Educação especial

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E ducação Especial



E ducação Especial


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U99e

Uzêda, Sheila Educação Especial. / Sheila Uzêda e Nelma Galvão. – Salvador: UNIFACS, 2013. 261 p.; 18,3 x 23,5cm. ISBN 978-85-87325-71-6 1. Educação especial. I. Galvão, Nelma. II. Título.

CDD: 371.9




Apresentação Olá! Esta disciplina tratará da Educação Especial. Você terá informações sobre a evolução histórica dessa modalidade educacional, conhecendo os movimentos mundiais que se sucederam ao longo dos séculos e a repercussão dos mesmos no Brasil. Conhecerá o paradigma atual que sustenta a prática pedagógica voltada para a escolarização dos alunos com necessidades educacionais especiais e verá que a proposta atual é de a inclusão no sistema regular de ensino. Será apresentado(a) aos diferentes grupos de pessoas com necessidades educacionais especiais que a Legislação Brasileira reconhece como fazendo parte do universo da Educação Especial. Enfim, terá acesso ao conteúdo básico necessário para um entendimento geral da Educação Especial. Gostaríamos de ressaltar que esse conhecimento serve como introdução para essa temática, tão atual, relevante e complexa, mas a sua motivação pessoal será o diferencial para a concretização de uma prática pedagógica de fato inclusiva, que acolha a diversidade e respeite os (as) alunos (as), nas suas semelhanças e particularidades. Bom estudo! Sheila Uzêda e Nelma Galvão.


Importante: Os links para sites, contidos neste livro, podem ter expirado após a sua última edição, em janeiro de 2014


S umário ( 1 ) Compreendendo

cial, 15

a Educação Espe-

1.1 Visão retrospectiva da Educação Especial, 19 1.2 A Educação Especial hoje, 25 ( 2 ) Os

paradigmas norteadores da educação especial e a perspectiva da educação inclusiva, 37 2.1 O paradigma da Institucionalização, 40 2.2 Paradigma de Serviços, 43 2.3 Paradigma de Suporte, 47


( 3 ) Pessoas com Necessidades Educacio-

nais Especiais (PNEE), 63

3.1 Pessoas com altas habilidades/superdotação, 73 ( 4 ) Deficiência

Visual: as possibilidades de inclusão da pessoa cega, 89 4.1 Deficiência Visual: processos de desenvolvimento e aprendizagem, 98 4.2 O processo de aprendizagem e a inclusão escolar da pessoa cega, 103 ( 5 ) Deficiência Visual e Surdocegueira, 117 5.1 Baixa visão: definição, especificidades e inclusão escolar, 120 5.2 Surdocegueira: deficiência única ou deficiência múltipla?, 131 ( 6 ) Abordagens

pedagógicas na educação de pessoas com surdez, 143 6.1 Deficiência auditiva ou surdez? Uma questão pra lá de epistemológica!, 146 6.2 Aspectos etiológicos e prejuízos para audição, 154 ( 7 ) Deficiência

pla, 163

física e deficiência múlti-

7.1 Aspectos clínicos e educacionais da deficiência física e da deficiência múltipla, 166 7.2 Variadas necessidades e algumas possibilidades de intervenções educacionais, 173


( 8)A

inclusão de alunos com transtornos invasivos do desenvolvimento, 189 8.1 A controversa classificação dos quadros de condutas típicas, 192 8.2 Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, 196 8.2.1 Autismo, 197 8.2.2 Síndrome de Asperger, 204 8.2.3 Síndrome de Rett, 206 8.2.3 Transtorno desintegrativo da infância, 208 8.2.4 Transtornos invasivos do desenvolvimento sem outra especificação (TID-SOE) , 209

( 9)A

inclusão de alunos com distúrbios psiquiátricos, síndromes genéticas e neurológicas, 215 9.1 Os distúrbios psiquiátricos e as repercussões para o desenvolvimento e a aprendizagem, 218 9.2 Síndromes genéticas ou Neurológicas, 224 9.2.1 Síndrome do X-Frágil, 225 9.2.2 Síndrome de West, 226 9.2.3 Síndrome de Williams, 227

9.3 Recursos e formas de intervenção, 228 ( 10 ) A

deficiência intelectual e os múltiplos olhares sobre diagnóstico e intervenções, 237 10.1 Conceitos e concepções historicamente construídas, 239


10.2 Repensando os ritmos de aprendizagem e a lógica temporal da escola, 246 10.3 As múltiplas causas de deficiência intelectual, 249




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Compreendendo a Educação Especial



Autoras: Sheila Uzêda e Nelma Galvão

Olá! Vamos iniciar nossa primeira unidade da disciplina Educação Especial. Para começo de conversa, precisamos esclarecer o que significa esse termo, portanto recorremos a alguns autores e documentos legais que tratam do tema. Na concepção de Mazzota (1996, p. 11), Educação Especial é definida como a modalidade de ensino que se caracteriza por um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais organizados para apoiar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação formal dos educandos que apresentem necessidades educacionais muito diferentes das da maioria das crianças e jovens. Tais educandos, também denominados de ‘excepcionais’, são


justamente aqueles que hoje têm sido chamados de ‘alunos com necessidades educacionais especiais’. Entende-se que tais necessidades [...] decorrem da defrontação das condições individuais do aluno com as condições gerais da educação formal que lhe é oferecida. (MAZZOTA, 1996, p. 11)

Essa concepção aponta um importante aspecto que elucida o caráter dialético da questão das necessidades educacionais especiais. Trata-se da percepção de que tanto os fatores individuais, próprios da condição apresentada pelo educando, quanto os fatores ambientais que caracterizam o contexto de aprendizagem em que o educando está inserido, demarcarão seus limites e possibilidades em termos de aprendizagem e desenvolvimento. Decorre daí o entendimento de que, do mesmo modo que a pessoa com necessidades educacionais especiais precisa esforçar-se para atender às demandas do contexto educacional, em alguns casos, tal contexto também precisa modificar-se, para acolher as especificidades de cada educando, visando a sua efetiva participação no processo de ensino-aprendizagem. No entanto, a forma de perceber essa questão nem sempre se configurou dessa maneira, ao longo da história, e é por isso que dedicaremos uma parte desta unidade a um breve recorte sócio-histórico sobre as transforma-

Educação Especial

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ções ocorridas nos modos de conceber a educação destinada às pessoas com necessidades educacionais especiais.


1.1 Visão retrospectiva da Educação Especial Existiu um longo percurso histórico até que a Educação Especial passasse a ser pensada como necessária e fosse legalmente reconhecida, porque durante muitos séculos, a humanidade construiu noções distorcidas a respeito das pessoas com deficiência. Subjacente às noções construídas sobre a deficiência estavam os significados atribuídos socialmente à diferença. Bianchetti (1998), em sua obra intitulada Um olhar sobre a diferença, traçou uma retrospectiva histórica sobre esses significados e suas transformações dentro de uma perspectiva marxista. Vale a pena enveredarmos um pouco por essa trajetória a fim de compreender melhor a origem das formas atuais de lidarmos com o fenômeno da diferença. De início, Bianchetti (1998) nos mostra como as pessoas consideradas diferentes eram segregadas no Mundo Primitivo, pois ali a sobrevivência e o caráter nômade desses povos consistiam em um fator imperativo, que primava pela capacidade do indivíduo de ser autônomo e independente e Avançando no tempo, nas sociedades escravistas, dentre elas, a grega, destacada pelo referido autor, a diferença passa a ser concebida em termos de valorização e desvalorização de determinados atributos humanos, visto que a beleza e o vigor físico se tornaram o padrão almejado. Valorizavam-se, na Grécia espartana, pessoas com porte atlético e com constituição física apta para tornarem-se

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ainda contribuir para a sobrevivência do grupo.


guerreiros ou para gerarem filhos fortes e saudáveis que, posteriormente, seriam úteis na guerra. As crianças que fugissem desse padrão idealizado eram exterminadas. Já os gregos atenienses tinham como prática social utilizarem as pessoas com deficiência como bobos da corte, objetos que deveriam promover a diversão para os considerados nobres. No período feudal, com o domínio da Igreja, a diferença passa a ter uma conotação de pecado. A deficiência era entendida como possessões demoníacas, expiação de pecados, motivo de culpa, vergonha e exclusão. Vistas como criaturas sem alma, as pessoas com deficiência eram exterminadas, sendo o infanticídio (assassinato de crianças) uma prática comum. Mais tarde, perdurou um consenso social de que, por ser deficiente, necessariamente, o indivíduo seria incapaz, inválido e sua condição era, portanto, imutável. Existiu, segundo Mazzota (1996, p. 16), uma “completa omissão da sociedade em relação à organização de serviços para atender às necessidades individuais específicas dessa população”. Entendam-se “serviços” em uma concepção abrangente, englobando os campos da saúde, assistência social, educação e trabalho. Surge, contudo, uma atitude ambivalente em relação às pessoas com deficiência, que passam a ser vistas como filhas de Deus, dotadas de uma alma e, consequentemente, necessiEducação Especial

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tavam de cuidados e atenção. Porém, essa proteção resultou em segregação, pois muitas pessoas consideradas desviantes do padrão foram cuidadas pelos religiosos em lugares isolados e remotos, afastados do convívio social. Segundo Bianchetti (1998), esses espaços segregados deram origem, por volta do Século XVI, ao que se denominou ulteriormente de Educação Especial.


[...] até o Século XVIII, as noções a respeito da deficiência eram basicamente ligadas ao misticismo e ocultismo, não havendo base científica para o desenvolvimento de noções realísticas (MAZZOTA, 1996, p. 16).

O cenário transfigura-se quando o capitalismo passa a vigorar. A visão religiosa cede lugar ao cientificismo e uma nova ideologia liberal prega um ideal de igualdade entre os homens, o que coloca a questão da diferença em um terreno ainda mais complexo. A presença da máquina no processo de produção imprimiu um ritmo que demarcava claramente o que se esperava em termos de produtividade e a pessoa com deficiência torna a ser excluída, só que agora não pela via religiosa e, sim, pelo discurso capitalista que primava pela produção e pelo lucro. O mundo capitalista substituiu muitas “mãos” por máquinas, deixando de fora um enorme contingente de trabalhadores que passaram a ser individualmente responsabilizados por seus fracassos. Aquele que não se adaptasse às exigências e atingisse o padrão esperado estava excluído e não fica difícil deduzir que, dentro do grupo dos marginalizados, encontrava-se a população com deficiência. A diversidade, que constitui, de fato, a verdadeira possibilidade de enriquecimento das relações humanas é percebida como ameaça ao alcance do padrão idealizado, padrão este ao qual só corresponde uma minoria denominada grupo A diferença, concebida como desvantagem, resultou em segregação e estendeu-se a variados contextos, dentre eles, a escola, o trabalho e o convívio social. Restava a essas pessoas ficarem confinadas no espaço privado de suas casas ou abrigadas em instituições asilares (instituições totais), sem terem a possibilidade de ocupar efetivamente os domínios públicos, dentre eles, o contexto escolar.

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ou classe dominante.


Foram várias as formas de exclusão vivenciadas por essas pessoas. Sabemos que o fenômeno da exclusão é bastante vasto, não sendo uma experiência vivenciada apenas pelas pessoas com necessidades educacionais especiais. Falar em pobreza, etnia, gênero é também falar em processos de exclusão. De acordo com Xiberras (1993, p. 21), “excluídos são todos aqueles que são rejeitados de nossos mercados materiais ou simbólicos, de nossos valores”. Depreende-se daí que, subjacente aos fenômenos de exclusão, encontra-se a construção social de valores partilhados ao longo da história, que endossam atitudes discriminatórias, portanto naturalizam práticas excludentes. A esse respeito, Sawaia (2010) afirma que Na verdade existem valores e representações do mundo que acabam por excluir as pessoas. Os excluídos não são simplesmente rejeitados física, geográfica ou materialmente, não apenas do mercado e de suas trocas, mas, de todas as riquezas espirituais, seus valores não são reconhecidos, ou seja, há também uma exclusão cultural (SAWAIA, 2010, p. 18).

O que está em jogo é a construção e a perpetuação de concepções e valores que agregam, em grupos supostamente diferentes e por que não dizer, opostos, alunos com necessidades educacionais especiais e alunos identificados como Educação Especial

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“normais”. A solução pensada para o impasse, diante desse raciocínio, foi, durante muito tempo, insistir na segregação dos educandos com necessidades educacionais especiais em escolas especiais. O questionamento constante dos processos de diferenciação entre escolas e alunos, que decorre da oposição entre a identidade normal de alguns e especial de outros, é uma das


garantias permanentes do direito à diferença (ROPOLI, 2010, p. 9).

Dessa forma, cabe aqui um questionamento: Será que a diferença está apenas em alguns alunos, aqueles diagnosticados e estigmatizados como deficientes? Ou será que somos todos diferentes, independentemente da existência ou não de uma deficiência, de uma dificuldade de aprendizagem etc.?

Os valores historicamente construídos ganham, com o tempo, ares de naturalidade, como se verdades fossem, sem a necessidade de questionarmos sua veracidade. Padrões de normalidade e igualdade precisam ser postos à prova, carecem de estranhamento. É preciso que não se naturalize o que foi sócio-historicamente produzido. A igualdade precisa ser almejada no campo dos direitos, pois todo ser humano tem direito à educação, à saúde, ao trabalho. A igualdade, por outro lado, perde seu sentido quando pensada como meta em busca da padronização, da uniformização, pois ignorar as diferenças é excluir o que há de mais humano: nossa impossibilidade de ser igual ao outro. Stainback e Stainback (1999, p. 36), em sua obra intitulada Inclusão: um guia para educadores, afirmam que,

Mas essa realidade se transfigurou paulatinamente e foi, a partir das experiências de nações, como os Estados Unidos, e de alguns países da Europa, que surgiram iniciativas oficiais e particulares no Brasil, no final do Século XIX. Nessa época,

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“Nos Estados Unidos, até aproximadamente 1800, a grande maioria dos alunos considerados aprendizes com deficiência não era considerada digna de educação formal [...]”.


portanto, teve início, em nosso país, o atendimento escolar especial aos chamados portadores de deficiência. A Educação Especial, na opinião de Bueno (1997, p. 38), surgiu no final do Séc. XVIII, para atender a dois interesses contraditórios que são: “oferecer escolaridade a crianças anormais, ao mesmo tempo em que serve de instrumento básico para a segregação do indivíduo deficiente”. Esta argumentação parece bastante pertinente, principalmente se imaginarmos que não existia naquela época nenhum documento oficial que assegurasse os direitos das pessoas com deficiência. Dessa forma, em uma sociedade industrial moderna, que primava pela produtividade e homogeneidade, que lugar existiria para uma pessoa que era vista como incapaz? O questionamento acima é muito atual, pois ainda elegemos e impomos padrões socialmente aceitos de beleza, de conduta que excluem a maioria da população. Independentemente de apresentar ou não alguma deficiência, muitas pessoas estão excluídas, seja por não frequentarem as escolas, ou mesmo por esses estabelecimentos ainda adotarem métodos tradicionais e contestados de educação que ignoram as peculiaridades do educando e o contexto no qual ele se desenvolve. Corroborando essa ideia, Hahn (1989) aponta a existência de duas perspectivas de compreensão das deficiências: a das limitações funcionais e a perspectiva dos grupos minoEducação Especial

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ritários. A primeira predominou no passado, muito embora tenha ressonância até hoje. Nessa concepção, era papel dos educadores determinar, melhorar ou preparar os alunos para se adaptarem às exigências da escola e, caso não respondessem a essas expectativas, eram relegados a ambientes segregados de aprendizagem. Essa concepção tem sido gradativamente substituída pelo ponto de vista dos grupos minoritários, que defendem


a ideia de que é o ambiente que precisa ser modificado para atender às necessidades de todos os alunos, ou seja, é a escola que deve se adaptar, são os educadores que precisam se preparar para atender às necessidades especiais de seus alunos. “A mudança no que diz respeito aos serviços de educação especial e à maneira como são oferecidos provém de um deslocamento do paradigma que esteve em vigor desde a década de 1970” (STAINBACK; STAINBACK, 1999, p. 29).

Sobre as transformações nos paradigmas que fundamentaram as formas de assistência e educação destinadas às pessoas com necessidades especiais, trataremos mais detidamente na próxima unidade. Cabe aqui apenas antecipar que a forma de atenção oferecida evoluiu do modelo segregacionista e assistencialista, que caracterizava o paradigma institucionalista, para o paradigma de suporte que embasa o processo de inclusão das pessoas com necessidades educacionais especiais.

1.2 A Educação Especial hoje Falar em Educação Especial hoje é falar em Inclusão, por alcançar uma compreensão consistente desse termo que vem

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sendo exaustiva e arbitrariamente empregado nos dias de hoje.

Compreendendo a Educação Especial

isso cabem ainda algumas considerações para que possamos

A palavra inclusão é definida no dicionário como a “[...] relação entre dois termos, um dos quais faz parte ou da compreensão ou da extensão do outro” (HOUAISS, 2004, p. 1595). Sawaia (2001), estudioso da Psicologia Social, no seu livro Artimanhas da Exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade


social, apropria-se dessa ideia, estabelecendo uma ligação direta entre inclusão e exclusão. De acordo com o autor, compreender o sentido do termo exclusão requer também entender o seu contraponto, ou seja, aprofundar-se no significado do termo inclusão. Nos dias atuais, é comum encontrarmos expressões agregadas à palavra inclusão que, por sua vez, ampliam ou restringem o seu significado. São exemplos: “inclusão social”, “inclusão escolar”, “inclusão no mercado de trabalho” etc. A inclusão, portanto, segundo o autor citado, trata de um emaranhado de dramas histórico-sociais – a questão dos índios, dos pobres, dos negros, das mulheres, dos deficientes, dos migrantes e muito mais – que ratificam as desigualdades existentes na sociedade, permitindo que as regras ditadas por grupos dominantes sejam mantidas, através de um mecanismo perverso de inclusão. Pela lógica do autor e com base no que já estudamos nesta aula, a exclusão de uns existe para garantir a inclusão de outros. Padrões criados socialmente é que sustentam as ações de exclusão. Cabe perguntar: como foram criados esses padrões? A quem interessa que eles sejam mantidos? Você deve ter observado que a temática da inclusão, quando levantada, mobiliza a todos os envolvidos. Raramente, alguém se abstém de emitir opiniões a respeito. Em se tratando de um fenômeno da ordem do subjetivo, retrata, simultaneamente, o individual e o coletivo, remetenEducação Especial

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do a questões sócio-históricas e éticas, resgatando valores, deflagrando preconceitos. Esses diferentes diálogos apontam para a importância de uma compreensão ampla e, ao mesmo tempo, particular desse fenômeno, ou seja, não podemos pensar as dificuldades da inclusão escolar de uma pessoa com necessidades educacionais especiais apenas na dimensão do professor e do aluno, mas como um reflexo da desigualdade social presente em nossa sociedade.


A discussão sobre exclusão e os desafios para garantir uma efetiva inclusão de todos na escola regular deixa de ser uma preocupação relacionada, exclusivamente, à população com necessidades especiais e passa a confundir-se com os desafios da educação como um todo. A escola, no que diz respeito a seu papel instrutivo e formativo, tem deixado a desejar não apenas para as pessoas que apresentam alguma limitação em seu desenvolvimento ou peculiaridade na forma de aprender. Muitos educandos considerados “normais” encontram-se alheios ao processo educativo, desassistidos em suas necessidades, desrespeitados em seu ritmo de aprendizagem. São também vítimas de um currículo e de uma prática pedagógica que ignoram seu contexto social, seus conhecimentos prévios e que, cada vez mais, “produzem dificuldades de aprendizagem” e rotulam de forma estigmatizada e depreciativa os educandos. A atual Constituição, promulgada em 1988, afirma, no artigo 205, que “a educação é direito de todos e dever do estado e da família”, devendo ser “promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”, e garante a “gratuidade do ensino em estabelecimentos oficiais” (BRASIL, 1988, p. 94). Em temos dos documentos legais que tratam mais detidamente da questão da inclusão, destacaremos aqui alguns deles que representaram marcos na trajetória de luta pelos direitos das pessoas com necessidades especiais. documento oficial que proporcionou a implantação de políticas públicas de inclusão no Brasil. Esse documento preconiza que a escola deve ser o lugar onde “todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter” (CEDIPOD, 2001, p. 5).

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A Declaração de Salamanca (2001) é considerada um


De acordo com a Declaração de Salamanca, algumas ações são imprescindíveis para garantir a toda criança o direito de estudar, aprender e compreender o mundo em que vivem, bem como Reconhecer e responder às necessidades diversas de seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos através de um currículo apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de ensino, uso de recurso e parceria com comunidades [...] o estabelecimento de tais escolas é um passo crucial no sentido de modificar atitudes discriminatórias, de criar comunidades acolhedoras e de desenvolver uma sociedade inclusiva (CEDIPOD, 2001, p. 4).

Isso nos faz recordar os seguintes princípios defendidos por Paulo Freire (1996, p. 59): “o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros”. Estar na escola é um direito de qualquer criança e jovem e está assegurado por lei. Cabe ressaltar os avanços em termos de conquistas legais alcançadas pelas pessoas com necessidades educacionais especiais, que se refletem diretamente nas novas políticas educacionais e, por conseguinte, em ações que envolvem desde a formação docente, os serviços educacionais ofertaEducação Especial

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dos, até a aquisição de recursos especializados, enfim, modificações substanciais que visam à democratização do saber e do acesso à escola regular. Pode-se considerar um desses avanços a elaboração e promulgação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), que traz um novo conceito de Educação Especial e enseja novas práticas de ensino, visando atender às particularidades de cada aluno.


A compreensão da educação especial nesta perspectiva está relacionada a uma concepção e a práticas da escola comum que mudam a lógica do processo de escolarização, a sua organização e o estatuto dos saberes que são objeto do ensino formal. Como modalidade que não substitui a escolarização de alunos com deficiência, com transtornos globais de desenvolvimento e com altas habilidades/superdotação, essa educação supõe uma escola que não exclui alunos que não tenham o perfil idealizado institucionalmente (ROPOLI, 2010, p. 6).

Se antes existiam classes especiais dentro da escola ou em instituições especializadas, atualmente, a proposta alinha-se a perspectiva da inclusão, atribuindo um novo papel às instituições especializadas, aos professores ditos especializados e, consequentemente, à escola regular. A educação especial perpassa todos os níveis, etapas e demais modalidades de ensino, sem substituí-los, oferecendo aos seus alunos serviços, recursos e estratégias de acessibilidade ao ambiente e aos conhecimentos escolares. Nesse contexto, deixa de ser um sistema paralelo de ensino, com níveis e etapas próprias (ROPOLI, 2010, p. 6).

E qual é a verdadeira inovação que essa política traz ao cenário da educação inclusiva?

que a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) é o Atendimento Educacional Especializado (AEE), que é serviço da educação especial definido pelo referido documento da seguinte forma: O AEE complementa e/ou suplementa a formação do aluno, visando a sua autonomia na es-

29 Compreendendo a Educação Especial

Podemos dizer que uma das principais inovações


cola e fora dela, constituindo oferta obrigatória pelos sistemas de ensino. É realizado, de preferência, nas escolas comuns, em um espaço físico denominado Sala de Recursos Multifuncionais. Portanto, é parte integrante do projeto político pedagógico da escola (ROPOLI, 2010, p. 17).

Caro(a) aluno(a), para tornar essas transformações mais fáceis de serem compreendidas e/ou visualizadas, visto que são mudanças estruturais, atitudinais e organizacionais complexas, observe a tabela a seguir que demonstra, de maneira simplificada, “o antes” e “o depois” de algumas propostas decorrentes da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008): Antes

Depois

Serviço oferecido pela EE

Apoio Pedagógico

Atendimento Educacional Especializado

Espaço destinado aos serviços ofertados pela EE

Salas de recursos na escola ou em instituições especializadas

Salas multifuncionais dentro da escola regular

Professor de referência do aluno

Professor especializado da sala de recurso

Professor da sala de aula regular

A mudança proposta pela referida Política visa também favorecer um contato mais próximo entre o professor da

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escola regular e o professor especializado, pois durante muitos anos os professores especializados estiveram nas instituições que atendiam as pessoas com deficiência e a distância geográfica muitas vezes comprometia o suporte sistemático e efetivo ao professor da sala de aula comum. A despeito de todas essas conquistas na esfera das políticas públicas, até hoje, o direito à inclusão escolar, garantido por lei, não está sendo seriamente cumprido e muitas crian-


ças com deficiência continuam à margem dos processos educacionais e, consequentemente, excluídos do mercado de trabalho e do convívio social. Mazzotta (1996) chama a atenção para a persistência, mesmo nos dias atuais, do caráter assistencialista em algumas propostas e serviços oferecidos a essa população. Diante disso, a educação especial precisa garantir a implementação de ações que assumam um caráter verdadeiramente educacional, respeitando as necessidades e o potencial de cada educando, ou seja, acolhendo suas peculiaridades. Os encaminhamentos dos alunos às classes e escolas especiais, os currículos adaptados, o ensino diferenciado [...] e outras soluções precisam ser indagados em suas razões de adoção, interrogados em seus benefícios, discutidos em seus fins, e eliminados por completo e com urgência. São essas medidas excludentes que criam a necessidade de existirem escolas para atender aos alunos que se igualam por uma falsa normalidade - as escolas comuns - e que instituem as escolas para os alunos que não cabem nesse grupo - as escolas especiais. Ambas são escolas dos diferentes, que não se alinham aos propósitos de uma escola para todos (ROPOLI, 2010, p. 9, grifos do autor).

Para finalizar nossa primeira unidade, vamos refletir gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele”. Precisamos ter crença e respeito absoluto à capacidade do educando de aprender e essa ESPERANÇA não é negociável. Em nossa próxima unidade, você terá a oportunidade de compreender melhor as transformações nos paradigmas que fundamentaram as práticas dos educadores e demais

31 Compreendendo a Educação Especial

acerca do que nos disse Paulo Freire (1996, p. 53): “Gosto de ser


profissionais na assistência e acolhimento das pessoas com necessidades educacionais especiais. Até lá!

SÍNTESE Para reforçar sua aprendizagem, apresentamos agora uma síntese do que foi tratado em nossa primeira unidade! Inicialmente, definimos o que vem a ser a Educação Especial. Posteriormente, abordamos as mudanças ocorridas nas formas de atenção e educação destinadas às pessoas com necessidades educacionais especiais, através de um breve histórico da Educação Especial. Por fim, tratamos das conquistas legais, relacionadas à inclusão escolar e dos dilemas ainda enfrentados na longa batalha contra a exclusão das pessoas com necessidades educacionais especiais.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO Já que estamos vivenciando o processo de inclusão social e escolar, de que maneira você, como educador em formação, poderia contribuir para a construção de uma escola mais justa e igualitária para todos?

LEITURAS INDICADAS Educação Especial

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BRASIL, Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso em: nov.2013.


ROPOLI, E. A. A Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Universidade Federal do Ceará, 2010. KASAR, Mc. M. Políticas Nacionais de Educação Inclusiva: discussão crítica da Resolução nº 02/2001. Revista Ponto de Vista, Florianópolis, n.3/4, p. 013-025, 2002.

SITES INDICADOS http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=860&id=12625&o ption=com_content&view=article http://www.pro-inclusao.org.br/textos.html

REFERÊNCIAS BIANCHETTI, L.; FREIRE, I. M. (Org.). Um olhar sobre a diferença: interação, trabalho e cidadania. Série Educação Especial. Campinas: Papirus, 1998. DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, CEDIPOD. Disponível em: http://www.cedipod.org.br, 2001. Acesso em: nov.2013 FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à

HOUAISS, A. Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva. 2004. MAZZOTTA, M. J. S. Educação Especial no Brasil: história e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 1996.

33 Compreendendo a Educação Especial

prática educativa. 33. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.


MIRANDA, T. G.; JESUS, T. R. de. Educação Inclusiva ou Integração escolar? Revista de Educação, Salvador, CEAP, ano IX, n. 35, p. 45-58, 2002. SAWAIA, Bader Burihan (Org.). As artimanhas da exclusão: uma análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 1999. STAINBACK, S.; STAINBACK, W. Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

Educação Especial

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Compreendendo a Educação Especial

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(2)

O s paradigmas norteadores da educação especial e a perspectiva da educação inclusiva



Autora: Sheila de Quadros Uzêda

Olá! Dando continuidade ao que vimos na primeira unidade, vamos abordar, de forma mais direta, os paradigmas que fundamentaram, e ainda fundamentam, as políticas sócio-educacionais relativas à Educação Especial. A atenção destinada às pessoas com deficiência adquiriu variados perfis no decorrer da história. As mudanças aconteceram devido às demandas da sociedade e, como sabemos, as transformações em educação estão fortemente atreladas às políticas públicas, assim como ao contexto histórico. Podemos identificar três modelos de atenção oferecidos às pessoas com necessidades educacionais especiais, são eles:


Segregação ▶ paradigma da Institucionalização Integração ▶ paradigma de Serviços Inclusão ▶ paradigma de Suporte Vale ressaltar que, apesar de cada modelo surgir com a pretensão de sanar as limitações e defasagens do anterior, um não suplantava o outro, por exemplo, os modelos de Integração e Inclusão coexistem atualmente. Antes de prosseguirmos no entendimento de cada um destes modelos de atenção à PNEE, cabe ressaltar o significado do termo PARADIGMA. Paradigma diz respeito a um conjunto de ideias, valores a ações que contextualizam as relações sociais. Pode ainda ser entendido como algo que serve de modelo ou de exemplo geral. Compreendido o significado do termo em questão, passemos ao entendimento de cada paradigma que norteou e vem norteando as ações na área da Educação Especial.

2.1 Educação Especial

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O paradigma da Institucionalização Foi o primeiro paradigma formal a caracterizar a relação da sociedade com as pessoas que apresentavam algum tipo de deficiência. Instituições como hospitais psiquiátricos, asilos, conventos, tornaram-se locais de confinamento desta parcela da população. Com a evolução da medicina e de outras áreas do conhecimento, algumas informações foram sendo sistematizadas e acumuladas,


esclarecendo a respeito das causas das deficiências, seu funcionamento e possíveis tratamentos. A medicina foi evoluindo, produzindo e sistematizando novos conhecimentos; outras áreas de conhecimento também foram se delineando, acumulando informações acerca da deficiência, de sua etiologia, seu funcionamento e seu tratamento. Entretanto, esse paradigma permaneceu único por mais de 500 anos, sendo, ainda hoje, encontrado em diferentes países, inclusive no nosso. (BRASIL, 2000, p. 13).

A principal característica deste paradigma é a retirada das pessoas com deficiência de seu contexto, sendo, portanto, privadas do convívio com sua comunidade de origem. As instituições residenciais, em geral, localizavam-se em lugares afastados, o que contribuía para a segregação das pessoas com deficiência, causando o distanciamento dos familiares. O paradigma da segregação institucional ganhou notoriedade, a partir do século XIX, em países como Suécia, Estados Unidos e Canadá.

Somente no século XX, e mais especificamente, na década de 60, o paradigma da Institucionalização começou a ser criticamente analisado. Erving Goffman (1962, p. 8) publicou o livro Manicômios, prisões e conventos, no qual ele definia o que

41 Os paradigmas norteadores da educação especial e a perspectiva da educação inclusiva

Em nosso país, os primeiros registros de atendimento educacional especializado aos portadores de necessidades especiais datam de 1854, quando foi fundado por D. Pedro II, na cidade do Rio de Janeiro, capital do Império, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, hoje chamado de Instituto Benjamin Constant (IBC) (MACHADO, 2005, p. 20)


seria uma Instituição Total, definição esta amplamente aceita até os dias atuais. Para ele, este tipo de instituição é “um lugar de residência e de trabalho, onde um grande número de pessoas, excluído da sociedade mais ampla, por um longo período de tempo, leva juntos uma vida enclausurada e formalmente administrada”. Nesse período de segregação institucional, inúmeras pessoas tiveram seu convívio social restrito aos contextos das instituições, visto que não se acreditava na possibilidade das mesmas receberem uma educação formal ou viverem em comunidade junto às outras pessoas. Rosana Glat (1998) faz referência à noção de invalidez e incapacidade atribuídas socialmente aos indivíduos com deficiência, resultando daí a crença de que elas precisavam estar “protegidas” e segregadas do resto da população. Contudo, estudiosos como Vygotsky (1989) passaram a defender a ideia de que estar em contato com outras pessoas sem deficiência constituía um fator propulsor do desenvolvimento. Segundo esse autor, as limitações caudadas por uma deficiência podem ser compensadas por meio da linguagem e da interação social, visto que o desenvolvimento se dá de fora para dentro através do processo de internalização das funções tipicamente

Educação Especial

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humanas, como pensamento, linguagem, raciocínio, etc. Somados aos argumentos científicos construídos a partir do estudo dos processos de desenvolvimento e aprendizagem de pessoas com deficiência, que geraram inúmeras críticas e protestos por parte da comunidade científica, outros motivos levaram ao questionamento desta forma de assistência às pessoas asiladas, dentre eles: • Alto custo, que representava ao sistema a manutenção destes indivíduos institucionalizados, por serem segregados e improdutivos.


• A década de sessenta foi marcada por um processo geral de reflexão e crítica acerca dos direitos humanos que envolviam discussões sobre os direitos das minorias, os direitos sexuais e as repercussões das decisões políticas e econômicas na vida dos indivíduos. O fracasso do paradigma tradicional de institucionalização como meio de restaurar o funcionamento “normal” do indivíduo deu início a movimentos que solicitavam mudanças na forma de tratar e educar as pessoas com deficiência. Iniciou-se o movimento pela desinstitucionalização, baseado na ideologia da normalização, que defendia a necessidade de inserir a PNEE na sociedade, com o intuito de tornar seu comportamento e habilidades o mais próximo possível do normal. Emergiu, então, o modelo de Integração, sobre o qual falaremos a seguir. Agora vamos compreender melhor em que consistiu o paradigma de serviços que fundamentou o modelo de Integração.

2.2

Surge, fundamentado nas ideias de normalização, o conceito de integração. A integração diz respeito à necessidade de modificar a pessoa com necessidades educacionais especiais, para que ela possa se assemelhar ao máximo às demais pessoas, e só então ser inserida ou integrada ao convívio social. Nesta perspectiva, é o sujeito que precisa se modificar para atender às exigências do meio. Para tanto, a sociedade deveria oferecer serviços e recursos que viabilizassem a modificação do indivíduo com deficiência. Essa mudança

43 Os paradigmas norteadores da educação especial e a perspectiva da educação inclusiva

Paradigma de Serviços


seria em termos comportamentais e no se que refere a outros aspectos do desenvolvimento global. Para clarear essa questão, podemos exemplificar com situações relacionadas às pessoas com deficiência física. Foram criados serviços de reabilitação que tinham como objetivo promover o desenvolvimento de habilidades motoras comprometidas pela deficiência como o sentar, a marcha (o andar), a motricidade fina que permite a escrita, etc. e somente após a aquisição dessas habilidades, o sujeito era considerado apto a frequentar uma escola regular. Vale ressaltar que a depender do tipo de comprometimento (extensão e gravidade da lesão), a aquisição dessas habilidades não é possível e, consequentemente, muitas crianças ficavam fora da escola regular. Subjacente a essa concepção, existia a ideia de que a pessoa deveria ser preparada para conviver em sociedade. Quanto ao aspecto educacional, predominaram as escolas especiais, as entidades assistenciais e os centros de reabilitação. A proposta de Integração limitou-se a buscar a superação da deficiência, sem questionar a necessidade de modificação do sistema educacional e da sociedade como um todo. Foram criadas classes especiais que, em geral, situavam-se nas instituições especializadas ou dentro da própria esco-

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la, tornando-se depósitos de alunos com deficiência e problemas de aprendizagem. Isso resultou na cristalização de mitos, estereótipos e concepções distorcidas a respeito da deficiência, assim como, contribuiu para o diagnóstico e o encaminhamento equivocados de alunos para as classes especiais. As próprias pessoas com deficiência começaram a se organizar em associações e vários órgãos de representação para contestar este modelo de integração, que buscava a “normalização” dos sujeitos, ignorando as diferenças concretas decorrentes da deficiência. Afinal, ninguém é igual a ninguém e a diferença não deve ser vista como desvantagem.


A perspectiva da Integração teve respaldo legal na Constituição Federal de 1988, que deixa brecha quando estabelece que o atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência deve ser oferecido, preferencialmente, na rede regular de ensino. Ou seja, a lei possibilitava que o paradigma de institucionalização ainda vigorasse, pois sendo a pessoa considerada incapaz de estar numa sala de aula comum, visto que não acompanhava, por exemplo, o ritmo dos colegas, restava segregá-la em instituições especializadas ou, na melhor das hipóteses, em classes especiais dentro da escola regular. O Art. 9o da LEI N. 5.692, de 11 de agosto de 1971, dispõe sobre a oferta de serviços especializados para os alunos que apresentassem necessidades educacionais especiais. Veja como esse ponto é abordado no referido documento. Os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação (BRASIL, 1971, p. 3).

Quinze anos depois, em 1986, houve a criação da ciência (CORDE), que se constituiu num reforço à política de integração e tinha como obrigações: a) a inclusão, no sistema educacional, da Educação Especial como modalidade educativa que abranja a educação precoce, a pré-escolar, as de 1o e 2o graus, a supletiva, a habilitação e reabilitação profissionais, com currículos, etapas e exigências de diplomação próprios; b) a inserção, no referido sistema educacional, das escolas especiais, privadas e públicas; c) a oferta, obrigatória e gratuita, da Educa-

45 Os paradigmas norteadores da educação especial e a perspectiva da educação inclusiva

Coordenadoria para Integração da Pessoa portadora de defi-


ção Especial em estabelecimentos públicos de ensino; d) o oferecimento obrigatório de programas de Educação Especial em nível pré-escolar e escolar, em unidades hospitalares e congêneres nas quais estejam internados, por prazo igual ou superior a 1(um) ano, educandos portadores de deficiência; e) o acesso de alunos portadores de deficiência aos benefícios conferidos aos demais educandos, inclusive material escolar, merenda escolar e bolsas de estudo; f) a matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares de pessoas portadores de deficiência capazes de se integrarem no sistema regular de ensino (LIMA; RAMOS, 2003 apud MACHADO, 2005, p. 24).

Outros documentos legais surgem reforçando o movimento de Integração, dentre eles: a Política Nacional de Educação Especial, que propõe o apoio ao sistema regular de ensino, visando o fomento e o suporte ao processo de inserção das pessoas com deficiência na escola comum. Esse documento prioriza também o financiamento de projetos institucionais que envolvam ações vinculadas ao movimento de

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integração (BRASIL, 1994). Mas, como esse aporte legal fora operacionalizado na prática? Muitas vezes, os alunos estavam fisicamente dentro das escolas regulares, porém sua educação se processava a parte, pois seu professor de referência, em geral, era o professor especializado e o espaço físico destinado ao trabalho com esses alunos, era a classe especial. Vimos que o paradigma de serviços embasava as ações voltadas à integração das pessoas com deficiência, entretanto, esse modelo de integração falhou em seu propósito de “normalização”, visto que muitos indivíduos não alcançaram o ideal


almejado, no que concerne à aparência e ao funcionamento semelhantes às pessoas que não apresentam deficiência. O tipo de deficiência, suas características, bem como o grau de comprometimento, em alguns casos, impossibilita que a pessoa se iguale aos demais indivíduos. Desconsiderar isso é estabelecer uma meta, muitas vezes, utópica que apenas contribui para a discriminação, a menos valia e a depreciação das pessoas que apresentam alguma necessidade especial. Dessa forma, o paradigma de serviços passou a ser contestado e as pessoas com necessidades educacionais especiais começaram a ser vistas como sujeitos de direitos, da mesma forma que qualquer cidadão. Independentemente do tipo de deficiência e do grau de comprometimento, elas possuem os mesmos direitos e devem ter oportunidades de acesso aos bens disponíveis na sociedade. Surge, então, o atual paradigma, do qual falaremos a seguir.

2.3 Paradigma de Suporte garantir a todos os cidadãos, inclusive às PNEE, educação, saúde, lazer, trabalho, dentre outros direitos. Não é o indivíduo com deficiência que deve tentar se igualar ao indivíduo dito “normal” para ter o direito de conviver em sociedade e usufruir dos serviços. Ao contrário, cabe à sociedade formular estratégias e instrumentos que garantam a esta população o acesso direto e imediato a todos os recursos da comunidade. Trata-se de disponibilizar suportes que podem ser de natureza social, econômica, física, instrumental e construir, dessa forma, o processo de Inclusão Social.

47 Os paradigmas norteadores da educação especial e a perspectiva da educação inclusiva

Neste paradigma, a sociedade deve se reorganizar para


Se na Integração o investimento principal é feito no sentido de promover mudanças no indivíduo para normalizá-lo, na Inclusão, além de se promover o desenvolvimento do indivíduo com necessidades educacionais especiais, busca-se reajustar a realidade social para assegurar condições de acesso ao espaço comum da vida em sociedade. No paradigma de suporte, a escola, por exemplo, deve se modificar para atender àquele aluno com necessidades educacionais especiais e esta mudança pode ocorrer em vários aspectos; desde mudanças no currículo, no espaço físico, até mudanças atitudinais que implicam transformação das concepções dos educadores a respeito das possibilidades e potencialidades das pessoas com deficiência. A segregação e a integração passaram a ser veementemente contestadas, pois foram movimentos não exitosos na tarefa de assegurar os direitos das pessoas com deficiência. Esses questionamentos a respeito dos paradigmas anteriores ainda são bastante atuais, como podemos perceber nas palavras de Ropoli (2010)

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Os encaminhamentos dos alunos às classes e escolas especiais, os currículos adaptados, o ensino diferenciado [...] precisam ser indagados em suas razões de adoção [...] e eliminados por completo e com urgência. São essas medidas excludentes que criam a necessidade de existirem escolas para atender aos alunos que se igualam por uma falsa normalidade - as escolas comuns - e que instituem as escolas para os alunos que não cabem nesse grupo - as escolas especiais. Ambas são escolas dos diferentes, que não se alinham aos propósitos de uma escola para todos (ROPOLI, 2010, p. 9, grifos do autor).

Busca-se, atualmente, reconhecer a diferença, a multiplicidade, questionando a pretensa existência de pessoas


iguais, pois a complexa interação entre diferentes é constitutiva dos grupos sociais humanos. Somos diferentes na forma de aprender e de conviver, independente da existência de uma limitação ou deficiência. A inclusão escolar propicia maior desenvolvimento acadêmico e social da criança com necessidades educacionais especiais, ao passo que promove na comunidade escolar, valores como a solidariedade, a convivência na diversidade e enriquecimento das relações interpessoais. Não é apenas a pessoa com deficiência que aprende, toda a escola ganha quando desenvolve estratégias para acolher a diferença, já que todos os alunos são diferentes e apresentam necessidades particulares, bem como, formas peculiares de aprender. A maneira como a sociedade tem percebido a deficiência tem se transformado ao longo da história, e é certo que ainda há muito a se refletir e se fazer, pois a exclusão é um fenômeno cada vez mais frequente e não atinge apenas as PNEE. Cabe a todos os educadores repensarem criticamente sua formação inicial, sua prática cotidiana, pois como afirmou Paulo Freire (1996, p. 35), “Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação”. Uma escola que se propõe a oferecer educação para tos e repensar sua proposta curricular. Entretanto, sabemos que não é fácil promover essa mudança e ela não é imediata, uma prova disso é a coexistência dos diversos paradigmas até os dias atuais. Não é difícil constatar práticas pedagógicas excludentes e segregatórias ainda hoje, muito embora seja evidente o significativo número de documentos legais que preconizam a inclusão e os avanços teóricos na busca por uma sociedade mais democrática. Na perspectiva de Maria Salete Fábio Aranha (2001),

49 Os paradigmas norteadores da educação especial e a perspectiva da educação inclusiva

todos precisa rever sua prática, romper com velhos concei-


O Brasil mantém ainda, no panorama de suas relações com a parcela da população representada pelas pessoas com deficiência, resquícios do paradigma da institucionalização total e uma maior concentração do paradigma de serviços. Em qualquer área da atenção pública (educação, saúde, esportes, turismo, lazer, cultura) os programas, projetos e atividades são planejados para pessoas não deficientes. Quando abertos para o deficiente são, em geral, desnecessariamente segregados e/ou segregatórios, deixando para a pessoa com deficiência ou sua família quase que a exclusividade da responsabilidade sobre o alcance do acesso (ARANHA, 2001, p. 21).

Situados, historicamente, quanto aos modelos educacionais e de assistência propostos pela sociedade às pessoas com necessidades educacionais especiais, vamos sistematizar este conhecimento. No quadro a seguir estão sintetizados os modelos que caracterizaram a Educação Especial, nos últimos séculos até os dias atuais. CARACTERÍSTICAS

Segregação

Modelo assistencialista, no qual a instituição tinha caráter de internato e as pessoas eram retiradas do convívio familiar e social para viver em instituições asilares. As pessoas com deficiência eram percebidas como incapazes de conviver em sociedade, e, portanto, eram excluídas.

Integração

Os alunos frequentavam a escola regular, mas permaneciam, grande parte do tempo, em classes especiais, nas quais existiam professores especializados, que acabavam por ser responsáveis pela educação do aluno. A educação das pessoas com deficiência deveria, no que fosse possível, enquadrar-se no sistema geral de ensino, porém existia amparo legal caso uma pessoa fosse encaminhada para as classes e escolas especiais.

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MODELOS


MODELOS

CARACTERÍSTICAS

Inclusão

Propõe a criação de escolas de qualidade para todos. A educação especial converte-se numa modalidade transversal que perpassa todos os níveis e etapas da educação, disponibilizando serviços, recursos e atendimento especializado para apoiar o processo de escolarização nas classes comuns do ensino regular.

Na primeira aula, citamos o documento recente que tem orientado as ações na área da educação especial. Trata-se da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008). Vale a pena ler esse documento na íntegra e, para isso, você pode acessar diretamente o arquivo em PDF, clicando no link abaixo! http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf Também introduzimos algumas informações sobre o AEE (Atendimento Educacional Especializado). Agora chegou o momento oportuno de aprofundar nossos conhecimenMuitos questionamentos podem surgir, visto que, em termos históricos, estamos exatamente vivenciando essas transformações. Somos atores desse processo, de forma direta ou indireta. Estamos vivendo esse momento histórico de reafirmação da proposta inclusiva, no qual novas decisões foram tomadas e, antigas propostas retomadas, digamos assim. Então, antecipamos aqui alguns questionamentos, com o intuito de dirimir possíveis dúvidas. Você pode estar se perguntando:

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tos sobre esse serviço ofertado pela Educação Especial.


Quais os objetivos do AEE? Quem é o professor/a do AEE? E em que local o AEE deve acontecer? Quem é o público-alvo dessa forma de atendimento?

Bem, são muitas indagações e vamos tentar responder cuidadosamente a todas elas! Como foi dito anteriormente, a implantação dessa política, bem como a formação de professores para atuar no AEE e a instalação das salas multifuncionais (onde o AEE deve ocorrer) estão acontecendo nos dias atuais e mais precisamente nos últimos quatro anos. Para tanto, precisamos esclarecer em que consiste essa forma de atendimento. Respondendo à primeira pergunta... O AEE tem como objetivos: identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade (que favoreçam o acesso do aluno ao espaço físico e às informações), eliminando barreiras que dificultam a participação efetiva e plena dos alunos com necessidades educacionais especiais

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(ROPOLI, 2010). A matrícula no AEE está vinculada à matrícula no ensino regular, ou seja, só serão contemplados pelo Atendimento Educacional Especializado aqueles alunos que estiverem devidamente matriculados e frequentando a classe regular de ensino. Essa prerrogativa se justifica, pois é uma forma de combater a exclusão escolar ainda fortemente vivenciada por esses alunos e implicar a família e a escola no processo de ingresso e permanência das pessoas com necessidades educacionais especiais no contexto escolar. Estamos falando de AEE, mas quem são de fato os/as professores/as desse tipo de atendimento educacional?


Buscando responder ao nosso segundo questionamento, é possível afirmar que o Ministério da Educação define que tais professores/as devem ter formação específica para atuar nas salas de recursos multifuncionais. Tal formação pode ocorrer através de cursos de formação continuada, de aperfeiçoamento ou de especialização. Cabe à gestão escolar, contudo, implementar ações que garantam a formação das pessoas envolvidas (ROPOLI, 2010). Uma das iniciativas governamentais nesse sentido foi a oferta do curso de Aperfeiçoamento de Professores, explicitado a seguir. A Secretaria de Educação Especial e a Secretaria de Educação à Distância promovem o curso de Aperfeiçoamento de Professores para o Atendimento Educacional Especializado, realizado em uma ação conjunta com a Universidade Federal do Ceará [...] Nesse sentido o curso oferece fundamentos básicos para os professores do Atendimento Educacional Especializado que atuam nas escolas públicas e garante o apoio aos 144 municípios-pólo para implementação da Educação Inclusiva (BRASIL, 2007, p. 5).

para atuarem no AEE, mas a maneira como essa formação tem sido empreendida e a sua qualidade ainda são alvo de discussões e carecem de maior problematização. Sobre o local onde o AEE deve ser oferecido, nossa terceira pergunta, a Política decretada em 2008 reforçou que ele deve ocorrer preferencialmente na escola regular e, para tanto, estão sendo implantadas as salas de recursos multifuncionais. Sobre a oferta do AEE nas escolas comuns, veja o que Ropoli (2010, p. 18) afirma

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Muitos professores já foram ou estão sendo formados


O motivo principal de o AEE ser realizado na própria escola do aluno está na possibilidade de que suas necessidades educacionais específicas possam ser atendidas e discutidas no dia a dia escolar e com todos os que atuam no ensino regular e/ou na educação especial, aproximando esses alunos dos ambientes de formação comum a todos. Para os pais, quando o AEE ocorre nessas circunstâncias, propicialhes viver uma experiência inclusiva de desenvolvimento e de escolarização de seus filhos, sem ter de recorrer a atendimentos exteriores á escola (ROPOLI, 2010, p. 18).

A referida autora acrescenta que o AEE “pode ser oferecido em Centros de Atendimento Educacional Especializado da rede pública ou privada, sem fins lucrativos” (ROPOLI, 2010, p. 18). Esses Centros podem funcionar no mesmo local das antigas instituições especializadas, porém, para serem considerados Centros de Atendimento Educacional Especializado, precisam estar alinhados à Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) e, dessa forma, oferecer serviços de suporte à escola para organização das salas de recursos multifuncionais e para formação continuada dos professores do AEE. Essas

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duas funções reforçam a prerrogativa da inclusão, incentivando que a escolarização dos educandos com necessidades especiais deve ocorrer no ensino regular. O MEC orienta que os alunos frequentem as salas de recursos multifuncionais do AEE no turno oposto ao frequentado nas turmas comuns do ensino regular. Em sua escola, existe uma sala de recursos multifuncionais? Vale a pena esclarecer melhor em que consistem esses espaços de aprendizagem e quais as suas funções!


Essas salas são organizadas com mobiliários, materiais didáticos e pedagógicos, recursos de acessibilidade e equipamentos específicos para o atendimento aos alunos público alvo da educação especial, em turno contrário à escolarização (ROPOLI, 2010, p. 31).

Existem dois tipos de salas de recursos multifuncionais: as do Tipo I e as do Tipo II. Nas primeiras, encontram-se microcomputadores, com todos os equipamentos de informática, além de teclado e colmeia (proteção de acrílico para o teclado que auxilia o seu manuseio pelas pessoas com dificuldades motoras, por exemplo). Também fazem parte do acervo das salas de recursos multifuncionais Tipo I jogos pedagógicos acessíveis, software para comunicação alternativa, lupas manuais e eletrônicas, plano inclinado para posicionar melhor as atividades, etc. Já nas salas de recursos multifuncionais do Tipo II, além dos materiais disponíveis nas salas do Tipo I, encontram-se recursos específicos para o atendimento dos alunos com cegueira (ROPOLI, 2010). E quais são eles? • Máquina de datilografia e impressora Braille. • Reglete de mesa e punção. • Guia de assinatura. • Softwares para produção de desenhos gráficos e táteis. Na próxima unidade, abordaremos, mais especificamente, questões relacionadas à Deficiência Visual e, portanto, teremos oportunidade de nos aprofundarmos sobre os recursos utilizados pelas pessoas cegas ou com baixa visão. Mas, enquanto isso não ocorre, vamos retomar as considerações a respeito da proposta de inclusão escolar.

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• Soroban (instrumentos para cálculos matemáticos).


Os recursos físicos e materiais disponibilizados pelo poder público para operacionalização do AEE, somados à oferta de cursos de formação para os professores que forem atuar nesse tipo de atendimento educacional ainda não são, por si só, suficientes para garantir a efetivação de um trabalho de qualidade. Outro fator de extrema relevância diz respeito à articulação dos trabalhos pedagógicos, alinhando as ações dos professores da escola comum com as dos professores do AEE. Para tanto, os/as professores/as do AEE devem desenvolver planos de trabalho de forma conjunta com os demais professores da escola, durante a construção do Projeto Político Pedagógico (PPP), pois a Educação Especial perpassa todos os níveis da educação formal e não deve ser estruturada de maneira isolada, alheia à proposta pedagógica da escola. Claro que a função de buscar essa unicidade ou elaboração conjunta deve partir, tanto do professor do AEE, quanto do restante da equipe escolar. Trata-se de um movimento conjunto e bidirecional. No sentido figurado, uma via de mão dupla, como sugere Ropoli (2010)

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A efetivação dessa articulação é ensejada pela inserção do AEE no Projeto Político Pedagógico das escolas. Uma vez considerado esse serviço da Educação Especial como parte constituinte do Projeto, os demais eixos de articulação entre ensino comum e especial serão envolvidos e contemplados, e o ensino comum e especial terão seus propósitos fundidos em uma visão inclusiva de educação (ROPOLI, 2010, p. 20).

E quais seriam os eixos que permitiriam essa articulação em busca da interdisciplinaridade? Além do que já citamos anteriormente, sobre a elaboração conjunta dos planos


de trabalho durante a construção do PPP, podemos listar mais alguns a seguir: • Estudo com a equipe escolar para esclarecer e identificar os motivos pelos quais os alunos estão sendo encaminhados para a Educação Especial ou sala de recursos multifuncionais. • Discussão com equipe escolar a respeito dos planos de AEE. • Elaboração de materiais didáticos e outros recursos para utilização por parte do/a aluno/a, na sala de aula, sendo tal elaboração ou desenvolvimento feito de forma conjunta e devendo se estender ao acompanhamento do processo de aprendizagem deste. • Implementação de ações para formação continuada dos professores, mesclando temas referentes ao ensino especial e ao ensino comum. Parece ter ficado claro que o sucesso de uma proposta inclusiva de educação depende da efetivação das Políticas Públicas, bem como, da participação ativa de diversos atores nidade como um todo. A nossa última pergunta, “Quem é o público-alvo dessa forma de atendimento?”, será respondida na próxima aula, em que trataremos mais detidamente de esclarecer quem são as pessoas com necessidades educacionais especiais, ou seja, quem são os alunos para os quais se voltam as políticas em prol de uma educação inclusiva. Até lá!

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sociais que compõem o contexto escolar, a família e a comu-


SÍNTESE Em nossa segunda unidade, vimos inicialmente os paradigmas que nortearam e ainda norteiam as ações e os serviços oferecidos às pessoas com necessidades educacionais especiais e, para tanto, foi feita uma retrospectiva histórica, passeando pelos modelos de segregação, integração e inclusão. Chegando aos dias atuais, discutimos sobre as políticas educacionais voltadas para um ensino inclusivo e de qualidade, apresentando as propostas para implementação do AEE e das salas de recursos multifuncionais nas escolas públicas. Caracterizamos essa forma de atendimento educacional, assim como os espaços e os recursos propostos pela perspectiva inclusiva de educação.

QUESTÕES PARA REFLEXÃO Se o indivíduo se constrói em sua interação com o meio, uma pessoa retirada, desde cedo do convívio familiar e social, enclausurada em uma instituição durante grande parte da sua vida, poderá, depois de retornar o convívio social, se “adequar” às regras e valores partilha-

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dos socialmente? De modo análogo, uma criança com necessidades especiais que frequentou apenas classes especiais no início de sua vida escolar, estará “pronta” ou “preparada” para conviver, posteriormente, numa escola comum? Discuta com seus colegas, relembrando o que Vygotsky fala sobre a importância de um ambiente desafiador e da mediação para o desenvolvimento humano.


LEITURAS INDICADAS BUENO, J. G. S. Práticas institucionais e exclusão social da pessoa deficiente. Educação Especial em debate. São Paulo: Casa do psicólogo, 1997. MAZZOTTA, M. J. S. Educação especial no Brasil: história e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 1996. MIRANDA, T. G.; JESUS, T. R. de. Educação inclusiva ou integração escolar? Salvador: Revista de educação CEAP, ano IX, n. 35. 2002. P. 45-58.

SITES INDICADOS http://portal.mec.gov.br http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/aee_dm.pdf

REFERÊNCIAS pessoas com deficiência. Revista do Ministério público do tra-

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balho, ano XI, n. 21, março, 2001. Disponível em: http://www.

Os paradigmas norteadores da educação especial e a perspectiva da educação inclusiva

ARANHA, M. S. F. Paradigmas da relação da sociedade com as

centroruibianchi.sp.gov.br/usr/share/documents/08dez08_biblioAcademico_paradigmas.pdf. Acesso em: nov.2013. BRASIL. Política Nacional de Educação especial. Brasília. Ministério de Educação. Secretaria de Educação Especial, MEC/SEESP, 1994.


BRASIL. Atendimento Educacional Especializado: formação continuada à distância de professores para o Atendimento Educacional Especializado. Deficiência Mental. Brasília. Ministério de Educação. Secretaria de Educação Especial. Secretaria de Educação à Distância, MEC/SEESP/SEED, 2007. BRASIL. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso em: nov.2013. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GOFFIMAN, E. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva S.A. 1962. LIMA, S.S.; RAMOS, N.A.P. Legislação em educação especial no Brasil: o paradoxo da exclusão da inclusão e inclusão da exclusão. 2003, In: MACHADO, K. da S. A prática de inclusão de alunos com necessidades educativas especiais em classe regular: um estudo de caso com abordagem etnográfi-

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ca. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro. 2005. MACHADO, Katia. da Silva. A prática de inclusão de alunos com necessidades educativas especiais em classe regular: um estudo de caso com abordagem etnográfica. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro. 2005. ROPOLI, E.A. A Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Universidade Federal do Ceará, 2010.


Os paradigmas norteadores da educação especial e a perspectiva da educação inclusiva 61



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Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais (PNEE)



Autoras: Sheila Uzêda e Nelma Galvão

Olá!

“Tenho direito de ser igual quando a diferença me inferioriza. Tenho direito de ser diferente quando a igualdade me descaracteriza” (Boaventura de Souza Santos).

Em nossa última unidade, fizemos uma retrospectiva histórica dos modelos de assistência e educação destinados às pessoas com deficiência. A partir de agora, discutiremos sobre as terminologias empregadas para designar os alunos que compõem o público-alvo da Educação Especial e, em seguida, começaremos a estudar mais profundamente cada tipo de necessidade educacional especial. Vamos em frente! Vimos que uma das inovações da Política Nacional de Educação especial, na perspectiva da Educação inclusiva (2008), foi a estruturação e oferta do AEE. Mas cabe aqui escla-


recer quais são os alunos que podem e devem se beneficiar do Atendimento Educacional Especializado, ou seja, quem são as pessoas com necessidades educacionais especiais (PNEE). Entende-se por alunos com necessidades educacionais especiais aqueles que apresentam dificuldades acentuadas de aprendizagem, durante o processo educacional, que podem estar, ou não, relacionadas a uma causa orgânica específica ou vinculadas a limitações, disfunções ou deficiências, envolvendo dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, assim como altas habilidades/superdotação (BRASIL, 2010). Como você pôde observar, a definição de Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais (PNEE) não está limitada apenas às pessoas com deficiência. O Ministério da Educação, em particular, a Secretaria de Educação Especial (MEC/SEESP, 2008), define como pessoas com necessidades educacionais especiais os alunos com deficiência, os alunos com transtornos globais do desenvolvimento e os educandos com altas habilidades/superdotação.

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Subgrupos que compõem o conjunto das PNEE

PNEE

Deficiência

Transtorno Global do Desenvolvimento

Altas Habilidades/ Superdotação


Vale ressaltar que a Política Nacional de Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva, não inclui expressamente as pessoas com dificuldades de aprendizagem no grupo das PNEE. Entretanto, esse documento faz referência, ainda que de forma implícita, aos alunos que apresentam transtornos funcionais específicos, dentre eles, os alunos com Dislexia e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Veja, a seguir, de que forma esse aspecto aparece na legislação: Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial passa a constituir a proposta pedagógica da escola, definindo como seu público-alvo os alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Nestes casos e outros, que implicam em transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de forma articulada com o ensino comum, orientado para o atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos (BRASIL, 2008, p. 14).

Para ser considerado transtorno, a causa das dificulza orgânica, ou seja, não se devem a fatores como falta de oportunidade de aprendizagem adequada, ensino deficiente, variações normais do rendimento ou fatores culturais. Além disso, os transtornos têm como característica que os diferencia das deficiências o fato de serem reversíveis, diante de ajudas externas ou intervenções pertinentes. Dentre os Transtornos Específicos da Aprendizagem incluem-se a Dislexia, a Disgrafia e a Discalculia (DIAS, 2011). Sabemos que os alunos que apresentam esses transtornos também chegarão às salas de Atendimento Educacional Especializado (AEE). Mas voltando à questão dos alunos com Deficiência, TGD e Altas Habilidades/Superdotação, você saberia definir

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dades apresentadas por determinado aluno são de nature-


cada condição dessa e identificar as necessidades especiais desses alunos? Para isso, apresentaremos, a seguir, as terminologias empregadas, os conceitos e as definições atuais propostos pelo MEC, explicitando quem faz parte de cada grupo desses. Você percebeu que, na segunda unidade, quando iniciamos nosso diálogo a respeito dos paradigmas que regem a Educação Especial, em algumas citações de autores ou trechos de documentos legais encontramos, não raramente, a terminologia pessoas portadoras de deficiência? Essa foi, durante muitos anos, a maneira de nos referirmos a esses indivíduos. No entanto, na medida em que os paradigmas eram contestados, transformações nos modos de agir e de pensar sobre a condição dessas pessoas também se processavam. E as mudanças nas expressões e nos termos atribuídos também acompanharam esse evolução.

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Usar ou não usar termos técnicos corretamente não é uma mera questão semântica ou sem importância, se desejamos falar ou escrever construtivamente, numa perspectiva inclusiva, sobre qualquer assunto de cunho humano. E a terminologia correta é especialmente importante quando abordamos assuntos tradicionalmente eivados de preconceitos, estigmas e estereótipos, como é o caso das deficiências que aproximadamente 10% da população possuem. Os termos são considerados corretos em função de certos valores e conceitos vigentes em cada sociedade e em cada época [...] O maior problema decorrente do uso de termos incorretos reside no fato de os conceitos obsoletos, as idéias equivocadas e as informações inexatas serem inadvertidamente reforçados e perpetuados (SASSAKI, 2005, p. 1).

Muitas vezes, encontramos em textos científicos e demais publicações, a expressão necessidades educativas


especiais. Sassaki (1999) esclarece que a palavra educativa significa algo que educa, portanto mostra-se inadequada, pois a necessidade não é educativa, nesse contexto. Já o vocábulo educacional diz respeito àquilo que se refere à educação. Dessa forma, a expressão correta é “pessoas com necessidades educacionais especiais”, pois as necessidades são relativas a questões de educação. Como vimos anteriormente, a expressão PNEE abrange pelo menos três grandes grupos de pessoas: aquelas com deficiência, aquelas que apresentam transtorno global do desenvolvimento, também conhecido como TGD, e aquelas com altas habilidades/superdotação. Vamos refletir sobre as terminologias empregadas para designar as pessoas com deficiência. Diante da observação de Sassaki (2005), torna-se pertinente discutirmos sobre a maneira como denominamos as pessoas com deficiência ao longo do tempo, para aprendermos a nos dirigir a essas pessoas da forma mais coerente e respeitosa. Por muitos anos, a deficiência foi intitulada de defeito, anomalia, déficit. Esses termos foram criticados por conta da o modelo biomédico, sugerindo a dualidade entre normal e patológico. Perdurou também, por um tempo, a denominação pessoas excepcionais, destacando novamente a suposta igualdade entre determinadas pessoas e a categorização daquelas que fugiam a esse padrão. Como tivemos a oportunidade de ver, surgiu a expressão pessoas portadoras de deficiência, que, apesar de contestada, é utilizada por algumas pessoas até hoje. E por que ela foi contestada? A deficiência não é algo que se porta, não é algo acessório. A pessoa não porta uma deficiência, como se fosse um objeto, uma bolsa, por exemplo, que ela chega em casa e guarda. Trata-se de uma condição apresentada pelo indivíduo. A

69 Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais (PNEE)

carga pejorativa que carregam e por guardarem relação com


deficiência tem um caráter crônico, ou seja, mesmo diante de tratamentos e intervenções, a pessoa continua a ter a deficiência. Diante disso, é mais pertinente utilizar a expressão pessoas com deficiência. Evita-se também o termo pessoa deficiente, por se entender que o indivíduo não se reduz à deficiência. Ele não é deficiente como um todo. Antes de tudo, trata-se de uma pessoa e a deficiência é uma condição que o acompanha, que faz parte da sua identidade, assim como outras características, mas não constitui a sua identidade como um todo. Observe que deficiência não é doença. Essa é outra distinção que merece destaque, pois a doença é passível de tratamento e cura, e a deficiência, sendo uma condição, não é passível de cura. Diante de estimulação e tratamentos adequados, a pessoa com deficiência pode se desenvolver, superar algumas limitações, entretanto sempre terá a deficiência. Por exemplo, uma pessoa com baixa visão, ou seja, com deficiência visual parcial, ainda que se submeta a tratamentos, intervenções cirúrgicas ou mesmo que utilize recursos ópticos, como óculos, lupas, telescópios, não terá uma visão

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corrigida completamente. A baixa visão continuará a existir, sendo impossível sua completa reversibilidade. Os tratamentos e as intervenções ajudarão a pessoa com baixa visão a ter uma maior eficiência visual, a aproveitar melhor o resíduo de visão que possua, entretanto a cura não é possível. É exatamente esse caráter crônico que caracteriza a deficiência. Se o quadro evidenciado pela pessoa for passível de cura ou reversão total, não pode ser considerado uma deficiência. E agora que já sabemos a melhor forma de nos dirigirmos a essas pessoas, vamos compreender quem faz parte desse grupo. De acordo com a ONU (2006), alunos com deficiência são aqueles que apresentam limitações de longo prazo, que podem ser de natureza física, mental ou sensorial. Entendese que tais limitações se evidenciam diante de barreiras ou


restrições do ambiente e que podem dificultar sua adaptação e sua plena participação social. Então, podemos deduzir que fazem parte desse grupo as pessoas com: • deficiência visual; • deficiência intelectual; • deficiência física; • deficiência múltipla; • surdez; • surdocegueira. Agora, vamos buscar compreender quem são os alunos com Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD)! De acordo com o MEC/SEESP (2008), os alunos com TDG são aqueles que apresentam comprometimentos ou alterações qualitativas nas formas de interagir socialmente, na maneira de se comunicar, somados a um repertório restrito de interesses e atividades, resultando em comportamentos desse grupo os alunos com Psicose Infantil, com Autismo e com síndromes do espectro autista, ou seja, que apresentam alguns sinais e sintomas de autismo, mas não atendem a todos os critérios para serem considerados autistas. E o que podemos entender por Altas Habilidades/ Superdotação? Os alunos que fazem parte desse grupo tendem a demonstrar um potencial elevado em qualquer das seguintes áreas, de forma isolada ou combinada: • intelectual; • acadêmica;

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estereotipados, repetitivos e pouco funcionais. Fazem parte


• liderança; • psicomotricidade; • artes. Somado a isso, em geral, apresentam grande capacidade criativa e de envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas que se relacionem a áreas de seu interesse (MEC/ SEESP, 2008). Apesar de existirem essas classificações com base nos sinais e nas características peculiares a cada grupo de pessoas com necessidades educacionais especiais, precisamos não perder de vista que as definições do público-alvo que compõem esses grupos devem ser contextualizadas, porque o ambiente e as pessoas se modificam ao longo do tempo e relações dialéticas e de reciprocidade se estabelecem, nas quais a pessoa interfere no meio, ao mesmo tempo em que sofre influência deste.

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Esse dinamismo exige uma atuação pedagógica voltada para alterar a situação de exclusão, enfatizando a importância de ambientes heterogêneos que promovam a aprendizagem de todos os alunos (BRASIL, 2008, p. 15).

Essa heterogeneidade preconizada no documento acima citado deveria existir em qualquer contexto educacional, independente do fato de existir ali uma pessoa com necessidades educacionais especiais ou não, visto que temos diferentes ritmos e estilos de aprendizagem, muitas vezes desconsiderados por uma proposta curricular pretensamente homogeneizadora, que supervaloriza algumas habilidades em detrimento de outras que são frequentemente desqualificadas. Depois desses esclarecimentos de cunho abrangente, vamos adentrar uma realidade mais específica, que é a realidade de quem apresenta altas habilidades/superdo-


tação. Ainda nesta unidade, teremos a oportunidade de compreender melhor que condição é essa e quais as necessidades educacionais daí decorrentes.

3.1 Pessoas com altas habilidades/ superdotação A partir do trabalho do psicólogo francês Alfred Binet, que desenvolveu a primeira escala de desenvolvimento infantil, foi possível quantificar atributos da inteligência. Também passou a ser viável avaliar se as condutas e respostas das crianças estavam adequadas à sua faixa etária ou, por outro lado, se estavam abaixo ou acima do esperado, em termos cronológicos. Caracterização da distribuição dos níveis de inteligência em uma população

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Intelig%C3%AAncia

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Theodore Simon, que também se dedicou ao estudo da inteligência, em parceria com Binet, criou o conceito de idade mental e, mais tarde, Lewis Terman, educador e psicólogo norte-americano, reviu a escala criada por este pesquisador e formulou o conceito de QI (Quociente de Inteligência). E em que constitui esse quociente? Veja a definição abaixo, presente em alguns dos documentos oficiais produzidos pelo MEC. [...] índice que se propunha sintetizar a quantificação da inteligência, através do estabelecimento de uma relação entre idade mental da criança e sua idade cronológica (idade mental / idade cronológica x 100). (BRASIL, 2002, p. 10).

Muitos pesquisadores começaram a discordar da ideia de que a inteligência seria uma qualidade unificada, passível de ser mensurada com um único escore. Estudos foram avançando, na tentativa de compreender melhor o funcionamento intelectual, e a inteligência passou a ser concebida como um conjunto diversificado de habilidades intelectuais e criativas (BRASIL, 2002). conceito de superdotação, passando a incluir a criatividade e

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Guilford e Torrance, na década de 1960, ampliaram o 74

seus vários componentes, dentre eles, a capacidade de resolução de problemas, de tomada de decisão e outros aspectos relativos ao pensamento. Atualmente, a comunidade científica tem insistido no esclarecimento de que as pessoas com altas habilidades/superdotação não compõem um grupo homogêneo, ao contrário, elas apresentam variações em termos de habilidades cognitivas, em relação aos atributos de personalidade e ao nível de desempenho. Isso explicaria o fato de algumas pessoas apresentarem um desempenho acentuado em vários âmbitos, ao passo que outras evidenciam uma extraordinária competência em uma área específica do desenvolvimento, como podemos ver na afirmação a seguir:


Há um contínuo em termos de competência e habilidade, não sendo necessário estar no extremo deste contínuo para ser considerado superdotado ou encaminhado a um programa de atendimento especial (ALENCAR, 2007, p. 19).

A inteligência, aspecto central nas discussões sobre superdotação, vem sendo concebida como um conjunto de habilidades, que engloba múltiplos componentes, sendo a Teoria das Inteligências Múltiplas, formulada por Gardner, em 1983, um dos aportes teóricos mais difundidos e que tem influenciado fortemente as discussões sobre as altas habilidades. De acordo com esse pesquisador, temos pelo menos 7 diferentes inteligências. São elas: • inteligência linguística - extrema sensibilidade à estrutura, ao som, significado e às funções da palavra na linguagem; • inteligência lógico-matemática - capacidade acentuada de discernir padrões lógicos ou numéride desenvolver noções de grandeza, peso, distância, tempo etc.; • inteligência musical - habilidade acentuada para percepção do som por sua unidade e linguagem, capacidade de produzir e apreciar ritmos, timbres, tons etc.; • inteligência espacial - grande compreensão do espaço como um todo e visível habilidade em termos de orientação espacial e noção estética. Inteligência ligada à concepção de sólidos geométricos; • inteligência cinestésica ou corporal - é a “inteligência do movimento”; manifesta-se pela capacidade de comunicação através da mímica, da dança,

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cos, de trabalhar com longas cadeias de raciocínio,


do deslocamento e controle do corpo no espaço, e pela destreza em manipular objetos; • inteligência interpessoal - notório desenvolvimento da empatia, ou seja, da capacidade de responder adequadamente aos temperamentos, estados de humor e motivações das outras pessoas, ou seja, traduz-se por uma maior habilidade em compreender e responder às emoções e ações alheias; e • inteligência intrapessoal - trata-se da habilidade relacionada ao autoconhecimento, à percepção de si, à capacidade de discernir e discriminar as próprias emoções, os sentimentos e ideias pessoais. Com base nos estudos sobre as múltiplas inteligências humanas e tendo em vista as peculiaridades do desenvolvimento cognitivo das pessoas com altas habilidades, surgiram propostas diversas para intervenção pedagógica com essas pessoas. Alguns estudiosos defendem um currículo significativamente diferente para esses alunos, Educação Especial

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outros acreditam na importância de haver aceleração dentro do currículo padrão e alguns pesquisadores defendem ainda a oferta de atividades extras, além das que estão disponíveis na escola comum. Mas, diante dessas diversas orientações, como proceder em sala de aula? Antes de tentar responder a essa indagação, será preciso esclarecer o que se entende por altas habilidades/superdotação. Para compreender melhor o que chamamos de altas habilidades/superdotação, precisamos recorrer, inicialmente, às descobertas alcançadas a partir dos estudos


sobre o cérebro humano. Tais estudos são desenvolvidos por diversas áreas da ciência, das quais têm grande destaque atualmente a Neurociência e a Neuropsicologia. E o que dizem esses estudos sobre as pessoas que apresentam altas habilidades/superdotação? Algumas pesquisas em Neurociências apontam a existência de modificações anatômicas no cérebro de pessoas que apresentam habilidades acima do esperado. Exemplos desses achados foram as análises decorrentes do estudo do cérebro de Albert Einstein. Na época em que viveu esse ilustre cientista, o cérebro só podia ser estudado pós-morte, ainda assim algumas descobertas e hipóteses foram apresentadas à comunidade científica, como veremos no trecho a seguir:

Tanto no hemisfério esquerdo quanto no hemisfério direito do cérebro de Albert Einstein, os lobos parietais eram cerca de 15% mais largos do que nos outros sujeitos pesquisados. “Os neurônios localizados nessa região do córtex cerebral são responsáveis pela combinação das impressões relacionadas à forma e ao peso

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Resultados dos estudos do cérebro de Einstein, realizados por uma equipe do departamento de Psiquiatria e Neurociências da Faculdade de Ciências da Saúde da McMaster University (1985) e publicadas em junho de 1999, revelaram que uma parte de seu cérebro era fisicamente diferente. Comparando as medidas anatômicas do cérebro de Einstein com aquelas de cérebros de 35 homens e 50 mulheres com inteligência normal, o grupo de pesquisa descobriu que, no caso, de Einstein, o cérebro era semelhante aos outros pesquisados, exceto nas regiões chamadas de lobos parietais (DELPRETTO, 2010, p. 14).


e as transformam em percepções gerais” (DELPRETTO, 2010, p. 15).

Além disso, relacionam-se à orientação no espaço e à noção de esquema corporal, porque tal região é responsável pela cognição visuoespacial, pelo pensamento lógico-matemático e pelas imagens de movimento, exatamente áreas de destaque na inteligência visivelmente desenvolvida de Einstein. Resta saber se a diferença anatômica é a causa das habilidades acentuadas, apresentadas por esse grande cientista, que revolucionou nossa visão de mundo, ou se o desenvolvimento dessas habilidades implicou as modificações das estruturas cerebrais. Para os pesquisadores desse estudo, os resultados sugerem que as alterações anatômicas ou as variações estruturais em algumas regiões do cérebro levariam às diferenças nas capacidades das pessoas em termos de desenvolvimento cognitivo (DELPRETTO, 2010). Mas, com certeza, muitos estudos ainda são necessários e

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esse é um enigma que precisa ser desvendado pela ciência! Acreditamos que essas respostas não tardem a chegar, pois, cada vez mais, avançamos na compreensão do funcionamento cerebral, inclusive em nível celular, ou seja, em termos das unidades constitutivas do nosso sistema nervoso, o neurônio, como ilustrado na imagem a seguir.


Imagem que representa, de forma esquemática, um neurônio

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A9rebro

Contudo, faz-se necessário esclarecer algumas concepções equivocadas que foram construídas ao longo da história sobre o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças conque a criança apresentaria, necessariamente, um ótimo rendimento escolar, porém, em alguns casos, o desempenho acadêmico não corresponde ao potencial que a criança tem. Isso se justifica por vários motivos. Fleith (2007) aponta alguns deles, dentre os quais: fatores individuais (baixa autoestima, ansiedade, perfeccionismo etc.); fatores familiares (excessiva pressão dos pais em relação ao desempenho acadêmico, pouco apoio ou compreensão das necessidades da criança etc.); fatores relativos à escolarização (ambiente pouco estimulante, métodos repetitivos e crença de que todos aprendem no mesmo ritmo etc.). Outros mitos permeiam as representações que a sociedade tem construído sobre a condição da superdotação/altas

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sideradas superdotadas. O primeiro deles refere-se à ideia de


habilidades. Estudos mais atuais comprovam que a participação dessas crianças em programas especiais de suporte contribui para seu desenvolvimento e não, como se pensou durante muitos anos, geraria atitudes de arrogância ou vaidade por parte da pessoa com superdotação. Sabe-se, atualmente, que as crianças que apresentam talentos ou habilidades diferenciadas podem se beneficiar de programas bem estruturados de aceleração, nos quais os professores estejam preparados para atender às necessidades dos alunos e aos aspectos individuais, sociais e afetivos (FLEITH, 2007). Portanto, a superdotação é considerada um fenômeno multidimensional, pois abrange diferentes aspectos do desenvolvimento (afetivo, cognitivo, psicomotor e relacionado à construção da personalidade). É bastante difícil estabelecer um padrão de comportamento que caracterize a pessoa com altas habilidades, entretanto alguns estudiosos apontam características que, em geral, estão presentes nessas pessoas. Dentre elas, Winner (1998) destaca:

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• desenvolvimento motor acelerado; • maior tempo de atenção e vigília; • aquisição precoce da linguagem e repertório verbal; • elevado grau de curiosidade e postura investigativa diante dos problemas cotidianos, formulando questões com considerável grau de complexidade; • resolução de problemas com pouca instrução; • alta sensibilidade e reatividade; • grande energia que pode ser confundida com hiperatividade; • aquisição precoce da leitura e fácil memorização de informações matemáticas ou verbais;


• destaque no desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático e do pensamento abstrato; e • preferência por brincadeiras individuais e/ou amigos mais velhos, bem como evidente interesse por assuntos que envolvem questões sociais, políticas, morais e éticas. Você pode encontrar outras listas de características vinculadas ao comportamento de crianças com superdotação/altas habilidades, inclusive em materiais produzidos pelo Ministério da Educação, como as Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Infantil - saberes e práticas da inclusão: altas habilidades e superdotação, disponível no site do MEC (www.mec.gov.br). O mais relevante é, contudo, ter em mente que cada criança tem um ritmo próprio de desenvolvimento e traz consigo peculiaridades que não são passíveis de padronização. Além disso, é possível afirmar que algumas atitudes dos educadores tendem a favorecer a aprendizagem deso desenvolvimento do potencial criativo dos educandos, ou seja, propor atividades variadas, não muito dirigidas, para que os alunos possam aprender também por descoberta, assumindo uma postura ativa no processo de aquisição de conhecimentos; b) identificar os talentos e as habilidades mais acentuadas para ser possível estimulá-los; e c) promover um ambiente desafiador e motivador, buscando que esses alunos desenvolvam uma atitude investigativa e de persistência diante do processo de aprendizagem. A escola deve estar atenta para a necessidade de estreitar os laços com as famílias, constituindo parcerias que têm como finalidade maior o bem-estar e a aprendizagem das

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ses alunos. São elas: a) aplicar estratégias que possibilitem


crianças e dos jovens. Aliar-se ao grupo familiar, buscando uma convivência que respeite e valorize seus recursos para lidar com seu filho ou sua filha, torna possível conhecer melhor o ambiente no qual vivem os alunos, bem como integrar os dois contextos de desenvolvimento - escola e família e, portanto, alinhar as condutas, visando ao desenvolvimento integral da pessoa com altas habilidades/superdotação. A família sente-se, muitas vezes, desamparada e sem saber como agir diante das repercussões sociais que o fenômeno da superdotação pode desencadear. O talento ou a habilidade pronunciada da criança tendem a ser exaltados, reforçados pela família ou pelo meio a sua volta. Nem sempre destacar o que a criança faz sem grande esforço, pois é talentosa naquele aspecto, é a melhor conduta a ser assumida. As crianças com altas habilidades/superdotação devem ser incentivadas a realizar tarefas que envolvam esforço para alcançar um objetivo e devem ser valorizadas por isso e não apenas pelos comportamentos que evidenciam em função de suas habilidades diferenciadas. O grupo familiar precisa

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ser orientado a valorizar o esforço da criança ou jovem, evitando, assim, destacar apenas o que fazem maior empenho, tendo em vista seu elevado grau de inteligência. Outro aspecto relevante que pode ser trabalhado pela escola com a família diz respeito a uma tendência bastante frequente de criar em torno do(a) filho(a) uma expectativa excessivamente alta a respeito do seu desempenho. Muitos outros pontos podem ser mais bem explorados sobre a temática de altas habilidades/superdotação, pois trata-se de um tema bastante vasto e ainda muito investigado, visto que os estudos sobre o cérebro humano e sobre a inteligência, mais especificamente, estão avançando e nos mostram, a cada dia, que muito pouco ainda conhecemos da complexa e imbricada rede que constitui nosso sistema nervoso e nossas funções cognitivas!


O que é passível de consenso a essa altura é que precisamos compreender a educação numa proposta inclusiva e, com isso, transformar os espaços da escola, em especial as salas de recursos multifuncionais, em ambientes que favoreçam o planejamento e a operacionalização de ações que visem garantir o direito dos alunos com altas habilidades/superdotação a um ensino de qualidade, que permita sua plena inserção e o convívio social.

SÍNTESE Nessa terceira unidade, iniciamos nossa conversa esclarecendo o que se pode considerar como uma necessidade educacional especial e quais as pessoas que fazem parte desse grupo social - PNEE. Tratamos de diferenciar deficiência de doença e expandimos a discussão quando esclarecemos que também são consideradas pessoas com necessidades educacionais especiais os indivíduos com transtorno global do desenvolvimento e as pessoas com altas habilidae, para tanto, foi necessário retomar momentos específicos dos estudos sobre a inteligência e a evolução desse conceito, assim como refletir sobre a prática pedagógica e o papel da escola na inclusão desses alunos. Dando continuidade à nossa disciplina, iremos conhecer, nas próximas unidades, as demais necessidades especiais, abordando: o conceito, as causas e as possibilidades educacionais.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO Retomando alguns conceitos da abordagem de Vygotsky, como Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) e Mediação, estudado em disciplinas como Psicologia do

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des/superdotação. Adentramos no universo da superdotação


Desenvolvimento e da Aprendizagem e articulando com a Teoria das Inteligências Múltiplas, de que forma podemos pensar as propostas de atividades pedagógicas em grupo como recurso que venha a favorecer a inclusão dos alunos com altas habilidades/superdotação?

LEITURAS INDICADAS DELPRETTO, B. M. de L. A Educação especial na Perspectiva da Inclusão Escolar: altas habilidades/superdotação. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará. 2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&vi ew=article&id=12625&Itemid=860. Acesso em: nov.2013. FLEITH, D. de S. Educação infantil: saberes e práticas da inclusão. Altas habilidades/superdotação. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Especial, 2006.

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SITES INDICADOS http://portal.mec.gov.br http://www.altashabilidades.com.br/ http://www.educacaoonline.pro.br/index. php?option=com_content&view=article&catid=6%3Aeduca cao-inclusiva&id=68%3Aatualizacoes-semanticas-na-inclusao-de-pessoas-deficiencia-mental-ou-intelectual-doenca-ou-transtorno-mental&Itemid=17


REFERÊNCIAS ALENCAR, E. M. L. S. de. Indivíduos com altas habilidades/ superdotação: clarificando conceitos, desfazendo idéias errôneas. In: FLEITH, D. de S. (Oorg.) A construção de práticas educacionais para alunos com altas habilidades/superdotação. Vol.1., Brasília: Ministérios da Educação, /SEESP, 2007. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/ altashab2.pdf. Acesso em: nov.2013. BRASIL, Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso em: nov.2013. BRASIL. Projeto Escola Viva: Garantindo o acesso e permanência de todos na escola. Alunos com necessidades educacionais especiais, Brasília: Ministério da Educação./ Secretaria de Educação Especial, C327, série 2. 2002.

va da Inclusão Escolar: altas habilidades/superdotação. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará. 2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&vi ew=article&id=12625&Itemid=860. Acesso em: nov.2013. DIAS, F. O processo de aprendizagem e seus transtornos. Salvador: Edufba, 2011. FLEITH, D. de S. Educação infantil: saberes e práticas da inclusão. Altas habilidades/superdotação. Brasília: MEC/Secretaria de Educação Especial, 2006.

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DELPRETTO, B. M. de L. A Educação especial na Perspecti-


ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Nova Yorque, 2006. SASSAKI, R. Atualizações semânticas na inclusão de pessoas: Deficiência mental ou intelectual? Doença ou transtorno mental? Revista Nacional de Reabilitação, ano IX, n. 43, p.9-10, mar./abr.2005. SASSAKI, R. Terminologia sobre deficiência na era da inclusão. Disponível em: http://www.educacaoonline.pro.br/index.php?option=com_content&view=article&catid=6%3Aed ucacao-inclusiva&id=69%3Aterminologia-sobre-deficiencia-na-era-da-inclusao&Itemid=17. 2005. Acesso em: nov.2013. WINNER, E. Crianças superdotadas: mitos e realidade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

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D eficiĂŞncia Visual: as possibilidades de inclusĂŁo da pessoa cega



Autoras: Sheila Uzêda e Nelma Galvão

Olá! Em nossa terceira unidade, discutimos as terminologias e conceituações gerais sobre as deficiências e as necessidades especiais e adentramos mais especificamente nas questões educacionais referentes às pessoas com altas habilidades/ superdotação. Agora, em nossa quarta unidade, chegou o momento de entendermos o universo da deficiência visual e debatermos acerca do processo de inclusão escolar e social das pessoas que apresentam cegueira ou baixa visão. Prosseguindo em nosso diálogo, faz-se necessário esclarecer em que consiste a deficiência visual (DV), pois alguns problemas visuais, não raro, são confundidos com a deficiência e esses equívocos precisam ser evitados, a fim de melhor compreendermos a condição e as necessidades das crianças, jovens e adultos com DV.


A DV engloba duas condições diferentes: a cegueira e a baixa visão. Alguns autores ainda utilizam a terminologia visão subnormal para se referir à baixa visão. Na intenção de desconstruirmos a concepção dicotômica entre normal e patológico, implícita no termo subnormal, adotaremos, em toda a nossa aula, a nomenclatura baixa visão (BV). Então, comecemos pela definição dessa condição visual. Podemos definir a pessoa com baixa visão como aquela que apresenta, após tratamentos e/ou correção óptica, diminuição de sua função visual e tem valores de acuidade visual menores do que 0,3 à percepção de luz ou campo visual menor do que 10 graus de seu ponto de fixação; porém usa ou é potencialmente capaz de usar a visão para o planejamento e/ou execução de uma tarefa (WHO, 1992). Vamos tentar tornar essa definição mais clara! A baixa visão se caracteriza pela dificuldade de enxergar, lios ópticos, tais como: óculos, lupas, telescópios etc. Isso

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mesmo após todo e qualquer tratamento ou uso de auxí92

quer dizer que a pessoa que apresenta hipermetropia ou astigmatismo e que consegue corrigir 100% a sua visão através do uso de óculos, não tem baixa visão. Por outro lado, a criança ou o adulto que, mesmo tendo recorrido à cirurgia ou à utilização de recursos ópticos, continua com prejuízos na sua visão pode ser considerada uma pessoa com baixa visão. Esse diagnóstico é oftalmológico, pois apenas o médico especializado possui os testes e exames adequados para avaliar e identificar a baixa visão. Outra definição, formulada por Bruno (2009, p. 37), esclarece o conceito de baixa visão também do ponto de vista educacional, tornando nossa compreensão mais facilitada: Do ponto de vista clínico, a baixa visão é o comprometimento do funcionamento visual


em ambos os olhos, após o melhor tratamento e ou correção de erros refracionais comuns. Caracteriza-se pela acuidade visual inferior a 20/70 até percepção luminosa e campo visual inferior a 10 graus do seu ponto de fixação. Do ponto de vista educacional, é a capacidade potencial de utilização da visão para o planejamento e execução de tarefas do cotidiano.

Diante disso e da experiência dos profissionais e estudiosos que lidam diretamente com a questão da baixa visão, é possível afirmar que a percepção visual (ou resíduo visual) que um indivíduo com baixa visão apresenta deve ser estimulada, para que ele aprenda a utilizá-la de forma cada vez mais funcional. Enxergamos com o nosso cérebro e, quanto mais uma criança com baixa visão é estimulada a utilizar seu resíduo visual, maiores serão as chances de ela aprender a usar funcionalmente a visão que possui. Isso se deve, dentre outras nervosas se diferenciam e se especializam em determinadas funções, a partir de estímulos específicos, mediante a necessidade de adaptação do ser humano às exigências do ambiente. No entanto, algumas pessoas ainda partilham a crença de que a criança com baixa visão deve “poupar” seu resíduo e tal concepção distorcida traz implícita a ideia de que o pouco de visão que a mesma apresenta pode se perder. O que devemos ter claro em nossa mente é que, a menos que a baixa visão seja causada por uma doença degenerativa, a tendência é que o resíduo visual permaneça e a criança, quando estimulada corretamente, aprenda a utilizar cada vez melhor a visão que possui. Daí a importância dos programas de estimulação precoce. Uma orientação bastante comum é que a criança seja encorajada a usar sua visão para identificar objetos, espaços, símbolos, em vez de recorrer primeiramente ao tato como único recurso de percepção.

93 Deficiência Visual: as possibilidades de inclusão da pessoa cega

coisas, ao processo de plasticidade cerebral, em que as células


Vale também ressaltar que a maioria das pessoas com deficiência visual apresenta a baixa visão e não a cegueira, como comumente se pensa. E quase todas são capazes de utilizar o resíduo visual na realização de tarefas, inclusive em atividades pedagógicas, no contexto da escola. Esclarecida a condição da baixa visão, passemos agora ao conceito de cegueira, apesar de, mais adiante, voltarmos a tratar de outras questões referentes à baixa visão. Do ponto de vista biomédico, a cegueira é definida como condição que “se refere à acuidade visual menor que 3/60, no melhor olho, com o uso de correção óptica adequada” (OMS, 1992 apud NERI et al 2008, p. 261). Em termos educacionais, a cegueira pode ser definida como ausência total de visão até a perda da capacidade de indicar a projeção de luz. Já Siaulys, Ormelezi e Briant (2010, p. 34) definem a cegueira da seguinte forma:

Educação Especial

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Pessoas cegas são aquelas que apresentam desde a ausência total de visão até percepção de luz (distinção entre claro e escuro), ou projeção de luz (identificação da direção de onde vem a luz), necessitando do sistema de escrita Braille e utilizando outros sentidos que não a visão para o conhecimento do mundo.

Nesses casos, a pessoa não consegue utilizar a visão para desempenhar tarefas e, como vimos, sua aprendizagem se dará através da utilização integrada dos outros sentidos tato, olfato, audição, paladar e cinestesia. O Sistema Braille será o recurso que possibilitará que a pessoa cega vivencie o processo de aquisição da leitura e da escrita. Posteriormente, ela poderá recorrer a programas computacionais específicos, como os leitores de tela, para ter acesso a textos digitalizados e a conteúdos disponíveis na Internet.


A cegueira é menos prevalente que a baixa visão, apesar de muitas pessoas com baixa visão terem sido, ou ainda serem, tratadas como cegas. Partindo do princípio de que todos nós somos diferentes e da impossibilidade de uma pessoa repetir, de forma idêntica, a trajetória de desenvolvimento de outra, é possível afirmar que a resposta visual de um indivíduo jamais será igual à de outro, ainda que apresente a mesma patologia visual. Isso quer dizer que, mesmo que duas crianças tenham baixa visão decorrente de catarata congênita e que tenham a mesma idade, a resposta visual será sempre diferente. Ou seja, a forma de ver, de perceber o mundo, a acuidade e eficiência visuais serão particulares, específicas a cada criança. Por isso, a forma de estimular e os recursos utilizados, consequentemente, serão específicos a cada caso. Transpondo para uma realidade ainda mais concreta, isso quer dizer que nem toda criança com baixa visão decorrendo mesmo tipo de adaptação de material didático que outra

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criança com igual diagnóstico. O que é extremamente funcio-

Deficiência Visual: as possibilidades de inclusão da pessoa cega

te de catarata vai se beneficiar do mesmo recurso óptico ou

nal para uma pessoa, pode não ser útil ou até mesmo prejudicar outro indivíduo. Dessa forma, o processo de avaliação e a prescrição de recursos devem ser individualizados, respeitando as particularidades de cada pessoa. Por falar em avaliação, vale acrescentar que, além do oftalmologista, em muitos casos, a avaliação realizada por outros profissionais também é de extrema relevância para elucidação do diagnóstico, visto que, algumas vezes, faz-se necessário complementar a avaliação oftalmológica, por exemplo, com exames neurológicos, com avaliação funcional da visão, realizada, muitas vezes, por Terapeutas Ocupacionais ou Pedagogos especializados, dentre outros. A interdisciplinaridade da avaliação enriquece os dados encontrados, diversifica os olhares sobre a questão e escla-


rece dúvidas que poderiam persistir num processo avaliativo realizado por um único profissional. Por exemplo, um(a) oftalmologista poderia identificar que uma criança apresenta baixa visão decorrente de Atrofia Óptica, mas, para maior elucidação do que causou a Atrofia Óptica, seria necessária a realização de exames neurológicos. Além disso, para compreender como aquela criança utiliza seu resíduo visual, talvez seja imprescindível encaminhá-la para uma avaliação funcional da visão, em que serão avaliadas funções visuais e a maneira como aquela criança usa seu resíduo para explorar e conhecer o ambiente a sua volta. Trata-se de perceber a resposta visual em situações cotidianas, nas quais a ferramenta principal é a ludicidade, ou seja, o brincar espontâneo da criança e, a partir daí, pensar em adaptações e recursos necessários para estimulá-la visualmente e facilitar sua percepção dos objetos. Isso, em geral, não é possível dentro dos Essa compreensão da importância de se avaliar a res-

Educação Especial

moldes de uma avaliação oftalmológica convencional. 96

posta visual da pessoa com baixa visão deriva, em termos, dos avanços médicos e tecnológicos do final da década de 1960 e dos estudos experimentais de Barraga (1976), que apontaram a diferença de resposta visual em crianças com a mesma acuidade visual. Isso implicou modificações significativas nas formas de atender clinicamente e nas ações pedagógicas dirigidas a essas pessoas. Crianças, jovens e adultos com DV que apresentam a mesma acuidade visual podem evidenciar diferentes formas de utilização do resíduo. Tornase pertinente esclarecer que acuidade visual é a capacidade da visão de perceber a forma e o contorno dos objetos. A título de esclarecimento, visto que uma das formas de prevenção é a informação, trataremos, agora, das causas (etiologias) da deficiência visual. Assim como as demais deficiências, a DV pode ser congênita ou adquirida. Para facilitar


nossa compreensão, vamos dividi-las em causas pré, peri e pós-natais. Dentre os fatores etiológicos pré-natais, podemos citar algumas doenças infectocontagiosas, contraídas pela mãe durante a gravidez como rubéola, sífilis, toxoplasmose etc. Além disso, integram as causas pré-natais, malformações e síndromes genéticas; algumas formas de albinismo e doenças como glaucoma congênito e catarata congênita. Vale esclarecer que o termo congênito refere-se ao que está presente ao nascimento. No escopo das causas perinatais, encontram-se aqueles fatores ou eventos relacionados ao período do nascimento, ou seja, ao momento do parto. Uma das causas mais frequentes de DV é a anóxia perinatal. Trata-se do quadro de falta de oxigenação no cérebro, decorrente de diversos fatores, como, por exemplo, a falta de assistência adequada na hora do parto, o que implica demora exacerbada para realização desse protentativa de realização de parto normal, sendo que a criança

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se encontra em posição desfavorável para tanto, ou em situ-

Deficiência Visual: as possibilidades de inclusão da pessoa cega

cedimento, mesmo depois do rompimento da placenta, ou a

ações em que o cordão umbilical está envolto no pescoço do bebê. Isso pode ocasionar um quadro de sofrimento fetal e a criança ter lesões cerebrais em regiões responsáveis pela visão, como o Lobo Occipital. A respeito das causas pós-natais de cegueira e baixa visão, temos lesões decorrentes de traumas e acidentes; degenerações da retina ligadas ao diabetes; doenças adquiridas, como meningite, encefalite, catarata, glaucoma, tumores em regiões envolvidas com a percepção visual, dentre outras causas. Agora que já tratamos das definições, classificações e causas da deficiência visual, vamos discutir pontos relevantes sobre o desenvolvimento e a aprendizagem das pessoas com baixa visão ou cegueira.


4.1 D eficiência Visual: processos de desenvolvimento e aprendizagem Para adentrarmos no objetivo primordial da nossa unidade, que é tratar das questões referentes ao processo de inclusão escolar da pessoa com DV, precisamos de antemão entender melhor de que maneira o desenvolvimento e a aprendizagem ocorrem num indivíduo que apresenta cegueira ou baixa visão. E para chegar a essa compreensão, precisamos desconstruir algumas distorções na forma de perceber esses processos, que foram elaboradas e compartilhadas socialmente, ao longo da história da humanidade.

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Tamanha é a centralidade da visão para o desenvolvimento e a aprendizagem de nós, videntes, que não conseguimos pensar o mundo sem a possibilidade de enxergar. A visão é o sentido que nos fornece o maior número de informações sobre os objetos a nossa volta. Com a visão percebemos forma, cor, textura, distância, tamanho etc. Além disso, a visão nos possibilita organizar ou integrar as outras informações oriundas dos sentidos (SIAULYS; ORMELEZI; BRIANT, 2010). A despeito de tudo isso, a pessoa que não enxerga ou que vê com dificuldades pode trilhar um caminho positivo de desenvolvimento, pois ela lança mão dos recursos que possui, ou seja, os sentidos remanescentes e as funções cognitivas, tais como linguagem e pensamento, para acessar o mundo e compreender as coisas que a cercam, sem que isso implique, necessariamente, prejuízos ou atrasos no desenvolvimento.


Quem nasce sem enxergar ou vendo pouco não conhece outra referência do mundo senão a sua própria forma de percebê-lo. O sentimento de perda, de sofrimento por não enxergar como as outras pessoas, em geral, existe no imaginário do vidente, ou seja, da pessoa que vê e que avalia como difícil ou triste a condição da deficiência visual. Quem já nasceu nessa condição vai perceber o mundo a partir das referências que possui. Suas dificuldades serão muito mais em termos de adaptação a um mundo que foi pensado e planejado para quem não tem nenhuma limitação; um mundo que exclui quem o percebe de forma diferente; enfim, um mundo pautado na ilusão de igualdade e na perversa relação de exclusão das pessoas que fogem a um suposto padrão de normalidade. Com isso, queremos dizer que a pessoa cega ou com baixa visão não será, a priori, uma pessoa infeliz, deprimida, incapaz, entre tantos outros adjetivos que a sociedade teima em lhe atribuir. As posbem mais do contexto familiar, das condições socioeconômi-

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cas, políticas e educacionais, da garantia dos direitos à inclusão

Deficiência Visual: as possibilidades de inclusão da pessoa cega

sibilidades de desenvolvimento e aprendizagem dependerão

e acessibilidade, do que do fato de ver ou não ver com os olhos. Orrico, Canejo e Fogli (2007, p. 121) abordam essas questões, destacando a representação da cegueira para as pessoas que nascem nessa condição. [...] para o próprio cego o sentido da cegueira não é patológico, mas uma realidade da sua condição, será na busca da inserção social que efetivamente ele irá se perceber como deficiente [...] Esse processo nos permite visualizar a importância da igualdade de oportunidades e do reconhecimento das diferenças na busca da interação social.

Por outro lado, as pessoas que adquirem a deficiência visual, assim como qualquer outra condição de deficiência,


no curso do seu desenvolvimento, podem experimentar sentimentos de perda e a necessidade de ressignificar sua percepção do mundo. Quanto ao aspecto do desenvolvimento cognitivo, mais especificamente, as semelhanças com as pessoas sem deficiência são maiores do que as diferenças. Como assim? O que isso quer dizer? Significa que, em termos cognitivos, o desenvolvimento da maioria das funções psicológicas da pessoa com DV segue os mesmos princípios que os de nós videntes. Ou seja, o pensamento, a linguagem, a atenção, o julgamento, o raciocínio, a memória podem se desenvolver plenamente, sendo que a função psicológica que se apresentará diferente é, sem dúvida, a percepção. Ainda assim, dentro do que chamamos percepção, existem pelo menos 5 sentidos e apenas um deles está alterado na pessoa com DV, que é a visão. Em suma, podemos concluir que não existe uma personalidade ou uma constituiEducação Especial

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ção psíquica própria das pessoas com DV. Existem possibilidades de desenvolvimento, oportunidades ou restrições que vão impactar na trajetória desenvolvimental de cada indivíduo. O impacto social da deficiência, não raro, tende a ser mais restritivo do que a própria limitação sensorial. Vygotsky (1989), em seus estudos sobre deficiência, chama atenção para os fatores restritivos provenientes das repercussões sociais desse fenômeno, ressaltando que a forma como lidamos com a deficiência, muitas vezes, dificulta ou impede que o sujeito desenvolva seu potencial. A mesma força que tem o contexto social de gerar desenvolvimento tem de privá-lo, de inibi-lo, principalmente quando o que está em jogo são representações negativas, historicamente construídas e partilhadas, que associam a deficiência visual a símbolos e valores depreciativos, à incapacidade e a menos-valia.


Trata-se do que Goffman (1988) denominou de estigma. O estigma da deficiência, em muitos casos, representa um forte empecilho ao desenvolvimento pleno da pessoa com DV. Em primeiro lugar, ainda persiste uma crença equivocada de que as pessoas com deficiência visual sejam incapazes de realizar, de forma autônoma e independente, diversas tarefas, desde atribuições cotidianas, como cuidar de uma casa, até atividades laborais, ou seja, desempenhar funções relacionadas ao contexto do trabalho. Na verdade, quando a pessoa com DV, seja ela baixa visão ou cegueira, encontra um ambiente propício ao seu desenvolvimento, e isso quer dizer um ambiente onde ela se sinta amada, aceita e encorajada e onde existam oportunidades de inserção e convívio social, a tendência é que ela possa se desenvolver e aprender de maneira muito próxima a qualquer pessoa, principalmente quando não existem outros comprometimentos associados Um bebê cego ou com uma baixa visão severa, quan-

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do encaminhado precocemente para serviços de estimulação

Deficiência Visual: as possibilidades de inclusão da pessoa cega

à deficiência visual.

e quando acolhido pela família, mesmo que evidencie inicialmente relativo atraso na aquisição de algumas habilidades, logo no primeiro ano de vida, compensa esse atraso e tende a ter seu desenvolvimento dentro do que é esperado para qualquer criança da sua faixa etária. A ausência da visão ou um resíduo visual muito restrito podem implicar atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor, mas a intervenção adequada e oportuna, nos primeiros meses de vida, faz com que a família aprenda a estimular seu bebê através dos outros sentidos e utilizando brinquedos sonoros, bastante coloridos ou com texturas diferentes para chamar a atenção da criança e despertá-la para a aventura constante que serão a descoberta e a exploração do seu próprio corpo e, posteriormente, do mundo a sua volta.


A pesquisa de Araújo (2007), realizada em SalvadorBA, comprova que bebês cegos podem desenvolver habilidades cognitivas, como a capacidade de representação simbólica, nos primeiros 2 anos de vida, como acontece com qualquer outra criança sem deficiência. Simbolizar é uma habilidade tipicamente humana e, por isso mesmo, extremamente elaborada, visto que nos diferencia dos outros animais. Ela requer o processamento do pensamento, sendo que a inteligência da criança, antes presa às sensações e ações, próprias do período sensório-motor, descrito por Piaget (1978), passa a ser uma inteligência em representação, capaz de realizar o jogo simbólico ou, como mais comumente é conhecido, o jogo do faz de conta. Trata-se de um salto qualitativo da inteligência infantil. A criança com DV, mesmo privada da capacidade de ver com os olhos, pode desenvolver tal habilidade na mesma época em que a criança sem deficiência. Isso comprova que mento cognitivo. Vale ressaltar, no entanto, que, para adquirir

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a DV não resulta necessariamente em atraso no desenvolvi102

as habilidades pertinentes a cada estágio de desenvolvimento, no tempo em que elas, em geral, aparecem, a criança cega ou com baixa visão precisa ser estimulada a lançar mão das suas outras habilidades e de outros recursos, e, dessa forma, seguir a trajetória natural de todo e qualquer desenvolvimento humano: a superação dos limites e a consequente adaptação às exigências do meio. Ao contrário do que muitos pensam, a pessoa com DV não tem traços de personalidade específicos ou decorrentes da condição visual. A deficiência visual não é sinônimo de déficit intelectual, de comprometimento cognitivo, nem aumenta a incidência de transtornos psíquicos, a exemplo da depressão, como erroneamente se costuma pensar. Os educadores precisam se aproximar da realidade dessas pessoas ou buscar conhecimentos, a fim de desmistificar


certas concepções distorcidas e, assim, evitar reproduzi-las no espaço educacional. Lembre-se de que um educador é, em primeira instância, um formador de opinião, um profissional que, em certo momento, pode configurar-se como espelho do outro, como exemplo a ser seguido. Nesse sentido, os saberes e as condutas docentes devem estar de acordo com a realidade e não favorecendo a disseminação de ideias equivocadas. Passaremos, agora, a debater, mais detidamente, sobre o processo de aprendizagem da pessoa com DV, sem, contudo, perder de vista que o desenvolvimento e a aprendizagem são processos inter-relacionados, que exercem mútua influência.

4.2

Como citamos anteriormente, quando definimos cegueira, o aparato utilizado pela pessoa cega para adentrar o universo simbólico da leitura e da escrita é o sistema Braille. Trata-se de uma combinação de seis pontos em relevo que formam as letras e permitem a leitura tátil. Daí a importância de favorecer a discriminação tátil pela criança cega desde a mais tenra idade, pois esse sentido precisará ser bem apurado, para possibilitar tanto a identificação precisa de objetos, quanto uma leitura eficiente. Brincar e explorar tatilmente os objetos é o caminho mais natural para aquisição de uma discriminação tátil. De certa maneira, podemos dizer que a pessoa cega enxerga com as mãos! O maior desafio da escola será tornar as atividades lúdicas e pedagógicas acessíveis para a criança que não enxerga. Essa não é uma tarefa tão complexa na Educação infan-

103 Deficiência Visual: as possibilidades de inclusão da pessoa cega

O processo de aprendizagem e a inclusão escolar da pessoa cega


til e nas séries iniciais do Ensino Fundamental, quanto é nos níveis posteriores do ensino, mas requer também organização e planejamento, para que as adaptações ou os recursos necessários sejam providenciados a tempo de a criança cega poder participar, no mesmo instante, das mesmas atividades aplicadas às demais crianças. Em geral, as modificações nas atividades pedagógicas escritas envolvem: • A utilização de texturas diferentes, a partir de materiais comuns à realidade escolar, tais como: papéis variados (camurça, crepom etc.); e materiais como algodão, barbante, palito de fósforo, areia, grãos. Esses recursos devem ser utilizados para permitir que a criança sinta, com os dedos, a forma e a dimensão das figuras ou traçados na atividade. Dessa maneira, ela estará formando a representação mental dos objetos através do tato, ao passo Educação Especial

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que esse mesmo processo acontece com as crianças que enxergam, mas, em geral, através da percepção visual. • A utilização de miniaturas, tanto nas atividades escritas quanto no conto de histórias infantis. Manusear os objetos e personagens, através de miniaturas ou brinquedos que o representem, torna a atividade mais prazerosa e significativa, também favorecendo a formação das representações mentais, que auxiliarão a criança a adentrar o mundo simbólico, para, futuramente, desenvolver o pensamento abstrato. • É importante colocar, em Braille, os enunciados das tarefas, os textos das histórias infantis, os avisos dispostos em murais, pois a criança cega, assim como a vidente, precisa ter contato com o mundo das letras, desde que nasce, para que, gradativamente, construa a


compreensão de que tudo que se fala pode ser representado por uma palavra ou signo linguístico. Ela, inicialmente, não terá condições de realizar a leitura tátil, pois isso envolve habilidades que a criança na faixa etária da Educação Infantil, por exemplo, em geral, ainda não desenvolveu, mas ela poderá iniciar o processo de associação dos pontos em Braille com cada letra ou fonema. Em geral, os profissionais que trabalham em programas de estimulação precoce também recomendam que a família disponha em casa, nas portas dos cômodos, nos objetos que a criança tem maior contato, o nome desses objetos em Braille e que a criança seja sempre estimulada a passar os dedinhos por sobre a palavra, ao mesmo tempo em que lhe é dito, o nome do objeto. Na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino manuseando a máquina Braille, segundo imagem a seguir: Máquina de Braille

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Machine-a-ecrire-Braille.jpg

105 Deficiência Visual: as possibilidades de inclusão da pessoa cega

Fundamental, é recomendável que a criança aprenda o Braille,


Quando ela for maior e também na fase adulta, é possível utilizar a Reglete para escrever em Braille. Por que antes não é recomendável? Porque a Reglete é um instrumento que exige da criança o domínio da noção de reversibilidade, já que se escreve da direita para a esquerda e se lê, virando a página, da esquerda para direita. Além disso, é necessária a utilização da Punção, um instrumento pontiagudo, que é responsável por, através da pressão sobre o papel, formar o relevo necessário para a identificação tátil dos pontos. Para as crianças, é perigoso manipular esse objeto. Então, a máquina Braille, sem dúvida, é o recurso mais adequado para aprendizagem da leitura e da escrita pela criança cega. Outras recomendações que se aplicam ao contexto escolar, mas que, no entanto, transcendem as tarefas escritas, são as que se referem ao conhecimento do espaço físico da escola e às atividades de socialização.

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• É recomendável que a criança conheça e explore o ambiente escolar, logo que iniciar seu processo de escolarização. Algumas vezes, é até mais pertinente levar a criança cega para conhecer os espaços na escola, antes mesmo do início das aulas, pois a possibilidade dela explorar o ambiente é maior e transcorre de forma mais tranquila sem a presença de todos os alunos e o barulho que isso representa. Lembre que a percepção auditiva será uma grande aliada da criança cega na compreensão do mundo a sua volta e nas pistas que ela identificará para se deslocar com segurança. Deve-se possibilitar que a criança percorra todo o trajeto da porta de entrada da escola até sua sala, da sala ao banheiro, ao parque etc., pois, com a continuidade, ela internalizará a representação especial daquele ambiente e poderá se deslocar sozinha para o


banheiro, por exemplo, como outras crianças já fazem ou já desejam fazer, ainda que seja necessária a presença de um acompanhante, visto que, a depender da idade, essa atividade de utilização do banheiro, para qualquer criança, ainda precisa ser supervisionada. Existe uma área específica de conhecimento que trata da locomoção e da apreensão do espaço pela pessoa cega. Trata-se da Orientação e Mobilidade (OM). O professor de OM faz um curso específico para adquirir a habilidade de trabalhar a orientação e a mobilidade com as pessoas cegas. Existem técnicas específicas que são ensinadas, desde a mais tenra idade, e que promoverão o deslocamento independente e seguro da pessoa cega quando jovem ou adulta. Mas, algumas dessas recomendações podem, de antemão, ser aqui fornecidas, como a necessidade de dispor o mobiliário da sala de pessoa cega sempre que ocorrer alguma modificação no espaço físico. Isso evita acidentes e possibilita que a criança ou o jovem se locomova com independência. O uso da bengala é uma das habilidades trabalhadas nas aulas de Orientação e Mobilidade e cabe ressaltar, aqui, que a utilização da bengala pela criança cega deve acontecer desde a primeira infância, para que ela internalize seu uso, evitando, assim, condutas posteriores de rejeição ao instrumento, o que é bastante comum quando o uso da bengala só é introduzido na adolescência. No entanto, a aquisição de autonomia e independência no deslocamento, ou seja, capacidade de sair sozinho à rua com a bengala, requer longo período de treino específico nas aulas de OM, nas quais os(as) professores(as) especializados vão avaliar a condição de cada jovem em particular. Além disso, mesmo considerada apta a sair de bengala sozinha, a

107 Deficiência Visual: as possibilidades de inclusão da pessoa cega

forma que facilite a locomoção e a importância de informar a


pessoa cega só terá essa liberação após consentimento formal da família, que assina um documento, autorizando o deslocamento autônomo e independente do(a) seu(sua) filho(a). Mas voltando às recomendações... • É importante que a criança cega participe das atividades lúdicas e de socialização, partilhando experiências ricas para seu desenvolvimento psicomotor e socioafetivo. Se a criança apresenta apenas a limitação visual, nada impede que ela participe das brincadeiras na hora do intervalo, das atividades nas aulas de educação física, das festas comemorativas etc. Basta garantir que ela esteja sendo informada sobre o que significa aquela atividade e qual comportamento ou movimento é esperado que ela venha a fazer. Por exemplo, se na escola forem ofertadas aulas de capoeira, a criança cega pode e deve participar, havendo apenas o cuidado Educação Especial

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de explicar os movimentos e fazê-los junto ao corpo da criança, de preferência, o adulto se posicionando por trás, para que ela entenda e seja capaz de reproduzir os movimentos ensinados. Na dança, nas brincadeiras lúdicas que envolvem a motricidade, o princípio pode ser o mesmo, ou seja, fazer junto com ela, para que depois ela seja capaz de fazer com independência. São importantes algumas adequações das atividades físicas e jogos, utilizando, por exemplo, uma fonte sonora, como o guizo na bola de futebol. Até agora falamos do sistema Braille como porta de acesso da pessoa cega ao mundo das palavras, mas, e para adentrar o universo dos números, qual é o instrumento utilizado por essas pessoas?


O ensino da matemática, disciplina que requer o pensamento lógico e a capacidade de operar mentalmente com as grandezas numéricas, conta com o apoio de um instrumento denominado Sorobã, que é formado por contas que representam as dezenas, centenas etc. e que possibilitam a realização dos cálculos matemáticos pela pessoa cega. O Sorobã é um aparelho de cálculo usado já há muitos anos no Japão pelas escolas, casas comerciais e engenheiros, como máquina de calcular de grande rapidez, de maneira simples. Sorobã

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Soroban2.jpg?uselang=pt-br

Na escrita de números, reside a principal vantagem, que recomenda o sistema Sorobã como método ideal de cálculo para deficientes visuais. Com alguma habilidade, a pessoa com deficiência visual pode escrever números no Sorobã com a mesma velocidade ou até mesmo mais rápido que um vidente escreve a lápis no caderno. O Sorobã está dividido em dois retângulos: um largo, com 4 rodinhas em cada eixo, e outro estreito, com apenas 1 rodinha. Serve de separação entre os retângulos uma tabuinha chamada régua, que possui, de 3 em 3 eixos, um ponto em relevo, tendo seis ao todo. É junto da régua que se escrevem e que se leem os algarismos. Para se calcular com o Sorobã, coloca-se o mesmo sobre uma mesa, de modo que o retângulo largo fique mais próximo de quem vai calcular.

Deficiência Visual: as possibilidades de inclusão da pessoa cega

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Os documentos oficiais que tratam da complementação curricular - que deve ocorrer no turno oposto à escola regular, dentro do Atendimento Educacional Especializado (AEE) - dispõem sobre a utilização desses instrumentos. Sabe-se que, para que a inclusão seja efetiva, os professores da sala de aula comum, na escola regular, também precisam adquirir conhecimentos sobre Braille e Sorobã, visto que são eles os mediadores da aprendizagem do aluno em sala e é neste espaço que a verdadeira inclusão acontece. Daí decorre a necessidade de processos de formação continuada e da estreita relação entre os professores da rede regular de ensino e os professores do AEE, para garantir, dentre outras coisas, o acesso da pessoa cega aos conteúdos trabalhados em sala. Faz-se necessária a adaptação de material gráfico ou mapas, para formas bidimensionais, em alto-relevo e tridimensionais, utilização de miniaturas, maquetes etc. O uso desse material deve ser acompanhado pela descrição oral Educação Especial

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detalhada do mesmo. O processo avaliativo deve ser flexibilizado, sendo importante, em certos casos, conceder um tempo maior para a pessoa cega responder à atividade avaliativa, visto que a leitura em Braille permite que um bom leitor leia 150 palavras por minuto, o que significa, em geral, a metade do número de palavras lidas por uma pessoa vidente. Assim como o Braille, o Sorobã e a OM são aprendizagens importantes para o processo educacional da pessoa cega, existe uma outra área de conhecimento que integra a complementação curricular, oferecida no turno oposto ao da escola regular, que é a AVD, Atividade de Vida Diária. Tratase do ensino de estratégias ou formas de desempenhar atividades cotidianas, tais como alimentar-se, higienizar-se, vestir-se, possibilitando que a pessoa com DV adquira autonomia e independência no seu cotidiano e no contexto esco-


lar, já que existem momentos específicos na escola, como a hora do lanche, que requerem certas habilidades por parte da pessoa cega ou com baixa visão. Orrico, Canejo e Fogli (2007, p. 125) definem AVD da seguinte forma: São aprendizagens necessárias às ações desenvolvidas no dia a dia, como exemplo, comer, se vestir, organizar os materiais escolares, cuidados pessoais em geral etc. A peculiaridade que constitui o nascimento de um bebê com deficiência visual na família faz com que muitos pais não saibam o que fazer para orientar seus filhos nestas atividades. Esta ação educativa, portanto, é muito importante tanto para as crianças como no suporte aos pais ou responsáveis.

Não se pode perder de vista que essas recomendações ou dicas não configuram receitas a serem seguidas na ínteanalisadas e planejadas dentro da realidade de cada pessoa. Pensar o processo de escolarização precisa ser no singular. O que isso quer dizer? Quer dizer que cada indivíduo tem características, aptidões e necessidades diferenciadas e todas elas precisam ser consideradas quando se planeja qualquer intervenção educacional. Apesar da obviedade desse fato, a escola, enquanto instituição social, tem historicamente ignorado essa questão, agindo como se houvesse uma suposta igualdade entre as pessoas e propondo, portanto, atividades e intervenções homogeneizantes, totalizadoras, que desconsideram o aspecto mais rico da trajetória de desenvolvimento humano, que é a sua incapacidade de se repetir, de ser igual ao outro. Somos diferentes e essa diferença é constitutiva do ser humano, por isso as propostas pedagógicas precisam

111 Deficiência Visual: as possibilidades de inclusão da pessoa cega

gra e de forma generalizada, pois devem ser particularizadas,


considerar as singularidades e devem ser contextualizadas, próximas da realidade de cada pessoa e respeitando os diferentes ritmos de aprendizagem. Na próxima unidade, daremos continuidade ao tema, tendo em vista a riqueza de conhecimentos e informações acumulados historicamente sobre a inclusão escolar das pessoas com deficiência visual. Entretanto, discutiremos, mais detidamente, sobre o processo de aprendizagem da pessoa com baixa visão e, em seguida, adentraremos no universo da surdocegueira, um mundo ainda desconhecido para a maioria da população e para boa parte dos educadores. Até lá!

SÍNTESE Em nossa quarta unidade, conhecemos um pouco mais os aspectos referentes à deficiência visual. Iniciamos nosso diálogo definindo a cegueira e a baixa visão, ao passo que, Educação Especial

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gradativamente, desconstruímos algumas crenças equivocadas sobre a deficiência visual. Em seguida, apresentamos as causas pré, peri e pós-natais da cegueira e da baixa visão e prosseguimos nossa conversa, voltando-nos para o processo de aprendizagem e a inclusão escolar da criança cega. Muitas informações foram apresentadas sobre recursos e formas de tornar a educação acessível para essas pessoas.

QUESTÃO PARA REFLEXÃO Como seria, para você, receber um(a) aluno(a) cego(a) em sua sala de aula? Reflita sobre isso, pois a forma como acolhemos e elaboramos os primeiros sentimentos e impressões que temos da chegada de uma pessoa com deficiência


em nossa sala influenciará a maneira como agiremos frente ao processo de inclusão.

LEITURAS INDICADAS GOMES, M. Construindo as trilhas para inclusão. Petrópolis: Vozes, 2009. BAPTISTA, C. R.; CAIADO, K. R. M.; JESUS, D. M. de. (Orgs.). Educação Especial: diálogo e pluralidade. Porto Alegre: Editora Mediação, 2008.

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DeficiĂŞncia Visual: as possibilidades de inclusĂŁo da pessoa cega

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D eficiĂŞncia Visual e Surdocegueira



Autora: Sheila Uzêda

Olá! Na unidade anterior, abordamos a deficiência visual, enfocando sua conceituação, causas e classificação, bem como os aspectos relativos ao desenvolvimento e à aprendizagem da pessoa cega. A partir daí, debatemos mais detidamente a respeito das especificidades no processo de inclusão escolar do aluno que apresenta cegueira. Conforme combinamos, nesta unidade, daremos continuidade às discussões referentes à baixa visão, priorizando as questões que tratam da inclusão escolar e adentraremos o universo da surdocegueira, talvez ainda desconhecido para muitos de vocês. Vamos lá!


5.1 B aixa visão: definição, especificidades e inclusão escolar Para início de conversa, vamos relembrar o que é a baixa visão! A baixa visão ou visão subnormal, como também é conhecida, caracteriza-se por uma redução na capacidade visual, que, mesmo após correção óptica ou intervenção cirúrgica, implica a diminuição da acuidade ou a perda de campo visual.

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As pessoas com baixa visão podem apresentar dificuldade acentuada para enxergar de perto e/ou de longe; problema na visão de contraste, na visão de cores e na noção de profundidade; campo visual reduzido, dentre outros. Lembremos que acuidade visual se refere ao menor objeto que o olho pode perceber à determinada distância (LAPLANE; BATISTA, 2009). Também pode ser entendida como a medida do poder de resolução do sistema visual (SIAULYS; ORMELEZI; BRIANT, 2010). O campo visual divide-se em campo central, superior, inferior, nasal e temporal, referindo-se a tudo que o indivíduo pode perceber visualmente embaixo, em cima e dos lados, quando, por exemplo, fixa o olhar num ponto. Algumas pessoas têm perda de campo inferior, ou seja, quando andam, algumas vezes, têm dificuldade de perceber os objetos que estão abaixo no seu campo de visão, por isso tropeçam ou caem em buracos com mais frequência etc. Em termos oftalmológicos, existem recursos que objetivam melhorar a resposta visual da pessoa com baixa visão.


Esses recursos podem ser agrupados em duas categorias, os recursos ópticos e os recursos não ópticos. Vamos entender melhor do que se trata, pois isso interfere diretamente nas possibilidades de inclusão das pessoas com baixa visão. Recursos ópticos

Fonte: http://www.sxc.hu/photo/1327605

Recursos não-ópticos

Cadernos com pauta dupla e reforçada

Lentes/óculos

Fonte: http://www.thinkstockphotos.com/image/stock-photo-pencil/ Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Lupa. na.encyklopedii.jpg

Lápis e canetas que ofereçam melhor contraste com o fundo (lápis 3B ou 6B, por exemplo)

Lupas manuais, de apoio etc.

Fonte: http://upload.wikimedia. org/wikipedia/commons/0/03/ Telescope.jpg Telescópios focais e afocais

Fonte: http://www.sxc.hu/browse. phtml?f=download&id=1244963 Melhorar a iluminação do ambiente, aumentando ou reduzindo a luminosidade

Fonte: UNIFACS Ampliação ou redução do tamanho da letra

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A prescrição dos recursos ópticos é feita exclusivamente pelo oftalmologista e vale ressaltar que a indicação de recursos ópticos e não ópticos deve ser feita de modo particularizado para cada pessoa, ou seja, deve-se levar em consideração a causa da baixa visão, a condição e a eficiência visuais, bem como as especificidades de cada indivíduo, pois um recurso que auxilia uma pessoa pode prejudicar outra. Se para algumas pessoas é importante aumentar a iluminação do ambiente, para outras, isso pode representar ofuscamento e desconforto visual, como é o caso das pessoas que têm albinismo. Essa condição genética pode implicar a baixa visão e, nesses casos, a pessoa tem fotofobia, ou seja, aversão à luz e pode sentir dificuldade para enxergar em ambientes muito iluminados. Conhecer as causas da deficiência, bem como o funcio-

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namento visual de cada criança ou adulto é um fator imprescindível para garantir a indicação correta de recursos ou auxílios ópticos e não ópticos e, consequentemente, proporcionar uma melhor eficiência visual. Mas adentrando a realidade das escolas, vamos discutir melhor sobre os recursos não ópticos, que podem ser utilizados no ambiente escolar: • Ampliação do tamanho dos objetos e da fonte - Segundo Cole e Rosenthal (1996), a vantagem da letra ou do objeto ampliado é favorecer a leitura e a percepção através de maior contraste dado pela letra ampliada ou pela magnificação dos objetos. Contudo, a principal desvantagem é o aumento do volume do material ou do texto. • Controle da iluminação - Diz respeito ao uso de luminárias portáteis, controlando o foco e a intensidade da luz, ou à diminuição da luz refletida no papel,


para evitar ofuscamento. Essa diminuição pode ser feita através do uso de acetato amarelo sobre o texto ou a imagem, como também com o uso do tiposcópio, que são cartões pretos com fendas, isolando o texto a ser lido e diminuindo, assim, a luz refletida sobre o papel. • Utilização de miniaturas - É um uso importante, principalmente quando a criança tem acentuada perda de campo visual, o que compromete a percepção do objeto como um todo. O uso de miniaturas, associadas ao texto, garante que a criança com baixa visão perceba integralmente os objetos e construa suas representações mentais. • Pranchas inclinadas ou apoio para o material de 45 graus com o plano da mesa, favorecendo maior conforto visual (COLE; ROSENTHAL, 1996). • Cobrir as letras ou as imagens com lápis ou hidrocor preto ou de cores fortes para favorecer o contraste - Muitas vezes, é importante destacar alguns itens da imagem ou desenho, ao invés de cobrir tudo, pois, a depender do tipo de funcionamento visual, pode ser difícil para a pessoa perceber vários detalhes de uma figura, conforme sinalizam Laplane e Batista (2009, p. 186-187): As crianças com baixa visão, na maioria das vezes, fazem um grande esforço para interpretar o que veem. Elas aproximam os materiais dos olhos, se aproximam da lousa para enxergar melhor, demoram mais para ler e escrever e cansam rapidamente. O cansaço é causado pelo esforço realizado para obter a informação visual necessária ao desempenho das tarefas escolares.

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leitura - Ajudam a manter o material num ângulo de


Todos esses esforços da criança ou jovem com baixa visão, assim como o ritmo diferenciado de leitura e escrita, devem ser respeitados pela escola. Alguns professores se preocupam com a postura da criança, corrigindo a forma como se debruça sobre o texto ou a aproximação que faz da lousa, da TV ou do papel. Cabe ressaltar que tal aproximação e até mesmo a posição de cabeça que ela faz são necessárias para que a criança perceba os objetos, utilize seu melhor campo de visão e obtenha, assim, maior eficiência visual. Outro ponto bastante relevante, principalmente no que diz respeito à Educação Infantil, é a utilização da letra maiúscula ou bastão, no processo de aquisição da leitura e da escrita. Para qualquer criança, é mais adequado o uso inicial deste tipo de letra, por exigir menos destre-

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za motora, do que a letra minúscula, conforme recomenda o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil - RCNEI. Entretanto, no caso das crianças com baixa visão, isso deixa de ser uma recomendação e passa a ser uma prescrição, digamos assim, pois a letra maiúscula melhor possibilita à criança, principalmente àquela com perda de campo visual, enxergar a letra em sua totalidade, visto que não se encontra unida a outras letras, como acontece na escrita cursiva. Decorre daí que não se deve exigir de determinadas crianças, inclusive as que apresentam baixa visão, que elas aprendam a escrever ou ler através da escrita cursiva. Com a evolução tecnológica, surgiram diversos recursos que auxiliam as pessoas com baixa visão, como apontam Laplane e Batista (2009, p. 186): O avanço tecnológico acrescenta a esses recursos o uso de sistemas de magnificação de imagem por vídeo (CCTV), lupas eletrônicas, microcomputadores em que a tela pode ser personalizada para exibir diferentes tipos de


letra, cores, tamanhos, luminosidade e contraste segundo a necessidade de cada usuário.

O CCTV, citado anteriormente, é um sistema de vídeo ampliação, composto por um monitor, uma câmera e um sistema óptico que ampliam a imagem ou as letras de livros, revistas, jornais, melhoram o contraste do texto, facilitando a percepção de algumas pessoas com baixa visão. A sigla CCTV origina-se do inglês e significa Closed Circuit Television, ou seja, circuito fechado de televisão. Quanto aos recursos ópticos, muitos deverão ser usados no contexto escolar, como é o caso dos óculos, das lupas e dos telescópios, também conhecidos como telelupas. Após prescrição médica, pelo oftalmologista, a criança ou jovem visual. As lentes/os óculos auxiliam na correção dos erros de refração e oportunizam melhor acuidade visual, por isso seu uso deve ser incentivado durante a permanência da criança na escola. As lupas ampliam a imagem e podem ser usadas para leitura e para visualizar imagens. Da mesma maneira, a utilização de telescópios (parecem binóculos), que ampliam ou aproximam a imagem, é essencial para que algumas crianças percebam objetos a certa distância, por exemplo, o texto escrito na lousa. Aprender a utilizar os auxílios ópticos e não ópticos deve ser um processo lúdico para a criança. É brincando que ela experimenta o mundo e que internaliza ações, por isso a adaptação da criança aos recursos deve ser um processo prazeroso e contextualizado, ou seja, através de contos de histórias, ela pode usar a lupa para ver melhor os personagens e o texto, dentre outras atividades lúdicas. A partir da brincadeira de esconder, ela pode usar o telescópio para ver de longe e procurar os coleguinhas. Deve ser uma experiência funcional

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passa a utilizar esses recursos para melhorar sua resposta


para a criança. Isto quer dizer que deve fazer sentido e não ser uma mera imposição. O(a) professor(a) tem um papel fundamental nesse processo, pois é uma referência para os alunos. Diante disso, seu incentivo para que a pessoa com baixa visão utilize os recursos ópticos e não ópticos é essencial no processo de adaptação do indivíduo ao recurso, bem como na aceitação e no acolhimento por parte da turma, no que diz respeito às especificidades do processo de aprendizagem da criança com baixa visão. Quando o(a) professor(a) entende as necessidades da criança ou do jovem com deficiência visual e explica para a turma porque aqueles recursos são necessários e como aquele colega enxerga, ele(a) está contribuindo para haver uma atitude de respeito e acolhimento com o/do aluno que apresenta

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baixa visão. Segundo Laplane e Batista (2009, p. 187), Outro fator relevante no caso dos alunos com baixa visão é o modo de organização do trabalho escolar, que muitas vezes privilegia um ritmo e uma velocidade na execução das tarefas que não são adequados para todos. A inclusão dessas crianças depende, em boa medida, da criatividade do sistema escolar e do professor para organizar o trabalho de modo que a aprendizagem seja garantida, enquanto as possibilidades e capacidades do aluno sejam respeitadas, de modo que o esforço realizado em cada momento seja razoável e não decorra em cansaço ou fadiga excessivos.

Flexibilidade e planejamento são elementos fundamentais para o sucesso de uma proposta inclusiva de aprendizagem; melhor dizendo, são aspectos fundamentais para qualquer proposta educativa que respeite a individualidade e os variados ritmos de aprendizagem dos educandos.


Como afirmamos desde nossas primeiras unidades, outro aspecto decisivo para uma efetiva inclusão escolar da pessoa com deficiência é a comunicação e a parceria entre a escola regular, o atendimento especializado e a família. E de que forma podemos entender essa divisão de tarefas, ou melhor, essa soma de esforços? Para tanto, vamos apresentar, sucintamente, exemplos de atribuições dessas três instâncias sociais que devem empreender ações articuladas na tarefa de incluir a pessoa com necessidades educacionais especiais. Comecemos pelo espaço escolar! A escola deve garantir a matrícula da pessoa com deficiência, bem como assegurar aspectos como a flexibilidade curricular e a adequação no que tange à questão temporal, pois a criança cega ou com baixa visão, em geral, precisará de mais tempo para realizar des com material e recursos específicos deve ser implementada, para garantir o acesso aos conteúdos trabalhados. Toda escola que recebe uma criança ou um jovem com cegueira ou baixa visão deve incluir, em seu projeto político-pedagógico, ações voltadas a atender às necessidades dessa clientela. Além disso, qualquer escola da rede pública de ensino deve informar à Secretaria de Educação a existência desse aluno, pois o governo tem direcionado às escolas públicas um kit para baixa visão, composto por caderno de pauta ampliada, lápis que favorece maior contraste, dentre outros recursos. Do mesmo modo, quando do ingresso de um aluno cego, se a direção da escola comunica formalmente aos órgãos públicos competentes, o governo fornece para a escola a máquina Braille, recurso imprescindível para a inserção da pessoa cega no mundo da linguagem e do conhecimento formal. Ter contato com o sistema Braille desde a mais tenra idade - assim como a criança sem deficiência que vê as letras desde que nasce - é uma condição que favorece a imer-

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algumas atividades ou avaliações. A adaptação das ativida-


são na linguagem, a descoberta de que tudo que se fala pode ser representado por letras e, neste caso, por pontinhos que formam o alfabeto em Braille. A criança com baixa visão também precisa ter contato com as palavras e letras desde muito cedo, por isso torná-las acessível é tão importante. Agora, passemos a discutir as contribuições do AEE para inclusão escolar. Cabe ao Atendimento Educacional Especializado, dentro da perspectiva inclusiva, fornecer o apoio para os professores da classe regular, partilhando as informações necessárias, oferecendo cursos de formação continuada, assim como auxiliando na adaptação do material pedagógico. É também função do AEE atender ao aluno com deficiência e, mais especificamente, no caso da deficiência visual, trabalhar conteú-

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dos ou atividades que envolvam o Braille, AVD (Atividade de Vida Diária) e OM (Orientação e Mobilidade). Trata-se do que se denomina complementação curricular. Esses conhecimentos também devem ser passados aos professores da escola regular, visto que o processo de aprendizagem da pessoa com deficiência deve transcorrer na sala de aula comum, junto aos demais colegas. O AEE deve configurar um espaço de apoio à inclusão e não o lugar onde a pessoa com deficiência estuda, como acontecia nos modelos educacionais anteriores, de segregação e integração. Na opinião de Carvalho (1997, p. 96), Na verdade o apoio especializado será sempre necessário, seja ao próprio aluno, ao seu professor, principalmente se do ensino regular, ou à sua família. É importante que no projeto pedagógico da escola tais apoios estejam pensados para que se organizem espaços físicos adequados, com horários previstos para os atendimentos.


Falamos da escola regular e do suporte especializado, agora, falta tratar mais detidamente do papel da família na inclusão da pessoa com DV. Cabe à família, inicialmente, levar a criança com baixa visão ou cegueira para os serviços de intervenção/estimulação precoce, visando ao desenvolvimento integral do indivíduo. Em seguida, é papel da família garantir o direito à educação, fazendo a matrícula da criança na escola regular. O acompanhamento do processo de escolarização das crianças, pelos pais ou responsáveis é essencial para o sucesso da inclusão. É a família quem melhor conhece o educando e que, por isso, pode fornecer, ao professor da classe regular e ao professor do AEE, valiosas informações sobre o desenvolvimento da criança com cegueira ou baixa visão. A criança, em geral, leva atividades escolares para lia, nesse momento, é imprescindível. Por isso, os pais ou responsáveis pela criança devem aprender o Braille e aprender a utilizar os demais recursos - a partir do suporte dos professores especializados - para tornar acessíveis as atividades domiciliares, favorecendo, assim, que as aprendizagens ocorridas em sala sejam reforçadas em casa. As modificações nas atividades escolares, incluindo utilização de miniaturas, relevos ou traçados e texturas diferentes, tendem a se tornar um enorme atrativo para as demais crianças, ao invés de significar algum prejuízo. As histórias infantis adaptadas, em geral, são mais interessantes e o fato da criança com DV precisar ter contato com o objeto concreto e poder socializá-lo com a turma torna mais efetiva a aprendizagem de todos, pois, assim como comprovou a teoria piagetiana, a criança precisa da experiência concreta para alcançar futuramente a capacidade de abstração. É inegável a contribuição de um processo inclusivo bem sucedido para a aprendizagem de valores como a solidarie-

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serem feitas no espaço doméstico e a participação da famí-


dade e cooperação entre os alunos, para a melhoria da prática pedagógica e para a evolução paradigmática da sociedade, que rompe com as barreiras excludentes e abraça o desafio de tornar-se mais acolhedora, mais inclusiva e menos preconceituosa. Contudo, a inclusão, ao mesmo tempo em que beneficia a todos da comunidade escolar, também pode desencadear, inicialmente, muita angústia e resistência por parte de professores, alunos e familiares. Esse desconforto - ou até sensação de ameaça - se apresenta devido a inúmeros fatores. Entre eles, está o fato de que a inclusão desvela uma realidade que tem sido caótica no processo educacional dirigido a qualquer criança ou jovem e que se caracteriza, dentre outras coisas, pela supremacia dos conteúdos em detrimento da qualidade do processo de aprendizagem; pela idealização de uma supos-

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ta homogeneidade da turma e a pela rigidez curricular. A formação docente, incluindo o currículo e a estrutura dos cursos destinados a capacitar pessoas na tarefa de educar, são postos à prova, pois o processo inclusivo nos obriga a questionar: Que tipos de escolas e de cidadãos estamos formando em nosso país? O que entendemos por desenvolvimento humano e processos de aprendizagem? Qual é o papel do educador frente aos movimentos de exclusão do outro dentro da escola? Será que é apenas a pessoa com deficiência que não consegue aprender no espaço escolar? Será que é só para ela que a escola tem se mostrado inadequada? Os impasses e lacunas nas políticas educacionais, a precariedade da formação docente e das escolas, a falta de condições básicas de saúde, moradia e alimentação para a maioria das famílias, o desconhecimento das pessoas acerca dos seus direitos, incluindo os direitos à educação pública


e de qualidade... Todos esses aspectos representam um severo obstáculo no alcance do ideal político de uma educação de qualidade para todos. Para todos e não só para as pessoas com deficiência, vale ressaltar! Sem perder de vista a perspectiva histórica e política dos movimentos em busca da inclusão das pessoas com necessidades educacionais especiais, passemos, conforme combinado, a tratar da questão da surdocegueira.

5.2 S urdocegueira: deficiência única ou deficiência múltipla? Você já tinha conhecimento dessa expressão, “surdocegueira”, ou já teve um aluno com esse tipo de deficiência? Algumas pessoas, com certeza, já conhecem esse termo e o que ele significa ou já passaram pela experiência de ensinar um aluno surdocego, mas arriscamos dizer que a grande maioria ainda desconhece essa terminologia. Por isso, vamos iniciar esse tema pela definição do que vem a ser surdocegueira! Diferente da deficiência visual, a surdocegueira envolve comprometimento auditivo associado à cegueira ou baixa visão. Pessoas surdocegas são aquelas que apresentam: • Cegueira congênita e surdez adquirida. • Surdez congênita e cegueira adquirida. • Cegueira e surdez congênita. • Cegueira e surdez adquirida. • Baixa visão com surdez congênita. • Baixa visão com surdez adquirida.

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Durante muitos anos, as pessoas que nasciam com essa condição foram tratadas como pessoas com múltiplas deficiências, mas, com os avanços nas pesquisas e nas formas de tratamento, comprovou-se que a surdocegueira constitui uma deficiência única. Vamos entender melhor o porquê! A surdocegueira é uma deficiência única, com graves perdas visual e auditiva combinadas. Essa condição leva à necessidade de formas específicas de comunicação, para ter acesso à educação, ao lazer, ao trabalho, à vida social etc. (AHIMSA, 2002). Muitas pessoas surdocegas ainda recebem tratamento fragmentado em instituições que atendem às pessoas com deficiência visual e em instituições especializadas em surdez. Isso, em parte, se justifica pela escassez de serviços que aten-

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dam, de modo integral, à pessoa com surdocegueira. O próprio fato da terminologia “surdocegueira” atualmente ser considerada mais pertinente do que a anterior, “surdo-cegueira”, tem uma pretensão subjacente, que é a de se reconhecer que se trata de uma deficiência singular e não da associação de duas deficiências. De acordo com Lagati (1995), essa terminologia está sendo usada, abandonando a palavra “surdo-cego”, em defesa de que a condição imposta pela surdocegueira não é simplesmente a somatória de duas deficiências, mas sim uma dificuldade com características únicas, que deve ser tratada de modo especial, pelas limitações que as pessoas surdocegas têm para contatar o mundo e conseguir inserir-se nele. Em termos de comunicação, esse aspecto único da surdocegueira fica bastante evidente. Você pode estar se perguntando: de que forma? Para se comunicar com a pessoa surdocega, nem sempre será eficaz utilizar LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), visto que ela pode apresentar cegueira ou uma baixa visão severa que impeça visualizar os sinais


típicos dessa forma de comunicação. Nesses casos, recorre-se, muitas vezes, ao que se chama de LIBRAS tátil, pois os sinais são feitos na mão da pessoa surdocega. Por outro lado, com pessoas cegas, conversamos naturalmente, pois apenas o sentido da visão está comprometido, mas, na surdocegueira, se apresenta também a perda auditiva e, em certos casos, a linguagem oral deve ser substituída pela gestual. Então, vamos adentrar no universo das possibilidades de comunicação da pessoa surdocega! Mas, antes, precisamos entender que, em termos de classificação, existem dois tipos de surdocegueira: a pré-linguística e a pós-linguística. Essa diferença implica formas diversas de comunicação e aprendizagem. Agora, vamos compreender melhor o que caracteriza cada uma dessas condições. docego ou adquiriu a surdocegueira em tenra idade, antes da aquisição de uma língua. Isso significa que a criança surdocega pré-linguística terá, em geral, mais dificuldades em adquirir um sistema de comunicação, se uma intervenção adequada não for feita precocemente. É preciso descobrir o potencial de cada indivíduo, entender a melhor forma de se estabelecer uma comunicação com ele e organizar o mundo a sua volta para que ele adquira gradativamente noção do eu e do mundo que lhe cerca. E quais são as formas de comunicação possíveis para o surdocego pré-linguístico? Existem algumas e como o grau de perda visual e auditiva varia de um indivíduo para outro, apenas avaliando o desenvolvimento da criança e oferecendo as diversas possibilidades é que a pessoa surdocega terá a possibilidade de utilizar o recurso que melhor lhe convier. A seguir, são apresentados alguns exemplos de formas de comunicação: • Objetos de referência - São objetos que são apresentados à pessoa surdocega com a finalidade de antecipar

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Surdocego pré-linguístico - É aquele que nasceu sur-


para ela alguma ação ou identificar pessoas e objetos e lugares. Trata-se de oferecer ao indivíduo um objeto real, um símbolo ou uma miniatura que represente a informação que se deseja passar, por exemplo: apresentar sempre à criança uma colher antes das refeições para antecipar a hora de alimentar-se; mostrar à criança uma determinada pulseira, utilizada cotidianamente pela professora, para que ela identifique que é essa pessoa que está interagindo com ela. São estratégias simples, mas que proporcionam um ganho valioso para a criança surdocega, pois o mundo passa a ser mais organizado, evitando a sensação de que as coisas acontecem sempre de forma inesperada, o que, muitas vezes, assusta ou, posteriormente, causa resistência, na criança, em intera-

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gir com as pessoas e os objetos. • Caderno de comunicação - Trata-se de um caderno, em geral, confeccionado pelos professores ou profissionais que atendem à criança, que se compõe de imagens ou elementos concretos para indicar ações e para possibilitar a escolha de atividades pela pessoa surdocega, que pode, por exemplo, optar entre brincar com a boneca ou com o carrinho, ir ao banheiro ou comer. • Demais recursos - Podem ser desenhos; gestos naturais; gestos indicativos; sinais adaptados; movimentos corporais; expressões faciais etc. A pessoa que adquire a surdocegueira após a internalização de uma língua, também conhecido como Surdocego pós-linguístico, pode recorrer a diversas formas de comunicação e sua utilização depende da existência ou ausência de resíduo visual ou auditivo. São exemplos de formas de comunicação possíveis:


• Língua de Sinais Tátil ou em campo reduzido Trata-se da execução da Língua de Sinais na mão do surdocego, possibilitando que ele sinta os sinais e os decodifique tatilmente ou no campo visual preservado. Este tipo de comunicação é indicado principalmente para pessoas que possuem um resíduo visual muito restrito e não dão conta de enxergar os sinais feitos a certa distância ou para as que são cegas. • Escrita na palma da mão - É a reprodução do alfabeto na mão da pessoa surdocega, permitindo que ela perceba tatilmente as letras que estão sendo reproduzidas na palma da sua mão e compreenda a mensagem. • Tadoma - é uma forma de comunicação mais rara, lidade de compreender a fala humana através do posicionamento de sua mão próxima ao queixo ou à boca de quem fala. Alguns surdocegos, inclusive brasileiros, utilizam essa forma de comunicação, em que a vibração e os movimentos causados pela articulação dos sons na fala permitem que a pessoa decodifique as palavras que estão sendo proferidas por outras pessoas. • Demais recursos - Podem ser utilizados a leitura labial; o sistema Braille tátil ou manual; a escrita em tinta; a língua oral amplificada, dentre outros.

Para quem tem interesse de pesquisar mais sobre essas formas de comunicação e sobre o universo da pessoa surdocega, pode acessar os sites de duas instituições que tratam da questão da surdocegueira: o Grupo Brasil e a AHIMSA. http://www.ahimsa.org.br/ http://www.grupobrasil.org.br/

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pois exige que a pessoa surdocega desenvolva a habi-


Agora, vamos complementar nossos estudos acerca desse tipo de deficiência, conhecendo as possíveis causas, pois muitas podem ser evitadas, através de programas de prevenção. • Causas Pré-natais da Surdocegueira: ⁻⁻ Rubéola. ⁻⁻ Citomegalovírus. ⁻⁻ AIDS. ⁻⁻ Herpes. ⁻⁻ Toxoplasmose. ⁻⁻ Sífilis Congênita. ⁻⁻ Síndromes ou malformações congênitas, dentre outras. Educação Especial

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• Causas Perinatais da Surdocegueira: ⁻⁻ Anóxia perinatal (falta de oxigênio durante o parto). ⁻⁻ Medicação Ototóxica (que causa prejuízos ao aparelho auditivo). ⁻⁻ Icterícia, dentre outras. • Causas Pós-natais de Surdocegueira: ⁻⁻ Meningite. ⁻⁻ Sarampo. ⁻⁻ Diabetes. ⁻⁻ Medicação Ototóxica. ⁻⁻ Anóxia. ⁻⁻ AVC, dentre outras.


A inclusão escolar da pessoa surdocega é possível, se garantidos os direitos e as condições necessárias para que ela acesse os conhecimentos trabalhados em sala e participe das atividades escolares.

O aluno precisa sentir-se seguro nesse novo ambiente e adquirir confiança no(a) professor(a) e nos colegas. As aprendizagens que ocorrem em outras crianças por meio da imitação, no caso das crianças surdocegas, precisam ser ensinadas desde o nascimento, de maneira organizada. Muitas vezes, é preciso fazer os movimentos ou as ações junto com a criança para que ela entenda o que se espera dela. O corpo do outro será uma referência inicial, para que, em seguida, o aluno consiga agir de maneira mais independente. A informática tem sido uma forte aliada na inclusão das pessoas com deficiência e não é diferente no caso de alguns indivíduos com surdocegueira, que acessam os conteúdos com a utilização de programas que garantem a acessibilidade digital, como os leitores de tela ou sintetizadores de voz.

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O ingresso de alunos surdocegos na escola exige, de princípio, o cuidado na aceitação do professor pela criança que ainda não o conhece [...] Nesta fase, o mais aconselhável é que o professor receba a criança diretamente do responsável, sempre no mesmo local e horário. Para que o conhecimento comece a ser estabelecido, o professor deverá apresentar-se com marcadores que facilitem a identificação por outros órgãos dos sentidos, tais como: o mesmo perfume, o mesmo colar ou pulseira, dentre outros recursos que poderão tornar-se a marca dessa nova pessoa no mundo da criança que não ouve ou vê (PIRES; BLANCO; OLIVEIRA, 2007, p. 143).


Muitos indivíduos com surdocegueira estudaram e estudam na escola regular e, no contra-turno, recebem atendimentos especializados. Não raro, encontramos pessoas surdocegas inseridas no mercado de trabalho, cursando o nível universitário e/ou inseridos em programas de pós-graduação. As modificações do ambiente para atender às necessidades dessas pessoas são fatores mais determinantes do sucesso no processo de inclusão do que as limitações físicas ou orgânicas que as mesmas apresentam. No entanto, uma efetiva inclusão acontece quando a forma de comunicação específica se estabelece e o potencial do indivíduo é trabalhado. Não se pode tratá-los apenas como deficientes visuais ou como surdos, pois seus modos de conhecer e de se relacionar trazem peculiaridades que precisam ser respeitadas.

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Os níveis de desenvolvimento de pessoas que nascem nessa condição ou a adquirem durante a vida comprovam, cada vez mais, que nosso cérebro e nosso corpo têm um incrível potencial de desenvolvimento e adaptação às exigências do meio. Somos capazes de superar limites, de construir novas formas de relação e interação, enfim, de vencer as barreiras e acessar o conhecimento das mais variadas formas.

SÍNTESE Em nossa quinta unidade, finalizamos as discussões sobre a deficiência visual, enfocando a baixa visão, os recursos ópticos e não ópticos e o processo de inclusão escolar das pessoas que apresentam essa condição visual. Depois, ingressamos no diálogo sobre a Surdocegueira, um tema mais desconhecido para algumas pessoas. Destacamos os tipos de surdocegueira e as causas mais frequentes, além de conhecermos melhor as formas de comunicação das pessoas com surdocegueira. Buscando um encadeamento lógico das ideias


e aproveitando o ensejo de termos discutido questões referentes à perda auditiva, para entender a surdocegueira, em nossa próxima aula, trataremos mais detidamente da surdez. Até lá!

QUESTÃO PARA REFLEXÃO Agora que já conhecemos melhor a realidade das pessoas com deficiência visual e com surdocegueira, vale questionarmos: uma escola que se organiza em torno de um currículo rígido, que cumpre metas preestabelecidas e engessadas de conteúdos a serem trabalhados e que privilegia a comunicação visual pode ser considerada inclusiva para crianças com esses tipos de limitações sensoriais? Reflita sobre a importância da flexibilidade curricular e das variadas formas pois nosso próximo encontro versará sobre isso também.

LEITURAS INDICADAS GOMES, M. Construindo as trilhas para inclusão. Petrópolis: Vozes, 2009. SILVA, A. M. B. Programas funcionais ecológicos para surdocegos congênitos. São Paulo: Associação de Deficientes da Áudio Visão (ADEFAV), 1997.

SITES INDICADOS http://www.institutodecegos.org.br/cip.htm http://www.ahimsa.org.br/ http://www.grupobrasil.org.br/

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de linguagem que podem se estabelecer no contexto escolar,


http://coralx.ufsm.br/revce/ceesp/2001/01/a3.htm http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=860&id=12625&o ption=com_content&view=article

REFERÊNCIAS CARVALHO, R.E. A nova LDB e a Educação Especial. Rio de Janeiro: WVA, 1997. COLE, R. G.; ROSENTHAL, B. P. Remediation and Management of Low Vision. New York: Mosby, 1996. LAGATI, S. Deaf-Blind” or “Deafblind”? International Pers-

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pectives on Terminology. Journal of Visual Impairment & Blindness, may-jun, 1995. LAPLANE, A. L. F. de; BATISTA, C. G. O desenvolvimento e a aprendizagem da criança com deficiência visual. In: GOMES, M. Construindo as trilhas para inclusão. Petrópolis: Vozes, 2009. SIAULYS, M. O. de C.; ORMELEZI, E. M.; BRIANT, M. E. A deficiência visual associada à deficiência múltipla e o atendimento educacional especializado. São Paulo: Laramara, 2010. PIRES, C.; BLANCO, L. de M.V.; OLIVEIRA, M. C. de. Alunos com deficiência física e deficiência múltipla: um novo contexto de sala de aula. In: GLAT, R. Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Rio de janeiro: 7 Letras, 2007.


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A bordagens pedagógicas na educação de pessoas com surdez



Autora: Sheila Uzêda

Olá! Na unidade anterior, conhecemos um pouco da realidade da deficiência visual e da surdocegueira, destacando as peculiaridades da baixa visão, as necessidades especiais oriundas da cegueira, bem como as restrições e as possibilidades de desenvolvimento das pessoas surdocegas. Para isso, abordamos a questão do déficit auditivo, quando associado à perda parcial ou total da visão. Agora, em nossa sexta unidade, trataremos especificamente da perda auditiva, suas várias gradações e implicações para a aprendizagem e socialização do indivíduo.


6.1 D eficiência auditiva ou surdez? Uma questão pra lá de epistemológica! As formas de se denominar ou de se referir à condição da perda auditiva variam a depender do referencial que se adote.

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O que exatamente isso quer dizer? Do ponto de vista clínico, adota-se o termo deficiência auditiva, o que sugere a ocorrência da perda total da audição ou da redução parcial da capacidade de ouvir determinados sons. Strobel e Dias (1995) definem essa deficiência como a ausência, dificuldade ou inabilidade para ouvir sons específicos, sons do ambiente e os sons da fala humana. Há posições controversas sobre esse aspecto, pois muitos autores criticam o modelo clínico-terapêutico, afirmando que, nessa visão, o surdo é considerado uma pessoa que não ouve e, portanto, que não fala, sendo assim definido por suas características negativas, pelo que lhe falta (SKLIAR, 1997). Decorre daí que a intervenção educativa acaba por transfigurar-se em atuação terapêutica e a proposta passa a ser a tentativa de dar ao sujeito o que lhe falta: a capacidade de ouvir e, consequentemente, a fala. Segundo Skliar (1998), subjacente ao modelo clínico, encontra-se a perspectiva de normalização, ou seja, a intenção de corrigir, de normalizar o sujeito. Consequentemente, toda atuação se volta para o objetivo de cura, de correção de defeitos da fala, de priorizar o alcance ou aproximação de um padrão de normalidade, em detrimento


do processo de interiorização de instrumentos culturais significativos, como a língua de sinais. Opondo-se à perspectiva clínica e dentro de um referencial sócioantropológico, opta-se pela terminologia surdez e essa condição é entendida não como deficiência e sim como diferença que deve ser respeitada e aceita.

Aparelho auditivo

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Aparelho_auditivo

A surdez, concebida como condição natural, contraria a ideia de busca pela cura e da representação de que são pessoas inválidas/doentes, que precisam de reabilitação. Mais controversa do que a questão da terminologia a ser empregada para designar esse grupo de pessoas é a proposição de que exista uma cultura surda, ou seja, de que as pessoas surdas e suas formas peculiares de comunicação e de

147 Abordagens pedagógicas na educação de pessoas com surdez

As pessoas com surdez apresentam diferentes graus de perda auditiva, indo desde pessoas com surdez leve, passando por aqueles que com auxílio de próteses readquirem a capacidade auditiva e surdos profundos que não conseguem ou não desejam adquirir a língua oral e só se comunicam através da Língua de Sinais. Além disso, existem surdos nascidos assim e aqueles que adquirem a surdez: antes ou depois de adquirir a língua oral (RAMOS, 2012, p. 1).


linguagem implicam a construção de uma cultura diferente da partilhada pela maioria das pessoas e também pelo núcleo familiar. Alguns grupos de surdos e de estudiosos no assunto defendem a existência de uma cultura surda e a necessidade da convivência entre pares, isto é, a importância das pessoas surdas usufruírem da convivência com outros surdos, a fim de se apropriarem da forma peculiar de comunicação e significação do mundo. O contato com o outro surdo dá a dimensão que possibilita a significação do mundo. Os significados produzidos estão pautados a partir da língua de sinais, assim essa dimensão não é representada no berço familiar, mas sim junto aos outros surdos (QUADROS, 2006, p. 11).

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Entretanto, outras parcelas da população, também constituídas de pessoas surdas e/ou atuantes na área, discordam dessa ideia, por entenderem que o termo cultura abrange aspectos mais amplos do que os linguísticos. Nessa perspectiva, seria necessário que as pessoas surdas construíssem e partilhassem outros elementos (costumes, valores, crenças que vão desde aspectos relativos à culinária até preceitos religiosos próprios) e instrumentos específicos que lhes conferissem a conotação de uma cultura. Rebatendo esse tipo de argumento, autoras como Quadros e Sutton-Spence (2006, p. 10) pregam a existência de um povo surdo. Há diferentes dimensões exaltadas nas produções culturais surdas, entre elas, celebra-se a língua de sinais, o estabelecimento dos olhares e a estética espacial. Essas produções são formas de “empoderamento” da cultura surda.


Essa situação, ambígua e polêmica, é resumida por Machado (2006, p. 47) da seguinte forma: Os que defendem a integração/inclusão baseiam-se nas idéias de igualdade de direitos e de oportunidades e nos supostos benefícios que emergem no contato com os demais alunos. Já os que não concordam com essa posição, fundamentam-se no reconhecimento político da surdez como característica cultural específica de um grupo social.

De acordo com o referido autor, muitos surdos queixamta legal, na realidade, o que acontece nas escolas é a imposição da oralidade e, para muitos surdos que utilizam a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), resta apenas copiar os conteúdos. Novamente, o mesmo questionamento que apareceu em unidades anteriores se apresenta: será que o problema está na perspectiva inclusiva ou na forma como a inclusão tem sido efetivada? Os surdos que hoje defendem a cultura surda e atacam a inclusão assumiriam essa mesma postura se os princípios de equiparação de oportunidades tivessem sido levados a cabo e lhes fosse garantida a presença de intérpretes de LIBRAS em todas as aulas? De acordo com Kroeff (2009), a educação voltada para as pessoas surdas sofreu modificações ao longo dos tempos e três abordagens educacionais foram historicamente delineadas, a saber: o Oralismo, a Comunicação total e o Bilinguismo. A primeira delas, o Oralismo, teve início em 1880 e defendia a ideia de que, trabalhando a oralidade, seria mais viável integrar a pessoa surda na sociedade. A noção de linguagem, para vários profissionais desta filosofia, restringe-se à língua

149 Abordagens pedagógicas na educação de pessoas com surdez

-se de que, a despeito da proposta de inclusão ser uma conquis-


oral [...]. O oralismo percebe a Surdez como uma deficiência que deve ser minimizada através da estimulação auditiva (KROEFF, 2009, p. 169).

Muitos estudiosos e os próprios surdos questionaram esse modelo e, no sentido de quebrar a rigidez imposta pelo Oralismo, outro método foi introduzido nas escolas, denominado Comunicação total. Trata-se de um método auditivo-oral com a utilização de sinais e do alfabeto manual. Defende-se, nessa perspectiva, a recepção das informações por todos os canais ou meios possíveis. Dessa forma, conju-

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ga-se a utilização de gestos, sinais, a amplificação do som etc. com a aprendizagem da língua oral. Essa linha de trabalho visa contemplar tanto as pessoas que têm aptidão para adquirir a oralidade, quanto aquelas que precisam de outras formas de comunicação para aprender e se desenvolver. Entretanto, críticas foram endereçadas a essa forma de educação das pessoas surdas porque não concebia a língua de sinais como a primeira língua do surdo. Nesse sentido, em 1981, foram publicados os primeiros trabalhos que sugeriam o enfoque bilíngue como mais adequado para a educação dos surdos (KROEFF, 2009). Como alternativa ao Oralismo, a Educação bilíngue aparece. Segundo Goldfeld (1997, p. 40), duas modalidades de bilinguismo podem ser identificadas: “aquisição da língua de sinais e a modalidade oral da língua de seu país, posteriormente alfabetizada; aquisição da língua de sinais e a língua oficial do país na modalidade escrita e oral”. Ou seja, em sua opinião, O ideal é que a criança construa dois sistemas conceituais independentes, pois assim ela adquire os conceitos e valores das palavras em oposição às outras palavras da mesma língua, baseados nas características culturais desta lín-


gua, e não criando sinônimos entre as duas línguas (GOLDFELD, 1997, p. 107).

O Bilinguismo instaura a compreensão da língua de sinais como a primeira língua do surdo e, portanto, a majoritária. A língua portuguesa passa a ser a segunda língua e não mais a língua materna. Essa compreensão guarda relação com a luta das pessoas surdas pelo reconhecimento de que existe uma cultura própria.

Contudo, independente dos dilemas instaurados e da posição que cada grupo social assuma, prosseguiremos nas questões que se referem ao desenvolvimento e à aprendizagem dos indivíduos nascidos nessa condição. Oliveira (2008, p. 181), analisando a inclusão de surdos na escola regular, afirma que continuava existindo a separação entre os alunos ouvintes e os surdos, só que a separação deixava de ser fora da escola, para se manifestar dentro do espaço escolar. Os alunos, eles ficavam com um pé no ensino regular e outro pé no ensino especial. Havia, portanto, uma indefinição na situação escolar desses alunos, o que marcava sua condição de deficientes. A análise dessas situações permitiu detectar, na origem, a crença e as expectativas de incapacidade do aluno surdo para a aprendizagem dos conhecimentos veiculados na escola.

O processo de inclusão escolar das pessoas surdas ocorreu diferentemente da inclusão das pessoas com outras

151 Abordagens pedagógicas na educação de pessoas com surdez

Daí a relevância de privilegiar o uso da língua de sinais, tanto para preservar a identidade cultural das comunidades surdas como para favorecer o acesso ao conhecimento sistematizado (MACHADO, 2006, p. 55).


deficiências. Historicamente e até os dias atuais, muitos surdos frequentavam classes especiais ou salas de recursos presentes na escola regular, durante anos, até serem considerados aptos para inserção na classe comum. A singularidade da forma da língua de sinais parece ser o principal argumento para justificar essa segmentação. Ao invés de garantir a presença do intérprete na sala de aula, as escolas, imersas em um cenário de ações políticas precárias, mantêm as pessoas surdas segregadas em salas especiais, sob o refutável argumento de que elas precisam se preparar para frequentar a classe comum. No entanto, na lógica da inclusão, são as escolas e o

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ambiente, num sentido mais amplo, que precisam se adequar, se modificar para atender às necessidades de seus alunos. Mais uma vez, não é o princípio inclusivo que apresenta falhas, mas sim a operacionalização das políticas e das ações educacionais que carecem de fidelidade ao paradigma que sustenta a perspectiva inclusiva. Segundo Bourdieu (1998, p.221), a escola passa a ser vista como “uma espécie de terra prometida semelhante ao horizonte, que recua na medida em que se avança na sua direção”. Em termos de políticos, a Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 1994) incentiva o uso e a oficialização da LIBRAS, porém não define, claramente, as diretrizes para implementação do ensino da Língua Brasileira de Sinais nas escolas regulares. Já no Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que regulamenta a Lei n.º 10.436, de 24 de abril de 2002, esse aspecto aparece mais detalhadamente e a obrigatoriedade do profissional intérprete fica clara, não obstante essa conquista legal ainda não configurar a realidade de muitas escolas no Brasil. CAPÍTULO II DO USO E DA DIFUSÃO DA LIBRAS E DA LÍNGUA PORTUGUE-


Ainda numa perspectiva de conquistas em termos de políticas públicas, em 2010, foi promulgada a Lei nº 12.319, que regulamenta a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS. E para encerrar nossa discussão sobre a educação das pessoas surdas, vale recorrer às pertinentes palavras de Kroeff (2009, p. 173):

153 Abordagens pedagógicas na educação de pessoas com surdez

SA PARA O ACESSO DOS SURDOS À EDUCAÇÃO Art. 8º As instituições de ensino da educação básica e superior, públicas e privadas, deverão garantir às pessoas surdas acessibilidade à comunicação nos processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação. § 1º Para garantir a acessibilidade prevista no caput, as instituições de ensino deverão: I - capacitar os professores para o ensino e uso da LIBRAS e para o ensino da Língua Portuguesa para surdos; II - viabilizar o ensino da LIBRAS e também da Língua Portuguesa para os alunos surdos; III - prover as escolas com o profissional Tradutor e Intérprete de LIBRAS e Língua Portuguesa, como requisito de acessibilidade à comunicação e à educação de alunos surdos em todas as atividades didático-pedagógicas; IV - viabilizar o atendimento educacional especializado para alunos surdos; V - apoiar, na comunidade escolar, o uso e a difusão de LIBRAS entre professores, alunos, funcionários, direção da escola e familiares; VI – flexibilizar os mecanismos de avaliação, na correção das provas escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade linguística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa; VII - adotar mecanismos alternativos para a avaliação de conhecimentos expressos em LIBRAS, desde que devidamente registrados em vídeo [...].


Todas as pessoas surdas são únicas e têm diferenças individuais iguais às dos ouvintes. Os programas educacionais inclusivos efetivos deveriam ser individualizados para satisfazer às necessidades, os interesses e as habilidades de qualquer criança, jovem ou adulto. As habilidades para comunicar vão ser sempre diferentes para cada pessoa.

Agora que levantamos os pontos cruciais das divergências de opinião a respeito da língua e da educação ofertada para as pessoas surdas ao longo da história, vamos tentar entender melhor as situações que levam à perda parcial ou

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total da audição, pois, quanto mais informação se sabe sobre as causas/etiologias, maiores são as chances de preveni-las.

6.2 A spectos etiológicos e prejuízos para audição São vários os fatores que podem acarretar perda auditiva. Dentre eles, destacam-se: • exposição a ruídos e sons de alta intensidade; • surdez decorrente do avanço da idade; • viroses (rubéola, caxumba); • meningites; • determinados medicamentos ou drogas (considerados ototóxicos - que causam prejuízos para audição); • hereditariedade - propensão familiar; • traumas na cabeça;


• doenças cardiocirculatórias; • alterações congênitas; • alergias; • problemas metabólicos; • tumores; • excesso de cera ou de outra secreção no ouvido; • infecções agudas ou crônicas no ouvido (otites); • perfuração timpânica etc. Podem-se classificar os casos de surdez em dois granSurdez neurossensorial - Também conhecida como surdez da cóclea ou do nervo auditivo, é aquela na qual o comprometimento refere-se à parte mais interna do ouvido. Surdez de condução - é aquela que afeta o ouvido médio ou o externo. Anatomia do ouvido humano.

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Anatomia_do_Ouvido_Humano.svg

Abordagens pedagógicas na educação de pessoas com surdez

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des grupos:


Conhecendo as causas e os tipos de surdez, passemos à compreensão dos indícios comportamentais da perda auditiva e as possíveis consequências no âmbito escolar. De acordo com Kroeff (2009, p. 164), são muitas as repercussões, em termos comportamentais, das desordens do processamento auditivo em escolares. Dentre elas, destacam-se:

Quanto à comunicação oral: - problemas de produção de fala envolvendo principalmente os sons /r/ e /l/;

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- problemas de linguagem expressiva envolvendo regras da língua (estrutura gramatical); - dificuldade de compreender em ambientes ruidosos; - dificuldade de compreender palavras com duplo sentido (piada).

Quanto à comunicação escrita: - problemas de escrita, inversões de letras, orientação direita/esquerda; - disgrafias; - dificuldade de compreender o que se lê.

Quanto ao comportamento social: - distraídos; - agitados/hiperativos/muito quietos [...];

Quanto ao desempenho escolar: - inferior em leitura, gramática, ortografia, matemática; - o desempenho escolar pode ser melhorado ou agravado dependendo de fatores, tais como: • Posição do aluno na sala de aula. • Tamanho da classe. • Nível do ruído ambiental. • Fala do professor quanto ao nível de intensidade e clareza da voz [...].


Esses sinais alertam os educadores para a provável ocorrência de problemas auditivos, sem perder de vista, contudo, que outras condições também podem gerar efeitos ou sinais parecidos. Isso implica dizer que nem todo aluno que apresenta disgrafia ou alterações na escrita, por exemplo, tem necessariamente alterações no processamento auditivo. Decorre daí a importância de uma avaliação interdisciplinar do aluno e do encaminhamento para serviços de saúde, quando necessário. Depois de ler essa unidade, faça as leituras recomendadas a seguir, para aprofundar seus conhecimentos sobre a surdez. sobre a deficiência física e a múltipla deficiência. Até mais!

Síntese Em nossa sexta unidade, abordamos a surdez e as implicações para aprendizagem. Discutimos sobre a linguagem de sinais, o oralismo e o bilinguismo e refletimos sobre o processo de inclusão escolar. Para tanto, fomentou-se a discussão sobre as divergências teóricas e práticas nos modos de pensar e educar a pessoa surda e nos conhecimentos historicamente construídos sobre o referido tema. Sendo assim, talvez seja pertinente afirmar que se trata da área da educação especial, que evidencia, de maneira mais acirrada, o debate sobre as díades normalidade X anormalidade, deficiência X condição existencial, habilitação X reabilitação.

Questão para reflexão Diante das explanações sobre as divergências teórico-metodológicas em relação à educação de surdos, cabe, então, elaborar um questionamento:

157 Abordagens pedagógicas na educação de pessoas com surdez

Em nosso próximo encontro, passaremos à discussão


Você concorda com a concepção de que existiria uma cultura surda ou é mais afeito à ideia de que as características específicas relativas à linguagem, por si só, não traduzem a existência de um povo surdo? Reflita sobre essa questão e discuta com os colegas, pois se trata de uma indagação que põe em xeque a forma como a política de inclusão tem sido operacionaliza- da nas escolas, mais especificamente com os alunos surdos.

Leituras indicadas

Educação Especial

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BUENO, J. G. S. A educação do deficiente auditivo no Brasil: situação atual e perspectivas. Aberto, Brasília, ano 13, n. 60, out/dez, 1993. DECLARAÇÃO SOBRE EDUCAÇÃO PARA TODOS. Conferência de Joimtiem, 1990. UNESCO. Declaração de Salamanca. Sobre Princípios, Políticas e Práticas na área das Necessidades Educativas Especiais. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/ arquivos/pdf/ salamanca.pdf. Acesso em: nov.2013. SASSAKI, R. K. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997.

Sites indicados http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_ content&view=article&id=290&Ite mid=816 http://editora-arara-azul.com.br/novoeaa/pesquisas-em-estudos-surdos/


Referências BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação especial. Brasília: MEC/SEESP, 1994. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS e dá outras providências. Brasília: MEC/SEESP, 2005.

te à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. (Orgs.). Escritos de Educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. CARVALHO, R. E. A nova LDB e a Educação Especial. Rio de Janeiro: WVA, 1997. GOLDFELD, M. A criança surda: linguagem e cognição numa abordagem sociointeracionista. São Paulo: Plexus, 1997. KROEFF, A. M. S. Deficiência auditiva/surdez. In: GOMES, M. (Org.) Construindo as trilhas para inclusão. Petrópolis: Vozes. 2009. MACHADO, P. C. Integração/inclusão na escola regular: um olhar do egresso surdo. In: QUADROS, R. M. de. (Org.) Estudos Surdos I. Petrópolis: Arara Azul, 2006. OLIVEIRA, M. A. da C. Práticas de professores do ensino regular com alunos surdos inseridos: entre a democratização do acesso e a permanência qualificada e a reiteração da inca-

159 Abordagens pedagógicas na educação de pessoas com surdez

BOURDIEU, P. A escola conservadora: as desigualdades fren-


pacidade de aprender. In: BUENO, J. G. S.; MENDES, G. M. L.; SANTOS, R. A. dos (Orgs.). Deficiência e escolarização: novas perspectivas de análise. Araraquara: Junqueira e Marin, 2008. QUADROS, R. M.; SUTTON-SPENCE, R. Poesia em língua de sinais: traços da identidade surda. In: QUADROS, R. M. (Org.). Estudos surdos I. Petrópolis: Arara Azul, 2006. RAMOS, C. R. Educação inclusiva x escola bilíngue: uma falsa oposição. Revista virtual de cultura surda e diversidade.

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Disponível em: http://editora-arara-azul.com.br/novoeaa/revista/. Acesso em: nov.2013. SKLIAR, C. La educación de los sordos: una reconstruccíon histórica, cognitiva y pedagógica. Mendonça: EDIUNC, 1997. ______ . (Org.) Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998. STROBEL, K. L.; DIAS, S. M. S. Surdez: abordagem Geral. Curitiba: Apta, 1995.


Abordagens pedagógicas na educação de pessoas com surdez

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(7)

D eficiência física e deficiência múltipla



Autora: Sheila Uzêda

Olá! Nas unidades anteriores, discutimos sobre a deficiência visual, a surdocegueira e a surdez, sendo todas integrantes do grupo das dificuldades ou limitações sensoriais, visto que afetam diretamente os órgãos dos sentidos. Nesta unidade, passaremos a abordar questões relacionadas aos comprometimentos motores, ou seja, trataremos da deficiência física. Diante da prevalência de muitos casos em que o comprometimento motor aparece associado a outras deficiências, daremos enfoque também à deficiência múltipla. Dessa forma, convido você para um passeio pelo universo de possibilidades e restrições vivenciado pelas pessoas com deficiência física ou outros comprometimentos associados. Vamos lá!


7.1 A spectos clínicos e educacionais da deficiência física e da deficiência múltipla Desde o início da nossa disciplina, temos discorrido Educação Especial

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sobre as necessidades especiais a partir de, pelo menos, dois pontos de vista: o clínico e o educacional. Não será diferente nesta unidade. Trataremos das definições clínicas da deficiência física e da múltipla e, concomitantemente, destacaremos aspectos educacionais relevantes, tendo em vista o enfoque no processo de inclusão dessas pessoas. Para começo de conversa, é importante esclarecer que, quando uma pessoa apresenta comprometimento motor apenas, ela é considerada uma pessoa com Deficiência Física (DF). Se tal comprometimento estiver associado a outras limitações ou deficiências, a terminologia mais adequada é Deficiência Múltipla (DMu). No entanto, a Deficiência Múltipla engloba quadros de associação de mais de uma deficiência, ainda que uma delas não seja a deficiência física. O que isso quer dizer, de fato? Para sermos mais específicos, vamos, inicialmente, tentar clarear a compreensão dessas condições, sintetizando algumas ideias. Em seguida, explanaremos, mais detidamente, as diversas formas de definir e conceber essas deficiências. Para ser considerada apenas deficiência física, o comprometimento deve limitar- se ao âmbito da motricidade. Por outro lado, a deficiência múltipla implica a existência concomitante de prejuízos em duas ou mais áreas (cognitiva, motora ou sensorial).


Vamos partir, agora, para as respectivas definições de cada condição, no intuito de favorecer um melhor entendimento a respeito do assunto. Para tanto, exporemos alguns conceitos enunciados por estudiosos nessa área. De acordo com Pires, Blanco e Oliveira (2007, p. 137),

Outra definição, considerada oficial, pois consta no Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, também tem uma visão médica e não sociocultural da deficiência, mas, em todo caso, vale apresentá-la aqui, visto se tratar da conceituação que encontramos na legislação educacional brasileira. A deficiência física é, então, concebida como [...] alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções (BRASIL, 2004, p. 1).

Vemos, a partir dessas definições, que é pertinente incluir, nesse grupo, pessoas com paralisia cerebral causa muito frequente de deficiência física - e com condi-

167 Deficiência física e deficiência múltipla

É denominada deficiência física a perda ou a redução da capacidade de movimento de qualquer parte do corpo. Indivíduos amputados, com hemiplegia (dificuldades motoras em um dos lados do corpo) ou usuários de cadeiras de rodas são exemplos de sujeitos com deficiência física.


ções genéticas que resultem apenas em comprometimento motor, por exemplo. Por falar em paralisia cerebral, cuja abreviatura comumente empregada é PC, vale destacar uma definição bastante clássica, proposta por Bobath (1969, p. 11):

Educação Especial

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Paralisia Cerebral é o resultado de uma lesão ou mau desenvolvimento do cérebro, de caráter não progressivo, existindo desde a infância. A deficiência motora se expressa através de padrões anormais de postura e movimentos associados a um tônus postural anormal.

Dentro desse escopo, existem variações na estrutura e no funcionamento motor, o que leva a quadros diversificados de comprometimentos neuromusculares, que, segundo Silveira e Kroeff (2009, p. 210), podem ser classificados em: Quadriplegia ou tetraplegia: quando afeta todos os membros, braços, pernas, tronco e cabeça, o que torna a criança mais dependente da ajuda de outras pessoas para higiene, locomoção e alimentação. Este tipo de paralisia está geralmente relacionada com problemas que determinam sofrimento cerebral difuso grave, ou malformações cerebrais graves; Triplegia: quando afeta o movimento de três membros, comprometendo membros superiores e inferiores de acordo com a área lesionada; Diplegia: quando afeta ambos os membros inferiores e é quase sempre relacionada com a prematuridade. É uma forma menos grave que a tetraplegia e na grande maioria dos casos, a criança adquire marcha independente antes dos oito anos de idade; Hemiplegia: quando afeta apenas o membro superior e inferior de um dos lados do corpo, por exemplo perna e braço esquerdo. Geralmente


o prognóstico1 motor é regular e adquirem na maioria dos casos marcha2 independente; Monoplegia: quando afeta apenas um membro.

A paralisia cerebral também é conhecida como Encefalopatia Crônica da Infância. E por que essa denominação? Primeiro, denomina-se encefalopatia, porque se trata de uma lesão no encéfalo; segundo, crônica, porque tal lesão não é progressiva, ou seja, a região cerebral afetada continua a mesma, em terceiro lugar, da Infância, porque, para ser considerada paralisia cerebral, a lesão precisa ter ocorrido no período de desenvolvimento, podendo ocorrer intraútero, durante o parto ou após o parto, incluindo toda a infância e, para alguns autores, até a adolescência. Qualquer lesão cerebral que ocorra após essa fase não deve ser considerada Paralisia Cerebral. Gomes e Gomes (2007) reforçam essa ideia quando afirmam que o fator que leva à encefalopatia crônica agiu unicamente em um determinado momento do desenvolvimento cerebral, deixando uma marca ou cicatriz e, portanto, não se trata de um processo patológico progressivo ou em atividade. Outro aspecto que merece destaque e que interessa aos educadores que trabalham ou irão trabalhar diretamente com alunos com deficiência física é a questão cognitiva. Diante das limitações na comunicação (relativas à fala, à capacidade de expressar o que deseja, o que sente e o que está compreendendo de determinada situação) e no movimento (dificuldade de interagir com objetos e com o próprio corpo) evidenciadas pelas pessoas com deficiência física, não raro, elas são erroneamente consideradas como pessoas com atraso cognitivo.

1. Prognóstico refere-se à provável evolução do quadro. 2. A expressão marcha refere-se à habilidade de andar.

169 Deficiência física e deficiência múltipla

não aumentando a lesão à medida que o indivíduo cresce, e,


O comprometimento motor grave pode mascarar a percepção da inteligência normal da criança e atrapalhar a participação dela no âmbito social, emocional, esquema corporal, entre outros, considerando que o funcionamento da criança é único (SILVEIRA; KROEFF, 2009, p. 212).

Ou seja, os educadores devem estar atentos à necessidade de estabelecer formas de comunicação com seus alunos, de

Educação Especial

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maneira a possibilitar que estes expressem seu potencial intelectual, mesmo na ausência da fala propriamente dita. Mais adiante retomaremos esse ponto, a respeito das formas alternativas de comunicação, porque isso diz respeito tanto à deficiência física quanto à múltipla. Para isso, faz-se necessário dar continuidade aos aspectos conceituais dessas condições. Passemos, então, à explanação do que vem a ser a deficiência múltipla. Segundo o Ministério da Educação, essa deficiência pode ser definida como a [...] associação no mesmo indivíduo, de duas ou mais deficiências primárias (mental, visual, auditiva, física), com comprometimentos que acarretam atrasos no desenvolvimento global e na capacidade adaptativa (BRASIL, 2001, p. 17).

Contudo, cabe ressaltar um aspecto importante, tanto em termos conceituais, quanto em relação às formas de atendimento e à educação destinadas a essas pessoas. Trata-se do esclarecimento de que existe um caráter extremamente singular na maneira como as limitações se associam no indivíduo. Isso significa dizer que deficiência múltipla não consiste no somatório de duas ou mais deficiências e, consequentemente, não será somando os recursos ou as adaptações referentes a cada uma das deficiências que se constrói uma proposta de


intervenção terapêutica e/ou educacional para a pessoa com deficiência múltipla. Em suma, É importante ressaltar que a deficiência múltipla não é a soma das deficiências e sim uma organização qualitativamente diferente de desenvolvimento (PIRES; BLANCO; OLIVEIRA, 2007, p. 141).

deficiência física associada à surdez terá características singu-

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lares de desenvolvimento e necessidades educacionais dife-

Deficiência física e deficiência múltipla

Exemplificando, para ficar mais claro, uma criança com

rentes das apresentadas pelas crianças que são apenas surdas ou que apresentam apenas deficiência física. As intervenções terapêuticas ou educacionais não consistem, na maioria das vezes, no resultado da simples soma de recursos utilizados para as pessoas surdas com as adaptações destinadas às pessoas que apresentam limitações motoras. Ou seja, os símbolos gestuais da Língua Brasileira de Sinais precisarão ser adaptados à condição motora da criança e, muito provavelmente, alguns sinais sofrerão modificações importantes ou mesmo serão suprimidos, diante das restrições de movimento decorrentes da deficiência física. Decorre daí que tanto a avaliação quanto a intervenção, direcionadas às pessoas com DMU, devem ser particularizadas. Para alcançar êxito, contribuem enormemente os conhecimentos da família, o autoconhecimento do indivíduo, bem como a experiência da equipe multiprofissional que trabalhará com esse educando. Ainda no intuito de favorecer a compreensão da DF e da DMu, abordaremos os aspectos etiológicos, ou seja, as possíveis causas dessas deficiências e, para tanto, listaremos as causas pré, peri e pós-natais, com base nos estudos de Siaulys, Ormelezi e Briant (2010) e Silveira e Kroeff (2009):


Causas pré-natais (antes do nascimento) • ameaças ou tentativas de aborto; • traumas no abdome; • exposição materna à radiação ou ingestão de substâncias químicas (álcool e drogas); • insuficiência cardíaca, anemia, diabetes e hipertensão maternas;

Educação Especial

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• incompatibilidade sanguínea entre o RH da mãe e do pai; • malformações ou distúrbios genéticos; • infecções na gestação (rubéola, sífilis, sarampo, hepatite, meningite, toxoplasmose) etc.

Causas perinatais (durante o nascimento) • falta de oxigenação durante o parto (anoxia perinatal); • sofrimento fetal; • partos difíceis ou demorados; • imperícia no uso do fórceps (instrumento para retirar o bebê usado durante o parto) e nas manobras obstétricas; • prematuridade (nascimento antes dos 9 meses de gestação); • hipermaturação (quando a criança passa do tempo de nascer) etc.

Causas pós-natais (após o nascimento) • infecções (meningites, encefalites, sarampo etc.); • febre alta ou prolongada; • traumatismo cranioencefálico; • convulsões; • desidratação significativa; • desnutrição severa; • problemas com anestesia; • falta de oxigênio etc.


As crianças que apresentam deficiência física ou deficiência múltipla, em geral, se beneficiam bastante de atendimentos interdisciplinares, envolvendo médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, educadores, psicopedagogos, dentre outros. Essa discussão abre espaço para adentrarmos no contexto das intervenções pedagógicas possíveis diante das necessidades educacionais especiais dos educandos com defiações que favorecem a inclusão escolar e social das pessoas que assim caracterizam.

7.2 Variadas necessidades e algumas possibilidades de intervenções educacionais As restrições enfrentadas pelas pessoas com deficiência física ou com múltipla deficiência podem ser de natureza diversa e representar dificuldades para sua inserção no contexto social. Contudo, se as modificações ou adaptações necessárias forem providenciadas, muitas delas podem participar ativamente da vida em sociedade, salvo algumas exceções, por apresentarem comprometimentos mais graves que resultem em acentuadas limitações na capacidade cognitiva e de interação, ou em agravos na condição de saúde, por exemplo. Tais modificações também devem ocorrer no âmbito escolar. A inclusão escolar é apontada por Vygotsky (1989) como o único caminho para o desenvolvimento social das crianças com deficiência e, nessa perspectiva, desde o início

173 Deficiência física e deficiência múltipla

ciência física ou com deficiência múltipla. Passemos, então, às


do século XX, ele critica a escola especial, que, tradicionalmente, confinou esses indivíduos, dificultando - ou mesmo impedindo - seu convívio na sociedade e, consequentemente, seu desenvolvimento mais pleno. Para esse autor, as crianças deveriam ter a oportunidade de conviver com outras crianças sem deficiência e, para tanto, os muros da escola especial deveriam ser derrubados. Se

Educação Especial

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lembrarmos

Desenvolvimento

do

Proximal

conceito (ZDP),

de

Zona

postulado

de por

Vygotsky (1991), veremos que faz todo o sentido pensar na inclusão das pessoas com deficiência, visto que aprendemos com o parceiro mais capaz, através da mediação e da internalização dos conhecimentos e modos culturalmente produzidos e partilhados. Primeiro, fazemos com o outro para, depois, adquirirmos maior autonomia. As pessoas com deficiência física ou múltipla, em muitos casos, experimentam situações de dependência em relação às outras pessoas e tais situações podem prolongar-se por mais tempo em sua história de vida, devido às limitações motoras e/ou sensoriais. No entanto, não se deve perder de vista que todo e qualquer trabalho educacional deve ter como meta o desenvolvimento global do indivíduo e sua crescente autonomia e independência das atividades de vida diária (AVDs) ou atividades cotidianas. No entanto, sabe-se que nós, humanos, sempre precisaremos, em certa medida, do outro. Acontece que, na deficiência física ou em outras deficiências, a necessidade da ajuda ou de participação do outro parece mais evidente e mais acentuada. Quando existe um comprometimento motor importante e na ausência de recursos ou adaptações físicas, o corpo do outro passa a ser extensão do corpo da criança ou do adulto com deficiência. Você pode estar se perguntando: o que isso quer dizer exatamente? Vamos tentar elucidar essa questão!


Até que uma criança com deficiência física ou múltipla (sendo uma delas a deficiência física, por exemplo) seja capaz de levar, sozinha, uma colher ou copo à boca, ela precisará experimentar inúmeras vezes essa mesma ação, só que feita em parceria com outra pessoa. Os familiares, profissionais especializados e os professores precisarão executar tal movimento, em conjunto com a criança, repetidas vezes, até que ela desenvolva a habilidade de fazê-lo sozinha. Esse constitui o caminho de desenvolvimento de quando trata dos processos de assimilação e acomodação necessários para se alcançar a adaptação às exigências do meio. Interdependência significa ser parte e todo ao mesmo tempo. Isso é o mesmo que autonomia. Como ser relacional, uma parte nossa estará sempre no outro, daí o trabalho de assimilação. Ao mesmo tempo, o outro não pode fazer por nós. Em outras palavras, não fazemos nada sozinhos, mas ninguém pode fazer por nós. Autonomia significa um aperfeiçoamento e construção do que ninguém poderia fazer por nós e simultaneamente em reconhecimento e aprofundamento de que contamos com o outro (MACEDO, 2002, p. 124).

Entretanto, para as crianças com deficiência, a intervenção do outro e a repetição podem ser necessárias por um período maior de tempo ou até mesmo, por toda a vida, quando a condição motora impede uma maior independência do indivíduo. Visando a minimizar essa condição de dependência, muitos instrumentos e recursos foram desenvolvidos ao longo de anos e grandes avanços já foram alcançados no sentido de possibilitar maior autonomia e independência das pessoas com deficiência. Dentre esses recursos, citaremos, a seguir, alguns dos que contribuem enormemente para o desenvolvimento e a participação efetiva das pessoas com deficiência física e com

175 Deficiência física e deficiência múltipla

quase todas as nossas habilidades, como explicita Piaget (1957),


múltipla deficiência, e que englobam áreas como Comunicação, Acessibilidade e Adaptação de material. As dificuldades de comunicação são muito frequentes em pessoas que apresentam essas deficiências, visto que, muitas vezes, a linguagem oral está ausente, processa-se de forma distorcida (implicando em difícil compreensão) ou demora de se desenvolver. Pode-se recorrer a diversos instrumentos ou recursos que possibilitam a comunicação, não obstante a exis-

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tência de limitações motoras, auditivas ou visuais. As formas diferenciadas de comunicação desenvolvidas e destinadas às pessoas com necessidades especiais costumam ser denominadas de Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA). A CAA envolve uma gama de materiais concretos e recursos, bem como softwares especializados que viabilizam a comunicação, mesmo diante de grandes restrições de movimento e verbalização. No site http://www.comunicacaoalternativa.com.br/recursos-na-caa, de autoria da terapeuta ocupacional Miryan Pelosi, você pode encontrar diversos exemplos desses recursos, como os listados a seguir:

RECURSOS DE BAIXA TECNOLOGIA: • Pranchas de comunicação - As pranchas de comunicação podem ser construídas utilizando-se objetos ou símbolos, letras, sílabas, palavras, frases ou números. As pranchas são personalizadas e devem considerar as possibilidades cognitivas, visuais e motoras de seu usuário. Essas pranchas podem estar soltas ou agrupadas em álbuns ou cadernos. O indivíduo vai olhar, apontar ou ter a informação apontada pelo parceiro de comunicação dependendo de sua condição motora. • Eye-gaze - pranchas de apontar com os olhos que podem ser dispostas sobre a mesa ou apoiada em um suporte de acrílico ou plástico colocado na vertical. O indivíduo também pode apontar com o auxílio de uma lanterna com foco convergente, fixada ao lado de sua cabeça, iluminando a resposta desejada.


• Avental - é um avental confeccionado em tecido que facilita a fixação de símbolos ou letras com velcro, que é utilizado pelo parceiro. No seu avental o parceiro de comunicação prende as letras ou as palavras e a criança responde através do olhar.

RECURSOS DE ALTA TECNOLOGIA: • Comunicadores com voz gravada - são comunicadores onde as mensagens podem ser gravadas pelo parceiro de comunicação. • Comunicadores com voz sintetizada - No comunicador com voz sintetizada o texto é transformado eletronicamente em voz. • Computadores - Com o avanço da tecnologia têm surgido novos sistemas de CAA para as pessoas com necessidades especiais como o Classroom, o OverlayMaker, o Comunicar com Símbolos, o Boardmaker, o Invento, entre outros (http://www.comunicacaoalternativa.com. br/recursos-na-caa). São exemplos disso as pranchas de comunicação confeccionadas a partir de programas computacionais, como o Boardmaker etc. As pranchas consistem em instrumentos formados por símbolos (palavras e imagens) que representam ações a serem propostas ou realizadas com e pelas pessoas com deficiência. Existem muitos outros recursos de CAA, entretanto não caberia listá-los todos aqui. Portanto, fica a sugestão de você pesquisar sobre isso, lembrando que o uso de cada recurso deve ser avaliado de forma particularizada para cada pessoa, por profissionais especializados, pois nem todos

177 Deficiência física e deficiência múltipla

• Comunicador em forma de relógio - o comunicador é um recurso que possibilita o indivíduo dar sua resposta com autonomia, mesmo quando ele apresenta uma dificuldade motora severa. Seu princípio é semelhante ao do relógio, só que é a pessoa que comanda o movimento do ponteiro apertando um acionador.


serão úteis ou possíveis de serem manejados por todas as pessoas com deficiência física ou múltipla. Outro direito adquirido e assegurado por lei é a acessibilidade das pessoas com deficiência física ou múltipla aos locais públicos, através de rampas, elevadores e da existência de meios de transporte e banheiros adaptados etc. Símbolo que indica a acessibilidade do local para pessoas usuárias de cadeiras de rodas ou com mobilidade reduzida.

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Fonte: http://www.thinkstockphotos.com/image/stock-photo-blue-handicap-elevator-sign-on-metallic-wall/175979504

Ônibus acessível a pessoas com mobilidade reduzida

Fonte: http://www.thinkstockphotos.com/image/stock-photo-man-in-wheelchair-exiting-bus/TR005954


De acordo com o Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, entende-se como acessibilidade e barreiras à plena circulação e ao acesso das pessoas com deficiência:

As barreiras podem ser barreiras urbanísticas, nas edificações, nos transportes e nas comunicações e informações. Você sabia que a construção de espaços urbanos e de prédios deve obedecer aos padrões de acessibilidade e seguir o que se chama de desenho universal? Desenho universal constitui critérios que devem ser seguidos para se garantir a plena circulação de pessoas com mobilidade reduzida e isso inclui as pessoas com deficiência física, mas também outros segmentos sociais, como os idosos, por exemplo. Agora, vamos tratar da adaptação de material, no âmbito da escola regular. As pessoas com deficiência física ou múltipla, em geral, necessitam de ajustes ou adequações nas atividades pedagógicas, para que o conteúdo fique acessível e para garantir também a realização das atividades. As adaptações são muitas e também precisam ser pensadas e sugeridas após uma criteriosa avaliação das necessidades da pessoa com deficiência e de sua condição motora, pois determinadas adaptações ou materiais utilizados podem levar à fadiga ou mesmo a lesões no indivíduo. Diante disso, fica fácil dedu-

179 Deficiência física e deficiência múltipla

I acessibilidade: condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida; II barreiras: qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento, a circulação com segurança e a possibilidade de as pessoas se comunicarem ou terem acesso à informação [...] (BRASIL, 2004, p. 4).


zir que o uso de recursos que visem a possibilitar o movimento da pessoa ou interfira diretamente na questão motora deve passar por uma avaliação de profissionais especializados, como fisioterapeutas ou terapeutas ocupacionais, dentre outros. A equipe escolar deve entrar em contato com a família e solicitar a orientação de profissionais para que as adaptações sejam úteis e não ofereçam risco à criança ou jovem. Em geral, pessoas com deficiência física ou múltipla frequen-

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tam atendimentos especializados e, se isso não ocorre, a escola também deve sugerir que a família procure esse suporte ou a própria escola pode buscar orientações em instituições públicas, em sua cidade, que ofereçam esse tipo de serviço ou na Secretaria Municipal de Educação. São inúmeros os recursos, que, em geral, facilitam bastante a inclusão das pessoas no contexto escolar. As adaptações do material pedagógico vão desde recursos simples, como prender o papel na mesa, evitando que a criança com comprometimento motor deixe a atividade cair no chão, até recursos mais elaborados que dependem de profissionais especializados, como cadeiras adaptadas para melhorar a postura do aluno em sala. Outros exemplos de adaptações são: • Engrossador de lápis feito com EVA ou com outro material que aumente a espessura - é um recurso importante para melhorar a capacidade de preensão da pessoa com deficiência. • Tesoura com quatro argolas - As duas outras argolas que são acrescentadas podem ser feitas com rolos plásticos, como os que sobram da fita adesiva. Isso permite que a criança use a tesoura junto com outra pessoa, possibilitando que, mesmo com a dificuldade de coordenação motora, ela execute o movimento de cortar.


• Livros adaptados - São livros com personagens em miniatura, colados com velcro e/ou as páginas do livro com velcro nas pontas e na pulseira usada pelo educando para passar as páginas. • Contraste visual das atividades - é preciso melhorar o contraste visual das atividades, visto que algumas pessoas com deficiência múltipla apresentam a baixa visão associada. rio, principalmente quando a escrita com lápis for muito difícil ou mesmo impossível diante da condição motora. O computador também tem se mostrado uma importante ferramenta para a alfabetização das pessoas com deficiência física ou múltipla. quando o aluno não tem controle motor, costuma-se utilizar a colmeia, ou seja, uma proteção no teclado que impede que a pes- soa acione várias teclas ao mesmo tempo. • Adaptação de jogos e brinquedos - Você encontra diversos exemplos disso no livro A deficiência visual associada à deficiência múltipla e o atendimento educacional especializado, de SIAULYS, ORMELEZI e BRIANT ou no seguinte site: http://www.abrinquedoteca.com.br/brinquedotecas3. asp?id=11. Diante de tantas possibilidades, mais uma vez comprovamos que o sucesso do processo de inclusão está, em grande medida, na disponibilidade de buscar soluções e condições para possibilitar a participação das pessoas com deficiência nas atividades e nos espaços sociais e na capacidade de transcender as barreiras e enxergar o potencial das pessoas. Na ausência de recursos adequados de comunicação, interação

181 Deficiência física e deficiência múltipla

• Uso de alfabeto móvel - é um recurso necessá-


e aprendizagem, muitas crianças e muitos jovens com deficiência física ou múltipla são vistos como incapazes ou como cognitivamente debilitados. Entretanto, sabemos hoje que são muitos os caminhos de desenvolvimento e são exitosas as tentativas de investimento no potencial desses indivíduos, porque, mais do que eles, aprendemos muito na convivência, na troca e na ampliação do conhecimento que temos das coisas, das pessoas, enfim, do mundo. 182 Educação Especial

A reciprocidade, a solidariedade e a cooperação devem ser exercidas no cotidiano por se compreender que o que eu faço por outro me beneficia, direta ou indiretamente [...] (MACEDO, 2002, p. 47).

O desenvolvimento das pessoas com deficiência tem provado, a cada dia, que, oferecidas as condições necessárias, não há limite para a capacidade humana de superar adversidades. Como sugestão, visite os sites listados a seguir. Em nossa próxima unidade, convido você a passear pelo instigante mundo dos transtornos globais do desenvolvimento. Até lá!

Síntese Nessa unidade, enfocamos a deficiência física e a deficiência múltipla, bem como as peculiaridades no desenvolvimento neuropsicomotor das pessoas que apresentam essas condições. Depois, adentramos o universo diversificado dos recursos de tecnologia assistiva, que visam a melhorar a participação das pessoas com deficiência na vida cotidiana e escolar, conferindo-lhes maior autonomia e independência.


Questão para reflexão E para encerrar nossa unidade, fica a seguinte mensagem para reflexão e discussão com a turma: “O conhecimento do próximo tem isto de especial: passa necessariamente pelo conhecimento de si mesmo.” (Ítalo Calvino)

BUENO, J. G. S. A educação do deficiente auditivo no Brasil: situação atual e perspectivas. Aberto, Brasília, ano 13, n. 60, out/dez, 1993. DECLARAÇÃO SOBRE EDUCAÇÃO PARA TODOS. Conferência de Joimtiem, 1990. SASSAKI, R. K. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro, WVA, 1997.

Sites indicados http://www.mpdft.mp.br/portal/ http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&vi ew=article&id=290&Itemid=816 http://editora-arara-azul.com.br/novoeaa/pesquisas-em-estudos-surdos/ Rede Saci http://www.saci.org.br/

183 Deficiência física e deficiência múltipla

Leituras indicadas


Acessibilidade Brasil http://www.acessobrasil.org.br/ ABTECA - Associação Brasileira de Tecnologia Assistiva http://www.abteca.org.br/ Bengala Legal http://www.bengalalegal.com

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Clik Tecnologia Assistiva http://www.clik.com.br/ Daud borrachas www.daud.com.br Efeito Visual - Placas em Braille e outros www.efeitovisual.com.br Expansão Laboratório de Tecnologia Terapêutica www.expansao.com Ita Instituto de Tecnologia Assistiva http://www.itaassistiva.com.br/

Referências BOBATH, K. A deficiência motora em pacientes com paralisia cerebral. Petrópolis: Vozes, 1969. BRASIL. Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Constituição da República Federativa do Brasil. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2004.


BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília: MEC/SEESP, 2001. GOMES, S.; GOMES, E. de L. V. Encefalopatias crônicas não evolutivas e disgrafias. In: VALLE, L. E. L. do; VALLE, E. L. R do (Orgs.). Neuropsiquiatria: infância e adolescência. 2. ed. Rio de Janeiro: Walk Ed., 2007.

aprender? In: KOHL, M. L.; SOUZA, D. T. R.; REGO, T. C. (Orgs.). Psicologia, Educação e as temáticas da vida contemporânea. São Paulo: Moderna, 2002. p. 117-134. PELOSI, M. Recursos na CAA. Disponível em: http://www.comunicacaoalternativa.com.br/recursos-na-caa. Acesso em: nov.2013. PIAGET, J. Aprendizagem e conhecimento. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1957. PIRES, C.; BLANCO, L. de M. V.; OLIVEIRA, M. C. de. Alunos com deficiência física e deficiência múltipla: um novo contexto de sala de aula. In: GLAT, R. Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007. (Série questões atuais em educação especial) SIAULYS, M. O. de C.; ORMELEZI,E. M.; BRIANT, M. E. A deficiência visual associada à deficiência múltipla e o atendimento educacional especializado. São Paulo: Laramara, 2010. SILVEIRA, A. M. dos S.; KROEFF, A. M. dos S. Paralisia Cerebral. In: GOMES, M. (org.). Construindo as trilhas para inclusão. Petrópolis: Vozes. 2009.

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MACEDO, L. de. A questão da Inteligência: todos podem


VYGOTSKI, L. S. Fundamentos de defectologia. Obras completas. Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1989. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

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Deficiência física e deficiência múltipla

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A inclus達o de alunos com transtornos invasivos do desenvolvimento



Autora: Sheila Uzêda

Olá! Em nossa última unidade, abordamos o processo de desenvolvimento e de aprendizagem de pessoas com deficiência física e deficiência múltipla. Compreender a deficiência múltipla é essencial para introduzirmos o tema desta oitava aula, pois, em muitos casos, algumas das condições associadas à deficiência física ou sensorial são o autismo, a psicose e determinadas síndromes genéticas. Essas três condições se enquadram no que chamamos de Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID), que, por sua vez, compõem um grupo maior denominado de pessoas com condutas típicas e é sobre isso que discutiremos a seguir!


8.1 A controversa classificação dos quadros de condutas típicas Educação Especial

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Como o título desta seção sugere, estamos diante de um assunto polêmico e de difícil delimitação, pois são muitos os termos e variadas são as classificações dos quadros que envolvem dificuldades ou transtornos associados ao comportamento. Com isso, vamos tentar clarear quais são as pessoas que, em geral, podem ser classificadas como fazendo parte desse grupo. Inicialmente, cabe destacar que a terminologia condutas típicas é um conceito educacional e, portanto, não se trata de um diagnóstico clínico (FERNANDES et al, 2007). Essa terminologia também tem sido discutida e criticada por estudiosos, mas como ainda é encontrada em diversos materiais na área de educação, optamos por utilizá-la aqui. Essa expressão, condutas típicas, inclui alguns quadros, a saber: os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento; os Distúrbios Psiquiátricos e algumas Síndromes Genéticas e Neurológicas. O quadro, a seguir, ilustra as condições em que se enquadram cada um desses grupos, a partir da classificação proposta pelo DSM IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), ou seja, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Trata-se de uma referência mundialmente difundida e amplamente usada por profissionais da área de saúde mental para diagnosticar os quadros que se referem aos transtornos, desordens ou dificuldades relacionadas ao comportamento.


Condutas Típicas Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

Distúrbios psiquiátricos

Síndromes Genéticas e Neurológicas

- Autismo

- Síndrome de Rett

- Esquizofrenia

- Transtorno Desintegrativo da Infância

- Demais Psicoses Infantis

- Síndrome de Williams - Síndrome de West - Síndrome do X-Frágil etc.

- Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra Especificação

Mais adiante, abordaremos essas três categorias, contudo torna-se pertinente, antes, esclarecer melhor alguns pontos. Vamos partir para compreensão dos comportamentos considerados como condutas típicas e, para tanto, recorreremos a alguns autores que se dedicam ao estudo do tema. De acordo com Fernandes et al (2007), o termo condutas típicas refere-se a comportamentos peculiares, evidenciados por crianças ou adultos, e que são bastante diferenciados do repertório de comportamentos esperados para determinada faixa etária, ou seja, tais condutas destoam do esperado para a idade e trazem prejuízos para o processo de desenvolvimento, para a aprendizagem e para a socialização do indivíduo. Esses comportamentos inapropriados podem ser direcionados a si próprios ou às demais pessoas [...]. As crianças e jovens com condutas típicas geralmente têm dificuldade em manter contato visual e podem apresentar fobias [...]. De modo geral, apresentam grande

193 A inclusão de alunos com transtornos invasivos do desenvolvimento

- Síndrome de Asperger


resistência a mudanças, tanto na dimensão espacial (ex.: organização da sala) quanto temporal (ex.: organização da rotina de atividades) (FERNANDES et al, 2007, p. 153).

Explicitando, detalhadamente, essa primeira defini-

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ção, podemos afirmar que os comportamentos inapropriados dirigidos a si mesmo são denominados de condutas autoestimulatórias ou autoagressivas, ao passo que os comportamentos direcionados a outras pessoas são nomeados de condutas heteroagressivas. São exemplos do primeiro tipo de condutas comportamentos, como: ficar movimentando repetidamente o corpo ou partes dele, como agitar as mãos, balançar ou bater a cabeça; bater palmas insistentemente e sem motivo que justifique; morder-se; beliscar-se, dentre outros. Por outro lado, convencionou-se chamar de condutas heteroagressivas os comportamentos da criança ou do jovem que resultam em agressão ao outro (tapas, mordidas, beliscões etc.). As restrições em manter contato visual, apontadas na citação anterior, guardam relação com a dificuldade de muitas pessoas que apresentam condutas típicas em estabelecer relações interpessoais. Tal dificuldade se estende, na maioria das vezes, não somente ao relacionamento com pessoas, mas também à interação com os objetos. Muitas pessoas com condutas típicas manipulam objetos de forma inadequada e/ou brincam sem dar função aos objetos. A capacidade de brincar, tão própria do desenvolvimento infantil, aparece bastante prejudicada nas crianças com condutas típicas e elas acabam por evidenciar uma interação pobre e repetitiva com objetos e brinquedos, sem atribuí-lhes função, ou mesmo, chegando a destruí-los com frequência. Constata-se uma significativa dificuldade em desenvolver o jogo simbólico, ou seja, em simbolizar, em


brincar de faz de conta. E sabemos a relevância do brincar para o desenvolvimento infantil, em termos cognitivos, afetivos e psicomotores. Como nos disse Froebel (1912, p. 55), “[...] o brincar em qualquer tempo não é trivial, é altamente sério e de profundo significado”.

de Fernandes et al (2007) é a resistência à mudança. Podem surgir, imediatamente, duas questões a esse respeito: • O que é essa resistência? • Como isso se manifesta no indivíduo? Na tentativa de responder, seguem os seguintes exemplos: a resistência à mudança refere-se às dificuldades que tem a pessoa com condutas típicas de aceitar a quebra de rotinas, a mudança de ambiente ou modificações no próprio ambiente, a alteração de roteiros - caso já tenha sido avisada sobre os destinos que teria quando saiu de casa, por exemplo. Diante dessas modificações, a criança ou o adulto podem reagir com choro, gritos ou comportamentos agressivos, denotando que se desorganizou frente às mudanças ocorridas. As características descritas aqui, relativas aos comportamentos inadequados evidenciados pelas pessoas com condutas típicas, não compõem exclusivamente o repertório de comportamentos dessas pessoas. Outras crianças e jovens, com ou sem deficiências, podem evidenciar tais comportamentos de maneira eventual ou circunstancial. A diferença, porém, é que tais comportamentos inapropriados se mostram mais frequentes, persistentes e como um padrão comportamental nas pessoas com condutas típicas.

195 A inclusão de alunos com transtornos invasivos do desenvolvimento

O último aspecto sinalizado na referida conceituação


O Ministério da Educação adotou a nomenclatura condutas típicas em 1994 e definiu que faziam parte desse grupo os alunos [...] portadores de síndromes, quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos que ocasionam atrasos no desenvolvimento e prejuízos no relacionamento social, em grau que requeira atendimento educacional especializado (BRASIL, 1994, p. 13-14).

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Vale ressaltar que a terminologia condutas típicas não se aplica a pessoas com dificuldades comportamentais resultantes de problemas disciplinares, da falta de limites ou regras na educação recebida. Trata-se de pessoas com síndromes ou distúrbios graves. Após debater sobre as conceituações do termo condutas típicas, passemos ao entendimento de cada subgrupo que integra essa categoria. Nessa unidade, abordaremos os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento. Na nona unidade, trataremos dos Distúrbios Psiquiátricos e das Síndromes genéticas e Neurológicas, bem como das formas de intervenção pedagógica possíveis e necessárias para viabilizar a inclusão dos alunos com condutas típicas.

8.2 Transtornos Invasivos do Desenvolvimento O termo Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) refere-se à condição que se caracteriza por comprometimentos globais do desenvolvimento, envolvendo prejuízos


na interação social, na habilidade de comunicação, presença de comporta- mentos estereotipados (repetitivos e sem função) e interesses limitados. Como vimos no quadro anterior, são vários os tipos de Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, sendo o autismo o mais conhecido e o mais controverso. Por isso, iniciaremos por

8.2.1 Autismo O termo autismo deriva da expressão grega áutos, que quer dizer “de si mesmo” e foi usado pela primeira vez pelo psiquiatra denominado Bleuler para designar o isolamento afetivo e a introspecção de pessoas com esquizofrenia. Apenas em 1943, outro psiquiatra, chamado Leo Kanner, utilizou tal expressão, referindo-se, de fato, ao autismo infantil. Foi ele o estudioso que primeiro descreveu o autismo. Durante várias décadas, o autismo foi considerado um distúrbio de origem psicodinâmica, ou seja, adquirido ao longo do desenvolvimento. Depois, vieram os estudos e as teorias que defendiam a origem genética do autismo. A influência de fatores genéticos em certo número de casos de autismo não poderia ser negada nem subestimada [...] Convém, por fim lembrar, conforme salientam muitos geneticistas, que aquilo que pode ser hereditariamente transmitido é uma eventual anomalia genética, não uma organização psicopatológica predeterminada e que existe uma interação constante entre a expressão da herança genética e o peso dos dados ambientais (FERRARI, 2007, p. 32).

Existem muitas pesquisas e variadas hipóteses sobre as causas do autismo, porém não existe um consenso, nem uma única explicação que seja possível atribuir a todos os

197 A inclusão de alunos com transtornos invasivos do desenvolvimento

ele e nos dedicaremos a discuti-lo de forma mais detalhada.


casos. Sabe-se, contudo, que o autismo é uma condição complexa e o esclarecimento de sua etiologia (causa) ainda carece de aprofundamentos e novas investigações.

Educação Especial

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O autismo se caracteriza pela presença de um desenvolvimento acentuadamente prejudicado na interação social e comunicação, além de um repertório marcantemente restrito de atividades e interesses. (BRASIL, 2010, p. 15).

Significa dizer que a pessoa com autismo apresenta grandes limitações em três áreas do desenvolvimento, a saber: interação, comunicação e comportamento. Veja, a seguir, de que forma esses prejuízos podem ocorrer: As manifestações desse transtorno variam imensamente a depender do nível de desenvolvimento e idade. Os prejuízos na interação social são amplos, podendo haver também prejuízos nos comportamentos não verbais (contato visual direto, expressão facial, gestos corporais) que regulam a interação social. As crianças com autismo podem ignorar outras crianças e não compreender as necessidades delas. Os prejuízos na comunicação também são marcantes e podem afetar habilidades verbais e não verbais. Pode haver atraso ou falta total de desenvolvimento da linguagem falada. Naqueles que chegam a falar, pode existir prejuízo na capacidade de iniciar ou manter uma conversação, uso estereotipado e repetitivo da linguagem ou uma linguagem idiossincrática (uso peculiar de palavras ou frases não possibilitando entender o significado do que está sendo dito) (BRASIL, 2010, p. 15).

O desenvolvimento da linguagem é um aspecto extremamente diversificado em pessoas com autismo. Ele pode variar desde a ausência completa da fala (mutismo), passan-


do pela manifestação de uma fala repetitiva (ecolalia) e, muitas vezes, descontextualizada, até o desenvolvimento da fala de forma aparentemente próxima do que é esperado para a idade. Além da presença ou ausência de verbalização, existem outros aspectos característicos, em muitas pessoas com autismo, que se referem à qualidade e às formas de expressiO bebê com autismo pode, por exemplo, não evidenciar balbucios ou manifestá-los de forma pouco significativa. Segundo Ferrari (2007, p. 102), Os distúrbios de linguagem propriamente ditos estão sempre presentes, mas quase não podem ser observados antes dos 18 meses, o que não permite um diagnóstico muito precoce. Quando a linguagem se desenvolve, as primeiras palavras são sempre pronunciadas tardiamente, assim como as primeiras frases e o emprego do “eu”.

Aprender a utilizar as expressões “eu”, “meu”, “minha” é algo complexo para algumas crianças autistas. Frequentemente, presenciamos a persistência, ou seja, a manutenção prolongada de frases e expressões, utilizando a terceira pessoa, exemplo: a criança diz “Mariana quer biscoito”, em vez de “Eu quero biscoito”. Outras características da linguagem são descritas a seguir: Quando a fala se desenvolve, o timbre, a entonação, a velocidade, o ritmo ou a ênfase podem ser anormais (ex.: o tom de voz pode ser monótono ou elevar-se de modo interrogativo ao final de frases afirmativas). As estruturas gramaticais são freqüentemente imaturas e incluem o uso estereotipado e repetitivo (ex.: repetição de palavras ou frases, independentemente do significado, repetição de comerciais ou jingles) (BRASIL, 2010, p. 15).

199 A inclusão de alunos com transtornos invasivos do desenvolvimento

vidade da comunicação oral.


É comum encontrar famílias e professores que admiram a capacidade que têm algumas crianças autistas, de repetir precisamente quase toda a programação do rádio ou da televisão. Entretanto, sabemos que nem sempre quantidade representa qualidade. A pessoa pode ter um repertório extenso de palavras ou frases que repete com frequência, mas ser Educação Especial

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incapaz de iniciar ou de continuar um diálogo, de responder ao que é questionado. Muitas vezes, a fala evidencia-se de maneira descontextualizada, ou seja, trata-se de repetir o que ouve, independente do assunto que esteja sendo abordado naquele momento entre as pessoas. É importante sempre atribuir sentido ao que a criança fala e auxiliá-la a ampliar seu repertório verbal, para que consiga, progressivamente, romper com o padrão ecolálico da fala. No que se refere à interação e ao comportamento, a criança com autismo pode evidenciar os seguintes sinais: • indiferença em relação ao rosto e à voz materna ou paterna, falta de interação visual (não troca olhares com o outro), ausência de sorriso espontâneo, denotando uma dificuldade de interação com as pessoas significativas, responsáveis pelos cuidados com a criança. • aparente indiferença à aproximação de pessoas desconhecidas e ausência de angústia ou ansiedade diante da separação de pessoas que normalmente cuidam da criança. • dificuldades psicomotoras - agitação ou calma excessiva (a criança se movimenta muito ou fica imóvel durante um bom tempo); dificuldades com a postura corporal; alterações de tônus muscular etc. • alterações perceptuais - extrema sensibilidade a sons, chegando a se desorganizar emocionalmente;


fixação em determinados estímulos visuais (ex.: fica olhando por horas o movimento do ventilador) ou aparente indiferença a sons e imagens; extrema sensibilidade ao toque ou a determinadas texturas, levando à condutas de evitação, esquivando-se do abraço ou do • distúrbios precoces e acentuados de sono - insônias.

201

• dificuldades alimentares - seletividade alimentar,

A inclusão de alunos com transtornos invasivos do desenvolvimento

toque em algumas superfícies e objetos.

ou seja, não aceita determinados alimentos; dificuldades de sucção etc. • dificuldade em apontar objetos que deseja alcançar - muitas vezes, utiliza a mão da outra pessoa (posicionando-a em direção ao objeto ou mesmo colocando-a sobre ele) para indicar que quer aquele determinado objeto. • interesse compulsivo por determinados objetos fixação em objetos; manipulação inadequada de brinquedos (apenas batendo no chão ou fazendo o mesmo movimento, sem explorar as outras possibilidades de interação com aquele objeto ou brinquedo). • ausência de jogo simbólico, ou seja, incapacidade de atribuir outras funções e significados aos objetos e brinquedos. Trata-se da dificuldade acentuada da criança em brincar de faz de conta, em imitar papéis, em participar de jogos simbólicos etc. Como podemos constatar, existe uma variabilidade grande de comportamentos que podem ser evidenciados pela criança com autismo. Dessa forma, vale ressaltar que nem todas as crianças terão todas essas dificuldades e que a forma como cada pessoa se desenvolve é singular. Por isso,


atualmente, tem-se optado pela nomenclatura Transtornos do espectro Autista (TA), em vez de, puramente, Autismo. Além disso, o ambiente, a qualidade da interação das pessoas com a criança, a intervenção precoce, são condições que interferem no desenvolvimento e na aprendizagem da cada criança. Os avanços dos estudos da Neurociência e da Educação Especial

202

Neuropsicologia são responsáveis por inúmeras descobertas que associam o autismo a alterações em determinadas estruturas cerebrais (córtex cerebral, gânglios basais, hipocampo, amigdala etc.), mas as pesquisas não são conclusivas quanto às suas causas. Ferrari (2007) aponta alguns fatores que contribuem para o desenvolvimento mais favorável de crianças com autismo, subdividindo-os em fatores inerentes à criança e fatores ambientais. São exemplos do primeiro grupo: • Nível intelectual da criança - Se ela não apresenta déficit intelectual precoce, melhor será seu prognóstico, ou seja, maiores serão as possibilidades de desenvolver habilidades esperadas para sua idade e de alcançar um bom nível de adaptação escolar e social, mesmo diante das restrições comportamentais e de interação. No entanto, o que comumente se observa é o comprometimento intelectual, sendo que algumas crianças evidenciam desempenhos elevados em alguns campos específicos (reproduzir a letra da música após ouvi-la apenas uma vez; capacidade de memorização de nomes ou números). Contudo, essas habilidades se restringem a campos que são pouco funcionais no dia a dia da criança, ou seja, essas capacidades elevadas, em geral, não contribuem significativamente para o seu desenvolvimento e adaptação às exigências do ambiente.


• Aparecimento da linguagem verbal antes do quinto ano de vida - Além da presença da fala nos primeiros anos de vida ser considerado um fator favorável ao desenvolvimento, deve-se levar em conta também a qualidade dessa fala, ou seja, a compreensão, o repertório verbal etc. A capacidade de estabelecer uma favorável ao desenvolvimento.

No que tange aos fatores ambientais, o referido autor destaca como condições positivas para o desenvolvimento os seguintes aspectos: • qualidade do acolhimento, do apoio e da participação familiar; • precocidade do diagnóstico e das intervenções; • qualidade dos tratamentos realizados (terapêutico buscando melhora da interação, comunicação e do repertório de comportamentos; educativo - visando maior autonomia e independência da criança; e pedagógico objetivando as aquisições e aprendizagens escolares). Mesmo diante das limitações e características singulares das pessoas com autismo, a inclusão escolar e social continua a ser vista como uma importante experiência que tende a contribuir consideravelmente para o desenvolvimento de habilidades e para a aprendizagem social dessas pessoas. De acordo com Orru (2007, p. 165), A interação social junto a outros alunos, sem a síndrome, permite ao aluno com autismo a possibilidade de aprender e se transformar,

203 A inclusão de alunos com transtornos invasivos do desenvolvimento

comunicação não verbal também constitui um aspecto


Educação Especial

204

diminuindo, ou até mesmo eliminando certos comportamentos por meio da ação mediadora do professor e dos colegas com os quais convive, e pela construção de um novo repertório de ações mais significativas. Estarmos atentos ao ensino individualizado que potencialize as habilidades individuais do indivíduo autista não é equivalente a isolá-lo do convívio com outras pessoas.

Para que esse convívio e interação sejam possíveis, existem diversos recursos e intervenções que podem ser utilizados com o aluno com autismo. Entretanto, cada recurso deve ser construído, avaliado, além de testada a sua eficácia, de maneira individualizada, pois cada pessoa apresenta um desenvolvimento singular e o instrumento ou a estratégia que, por um lado, pode beneficiar significativamente uma criança, às vezes, se mostra ineficaz ou inadequada para outra. No final da discussão sobre os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, serão apresentados alguns desses recursos e métodos de intervenção. Após essa detalhada explanação sobre o autismo, passemos à explicação mais sucinta dos outros tipos de Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, menos frequentes na população em geral.

8.2.2 Síndrome de Asperger A Síndrome de Asperger leva esse nome porque foi descrita, pela primeira vez, em 1944, por um psiquiatra austríaco, chamado Hans Asperger. Ele denominou inicialmente essa condição como psicopatia autística. Sua prevalência é menor do que a do autismo, podendo ocorrer de 10 a 36 casos em 10 mil nascimentos (FERRARI, 2007). Diferenciar o Autismo da Síndrome de Asperger não é uma tarefa fácil. Essa dificuldade se justifica porque a crian-


ça com Síndrome de Asperger apresenta muitas características semelhantes ao autismo. Ela pode evidenciar, por exemplo, certa tendência ao isolamento devido às dificuldades em estabelecer contato social, fixação em determinados objetos e comportamentos estereotipados (repetitivos ou sem função). Diante disso, torna-se pertinente focarmos nos aspecDSM IV, manual citado no início dessa unidade, na Síndrome de Asperger, em geral, a criança não apresenta déficits acentuados na linguagem e no desenvolvimento cognitivo, ou seja, ao contrário da criança autista, que tende a apresentar dificuldades de comunicação e déficit intelectual, a criança com Asperger, em geral, evidencia funcionamento cognitivo dentro do esperado para sua idade ou até mesmo acima da média, somado à boa capacidade de comunicação e adaptação às exigências do meio. Entretanto, algumas crianças com Asperger evidenciam traços característicos de linguagem como utilização inadequada dos pronomes e inadaptação de prosódia, ou seja, alterações relacionadas ao ritmo ou entonação na pronúncia das palavras. Com relação à capacidade de pensar, Ferrari (2007, p. 88-89) afirma que: As crianças acometidas por essa síndrome frequentemente desenvolvem modos de pensamento muito particulares baseados em modalidades de raciocínio pseudológicos, complexos e muitas vezes rígidos, pouco permeáveis às ideias dos outros.

Outra característica muita própria dessa síndrome é o interesse e a curiosidade acentuados por determinados temas ou assuntos, por exemplo: [...] línguas mortas, meteorologia, tabelas numéricas, dinossauros, máquinas, geografia,

205 A inclusão de alunos com transtornos invasivos do desenvolvimento

tos que diferenciam esses dois transtornos. De acordo com o


entre outros. Também podem demonstrar interesses atípicos tais como decorar listas telefônicas, descobrir datas, imitar a fala e maneirismos de outras pessoas, entre outros. O desenvolvimento motor pode ser normal ou atrasado, embora sejam geralmente desajeitados (FERNANDES et al, 2007, p. 159).

Educação Especial

206

E para concluir, cabe destacar que as pessoas com Síndrome de Asperger podem apresentar um desenvolvimento de determinadas funções psicológicas, como memória auditiva e visual, acima da média da população. Passemos, agora, à compreensão da Síndrome de Rett, que, assim como o autismo, implica déficit cognitivo, ao contrário da Síndrome de Asperger, caracterizada pelo funcionamento cognitivo preservado ou acima da média.

8.2.3 Síndrome de Rett Anos após a descrição do Autismo e da Síndrome de Asperger, ocorre a identificação da Síndrome de Rett (SR), em 1966, por Andréas Rett. Confundida durante muito tempo com o autismo, a Síndrome de Rett passou a ser considerada um distúrbio específico, claramente delimitado, por implicar em sintomas peculiares, evolução característica do caso e em formas de tratamento diferenciadas das descritas no autismo (FERRARI, 2007). Além dessas diferenças, existe uma clareza quanto à causa, pois se trata de uma condição determinada geneticamente relacionada ao cromossomo X, como explica Ferrari (2007, p. 91): “Pesquisas recentes identificaram mutações gênicas no âmbito do cromossomo X como responsáveis pela ocorrência dessa síndrome”. Acreditava-se que era uma condição que inviabilizava a vida de meninos afetados e, durante muito tempo, pensou-se que só acometia as meninas.


Sua prevalência é de 1 caso a cada 10 mil nascimentos. Quanto aos sintomas, em geral, as meninas apresentam alterações no desenvolvimento psicomotor, com dificuldades ou perda da capacidade de andar. Vale ressaltar que, nos primeiros meses de vida, o desenvolvimento neuropsicomotor é satisfatório e, por volta do primeiro ou segundo ano, a criança apresenta estagnação ou regressão no desenvolvimento psicomotor. Surgem importantes sinais neurológicos. A utilização das mãos, que até então haviam se desenvolvido normalmente, retrocede e é substituída por estereotipias manuais muito características da síndrome, como esfregar as mãos cruzadas diante do peito ou bater os dentes ou os lábios. Distúrbios neurológicos do tronco e dos membros desenvolvem-se com ataxia, o que compromete o equilíbrio e o andar, tornando-se instáveis. (FERRARI, 2007, p. 90).

Por

outro

lado,

muitos

pesquisadores,

como

Mercadante, Gaag e Schwartzman (2006) discordam da ideia de que o desenvolvimento dessas crianças transcorre normal nos primeiros meses de vida. Para eles, já existem alterações, porém de difícil identificação. Segundo os autores, Ainda que os critérios diagnósticos aceitos hoje em dia sugiram que as crianças com SR apresentam um desenvolvimento normal durante os primeiros anos de vida, evidências atuais

207 A inclusão de alunos com transtornos invasivos do desenvolvimento

No passado, o transtorno era considerado como uma doença dominante ligada ao cromossomo X, letal para os homens, sendo exclusivamente observada entre mulheres. Mais recentemente, poucos casos entre homens foram relatados, ainda que com sinais atípicos e parciais da síndrome (MERCADANTE; GAAG; SCHWARTZMAN, 2006, p. 2).


sugerem que existem sinais sutis de alguma anormalidade já em uma idade bem precoce, incluindo retardo motor discreto, presença de hipotonia muscular e outras alterações motoras (MERCADANTE; GAAG; SCHWARTZMAN, 2006, p. 2).

Educação Especial

208

Os comprometimentos também abrangem a linguagem e o envolvimento social. Nesses aspectos, os sintomas assemelham-se com o espectro autista, podendo ocorrer perda de interesse pelas pessoas e pelos objetos, aparente indiferença, também evidenciada pelo olhar distante, muito embora não ocorra a esquiva de contato visual típica do autismo. A evolução do quadro se dá, frequentemente, com uma estabilização por volta dos 3 anos, não apresentando os sinais autísticos, porém evidenciando comprometimento cognitivo (déficit intelectual), descoordenação motora, ausência de linguagem - mesmo que anteriormente tenha existido - ou sua expressão de forma bastante rudimentar, além de prejuízos significativos na autonomia e interação social. É frequente a presença de epilepsia, podendo se manifestar sob variadas formas de convulsão. Passemos, agora, à caracterização do quarto tipo de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento.

8.2.3 Transtorno desintegrativo da infância Apesar de ter sido identificado há mais tempo do que o Autismo, o Transtorno Desintegrativo da Infância (TDI) é uma condição rara, com prevalência de 1,7 caso em 100.000 nascimentos. Foi inicialmente descrito por Heller, em 1908. Ao contrário da Síndrome de Rett, esse transtorno não se caracteriza por uma perda progressiva ou gradual de funções. As crianças nascidas com essa condição apresentam deficiência intelectual acentuada, epilepsia e/ou outras complicações neurológicas


e mostram-se alheias ou ausentes, evidenciando pouca interação social. Diante disso, seu desenvolvimento é mais limitado do que as crianças que se enquadram no espectro autista (MERCADANTE; GAAG; SCHWARTZMAN, 2006). Encerraremos esta unidade abordando o último grupo que compõe os quadros de TID, mas que não se enquadram

8.2.4 Transtornos invasivos do desenvolvimento sem outra especificação (TID-SOE) Uma última classificação dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento é composta por pessoas que apresentam sinais e sintomas que não se encaixam precisamente nos quatro diagnósticos explicitados anteriormente (Autismo, S. Asperger, SR e TDI). Elas evidenciam características no desenvolvimento que também implicam prejuízos na interação, no comportamento e na comunicação, por isso são considerados como fazendo parte do quadro de TID, mas, como não preenchem todas as condições necessárias para serem classificadas em um dos quatro grupos anteriormente citados, são consideradas pessoas com Transtornos Invasivos do Desenvolvimento Sem Outra Especificação (TID-SOE). Trata-se de um diagnóstico por exclusão, visto que, em geral, as pessoas são assim categorizadas depois de serem excluídas as possibilidades de elas fazerem parte dos grupos de pessoas com Autismo, com Síndrome de Asperger, com Síndrome de Rett ou com TDI. Atualmente, existem diversos subgrupos que compõem o que os pesquisadores denominam de TID-SOE, dentre eles: Transtorno de desenvolvimento múltiplo e complexo; Transtorno de evitação patológica às demandas; Transtorno de prejuízo multidimensional; Transtorno esquizoide infantil; Transtornos de vinculação etc. Não caberia, contudo, descrevê-los todos aqui, mas, caso

209 A inclusão de alunos com transtornos invasivos do desenvolvimento

completamente nos diagnósticos descritos até então.


você tenha curiosidade em saber mais sobre esse assunto, consulte o DSM IV, citado no início desta aula e que se encontra disponível na internet, ou leia, na íntegra, também pela internet, o artigo de Mercadante, Gaag e Schwartzman (2006), cujas informações bibliográficas completas estão disponíveis no final dessa unidade, no item Referências. Educação Especial

210

Agora que você já conhece mais detidamente as condições que integram os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, daremos continuidade à discussão sobre condutas típicas, enfocando, na próxima unidade, os Distúrbios Psiquiátricos e as Síndromes genéticas e Neurológicas. Só então poderemos abordar, com mais propriedade, as formas de intervenção terapêuticas e pedagógicas cabíveis e discutir o processo de inclusão dos alunos com condutas típicas. Até o nosso próximo encontro!

Síntese Em nossa oitava unidade, introduzimos a discussão sobre os quadros de condutas típicas, debatendo um pouco sobre a polêmica que existe a respeito das terminologias empregadas e das classificações. Em seguida, apresentamos cada condição que faz parte do que denominamos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, suas peculiaridades comportamentais. A fim de dar continuidade à discussão sobre as condutas típicas, na próxima unidade, descreveremos as outras condições que integram esse grupo e trataremos das questões relativas ao processo de inclusão escolar dessas pessoas.


Questão para reflexão Você sabia que o dia 02 de abril foi escolhido como o Dia Mundial da Conscientização do Autismo? Veja a frase, a seguir, e reflita sobre o seu papel de educador(a) diante da construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. a um país; é um desafio mun- dial que requer ação global” (Disponível em: http://www.revistaautismo.com.br. Acesso em: nov.2013).

Leituras indicadas BRIDI, F. R. S.; FORTES, C. C.; BRIDI FILHO, C. A. Educação e autismo: as sutilezas e as possibilidades do processo inclusivo. In: ROTH, B. W. (Org.) Experiências educacionais inclusivas: Programa de educação inclusiva: direito à diversidade. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/ seesp/arquivos/pdf/experiencias%20inclusivas.pdf.

Acesso

em: nov.2013. DECLARAÇÃO SOBRE EDUCAÇÃO PARA TODOS. Conferência de Joimtiem, 1990. ORRú, S. E. A formação de professores e a educação de autistas. Revista Iberoamericana de Educación (Online), Espanha, v. 31, p. 01-15, 2003. Disponível em: http://www.rieoei. org/deloslectores/391Orru.pdf . Acesso em: nov.2013. SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997.

211 A inclusão de alunos com transtornos invasivos do desenvolvimento

“O Autismo não está limitado a uma única região ou


Sites indicados http://www.ama.org.br http://www.ama-ba.org.br

Educação Especial

212

http://www.afaga.com.br/afaga01.htm http://www.autismo.com.br/principal.php http://www.rieoei.org/deloslectores/3459Orru.pdf

Referências BRASIL. Política Nacional de Educação Especial. Brasília: MEC/SEESP, 1994. BRASIL. A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar: transtornos globais do desenvolvimento. Brasília: MEC/SEESP, 2010. FERNANDES et al. Alunos com condutas típicas e a inclusão escolar: caminhos e possibilidades. In: GLAT, R. Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Rio de janeiro: 7 Letras, 2007. FROEBEL, F. The pedagogics of the kindergarten. His ideas concerning the play and playthings of the child. Ed. Harris, Trad. Josephine Jarvis. Nova York: D. Appleton, 1912. MERCADANTE, M. T; GRALL, R. J. V. der; SCHWARTZMAN, J. S. Transtornos invasivos do desenvolvimento não-autísticos: síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da


infância e transtornos invasivos do desenvolvimento sem outra especificação. São Paulo: 2006. PIERRE, F. Autismo Infantil: o que é e como tratar. São Paulo: Paulinas, 2007.

no cotidiano escolar. Rio de Janeiro: WAK, 2007.

213 A inclusão de alunos com transtornos invasivos do desenvolvimento

ORRÚ, S. E. Autismo, linguagem e educação: interação social



(9)

A inclusão de alunos com distúrbios psiquiátricos, síndromes genéticas e neurológicas



Autora: Sheila Uzêda

Olá! Na unidade 8, iniciamos a discussão sobre a inclusão de pessoas com condutas típicas e, dentro desse quadro, abordamos mais especificamente os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID). Diante da complexidade e extensão do que se denominam condutas típicas, dividimos esse tema em duas unidades e, para concluir o assunto, trataremos, agora, em nossa penúltima unidade, os dois outros grupos que compõem o quadro de condutas típicas: as pessoas com distúrbios psiquiátricos e os indivíduos com Síndromes Genéticas e Neurológicas. Vamos lá!


9.1

Educação Especial

218

O s distúrbios psiquiátricos e as repercussões para o desenvolvimento e a aprendizagem Para início de conversa, vamos retomar o quadro que disponibilizamos na unidade anterior, a fim de relembrar a categorização das condutas típicas. Condutas Típicas Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

Distúrbios psiquiátricos

Síndromes Genéticas e Neurológicas

- Autismo - Síndrome de Asperger - Síndrome de Rett

- Esquizofrenia

- Transtorno Desintegrativo da Infância

- Demais Psicoses Infantis

- Síndrome de Williams - Síndrome de West - Síndrome do X-Frágil etc.

- Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra Especificação

Vale lembrar que, atualmente, a terminologia condutas típicas tem sido questionada. Em documentos legais de educação mais recentes, como a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2008, utiliza-se a expressão Transtornos Globais do Desenvolvimento para


referir-se aos transtornos do espectro autista e à Psicose Infantil. Precisamos frisar que mais importante do que aquecer a discussão sobre as nomenclaturas é compreender cada condição e Feito isso, vamos começar entendendo o que vêm a ser os distúrbios psiquiátricos e quais as pessoas que podem ser incluídas nessa categoria. Distúrbios Psiquiátricos Durante muitos anos, na história da psiquiatria, o autismo foi considerado como sinônimo de psicose infantil. Mas com a evolução dos estudos e pesquisas nessa área, muitos autores, mesmo considerando o autismo um tipo de psicose, passaram a conceber a existência de outras formas de psicose infantil. Entretanto, o autismo e as demais psicoses infantis são condições que se aproximam em termos de sinais e sintomas, o que, muitas vezes, torna difícil diferenciá-los ainda na infância. Dentro do que, atualmente, são considerados distúrbios psiquiátricos, destacam-se a psicose infantil e a esquizofrenia, sabendo-se, contudo, que existem variações e gradações diversificadas em cada uma dessas categorias. Segundo Fernandes et al (2007, p. 159), O conceito de condutas típicas também inclui alunos com diagnóstico de esquizofrenia ou outras psicoses. Nestes casos há presença de delírios ou alucinações visuais, olfativas, gustativas e cinestésicas que, em geral, ocasionam completa desorganização da personalidade, interferindo na percepção e compreensão da realidade.

A criança com comportamentos que sugerem um distúrbio psiquiátrico deve ser avaliada por um psiquiatra infantil ou por um neuropediatra, que são as especialidades médi-

219 A inclusão de alunos com distúrbios psiquiátricos, síndromes genéticas e neurológicas

refletir sobre as possibilidades de intervenção pedagógica.


cas mais indicadas para esclarecer esse diagnóstico. Mas, quais são os comportamentos sugestivos de um quadro dessa natureza? A seguir, serão listados alguns deles, sem perder de vista,

Educação Especial

220

é claro, que cada criança se desenvolve de forma singular e que cada contexto de desenvolvimento é peculiar, particularizado. De acordo com Ferrari (2007), a criança psicótica evidencia os seguintes sinais: • notória dificuldade no início da escolarização, sendo que a criança manifesta comportamentos que dificultam sua adaptação às exigências do ambiente escolar; • ansiedade intensa e frequente, que se manifesta de diversas formas, tais como: angústia de separação, traços depressivos, fobias diversas, medo de morrer etc.; • frágil contato com a realidade e frequente ruptura com a mesma, podendo ocorrer episódios de delírio e/ ou alucinação; • atitudes de retraimento social e dificuldade de interação com outras pessoas. Por fim, Ferrari (2007, p. 76) destaca que, em alguns momentos, os processos de pensamento podem se mostrar confusos, desorganizados pela interrupção de intensos afetos e o que ele chama de “[...] representações fantasmáticas de grande crueza. Há risco de confusão entre o mundo interior invasivo e o exterior”. Um estudo longitudinal realizado por Misès (1993), com 45 pessoas, levantou achados importantes sobre a evolução de crianças com psicose infantil. Segundo a referida pesquisa, das 22 crianças com esse diagnóstico, a maioria desenvolveu uma linguagem que permitia comunicação, 13 tiveram um aumento do desempenho intelectual e puderam


ter acesso a atividades de trabalho em ambientes assistidos, apesar de preservarem alguns comportamentos imaturos e demonstrarem certa dependência em algumas atividades. evolução desses quadros se mostra positiva em vários aspectos importantes, como a linguagem e o desempenho de tarefas cotidianas. Vale ressaltar que não devemos confundir distúrbio psiquiátrico (também denominado, muitas vezes, de doença mental) com deficiência intelectual. As pessoas que apresentam distúrbios psiquiátricos não necessariamente têm déficit cognitivo. Sua inteligência pode estar preservada e os prejuízos na escolarização decorrem, em grande medida, dos comprometimentos relacionados ao comportamento, ao contato com a realidade e ao estabelecimento dos vínculos sócioafetivos. A deficiência intelectual, por sua vez, implica prejuízos leves ou acentuados na cognição, resultando em dificuldades para aprender os conteúdos escolares e, muitas vezes, em atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor e dificuldades de adaptação. Veremos esse tema, com mais propriedade, na nossa próxima unidade. Dentre as formas que assumem os distúrbios psiquiátricos, podem existir, ainda, quadros de desarmonia psicótica, esquizofrenia, carências afetivas e depressões infantis precoces. Sobre esses últimos, Ferrari (2007, p. 92) afirma: Carências afetivas e depressões infantis precoces: os estados de carência afetiva graves e precoces podem vir acompanhados de síndromes depressivas (depressão anaclítica). Esses distúrbios depressivos precoces e severos podem ser seguidos por sintomas de comportamento autístico com retraimento e estereotipias do tipo balanço do corpo. Decorrentes de privação relacional, esses distúrbios são em geral regres-

221 A inclusão de alunos com distúrbios psiquiátricos, síndromes genéticas e neurológicas

Isso significa que, apesar da dificuldade comportamental, a


sivos e podem desaparecer se a criança for colocada em condições afetivas satisfatórias.

Educação Especial

222

Com isso, podemos constatar a importância do ambiente e da qualidade das interações sociais para o desenvolvimento psíquico saudável. Além disso, podemos depreender da afirmação acima que modificações no contexto de desenvolvimento da criança auxiliam na remissão (desaparecimento) de alguns sintomas. E isso significa que as dificuldades psicoafetivas e comportamentais vivenciadas por crianças, nos primeiros anos de vida, decorrentes de privação ou carência afetiva, não representam um destino irremediável. Não é porque uma criança teve, nos seus primeiros anos de vida, um ambiente sócioafetivo pouco estimulador, ou mesmo desfavorável, que sua trajetória de desenvolvimento será marcada por fracassos e por desorganização psíquica. Cada pessoa tem sua forma de elaborar as experiências vividas e pode trilhar um caminho de resiliência, ou seja, de superação, apesar das adversidades. No que tange ao segundo quadro de distúrbio psiquiátrico, cabe explicitar que a palavra esquizofrenia significa cisão da mente. Essa cisão pode atingir várias funções psíquicas, tais como pensar e sentir, provocando uma desintegração da personalidade. São sintomas comuns na esquizofrenia: Distorções ou exageros • do pensamento inferencial (delírios); • da percepção (alucinações); • da

linguagem

e

comunicação

(discurso

desorganizado); • do monitoramento comportamental (comportamento amplamente desorganizado ou catatônico - apático).


Restrições na amplitude e na intensidade • da expressão emocional (embotamento afetivo aparente indiferença ao outro, ausência de respostas, • da fluência e produtividade do pensamento (dificuldade de elaborar o pensamento e processá-lo); • da iniciação de comportamentos dirigidos a um objetivo (pouca iniciativa). A esquizofrenia, em geral, inicia-se a partir do final da adolescência ou na vida adulta, porém existem relatos de casos raros em que o distúrbio se evidenciou ainda na infância. Diante dessas considerações a respeito da identificação e caracterização dos distúrbios psiquiátricos, passemos a reflexão sobre a inclusão dessas crianças e adolescentes no ambiente escolar. A escola, enquanto contexto de desenvolvimento, e a convivência com outras crianças, em geral, mostram-se bastante relevantes para o desenvolvimento e a aprendizagem de crianças com distúrbios psiquiátricos, em especial para aquelas que evidenciam quadros de carência afetiva e depressão precoces, visto que a escola possibilita o estabelecimento de novos vínculos, auxilia na aprendizagem de comportamentos esperados para a idade e estimula a comunicação e a internalização de regras e valores socialmente partilhados. Integrar as crianças psicóticas num projeto escolar e adaptar-lhes as atividades pedagógicas representam uma necessidade absoluta que responde a uma expectativa legítima das próprias crianças e, principalmente, dos pais e da sociedade (FERRARI, 2007, p. 165- 166).

223 A inclusão de alunos com distúrbios psiquiátricos, síndromes genéticas e neurológicas

pouco contato visual e linguagem corporal reduzida);


Toda família tem o desejo de ver seu filho indo para a escola, dentre tantos outros motivos, porque a instituição escolar tem um papel central em nossa sociedade.

Educação Especial

224

Assim, o trabalho constitui um eixo norteador da construção identitária, na vida adulta. Estar na escola representa bem mais do que aprender a ler e escrever. Significa fazer parte da sociedade, estar inserido num grupo, construir um sentimento de pertença. Representa, muitas vezes, o único ambiente “saudável” que aquela criança frequenta. Enfim, estar na escola e ter seu ritmo de aprendizagem respeitado favorecem não apenas a aquisição de conteúdos, conceitos e habilidades, mas também a formação de pessoas que partilham valores, comportamentos, visões de mundo e que, nessa troca, constroem, conjuntamente, a sua identidade. De agora em diante, vamos discutir a respeito das alterações genéticas e neurológicas que podem ocasionar síndromes e, por conseguinte, repercutir, de maneira singular, no desenvolvimento de crianças e jovens.

9.2 S índromes genéticas ou Neurológicas Algumas pessoas nascem com alterações genéticas e/ ou neurológicas que trazem implicações comportamentais ou relativas ao funcionamento cognitivo. Por isso, cabe abordá-las aqui, enfocando, mais detidamente, os recursos e as adaptações pedagógicas que visam favorecer o processo de inclusão escolar. Passemos, então, à primeira delas!


9.2.1 Síndrome do X-Frágil Um dos casos mais expressivos de síndromes genéticas, que constitui a segunda causa genética mais frequené a síndrome do X-Frágil. Você já conheceu alguém com esse diagnóstico? Você sabe do que se trata? Vamos esclarecer, então, em que consiste esse distúrbio gênico. Segundo Moreira (2003, p. 158), As principais características clínicas da síndrome do X-Frágil são o retardamento mental em graus variáveis e sinais crânio-faciais como face alongada e estreita, orelhas grandes e salientes, palato alto, queixo proeminente, macrocefalia [...] Comumente verifica-se hiperextensibilidade das articulações e problemas de atenção, associados à hiperatividade.

Em outras palavras, são pessoas que apresentam, em geral, deficiência intelectual, desatenção e hiperatividade, aumento do perímetro cefálico (ou seja, aumento da dimensão do crânio) e características físicas, como as citadas anteriormente. Em 50% a 70% das mulheres afetadas, não ocorre o déficit intelectual. Pode ocorrer ainda dificuldade em estabelecer contato visual e presença de comportamentos estereotipados (repetitivos e sem função) como agitar as mãos. Tal síndrome decorre da existência de uma região frágil no cromossomo X (região Xq27), gerando uma mutação que é transmitida hereditariamente de pais para filhos (MOREIRA, 2003). Mesmo diante dessas limitações, as crianças nascidas nessa condição são capazes de aprender, apesar do ritmo diferenciado, de desenvolver determinadas habilidades, de conviver socialmente. Por isso, estar incluído na escola é um fator propulsor do seu desenvolvimento e configura uma rica

225 A inclusão de alunos com distúrbios psiquiátricos, síndromes genéticas e neurológicas

te de deficiência intelectual, depois da síndrome de Down,


oportunidade de adquirir comportamentos e habilidades socialmente partilhados.

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9.2.2 Síndrome de West Dentre os quadros neurológicos, a síndrome de West constitui uma forma grave de epilepsia em crianças. Em geral, se manifesta entre o terceiro e o décimo segundo mês de vida e, em 80% dos casos, é secundária a outros problemas, por exemplo: quando decorre de encefalites virais, de traumatismo durante o parto, de anóxia no parto, de toxoplasmose etc. Os meninos são mais afetados do que as meninas, ocorrendo em uma proporção de 3 meninos para 2 meninas. A síndrome recebe esse nome em homenagem ao médico inglês, William James West, que foi quem primeiro a descreveu, em 1841. De acordo com o estudo de Morandi e Silveira (2007, p. 1), A Síndrome de West é definida como uma síndrome neurológica, e é um tipo raro de epilepsia que causa convulsões, chamadas de mioclonias, podendo ser de flexão ou de extensão, mais comumente encontrada de flexão [...] A criança pode mostrar reações como riso ou choro durante as crises. O portador desta síndrome apresenta uma tríade de sintomas: os espasmos infantis, retardo do DNPM e hypsarritmia (súbitas eclosões de atividades elétricas algumas com alterações de alto potencial no eletroencefalograma). Geralmente, aparece no lactente menor de um ano, tendo pico de incidência entre três a sete meses de idade. Há predominância masculina.

Trata-se de um tipo mais grave de epilepsia, de difícil controle, mesmo mediante o uso de medicações anticonvulsivantes e tende a comprometer as possibilidades de comunicação.


As crianças que apresentam essa síndrome, em geral, evidenciam comprometimento motor e, semelhante às crianças com paralisia cerebral, elas também podem se beneficiar de deficiência física e múltipla, tais como: pranchas de comunicação alternativa, adaptações no computador para torná-lo acessível e outros recursos que também trataremos mais adiante.

9.2.3 Síndrome de Williams Essa síndrome constitui uma desordem genética e também é conhecida como síndrome Williams-Beuren, em alusão aos nomes dos dois médicos que a descreveram: Dr. J.C.P. Williams, em 1961, na Nova Zelândia, e Dr. A. J. Beuren, em 1962, na Alemanha. É uma condição popularmente caracterizada por “faces de gnomo ou fadinha”, pela presença de sinais e sintomas como nariz pequeno e empinado, lábios cheios, dentes pequenos e sorriso frequente. Além dessas características físicas, a síndrome, em geral, resulta em atraso no desenvolvimento motor e da linguagem verbal, sendo que, por outro lado, as crianças evidenciam facilidade para aprender rimas e canções e boa memória auditiva. Elas apresentam, comumente, dificuldades em executar atividades que exijam coordenação motora, a exemplo de cortar, desenhar, amarrar o sapato, andar de bicicleta etc. (SILVA, 2012). Trata-se de uma condição relativamente rara, na qual está presente o atraso no desenvolvimento cognitivo e psicomotor. A síndrome de Williams (SA) é caracterizada por Tobias-Machado et al (1998, p. 683-684) da seguinte forma: 1) problemas cardiovasculares, especialmente a estenose aórtica supravalvar ou estenose da artéria pulmonar; 2) dificuldade precoce de alimentação/irritabilidade; 3) dificuldades de

227 A inclusão de alunos com distúrbios psiquiátricos, síndromes genéticas e neurológicas

algumas adaptações pedagógicas sugeridas na unidade 7, sobre


aprendizado; 4) baixo desenvolvimento estatural; 5) hipercalcemia; 6) personalidade excessivamente social (“frequentador de coquetel”); 7) perda dentária/má oclusão. Estudos recentes indicam que a maioria dos pacientes com a síndrome de Williams apresenta deleção do braço longo do cromossomo 7, com perda do gene responsável pela produção de elastina e talvez de outros genes vizinhos.

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Diante desses sintomas, interessa a nós educadores, em especial, as dificuldades de aprendizagem evidenciadas pelas crianças com essa síndrome. E, após concluir a explanação sobre os distúrbios psiquiátricos e as síndromes genéticas e neurológicas, vamos enfocar mais precisamente as possibilidades de intervenção e os recursos que podem ser utilizados no trabalho educativo com alunos que apresentam condutas típicas.

9.3 R ecursos e formas de intervenção Seguem alguns exemplos de recursos, métodos ou estratégias que, em geral, são utilizadas no processo educacional de pessoas com condutas típicas: • Comunicação Suplementar e/ou Alternativa - Faz parte do que chamamos de Tecnologias Assistivas e consiste em ferramentas que possibilitam a comunicação entre as pessoas, mesmo na ausência da linguagem verbal. Falamos sobre ela na unidade 7, quando abordamos os recursos utilizados para favorecer a comunicação com pessoas com deficiência física ou múltipla.


A pessoa com autismo, em geral, tem uma comunicação que perpassa bastante o aspecto visual, pela própria dificuldade que tem de apreender a linguagem comunicação com símbolos e imagens representando ações, objetos, ideias, pois, dessa maneira, a criança consegue indicar o seu desejo, sem precisar necessariamente da oralização. Orru (2007, p. 159) resume o termo Comunicação Suplementar e/ou Alternativa da seguinte forma: [...] é utilizado para definir outras formas de comunicação como o uso dos gestos, língua de sinais, expressões faciais, o uso de pranchas de alfabeto ou símbolos pictográficos, até o uso de sistemas sofisticados de computador com voz sintetizada.

Existem muitos programas de comunicação Suplementar e/ou Alternativa, dentre eles, podem-se destacar o Core Picture Vocabulary, Picture Communication Symbols (PCS), Pictogram Ideogram Communication, PICSYMS, entre outros. Se você tiver interesse em se aprofundar nesse tema, visite os sites indicados na unidade 7, que tratam desses diversos recursos. • Adaptação de material e mobiliário - Os profissionais (fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais etc.) e as instituições especializadas devem avaliar a condição motora da criança e, caso seja pertinente, adaptar o mobiliário, ou seja, adaptar cadeiras, mesas e instrumentos, para que as crianças com dificuldades motoras associadas tenham condição de realizar as atividades.

229 A inclusão de alunos com distúrbios psiquiátricos, síndromes genéticas e neurológicas

verbal. Portanto, torna-se útil o uso de pranchas de


Às vezes, tais adaptações são extremamente simples, como, por exemplo, engrossadores de lápis, feitos de EVA, em que lápis, pincel ou hidrocor são colocados

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dentro de um tubo mais espesso para facilitar que a criança segure com firmeza e possa escrever, desenhar e pintar. Crianças com dificuldades motoras decorrentes da síndrome de West, por exemplo, podem se beneficiar de pranchas acopladas nas cadeiras para facilitar o manuseio dos objetos e atividades. • Utilização de objetos concretos - Para as crianças com atraso cognitivo ou dificuldades de aprendizagem (comuns nos TID, nos distúrbios psiquiátricos e na síndrome de Williams, por exemplo), a utilização de objetos concretos associados às palavras e aos textos colabora para compreensão do que está sendo trabalhado. Ou seja, em atividades como o conto e o reconto de histórias infantis, é válido oferecer objetos que representem os personagens ou elementos da história, para que a criança parta do concreto, em busca de uma simbolização cada vez mais frequente. • Antecipação das atividades e ações - Garantir a sinalização ou comunicação antecipada das atividades que serão realizadas pela ou com a criança auxilia, demasiadamente, na redução da ansiedade e na capacidade de autocontrole pelo aluno. Isso quer dizer que, para criança que apresenta dificuldades comportamentais, tais como as observadas no autismo, na psicose, na esquizofrenia, ou que evidencia prejuízos cognitivos, explicar o que será feito em sala de aula, para antecipar o que se espera dela naquele momento, diminui as probabilidades de desorganização psíquica. Para antecipar as atividades, muitas vezes, é necessário não apenas falar, explicar oralmente o que se


pretender fazer, mas também associar um objeto concreto e sempre mostrá-lo, ou dá-lo ao aluno, para que possa manuseá-lo antes do início de determinada atia ser desempenhada, por exemplo: oferecer sempre uma colher antes do lanche. • Estruturação e organização da rotina - é um elemento fundamental para auxiliar a criança a se organizar internamente. Uma criança que apresenta comportamentos agitados, dificuldades de adaptação, de comunicação, precisa de um ambiente organizado, com uma rotina estruturada para facilitar tanto a sua compreensão das atividades ali propostas, quanto a possibilidade de a criança participar ativamente das tarefas, evitando surpresas, mudanças bruscas no ambiente ou qualquer outra desorganização que contribua para a elevação da ansiedade, da angústia, da agitação por parte do aluno. Construir uma rotina em sala de aula, adequando o tempo e os espaços na realização das atividades educativas, é fundamental para crianças com condutas típicas e contribui, enormemente, para todos os alunos. A previsibilidade de ações e de acontecimentos pode diminuir em muito a ansiedade do aluno que apresenta comportamentos não adaptativos. Assim, é importante que o professor estruture o uso do tempo, do espaço, dos materiais e a realização das atividades, de forma a diminuir ao máximo o caos que um ambiente complexo pode representar para esse aluno (BRASIL, 2002, p. 20).

• Uma atividade que exija muito tempo para sua realização completa pode e, muitas vezes, deve ser

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vidade. O objeto deve guardar relação com a atividade


segmentada em etapas mais curtas, para possibilitar que a criança com dificuldades de concentração ou com restrições motoras, por exemplo, possa realizá-la

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por completo, sem que isso resulte em dispersão, desmotivação ou fadiga muscular. • Posicionamento do aluno em sala - Posicionar a criança numa cadeira mais próxima do(a) professor(a) mostra-se, muitas vezes, uma intervenção simples, mas bastante eficaz para manter a criança atenta, participativa e sentindo-se segura, além de facilitar a intervenção mais direta do(a) educador(a). • Realização de atividades em grupo - Nessa modalidade de trabalho grupal, não só o(a) professor(a) atua como mediador do processo de aprendizagem, mas também os colegas. Essa forma de trabalho proporciona a aprendizagem colaborativa, estimula a solidariedade e favorece o estabelecimento de vínculos afetivos, tão essenciais para o desenvolvimento humano. Em suma, flexibilidade torna-se uma palavra de ordem quando falamos de inclusão, pois é preciso adequar o currículo, o tempo das atividades e, muitas vezes, eleger os principais conteúdos a serem trabalhados, visto que, em alguns casos, os ritmos de desenvolvimento e aprendizagem da criança não permitem que todos os conteúdos previstos no currículo elaborado para aquela turma sejam satisfatoriamente abordados para aquele(a) aluno(a), principalmente se existe uma uniformidade e intransigência quanto ao tempo e às estratégias pedagógicas destinadas a trabalhar determinado conteúdo. É preciso flexibilidade e respeito aos diferentes ritmos de aprendizagem e esse constitui um princípio que não é específico das pessoas com necessidades especiais.


Trata-se de um princípio que deve ser aplicado à educação como um todo, pois não se aprende da mesma forma e no mesmo tempo em que todas as pessoas. A diferença é a marca constitutiva do ser humano. Em nosso próximo e último encontro, discutiremos sobre a deficiência intelectual, condição presente em diversos casos que apresentamos aqui e em aulas anteriores. Até lá!

Síntese Em nossa nona unidade, concluímos as discussões sobre as pessoas com condutas típicas e destacamos alguns recursos e modificações que podem ser empregados na sala de aula para viabilizar a participação mais efetiva das crianças e dos jovens com dificuldades comportamentais no contexto escolar.

Questão para reflexão Diante das necessidades educacionais das pessoas com condutas típicas, como pensar a flexibilidade na proposta curricular de uma escola que se propõe inclusiva?

Leituras indicadas BRIDI, F. R. S.; FORTES, C. C.; BRIDI FILHO, C. A. Educação e autismo: as sutilezas e as possibilidades do processo inclusivo. In: ROTH, B. W. (Org.) Experiências educacionais inclusivas: Programa de educação inclusiva: direito à diversidade. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/ seesp/arquivos/pdf/experiencias%20inclusivas.pdf. em: nov.2013.

Acesso

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DECLARAÇÃO SOBRE EDUCAÇÃO PARA TODOS. Conferência de Joimtiem, 1990.

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SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997. ORRÚ, S. E. A formação de professores e a educação de autistas. Revista Iberoamericana de Educación (Online), Salamanca, v. 31, p. 01-15, 2003. Disponível em: http://www. rieoei.org/deloslectores/391Orru.pdf. Acesso em: nov.2013.

Sites indicados http://www.rieoei.org/deloslectores/3459Orru.pdf http://www.sindromedewest.org/ http://www.westmariana.com/sindromewest.htm http://www.swbrasil.org.br

Referências BRASIL. Projeto Escola Viva: garantindo o acesso e permanência de todos os alunos na escola - Alunos com necessidades educacionais especiais. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2002. FERNANDES E. M. et al. Alunos com condutas típicas e a inclusão escolar: caminhos e possibilidades. In: GLAT, R. (Org.). Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007.


FERRARI, P. Autismo Infantil: o que é e como tratar. São Paulo: Paulinas. 2007.

MORANDI, I. K.; SILVEIRA, D. P. Síndrome de West. 5 Amostra Acadêmica UNIMEP. Disponível em: http:// www. unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/5mostra/1/471.pdf. Acesso em: nov.2013. MOREIRA, L. M. de A.; CASTRO, J.; SANT’ANA, D. M. de. (Orgs.) Diversidade na escola: aspectos genéticos e considerações psicopedagógicas. Ilhéus: Editus, 2003. Orrú, S. E. Autismo, linguagem e educação: interação social no cotidiano escolar. Rio de Janeiro: WAK, 2007. SILVA, I. Síndrome de Williams. Disponível em: http://www. fiocruz.br/biosseguranca/Bis/infantil/sindrome-willians.htm. Acesso em: nov.2013. TOBIAS-MACHADO, M. et al. Achados neuro-urológicos da síndrome de Williams: relato de caso. Arq. Neuropsiquiátricos, São Paulo: 1998.

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MISÈS, R. La cure em instituition. 2. ed. Paris: ESF, 1993.



( 10 )

A deficiência intelectual e os múltiplos olhares sobre diagnóstico e intervenções



Autora: Sheila Uzêda

Vamos adentrar à discussão sobre a última necessidade educacional especial enfocada em nossa disciplina. Estamos nos referindo à deficiência intelectual (DI).

10.1 Conceitos e concepções historicamente construídas De início, vale esclarecer que as terminologias empregadas para se referir a essa condição sofreram algumas modificações ao longo do tempo. Então, vamos fazer um rápido retrospecto, contextualizando os termos utilizados para designar o comprometimento cognitivo.


Expressões como idiotia, debilidade mental, entre

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outras, foram empregadas no início do século XIX, quando a deficiência intelectual passou a ser classificada como um tipo de psicopatologia. A natureza psicopatológica da deficiência mental teve sua inscrição no século XIX, quando Pinel acrescentou o idiotismo à categorização de alienação mental em sua obra clássica Traité Médico-philosophique sur l’alienation mentale, de 1809. O idiotismo de Pinel não era concebido como loucura, mas significava “carência ou insuficiência intelectual” (PESSOTTI, 1999, p. 57).

Reside aí uma das razões da confusão que perdurou durante muitos anos e que ainda tem suas consequências até hoje, visto persistir a dificuldade em diferenciar a doença mental da deficiência mental. A terminologia deficiência mental foi substituída por deficiência intelectual1, justamente para evitar o equívoco recorrente de considerá-la um tipo de transtorno mental e também porque o termo intelectual mostra-se mais adequado, visto que a deficiência não engloba toda a mente do indivíduo, mas, sim, algumas funções cognitivas, como o pensamento, a linguagem, a memória, entre outras. Retomando a conversa, Deficiência Intelectual será a expressão adotada nessa unidade, pelos motivos expostos anteriormente e por ser mais usual atualmente. Tendo em vista alguns autores, aqui citados, ainda utilizarem as outras nomenclaturas, você vai encontrá-las no decorrer desta unidade.

1. Se você quiser se aprofundar mais nessa discussão, sugerimos a leitura do artigo Terminologia sobre deficiência na era da inclusão, de Romeu Sassaki, disponível em: http://www.fiemg.com.br/ ead/pne/Terminologias.pdf


O modelo biomédico também adotou, durante muie periódicos especializados, que foi a designação de retardo mental, porém discordamos dessa nomenclatura, por considerá-la demasiado pejorativa. Contudo, precisamos fazer referência a ela, pois uma das definições mais amplamente aceitas na comunidade acadêmica é a proposta pela Associação Americana de Retardo Mental (American Association ou Mental Retardation - AAMR), que utiliza esse termo e o define assim: Deficiência caracterizada por limitações significativas no funcionamento intelectual e no comportamento adaptativo, como expresso nas habilidades práticas, sociais e conceituais, originando-se antes dos dezoito anos de idade (LUCKASSON et al, 2002, p. 8).

Depreende-se daí que o diagnóstico dessa condição exige que sejam levados em consideração três aspectos do desenvolvimento: o funcionamento intelectual, o comportamento adaptativo e a idade de início das manifestações dos sinais de atraso no desenvolvimento. Vale também ressaltar que a deficiência intelectual passou a ser concebida numa concepção multidimensional, funcional e bioecológica. Mas, o que isso quer dizer? Quer dizer que não constitui apenas um atributo do indivíduo, visto que envolve a combinação de fatores biológicos, ambientais, além da funcionalidade da pessoa, que deve ser levada em consideração tanto para se fechar o diagnóstico, quanto para se planejar e efetivar as intervenções (CARVALHO; MACIEL, 2003). Em outras palavras, duas pessoas podem ter a deficiência intelectual, resultado da mesma

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tos anos, uma expressão comumente encontrada nos livros


etiologia, ou seja, da mesma causa, mas seu funcionamen-

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to ser diferente. Elas podem ter habilidades distintas, assim como limitações diferenciadas também. E isso repercute na sua capacidade adaptativa em relação às exigências do meio. A deficiência mental é uma condição complexa. Seu diagnóstico envolve a compreensão da ação combinada de quatro grupos de fatores etiológicos - biomédicos, comportamentais, sociais e educacionais (CARVALHO; MACIEL, 2002, p. 148).

A aplicação de testes de inteligência ainda é proposta no Sistema 2002, da AAMR, mas a definição do quociente intelectual não é mais um fator decisivo e suficiente para determinação da deficiência intelectual. Segundo Carvalho e Maciel (2003), outros fatores são considerados, a saber: • qualificação do avaliador para a aplicação e interpretação dos resultados dos testes empregados; • a seleção dos informantes quanto à sua legitimidade para fornecer dados sobre a pessoa que está sendo diagnosticada; • a contextualização ambiental e sociocultural na interpretação dos resultados do processo avaliativo; • a história clínica e social do sujeito; • as condições físicas e mentais associadas, que possam interferir nos resultados avaliativos das habilidades intelectuais. E sobre os comportamentos adaptativos, quais são as áreas envolvidas?


Uzêda (2006) explicita que, de acordo com a AAMR, um prejuízo significativo nas seguintes áreas: • comunicação; • autocuidado; • atividades de vida diária (AVDs); • habilidades sociais; • habilidades acadêmicas; • relacionamento interpessoal; • uso de recursos comunitários; • trabalho; • lazer; e • segurança. Em termos de diagnóstico, a inteligência é um aspecto importante na identificação da deficiência intelectual, porém sabemos que a compreensão sobre esse tema transfigurou-se bastante, deixando de ser a inteligência concebida como um fator unificado e passando a ser entendida a partir do paradigma das múltiplas inteligências, proposto por Gardner (1994). Nesta perspectiva, uma pessoa pode ter, por exemplo, inteligência musical ou espacial, mesmo diante de um comprometimento na inteligência linguística ou verbal. Ocorre que a escola priorizou - e atualmente ainda incorre nesse erro - as inteligências linguísticas e lógico-matemáticas em detrimento das demais habilidades dos indivíduos. Consequentemente, as diversas habilidades cognitivas devem ser avaliadas. Corroborando essa ideia, Luckasson et al (2002, p. 40) afirmam que a inteligência inclui:

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para ser considerada deficiência intelectual, precisa existir


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raciocínio, planejamento, solução de problemas, pensamento abstrato, compreensão de idéias complexas, rapidez de aprendizagem e aprendizagem por meio da experiência.

O diagnóstico de deficiência intelectual não constitui uma sentença de não aprendizagem. Apenas indica um funcionamento cognitivo diferenciado e que, em alguns momentos, pode exigir mudanças no ritmo de aprendizagem e nas estratégias de ensino. Diante dos constantes avanços da Neuropsicologia e da Neurociência, o mecanismo de plasticidade cerebral tem sido cada vez mais estudado e as pesquisas evidenciam a capacidade que tem o cérebro de alterar o funcionamento motor e perceptivo a partir de conexões e de recombinação de sinapses nervosas. Sinapse, numa explicação simplificada, é a região de contato entre dois neurônios, responsável pela transmissão dos impulsos nervosos e, consequentemente, pelo processamento das informações pelo sistema nervoso. Imagem representando um neurônio e a sinapse

Fonte: http://commons.wikimedia.org/w/index.php?title=Special%3ASearch&profile=default&search=neur%C3%B4nios&fulltext=Search&uselang=pt-br


Relvas (2007, p. 214) resume, de maneira simples, o rida autora, Durante muitas décadas acreditou-se que o cérebro não possuía capacidade de regenerar suas células nervosas, ou seja, formar novas sinapses e que as conexões entre os neurônios congelavam-se em posições imutáveis. Hoje, sabe-se que o cérebro muda durante a vida e que essa mudança é benéfica. Essa plasticidade dispara um mecanismo pelo qual o cérebro se remodela para aprender a sentir- se melhor, ou o induz a um auto-reparo, que potencializa o pensar, permitindo a construção de um conhecimento - processo denominado autopoiese humana.

Isso significa dizer que nossa capacidade de aprender e de responder às exigências do meio não pode ser previamente determinada por um diagnóstico, por mais que ele seja preciso e bem elaborado. Vygotsky (1997, p. 222-223), em sua obra Fundamentos de Defectologia, já postulava que: O desenvolvimento insuficiente das funções superiores está relacionado com o desenvolvimento cultural insuficiente da criança com retardo mental, com seu desaparecimento do meio cultural circundante e com o abandono da “alimentação” do meio. Devido à insuficiência, essa criança não experimentou oportunamente as influências do meio circundante. Por causa disso seu retardo acumula-se, acumulam-se as particularidades negativas e as complicações complementares na forma de um desenvolvimento social insuficiente e um abandono pedagógico.

245 A deficiência intelectual e os múltiplos olhares sobre diagnóstico e intervenções

mecanismo de plasticidade cerebral. De acordo com a refe-


O potencial de desenvolvimento e aprendizagem

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humanos depende das condições que são ofertadas, das possibilidades de troca e interação social, dos estímulos conferidos. Nesse sentido, a família e a escola configuram contextos primordiais de desenvolvimento humano e podem representar um caminho de resiliência e superação para crianças e jovens estigmatizados com o rótulo da não aprendizagem.

10.2 R epensando os ritmos de aprendizagem e a lógica temporal da escola A fim de refletir sobre esse ponto, vamos partir de uma afirmação de Vygotsky (1997, p. 246) sobre a necessidade de se investir na educação de pessoas com deficiência intelectual. A educação social da criança com deficiência mental grave/profunda é o único caminho cientificamente válido para a sua educação. Às vezes é o único caminho que se resulta capaz de recriar as funções faltantes [...]. Só a educação social pode superar a solidão [...], conduzir a criança com retardo profundo através do processo de formação do homem.

Desde a época dos primeiros estudos vygotskyanos sobre deficiência, esse autor já nos alertava para a importância da educação e da inclusão social no desenvolvimento e na aprendizagem dessas pessoas. Por que, então, até hoje, a sociedade questiona a validade e a pertinência de incluirmos crianças com deficiência na escola regular?


É claro, e até mesmo esperado, que os(as) professores(as) ensinar um(a) aluno(a) com deficiência, principalmente quando essa deficiência parece delimitar as possibilidades de aprendizagem da leitura, da escrita e da matemática, diga-se de passagem, as habilidades priorizadas pelas escolas. Tão legítimo quanto os sentimentos experienciados pelos educadores diante do desafio da inclusão é o direito que tem toda pessoa de ser educada e socializada. Por isso, não faltam relatos e esforços dos teóricos e dos educadores no sentido de buscar formas de efetivar uma educação de qualidade para as crianças e jovens com deficiências. Seguem algumas sugestões de ações que podem ser implementadas, visando a participação efetiva da criança com deficiência intelectual no contexto escolar (BEYER, 2009): • buscar interação constante entre os educadores e a família, pois a participação dos pais deve ser bem vinda e encorajada, sem o habitual “tom” de cobrança que, em alguns casos, tende a existir na relação família-escola; • possibilitar que a criança desenvolva sua coordenação motora e suas habilidades de vida diária, desde a educação infantil, através de aprendizagens lúdicas, pois é, primordialmente, através do brincar que a criança desenvolve as funções mentais superiores (linguagem, pensamento, imaginação, atenção, memória etc.); • incentivar a aprendizagem de atitudes de respeito e solidariedade entre os colegas, proporcionando o desenvolvimento da autoestima e de uma identidade pessoal positiva;

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se intimidem, se angustiem ou rejeitem a ideia de receber e


• elaborar uma didática apropriada, que parta do

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nível de conhecimento concreto em direção ao abstrato, respeitando os diferentes ritmos de aprendizagem e sem descartar a eventual necessidade de repetição dos conteúdos trabalhados, tendo em vista possíveis dificuldades de memorização; • conceber que o currículo deve contemplar conteúdos acadêmicos e funcionais, ou seja, incluir aprendizagens pertinentes para a vida diária e para ampliação da esfera social das pessoas com deficiência intelectual; • compreender que todas as pessoas, inclusive as que apresentam deficiência intelectual, têm sexualidade e precisam vivenciá-la, além de evitar condutas de infantilização para com adolescentes e adultos e promover atividades de educação para a sexualidade. Essas sugestões não têm um caráter universal e precisam ser avaliadas e discutidas de maneira particularizada. Mais importante do que diagnosticar a deficiência intelectual e classificá-la em diferentes graus é entender como cada criança com deficiência intelectual aprende. Não há um script, um caminho previamente estabelecido de aprendizagem que se aplique a todas as crianças com DI. O ponto que deve ser reforçado é que nem todos os sujeitos com diagnóstico de deficiência mental têm o mesmo nível de desenvolvimento, comportam-se da mesma maneira, ou têm as mesmas necessidades educacionais; consequentemente não podem ser considerados como constituindo um grupo homogêneo (FONTES et al, 2007, p. 87).

Somente o convívio e a oferta de variadas estratégias e recursos pedagógicos poderão esclarecer acerca da trajetória


intelectual que cada pessoa seguirá em busca do crescimento Como feito em todas as unidades que trataram de tipos específicos de necessidades educacionais especiais, passemos aos esclarecimentos sobre os fatores que podem levar à deficiência intelectual, pois, munidos de informação, podemos atuar como multiplicadores e contribuir para a redução do número de casos de deficiências em nossa sociedade.

10.3 A s múltiplas causas de deficiência intelectual No quadro abaixo, estão especificados, com base na AAMR, os fatores de risco e as principais causas de deficiência intelectual comumente descritos na literatura específica

Fatores de risco e causas pré-natais

- desnutrição materna; - má assistência à gestante; - doenças infecciosas - sífilis, rubéola, toxoplasmose; - fatores tóxicos: alcoolismo, consumo de drogas, efeitos colaterais de medicamentos (medicamentos teratogênicos), poluição ambiental, tabagismo; - fatores genéticos: alterações cromossômicas (numéricas ou estruturais), tais como: Síndrome de Down, Síndrome de Martin Bell; alterações gênicas, por exemplo: erros inatos do metabolismo (fenilcetonúria), Síndrome de Williams, esclerose tuberosa etc.

Fatores de risco e causas perinatais

sobre o tema.

- má assistência ao parto e traumas de parto; - oxigenação cerebral insuficiente; - prematuridade e baixo peso; - icterícia grave do recém-nascido.

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e da autorrealização.


Fatores de risco e causas pós-natais

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- desnutrição, desidratação grave, carência de estimulação global; - infecções: meningoencefalites, sarampo etc. ; - intoxicações exógenas (envenenamento) - remédios, inseticidas, produtos químicos (chumbo, mercúrio etc.); - acidentes: trânsito, afogamento, choque elétrico, asfixia, quedas etc. - infestações: neurocisticircose (larva da Taenia Solium).

Algumas das etiologias citadas são comuns a outras deficiências, conforme estudamos nas unidades anteriores. Os fatores genéticos concorrem significativamente para a ocorrência de deficiência intelectual e, dentre eles, vamos reservar um espaço para abordar a causa genética mais frequente de deficiência intelectual. Síndrome de Down Quem conhece ou já foi professor de uma pessoa com síndrome de Down? Difícil encontrar alguém que não tenha tido contato, convívio ou mesmo que não tenha lecionado uma criança com essa condição. Isso ocorre porque a referida síndrome constitui a principal causa genética de deficiência intelectual. E é sobre ela que trataremos a seguir. Talvez seja essa a condição que mais se popularizou nas discussões sobre deficiência intelectual e a mais emblemática nas campanhas e nos movimentos a favor da inclusão escolar e social. Vamos, então, entender suas causas e suas peculiaridades. Atualmente, os exames de imagem realizados durante o pré-natal permitem a identificação precoce de algumas condições apresentadas pelo bebê, dentre elas, a síndrome de Down.


Exame de imagem realizado no período gestacional

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Fonte: http://commons.wikimedia.org/w/index.php?title=Special%3ASearch&profile=default&search=down+syndrome&fulltext=Search&uselang=pt-br

Em termos etiológicos, essa síndrome é determinada, segundo Moreira (2003, p. 163-164), [...] pela trissomia do cromossomo 21, assim é chamada porque as células da pessoa afetada têm três cromossomos 21 em vez de apresentarem apenas dois. A falha genética geralmente ocorre durante a produção de óvulos e espermatozoides, quando um dos cromossomos 21 deixa de se separar corretamente na meiose [...] o cromossomo extra na trissomia 21 é de origem materna em 91% dos casos e provém do pai em 9%.

Quando ocorre a trissomia, o indivíduo passa a ter 47 cromossomos, sendo que o esperado para espécie humana são 46 cromossomos.


Imagem de cariótipo indicando a trissomia do cromossomo 21

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Fonte: http://commons.wikimedia.org/w/index.php?title=Special%3ASearch&profile=default&search=down+syndrome&fulltext=Search&uselang=pt-br

Você sabia que, além da trissomia do cromossomo 21, outro processo, denominado translocação, também pode ocasionar a síndrome de Down? A esse respeito, Moreira (2003, p. 164) explica: Entre as pessoas com síndrome de Down, 95% apresentam 47 cromossomos com o 21 extra decorrente de falhas na divisão meiótica, 3 a 4% mostram número cromossômico normal e possuem o cromossomo extra translocado em outro cromossomo, geralmente o 14, e 1 a 2% dos casos se devem ao mosaicismo, em que a pessoa apresenta células normais com 46 cromossomos e outras com 47.


Imagem de cariótipo ilustrando a translocação

A deficiência intelectual e os múltiplos olhares sobre diagnóstico e intervenções

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Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/78/Down_syndrome_translocation.png

Pode-se concluir que são três as causas possíveis da síndrome de Down: trissomia, translocação e mosaicismo. O termo translocação indica, nesse caso, que o cromossomo 21 extra aparece junto/unido a outro cromossomo, em geral, o de número 14. Já o termo mosaicismo deriva da palavra mosaico, que se refere ao indivíduo com dois materiais genéticos distintos, porém provenientes do mesmo ovo ou zigoto. Isso significa que, num mesmo indivíduo, ocorre um misto de células com 46 cromossomos, com células que apresentam 47 cromossomos, resultando na síndrome de Down. Apesar de se saber que a síndrome de Down é mais frequente em crianças nascidas de mães com idade acima de 35


anos, também ocorrem casos de filhos de mães jovens. Dentre

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os principais sintomas dessa síndrome, destacam-se: • atraso no desenvolvimento neuropsicomotor; • hipotonia - tônus muscular rebaixado; • cardiopatia; • problemas de audição e de visão; • distúrbio da tireoide; • problemas neurológicos; • alterações na coluna cervical; • obesidade e envelhecimento precoce. Vale destacar que os dois primeiros sintomas ocorrem em 100% dos casos, sendo que os demais aparecem em frequência variada em algumas pessoas. Outro dado relevante é que, ao contrário do que acontecia no passado, as pessoas com síndrome de Down, atualmente, estão tendo maior longevidade, em decorrência da melhoria dos cuidados e tratamentos de saúde e um desenvolvimento neuropsicomotor mais próximo do esperado para sua faixa etária, em função dos serviços de estimulação precoce. De acordo com Baird e Sandovink (1989), cerca de 50% dos indivíduos vivem até aproximadamente os 50 anos e 13% sobrevivem aos 68 anos. Isso não significa que pessoas com essa síndrome não possam viver mais. A aceitação pela família e pelo grupo social, a estimulação precoce e os demais atendimentos especializados, bem como a inclusão escolar desde o nível da educação infantil, são fatores que contribuem para o desenvolvimento mais pleno da pessoa com Síndrome de Down. Aquelas que encontram essas condições favoráveis conseguem, relativamente, avançar nos estudos e ingressar no mercado de traba-


lho, além de construírem laços afetivos mais estáveis, como o Nesse sentido, e para encerrar nossa última unidade, vamos destacar os princípios norteadores da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), que visam garantir o acesso e a permanência, com qualidade, das PNEE, na escola e nos outros espaços sociais: • transversalidade da Educação Especial desde a Educação Infantil até a Educação Superior; • atendimento educacional especializado; • continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino; • formação de professores para o atendimento educacional especializado e dos demais profissionais da educação para a inclusão escolar; • participação da família e da comunidade; • acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários e equipamentos, nos transportes, na comunicação e informação; • articulação intersetorial na implementação das políticas públicas. É preciso encarar as deficiências ou as necessidades educacionais especiais não como desvantagem ou incapacidade, mas, sim, como uma condição existencial, nem mais e nem menos valorosa ou valiosa do que a existência de qualquer outro ser humano. Nesse encontro, enfocamos a deficiência intelectual e, com isso, completamos um desafio proposto no iní-

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relacionamento amoroso.


cio desta disciplina: discutir, em 10 unidades, as diversas

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necessidades especiais, em articulação com as políticas públicas em educação, contemplando os aspectos biológico, psicológico, social, político e, principalmente, educacional. Espero que você tenha aproveitado bastante essa nossa jornada e que ela tenha representado um incentivo para futuros aprofundamentos teóricos e possíveis aplicações práticas. Agradeço pela companhia e desejo sucesso em sua trajetória acadêmica! Um grande abraço! Prof.ª Sheila.

Síntese Em nossa última unidade, apresentamos uma revisão histórica dos termos e das concepções construídas socialmente a respeito da deficiência intelectual. Nesse passeio, destacamos as definições atuais, explicitamos os fatores etiológicos dessa deficiência, assim como nos debruçamos na compreensão da síndrome de Down, a principal causa genética de déficit cognitivo. Tudo isso foi abordado sem perder de vista as considerações educacionais acerca do processo de inclusão das pessoas com DI. Como o saber não se esgota, seguem uma questão para discussão e indicações de leituras relacionadas ao tema, visando a ampliar seus conhecimentos e contribuir para sua formação.

Questão para reflexão Leia e discuta com seus colegas a afirmação, a seguir, sobre inclusão:


Leituras indicadas AMARO, D. G. Educação inclusiva, aprendizagem e cotidiano escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006. MOREIRA, L. M. de A. Algumas abordagens da educação sexual na deficiência mental. Salvador: EDUFBA, 2007. VYGOTSKY, L. S. Fundamentos de Defectologia. Madrid: Visor, 1997.

Site indicado http://www.apaesp.org.br/SobreADeficienciaIntelectual/ Paginas/O-que-e.aspx

Referências BAIRD, P. A.; SANDOVNICK, A. D. Life tables for Down syndrome. Human Genetics, 1989. BEYER, H. O. Aspectos orgânicos, sociais e pedagógicos da Síndrome de Down: focando o déficit ou o potencial? In: GOMES, M. (Org.) Construindo as trilhas para inclusão. Petrópolis: Vozes. 2009. CARVALHO, E. N. S. de; MACIEL, D. M. M. de A. Nova concepção de deficiência mental segundo a American Associa-

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E que o prazer de participar dessa construção esteja distanciado dos valores de “ser bonzinho” ou da filantropia, mas os ligados à solidariedade e à consciência do dever cumprido (PAROLIN, 2007, p. 294).


tion ou Mental Retardation - AAMR: Sistema 2002. Temas

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em Psicologia da SBP, v. 11, n. 2, p.147 - 156, 2003. FONTES, R. de S. et al. Estratégias pedagógicas para inclusão de alunos com deficiência mental no ensino regular. In: GLAT, R. (Org.). Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Rio de janeiro: 7 Letras, 2007. (Série questões atuais em educação especial) GARDNER, H. Estruturas da mente: a Teoria das Múltiplas Inteligências. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. PAROLIN, I. Inclusão e Psicopedagogia. In:______. Agregando saberes. Evento ABPp, Paraná Sul, 2007. RELVAS, M. P. A contribuição da biopsicopedagogia e o sujeito cerebral: despertando potencialidades e inteligências na sala de aula. In: VALLE, L. H. R. do; VALLE, E. L. R. do. (Orgs.). Neuropsiquiatria: infância e adolescência - abordagem multidisciplinar de problemas na clínica, na família e na escola. 2 d. Rio de Janeiro: Wak Ed., 2007. UZÊDA, S de Q. Identidade feminina e sexualidade na concepção de mulheres com síndrome de Down: educação sexual como caminho para construção de maior autonomia. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação, 2006. VYGOTSKY, L. S. Fundamentos de Defectologia. Madrid: Visor, 1997.


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