pretende conformar o instinto à razão, já que Rousseau pretende o contrário, a razão ao instinto. Porém, o resultado final é o mesmo. Rousseau propôs uma nova visão pedagógica através de “Emílio”, no qual visou educar as crianças mudando a relação entre pais e filhos, já que no século XVIII a criança era vista como um adulto em miniatura, realizando tarefas e usando trajes de adultos; por mais que os pais amassem os filhos, não demonstravam sentimento algum, pois achavam que a demonstração de afeto interferiria na formação da personalidade do adulto.

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Aula 2 - Gênese do Conceito de Infância e da Educação Infantil

Nessa época, havia muita discriminação social da classe dominante sobre a população – o que acontece até os dias atuais –, então a infância não vinha sendo preservada. Se naquela época era comparada a adultos, hoje a infância é cercada pelo consumismo que a sociedade impõe através de meios de consumo de massa. Mas é a primeira consideração do conceito de criança. Para Rousseau, a educação natural envolve o intelecto, os sentidos, os instintos, as emoções e o equilíbrio de sentimentos humanos com intervenções de adultos, que são importantes por impor limites. Ao mesmo tempo, podem tirar o grande fundamento desta Pedagogia que é a liberdade, tanto de moral como de regras, pois, por serem crianças, não podem seguir todas as normas de uma sociedade. Dessa forma, com tal intervenção, elas conseguem se estabilizar na sociedade. Rousseau clama fortemente pelo amor à infância e pela preservação da natureza da criança, pois isso seria a forma idealizadora de uma educação natural e consequentemente de um novo modelo de sociedade existente e que precisa ser respeitado. (DALBOSCO, 2006, p. 7)

Assim, a criança, na sua visão, tem características próprias que, por meio da educação, adquire conhecimento político, cultural, social, ético, e atitude e aprende a viver e exercer sua liberdade mudando a sociedade e se integrando ao mundo, ou seja, buscando uma aprendizagem significativa. “No contexto da primeira infância, que é a fase que me interessa aqui, tal conteúdo desdobra-se, aporeticamente, entre as necessidades da criança e os cuidados dispensados pelo adulto. Saber o que são necessários “reais” e “fictícios” e o modo como o adulto dispensa seus cuidados em relação às crianças são questões decisivas ao esboço do projeto de uma educação natural dirigida ‘a primeira infância’. (Op. cit., p. 2)”

Ele foi um filósofo do século das Luzes, difundiu o saber e sempre protagonizou o progresso do espírito humano. Rousseau queria uma sociedade em que as pessoas fossem não apenas livres e iguais, mas também soberanas, isto é, que tivessem um papel ativo dentro do contexto geral. Para isso, além de um contrato justo, seria preciso ensiná-las a serem livres, autênticas e autônomas, e essa tarefa deveria partir da educação das crianças. Rousseau clama fortemente pelo amor à infância e pela preservação da natureza da criança, pois isso seria a forma idealizadora de uma educação natural e consequentemente de um novo modelo de sociedade existente e que precisa ser respeitado. (Op. cit., p. 11)

Rousseau pôs fim à superstição, à ignorância, aos preconceitos e ao Império das opiniões, que tomavam conta de um senso comum. Mas, diferenciando-se em alguma medida de seus companheiros da época, tratou com o Iluminismo, como se sabe, de forma diferente, sem exaltar a razão, e sim, a natureza. Por isso é inserido nos movimentos do Romantismo.

Pestalozzi No século XVIII, no auge da Revolução Francesa, destacou-se a figura de Johann Heinrich Pestalozzi. Sua atuação na defesa da educação popular foi única, chegando até mesmo a criar escolas de qualidade para as classes menos favorecidas, impondo esta necessidade aos políticos da época.

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Isto se revela no fato de Pestalozzi ser contra castigos e punições, na proposta de um ensino de período integral e também com a divisão das crianças em três turmas, respeitando suas idades e as fases do seu desenvolvimento. Segundo Eby, ele teve uma vida de muitas batalhas, muitos sucessos e fracassos, mas foi um homem de grande importância para o meio educacional.

Biografia Pestalozzi era um suíço nascido em Zurique, no ano de 1746; perdeu o pai aos quatro anos de idade e foi criado em situações difíceis com a mãe, com uma amiga da família e mais dois irmãos, sendo uma menina e um menino. Sua mãe vivia para sustentá-los e lhes dar uma boa educação em escolas privadas, já que era o único ensino da época que havia garantia de qualidade. No ambiente escolar, suas experiências não foram muito boas; era muito isolado e dificilmente absorvia os ensinamentos. Ao longo dos anos, tentou se estabelecer em diversas profissões, dentre elas pastor, advogado e agricultor (na época que tinha 23 anos, logo após se casar); todas elas com objetivo de ajudar a população, gerar aprendizado e lucros. Durante as viagens de férias que fazia com o avô, faziam visitas em escolas e creches de regiões extremamente pobres, com educação fraca e sem base. Este convívio com as diferenças fez com que fosse influenciado a ajudar os menos favorecidos. Devido à sua infância um tanto quanto conturbada e seu convívio excessivo com as mulheres, ele se tornou um rapaz muito sensível e frágil, que pensava muito em ajudar os outros sem medir esforços ou gastos. O hábito de gastar sem controle teve grande contribuição em seus deslizes nos projetos educacionais, anos mais tarde. De acordo com Aranha, Pestalozzi tentou colocar em prática e desenvolver as ideias de Rousseau, iniciando com seu filho e dirigindo a primeira escola profissional para os pobres (1755-1780); defendeu a educação como um forte fator de reforma social com os escritos literários e finalmente tornou-se mestre escolar aos 50 anos, exercendo esta carreira durante vinte anos. Considerado um reformador da educação, dedicou sua vida às crianças carentes, inovando a Pedagogia de sua época. Defendia a individualidade da criança e seu desenvolvimento integral. Fundou escolas e realizou experiências pedagógicas; escreveu obras literárias, políticas, filosóficas e pedagógicas; grande parte de suas obra foi dedicada à educação popular. Em 1744, fundou em Neuhof, uma escola em que recolhia órfãos, mendigos “semicriminosos” aos quais oferecia formações gerais e reeducação profissional por meios de trabalho de fiação e tecelagem. Por questões financeiras, tal experiência durou apenas um ano. Chegou a começar bons projetos, porém não deu continuidade a nenhum deles. Foi mudando até chegar em seus grandes feitos na área de Educação, quando saiu do anonimato com a criação de uma escola feita dentro de sua casa de fazenda e também com a publicação de seu livro “Leonardo e Gertrudes”, em 1781. A partir de 1815, seu trabalho foi tomado por tristeza e decepções novamente, e, em 1825, se aposentou em Neuhof. Pestalozzi, um homem de natureza generosa, faleceu em 1827, em Brugg.

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Aula 2 - Gênese do Conceito de Infância e da Educação Infantil

Suas principais obras foram: “Leonardo e Gertrudes” (1781) e “Como Gertrudes ensina seus filhos” (1801). Na primeira obra, ele descreve a vida simples do povo rural e as grandes mudanças que Gertrudes fez através da educação. Na segunda obra, ele determina os conhecimentos e as habilidades necessárias para desenvolver o ensino para as crianças. A primeira obra não é considerada um tratado educacional, porém a segunda, embora tenha sido, é recebida sem entusiasmo pelos leitores. Pestalozzi escreveu suas memórias e seu último trabalho foi “O canto do cisne”.

O pensamento e método educacional de Pestalozzi De 1805 a 1825, Pestalozzi aplicou suas ideias no Internato de Yverdon, recebendo, com frequência, estudiosos e autoridades de várias partes do mundo que para lá se encaminhavam com o intuito de conhecer seu trabalho inovador. Pestalozzi é considerado um dos defensores da escola popular extensiva a todos. Reconhecia firmemente a função social do ensino, não como simples instrução, mas como formação completa, pela qual cada um é levado à plenitude do seu ser. Como bom discípulo de Rousseau, estava convencido da inocência e da bondade humana, bastava que se estimulasse o desenvolvimento espontâneo do aluno para ter bons resultados. Só que esta atitude o distanciava do ensino dogmático e autoritário comum nessa época, o que dificultou sua aceitação. Seu método de educar fundou-se em um princípio simples, que é seguir a natureza, e foi considerado uma tendência psicológica. Segundo Monroe (2006), a tendência psicológica não se distingue das tendências sociológicas e científicas em relação ao tempo, lugar, e até mesmo às pessoas. Foi uma explicação e um desenvolvimento dos princípios da educação naturalista, considerada como um desenvolvimento de capacidades implantadas na natureza humana. “A educação do homem é um resultado puramente moral. Não é o educador que lhe dá novos poderes e faculdades, mas lhe fornece alento e vida. Ele cuidará apenas de que nenhuma influência desagradável traga distúrbios à marcha do desenvolvimento da natureza. Os poderes morais, intelectuais e práticos do homem devem ser alimentados e desenvolvidos em si mesmo e não por sucedâneos artificiais. Deste modo, a fé deve ser cultivada pelo nosso próprio ato de crença, e não com argumentos a respeito da fé; o amor, pelo próprio ato de amar, não por mera apropriação dos pensamentos de outros homens; e o conhecimento, pela nossa própria investigação, não por falações intermináveis sobre os resultados da arte e da ciência. [...] A educação é o desenvolvimento natural progressivo e harmonioso de todos os poderes e as faculdades do ser humano. (PESTALOZZI apud MONROE, 1984. p. 284.)”

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Pestalozzi encontra no ser humano os germes de todas as faculdades, os sentimentos e as aptidões, para um desenvolvimento pleno no caminho da vida e para uma satisfação pessoal e comunitária. Sendo assim, para ele, a educação deveria desenvolver um crescimento e desenvolvimento orgânico por meio de atividades e, dessa forma, ele pôde aplicá-las na escola. Ele ainda tentou organizar atividades próprias para esse desenvolvimento. Pestalozzi criou um método de ensino no qual as crianças eram divididas em três turmas, conforme a idade: menores de oito anos, dos 8 aos 11 anos e dos 12 aos 18 anos de idade. O ensino era em período integral – das oito horas da manhã até às cinco horas da tarde. Era uma rotina intensa, porém com atividades organizadas de maneira flexível e variadas: rezavam, tomavam banho, faziam as lições, em um curto intervalo, almoçavam, brincavam e voltavam às aulas. Duas vezes por semana, os alunos eram livres para fazer excursões. Outro ponto importante a se destacar é que Pestalozzi condenava a coerção, as recompensas e punições, então os problemas disciplinares eram discutidos durante a noite. Apesar de muitas atividade e do período integral, os professores tomavam cuidado para não sobrecarregar as crianças. Tratava-se de uma aprendizagem natural e uma disciplina paternal. Um conceito extremamente valioso para ele era o de desenvolvimento orgânico. Isto significa que a criança é um organismo que se desenvolve conforme leis definidas e esse organismo possui três aspectos básicos: intelectual, físico e moral/religiosa. Este desenvolvimento deve ser harmonioso, uma vez que todos os três aspectos são diferentes, porém de grande valia e essenciais. Outro aspecto essencial sobre o desenvolvimento é o de ser gradativo, ou seja, que ocorre lentamente por meio de acréscimos dificilmente perceptíveis, visando sempre a educação como meio supremo para aperfeiçoamento individual e social.

Froebel Friedrich Froebel (1782-1852), educador e filósofo alemão, levou adiante as ideias de Pestalozzi, influenciado por uma perspectiva mística, uma filosofia espiritualista e um ideal político de liberdade. Froebel criou, em 1837, um “kindergar-ten” (jardim de infância, em português), que proporcionou um clima favorável para aprender sobre si mesmo e sobre o mundo. O nome “jardim” é explicado porque as crianças se assemelham a sementes que estariam em um determinado lugar onde seriam adubadas e desabrochariam sua divindade interior em um clima de amor, simpatia e encorajamento.

Biografia Friederich Froebel foi um filósofo e educador alemão, que nasceu em 1782, em Oberweissbach, aldeia da Turíngia, principado de Schwarzburg-Rudolstadt, na Alemanha. Com uma infância marcada pela ausência da mãe e pouco contato com o pai, Froebel mostrou, desde cedo, sua personalidade introspectiva e isso fez com que ele crescesse e se tornasse um sensível observador das coisas da natureza, voltado às incursões pela floresta e ao cultivo de plantas no jardim da família, origem de seu entusiasmo pela botânica.

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Aula 2 - Gênese do Conceito de Infância e da Educação Infantil

Segundo Kishimoto e Pinazza (2007), nessa época havia duas as perspectivas ideológicas da Educação nas sociedades europeias: uma, que era a burguesa, defendia o processo educativo como meio de conformar os indivíduos à ordem e ao espírito da burguesia; outra, que emanava do povo, entendia a Educação como forma de promover a libertação da mente e da consciência para a emancipação política. Assim, em meio a esses conflitos ideológicos, nasceu o projeto pedagógico froebeliano, compreendendo a formação do homem como um processo libertador e a educação como meio de integrar o indivíduo à coletividade, tornando-o capaz de participar da vida política, social e econômica e de se tornar responsável pela nova sociedade. Aos 10 anos, Froebel iniciou seus estudos regulares em uma escola paroquial, onde viveu até os 14 anos, ao lado de seu tio materno, o pastor Hoffmann. Em 1797, foi enviado para a Turíngia como aprendiz de um guarda florestal, e passou dois anos em um trabalho solitário, repleto de reflexões junto à natureza, e começou a se interessar pelas ciências naturais. Em 1799, em Jena, matriculou-se como estudante de Filosofia na Universidade do Estado. Encaminhouse, então, aos estudos científicos, especialmente na área de mineralogia. Depois de trabalhos nessas áreas, em 1805, se dirigiu à Frankfurt para cursar Arquitetura. Ainda segundo Kishimoto e Pinazza (2007), o interesse pela Educação do homem surgiu na época em que foi estudante de Arquitetura, por meio do contato que Froebel teve com Gruner, diretor da escola-modelo de Frankfurt e discípulo de Pestalozzi. Froebel foi convidado a lecionar nessa escola e tomou conhecimento das ideias pestalozzianas, e sua admiração por essas ideias foram transformadas em entusiasmo. Em 1806, Froebel visitou Pestalozzi, seu mestre suíço, em Yverdon, e decidiu permanecer no instituto por dois anos. Neste período, Froebel teve a oportunidade de observar os procedimentos de ensino, notando a falta de clareza e de sistematização do método de Pestalozzi. Interessou-se, especialmente, por dois tipos de atividades desenvolvidas com as crianças em Yverdon: os passeios realizados por Pestalozzi, que colocavam os alunos em contato com a natureza e possibilitavam que os alunos fizessem lições práticas, e os jogos ao ar livre. Em 1810, Froebel voltou para Frankfurt, seguindo para a Universidade de Gottingen, onde se aprofundou nos estudos das Ciências naturais e da Linguagem. Depois disso, participou da guerra. Partiu, em 1816, para Grieshem para cuidar da educação de seus sobrinhos órfãos e, a partir de então, passou a se dedicar exclusivamente à Educação. Fundou, em Keilhau, no ano de 1817, o seu primeiro empreendimento educativo, o Instituto Alemão de Educação Universal, onde divulga suas principais teses sobre Educação. Foi nesse período que Froebel começou a usar meios naturais para educar e instruir crianças de três a sete anos, apresentando o primeiro esboço daquela que seria sua grande realização: o kindergarten. O projeto pedagógico de Froebel foi colocado em prática em 1839, em Blankenburg, quando inaugurou um instituto educativo – Instituto de Jogos e Ocupações –, destinado a crianças e jovens e, a partir de 1840, recebeu o nome de Jardim Geral da Infância Alemã, ou apenas, jardim da infância (kindergarten).

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Educação Infantil

Ainda de acordo com Kishimoto e Pinazza (2007), ele também se preocupava com a formação de quem cuidaria das crianças, ou seja, as mulheres – mães e jovens educadoras. Nesta ótica, a Escola de Treinamento para Cuidadoras e Educadoras de Criança foi criada em Keilhau, em 1847. Na Alemanha, o sistema pedagógico de Froebel teve a acolhida dos liberais progressistas que, no século XIX, entendiam o jardim de infância como parte integrante do plano geral de educação pública, e, apesar de pressões políticas que determinaram o fechamento de várias instituições froebelianas, formou-se uma legião de adeptos à metodologia de Froebel que, mesmo antes de sua morte, já se ocupavam com seu estudo e divulgação de suas teorias. Friederich Froebel faleceu em 1852, em Marienthal, na Saxônia.

Teoria educacional Segundo Lourenço Filho (2002), Froebel criou kindergarten, o qual encontrava suas bases em uma filosofia espiritualista e em um ideal político de liberdade, e cujo conceito era de que as crianças e os adolescentes apenas se desenvolveriam estando em um ambiente harmônico, que propiciasse seu desabrochar. Levando estas questões em consideração, elaborou canções e jogos para educar sensações e emoções, enfatizou o valor que a atividade manual possuía na Educação, assim como a importância dos brinquedos na aquisição de conhecimentos aritméticos e geométricos. Propôs também que as atividades educativas deveriam, necessariamente, incluir o diálogo, a poesia e as atividades ao ar livre (jogos, cultivo de hortas, entre outros). De acordo com Oliveira (2002), o educando era compreendido por Froebel como um ser ativo, sujeito a um contínuo processo de desenvolvimento; assim, a criança deveria ser vista e considerada como um todo. O processo de desenvolvimento e aprendizagem nunca se encontraria findado, muito pelo contrário, estaria sempre inacabado. Sua proposta educacional baseava-se em atividades de cooperação e jogos, sendo estes a origem da atividade mental, e também ressaltava a importância da intuição e da espontaneidade infantil. Nota-se que Froebel conciliou na Educação, o papel educativo do brinquedo e das atividades lúdicas. Além disso, considerou como imprescindível a interação social no processo de desenvolvimento e aquisição de conhecimento do educando. A família deveria envolverse na educação de seus filhos. Froebel é considerado por Dewey (1958) como o primeiro a descrever alguns princípios essenciais da prática educativa com crianças: o exercício da cooperação e ajuda mútua; atividades impulsivas da criança como fontes primárias da atividade educativa e a valorização das atividades espontâneas (jogos, dramatizações, mímicas e movimentos livres) que, para ele, são as bases da ação educativa.

Práticas pedagógicas no jardim da infância Froebel é o criador da Educação Infantil com o “jardim da infância”, onde as práticas pedagógicas precisam configurar-se de uma maneira totalmente diferente da educação que se esperava para a escola da época, e que hoje são configuradas como tradicionais. “[...] entende jogo como ação livre e demonstra a potencialidade do material, dos dons, que se tornam educativos quando, por meio da autoatividade,

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a criança exterioriza seu saber e desenvolve-se. O jardim de infância diverge da escola e assemelha-se às práticas familiares. A especificidade infantil requer uma prática que não foque o conhecimento sistematizado, mas o desenvolvimento e a aprendizagem autoiniciada pela criança, tão comum no contexto familiar. (KISHIMOTO; PINAZZA, 2007, p. 57)”

Estas ideias defendidas por ele, que iniciou a proposta para crianças frequentarem escolas, ainda hoje são deturpadas, e alguns educadores teimam em fazer uso de práticas tradicionais totalmente inadequadas para esta faixa etária. Na Pedagogia froebeliana, a Educação Infantil não visa adquirir conhecimento, mas sim promover o desenvolvimento. O elemento fundamental no processo educativo deve ser a espontaneidade. Vale ressaltar que Froebel se contrapõe ao conceito de Educação como preparação. A vida em que a criança deve ser inserida não é a vida do adulto, mas a vida que vive no presente. A Educação ocorre no processo, não no passado ou no futuro. A Educação, portanto, não é o fim, e sim o meio. Tanto as prendas como as ocupações seriam articuladas pelo professor mediador com o objetivo de formar a livre expressão infantil. Foebel as chamou de “atividades maternas”. Na teoria de desenvolvimento froebeliana, o brincar ocupa um espaço essencial. Ao designar o brincar como o momento mais significativo do desenvolvimento da criança, Froebel explica: “Brincar é a atividade mais pura, mais espiritual do homem neste estágio, e, ao mesmo tempo, típico da vida humana como um todo – a vida natural interna escondida no homem e em todas as coisas. Ele dá, assim, alegria, liberdade, contentamento interno e descanso externo, paz com o mundo. Ele assegura as fontes de tudo que é bom. Uma criança que brinca por toda parte, com determinação autoativa, perseverando até esquecer a fadiga física, poderá seguramente ser um homem determinado, capaz de autossacrifício para a promoção deste bem-estar de si e de outros. Não é a mais bela expressão da vida da criança neste tempo o brincar infantil? A criança que está absorvida em seu brincar? A criança que desfalece adormecida de tão absorvida? [...] brincar neste tempo não é trivial, é altamente sério e de profunda significação. (FROEBEL, 1896, p. 55 apud KISHIMOTO; PINAZZA, 2007 p. 49)”

Froebel colocou a liberdade das crianças em primeiro lugar, por isso ele foi visto como ameaçador ao poder político alemão, o que levou o autoritarismo governamental da época a fechar os jardins de infância do país por volta de 1851. O que Froebel pensou para o seu país acabou percorrendo por outros países, já que sua renovação educacional foi proibida na Alemanha. Em 1848, um casal alemão refugiado na Inglaterra fundou o primeiro jardim de infância inglês com as ideias de Froebel. Da mesma forma, outro casal fundou, em 1858, o primeiro jardim de infância americano. Suas ideias continuaram aflorando em outros solos e até no Brasil.

SÍNTESE Ao estudarmos os pensadores desta unidade, vimos que eles não só influenciaram mudanças, mas revolucionaram a Educação de forma a transformá-la num conceito oposto ao antigo. 31


Educação Infantil

Aos pais e educadores de hoje, vale a pena começar a ler e reler todos eles, começando por Rousseau. Cada livro seu convida-nos a meditar acerca da temporalidade criada pelo autor, para dar lugar às suas peculiaridades de bondade, de natureza, de virtude, de sociedade, de razão e, principalmente, de civilização. Rousseau se vale para desvendar o estado de natureza na Educação do “Emílio”. Ao formar o homem civil, tem a intenção de revelar os atributos naturais do homem. Rousseau explica sobre a educação natural: fala sobre respeitar o desenvolvimento da criança como um processo contínuo. A educação dura a vida toda, por isso suas fases devem ser respeitadas. A simplificação do processo educativo é simples como a natureza da criança. A criança não deve ser considerada como um adulto em miniatura. Rousseau explica que a criança deve ser tratada como tal. Pestalozzi dá continuidade às ideias de Rousseau e consegue, apesar das dificuldades, colocá-las na prática. Nenhum dos pensadores modernos deu tanta contribuição à Educação quanto Pestalozzi, que exaltou o amor e o afeto nesse processo. A crença na manifestação da divindade no ser humano e a solidariedade, que ele praticou, principalmente em favor dos pobres, foram os pontos principais de sua obra. Antecipando concepções do movimento da Escola Nova, Pestalozzi afirmava que a função principal do ensino é levar as crianças a desenvolver suas habilidades naturais e inatas, idealizando uma escola que deveria ser um local que oferecesse uma atmosfera de segurança e afeto. Para ele, os sentimentos tinham o poder de despertar o processo de aprendizagem autônoma na criança e só o amor tinha força salvadora, capaz de levar o homem à plena realização moral, isto é, encontrar conscientemente, dentro de si, a essência divina que lhe dá liberdade. Pestalozzi psicologizou a Educação, além de ser conhecido como o “pai” da Pedagogia moderna, também foi conhecido como o mais bem-sucedido fracasso na Educação. Apesar de seus livros não fazerem sucesso e de seus internatos durarem pouco tempo, Pestalozzi foi um grande pioneiro que propôs várias mudanças na área da Educação. Seus valores e conceitos são reconhecidos e muito bem conceituados até hoje na área da Educação. Completamos esta unidade com outro filósofo e educador que estudou a criança, e é primordial apossar-se de seus ensinamentos. Continua sendo fundamental conhecer e colocar em prática hoje o que foi discutido por Froebel no século XIX. É importante que o profissional da Educação tenha uma visão ampla com relação ao saber, ao educar, enfatizando e respeitando a individualidade de cada um. Este estudo sobre Froebel é de fundamental importância na formação de pedagogos, uma vez que as ideias por ele desenvolvidas são pertinentes e atuais. O fato de ele considerar a criança como ser ativo no processo de aquisição do conhecimento e preconizar a utilização de jogos, canções, brincadeiras ao longo deste processo, é um conceito contemporâneo e verdadeiro. Mais do que isto, pode-se perceber ao longo deste estudo que Froebel foi um educador cujas ideias perpassam seu tempo histórico, uma vez que naquela época ele já afirmava algo que ainda hoje lutamos para defender – o fato de que a infância é uma fase extremamente importante na vida do ser humano. Estes pensadores tratados nesta unidade foram os fundadores do conceito de “Infância” e de “Educação Infantil”. Representam a gênese da Educação Renovada, que contrapôs-se a Educação Tradicional, e que também germinou um movimento educacional conhecido por nós como Escola Nova.

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Aula 2 - Gênese do Conceito de Infância e da Educação Infantil

Saiba mais em sites e no Youtube Revista Nova Escola. Edições Especiais. Friedrich Froebel, o formador de crianças pequenas. Disponível em: <http://revistaescola.abril. com.br/educacao-infantil/4-a-6-anos/formador-criancaspequenas-422947.shtml>. Acesso em: 05 out. 2009. ZACHARIAS, V. L. C. Froebel. Disponível em: <http://www.centrorefeducacional.com.br/froebel.html>. Acesso em: 10 out. 2009. Froebel. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=glab4YJP Tas&feature=related>. Acesso em: 25 out. 2009. FriedrichFroebel. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v= 1kopGpijuE8&feature=related>. Acesso em: 25 out. 2009.

Referências ARANHA, M. L. de A. História da Educação e da Pedagogia. São Paulo: Moderna, 2002. ______. A experiência de Pestalozzi. São Paulo: Moderna, 2006. CERIZARA, A. B.; KISHIMOTO, T. M. O brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira, 1998. DALBOSCO, A. C. Sobre Filosofia e Educação. Passo Fundo, MG: Ed. UPF, 2006. FORMOSINHO, J. O.; KISHIMOTO, T. M.; PINAZZA, M. A. (orgs.). Pedagogia(s) da infância. Porto Alegre: Artmed, 2007. LOURENÇO FILHO, M. B. Introdução ao estudo da escola nova: bases, sistemas e diretrizes da pedagogia contemporânea. 14. ed. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2002. MONROE, P. História da Educação. São Paulo: Moderna, 1979. ______. História da Educação. São Paulo: Nacional, 1984. OLIVEIRA, Z. de M. R. Educação infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002. PILETTI, N.; PILETTI, C. Filosofia e história da Educação. São Paulo: Ática,1986. ROUSSEAU, J. J. Emílio ou da Educação. São Paulo: Martins Fontes, 1995. ______. Emílio ou da Educação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992. ______. Do contrato social: ensaio sobre a origem das línguas; discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens; discurso sobre as ciências e as artes. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Coleção “Os Pensadores”). SOUZA, M. T. S. R. O pensamento político clássico. São Paulo: T. A. Queiroz, 1980. WEFFORT, F. Os clássicos da política. São Paulo: Ática, 2003.

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Aula 3 A Escola Nova e os Pioneiros Da Educação Infantil No Século XX Profª. Ms. Maria Salete da Costa

INTRODUÇÃO

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esta unidade, temos como objetivos conceituar a Escola Nova, discutir rapidamente o movimento escolanovista mundial e destacar alguns dos seus representantes. A Escola Nova constituiu-se como um movimento mundial, oriundo do século XX, com intuito de denunciar as inúmeras falhas da educação que aconteciam na época. Sob este prisma, difundiu-se também a ideia de educar crianças na escola. Escolhemos os primeiros ápices das práticas inovadoras que foram destaques na mudança conceitual da educação e da implantação das escolas para crianças de zero a seis anos: John Dewey e Maria Montessori. Eles foram os pioneiros em discutir e criticar a educação vigente na época e, principalmente, em fundar escolas infantis embasadas em novos conceitos.


Educação Infantil

Começaremos por Dewey, norte-americano que, inspirado no pragmatismo, pensava e enfatizava a importância de “aprender fazendo” – prática pedagógica que fundamenta a Pedagogia Experimental difundida por ele. No Brasil, sua influência foi a mais importante, sendo constatada em mudanças legais ocorridas após divulgação de suas ideias. Destacaremos também a proposta da médica italiana Maria Montessori, primeira mulher a projetar-se como educadora e pesquisadora na área da Educação. Ela seguiu a linha naturalista da autoeducação, baseada nas sensações, destacando a importância de uma prática que estimule os cinco sentidos, contando com o preparo do material pedagógico adequado. Sua contribuição para a prática na educação da primeira infância foi primordial. Seu método de ensino está presente em muitas das práticas utilizadas e consolidadas na Educação Infantil atual, mesmo que não aconteçam integralmente.

Escola Nova Apesar das discussões teóricas dos séculos XVIII e XIX, e de algumas práticas novas ocorridas no século XIX – assim como a criação da Educação Infantil –, foi no início do século XX que se consolidaram as novas práticas. Essas realizações só puderam acontecer dentro dos pressupostos da Educação Renovada (nomenclatura que é dada à educação que se opõe ao autoritarismo e às imposições da Educação Antiga, esta que se configurou como tradicional). Na análise quanto ao contexto histórico do século XX, em linhas gerais, constatamos significativas crises e transformações na sociedade. “A palavra crise se refere à situação difícil, a desafios, mas tem a mesma raiz de julgamento e, portanto, de crítica” (ARANHA, 2006, p. 244). Significa a constatação do envelhecimento de alguma coisa ou ideia que não serve mais e ao mesmo tempo, o esforço para entender, julgar e escolher novos caminhos. Com isso, queremos dizer que não só a escola ou a Pedagogia estavam, e ainda estão, em crise, mas a própria humanidade está no aguardo de uma nova era, que exige a construção de outros valores e paradigmas. Diante de uma sociedade tão complexa e contraditória, constatamos o fundamental papel de um sistema de educação adequado, “antecedido por reflexões rigorosas sobre seus fundamentos e objetivos, ou seja, uma reflexão pedagógica” (ARANHA, 2006, p. 246). A contribuição da Educação foi muito relevante nas transformações gerais dessa época, que receberam maior destaque no campo teórico – mas que, na prática, também foram muito significativas. As propostas de educar crianças na escola propagaram-se rapidamente, como já vimos nas unidade anteriores, talvez pela demanda mundial que levou as mulheres a trabalharem fora de casa e terem a necessidade de cuidar e educar os filhos nesse espaço de tempo. Também sabe-se que, aos poucos, foi adquirida consciência de que o espaço escolar é o melhor para acolher, cuidar e educar crianças. Avanços na Psicologia Infantil garantem que a criança precisa de atividades para aprender e se desenvolver, e o professor necessita saber como a criança aprende para poder ensiná-la. Após as primeiras escolas que foram implementadas desde o século XIX, chamadas de jardim de infância, começaram a surgir outras propostas interessantes na educação da criança. Os pedagogos Pestalozzi e Froebel foram os precursores do escolanovismo por criarem os métodos ativos de educação, tendo em vista também a formação global do aluno. Entretanto, somente no início do século XX se configurou definitivamente o movimento que defende esta ideia.

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Aula 3 - A Escola Nova e os Pioneiros Da Educação Infantil No Século XX

Ainda no século XIX, em 1889, foi fundado o Bureau Internacional de Escolas Novas, sediado em Genebra. Devido à criação de inúmeras Escolas Novas, o Bureau aprovou trinta itens básicos da Nova Pedagogia, de modo que, para uma escola pertencer ao movimento, deveria cumprir pelo menos vinte itens. De acordo com esse padrão, as características principais eram as seguintes: educação integral (moral, física e intelectual); educação ativa (participação ativa do aluno nas tarefas propostas); educação prática (com obrigatoriedade de trabalhos manuais); abolição do papel do professor como centro da tarefa educativa (papel este que passou a ser do aluno); e adoção de planos educativos individualizados. Esse projeto exigiu métodos ativos, com mais ênfase no processo de conhecer do que no produto do conhecimento. Por este motivo, as atividades foram centradas nos alunos, na criação em laboratórios, oficinas, hortas e até imprensa, tendo em vista a estimulação da iniciativa, permitindo ao educando o “aprender fazendo”. A Escola Nova, pela ação educativa inovadora dos seus representantes, sustentou e concretizou com sucesso a possibilidade de ensinar crianças fora do lar, em ambiente escolar. No Brasil, o escolanovismo desenvolveu-se no momento em que o País passava por inúmeras mudanças econômicas e sociais, e teve como seu maior representante Anísio Teixeira que, por sua vez, foi influenciado por Dewey. Esse movimento ganhou forças com a divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, de 1932, o maior movimento histórico registrado que destacava, entre outras reivindicações, principalmente: » » Educação Pública universal, laica e gratuita; » » acesso das classes populares à Educação Superior. Alguns dos ideais expressos no Manifesto foram atendidos pela Constituição de 1934, mas logo foram negados na Constituição de 1937, durante o Estado Novo (Era Vargas); em 1961, novamente foram discutidos para a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Entre os nomes que assinavam o Manifesto, estava o de Anísio Teixeira, que, além de importar o pensamento de Dewey para o Brasil, afirmava que a sociedade era dinâmica e estava sempre em pleno curso de transformação. Os principais pioneiros que escolhemos para discorrer sobre as conquistas da Educação Infantil são: Dewey e Montessori.

Dewey John Dewey nasceu em 1859, na cidade de Burlington, estado de Vermont (EUA). Foi professor secundário de Ciências e Latim, cursou a Universidade Johns Hopkins, e tornou-se professor universitário. Fundou uma escola experimental na Universidade de Chicago. Suas principais obras são: “Meu Credo Pedagógico” (1897); “A Escola e a Sociedade” (1899); “Democracia e Educação” (1916); e “Filosofia e Civilização” (1931). Era adepto da corrente filosófica do pragmatismo. Criada pelo filósofo Charles Sanders Peirce, no século XIX, essa corrente se opõe ao conhecimento contemplativo, puramente teórico, e privilegia a utilidade, a prática e a experiência; reconhece que uma proposição só é verdadeira quando funciona. “Pragma tem a ver com prática, com experiência, e por isso falamos em pragmatismo. É uma filosofia que leva em conta a experiência, em todos os sentidos. É olhando para experiência que vemos que a vantagem tem sido

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uma conselheira da humanidade. Às vezes, isso é tiro pela culatra. Mas teríamos outra coisa senão a experiência – a nossa e a de outros – para tomar como um guia de nossas decisões? (GHIRALDELLI, 2007, p. 150)”

Essa concepção traz para a Educação a ideia do “aprender fazendo”, que sistematiza a Pedagogia Experimental com os seguintes princípios: » » pensamento educacional pragmático ou funcional sistematizado; » » toda ação educacional ativa; » » função democratizante da educação; » » função da escola é possibilitar a experiência; » » educação dinâmica, assim como a vida moderna. Os pensamentos de Dewey influenciam muito, e inspiram até hoje, a Pedagogia da infância para formação da criança e do adulto reflexivos, por meio dos projetos e da reflexão do professor. As práticas educativas seguiam um método experimental que consistia em: » » atividades centradas nos alunos; aprendizagem pela descoberta; » » a criança só aprenderá aquilo que sua curiosidade suscitar; privilégio às atividades práticas e ao movimento; » » despertar o interesse do aluno; » » projeto educacional individualizado, inserido num projeto social. “A meta da vida não é a perfeição, mas o eterno processo de aperfeiçoamento, amadurecimento, refinamento.” (DEWEY)

Ele instituiu um trabalho pedagógico que parte de projetos. Até hoje, os projetos são recomendados no trabalho educacional com crianças. Há de se lembrar que tais projetos só são legítimos na educação pela experiência e reflexão, inserindo-se nas ocupações construtivas por representarem a conexão do que a criança sabe e do currículo. Na prática educativa, as experiências pessoais não devem se opor às de conhecimento científico, assim como as atividades práticas (sentidos, movimentos) não se opõem às intelectuais (universo simbólico). Os projetos devem aproximar as atividades da vida social às atividades formais da escola, para que as crianças se reencontrem com as atividades de seu tempo presente, recapitulem componentes culturais passados e compreendam o processo de desenvolvimento da vida humana. Entre as ocupações construtivas nos trabalhos escolares incluem-se várias atividades, vários instrumentos e materiais, como papel, papelão, madeira, couro, barbante, argila e areia. “Os processos empregados são: dobrar, cortar, furar, medir, modelar, [...] aquecer e esfriar, e as aplicações próprias de instrumentos como martelos, serrotes, limas etc. Excursões, jardinagem, cozinhar, costurar, imprimir, encadernar livros, tecer, pintar, desenhar, cantar, dramatizar, contar histórias, ler e escrever. (DEWEY, 1959 apud PINAZZA, 2007, p. 85)”

Tudo isso como trabalhos ativos com finalidades sociais, e não visando apenas alguma proficiência. Ademais, há os inúmeros jogos e brinquedos para algumas espécies de ocupação.

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Aula 3 - A Escola Nova e os Pioneiros Da Educação Infantil No Século XX

Dewey é o nome mais célebre da corrente filosófica que ficou conhecida como pragmatismo, embora ele preferisse o nome instrumentalismo – uma vez que, para essa escola de pensamento, as ideias só têm importância desde que sirvam de instrumento para a resolução de problemas reais. No campo específico da Pedagogia, a teoria de Dewey se inscreve na chamada educação progressiva. Um de seus principais objetivos é educar a criança como um todo. O que importa é o crescimento físico, emocional e intelectual. O princípio é que os alunos aprendem melhor realizando tarefas associadas aos conteúdos ensinados. Atividades manuais e criativas ganharam destaque no currículo e as crianças passaram a ser estimuladas a experimentar e pensar por si mesmas. Nesse contexto, a democracia ganha peso por ser a ordem política que permite o maior desenvolvimento dos indivíduos, no papel de decidir em conjunto o destino do grupo a que pertencem. Dewey defendia a democracia não só no campo institucional, mas também no interior das escolas. O filósofo da educação moderna norte-americano defendia a democracia e a liberdade de pensamento como instrumentos para a manutenção emocional e intelectual das crianças. Algumas críticas, tanto à Escola Nova como aos trabalhos de Dewey, indicam que existe pouca relevância dada aos conteúdos programáticos. Estas não procedem, pois o incentivo ao conteúdo bem ensinado e o estímulo à insistência de que esses conteúdos não sejam apenas explicados, mas experimentados cientificamente, são sempre recomendados. Se os conteúdos forem tratados desta forma, terão chance de serem totalmente compreendidos, pois, ao “aprender fazendo”, o entendimento é simultâneo aos procedimentos realizados passo a passo. Talvez tenha sido por este motivo que a sua influência foi mundialmente aceita. Outra crítica é quanto à aplicabilidade da Pedagogia Experimental ser restrita à Educação Infantil. Afirmação que também é desleal, pois quantas atividades superficialmente aplicadas, apenas com leituras e exercícios de memorização, não seriam realmente incorporadas de fato pelo aluno se fossem ensinadas desta forma no Ensino Fundamental? E mais, hoje sabemos disto pelas práticas já testadas historicamente. Temos resultados já bem avaliados das boas influências que aconteceram no Brasil, no movimento escola-novista brasileiro nas décadas de 1920 e 1930. Numa concepção dialética, John Dewey, ao defender um papel ativo dos educandos no processo de aprendizagem, representou a antítese à educação tradicional vigente. A síntese desse processo pode ser observada atualmente por meio de pedagogias críticas ou progressistas, que têm uma função democratizante e libertadora, propostas nas quais professores e alunos são sujeitos ativos nos processos de ensino e aprendizagem. Essa síntese do pensamento educacional é observável em documentos oficiais, como a LDB e no RCNEI.

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Montessori Segundo Pollard (1993), Maria Montessori nasceu em 31 de Agosto de 1870, na cidade de Chiaravalle, na província de Ancona, localizada ao Leste da Itália. Após desistir do curso de Engenharia, diplomouse, em 1892, no curso de Física e Matemática. Iniciou o curso de Medicina e Cirurgia na Universidade de Roma e, em 1896, tornou-se a primeira mulher na Itália a se formar neste curso. Como diretora de uma casa para deficientes mentais, concluiu que a educação era mais importante que remédios químicos na recuperação daquelas crianças e que o método que criou para elas poderia ser importante para todas as crianças. Em 1907, Maria Montessori fundou a Casa dei Bambini, em São Lourenço, em que pretendia criar ambientes de liberdade capazes de permitir a livre expressão da criança. Em 1913, mais de 100 escolas utilizavam o Método Montessori de Ensino. Em 06 de Maio de 1952, Maria Montessori sofreu uma hemorragia cerebral e faleceu, aos 82 anos, na Holanda. Até hoje continua a expansão de suas ideias, tendo escolas montessoria nas no mundo inteiro. Exemplos mundiais que ilustram esta referência escolar são vistos nessas escolas montessorianas espalhadas pelo mundo.

Um sistema educacional que contrariava o modelo da época, o trabalho educacional de Maria Montessori não foi criado para atender à elite, como era comum no início do século XX, mas para atender a uma clientela pobre, com o objetivo de qualificá-la para o ingresso na escola oficial, aos 7 anos, e para minimizar problemas sociais locais. Segundo Montessori, a criança é um corpo que cresce e uma alma que se desenvolve, formando-se fisiológica e psiquicamente uma fonte eterna da vida, e que não devemos quebrar suas misteriosas energias, mas esperar delas as manifestações sucessivas. No seu método pedagógico, destacam-se as etapas do desenvolvimento pelas quais passa o ser humano desde o nascimento até os 18 anos, chamados por ela de períodos sensitivos.

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A pequena infância (do 0 aos 6 anos) – período de transformação no qual a criança precisa de certa liberdade que lhe permita iniciativas, construindo o indivíduo, o ser social. Essa etapa divide--se em duas fases: a do espírito absorvente inconsciente (0 aos 3 anos) e a do espírito absorvente consciente (3 aos 6 anos). Na primeira, forma-se a inteligência; na segunda, torna-se consciente em suas ações. “Todas as coisas armazenadas inconscientemente vêm à superfície graças ao trabalho das mãos da criança – as mãos vêm a ser instrumento do cérebro” (ANGOTII, 2007, p. 119). Esse período, que chamamos de Educação Infantil, é o que nos interessa. A grande infância (dos 6 aos 12 anos) – período do crescimento uniforme. As características psicológicas permanecem as mesmas, a criança é capaz de um intenso trabalho intelectual e tudo se faz em grupo (o que é bom para ajudar no desenvolvimento social e moral da criança); A adolescência (dos 12 anos aos 18 anos) – período de transformação em que nasce um indivíduo socialmente consciente. Esta etapa divide-se em duas fases: a da puberdade (12 aos 15 anos) e a da adolescência (15 aos 18 anos). Um dos aspectos mais falados da Pedagogia montessoriana é o estudo dos “períodos sensitivos”, nos quais a inteligência do ser humano não aparece do nada, e em cada período sensitivo surge uma nova função – linguagem, ordem, boas maneiras etc. “É, pois, necessário que o adulto siga a criança nos primeiros desenvolvimentos e a ajude. Não tem de ajudá-la a construir-se, porque este trabalho incumbe à natureza; tem de respeitar com delicadeza as suas manifestações, facilitando-lhe os meios necessários para a construção que ela podia obter por seus próprios meios. (MONTESSORI, 1936 apud ARAUJO; ARAUJO, 2007, p. 120)”

Segundo ela, o professor deve inicialmente observar; em lugar de ensinar muito, deve ser silencioso; em vez de instruir muito, deve observar bastante; em vez de ser orgulhoso pelo seu saber, deve ser humilde. O educador é o construtor da ambiência educativa e seu papel consiste em perceber os objetos através das simulações. “O adulto precisa interpretar as necessidades da criança para compreender e auxiliar com cuidados apropriados e preparar-lhe um ambiente adequado. Desta forma, iniciaria uma nova era da educação, a de ‘auxílio à vida’”. (MONTESSORI, 1936 apud ANGOTII, 2007, p. 123). O educador não é um mestre, mas um diretor das experiências de aprendizagem; ele deve dirigir o crescimento e o desenvolvimento da criança, proporcionando a ela os materiais adequados, observar os períodos sensitivos e quando ocorrer um salto ou acesso do desenvolvimento em uma nova direção. O papel do professor não é “abafar a atividade das crianças”; seu papel é aparentemente passivo – as coisas vão por si mesmas e, para estudá-las, investigar os seus segredos ou dirigi-las, é preciso observar e conhecê-las sem intervir. Nas rodas, as crianças devem ser reunidas para discussões e debates, para relatos ou leitura de histórias. Elas favorecem a atenção, pois quando todos se veem mutuamente, não perdem o foco daquilo que está em pauta, seja um jogo, a observação de um objeto ou qualquer outra atividade, e tira do professor o papel central. Montessori foi pioneira no campo pedagógico ao dar ênfase à autoeducação da criança, pois ela acreditava num potencial latente e inato em cada ser humano. Dessa maneira, para Montessori, o papel do professor como fonte de conhecimento era inviável, pois ele devia ser um guia que orienta seu aluno para que este não desperdice seu tempo em coisas supérfluas, que são insignificantes para a formação ideal. 41


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A criança deve e pode autoeducar-se. A criança é beneficiada de educação natural. E, assim, visa o desenvolvimento da persona-lidade humana e suas potencialidades. Montessori diz que: “Descobrimos que a educação não é aquilo que o professor dá, mas é um processo natural que se desenvolve espontaneamente no indivíduo humano; que não se adquire ouvindo palavras, mas em virtude de experiências efetuadas no ambiente. A atribuição do professor não é a de falar, mas preparar e dispor uma série de motivos de atividade cultural em um ambiente expressamente preparado. (MONTESSORI, 1971 apud ANGOTTI, 2007, p. 121) ”

A criança deve ser ativa. Há uma concepção de autoeduca-zione, pois o ser humano tem capacidades que lhe são naturais, e a construção de si, pela própria criança, é a descoberta dessas potencialidades. Compreende-se, pelos períodos sensíveis, que a dificuldade de aprender não vem da questão idade, mas do potencial e da dificuldade dos estudos. A criança deve e pode se autoc orrigir, não cabendo a correção do professor. O primeiro fator da educação é o ambiente educativo, que deve ser belo. Assim sendo, era de fundamental importância para a aquisição de conhecimento que fossem criados pelo educador um ambiente propício para as descobertas e que fossem produzidas situações que estimulassem este despertar da vida intelectual da criança. Esse ambiente adequado para a exploração do potencial da criança e a consequente aprendizagem devem envolver os cinco sentidos. A escolha espontânea das atividades deve ocorrer por parte da criança. O ambiente, segundo a educação, é um lugar agradável e tranquilo, sem restrições. Dele também fazem parte os adultos educadores, que facilitam a expansão do ser em desenvolvimento e recolhem as energias para oferecer meios necessários ao desenvolvimento das atividades derivadas desses ambientes. Começando pelo terreno cultivável, vasto, ao ar livre que seja próximo à escola – de maneira que a criança tenha total acesso –, com pequenas cadeiras, mesas quadradas individuais e outras com formas e dimensões diferentes, com toalha, jarra de flores, algumas pequenas poltronas; um lavabo muito baixo com prateleiras laterais, brancas e laváveis para colocar sabão e com pequenas escovas e toalhas, armários baixos e compridos com várias portas, bacia com peixes vivos, pequenas lousas nas paredes, cenas familiares, campestres e animais domésticos. Como numa casa, à sua medida, a criança pode escolher a posição que lhe agrada e virá saber mover-se com graça e discernimento, o que não aconteceria através da imobilidade e do silêncio. Montessori atribuiu a ideia da miniaturização, a principal modificação escolar, na qual a “casa” está à medida da criança. Por exemplo: mesas e cadeiras pequenas. A preparação do professor para essa nova educação – paciência e observação isenta de pré-conceitos – foram as chaves de seu trabalho. Adentrar os mistérios da vida infantil foi sua meta básica; ambiente organizado com materiais específicos para cada matéria; postura do professor – observação do educando e confecção de relatórios. Portanto, o Método Montessori tem por objetivo: promover atividades motoras e sensoriais; ambiente escolar com objetos que estimulem os sentidos utilizando jogos e materiais pedagógicos; aprender, ensinar e cooperar no ambiente decorado e mobiliado de acordo com as necessidades de um ser pequeno. A educação dos sentidos é dada pelo estímulo dos nossos cinco sentidos:

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1) Educação básica ou de peso – feita por meio de tabelinhas de diferentes quantidades; 2) Educação heterognóstica – reconhecimento de objetos pelos sentidos musculares e táteis, por meio de exercícios feitos com os olhos fechados; 3) Educação do olfato e paladar – são representadas várias substâncias diferentes, as quais as crianças cheiram ou provam, com os olhos vendados, para identificá-los; 4) Educação tátil e térmica – consiste em desenvolver as habilidades pelo tato, a agilidade, noções de higiene, sensibilidade do calor, sentidos térmicos e táteis. Para isso, utilizavam-se materiais de diferentes superfícies, tecidos, tigelas cheias de água em temperaturas diferentes; 5) Educação da vista – tem como objetivo conduzir a criança a observar e a perceber distâncias e cores, utilizando os seguintes materiais: caixas com cartões, encaixes sólidos, objetos de diferentes tamanhos e espessuras; 6) Educação do ouvido – realizada através de exercícios que servem para aquisição da linguagem, treinando atenção e reconhecimento dos sons, utilizando apitos, caixas cheias de materiais diferentes e campainhas. PRINCÍPIOS BÁSICOS DO MÉTODO MONTESSORI: liberdade, atividade e individualidade. MATERIAL DOURADO: o Material Dourado de Montessori é constituído por cubinhos, barras, placas e “cubão”, que representam:

Observe que o cubo é formado por dez placas, que a placa é formada por dez barras e a barra é formada por dez cubinhos. Este material baseia-se em regras do nosso sistema de numeração. Entre os materiais, o que teve mais repercussão mundial foi o Material Dourado, que inicialmente era fabricado em contas amarelas e brilhantes (daí o nome, pois se assemelhava a ouro), introduzidas em um pedaço de arame bem rígido. É importante lembrar que inicialmente todo material deveria ser confeccionado pelas crianças. O sistema desenvolvido com esse material era o de unidade, com uma conta; o de dezena, com dez contas; o de dez fileiras de contas, que era chamado de placa (cada fileira com dez contas); e um cubo com dez placas e cada placa com dez fileiras, ou seja, mil contas. Durante o período em que iniciavam as atividades com esse material, algumas crianças engoliam as contas ou se machucavam com os arames, o que levou Lubienska de Lenval – discípula de Montessori – a reestruturar o material em madeira, modo como hoje é visto em muitos países.

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O Material Dourado é um sucesso até hoje por sua grande utilidade no auxílio ao aprendizado da matemática, principalmente nas quatro operações básicas: divisão, subtração, adição e multiplicação. Esse material propicia à criança a visão espacial dos números e não apenas símbolos abstratos que o representem. Exemplo: ao realizar uma conta em seu caderno, a criança pode não entender o que isso significa concretamente; já com o Material Dourado, a criança consegue fazer associações dos números (símbolos) com objetos (cubos, fileiras, placas ou “cubão”). O Material Dourado, sendo bem trabalhado, permite que a criança, por si mesma, consiga perceber os erros, ajuda a desenvolver a concentração e a autoconfiança, estabelecendo noção de ordem e coordenação motora.

LINKS Educar para Crescer. Maria Montessori. Disponível em: <http://educarparacrescer.abril.com.br/ aprendizagem/maria-mon-tessori-307444.shtml>. Acesso em: 25 jan. 2012. Programa Educar. O Material Dourado Montessori. Disponível em: <http://educar.sc.usp.br/ matematica/m2l2.htm>. Acesso em: 25 jan. 2012. Wikipédia. Maria Montessori. Disponível em: <http:// pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Montessori>. Acesso em: 25 jan. 2012. Wikipédia. John Dewey. Disponível em: <http://pt.wikipedia. org/wiki/John_Dewey>. Acesso em: 25 jan. 2012.

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SÍNTESE Em 1920, com o crescimento da industrialização e da urbanização no mundo, intelectuais brasileiros também passaram a se interessar pela educação e, então, aderiram ao Movimento mundial da Escola Nova, que contribui para: » » o movimento educacional renovador brasileiro, que se embasou no escolanovismo surgido no século XIX, na Europa e EUA. Esse movimento opunha-se às práticas pedagógicas tradicionais e possibilitava e estimulava a ideia de uma educação da infância; » » a responsabilidade de reordenar a sociedade passar a ser destinada à escola, por meio do ajustamento dos indivíduos frente à nova realidade, com metodologias ativas, tendo o aluno como figura central no processo; » » Anísio Teixeira ser reconhecido como o representante brasileiro, seguidor de Dewey, que, junto com outros intelectuais, publicou o Manifesto dos Pioneiros da Educação da Escola Nova. Há alguns pontos importantes na Pedagogia de John Dewey, que fundou uma escola experimental na Universidade de Chicago no final do século XIX, sob o ideal da Escola Nova ou progressiva (como preferia denominar). Lá, pretendia estimular a atividade dos alunos para que eles aprendessem fazendo e, também, mostrar e traduzir seus pensamentos sobre a Pedagogia do aluno e do professor reflexivos, que é de grande relevância na concepção da Educação Infantil. O contexto histórico, as convicções filosóficas e políticas de John Dewey e seus pensamentos pragmáticos sobre o progresso intelectual da criança justificam a forma como ele influenciou a Pedagogia brasileira escolanovista. A influência deweyana propôs experiências reais no aprendizado para o desenvolvimento de hipóteses e raciocínio dos alunos que estão na escola vivendo, e não apenas sendo preparados para o futuro. A conexão entre o trabalho prático, os projetos e a obra científica fazem do professor um cientista capaz de aliar a prática ao conhecimento pedagógico, e fazem do aluno um investigador ativo. Montessori foi outra idealizadora da Escola Nova que surgiu com propostas educacionais na Itália, nas décadas de 1920 e 1930, quando a educação tornara-se o assunto em pauta. Montessori foi a pioneira no campo pedagógico a dar ênfase à autoeducação da criança, pois ela acreditava nesse potencial latente e inato em cada ser humano. Para ela, o professor tem papel de guia que orienta seu aluno. A existência de um ambiente adequado à exploração e consequente aprendizagem deve envolver os cinco sentidos, sendo que a escolha espontânea das atividades ocorre por parte da criança. Para Montessori, o conhecimento se dá por meio da experimentação e da liberdade de escolhas das atividades e dos materiais. Consideramos que os esforços constantes e o compromisso árduo da Dra. Maria Montessori com a questão educacional deixaram marcas em nosso modelo de educação contemporâneo. Sua inovação trazida à prática da autoeducação, das habilidades sensoriais, da individualidade, do aprendizado em um ambiente pacífico e ordenado têm0 se mostrado pontos importantes e de necessário cuidado. Entre tantas dificuldades e desafios que são encontrados no meio escolar, ela nos trouxe mais uma grande contribuição, uma luz no fim do túnel que possa nos orientar e buscar saídas possíveis.

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Referências ANGOTTI, M. Maria Montessori: uma mulher que ousou viver transgressões. In: FORMOSINHO, J.; KISHIMOTO, T.; PINAZZA, M. Pedagogias da infância. Porto Alegre: Artmed, 2007. ARANHA, M. L. de A. História da educação. São Paulo: Moderna, 2002. ________. História da educação e da pedagogia geral e do Brasil. São Paulo: Moderna, 2006. ARAUJO, A. F.; ARAUJO, J. Maria Montessori: infância, educação e paz. In: FORMOSINHO, J.; KISHIMOTO, T.; PINAZZA, M. Pedagogias da infância. Porto Alegre: Artmed, 2007. DEWEY, J. Democracia e educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959. GHIRALDELLI JR., P. História da educação. São Paulo: Cortez, 2007. GIORGI, C. de. Escola Nova. São Paulo: Ática, 1986. FILHO, L. Introdução ao estudo da Escola Nova. São Paulo: Melhoramentos, 1978. MACHADO, I. Educação Montessori: de um homem novo para um mundo novo. São Paulo: 1973. MONTESSORI, M. A criança. São Paulo: Círculo do Livro, 1990. NIELSEN NETO, H. Filosofia da educação. São Paulo: Melhoramentos, 1988. OLIVEIRA, Z. de M. R. Educação Infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002. PINAZZA, M. John Dewey: inspirações para uma pedagogia da infância. In: FORMOSINHO, J.; KISHIMOTO, T.; PINAZZA, M. Pedagogias da infância. Porto Alegre: Artmed, 2007. POLLARD, M. Maria Montessori. São Paulo: Globo, 1993. REVISTA NOVA ESCOLA. Edição especial Grandes Pensadores. São Paulo: Abril, 2002. TEIXEIRA, A. Por que “Escola Nova”? Escola Nova. São Paulo: v. 1, n. 1, p. 8-26, out. 1930.

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Aula 4 Teorias e Práticas do século XX em destaque: Consolidação da Educação Infantil Profª. Ms. Maria Salete da Costa

INTRODUÇÃO

A

inda no século XX, desde as primeiras propostas apresentadas na unidade anterior, paralelamente aos estudos e as pesquisas que demonstraram teorias do desenvolvimento e da aprendizagem da criança, rapidamente apareceram outras práticas inovadoras que consolidam a Educação Infantil.

O objetivo desta unidade é mostrar como as teorias da Psicologia orientam os educadores em relação ao desenvolvimento e às aprendizagens próprias da criança. Além disso, conhecer outros representantes que contribuíram para a expansão da Educação Infantil com práticas diferenciadas das propostas antigas, tradicionais. Dessas teorias, nos deteremos em algumas ideias e informações dos principais psicólogos que contribuíram para as mudanças: Piaget, Vygotsky e Wallon. (Só um recorte para essas modalidades – desenvolvimento e aprendizagem – pois eles serão estudados mais detalhadamente na disciplina específica de Psicologia).


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Para exemplificar outras práticas, escolhemos Decroly, também médico que, como Montessori, ao tratar deficientes mentais, se tornou educador. Ele era belga e se propôs a atender os interesses infantis através de propostas que centralizam a atenção da criança. Vamos destacar essas propostas. Para encerrarmos, ainda comentaremos a grande contribuição de Freinet, francês que listou uma série de práticas ativas ligadas à vida, propiciando uma vivência educativa em vez de conteúdos desconectados da realidade cotidiana.

Desenvolvimento e aprendizagem da criança Será que podemos nos referir ao desenvolvimento infantil determinando uma fórmula única para este processo humano? Não precisamos das teorias para entendermos que não. Basta apenas observarmos crianças com as quais convivemos e veremos que quase sempre isto acontece de uma forma ou outra, com irmãos, filhos, primos, filhos de amigos, alunos. Mas ao mesmo tempo, percebemos uma certa regularidade. » » Quais seriam elas? » » O que influencia para ocorrer diferenças? » » E como se dá essa evolução? Segundo Bassedas, Huguet e Solé (2007), as crianças até seis anos de idade sofrem diversas mudanças e a cada dia que passa se integram para fazer parte de uma sociedade e cultura. Para entender melhor esse processo, é preciso entender três conceitos: maturação, desenvolvimento e aprendizagem. Estes são os itens mais importantes para que crianças possam aprender, se desenvolvendo mental e fisicamente enquanto crescem. Maturação significa “[...] mudanças que ocorrem ao longo da evolução dos indivíduos, as quais se fundamentam na variação da estrutura e da função das células” (BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 2007, p. 20). O desenvolvimento é “[...] a formação propriamente humana (linguagem, raciocínio, memória, menção, estima)” (BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 2007, p. 21). É um processo interminável. Já a aprendizagem é o que incorporamos, que nos faz mudar de conduta, a maneira de agir, de responder; é o produto da educação que outros indivíduos planejam e organizam. “Mediante os processos de aprendizagem, incorporamos novos conhecimentos, valores, habilidades que são próprias da cultura e da sociedade em que vivemos” (BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 2007, p. 21). Cada criança tem um jeito único de desenvolver, que é da espécie humana, mas há uma influência hereditária, informação genética do seu pai e mãe. “[...] traços morfológicos, um sexo definido, algumas capacidades de desenvolvimento que estão inscritas em determinadas constituições do cérebro e um calendário de maturação. (BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 2007, p. 22)”

Esta parte está: “[...] bem esclarecida na diferenciação apresentada por F. Jacob e registrada em Palacios (1979), entre a parte aberta e a parte fechada do código genético. A parte fechada do código genético é aquela que impõe uma determinada

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informação genética que será necessariamente cumprida... que estabelece um ciclo de vida determinado para os seres humanos, alguns reflexos no momento do nascimento, algumas características genéticas determinadas. A parte aberta do código genético, ao contrário, estabelece um conjunto de potencialidades que não se desenvolvem totalmente sem influência do meio, sem a estimulação das pessoas com os quais convivem. (BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 2007, p. 22.)”

Segundo Vygotsky (1989), a relação da aprendizagem com o desenvolvimento é de reciprocidade, pois trata-se de fenômenos distintos mas interdependentes. A aprendizagem impulsiona o desenvolvimento, mas num nível avançado, real, e de desenvolvimento alcançado, também possibilita novas aprendizagens, traçando um círculo vicioso. Ainda segundo as autoras citadas, a aprendizagem ocorre das mais variadas formas, sendo observando, ouvindo, mexendo etc. A Psicologia e a Pedagogia vêm tentando explicar este processo de aprendizagem de várias formas. Segundo Palacios (1991), a criança pode aprender através “[...] da experiência com os objetos, a aprendizagem através da experiência em determinadas situações, a aprendizagem através do prêmio e do castigo, a aprendizagem por imitação e a aprendizagem da formação de “andaimes” por parte da pessoa adulta ou outra pessoa mais capaz. (BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 2007, p. 25)”

Para Piaget (1969), a criança só conhece quando atua sobre os objetos, quando pratica ações sobre os objetos; situações criadas determinam a aprendizagem, que permitem entender ampliando ainda mais sua mente, percebendo das pessoas seu comportamento em determinados lugares. As representações simbólicas são apontadas pelos psicólogos como jogos de faz de conta, no qual a situação pode até mudar a função do objeto na brincadeira, possibilitando conhecimentos novos. As crianças passam por muitos momentos de prêmios e castigos, o que serve para que aprendam os seus limites, até onde lhes é concedido chegar e até que ponto a outra pessoa está disposta a consentir. É preciso evitar castigos de maneira autoritária, os quais a criança perde a autoestima e a segurança. A retirada de afeto gera insegurança e sofrimento. Através da imitação, as crianças observam as atitudes e as ações das pessoas e, com isso, passam a aprender e reproduzir o que está sendo feito, fazendo dessa experiência um processo de aprendizagem importante nos primeiros anos de vida. A aprendizagem por meio de andaimes é feita com o auxílio de um adulto mais capacitado que a criança, tendo em vista que a criança não consegue realizar algumas tarefas sem o auxilio de um adulto que a ajuda nesse processo por meio de repetições, gestos, entre outros, até certo momento em que a criança possa realizar a tarefa completamente sozinha, com um grau neurológico melhor. “[...] através da metáfora do “andaime” que se utiliza na construção de edifícios. Um edifício não é construído sobre o nada: os materiais utilizados podem apoiar-se em estruturas sólidas, já construídas anteriormente; são montados andaimes que permitem adaptar-se e subir até o ponto que já está construído; ao mesmo tempo, apoiados nos andaimes, pode-se continuar levantando por suas alçadas e, também, avançar no desenvolvimento da edificação. Quando a construção acabar, os andaimes são todos retirados, mas o edifício não poderia ter sido construído sem o seu apoio. (BRUNER, 1985 apud BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 2007, p. 28-29). ”

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Para Ausubel (1983, apud BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 2007), no caso dos andaimes, há possibilidade de uma aprendizagem significativa, conceituada como um processo em que a informação nova faz ligações com algo que já existe na estrutura cognitiva. Já a aprendizagem compartilhada é aquela em que adulto e criança têm papéis diferentes na interação em que o adulto faz determinada ação e a criança faz outra, de acordo com a ação do adulto. Segundo Vygotsky (1989), seria a atuação na zona de desenvolvimento proximal (ZDP), que explicaremos no item 4.2.2. Considerando várias contribuições teóricas, o desenvolvimento, impulsionado pelas aprendizagens, acontece com uma certa regularidade, e é possível descrever algumas características desse processo. Quando a criança nasce, ela não tem consciência dos seus próprios movimentos. Ao longo do primeiro ano de vida, várias mudanças ocorrem, mudanças essas fundamentais para o desenvolvimento posterior. O bebê nasce com reflexos (de sucção, de preensão, movimentos automáticos etc.) e com um sistema nervoso que está preparado para uma maturação constante, que permite passar desse movimento involuntário, que representa os reflexos, a um movimento consciente e voluntário, que é a base do movimento humano. No primeiro ano de vida, o bebê começa a segurar tudo que está ao seu alcance para explorar (usando a boca e a mão). Esse estágio se denomina “domínio da pinça fina”. Apenas no oitavo mês, o bebê começa a usar as mãos para representar situações e se comunicar: dar adeus com as mãos, fazer movimentos se referindo a canções, entre outros. Concluindo: no primeiro ano de vida, o bebê utiliza as mãos para explorar e conhecer o mundo a sua volta e o seu corpo, melhorando o seu tônus muscular. A partir do segundo ano de vida, as crianças começam a se opor aos pais e educadores. Isso se deve ao fato de quererem fortalecer a própria personalidade e a capacidade de autonomia. As crianças se tornam mais independentes e começam a formar suas personalidades. Nesse momento, é importante que os pais e educadores saibam como lidar com essas crianças e mostrar a elas seus limites. A partir de dois anos de idade, considera-se que a criança está preparada física e psiquicamente para controlar suas necessidades fisiológicas e alimentícias. No decorrer dos anos, as crianças tornam-se mais capazes de discutir entre elas com uso de argumentos linguísticos, conseguem estabelecer relações diferenciadas com companheiros e companheiras e buscar uma relação que seja enriquecedora para as tarefas que queiram desenvolver. Pode-se concluir que a aprendizagem é que determina o desenvolvimento; os adultos possuem um papel fundamental entre o mundo cultural e a criança; as experiências das crianças são a base para fazer novas construções e ampliar o campo de conhecimento e as mudanças ocorridas ao longo dos anos partem das condições atuais do indivíduo. Essas considerações foram feitas a partir da psicologia do desenvolvimento humano e das aprendizagens do século XX, das quais destacaremos alguns representantes a seguir.

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Piaget (1986-1980 – Suíça) Este conhecido estudioso da Psicologia Genética, formado em Biologia, consagrado cientista e pesquisador nessa área, também se consagrou na Epistemologia, tratando de assuntos como a Teoria do Conhecimento, o que seus colaboradores mais tarde chamariam de Construtivismo. Sua teoria tem por base que a inteligência não é inata, não depende só da hereditariedade; o desenvolvimento se dá a partir da interação com o meio. É o sujeito que constrói o conhecimento em constante interação com o objeto. A inteligência se constrói em duas dimensões diferentes: existe um aspecto funcional e outro estrutural. A função da inteligência é feita de processos contínuos que são iguais em adultos e crianças, são eles: » » acomodação – situação estável de percepções, informações e experiências; » » conflito – situação de instabilidade: esquemas antigos e as outras aquisições; » » assimilação – reorganização, adaptação de todo o sistema cognitivo para adequar-se ao novo dado. Mas é a estrutura que nos assinala o trabalho pedagógico diferenciado que necessita ser feito com a criança, já que ela não é a mesma em todas idades. A estrutura da inteligência torna-se radicalmente diferente nos adultos. Portanto, a percepção imediata que temos, como adultos aprendizes, não poderá ser parâmetro da aprendizagem infantil. A estrutura da inteligência apresenta estes esquemas evolutivos diferentes em adultos e crianças: » » sensório-motor – contatos diretos para assimilar pessoas e objetos. Este processo acontece na ação concreta e direta como objeto do conhecimento (de 0 a 2 anos +ou-); » » pré-operatório – representação em realizações reais. Este processo acontece na ação simbólica, ou seja, a criança representa, brinca, “faz de conta que” para aprender (de 3 a 6 anos +ou-); » » operatório concreto – reversibilidade da ação realizada. Entendimento do não realizado. Este processo é uma operação. Segundo Piaget, operar é pensar, ou seja, a criança pensa sobre a situação inversa se realizar a anterior concretamente (de 7 a 10 anos +ou-); » » operatório formal – relacionar coisas e situações, prever ações futuras; desenvolvimento das operações de raciocínio abstrato. Este é um processo de abstração, que não acontece de uma só vez. Há um primeiro raciocínio abstrato primário entre uma ação e outra. Com duas ações, coordenadas à primeira, o raciocínio é secundário. Com três, é terciário. O raciocínio quaternário é o máximo da abstração (de 11 anos em diante). Estas informações da Psicologia são importantíssimas para a Educação, uma vez que se trata de conhecer os processos internos de como a criança adquire o conhecimento. A aprendizagem é a relação do interno com o externo e isto foi mal-entendido pelos empiristas que fizeram uma leitura simplista do Piaget. Há que se lembrar da epistemologia piagetiana para entendê-lo. “O ponto de vista empirista conduz a que se ponha a tônica sobre aquilo que é exterior à criança. Os métodos pedagógicos refletem esse ponto de vista e caracterizam-se por manipulações exteriores da experiência sensorial da criança [...] O ponto de vista interacionista de Piaget conduz a por a tônica (também) o que é interior na criança. (KAMII, 1989, p. 15)”

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Esta noção interacionista de Piaget confere a sua visão em relação aos fatores que interferem na inteligência: biológicos ou genéticos, experiência no mundo físico e interação social, além disso, o equilíbrio entre os três, que se constitui num quarto fator.

Vygotsky (1896-1934 – União Soviética) A teoria original de Lev Vygotsky é o Interacionismo. Seus estudos passam pelas áreas da Linguística, Psicologia do desenvolvimento, Psicologia da Educação e Psicopedagogia. Ele “[...] percebeu a determinação histórica da consciência e do intelecto”, ou seja, a inteligência tem uma dimensão histórica. Os estudos de Vygotsky consideram a Linguagem um instrumento lógico e analítico do pensamento e ela se constitui em uma “fala social”, que, por sua vez, trata-se de expressões emocionais e elementos referenciais para a conversação. O pensamento é fruto da ação do diálogo. A fala também promove a autodireção, dado que é ela que conduz o pensamento. As funções psicológicas superiores, segundo Vygotsky (1989), próprias do ser humano (as inferiores pertencem também a alguns animais), acontecem primeiramente nas relações interpsíquicas – as pessoas, em interação social, assimilam experiências umas das outras – e, só depois de incorporadas, essas novas experiências se transformam em intrapsíquicas – essas experiências interiorizadas passam a ser experiências nossas. Ex.: primeiramente a criança não faz uma determinada ação porque seus pais não a deixam fazer e depois vai entendendo que não deve fazer, por si mesma. “A linguagem possibilita a capacidade de abstração, função mental complexa que depende das experiências sociais vivenciadas.” (Op. cit. p. 38). Há na sua concepção dois níveis de desenvolvimento da inteligência. » » Efetivo – as crianças ou pessoas conseguem realizar ações ou discernir conceitos sozinhos pois já desenvolveram efetivamente o que é preciso para este entendimento. A inteligência está apta para que essas realizações sejam efetuadas sem qualquer tipo de ajuda. É o desenvolvimento real. » » Potencial – tudo que será possível, futuramente, ser realizado, e isto é muito amplo. Por isso, criou-se a noção de uma zona próxima ao desenvolvimento real. Zona de Desenvolvimento Proximal – existe a possibilidade de realizações, que não dependem do desenvolvimento efetivo. Algo que está perto de ser efetivo, mas para fazê-lo é necessária a ajuda do outro, como comentado anteriormente. Esta é uma ótima informação para a educação escolar, pois reabilita a função de ensinar do professor e contraria a Escola Nova, dando um papel ativo também para o professor. “A criança atrasada abandonada a si mesma, não pode atingir nenhuma forma evolucionada de pensamento abstrato e, precisamente por isso, a tarefa da escola consiste em fazer todos os esforços para encaminhar a criança nessa direção, para desenvolver o que lhe falta. (VYGOTSKY, 1984, p. 39)”

Esta perspectiva interacionista contribui para as tendências atuais da Pedagogia, que consideram o professor e o aluno responsáveis pelas aprendizagens.

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Wallon (1879-1962 – Paris) Uma teoria psicogenética e uma teoria sobre a psicologia da criança são resultados dos trabalhos, estudos e das pesquisas do médico, estudioso da área da Psicologia, e dos aspectos neurológicos. Além de atuar na área de saúde, Henri Wallon também foi um ativista político como membro do Partido Comunista, pondo em prática suas ideias socialistas. Seus estudos diferenciaram-se dos feitos por seus colegas porque ele não estudou apenas os aspectos cognitivos da inteligência, mas considerou a pessoa por completo, abrangendo os domínios cognitivo, afetivo e motor. Wallon também participou do movimento da Escola Nova, como presidente do movimento francês. Para tal, além da Psicologia, tratou dos problemas da Pedagogia. Fez críticas muito contundentes às mudanças ocorridas com os equívocos de algumas práticas e fez ressalvas a elas: ao espontaneísmo, que acontece em nome de liberdade; à falta de sistematização que pode gerar alterações nas verdadeiras intenções da prática; ao individualismo que pode ser gerado das ações individuais, também por passar a considerar o professor não necessário ao ensino e ainda o caminho restrito dos métodos. Porém, faz defesas às propostas da Escola Nova, por despertar o interesse infantil, por condenar o autoritarismo abusivo que era comum ao professor da época, por propor que as práticas aconteçam na ação concreta da criança, tendo um aluno ativo e, ainda, a atenção e o respeito aos níveis de desenvolvimento para ensinar. Wallon, ao estudar o desenvolvimento da criança, tem como base a pessoa toda, sendo que os estágios listados por ele levam em consideração todos os domínios considerados, ou seja, o movimento, a afetividade e a intelectualidade. » » 1º Impulsivo-emocional (0/1 ano de idade) » » 2º Sensório-motor (1/3 anos de idade) » » 3º Personalista-sincretismo (3/6 anos de idade) » » 4º Categorial - Percepção direta (9/11 anos de idade) » » 5º Puberdade e adolescência

Impulsivo-Emocional

Sensório-motor e projetivo

Personalismo

» » 1° ano de vida » » Criança interage por afetividade » » Simbiose afetiva com o meio » » Até 3 anos » » Marcha e preensão → manipulação de objetos e exploração de espaços

» » 3 a 6 anos » » Construção da consciência de si mediante interações sociais

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Educação Infantil

Categorial

»» »» »» »»

6 a 11 anos Capacidade de memória e atenção voluntárias Progresso intelectual dirige o interesse Raciocínio simbólico se consolida como ferramenta cognitiva

Adolescência

»» »» »» »»

A partir dos 11 anos Estágio caracterizadamente afetivo Busca de auto afirmaão Desenvolvimento da sexualidade

Assim como Vygotsky, Wallon considera a interação social em primeiro lugar. Faz referências às suas características: » » evolutiva, pelas mudanças sucessivas que ocorrem; » » histórica, pelo caráter temporal de suas modificações. A Interação social acontece pela linguagem e é ela que conduz ao pensamento. Segundo Heloísa Dantas, ele considera que “[...] a palavra carrega a ideia como o gesto carrega a intenção”.

Práticas inovadoras e a Consolidação da Educação Infantil Decroly (1871-1932 – Bélgica) Decroly, médico belga, em 1907 passou a dedicar-se às pesquisas educacionais, fundando uma escola e também inovando nos temas. Sua preocupação era com a globalização do ensino, só que em torno de centros de interesse: a criança e a família; a criança e a escola; a criança e o mundo animal; a criança e o mundo vegetal; a criança e o mundo geográfico; a criança e o universo. Apaixonado por desenho, dança, música e ciências naturais, Decroly sempre foi um bom aluno, embora tivesse um péssimo comportamento, sendo expulso de diversas escolas. Formou-se em Medicina na Universidade de Gand, tendo morado em Berlim e Paris, e se especializado em doenças neurológicas. Decroly especializou-se em Neurologia e também trabalhou com deficientes mentais; criou métodos baseados na observação e depois os utilizou em crianças “normais”, assim como Maria Montessori fez. Ambos acreditavam que o ensino deveria se aproveitar das aptidões naturais de cada faixa etária. Na Bélgica, em 1901, abriu uma escola para crianças em sua casa chamada “L’École de l’Hermitage”, que começou apenas com crianças deficientes. Em 1907, diversos pais, admirados pelo trabalho de Decroly, pediram para que ele abrisse um colégio para crianças “normais”. Além de ter sido médico do Ministério da Justiça e do departamento de ensino da cidade de Bruxelas, participou intensamente de diversos projetos de ensino. Foi crítico do modelo de ensino tradicional, que considerava muito rígido, duro e desconectado da realidade a sua volta. Sua pedagogia prezava bastante a expressão artística e o papel social preventivo que a escola deveria ter para não deixar com que as crianças se tornassem membros afastados da sociedade. 54


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Segundo suas teorias, a Educação e a sociedade deveriam estar em contato constante e a escola deveria, além de ser mais um aspecto integrado na vida das crianças, ensiná-las a aprender e fazer deste um processo prazeroso, que atendesse às necessidades e aos interesses da criança. O conceito de interesse é fundamental no seu pensamento. Segundo ele, a necessidade gera o interesse e só este leva ao conhecimento. Decroly desenvolveu a Teoria do Globalismo e dos centros de interesses e preferia o trabalho em grupos – preparo para o convívio em sociedade. A escola montessoriana recebe as crianças em ambientes preparados para tornar produtivos os impulsos naturais dos alunos; já a escola de Decroly trabalha com elementos do dia a dia. Os métodos e as atividades propostos pelo educador têm por objetivo desenvolver três atributos: observação, associação e expressão. A observação é compreendida como uma atitude constante no processo educativo. A associação permite que o conhecimento adquirido pela observação seja entendido em termos de tempo e de espaço. Já a expressão faz com que a criança externe e compartilhe o que aprendeu. A criança se utiliza de linguagens múltiplas para dar conta das aprendizagens. Na expressão, Decroly dedicou-se à questão da linguagem. Para ele, não só a palavra é meio de expressão, mas também, entre outros, o corpo, o desenho, a construção e a arte. Com a ampliação do conceito de linguagem, Decroly pretendia separar a ideia de inteligência como capacidade de dominar a linguagem convencional, valorizando expressões “concretas” como os trabalhos manuais, os esportes e os desenhos. Decroly nunca escreveu uma obra que resumisse suas teorias de maneira conclusiva, pois elas estavam em constante evolução. Uma de suas ideias nas quais se constrói sua teoria é que “[...] as crianças não são nem folhas em branco nem pequenos adultos, são apenas diferentes. Vêm ao mundo equipadas com uma ‘imensa reserva de equipamento nervoso’ que tem um aspecto hereditário importante, mas que depende do ambiente no qual está inserido para se desenvolver.”

Severo crítico da escola do seu tempo, Decroly a comparava a um quartel silencioso e salientava que “[...] a educação e a sociedade deveriam estar em interação constante, devendo a escola ser um prolongamento da vida [...] que as crianças aprendessem a aprender e gostassem de aprender”. Segundo ele, o entendimento errôneo de como funciona a mente das crianças, leva os adultos a subestimarem a importância dos jogos, das brincadeiras e das representações de mundo para as crianças. Para ele, até os cinco ou seis anos de idade, o fator ‘globalizante’ é a presença constante no desenvolvimento das crianças. Os centros de interesse são coisas pelas quais as crianças se interessam a partir do momento que elas não têm mais que dedicar a maior parte de suas energias para tarefas que visam apenas garantir sua sobrevivência.

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Educação Infantil

Freinet (1896-1966 – França) Na busca por formar crianças ativas no processo de aprendizagem – ao invés de passivas e entediadas em sala de aula –, Freinet, educador francês, trouxe, no início do século XX, para o cotidiano escolar, práticas como: aulas-passeio, jornal na sala de aula e a imprensa na escola, livro da vida e correspondência na escola. Estudioso dos autores pioneiros da Escola Nova, com a influência dos autores com essas criações pedagógicas, mesmo não estando inserido no movimento, acabou por contribuir muito nas transformações da prática pedagógica principalmente na Educação Infantil. » » 1896 – Celéstin Freinet nasceu em Gars, no sul da França, na região de Provença, em 15 de outubro. » » Na adolescência, mudou-se para Nice, onde iniciou o curso de Magistério e começou suas atividades como professor adjunto sem ainda ter concluído o Curso Normal. Através do sensível contato com os alunos, começou as descobertas essencialmente práticas que originaram as atividades voltadas para o interesse das crianças. » » 1926-1928 – Conheceu e casou-se com Elise, artista plástica, que trabalhou como sua colaboradora. Juntos editaram o livro “A imprensa na escola” e criaram a revista “La Gerbe” (“O Ramalhete”, em português), com poemas infantis. Fundaram, então, uma cooperativa de ensino e passaram a trabalhar em Saint. » » 1940 – Freinet foi preso no campo de concentração de Var. » » Ficou gravemente doente e, na prisão, deu aula para os seus companheiros enquanto Elise lutava pela sua libertação. Após ser solto, Freinet integrou-se ao movimento da Resistência Francesa e lançou a ideia do movimento “Frente da Infância”. » » 1947/1948 – A cooperativa já reunia » » 20 mil participantes. Preocupados com o excesso de crianças em sala de aula, lançaram uma campanha nacional por 25 alunos por classe. » » 1966 – Freinet morreu na cidade de Vence, na França. A Pedagogia de Freinet é muito mais que uma proposta pedagógica, é quase uma filosofia de vida. Nessa Pedagogia, a criança é vista como um ser autônomo que tem a capacidade de escolher, sob orientação do educador e de acordo com seu próprio interesse, as atividades que serão desenvolvidas. É, portanto, uma educação que respeita o indivíduo e a diversidade, e reencontra a identidade própria do ser humano através da individualidade de cada um, que respeita as crianças tais como elas são, sem submetê-las a modelos preestabelecidos e que as ajuda na formação de sua personalidade. É uma Pedagogia real e concreta que procura oferecer às crianças e aos adolescentes uma educação condizente com as suas necessidades e mediante as práticas cotidianas. Na busca por formar crianças ativas no processo de aprendizagem – ao invés de passivas e entediadas em sala de aula – Freinet trouxe para o cotidiano escolar, práticas como: Aulas-passeio, Livro da vida, A imprensa escolar, Cor-respondência escolar e Texto livre;

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As aulas-passeio Segundo a coordenadora do Núcleo Freinet, de São Paulo, Rosa Maria Whitaker Sampaio, especializada no tema, “a aula-passeio tem quatro etapas: a motivação, a preparação, a ação e a comunicação”. Depois de motivado, o grupo passa a cumprir, assim, as fases seguintes: » » preparação – planejam-se os aspectos materiais (tempo, transporte, alimentação). Com pesquisa e entrevistas, definem-se as leis ou regras do assunto, a situação geográfica, os dados históricos e outros. Por último, faz-se um levantamento de hipóteses; » » ação e prolongamento – terminado o passeio, os alunos verificam suas hipóteses e fazem pesquisas complementares sobre pontos obscuros ou novas descobertas; » » comunicação – as conclusões devem ser transmitidas pela imprensa escolar, por murais, teatro etc.

O livro da vida É uma espécie de diário da classe, ao qual as crianças têm livre acesso e do qual o professor também deve participar. O livro da vida é a forma de registro mais primária da livre expressão. Nele a criança pode incluir qualquer trabalho (texto, desenho, pintura) que deseje, sem passar pela correção coletiva. A única exigência é que esses textos sejam sempre assinados para que possam ser discutidos coletivamente.

A imprensa escolar A imprensa escolar é um dos pilares da Pedagogia de Freinet, usada desde as séries iniciais. Se não for possível imprimir o jornal, que seja feito à mão. A atividade parte de textos escritos livremente, com temas definidos pelos alunos a partir de entrevistas, pesquisas e aulas-passeio. Mas, para ser divulgado, o texto precisa ser perfeito e a correção coletiva é essencial. O processo de impressão também é coletivo. Como lecionava numa escola sem recursos, Freinet criou o limógrafo, uma impressora artesanal, substituída pelo mimeógrafo, e hoje, pelo computador.

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A correspondência escolar A correspondência entre classes e entre escolas é outro importante pilar da Pedagogia de Freinet. Para ele, as atividades escritas têm pouco sentido se ficam restritas aos que as produzem, mas tornam-se apaixonantes se o autor sabe que serão lidas e correspondidas.

O texto livre É a base da livre expressão defendida por Freinet, pois respeita a inspiração da criança quanto à forma, ao tema e ao tempo para sua realização. Pode, portanto, ser também um desenho, um poema etc. O texto livre, como sugere o nome, nunca é exigido pelo professor, embora deva ser continuamente estimulado. A colocação mais importante de Freinet é a visão da criança como um indivíduo pensante, com capacidade de decidir e opinar sobre assuntos que lhe são apresentados, e que, não só a criança, mas o adulto também, realizará da forma mais agradável as atividades a que sejam estimuladas, ao invés de impostas. Por isso, é necessário desde sempre incentivar a curiosidade sobre a vida e suas inúmeras possibilidades.

SÍNTESE As brilhantes ideias e práticas sugeridas por estes teóricos são absolutamente coerentes para aquele que concorda que a escola é o lugar onde a criança, o indivíduo, se desenvolve como um todo – física, emocional, social e psicologicamente. Abrangem, portanto, todos estes aspectos, condizendo perfeitamente com suas teorias. As capacidades atuais de uma criança são definidas pela interação entre a maturação psicofísica e as possibilidades que lhe foram oferecidas pelo contexto nesse momento. Todos os seres humanos passam pelos mesmos estágios, mesmo que em diferentes idades (devido a divergentes grupos culturais). As crianças apresentam três áreas gerais: área motora, cognitiva e afetiva. Dos três autores da Psicologia discutidos, só o Wallon trata de todas elas. Assim como a maioria deles, Piaget e Vygotsky teorizam sobre a área cognitiva. A área motora consiste na capacidade de movimento do corpo humano; a área cognitiva se refere às capacidades de compreender o mundo e atuar nele por meio do uso da linguagem ou mediante resoluções de situações problemáticas; e a área afetiva é a capacidade de se sentir bem consigo mesmo, o que permite confrontar-se com situações e pessoas novas; saber atuar no mundo que o rodeia. Apesar dessas três diferentes áreas, o desenvolvimento é global e apresenta uma estreita relação entre elas. Além de concluirmos a importância das aprendizagens, que alguns garantem impulsionar o desenvolvimento da inteligência, trouxemos mais dois educadores revolucionários da prática educativa. Eles nos orientam, com exemplos significativos, como conseguir que o processo de ensinoaprendizagem possa ser melhorado. No relato histórico dessas novas pedagogias, podemos conferir estas conquistas.

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SAIBA MAIS EM SITES www.conteudoescola.com.br www.educacional.com.br www.freinet.org.br www.wikipedia.com http://educar.sc.usp.br/matematica/m2l2.htm http://www.educacional/escolanova.br http://www.filosofia.pro.br/

Referências BASSEDAS, E.; HUGUET, T.; SOLÉ, I. Aprender e ensinar na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2007. COTRIN, G.; PARISI, M. Fundamentos da Educação – História e Filosofia da Educação. São Paulo: Saraiva, 1979. DUBREUCQ, F. Jean-Ovide Decroly. Disponível em: < http://www.ibe.unesco.org/fileadmin/user_ upload/archive/publications/ ThinkersPdf/decrolye.pdf>. Acesso em: 07 fev. 2012. FORMOSINHO, J. O.; KISHIMOTO, T. M.; PINAZZA, M. A. (orgs.). Pedagogia(s) da infância. Porto Alegre: Artmed, 2007. EDWARDS, C.; GANDIN, L.; FORMAN, G. As cem linguagens da criança. Porto Alegre: Artmed, 1999. FREINET, C. O texto livre. 2 ed. Lisboa: Dinalivro, 1976. ______. Para uma escola do povo: guia prático para a organização material, técnica e pedagógica da escola popular. São Paulo: Martins Fontes, 1996. KAMII, C. A teoria de Piaget e a educação pré-escolar. Lisboa: Instituto Piaget, 1989. MALAGUZZI, L. Histórias, ideias e Filosofia básica. In EDWARDS, C.; GANDIN, L.; FORMAN, G. As cem linguagens da criança. Porto Alegre: Artmed, 1999. NASCIMENTO, C. V. F. do; MORAES, M. A. S. de. Decroly e a escola para a vida. Disponível em: <http:// www.pedagogiaemfoco.pro.br/per08.htm>. Acesso em: 07 fev. 2012. OLIVEIRA, Z. R. Educação Infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002. RECONSTRUIR, a revista do educador. Decroly: centros de interesse e liberdade. Disponível em: <http://www.educacaomoral.org. br/reconstruir/os_educadores_edicao_76_jean_ovide_decroly. htm>. Acesso em: 07 fev. 2012. TAVARES, M. de L. C. Ovide Decroly. Disponível em: <http://cienciasdonossotempo.no.sapo.pt/ decroly.htm> . Acesso em: 07 fev. 2012.

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Aula 5 Os Ambientes de Aprendizagem Profª. Ms. Maria Salete da Costa e Profª. Ms. Elaine Maria S. de Moura

INTRODUÇÃO

U

ma das funções da Educação é a reconstrução, pela criança, do conhecimento universal construído historicamente pela humanidade como forma de compreensão da realidade em sua totalidade e possibilidade de atuação sobre ela.

A realidade sociocultural da criança e o conhecimento que já possui são considerados ponto de partida para a reconstrução de novos conhecimentos. Sendo assim, o espaço educativo deve favorecer às crianças inúmeras possibilidades para expressarem o que pensam, sentem e o que sabem através de múltiplas linguagens: por olhar, movimento, gesto, choro, mímica, fala, desenho, pintura, modelagem, música, canto, escrita etc. Portanto, o espaço físico deve constituir-se em ambientes de aprendizagem possibilitando que todas as necessidades da criança possam ser atendidas em suas atividades para o seu desenvolvimento.


Educação Infantil

OBJETIVOS Na presente unidade, iremos abordar os ambientes de aprendizagem na Educação Infantil, no quais desenvolveremos os seguintes tópicos: » » a organização do espaço e do tempo; » » a organização do espaço físico e pedagógico; » » as experiências das crianças ao ar livre; » » o desafio de ingressar na escola. Ao final da unidade, esperamos que você seja capaz de: » » perceber a importância da organização do espaço e do tempo e do espaço físico e pedagógico na Educação Infantil; » » dominar alguns procedimentos para a organização de tais espaços; » » organizar atividades ao ar livre que possibilitem contribuir para o desenvolvimento da criança na Educação Infantil; » » • dominar alguns procedimentos a serem adotados no período de adaptação das crianças à escola de Educação Infantil.

A Organização do espaço e tempo É evidente que as escolas são o objeto mais visível do trabalho dos educadores, uma vez que nos oferecem múltiplas percepções e mensagens. Cada instituição de Educação Infantil, creche ou pré-escola, tem seu próprio passado e sua evolução, suas experiências acumuladas, seu próprio estilo, os níveis e a cultura. O espaço reflete, de muitas formas, a cultura das pessoas que nele vivem e revela até mesmo camadas distintas dessa influência cultural. Percebemos isso por meio das cores das paredes, no mobiliário utilizado, na estrutura física, no tamanho das janelas, nas plantas usadas no ambiente e em muitos outros detalhes. O cuidado com a aparência do ambiente, juntamente com o desenho dos espaços, que favorecem a interação social, são indicadores de uma proposta humanista, uma proposta que visa o desenvolvimento social do indivíduo. O desenvolvimento social é visto como uma parte intrínseca do desenvolvimento cognitivo; o espaço é planejado e estabelecido para facilitar encontros, interações e intercâmbios entre as crianças e o intercâmbio social é visto como essencial para a aprendizagem. As crianças constroem em conjunto seu conhecimento de mundo por meio da atividade compartilhada, da cooperação e até mesmo do conflito, trocando entre elas suas ideias e explorando espaços ainda inexplorados. O espaço é estabelecido para favorecer relacionamentos e interações dos professores, da equipe e dos pais entre eles próprios e com as crianças e precisa garantir o bem-estar de todos.

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Aula 5 - Os Ambientes de Aprendizagem

É fundamental considerar como e com que objetos as crianças brincam, o que mais gostam de fazer, em que espaços preferem ficar, para que a estruturação do espaço temporal tenha significado. Precisamos também considerar o contexto sociocultural da criança além da proposta pedagógica da instituição. Tratando-se de criança da Educação Infantil, precisamos nos preocupar com a forma que organizamos os trabalhos, favorecendo uma participação mais efetiva das crianças em sua construção. As atividades devem ser planejadas e contar sempre com a participação ativa das crianças, favorecendo a construção das noções de tempo e de espaço. A rotina da Educação Infantil prevê diversos tipos de atividades: a entrada, o repouso, a alimentação, a higiene, as brincadeiras, os jogos diversificados, os livros de história, as atividades livres e as mediadas pelo educador. Todas essas atividades devem favorecer experiências múltiplas que possibilitem a criatividade, a experimentação, a imaginação, as diferentes linguagens expressivas e a interação social. Para organizar as atividades no tempo correto, temos de respeitar as necessidades biológicas das crianças (repouso, alimentação, faixa etária etc.). Também devemos considerar as diferenças individuais quanto ao estilo de aprendizagem, ao ritmo e tempo para realizar a atividade por parte de cada criança. O espaço físico e social é fundamental para o desenvolvimento da criança, pois ajuda a estruturar as funções simbólicas, motoras, sensoriais, lúdicas e relacionais. É importante que o espaço educativo seja bem variado, cheio de contrastes, de diferentes sensações, de tensões e que possibilite à criança aprender a lidar com elas. As atividades devem favorecer na criança o sentido de observar, classificar, escolher, propor, possibilitando interações com diversos elementos e situações.

A organização do espaço físico e pedagógico Em visita a uma escola de Educação Infantil, na região de Reggio Emilia, observei que, em seu corredor de entrada, havia um pôster que proclamava os direitos das crianças, elaborado por crianças de cinco anos. Dizia o cartaz: ”As crianças têm direito de ter amigos, de outro modo não crescerão muito bem.” As crianças têm o direito de viver em paz. Viver em paz significa estar bem, viver juntos, viver com as coisas que nos interessam, ter amigos, pensar em voar, sonhar. Se uma criança não sabe algo, ela tem o direito de cometer erros. Isso funciona porque, depois que ela vê o problema e os erros que cometeu, então ela sabe.” (Escola Diana, 1990).

Próximo ao pôster, estavam fotografias de grupos de crianças nas diferentes atividades, das equipes de professores, das turmas de três, quatro e cinco anos, fotos da cozinheira e do atelierista e da equipe auxiliar. Todos eles com um sorriso de boas-vindas.

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Atelierista é a professora encarregada do ateliê nas escolas de Reggio Emilia. Tem treinamento em educação artística e é co-organizadora da experiência das crianças e dos professores e serve de editora e designer da documentação do trabalho realizado na escola.

Dessa forma, essa escola se demonstra acolhedora e valoriza os pais, os professores e seus alunos, recebendo as pessoas de forma hospitaleira e serena – pois o ambiente é cuidadosamente organizado para passar esta sensação –, deixando as crianças, os professores e os pais moverem-se na escola. Todas as mensagens são endereçadas aos pais e visitantes. O ambiente é muito importante, pois a partir do uso imaginativo dos espaços, o visitante, de qualquer instituição para crianças de Educação Infantil “lê” suas mensagens ou significados com base em suas próprias ideias. Em Reggio Emilia , os educadores criaram, ao longo dos anos, uma filosofia baseada na parceria entre crianças, pais, professores, conselheiros educacionais e comunidade e valorizaram o espaço educacional. Eles investiram muito no planejamento desse espaço, tornando muito mais do que apenas um local útil e seguro onde podemos passar horas ativas. Criaram espaços que refletem sua cultura e as histórias de cada escola em particular, fazendo com que as crianças sintam que toda a escola – incluindo espaços, materiais e projetos – valoriza e mantém sua interação e comunicação. Os espaços são agradáveis e acolhedores, demonstrando os projetos e as atividades trabalhadas, sobre as rotinas diárias e sobre as crianças e equipe de profissionais que fazem da complexa interação que ocorre ali algo significativo e alegre. É muito importante que professores que atuam ou pretendem atuar com turmas de Educação Infantil leiam o livro “As cem linguagens da criança”, pois ele traz relatos importantes de valorização e respeito à primeira infância. O livro apresenta uma abordagem inovadora que incrementa o desenvolvimento intelectual das crianças através da focalização sistemática na representação simbólica, levando as crianças de 0 a 6 anos a um nível surpreendente de habilidades simbólicas e à criatividade. Os espaços na Educação Infantil precisam favorecer a interação social, a exploração e a aprendizagem, mas também devem auxiliar como um conteúdo educacional, isto é, contendo mensagens educacionais e estando carregados de estímulos para a experiência interativa e aprendizagem construtiva. O espaço precisa sempre refletir a cultura das pessoas que nele convivem. Deve haver cuidado com a escolha dos móveis, que devem ser funcionais e agradáveis para aqueles que vão conviver no ambiente. Deve também haver um cuidado especial com a cor das paredes, com a manutenção, com a luz do sol filtrado pelas janelas, com as plantas e com a disposição dos móveis que favoreçam a interação social.

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Educadores afirmam que proporcionar uma educação de qualidade na organização dos espaços é condição básica para levar adiante todos aspectos que poderiam garantir a qualidade da ação pedagógica. São necessários espaços amplos, bem diferenciados, de fácil acesso e especializados, facilmente percebidos pelas crianças não só em relação à sua função como também das atividades a serem desenvolvidas. Segundo Zabalza (1998), as aulas convencionais com espaços indiferenciados são cenários empobrecidos, dificultando uma dinâmica de trabalho baseada na autonomia e na atenção individual da criança. Um espaço bem montado, organizado, com áreas de trabalho bem definidas e variadas, com muitas alternativas e materiais diversos e estimulantes, visíveis e ao alcance da criança, dá a ela muito mais possibilidades de independência para pôr em prática a sua condição de escolher, de tomar decisões e, em decorrência, de afirmar-se. Para promover o desenvolvimento infantil – objetivo mais abrangente da Educação Infantil –, a garantia das necessidades intelectuais está vinculada à satisfação de suas atividades físicas e emocionais. Devese organizar a sala de aula levando-se em consideração as necessidades das crianças, as interações entre colegas e suas responsabilidades, além das necessidades físicas de comer, de ir ao banheiro e repousar. Deve-se sempre organizar o ambiente para atender às necessidades emocionais, em que se encoraje e apoie as expressões de sentimentos, interesses e valores pelas crianças, aceitando o direito do sentimento de raiva e tristeza e dos sentimentos positivos. Deve-se, além disso, atender às necessidades intelectuais, organizando o ambiente para estimular o interesse da criança, oferecendo um conteúdo que aguce a sua curiosidade. É fundamental acolhermos cada criança, reconhecendo-as pelo nome, com suas características individuais, demonstrando carinho e afeto, e aceitando como são ao expressar seus sentimentos de alegria ou de tristeza. Assim, estaremos propiciando um ambiente de segurança para as crianças onde elas podem fazer suas escolhas. A organização das salas de aula deve ser cuidadosa, refletindo a proposta pedagógica trabalhada e os desejos da crianças. Devem ser decoradas com murais, onde serão expostos suas produções escritas, seus desenhos e projetos, além do quadro de responsabilidades, do calendário e das histórias da semana. Essa estruturação delineia um novo ambiente de aprendizagem, contribuindo para a autonomia, a segurança e as descobertas do aluno, no qual se torna possível fazer trocas de experiências, resolver conflitos, expressar emoções e sentimentos. É consenso entre os educadores que cinco funções relativas ao desenvolvimento infantil deveriam ser atendidas ao serem construídos ambientes para crianças: identidade pessoal, desenvolvimento de competência, oportunidade para o crescimento, sensação de segurança e confiança e, ainda, oportunidade para o contato social e a privacidade. É necessário também que os ambientes institucionais ofereçam oportunidades para as crianças desenvolverem sua individualidade, permitindo-lhes ter seus próprios objetos, personalizar seu espaço e, sempre que possível, participar nas decisões sobre a sua organização.

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Precisamos perceber que os indivíduos não são soltos no espaço, mas vivem em determinado momento histórico-social, e os espaços e objetos exercem papel crucial para o desenvolvimento da identidade pessoal, estando intimamente ligada à noção de lugar, que consiste de conhecimentos sobre o mundo no qual a pessoa vive. Colaboram para o desenvolvimento da competência a presença de delimitações, os caminhos que ligam as áreas e que ajudam no planejamento e a execução de atividades com maior concentração e com menos interrupções. O ambiente infantil deve ser planejado e organizado para dar oportunidade às crianças de desenvolverem o domínio e o controle sobre o seu entorno, fornecendo instalações físicas para satisfação das suas necessidades – tomar água, pegar roupas e toalhas, ter fácil acesso a prateleiras e materiais, sem assistência constante. Portanto, é fundamental que haja uma grande preocupação com a funcionalidade e com a estética dos ambientes, já que todos os espaços servem para a educação visual, expressiva, cognitiva, ética e estética. Os ambientes devem ser organizados para oportunizar a estimulação dos órgãos dos sentidos e devem oferecer oportunidades para movimentos corporais, para correrem, andarem, subirem, descerem e pularem com segurança, permitindo-lhes tentar, falhar e tentar uma próxima vez. O ambiente deve, ainda, promover oportunidades para contato social e privacidade, em que as crianças expressem seus sentimentos e façam trocas. Espaços privados ajudam a expressar sentimentos – em especial o de raiva, angústia e frustração –, longe do olhar dos outros, isolando-se momentaneamente do ritmo rápido do grupo.

As experiências das crianças ao ar livre É de grande importância a presença de elementos naturais dentro dos interiores das escolas, como salas que permitam a iluminação natural e a entrada de sol, a visão do céu, de árvores e de passarinhos, a presença de vasos com plantas e flores. Espaços internos devem se abrir para áreas externas cobertas e descobertas; e deve-se sempre estimular o toque, oferecendo materiais de diferentes texturas – duros, moles, quentes e frios, vibratórios e estáveis e outros. Essas variações ajudam a criança a buscar atividades e níveis de estimulação apropriados as suas necessidades nos vários momentos do dia. Vygotsky afirma que é na presença do outro que o homem se constitui, que forma o seu eu. Desenvolvemos essas capacidades à medida que nos relacionamos com o mundo externo.

REGO, T. C. Vigostky: uma perspectiva histórico-cultural da Educação. Petrópolis: Vozes, 1995.

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Wallon também nos explica que os gestos humanos adquirem significados quando percebidos e interpretados por outra pessoa. Portanto, o convívio da criança com outras pessoas, sejam elas adultas ou também crianças, é de fundamental importância para o seu desenvolvimento. A organização desse espaço de convívio também passa a ter muita importância, conforme seja estimulante e provocador de situações de movimento, diálogo e gestualidade.

GALVÃO, I. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

Nunca pode ser esquecida, na infância, das brincadeiras ao ar livre. Inconscientemente, associamos essas atividades à liberdade, apesar da crescente violência urbana. É correndo, pulando ou subindo em árvores que as crianças se desenvolvem tanto no aspecto físico quanto no conhecimento do mundo. Sem esquecer que as peripécias de quem corre para lá e para cá acabam por si só sendo instrumentos importantes para o raciocínio, o reflexo, o aumentando da autoconfiança e, mais do que isso, há a contribuição para a socialização. Quem de nós será que não se divertia brincando de pega-pega? Impossível achar uma pessoa que não gostasse. Quem não gostava de brincar livremente, escolhendo seus amigos e suas brincadeiras, aproveitando o espaço de sol? A presença de espaço onde a criança possa descobrir, criar e experimentar é um bom caminho para o desenvolvimento da aprendizagem perceptivo-motora, da inteligência, das habilidades da leitura e da escrita e da formação de conceitos através de suas próprias experiências. Um pátio, um parquinho ou um gramado podem ser um bom espaço para brincar. Além de árvores, da areia e dos brinquedos tradicionais, como escorregador, balanço, gangorra e trepa-trepa, brincadeiras com bolas, bambolês e cordas são importantes, principalmente pela liberdade de movimento e pelo contato com a natureza. Vemos em cenas diversas que, durante a maior parte da história, quando as crianças estavam livres para jogar, a sua primeira escolha era, muitas vezes, fugir para o próximo lugar mais livre – era uma grande árvore, no quintal, em cursos de água ou nas proximidades da floresta. Há duzentos anos, a maioria das crianças passava os dias rodeada por campos, fazendas ou na natureza selvagem. A literatura nos mostra que o ambiente natural tem efeitos profundos sobre o bem-estar de adultos, incluindo um melhor bem-estar psicológico, o funcionamento cognitivo superior, menos doenças físicas e a recuperação mais rápida da doença. Pesquisas também fornecem evidências convincentes dos benefícios mais profundos de experiências na natureza para as crianças devido à sua maior plasticidade e vulnerabilidade.

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Os resultados indicam que, com o acesso das crianças ao ar livre cada vez mais limitado, as escolas onde as crianças passam de 40 a 50 horas semanais podem ser a última oportunidade da humanidade para reconectar crianças com o mundo natural e criar uma futura geração que valoriza e preserva a natureza. Muitas autoridades acreditam que a janela de oportunidade para a formação de vínculo e atitudes positivas para com o ambiente natural desenvolve, em algum momento durante a primeira infância, a interação regular com a natureza por perto. Segundo Piaget (1962), as crianças aprendem através da construção de seu próprio conhecimento sobre o mundo, e não por memorização de fatos. Harvard Gardner (1991) diz que o conhecimento escolar “[...] parece estritamente vinculada ao contexto escolar[...]”, enquanto promove a educação ao ar livre “conectado sabendo”, onde a educação é parte, ao invés de separar a vida.

Howard Gardner, criador da teoria das múltiplas inteligências, afirma que a predisposição genética e as experiências vividas na infância podem favorecer nossos “computadores mentais”. Em sua opinião, é mais importante estimular do que medir os recursos mentais. Acesse: <http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/mul-tiplas_inteligencias.html>

A combinação da aprendizagem formal e informal remete a experiências positivas nos ambientes naturais mais associadas com o desenvolvimento de comportamentos responsáveis das crianças.

Aprendizagem formal: decorre em instituições de ensino e formação e conduz a diplomas e qualificações reconhecidos. Aprendizagem não formal: decorre em paralelo aos sistemas de ensino e formação e não conduz, necessariamente, a certificados formais. A aprendizagem não formal pode ocorrer no local de trabalho e através de atividades de organizações ou grupos da sociedade civil (organizações de juventude, sindicatos e partidos políticos). Pode ainda ser ministrada por meio de organizações ou serviços criados em complemento aos sistemas convencionais (aulas de arte, música e desporto ou ensino privado de preparação para exames). Aprendizagem informal: é um acompanhamento natural da vida cotidiana. Contrariamente à aprendizagem formal e não formal, este tipo de aprendizagem não é necessariamente intencional e, como tal, pode não ser reconhecida mesmo pelos próprios indivíduos como enriquecimento dos seus conhecimentos e suas aptidões.

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Pesquisas mostram que o ambiente natural como “[...] um contexto integrado de aprendizagem [...]” ou a aprendizagem baseada em projetos melhorou o desempenho dos alunos em resultados de testes padronizados, média de notas, vontade de permanecer na tarefa, adaptabilidade de diferentes estilos de aprendizagem e resolução de problemas, entre outros. Mostram também uma redução no comportamento antissocial como a violência, o bullying, o vandalismo, bem como uma queda no absenteísmo. Em alguns países, como a Noruega, por exemplo, as escolas de Educação Infantil têm como cultura os alunos ficarem o maior tempo possível ao ar livre, utilizando-se dos recursos naturais como bosques e áreas verdes para brincar. Não apresentam nenhuma teoria pedagógica definida, apenas valorizam o ar livre como espaço para que as crianças se desenvolvam melhor.

O desafio de ingressar na escola Considerando a importância do período de adaptação da criança à escola, sobretudo a criança que vai pela primeira vez ou aquela que terá um novo nível de escolaridade, o professor deve ser facilitador neste processo, de forma lúdica, atrativa, segura, prazerosa e dando início ao processo de ensinoaprendizagem. Não podemos deixar de considerar que a adaptação ocorre sempre em um grande período, que abrange desde as entrevistas e visitas preliminares dos pais às escolas, os primeiros dias e o primeiro ano de escolarização da criança. A forma com que cada um vai experimentar ou atravessar esse período vai depender muito dos aspectos particulares de cada um e, também, da dinâmica familiar. Um fato a ser admitido é que esta separação é algo inevitável na vida de cada um de nós e, ainda que seja um processo doloroso, costuma trazer crescimento para todos os envolvidos. É importante que os pais vejam a situação não como “um mal necessário”, mas como algo bastante positivo e enriquecedor no desenvolvimento de seu filho. O processo de adaptação da criança à escola é um período muito delicado, pois envolve toda a comunidade escolar, ou seja, os pais, professores e demais funcionários da instituição na qual a criança está inserida. A separação afeta as crianças e os pais e faz brotar sentimentos nos professores. O início da vida escolar pode ser uma ocasião excitante ou também uma ocasião agradável. Junto com aqueles que realmente estão encantados por estarem iniciando sua vida escolar, existem frequentemente outras crianças chorando ou pais tensos e nervosos. É importante lembrar que a separação é uma processo que gera sentimentos, precisando ser entendida, discutida e superada gradativamente. Quanto ao professor, este deve estar proporcionando um ambiente agradável e acolhedor com atividades lúdicas e prazerosas, as quais supram o processo de separação vivido pela criança, e que estimule a sua individualidade e socialização, como músicas e danças, jogos e brincadeiras, histórias, entre outras. Dessa forma, o professor irá conquistar a confiança da criança e consequentemente facilitará o processo de adaptação e socialização dela, principalmente se tratando da Educação Infantil. O professor, nesse processo, aparece como mediador principal no contexto da adaptação à vida escolar. Assim como as crianças e os pais, nesse momento, também passam pelo processo de adaptação, pois a cada ano que se inicia novas experiências, novas crianças e novos pais serão conhecidos.

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Educação Infantil

As expectativas são muitas: Como serão as novas crianças? Serei bem aceita por elas? Será que elas confiarão em mim? Enfim, o professor é o principal mediador e tem de atender as expectativas dos pais, ganhar a confiança das crianças e de seus familiares e ainda conduzir esse processo, além de trabalhar seus próprios sentimentos. Assim, é necessário tempo para que a criança apreenda toda a nova situação que está vivenciando, seja a característica desse novo adulto ou dessa nova rotina e novo ambiente. necessário tempo para que essa criança aprenda a conviver com nova situação: organização do tempo, do espaço e referência do adulto. fundamental levar em consideração que a separação é uma experiência que ocorre em todas as fases da vida humana. Nesse momento de sua vida, a criança depara-se com duas conquistas fundamentais: a independência e a autonomia. A criança começa a perceber-se independente de sua mãe. Por outro lado, a mãe terá um sentimento de perda. Na maioria das vezes, é a primeira grande separação do filho e essas novas mudanças causam um certo desconforto. A entrada da criança na escola dá aos pais a impressão de estarem antecipando a sua “independência”, tarefa árdua para ambas as partes. Todas as escolas e creches têm um ponto de vista a respeito da entrada da criança na escola e a respeito da separação, quer ignorem estes assuntos quer tenham planos para eles. Se os ignoram, é mais provável que o seu ponto de vista se baseie na posição tradicional de que a separação não é algo que tenha uma importância especial, e que largar a criança na escola e escapar é melhor para as pessoas envolvidas. Por outro lado, se a escola tem um plano para a separação, está reconhecendo a importância de ligação entre pais e filhos. Ter uma pessoa que se responsabilize pela adaptação da criança parece ser fundamental para uma adaptação inicial eficiente. Essa pessoa, que não precisa ser necessariamente um dos pais, mas uma avó, tio ou tia ou até irmão mais velho, deve permanecer com a criança durante os primeiros dias de entrada na escola até que ela se sinta tranquila para aceitar ser cuidada pela professora sem muitas restrições. O período de adaptação inicial varia de criança para criança, mas é necessário que se tenha a pessoa que a acompanha presente na escola pelo menos quatro dias. Esta permanência, que a princípio poderá causar transtornos à família, é importante para evitar retrocessos na adaptação e favorecer a construção de um vínculo com a escola mais tranquilo e seguro. Não restam dúvidas de que a criança que é capaz de dominar seus sentimentos de separação ligadas com a entrada na escola está dando um grande passo na direção de seu amadurecimento, que, ao invés de encarar como um problema, verá como uma oportunidade de crescimento. É muito importante que a escola e os professores tomem alguns cuidados nesse período de adaptação. Dentre eles, podemos citar: » » se a criança demonstrar que quer levar um objeto de casa para a escola, é necessário deixar, pois pode ser importante para ela durante esse período de adaptação; » » chupetas, paninhos, brinquedos prediletos, álbum com fotos dos pais podem auxiliar no processo de separação, por criar um campo de transição entre a casa e a escola;

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Aula 5 - Os Ambientes de Aprendizagem

» » a escola pode disponibilizar uma sala de espera para os pais enquanto as crianças estão no processo de adaptação. Essa sala serve para os pequenos saberem que os pais estão por perto caso precisem, mas que não estão disponíveis o tempo todo.

Síntese Você deve ter percebido, pelo desenvolvimento do conteúdo da unidade, que, desde cedo, as crianças estão em interação com os adultos e com o meio em que vivem. E é por meio da mediação dos adultos que os processos psicológicos superiores tomam forma. Inicialmente, os processos são interpsíquicos, ou seja, partilhados entre pessoas, possível apenas pela mediação adulto-criança. À medida que a criança cresce, esse processo torna-se intrapsíquico, ou seja, é executado dentro das próprias crianças. O desenvolvimento ocorre pela interação, quando, por exemplo, a criança deseja um objeto e faz movimentos para alcançá-lo; o adulto entende esse desejo e lhe oferece o objeto. É a interpretação do adulto que permite que a criança transforme o movimento de “agarrar” em “apontar”. O gesto é criado por meio da interação e a criança passa a estabelecer uma comunicação por meio desses sinais, a partir das relações sociais. Assim sendo, todos os movimentos e as expressões verbais ou não verbais da criança são importantes para que o adulto os interprete e lhe dê uma devolutiva, seja por meio da ação ou da fala. Com o passar dos anos, foi sendo percebido que a criança é sim um ser pensante e capaz, que possui suas especificidades e identidade própria. É diferente do adulto, e como tal precisa de tratamento próprio para a sua idade, a fim de que possa manter-se num ambiente que lhe proporcione possibilidades para desenvolver suas habilidades e capacidades.

Referências BALABAN, N. O início da vida escolar: da separação à independência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. BARBOSA, M. C. S. Por amor e por força: rotinas na Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 2006. BASSEDAS, E.; HUGUET, T.; SOLÉ, I. Aprender e ensinar na Educação Infantil. Artmed: Porto Alegre, 1999. MEC – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Referenciais Curriculares Nacionais de Educação Infantil. Brasília: SEB, 1998. FREIRE, M.; DAVINI, J. Adaptação: pais, educadores e crianças enfrentando mudanças. São Paulo: Espaço Pedagógico,1999. Série Cadernos de Reflexão. PORTILO, E. Como se aprende? Rio de Janeiro: WAK, 2009. OLIVEIRA, Z. R. Educação Infantil: muitos olhares. São Paulo: Cortez, 1995. PANIAGUA, G.; PALACIOS, J. Educação Infantil: resposta educativa à diversidade. Artmed: Porto Alegre, 2007. REGO, T. C. Vigostky: uma perspectiva histórico-cultural da Educação. Petrópolis: Vozes, 1995. ZABALZA, M. Qualidade na Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 1998. 71



Aula 6 O Lúdico no Processo Pedagógico da Educação Infantil Profª. Ms. Maria Salete da Costa e Profª. Ms. Elaine Maria S. de Moura

INTRODUÇÃO O brincar é reconhecido, atualmente, como uma das atividades fundamentais para auxiliar o desenvolvimento da criança em busca de sua identidade e autonomia. Desde cedo, a criança aprende a comunicar-se de alguma maneira, e a representação simbólica da vida real permite que ela expanda capacidades importantes, tais como atenção, repetição e imaginação, além de proporcionar sua socialização e interação com o meio, experimentando diferentes regras e papéis. Ao iniciarmos um trabalho na Educação Infantil, muitas vezes nos perguntamos: » » Quem é o aluno que será trabalhado? » » Em que faixa etária ele se encontra? » » Quais são seus interesses e suas necessidades? » » Quais as dificuldades encontradas por crianças de 1 a 5 anos de idade no processo de socialização na escola?


Educação Infantil

OBJETIVOS Na presente unidade, ao abordar o conteúdo “o lúdico no processo pedagógico da Educação Infantil”, vamos fornecer elementos para que você tenha respostas a tais perguntas. O conteúdo será desenvolvido a partir dos seguintes temas: » » o jogo como recurso de desenvolvimento da criança na Educação Infantil; » » o jogo como processo de aprendizagem; » » as brincadeiras e o desenvolvimento da criança; » » os jogos simbólicos na Educação Infantil. Assim, ao final da unidade, esperamos que você seja capaz de: » » perceber o jogo como um importante recurso para o desenvolvimento da criança na Educação Infantil; » » identificar as diferenças entre o jogar e o brincar e suas contribuições para o processo de aprendizagem; » » explorar os jogos e as brincadeiras no cotidiano da criança para que ela possa se desenvolver e alcançar uma aprendizagem significativa.

O jogo como recurso de desenvolvimento da criança na Educação Infantil É muito comum encontrarmos, na Educação Infantil, duas situações extremas: a escola como um mero espaço para recreação ou como um local de aprendizagem forçada. O que observamos, muitas vezes, é a escola considerar o desenvolvimento e a espontaneidade da criança como transgressores de uma ordem preestabelecida. O seu brincar é desprovido da disciplina exigida pela escola e pelo adulto, os quais procuram imprimir ao corpo infantil a obediência servil, impondo suas regras de comportamento, cerceando a criança de ser ela mesma, estabelecendo um verdadeiro jogo de poder. Autoridade esta que nada mais é do que o próprio autoritarismo, o qual é repressivo e não garante a manutenção da ordem e da disciplina. Ao exigir certa imobilidade da criança, a escola reprime a necessidade que esta tem de se movimentar, de se expressar, de vivenciar corporalmente o ato educativo e de construir seu conhecimento a partir do próprio corpo. Muitas vezes encontramos, por parte das famílias e também de algumas escolas, a não valorização do lúdico, isto é, para eles, o brincar é uma atividade não produtiva, algo apenas para passar o tempo, sem importância. Hoje, esta concepção está mudando, o próprio RCNEI (1998) apresenta que o desenvolvimento da criança acontece por meio do lúdico. Ela precisa brincar, ter prazer e alegria para crescer, precisa do jogo como forma de equilíbrio entre ela e o mundo, portanto, a atividade escolar deverá ser uma forma de lazer e de trabalho, fazendo com que a criança tenha um desenvolvimento completo.

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Você pode acessar os RCNEI por meio do site do MEC: Volume 1 <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/rcnei_vol1.pdf> Volume 2 <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume2.pdf> Volume 3 <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume3.pdf>

Atualmente, estão se fortalecendo novas concepções que veem a Educação Infantil como um ambiente que deve permitir à criança o seu desenvolvimento global, isto é, físico-social, intelectual e emocional – coisa esquecida por grande parte dos adultos envolvidos no seu cotidiano, preocupados em sobreviver, e que, por meio da escola, procuram fazer com que as crianças também as esqueçam. A escola carrega consigo, muitas vezes, uma parcela de sofrimento para a criança, quando deveria ser um lugar de alegria e de prazer, pois criança, brincadeira, brinquedo e jogo são indissociáveis. O que percebemos, ao observar escolas de Educação Infantil, é que os momentos de alegria são fora da sala de aula, nas áreas externas, em função das relações de amizade e companheirismo que se estabelece entre as crianças. É fora da sala de aula que a criança consegue ser ela mesma, brincando, correndo, jogando bola, sentindo, percebendo, se expressando, aprendendo e descobrindo na relação com o outro. Para que este prazer se manifeste no interior da escola, é necessário que, na sala de aula, todas as pessoas envolvidas com a educação da criança precisem também ver a escola e o ato de ensinar em sintonia com o prazer. O ato educativo não é somente mental, ao contrário, vincula-se diretamente ao corpo, em sua totalidade. A escola precisa perceber a criança como um ser em desenvolvimento e em constante movimento , dotada de um corpo. Entendemos que educar é liberar. Então, que educação é esta, que oprime e exclui o corpo do ato educativo? Que educação é esta que proíbe a liberdade de brincar? É preciso entender que a criança não é concebida como um adulto em miniatura e que por isso apresenta características próprias de acordo com sua idade. É importante perceber e compreender o comportamento do indivíduo de acordo com a faixa etária em que se encontra, pois dessa maneira será possível planejar o que fazer e como lidar com o indivíduo de acordo com sua idade. O desenvolvimento humano deve ser entendido em sua totalidade e apresenta quatro aspectos básicos. O físico-motor diz respeito ao crescimento orgânico, à maturação neurofisiológica e à capacidade de manipular objetos e o próprio corpo. O aspecto intelectual refere-se à capacidade de pensamento e raciocínio. O afetivo-emocional é o modo de sentir e perceber as coisas, integrando experiências (a sexualidade faz parte desse aspecto).

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Para Piaget (1971), os jogos tornam-se mais significativos à medida que a criança se desenvolve, pois, a partir da livre manipulação de materiais variados, ela passa a reconstruir objetos, reinventar as coisas, o que já exige uma adaptação mas completa. Para o autor, essa adaptação, que deve ser realizada na infância, consiste em uma síntese progressiva da assimilação com a acomodação, e por isso que, pela própria evolução interna, os jogos das crianças se transformam pouco a pouco em construções adaptadas, exigindo sempre mais do trabalho afetivo. Os jogos, além de proporcionarem prazer e alegria, exercem também papel importante no desenvolvimento intelectual do aluno quando aplicados adequadamente. Quando a escola dá oportunidade à criança de experimentar o concreto utilizando os jogos de maneira pedagógica, faz com que as experiências acumuladas lhe proporcionem a formação de conceitos, diferenças, classificação, seriação, e a partir desses conceitos, elas têm condições de descrever, comparar e representar graficamente.

A acomodação e a assimilação são os conceitos básicos dos fundamentos gerais da concepção piagetiana do desenvolvimento. A acomodação é a atividade pelo qual os esquemas de ação e do pensamento se modificam em contato com o objeto. Ela pode ser espontânea, no caso de se tratar de um esquema reflexo ou automatizado, ou pode ser voluntária, dirigida e refletida. Contrariamente à assimilação, em que os esquemas não são modificados, na acomodação, o esquema inicial transforma-se em função dos novos objetos e do próprio meio. A assimilação é a incorporação dos elementos do meio nos esquemas que o sujeito dispõe e a ação do sujeito sobre os objetos e sobre o mundo. Consiste em integrar os objetos em estruturas prévias, isto é, a incorporação da informação no próprio sujeito. Quando há assimilação, não se traduzem modificações no sujeito, isto é, o sujeito face a uma nova realidade não modifica as suas estruturas. É uma integração de novos objetos, mas naquilo que já existe, sem modificação das estruturas prévias, designadas por esquemas. No caso da acomodação, já há alteração nos esquemas do sujeito.

O jogo como processo de aprendizagem Antigamente, os jogos eram utilizados na escola apenas como recreação e fora dela como lazer. Existem, ainda hoje, muitas escolas que funcionam no sistema tradicional de ensino, limitando a ação educativa do educando, deixando de incluir no planejamento educacional jogos e atividades que priorizem os seus movimentos livres e espontâneos. Outras, embora usando métodos modernos, também inibem o lado criativo do educando, causando muitas vezes prejuízo na aprendizagem. As pesquisas apontam que uma boa aprendizagem se dá por meio da motivação estimuladora e criativa, sendo capaz de proporcionar prazer em aprender.

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Para muitas escolas e muitos professores, o jogo não é reconhecido como instrumento de contribuição e enriquecimento para o desenvolvimento do aluno pelo medo que o professor tem de errar, pela falta de criatividade, por questões sociais e políticas que interferem diretamente na vida deles e principalmente por falta de conhecimento necessário sobre a relevância do jogo no processo de aprendizagem do aluno. Esses professores usam os jogos isoladamente e desvinculados de objetivos como atividades programadas, como para encerramento de ano letivo, comemorações diárias, recreações, entre outras. Segundo Piaget (1971), o conhecimento implica uma série de estruturas construídas progressivamente através de contínua interação entre o sujeito, o meio físico e o social. Dessa forma, o ambiente escolar deve ser estimulante e deve também favorecer essa interação, e, para isso, o projeto político pedagógico da escola deve estar fundamentado numa proposta de trabalho que tenha como características processos dinâmicos subjacentes à construção das estruturas cognitivas. Por volta do século XII, os adultos concebiam a criança como um adulto em miniatura. As crianças eram instruídas a desenvolver habilidades artísticas, manuais e intelectuais logo em seus primeiros anos de vida. Durante determinado período de nossa história, os jogos infantis assumiram um papel relevante no que concernem as atividades cotidianas das crianças, apesar das restrições feitas pelos adultos, pois não entendiam os jogos como prática educativa. As crianças, por sua vez, não abandonavam suas brincadeiras, que perpetuavam a cada etapa de seu desenvolvimento físico e mental. Atualmente, com a nova concepção em relação aos jogos infantis, educadores e pesquisadores da Educação incentivam a prática do jogo como forma de aperfeiçoar o desenvolvimento infantil. Dessa forma, os jogos que fazem parte de um recurso lúdico estão adquirindo gradualmente uma nova dimensão. Hoje, ganham um novo enfoque e estão sendo Integrados aos currículos escolares, passando a ser pedagogicamente aceitos como parte dos conteúdos escolares. Foi a valorização de teóricos como Makarenke, Wallon, Vygotsky e outros que o jogo passou a fazer parte do currículo escolar. Muitas pesquisas foram necessárias quanto ao seu significado durante o transcorrer da infância para fortalecer a importância do jogo no currículo. As fundamentações teóricas encontradas foram de ordem psicológicas, filosóficas, biológicas e socioculturais. » » Makarenke, educadorsoviético. Na sériede conferências que proferiu em 1939, ressaltou a importância do jogo quando bem orientado. » » Vygotsky afirma que, inicialmente, as primeiras ações lúdicas surgem com base na necessidade crescente da criança de dominar o mundo dos adultos. » » Wallon evidencia o caráter emocional em que os jogos se desenvolvem e seus aspectos relativos à socialização e à descoberta da relação com o outro que o jogo é capaz de propiciar. A partir daí, especialmente no campo da Educação Infantil, psicólogos e pedagogos têm dado grande atenção ao papel do jogo na constituição das representações mentais e seus efeitos no desenvolvimento da criança, especialmente na faixa etária de 0 a 6 anos de idade. Enquanto brinca, o ser humano garante, além de exercitar seu equilíbrio emocional e a atividade intelectual, também sela as parcerias. Todas as vontades e os desejos das crianças são possíveis de serem realizados por meio do uso da imaginação que a criança faz através do jogo. 77


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Os jogos fortalecem o desenvolvimento intelectual por meio do exercício da atenção e também pelo uso progressivo de processos mentais mais complexos, como comparação e discriminação, e pelo estimulo à imaginação, favorecendo também o domínio das habilidades de comunicação. O jogo, para Piaget (1971), é a construção do conhecimento, principalmente nos períodos sensóriomotor e pré-operatório. Agindo sobre os objetos, as crianças, desde pequenas, estruturam seu espaço, seu tempo, desenvolvem a noção de casualidade, chegando à representação e, finalmente, à lógica. Ainda para o estudioso, o jogo se dá num período paralelo ao da imitação, porém, enquanto nesta há uma predominância da acomodação, no jogo, a característica essencial é a assimilação.

Piaget divide os períodos ou estágios de desenvolvimento humano de acordo com o aparecimento de novas qualidades do pensamento. O primeiro período é o sensório-motor, que vai do recém-nascido até os dois anos de idade. A criança passa de uma atitude passiva, no início do período, para uma atitude ativa e participativa ao final desse período, integra-se ao ambiente social por imitação de regras e, mesmo já compreendendo algumas palavras, só é apta a falar por meio da imitação. O período pré-operatório, caracterizado como primeira infância, vai dos 2 aos 7 anos de idade. A principal aquisição, nesse período, é a linguagem, que modificará os aspectos afetivo, intelectual e social. O desenvolvimento do pensamento se acelera e a criança passa a transformar o real em função de seus desejos, é o jogo simbólico, em que elabora suas próprias leis morais e ao final do período passa a buscar a razão e a finalidade de tudo; é a fase dos questionamentos, dos “porquês”. O pensamento passa a se adaptar mais ao outro e ao real. Leia mais em: PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.

Ao ressaltar a importância do jogo, Piaget (1971) o focaliza no momento em que a criança, ao relacionar-se com o mundo dos adultos, percebe as coisas de forma estranha pela falta de compreensão da realidade que a cerca, como, por exemplo, algumas regras, atitudes e alguns conceitos que lhes são determinados (hora de dormir, comer, tomar banho, não mexer em certos objetos etc.). Por isso, ela procura satisfazer suas necessidades afetivas e intelectuais, assimilando o real à sua própria vontade, resultando daí um equilíbrio pessoal do mundo físico e social promovido pelos mais velhos. Dessa forma, percebeu-se que o jogo adota regras ou adapta cada vez mais a imaginação simbólica aos dados da realidade sob forma de construções ainda espontâneas, mas que imitam o real. Os jogos de construção, para Piaget (1971), não se constituem uma categoria, como os demais; eles são construídos pelo exercício, pelo símbolo e pela regra.

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As brincadeiras e o desenvolvimento da criança Na sociedade contemporânea, o brincar é muito valorizado na infância, pois faz parte de práticas culturais típicas, mesmo que esteja muito reduzida face à demanda do trabalho infantil que ainda se insere no cotidiano dos segmentos sociais de baixa renda. Para a maioria dos grupos sociais, a brincadeira é consagrada como atividade essencial ao desenvolvimento infantil. A brincadeira permite à criança vivenciar o lúdico e descobrir-se, apreender a realidade, tornando-se capaz de desenvolver seu potencial criativo. Nesta concepção, as crianças que brincam aprendem a significar o pensamento dos parceiros por meio da metacognição, típica dos processos simbólicos que promovem o desenvolvimento da cognição e de dimensões que integram a condição humana. A metacognição se refere ao conhecimento que alguém tem sobre os próprios processos e produtos cognitivos ou qualquer outro assunto relacionado a eles, por exemplo, as propriedades da informação relevantes para a aprendizagem. Pratico a metacognição (metamemória, meta-aprendizagem, meta-atenção, metalinguagem etc.) quando me dou conta de que tenho mais dificuldade em aprender A que B; quando compreendo que devo verificar pela segunda vez C antes de aceitá-lo como um fato. Tratamos da metacognição na unidade 5, da disciplina de Didática: Função Social da Escola. Querendo saber mais sobre metacognição e como inseri-la em nossas práticas pessoais e pedagógicas, leia o livro: PORTILHO, E. Como se aprende? Rio de Janeiro: WAL, 2009. Ou acesse o site: <http://metacognicao.com.br/>

Com as pesquisas sobre o desenvolvimento humano, observou-se que o ato de brincar conquistou mais espaço tanto no âmbito familiar quanto no educacional. Nos RCNEI, a brincadeira está colocada como um dos princípios fundamentais, defendida como um direito, uma forma particular de interação e comunicação entre as crianças. Assim, a brincadeira é cada vez mais entendida como atividade que, além de promover o desenvolvimento global das crianças, incentiva a interação entre os pares, a resolução construtiva de conflitos, a formação de um cidadão crítico e reflexivo. Há diferentes definições para “jogo”, “brincar” e “brinquedo” que merecem ser analisadas. Na Língua Portuguesa, identificamos o termo “brinquedo” para definir o material concreto utilizado na brincadeira infantil. Em relação ao brinquedo, para Kishimoto (2000), ele é definido como “objeto de suporte da brincadeira”. Em outras palavras, os brinquedos são objetos concretos que propiciam algum tipo de brincadeira.

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Existem dois tipos de brinquedos, segundo Kishimoto (2000): estruturados e não estruturados. Os que recebem a denominação de estruturados são aqueles que já são adquiridos prontos, tais como carrinhos, bonecas etc. Os definidos como não estruturados são aqueles que não são industrializados, ou seja, todo e qualquer objeto que a criança atribui significado diferente do real, como, por exemplo, grama que se transforma em comidinha, um pedaço de madeira que a criança concebe como sendo um carro, um pedaço de plástico que ela diz ser um avião, entre outros objetos que a criança vê e transforma conforme sua subjetividade. É o simbólico em ação, em que a criança modifica a função do objeto e atribui um novo sentido. Para saber mais. leia: KISHIMOTO, T. M. (Org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 2000.

Já os termos “brincar” e “jogar” podem ter outros significados como representação e outras atividades que não correspondem à ação lúdica em si, mas o sentido principal está relacionado ao lúdico. Também pode haver confusão quanto ao uso desses termos, pois o “brincar” se diferencia do “jogar” por conta da ausência de regras. Por isso, é necessário analisar o contexto social e cultural para poder definir o que é jogo e o que é brincadeira. O uso mais frequente para a palavra “jogo” é aquele que lhe dá o significado de diversão, brincadeira. Porém, diferentemente da brincadeira, o jogo tem estrutura mais clara e organizada, tendo como base um sistema de regras explícitas. Podemos citar, como exemplo, os jogos de tabuleiro, de construção, entre outros. É importante salientar que quando a criança brinca, além de de conjugar materiais heterogêneos (pedra, areia, madeira, papel etc.), ela faz construções sofisticadas da realidade e desenvolve seu potencial criativo, transformando a função dos objetos para atender seus desejos. Assim, um pedaço de madeira pode virar um cavalo; com areia, ela faz bolos, doces para sua festa de aniversário imaginária; e, ainda, cadeiras se transformam em trem, em que ela tem a função de condutor, imitando o adulto. Devemos considerar que a brincadeira é uma atividade que a criança começa desde seu nascimento, no âmbito familiar, e continua com seus pares. Inicialmente, ela não tem objetivo educativo ou de aprendizagem pré-definido. A maioria dos autores afirma que ela é desenvolvida pela criança para seu prazer e recreação, mas também para interagir com pais, adultos e coetâneos e explorar o meio ambiente. Para Vygotsky (1992), a criança nasce em um meio cultural repleto de significações sociais e historicamente produzidas, definidas e codificadas, que são constantemente ressignificadas e apropriadas pelos sujeitos em relação, constituindo-se, assim, em motores do desenvolvimento. Neste sentido, o desenvolvimento humano, para ele, se distancia da forma como é entendido por outras teorias psicológicas, por ser visto como um processo cultural que ocorre

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necessariamente mediado por um outro social, no contexto da própria cultura, forjando-se os processos psicológicos superiores, sendo a psique humana, nesta perspectiva, essencialmente social. Na brincadeira, a criança pode dar outros sentidos aos objetos e jogos, seja a partir de sua própria ação ou imaginação ou seja na trama de relações que estabelece com os amigos com os quais produz novos sentidos e os compartilha. Portanto, podemos afirmar que, ao brincar, a criança transforma e produz novos significados. Para Vygotsky (1992), a criação de situações imaginárias na brincadeira surge da tensão entre o indivíduo e a sociedade e a brincadeira libera a criança das ligas da realidade imediata, dando-lhe oportunidade para controlar uma situação existente. As crianças usam objetos para representar coisas diferentes do que realmente são: pedrinhas de vários tamanhos podem ser alimentos diversos na brincadeira de casinha; pedaços de madeira de tamanhos variados podem representar diferentes veículos na estrada. Na brincadeira, os significados e as ações relacionadas aos objetos convencionalmente podem ser libertados. Vygotsky (1992, p. 97) definiu a zona de desenvolvimento proximal (ZPD) como: “ [...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com os companheiros mais capazes.”

A brincadeira é, assim, a realização das tendências que não podem ser imediatamente satisfeitas. Esses elementos da situação imaginária constituirão parte da atmosfera emocional do próprio brinquedo. Nesse sentido, a brincadeira representa o funcionamento da criança na zona proximal e, portanto, promove o desenvolvimento infantil. Vygotsky (1992, p. 105) chama a atenção quando afirma que definir “[...] o brinquedo como uma atividade que dá prazer à criança, é incorreto[...]”, porque, para ele, muitas atividades dão à criança prazeres mais intensos que a brincadeira: por exemplo, uma chupeta para um bebê, mesmo que isso não leve à saciar a sua fome. Ele destaca, ainda, que há brincadeiras em que a própria atividade não é tão agradável. Os jogos esportivos são exemplos disso (não apenas os esportes atléticos, mas os que têm como regra ganhadores e perdedores). Estes são frequentemente acompanhados de desprazer para a criança que não alcança o resultado favorável, isto é, aquela que perde a partida. autor ainda afirma que não é possível ignorar que a criança satisfaz algumas necessidades por meio da atividade do brincar. As pequenas tendem a satisfazer seus desejos imediatamente, e o intervalo entre desejar e realizar, de fato, é bem curto. Já as crianças entre 2 e 6 anos de idade são capazes de ter inúmeros desejos, e muitos não podem ser realizados naquele momento, mas posteriormente por meio de brincadeiras. Para o autor, “[...] se as necessidades não realizáveis imediatamente não se desenvolvessem durante os anos escolares, não existiriam os brinquedos, uma vez que eles parecem ser inventados justamente quando as crianças começam a experimentar tendências irrealizáveis. (VYGOTSKY, 1992, p. 106).”

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Os jogos simbólicos na Educação Infantil Os jogos simbólicos, também chamados de brincadeiras de faz de conta, realizados pelas crianças de 3 a 7 anos, são o que mais despertam o interesse e têm sido estudados em detalhes por pesquisadores da teoria do desenvolvimento cognitivo. Eles destacam a sua importância como comunicação integrada, ou seja, o jogo simbólico é uma atividade complexa e constituinte do sujeito, diferente das que caracterizam o cotidiano da vida real, que já aparece nos jogos de esconde-esconde que ela tem com os adultos, quando aprende que desaparecer, no jogo, não é algo real, mas inventado para poder brincar. Tanto Piaget quanto Vygotsky concebem o jogo simbólico como atividade muito importante para o desenvolvimento. Piaget (1971, p. 76), face ao desenvolvimento do pensamento infantil, afirma que o jogo simbólico: “ [...] está intimamente ligado ao símbolo, uma vez que, por meio dele, a criança representa ações, pessoas ou objetos, pois estes trazem como temática para essa brincadeira o seu cotidiano (contexto familiar e escolar) de uma forma diferente de brincar com assuntos fictícios, contos de fadas ou personagens de televisão.”

Para ele, o pensamento da criança não é suficientemente preciso e maleável para comunicar um conjunto de ideias. Então, o símbolo assume a função de mediador, dando oportunidade à criança de expressar seus pensamentos. Para Vygotsky (1992), o jogo simbólico cria uma ZDP, pois, no momento em que a criança representa um objeto por outro, ela passa a se relacionar com o significado a ele atribuído e não mais com ele em si. Assim, a atividade de brincar pode ajudar a passar de ações concretas com objetos para ações com outros significados, possibilitando avançar em direção ao pensamento abstrato. Os jogos simbólicos implicam na representação, isto é, na diferenciação entre significantes e significados. No jogo simbólico, há o prazer, a descoberta do significado com acréscimo do símbolo. A criança demonstra seu funcionamento simbólico através de alguns comportamentos, tais como: » » imitando uma situação que presenciou e em outro momento, demonstrando uma representação interna desse acontecimento; » » na brincadeira de faz de conta, transformando um objeto em outro. Uma vassoura pode vir a ser, nas mãos de uma criança, um cavalo; um lápis pode se tornar um avião; » » no jogo, apresentando uma interpretação própria dos acontecimentos que fazem parte do seu dia a dia. Um outro aspecto a salientar é estimular as crianças a proporem brincadeiras que realizam em sua comunidade. Isto possibilitará que entre na sala de aula todo o universo cultural próprio dela, permitindo ao professor conhecer melhor sua realidade, cabendo a ele enriquecer as experiências lúdicas das crianças, pois a escola tem um grande número de crianças da mesma faixa etária, adultos mais experientes, materiais e espaços pensados para permitir atividades de natureza lúdica.

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Aula 6 - O Lúdico no Processo Pedagógico da Educação Infantil

O jogo simbólico é caracterizado pela liberdade de regras, pois trata-se de uma situação livre em que não há intervenção de adultos na brincadeira da criança. São consideradas apenas as regras criadas pela própria criança. Por meio do desenvolvimento da imaginação e fantasia, a criança realiza o jogo simbólico. Existe a ausência de objetivo explícito ou consciente da criança, pois ela apenas reproduz o que vê, criando o seu “faz de conta”, pois nessa atividade sente prazer, e há também a assimilação da realidade ao “eu”, ou seja, a criança atribui a si e aos objetos que está utilizando valores e funções que lhe agradam, incorporando personagens e atuando de acordo com sua imaginação e criatividade. No jogo simbólico, como já foi dito, a criança sofre algumas mudanças ao passo que vai avançando em seu desenvolvimento até chegar à imitação, na qual ela busca coerência com a realidade. Por meio do jogo simbólico, a criança desenvolve não apenas a sua capacidade de pensar – quando representa simbolicamente as ações vivenciadas –, mas também todas as habilidades motoras, pois exercita todo o corpo quando corre, pula, dança e atua em diferentes personagens. Portanto, é possível afirmar que as situações lúdicas e afetivas que envolvem o jogo simbólico fornecem meios para que as crianças participem desses momentos de maneira livre e, o mais importante, permite ainda que, por meio da representação e da imitação, as crianças adquiram o vocabulário necessário para resolver todas as suas necessidades e possam avançar os estágios de jogo, compreendendo as novas estruturas que se formarão e em que elas mesmas aplicarão num novo contexto.

Síntese Vimos que, ao imitar e recriar personagens observados em seu cotidiano, a criança expande sua imaginação e aprende mais sobre o universo ao seu redor, sobre relações sociais, sobre o outro e sobre si mesma. No brincar, a criança também é capaz de utilizar seus conhecimentos prévios sobre determinadas situações que já tenha vivenciado e resolver conflitos sem as pressões da realidade. Por meio do brincar, da imitação da realidade, a criança enriquece sua identidade, de modo que possa experimentar diferentes formas de ser e agir, ampliando seus conceitos sobre a realidade e o convívio social. Também por meio do brincar, a criança internaliza emoções e sentimentos em que cria um juízo próprio de moral e justiça, pois quem brinca torna-se mais flexível e apto a lidar com conflitos e frustrações. Assim, o educador tem a incumbência de estimular a criança em suas múltiplas inteligências para que venha a fazer suas próprias descobertas, disponibilizando, para isso, momentos em que possa explorar sua imaginação e criatividade. A partir dessa abertura de espaço para que a criança se desenvolva, o professor, utilizando-se da observação, poderá planejar diferentes atividades que envolvam os mais diversos tipos de linguagem, contribuindo para o crescimento e aperfeiçoamento das habilidades e capacidades de seus alunos. Também é importante que o educador se preocupe com o ambiente em que realizará as atividades com as crianças, proporcionando um espaço acolhedor e socializador, que promova a interação entre as crianças e desperte a curiosidade, a criatividade e as capacidades de cada uma delas. Para isso, o professor poderá utilizar variados materiais que permitam às crianças a exploração desses recursos, com a finalidade de ampliar as suas capacidades e desenvolver as suas inteligências múltiplas.

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Educação Infantil

referências ALMEIDA, P. N. Educação lúdica, técnicas e jogos pedagógicos. São Paulo: Loyola, 1990. FARIA, A. R. de. O pensamento e a linguagem da criança segundo Piaget. São Paulo: Ática, 1994. KISHIMOTO, T. M. (Org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 2000. ______. O jogo e a educação infantil. São Paulo: Pioneira, 1994. PIAGET, J. A formação do símbolo na criança. São Paulo: Zahar, 1971. VYGOTSKY, L. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1992.

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Aula 7 Família e Escola Profª. Ms. Maria Salete da Costa e Profª. Ms. Elaine Maria S. de Moura

Introdução

C

ada vez mais se percebe a necessidade de a escola estar em perfeita sintonia com a família, uma vez que ela é uma instituição que a complementa. Podemos afirmar que a escola não deve existir sem a família e nem a família sem a escola. Na parceria entre família e escola, um ponto que faz a maior diferença nos resultados da educação nas escolas é a proximidade dos pais no esforço diário dos professores. Por outro lado, este relacionamento muitas vezes chega a ser ambíguo. Muitos diretores e professores, embora no discurso reclamem da falta de participação dos pais na vida escolar dos filhos – com alguns até atribuindo a isso o baixo desempenho deles –, não se mostram nada confortáveis quando algum membro da comunidade mais crítico cobra qualidade no ensino ou questiona alguma rotina da escola. Na presente unidade, vamos tratar exatamente desta relação: família e escola. Vamos abordar o tema através dos seguintes itens: » » a parceria com as famílias;


Educação Infantil

» » o acolhimento das famílias e das crianças na escola; » » o acolhimento de famílias com filhos com necessidades especiais.

Objetivos Ao final da unidade, esperamos que você seja capaz de: » » perceber a importância da família no desenvolvimento do trabalho pedagógico na escola; » » desenvolver atividades que promovam o perfeito acolhimento das crianças na Educação Infantil; » » acolher as singularidades de cada criança e incluí-las no desenvolvimento das situações planejadas.

Parceria com as famílias A parceria com as famílias é essencial na Educação Infantil, principalmente quando nos referimos às crianças de 0 à 3 anos, e neste caso, a relação deve ser mais próxima quanto menor for a criança. Mas essa relação não é tão simples, pois inúmeros educadores e professores, muito competentes com as crianças, sentem as relações com os pais como um aspecto conflituoso. Consideram que o seu trabalho consiste em educar crianças e não trabalhar com os pais. Sem dúvida alguma, as relações entre pais e educadores são muito complexas, carregadas de envolvimentos emocionais e de expectativas mútuas, sem o rigor profissional. Quando nos referimos à colaboração entre família e escola, não estamos considerando algo uniforme e homogêneo, mas sim a diversidade de contextos e de situações familiares que caracterizam cada vez mais nossa sociedade. A composição familiar no nosso século, o estilo educativo e a sua origem cultural fazem grande diferença na criança. Muitas as famílias estão distantes do protótipo “pai, mãe e filhos biológicos”. Hoje, é muito comum os casais divorciados, as famílias com filhos adotivos, as crianças criadas por parentes, os pais ou mães homossexuais etc. A escola precisa considerar, no trabalho educativo, a diversidade de estruturas e composições familiares sem preconceitos às diferentes famílias no trabalho com as crianças nos conteúdos relacionados à casa, à família e à vida familiar. Temos clareza que não é fácil ter essa atitude. Às vezes, não existem termos para nomear algumas relações familiares como, por exemplo, a criança que tem uma mãe e uma outra mulher como companheira da mãe. Temos que tomar cuidado nas comemorações dos dia das mães e dos pais. É mais recomendável que as escolas adotem o Dia da Família, pois estarão tratando a ideia da diversidade familiar como pluralidade e como fonte de riqueza.

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Aula 7 - Família e Escola

Muitas vezes, as famílias não compartilham com a escola a sua situação familiar. É comum que mães homossexuais se apresentem como famílias monoparentais e não comentem sua vida em casal. À medida que a escola trate dos temas familiares com uma visão aberta e tolerante, as diferentes famílias se sentirão mais à vontade e mais aceitas em suas condições e as crianças muito mais beneficiadas, pois a composição de sua família deixou de ser tabu.

Todos os dados familiares devem ser manejados com prudência e confidencialidade na escola.

As famílias diferem uma das outras no seu funcionamento interno, no estilo de suas relações e interações, nos quais sempre estão em jogo os valores, as ideais e as expectativas de cada família e também a sua cultura social. Existe um amplo consenso acerca das vantagens que oferece o chamado estilo educativo democrático, caracterizado pela presença de comunicação, afeto, disciplina e controle. Mas sabemos que este não é o único estilo educativo que pode trazer vantagens psicológicas para as crianças, nem responde de maneira adequada às necessidades de todas elas. Temos clareza também que nem todos os pais sabem ser democráticos, porque o estilo educativo responde apenas em parte a uma opção consciente; depende muitas vezes de como foram educados, qual é a sua história pessoal de socialização e de educação. É fundamental na relação familiar entre pais e filhos e nos estilos educativos o respeito e a consideração. A diversidade encontra seu limite nos direitos e nas necessidades básicas das crianças, e não podemos admitir nenhuma forma de maus-tratos em qualquer de suas versões e em qualquer intensidade pode ser considerada como parte da diversidade aceitável. Como profissionais de educação, temos de alertar as famílias ou outros profissionais do nosso meio sobre possíveis disfunções negativas com muita cautela para não criar bloqueios na relação com a escola. Referendado no Plano Nacional de Educação (PNE), “[...] a Educação Infantil inaugura a educação da pessoa. Essa educação se dá na família, na comunidade e nas instituições. As instituições de Educação Infantil vêm se tornando cada vez mais necessárias como complementares à ação da família, o que já foi afirmado pelo mais importante documento internacional de educação deste século, a Declaração Mundial de Educação para Todos. (JOMTIEN,1990)”

A escola de Educação Infantil, já há 15 anos, desde de 1988, é direito da criança e opção da família. A Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a LDB reforçam a ideia deste direito.

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Educação Infantil

Acolhimento das famílias e das crianças na escola Início do ano, chega a hora de ir para a escola. Escolha de lancheira, mochila, material escolar. É aquela festa para a criançada...

Mas no primeiro dia de aula as crianças de Educação Infantil têm um grande desafio: ficar sem os pais na escola. “Para a criança é tudo novidade, mas a adaptação dela àquela situação dependerá dos sentimentos e comportamentos dos pais perante aos pequenos. Caso os pais demonstrem e transmitam insegurança aos filhos, eles se sentirão inseguros, abandonados. Quanto mais os pais souberem lidar com a situação, mas fácil é a adaptação das crianças à escola. (LEAL, 2010, p. 12).”

Assim, podemos afirmar que o acolhimento que garantirá a qualidade da adaptação da criança à escola e que em tal processo estão envolvidos a criança, a escola e a família em um jogo de movimentos. Portanto, podemos enfocar o acolhimento sob diversos pontos de vista: » » das famílias, que compartilham a educação da criança com creche/pré-escola; » » da criança, do significado e da emoção que é passar de um espaço seguro e conhecido para outro em que é necessário um investimento afetivo e intelectual para poder estar bem; » » do professor, que recebe uma criança desconhecida e ainda tem as outras do grupo para acolher; » » das outras crianças que estão chegando ou que fazem parte do grupo e precisam encarar o fato de que há 
mais um para repartir, mas também para somar; » » da instituição, nos aspectos organizacional e de gestão, que prevê espaço físico, materiais, tempo e recursos humanos com competência para esta ação . Não deixe de assistir ao filme “A língua das mariposas”, de José Luiz Cuerda, que retrata a expectativa de uma criança ao ir para escola pela primeira vez.

Veja alguns comentários sobre o filme em: <http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=211>

Quando somos bem recebidos em qualquer lugar, em geral nossa reação é de simpatia e abertura, esperando o melhor daquele ambiente daquelas pessoas. Quando somos recebidos friamente, nossa tendência é também ignorar, não se envolver, passar desapercebidos. E o que acontece quando somos mal-recebidos? Juramos não voltar mais àquele lugar! Por que com a criança e sua família deveria ser diferente?

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Aula 7 - Família e Escola

É muito importante considerar a adaptação sob o aspecto da necessidade de acolher, aconchegar, procurar o bem-estar, o conforto físico e emocional das famílias e das crianças. Precisamos que o nosso objetivo na instituição seja a construção de uma escola confortável, onde crianças, professores e famílias sintam-se em casa. Tal escola exige o planejamento cuidadoso com relação aos procedimentos, às motivações e aos interesses. Ela deve incorporar meios de intensificar os relacionamentos entre os três protagonistas centrais (crianças, professores e pais), de garantir completa atenção aos problemas da educação. A educação é baseada no relacionamento e na participação e, de forma prática, devemos manter continuamente a nossa rede de comunicação, como, por exemplo, reuniões com as famílias para a: » » discussão do currículo; » » organização das atividades; » » preparação de boas-vindas às novas crianças; » » discussão dos projetos e das pesquisas; » » organizações de integrações e celebrações. Devemos fortalecer a rede de relações entre as crianças, distribuir os números de telefone e os endereços de todas as crianças e de seus professores, estimularmos visitas entre as crianças, em suas casas. Garantir uma participação grande e constante das famílias na escola e muito do que se conquista nessa participação é possível devido aos múltiplos ajustes dos professores. Os professores devem ter o hábito de questionar suas certezas; devem assumir um estilo crítico em relação às pesquisas e um conhecimento continuamente atualizado sobre as crianças; devem manter uma avaliação positiva do papel dos pais e devem possuir habilidades para falar, ouvir e aprender com eles. É também muito importante que os pais e as crianças valorizem os professores, percebam quanto trabalho eles realizam. Devem ver como os professores cooperam com projetos de pesquisas e como documentam seu trabalho com paciência e cuidado, como juntam-se às brincadeiras das crianças e assumem responsabilidades. A Educação Infantil tem três atores: crianças, família e profissionais da educação, portanto, não há como negar as relações entre eles porque mesmo a ausência de alguma dessas relações implica num determinado modelo relacional. E, da mesma forma que a qualidade das relações das crianças com a família são relevantes, não menos importantes são as relações da escola com a família para o desenvolvimento da criança, pois, independente do papel que assuma, de filho ou de aluno, a criança é um ser total e em formação e que depende da intervenção dos adultos com os quais se relaciona. Precisamos nos perguntar sempre e rever algumas concepções para o estabelecimento efetivo da parceria entre escola e família.

Para você relembrar sobre as Concepções de Educação, retome a unidade 3 – Tendências educacionais e a didática, da disciplina Didática. Acesse também: <http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=781>

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Educação Infantil

» » Qual é a concepção de educação que família e escola têm? » » Que proximidades ou distâncias existem entre essas concepções? » » Existe diálogo na relação entre família e escola? » » A escola reconhece a função da família na formação da criança? » » A família reconhece a função educativa da instituição de Educação Infantil? O Relatório para a UNESCO, da Comissão Internacional sobre educação para o século XXI, afirma que “A família constitui o primeiro lugar de toda e qualquer educação e assegura, por isso, a ligação entre o efetivo e o cognitivo, assim como a transmissão dos valores e das normas” (DELORS, 2001, p.111). A integração entre Educação Infantil e educação familiar pressupõe a presença de diálogo entre pais e professores, pois podemos perceber uma melhora na qualidade do atendimento quando as famílias passam a conhecer melhor e a respeitar mais o sistema escolar. Pois, sem dúvida alguma, a comunicação entre pais e professores deve ser uma via de mão dupla, na qual cada um compartilha informações e aprende com o outro para benefícios da criança. Quando família e escola se derem conta de que a formação da pessoa se dá ao longo de toda a sua vida e nos diferentes espaços em que ela atua, a ação complementar acontecerá de forma natural, como parte de um contexto social educativo. Um desafio constante para todo educador é desenvolver e aprimorar habilidades que vão oferecer aos alunos as melhores experiências possíveis e oportunidades de aprendizagem na escola, em casa e em ambientes comunitários. É essencial que todos os esforços sejam feitos para garantir a comunicação contínua e eficaz e as parcerias estabelecidas e mantidas com os pais. Garantir uma aliança entre pais e professores é altamente produtivo e eficaz.

Acolhimento de famílias com filhos com necessidades especiais A educação inclusiva já foi tratada em nosso curso, na disciplina de Práticas educacionais, e está prevista em vários dispositivos legais: na Constituição Federal, na LDB, no ECA, nas Diretrizes Curriculares, entre outros.

Não deixe de ler: MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer?. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2006.

Trataremos aqui de alguns aspectos da inclusão na escola de crianças com necessidades especiais.

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Aula 7 - Família e Escola

Para incluir crianças com deficiência física nos membros inferiores, o primeiro passo é garantir a acessibilidade dos espaços da escola. É fundamental fazer um passeio com a criança pelas salas e áreas externas e apresentá-la aos colegas. Deixe que as crianças interajam e conversem. Pode ser que alguma criança pergunte, por exemplo, “por que ele não anda?”. Responda de forma clara e aproveite a oportunidade para contar a todos que a limitação motora do colega de forma alguma o impede de fazer as atividades propostas, mas que, para algumas ações, ele pode precisar de ajuda. Também é necessário explicar isso à criança com deficiência física e mostrar que ela pode recorrer a você ou aos colegas sempre que precisar. A Lei 10.098, de 19/12/2000, estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Você pode acessar em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L10098.htm>

A integração com as famílias é essencial e sempre precisamos contar com esta ajuda para compreender melhor as necessidades e os hábitos da criança. É muito importante prever a integração e a participação dos diferentes segmentos da escola (merendeiras, professores, porteiros, agentes de limpeza, secretárias, coordenadores etc.). Se faz necessário também pensar em como os espaços serão organizados para receber as crianças e suas famílias e como as crianças com necessidades especiais participarão. É importante prever o tempo de permanência nos primeiros dias e nos dias subsequentes e quantos dias precisará de alguém da família presente na escola. Quando tratar-se de deficiente visual, a organização do espaço físico é essencial para que uma criança com deficiência desenvolva sua independência e autonomia. Torna-se fundamental a análise, juntamente com o professor especializado responsável pela inclusão, de todos os ambientes, verificando a existência de barreiras físicas perigosas, obstáculos aéreos, posição de lixeiras, cabides, corrimãos em escadas, rampas, objetos pontiagudos que possam causar acidentes no pátio, em brinquedos, no parque ou área livre. Esses cuidados são fundamentais para a autonomia e independência da criança com total perda de visão e de baixa visão, principalmente para que estejam seguras na exploração motora e tátil do ambiente interno e externo, que são fundamentais para o processo de construção do conhecimento. Os jogos e brinquedos, a localização das mesas e cadeiras devem estar sempre dispostos de forma acessível. Qualquer mudança deve ser comunicada e vivenciada pela criança deficiente para que ela reelabore o mapa mental do ambiente.

Acesse: <http://www.ipv.pt/millenium/Millenium28/8.htm>

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Educação Infantil

No portal do MEC, na Secretaria de Educação Especial, você encontra várias informações sobre a inclusão de crianças com necessidades especiais. Acesse: <http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=860&catid=192%3Aseesp-es-ducacao-especial&id=12654%3Asaberes-e-praticas-da-inclusao-educacao--infantil&option=com_content&view=article>

A criança com necessidades especiais, como as demais crianças, necessitam de ambiente de vida alegre, tranquilo, confortável e de espaços de aprendizagem mediante trocas e experiências compartilhadas entre adultos e crianças. Para a escola ser um espaço seguro e de confiança, ela deve acolher também as famílias nos seus receios, medos e angústias no momento de separação de seus filhos. Assim, a escola de Educação Infantil deve ser um ambiente amistoso, onde crianças, famílias e professores sintam-se confortáveis e confiantes. Temos de entender que a adaptação será da família, da criança, dos professores e da escola como um todo: conhecendo melhor as crianças e famílias e estabelecendo os primeiros vínculos afetivos.

Para saber mais sobre a relação família e escola, acesse o site: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-863X20070 00100003&lng=pt&nrm=iso>

A escola também necessita dessa relação de cooperação com a família, pois os professores precisam conhecer as dinâmicas internas e o universo sociocultural vivenciados pelos seus alunos, para que possam respeitá-los, compreendê-los e para que tenham condições de buscar sempre o sucesso e não o fracasso dos alunos com necessidades especiais. Precisam ainda dessa relação de parceria para poderem também compartilhar com a família os aspectos de conduta do filho: aproveitamento escolar, qualidade na realização das tarefas, relacionamento com professores e colegas, atitudes, valores, respeito às regras etc. A relação escola-família prevê o respeito mútuo. Segundo Piaget: “Uma ligação estreita e continuada entre os professores e os pais leva a muita coisa mais que a uma informação mútua: este intercâmbio acaba resultando em ajuda recíproca e, frequentemente, em aperfeiçoamento real dos métodos. Ao aproximar a escola da vida ou das preocupações profissionais dos pais, e ao proporcionar, reciprocamente, aos pais um interesse pelas coisas da escola, chega-se até mesmo a uma divisão de responsabilidades... (1972/2000, p.50)”

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Aula 7 - Família e Escola

É função inicial dos professores a construção dessa parceria, pois transferir essa função à família somente reforça sentimentos de ansiedade, vergonha e incapacidade aos pais, uma vez que não são eles os especialistas em Educação, não entendem de Psicologia, desconhecem a Didática, a Sociologia, enfim, os resultados desta postura já se conhece muito bem: o afastamento da família.

Síntese No desenvolvimento do conteúdo da presente unidade, você deve ter percebido que a participação efetiva dos pais no processo de aprendizagem facilita e contribui para a prática pedagógica dos professores. Isso evidencia a responsabilidade que a escola tem em incentivar e apoiar a articulação família-escola. Deve ter percebido também que as duas instituições, família e escola, são responsáveis pela inserção da criança no contexto social, devendo torná-la capaz de alcançar o conhecimento com autonomia e acompanhar as mudanças sociais, tecnológicas e econômicas. A família, especialmente os pais, ocupa um importante papel na mudança do comportamento de seus filhos. Ela intervém no desenvolvimento humano do indivíduo, na relação com o meio natural e social. Por outro lado, existem conflitos entre família e escola devido às diferenças de classes sociais, valores, crenças, hábitos de interação e de comunicação. Assim, a escola como promovedora dessa participação precisa, antes de tudo, conhecer um pouco as famílias, observando seus comportamentos e suas atitudes e, por meio da compreensão e do respeito, procurar estratégias adequadas às necessidades da família, sem desvalorizá-la pela sua classe social. Encerrando nossa unidade, não deixe de assistir ao vídeo <http://www.youtube.com/ watch?v=19vH4whytwc>.

Referências BALABANB, N. O início da vida escolar: da separação à independência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. DELORS, J. (Org.). Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 2001. FREIRE, M.; DAVINI, J. Adaptação: pais, educadores e crianças enfrentando mudanças. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1999. Série Cadernos de reflexão. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Educação e cuidado na primeira infância: grandes desafios. Brasília: UNESCO Brasil, OECD, Ministério da Saúde, 2002. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/ images/0013/001362/136283por.pdf>. Acesso em: 24 fev. 2012. OLIVEIRA, Z. R. Educação Infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002. PIAGET, J. Para onde vai a educação. Rio de Janeiro: José Olímpio, 2000. SPODEK, B.; SARACHO, O. Ensinando crianças de três a oito anos. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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Aula 8 A Prática Educativa na Educação Infantil Profª. Ms. Maria Salete da Costa e Profª. Ms. Elaine Maria S. de Moura

INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, tem sido observado uma grande preocupação em relação às linhas pedagógicas adotadas pelas instituições escolares, e na Educação Infantil não tem sido diferente. Parte significativa das práticas pedagógicas em Educação Infantil tem dificuldade de considerar a criança como um ser capaz e competente. Por isso, afastam a criança do mundo em que vivem e da cultura em que estão inseridos, simplificando os conteúdos e desconsiderando aquilo que a criança já sabe, imaginando que ela é um receptáculo vazio, que precisa receber as informações lentamente, a conta-gotas. No outro extremo, estão práticas pedagógicas que idealizam a criança, considerando que ela tudo pode e tudo sabe. Segundo essa concepção, a criança é protagonista e o professor não deve interferir no processo de aprendizagem. Não se valorizam as aprendizagens específicas e de conteúdos. Assim, observa-se a mesma limitação da outra prática, ou seja, não se atua no potencial de aprendizagem da criança.


Educação Infantil

Temos de considerar que, na Educação Infantil, a ação pedagógica deva se assentar na compreensão da importância das funções de “cuidar e educar” como aspectos indissociáveis no trabalho com crianças de 0 a 6 anos de idade, fundamentada numa concepção da criança como ser social, histórico, inserido na cultura e cidadão de direitos. É esta a concepção que adotamos ao desenvolver o conteúdo da presente unidade: a prática educativa na Educação Infantil, que será abordada por meio dos seguintes tópicos: » » organização e planejamento na Educação Infantil; » » representações sociais na Educação Infantil; » » o professor como mediador da criança em sua aprendizagem; » » Loris Malaguzzi. Queremos que você seja capaz de construir outras formas de atuar na Educação Infantil: organizando e planejando suas ações a partir do brincar, por considerá-lo uma forma privilegiada de a criança ser e estar no mundo; desenvolvendo suas múltiplas linguagens – corporal, plástica, musical, oral, escrita, do faz de conta, virtual (computador) – considerando a importância da alfabetização nesta faixa etária, sem, contudo, privilegiar esse trabalho; estando atento à curiosidade da criança e à sua necessidade de conhecer o mundo, organizando projetos transdisciplinares, envolvendo temáticas relativas à natureza e à cultura.

Organização e planejamento na Educação Infantil A prática pedagógica se refere à particularidade de cada profissional, ao conjunto de práticas realizadas por um grupo de profissionais em uma instituição educativa e ao coletivo de instituições que compõem uma rede de educação. Assim, a prática pedagógica como parte de um processo social e de uma prática social maior envolve a dimensão educativa não apenas na esfera escolar, mas na dinâmica das relações sociais que produzem aprendizagens, que produzem o processo educativo. Podemos, então, afirmar que a prática pedagógica expressa as atividades rotineiras que são desenvolvidas no cenário escolar. Podem ser atividades planejadas com o intuito de possibilitar a transformação do educando ou podem ser atividades estáticas, repetitivas, que pouco contribuem para o seu desenvolvimento.

Paulo Freire denominou tal prática como educação bancária. Em sua obra “Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa” (Paz e Terra, 1996), o autor reflete sobre os saberes necessários à prática educativa. Não deixe de ler.

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Aula 8 - A Prática Educativa na Educação Infantil

Na relação pedagógica educativa, é preciso entender que os atores que fazem parte deste processo se entrelaçam como em uma rede. De um lado, encontramos o sistema educacional que traça os princípios norteadores das instituições, e do outro estão as instituições com seu corpo de profissionais que juntos formam um coletivo que atendem aos alunos; os professores, cada um com sua trajetória única e individual; as crianças em suas singularidades e suas respectivas famílias, das quais elas fazem parte e que participam do dia a dia da instituição. A convivência no cotidiano das instituições de Educação Infantil se dá de forma mais próxima entre as crianças e os adultos, atores da instituição. Esses atores vão interagindo conjuntamente, como protagonistas; vão construindo um senso de cumplicidade, um sentimento de segurança e de pertencimento. A prática pedagógica realizada nas instituições de Educação Infantil é uma construção histórica e social, marcada por esses diversos atores que a influenciam com maior ou menor intensidade. Ela é o fio condutor do cotidiano, englobando todas as rotinas e os momentos que compõem o fazer diário das instituições de Educação Infantil. A organização do trabalho docente na Educação Infantil aborda temas como o planejamento e a organização do trabalho pedagógico, conteúdos curriculares, alternativas metodológicas como projetos e competências, além de atividades lúdicas e desafiadoras. Contamos ainda com alternativas metodológicas como saber o propósito do projeto, levantar o que já se sabe sobre o tema e o que queremos saber. O trabalho docente é composto de atividades planejadas que visam atingir objetivos de aprendizagem através da exploração e do estímulo com dinamismo e criatividade. Alguns aspectos são considerados básicos para o planejamento, como conhecer o aluno, o conteúdo a ser ensinado, o procedimento a ser desenvolvido, o conhecimento do processo de avaliação, a consciência de que a interação professor-aluno é um elemento importante na aquisição do aprendizado e que a dimensão social do trabalho em aula é muito amplo. Da organização do trabalho docente depende também a inclusão que busca, além da integração, a adaptação do ambiente físico para atender à diversidade, às necessidades, dificuldades e potencialidades. Estes são alguns procedimentos para alcançar o sucesso educacional. Quando nos referimos ao conteúdo curricular, estamos nos referindo às regras de convivência, metodologias, a história da escola e da comunidade, aos valores, à didática e ao conhecimento que fornecem noções do que o professor deve abordar no ensino-aprendizagem, sendo um meio para concretizar os propósitos da instituição. Este possui algumas características como conteúdos conceituais, que dizem respeito ao conhecimento, aos procedimentais que se referem ao fazer e aos conteúdos atitudinais que estão associados a valores e normas.

Não deixe de ler a obra ZABALA, A. A prática Educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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Educação Infantil

Os conteúdos contêm eixos como o movimento que envolve expressividade, equilíbrio e coordenação. Música que explora e interpreta a expressão e produção do silêncio e de sons. Artes visuais que exploram e manipulam diversos materiais visando o cuidado consigo e com os materiais produzidos e identificando diversas imagens. Linguagem oral e escrita constituídas pelo falar, comunicar-se, relatar vontades, necessidades e sentimentos. E ainda escutar, ouvir histórias, regras, respostas as perguntas etc. Natureza e sociedade envolvem atividades referentes à tradição, cultura, vivência com animais ou plantas. A Matemática é formada por quantidade, associação no empilhar ou encaixar, medida, comprimento e peso, seriação e classificação entre outros. O conhecimento de medidas básicas de saúde e segurança, técnicas de apresentação das atividades, técnicas de manejo em grupo e conhecimento do conteúdo são aspectos tão fundamentais quanto às competências em relação à programação, à orientação e aos processos de avaliação. A avaliação exige observação, reflexão, registro diário e sensibilidade. Ao considerar o trabalho diário na Educação Infantil, é necessário levar em conta, no planejamento, a faixa etária; precisamos desenvolver atividades que tenham objetivos claros, oferecer harmonia e que estabeleçam consciência da diversidade, organização prévia ao planejar uma atividade e arquivo são algumas diretrizes que ajudam no planejamento pedagógico.

Na disciplina de Práticas Educacionais, você deve ter visto que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil determina que as Propostas Pedagógicas para a Educação Infantil devem organizar suas estratégias de avaliação por meio do acompanhamento e dos registros de etapas alcançadas nos cuidados e na educação para crianças de 0 a 6 anos, “[...] sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental”. Você pode acessar as Diretrizes no site no MEC, disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=articl e&id=12992:diretrizes-para-a-educacao-basica&catid=323:orgaos-vincu-lados>.

A seleção dos temas pode ser de forma cíclica, que é voltada para datas com significados para as crianças. Não deve-se trabalhar com datas comemorativas soltas, desligadas de um significado para os alunos de Educação Infantil, ou trabalhar com temas que vêm como sugestão da criança, dos pais, professores ou equipe escolar. O plano aqui é entendido como instrumento orientador do trabalho docente, como norteador das intencionalidades dos professores e como oportunizador à ampliação e à diversificação dos repertórios culturais das crianças. Sendo assim, o plano precisa, necessariamente, estar vinculado à realidade do aluno. Como este plano é escrito e elaborado, passa pela individualidade de cada professor, mas a prioridade reside nos princípios que o sustentam: na visão de mundo, de criança, de educação, de processo educativo que se tem e que se quer.

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O planejamento organizado por tema gerador é constituído de conhecimento social, natural, lógico, matemático e linguístico. E a organização dos projetos didáticos exige observação, associação e expressão. Não deixe de ler o livro indicado a seguir, ele traz uma excelente fundamentação para o trabalho com a metodologia de projetos na Educação Infantil: BARBOSA, M. C. S.; HORN, M. da G. S. Projetos pedagógicos na Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008.

A formulação da questão-problema para a investigação proporciona uma ampliação do repertório de conhecimentos das crianças. Precisamos selecionar muito bem o que vamos pesquisar com as crianças. Para o desenvolvimento do projeto, omediador combina a distribuição de tarefas, organiza o tempo e os recursos disponíveis.

Não deixe de assistir aos vídeos indicados a seguir, a partir dos quais você vai encontrar práticas da Educação Infantil relacionadas à Língua Portuguesa e à Matemática: <http://youtu.be/eGlqNXNkLBE> <http://youtu.be/1oSgyL2gdus >

Representações sociais na Educação Infantil Tratando-se de representação social na Educação Infantil, estamos nos referindo a vida cotidiana nas instituições educativas, planejamentos, rotinas, clima institucional e turbulências. A abordagem teórica das representações sociais (RS) foi inaugurada em 1961 pelo psicólogo social Serge Moscovici, o qual partiu da noção de representações coletivas (RC) de Durkheim. Segundo Moscovici (1978), o principal objetivo da teoria é investigar e buscar explicações para o conjunto dos fenômenos relativos ao cotidiano dos sujeitos, assim como conhecer o conceito que os engloba, o que era impossível para as RC. MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigação em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2003.

Podemos afirmar que as representações sociais são elaborações mentais construídas socialmente a partir das relações que se estabelecem entre a atividade psíquica do sujeito e o objeto do conhecimento. Essa relação resulta da prática social e histórica da humanidade e se generaliza pela linguagem, estando relacionadas ao pensamento simbólico e a toda a forma de vida mental que pressupõe a linguagem.

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Assim, as representações sociais são definidas como um conjunto de conceitos, afirmações e explicações originadas nas comunicações interpessoais do cotidiano. São constituídas por elementos simbólicos que as pessoas expressam mediante palavras e gestos. No uso de palavras, por meio da linguagem oral ou escrita, as pessoas explicitam o que pensam, como percebem as situações, que opinião formulam acerca de determinado fato ou objeto e que expectativas desenvolvem a respeito de questões por vezes antagônicas. Na relação pedagógica educativa, é preciso entender que os atores que fazem parte deste processo se entrelaçam como em uma rede. Deve-se entender rede, conforme sugere Norbert Elias (1994, p. 35), como uma rede de tecido que se constitui de um entrelaçado de fios, cada um com sua individualidade, mas que juntos e em relação formam um conjunto que não pode ser explicado em sua particularidade. ELIAS, N. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

Como dito no item anterior, na Educação Infantil, as partes que compõem essa representação social se constituem nos seguintes elementos: » » o sistema educacional que traça os princípios norteadores das instituições; » » as escolas, com seu corpo de profissionais que, juntos, formam um coletivo que atende os alunos; » » os professores, cada uma com sua trajetória única e individual; » » as crianças em suas singularidades e suas respectivas famílias, das quais elas fazem parte e que participam do dia a dia da escola. No cotidiano das instituições de Educação Infantil a convivência se dá de forma mais próxima entre as crianças e os adultos. São estes dois atores que, interagindo conjuntamente como protagonistas, vão construindo um senso de cumplicidade, um sentimento de segurança e de pertencimento e compondo as representações sociais. A instituição se torna o encontro de diversas representações sociais, compostas por histórias individuais, profissionais ou particulares, com a tentativa da construção de uma prática coletiva como fio condutor do cotidiano que atenda às crianças espaço coletivo de vivências. Trabalhar em escolas há mais de 20 anos, como gestora e coordenadora, possibilitou-me compreender que os professores de Educação Infantil apresentam uma significativa compreensão de que a sua atividade é um trabalho que não deve dissociar as ações de cuidar e educar . Por esta razão, as suas representações sociais sobre o professor de Educação Infantil, sobre a criança e a família centram-se em uma perspectiva sócio-histórica de sujeito, por meio da qual a profissionalização do professor é considerada importante para o desenvolvimento da criança, sempre em parceria com a família, apesar de ainda existirem algumas posições diferentes.

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O professor de Educação Infantil busca construir seus saberes sempre a partir das expectativas em relação à criança e aos seus familiares. Assim, as representações sociais que os professores formulam sobre esses dois elementos, constitutivos de parte de todas as relações com o mundo, ajudamnos a ter uma ideia de como o professor se relaciona com o saber, haja vista o seu processo de desenvolvimento profissional ter, como o “outro” que o constitui, a criança e os seus pais. Entretanto, esse “outro” da relação com o saber dos professores também diz respeito aos seus colegas de trabalho com quem aprende e encontra modelos para a sua subjetividade. A formação continuada é muito necessária para os professores, pois, além de tomar a criança como o centro educacional e pedagógica, eles veem em muitos outros processos formativos a oportunidade de dar sentido à instituição de Educação Infantil. FREIRE, P. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho D’água, 1997. Leia uma sinopse sobre o livro, disponível em: <http://baixar-bonslivros.blogspot.com/2010/12/professora-sim-tia-n%C3%A3o--paulo-freire.html>. É pedagógico para um aluno chamar a professora de tia. Segundo o autor, esse tratamento é uma armadilha ideológica nada inocente. Para a professora, é uma forma de adocicar sua vida profissional e de tentar amaciar sua capacidade de luta e seu empenho no exercício de tarefas fundamentais; já as crianças correm o risco de confundir a distinção entre sua casa e a escola, entre um trabalho pedagógico competente, estimulante e solidário e as relações familiares, que são de outra natureza. Nesse livro, Paulo Freire trata de questões bem concretas do cotidiano docente, tais como o rigor no preparo das aulas, as qualidades necessárias para professoras e professores progressistas, as relações com os alunos, a escuta da palavra e a leitura do mundo e a prática da disciplina sem cair no autoritarismo. Você pode acessar o livro pela internet, está disponível em: http://www.scribd.com/doc/2230974/Paulo-Freire-Professora-simTia-nao

O Professor como mediador da criança em sua aprendizagem A Educação Infantil necessita que o professor seja considerado como um profissional; um mediador consciente de suas atribuições e um educador polivalente e atento.

Lembra-se do livro de Paulo Freire, “Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar”? Veja uma referência a ele no vídeo: <http://www.youtube.com/watch?v=DHZ8P5Utzu4>.

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Ouvimos de alguns professores de Educação Infantil a presença do caráter assistencialista, quando se referem ao preparo do professor, que dizem: “Sem estar preparado, é melhor que não assuma uma sala de crianças, pois muitas vezes necessita ser de tudo – enfermeiro, psicólogo, e, acima de tudo, um bom profissional. A Educação Infantil se revestiu ao longo da história de um caráter assistencialista. Muitas vezes ouvimos de professores que são confundidos com a figura da mãe e do pai. Tanto quanto a figura da “tia”/”tio”, tão bem questionada por Freire, as associações equivocadas entre os professores e os familiares da criança denunciam que alguns profissionais ainda têm outros modos de conceber a sua prática. É muito comum também alguns professores conceberem a educação não como “profissão” e sim como missão. Para eles, ser professor de Educação Infantil é ser primeiro dinâmico, sereno, determinado e, acima de tudo, espirituoso. É bem verdade que essa ideia não é predominante, mas ainda encontramos muitos professores e também pais com esta visão. A política de valorização da Educação Infantil em nosso País é uma conquista recente, principalmente quando considerada como etapa, como momento da Educação Básica, importante período de aprendizagem da criança.

Na disciplina de Práticas Educacionais, na unidade 2, quando foi abordado o tema “O sistema educacional brasileiro”, foi dito que a Educação Infantil só passou a fazer parte do sistema educacional brasileiro com a Constituição de 1988 e a LDB de 1996. Antes ela era tratada com pré-escola, algo que vem antes da escola.

Não podemos tratar as crianças como “adultos em miniaturas” e dessa forma fazer com que elas aprendam e se comportem de forma adulta o mais rápido possível, fazendo-as escutar em silêncio, copiar exatamente o que está escrito no quadro-negro e repetir as frases construídas pelo professor, não dando espaço para as suas próprias ideias. Hoje sabemos que as crianças têm um jeito especial de explicar o mundo à sua volta e de compreendêlo. Elas têm uma lógica diferente da lógica do adulto. Não é mais possível encher suas cabecinhas com informações sem sentido, mesmo que essas informações sejam muito óbvias para o professor. As crianças precisam primeiramente compreender, para somente depois guardar na memória os conhecimentos construídos. Assim, os professores precisam adotar uma metodologia coerente, adequada à criança que existe hoje e não mais aquele ser passivo, subserviente e que “não tinha ainda nenhum conhecimento”. A criança hoje é inteligente, criativa, questionadora, comunicativa, ativa e interage tanto com as outras crianças quanto com os adultos. Uma criança com essas características merece ser tratada com o que há de mais moderno e eficiente na educação atual.

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A concepção e o entendimento que se têm hoje sobre a infância e a Educação Infantil decorre de um processo histórico e contextualizado anteriormente nas unidades 1 e 2. O RCNEI aponta a observação e o registro como instrumentos essenciais ao processo de avaliação da aprendizagem e do desenvolvimento. Tratamos dos Referenciais Curriculares Nacionais na disciplina de Práticas Educacionais, na unidade 3. Você pode acessar os RCNEI diretamente pelo site do MEC: Volume 1 <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/rcnei_vol1.pdf> Volume 2 <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume2.pdf> Volume 3 <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume3.pdf>

O documento sugere “[...] a observação cuidadosa sobre cada criança e sobre o grupo [...]” (p. 40) e a “[...] documentação sistemática de mudanças e conquistas [...]” (p. 77) como instrumentos para avaliar e reorientar a prática, com o objetivo de melhorar o processo educativo. Já é considerada por Madalena Freire a importância do registro como fundamental ao trabalho do professor na Educação Infantil, tendo uma relação intrínseca à observação, ao planejamento e à avaliação considerados como instrumentos metodológicos.

Veja em: FREIRE, M. Observação, registro, reflexão: Instrumentos metodológicos I. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1996.

É muito importante a observação atenta do professor. O olhar precisa ser focado, direcionado, pois não é possível observar tudo de uma vez. Observar as brincadeiras, os jogos, as crianças produzindo e in-teragindo em grupo, as hipóteses levantadas por elas, a forma que registram a seleção e classificação que fa-zem com os materiais. Toda observação deve estar baseada em um planejamento anterior, no que esperamos que as crianças aprendam. Considerando a minha prática em escolas de Educação Infantil, na Coordenação e Direção, valorizo o planejar pois ele nos permite tornar consciente a intencionalidade que preside a intervenção; permite prever as condições mais adequadas para alcançar os objetivos propostos; e permite dispor de critérios para regular todo o processo.

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Entendo que o planejamento é uma ferramenta flexível para o professor, pois lhe permite dispor de uma previsão sobre o que acontecerá durante a aula, permitindo variações e modificações. Não entendo o planejamento como uma questão técnica em que é preciso elaborar e que deve ser seguida como uma receita de bolo, sem alterações. Planejar é uma contribuição para ordenar e organizar um ensino de qualidade. O planejamento exige do professor um dinamismo, uma capacidade de observação e registros para atender alunos curiosos e incansáveis. O professor pode observar algumas crianças por dia e registrar em tabelas, cadernos, portfólios e diários.

Para quem dá aulas, o registro representa muito mais que um roteiro de aula ou uma enumeração de atividades desenvolvidas com a turma. Escrever sobre a prática faz pensar e refletir sobre cada decisão que foi ou será tomada, permitindo aprimorar o trabalho diário e adequá-lo com frequência às necessidades dos alunos. Não deixe de ler o livro: ZABALZA, M. Diários de aula: um instrumento de pesquisa e desenvolvimento profissional. Porto Alegre: Artmed, 2004.

Os registros fornecerão elementos para a reflexão sobre a prática, para a avaliação desta e para um replanejamento. Ao longo da minha trajetória docente, a avaliação da aprendizagem vem se apresentando como um assuntocompleto, porque envolve variações sociais, institucionais, didáticas e pessoais que se cruzam no momento da avaliação, e não resolvido, em constante busca de instrumentos e definições que nos permitam avançar e delimitar a avaliação pedagógica de crianças da Educação Infantil. Apreciar, estimar, atribuir valor e julgar têm sido as concepções que mais se associam à avaliação. Dentro de uma perspectiva didática, significa também o estudo das relações e das implicações do ensinar e o aprender. Os modos de realizar a avalição se inspira no projeto pedagógico do qual é componente, junto com os objetivos, os conteúdos, os procedimentos, as atividades e os recursos.

Loris Malaguzzi A comunidade de Reggio Emília, cidade situada ao norte da Itália, começou a instituir sua própria rede de escolas comunitárias após a Segunda Guerra Mundial, com a criação das primeiras escolas de Educação Infantil (para crianças de 3 a 6 anos) aos quais se agregaram, a partir de 1970, as creches (para crianças de 0 a 3 anos). A experiência parte de um sentimento de comunidade. Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, um grupo de mulheres se reuniu com o intuito de criar uma concepção educativa, posta em prática na rede particular da cidade. No início dos anos 1960, ela havia se tornado tão interessante que a administração municipal a encampou.

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Loris Malaguzzi, um jovem pedagogo muito curioso, se interessou pela experiência e decidiu desenvolvê-la conceitualmente. O pedagogo Loris Malaguzzi (1920-1994), fundador e, por muitos anos, Diretor do Sistema de Reggio Emilia de Educação Municipal para a Primeira Infância, desenvolveu para essas escolas o conceito da “pedagogia da escuta”. Filho de ferroviário, Malaguzzi estudou Magistério, formou-se em Pedagogia e especializou-se em Psicologia. Com base no impulso natural do ser humano em querer investigar e na valorização do processo de busca e descoberta das crianças, Malaguzzi fundamentou as bases do modelo pedagógico na Pedagogia da Escuta e nas Cem Linguagens da Criança. Integrou a arte como ferramenta para o pensamento. Os educadores têm como competências básicas a sensibilidade para perceberem os sinais das crianças e as suas várias formas de linguagem ao tentarem interpretar o mundo que as rodeia. A criança é encorajada a explorar o seu ambiente, organizado de forma que seja rico em possibilidades, e a expressar-se através de todas as suas “linguagens” – desenho, pintura, palavras, movimento, colagens, dramatizações, música, escultura, montagens – o que lhe possibilita inúmeras vivências simbólicas e de criatividade. As escolas de Reggio Emilia se caracterizam pela modernidade de suas reflexões teóricas e pelo empenho na busca e na experimentação, sustentada por processo de formação continuada de seus membros. Outra característica específica é uma organização de trabalho profundamente colegiada e articulada. O trabalho dos educadores, na forma de parceria com as crianças, é orientado pela busca da descoberta e da construção do conceito de civilidade, em comunidade de aprendizes baseada na interdependência e pelo contínuo ajuste de procedimentos e metas. Há ainda a importância do ateliê, uma espécie de laboratório de criatividade, no qual a criança é encorajada a explorar o seu ambiente, organizado de forma que seja rico em possibilidades, e a expressar-se através de todas as suas “linguagens” – desenho, pintura, palavras, movimento, colagens, dramatizações, música, escultura, montagens –, o que lhe possibilita inúmeras vivências simbólicas e de criatividade e, ainda, intensa coparticipação na gestão por parte das famílias e da comunidade. Nas escolas de Reggio Emilia, não há a divisão por disciplinas formais, mas sim projetos didáticos que sustentam todas as atividades pedagógicas. A abordagem metodológica é centrada em problemas e na elaboração de projetos, uma metodologia utilizada que integra a comunidade envolvente como dinamizadora dos projetos. Estes surgem de contextos de investigação e de experiências em grupo. No seu planejamento, elaboram-se os objetivos gerais, formulam-se várias hipóteses, em que se definem objetivos flexíveis e adaptados aos interesses e às necessidades das crianças. Os educadores, atelieristas e pedagogos antecipam possíveis caminhos, que são escolhidos livremente pelas crianças, apoiados pelos educadores, que com eles os constroem. A Pedagogia de projetos, como também ficou conhecida a Pedagogia de Loris Malaguzzi, trabalha basicamente com três momentos: o compartilhamento de saberes e as múltiplas linguagens, o pensamento por meio de projetos e a interação entre criança e adulto.

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A Pedagogia da Escuta trata, sobretudo, de dispor-se a escutar os outros e a si próprio. Mesmo as crianças muito pequenas já estão construindo conhecimento e todas merecem ser ouvidas sobre isso. É preciso ter capacidade de interpretar e deter os instrumentos de observação. É necessário que o educador esteja atento e tenha sensibilidade para ouvir as “cem linguagens”, os símbolos e os códigos que as crianças usam para se expressar, promovendo o diálogo, a comunicação e a aprendizagem significativa. Pode ser um registro em vídeo ou simples anotações, contanto que se possa compartilhar com os demais professores. A Teoria das Cem Linguagens nasce da Pedagogia da Escuta, que lançou uma luz sobre as linguagens dos pequenos.

A ESCUTA... » » pode ser considerada como metáfora da disponibilidade, sensibilidade a escutar e a ser escutado; » » não só com o ouvido, mas com os cinco sentidos (visão, tato, olfato, paladar, audição); » » das cem mil linguagens, dos símbolos, dos códigos com os quais nos expressamos e comunicamos a quem sabe escutar; » » como tempo e tempo de escutar, um tempo fora do tempo cronológico, um tempo cheio de silêncio, de grandes pausas, um tempo interior; escuta interior, escuta de nós mesmo; » » é emoção, é gerada por emoção e provoca emoção; » » como aceitação das diferenças, do valor, dos diferentes pontos de vista, da interpretação dos outros; » » que interpreta, dando significado à mensagem e valor a quem envia; » » que não produz respostas, mas sim constrói perguntas, a escuta que é gerada pela dúvida, pela curiosidade; » » como premissa relação de aprendizagem, uma aprendizagem que está focada no sujeito que aprende.

Eles aprendem por meio dos cinco sentidos e de todos os instrumentos possíveis – o corpo, a palavra e o pensamento. Tudo isso opera de forma entrelaçada no processo de construir a identidade e o conhecimento e de interpretar o que está em volta. Por isso, em Reggio Emilia, não trabalham com as habilidades das crianças isoladamente, há uma dimensão social muito forte e o princípio fundamental é valorizar a criança como construtora de conhecimento: cada uma individualmente e não em termos gerais.

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A Pedagogia de Malaguzzi privilegia: » » atenção especial à criança e no que ensinar; » » a transversalidade cultural e os diferentes saberes; » » o currículo emergente, construído continuamente a partir dos interesses e das necessidades das crianças; » » o projeto e a programação; » » o processo e não só o produto final, a observação e a documentação dos processos individuais e dos grupos; » » a discussão das estratégias para a autoformação dos seus docentes; » » a formação das crianças através do desenvolvimento de todas as suas linguagens: expressivas, comunicativas, simbólicas, cognitivas, éticas, metafóricas, lógicas, imaginativas e relacionais.

Síntese No desenvolvimento do conteúdo de nossa disciplina de Concepção da Educação Infantil, a proposta foi analisar os fundamentos políticos, econômicos e sociais da Educação Infantil, passando pelos pressupostos epistemológicos que marcaram distintas práticas pedagógicas. Trabalhamos os processos históricos da Educação Infantil no mundo e, em especial, no Brasil, passando pela formação de profissionais, seus pressupostos, impasses e suas perspectivas. Desenvolvemos o conteúdo com a preocupação de que você pudesse compreender a infância como um fenômeno cultural, passível de modificações quanto a sua definição, e também conhecer a importância da educação escolar básica no período determinado como Educação Infantil, que atende crianças de 0 a 5 anos. Assim, ao finalizar nosso curso, esperamos que você o tenha aproveitado bastante, ido além do texto aqui registrado e tenha acessado as fontes de informações e sugestões de leituras destacadas ao longo do curso, de tal modo de possa: » » • reconhecer as concepções de Educação Infantil, seus pressupostos epistemológicos e as consequências metodológicas; » » analisar os processos históricos de constituição da Educação Infantil, a origem e os papéis da creche e da pré-escola no mundo e no Brasil; e » » interiorizar as características do desenvolvimento e da aprendizagem da criança de 0 a 6 anos.

Referências BARBOSA, M. C. S.; HORN, M. da G. S. Projetos pedagógicos na Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008. BASSEDAS, E. Aprender e ensinar na Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 1999.

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EDWARDS, C. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre: Artmed, 1999. ELIAS, N. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. FREIRE, M. Observação, registro, reflexão: Instrumentos metodológicos I. São Paulo: Espaço Pedagógico,1996. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. ______. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho D’água, 1997. MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigação em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2003. ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998. ZABALZA, M. Diários de aula: um instrumento de pesquisa e desenvolvimento profissional. Porto Alegre: Artmed, 2004.

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