Comunicação e Expressão

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Comunicação e Expressão

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Nilza Carolina Suzin Cercato

Instituições de Ensino Rede Laureate Brasil

Comunicação e Expressão Nilza Carolina Suzin Cercato



Nilza Carolina Suzin Cercato

Comunicação e Expressão

Laureate Salvador 2013


©Copyright 2013 da Laureate. É permitida a reprodução total ou parcial, desde que sejam respeitados os direitos do Autor, conforme determinam a Lei n.º 9.610/98 (Lei do Direito Autoral) e a Constituição Federal, art. 5º, inc. XXVII e XXVIII, “a” e “b”.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Sistema de Bibliotecas da UNIFACS Universidade Salvador - Laureate International Universities)

C412c Cercato, Nilza Carolina Suzin Comunicação e expressão / Nilza Carolina Suzin Cercato. – Salvador: UNIFACS, 2013. 146 p. : il. ; 24 cm. ISBN 978-85-87325-29-7 1. Comunicação. 2. Expressão. I. Título. CDD: 302.2


Sumário Noções de texto e aspectos da comunicação...............................................5 Fatores de textualidade.......................................................................................19 Coesão e coerência/revisar conectivos..........................................................33 Fala e escrita, variação, registro, níveis de formalismo.............................57 Tipos e gêneros textuais......................................................................................75 Hipertexto................................................................................................................87 Leitura: objetivos, estratégias, contextos......................................................97 Produção de texto: características de bons textos, argumentação, estilo, autoria........................................................................................................ 121



Noções de texto e aspectos da comunicação O maior presente que você pode dar a outra pessoa é a pureza da sua atenção. Richard Moss

Nesta primeira aula da disciplina Comunicação e Expressão vamos trabalhar os conceitos de texto, discurso, valorizando os aspectos da comunicação. Quando se conceitua texto, sabe-se que ele é uma unidade de sentido, portanto o significado de uma parte não é autônomo, ele só faz sentido quando relaciona-se com outras partes. Texto, como tecido, constrói-se numa relação de fios que se entretecem. Para ter o significado global de um texto, é preciso estabelecer uma combinação geradora de sentido, em que cada parte se inter-relacione. A seguir, vamos analisar algumas definições de texto, de autores que servem de referência para este estudo. Segundo Koch e Travaglia, O texto será entendido como uma unidade linguística concreta, que é tomada pelos usuários da língua, em uma situação de interação comunicativa específica, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independentemente da sua extensão. (KOCH; TRAVAGLIA, 1997, p. 9)

Vamos compreender a definição. Em primeiro lugar: ao dizer unidade linguística, os autores pressupõem que essa construção tenha começo, meio e fim, formando um todo compreensível. Quando os autores afirmam que o texto envolve uma situação de interação, trazem o valor da presença de interlocutores, isto é, quem fala e para quem fala; o termo específica significa, nesse contexto, alguém que fala de um lugar para seu interlocutor que ocupa outro lugar. Lugar, nessa definição, refere-se a um lugar social. Por exemplo: o pai que fala ocupando o lugar de pai, pode, em outra situação, falar do lugar de empresário, ou de marido. Nessa situação, deverá haver um funcionamento da língua, trazendo sentido para os interlocutores.

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A língua tem como constituinte a interação verbal, que vem a ser a relação entre dois indivíduos: o locutor e o interlocutor, que se reconhecem socialmente. Mas, caso não haja a presença real do interlocutor, pode ser citado o papel social que desempenha. Nota-se que o interlocutor está sempre marcado, pois não há possibilidade de um enunciado dirigido a um ser abstrato; encaminha-se, portanto, para uma função desempenhada, para o papel social desse interlocutor, como diretor, professor, aluno, gerente, etc. Veja o exemplo a seguir:

Aquele pai não entende nada - Um biquíni novo? - É, pai. - Você comprou um no ano passado... - Não serve mais. Eu cresci, pai. - Como não serve mais? No ano passado você tinha 14 anos, agora tem 15, não cresceu tanto assim... - Não serve, pai. - Está bem, está bem. Toma o dinheiro. Compra um biquíni maior. - Maior, não, menor, pai. Aquele pai, também, não entendia nada.

Noções de texto e aspectos da comunicação

(VERISSIMO; Luís Fernando. Disponível em: <http//chaodeestrelascassilandia.blogspot.

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com/2011/05leitura-e-interpretacao-de-text—cornica-html>)

Você deve ter percebido que nesse breve conto de Luís Fernando Verissimo, não aparecem os nomes das personagens, mas são identificadas pelo lugar social que ocupam: pai e filha. Fazendo uma paráfrase do que diz M. H. Duarte Marques (1990), podemos dizer que um texto, para ser definido como tal, deve ter coerência e coesão. Isso significa que os enunciados devem estar inter-relacionados, encadeados entre si.


Por outro lado, a extensão do texto pode ser variável e a materialidade com que se apresenta também varia: pode ser uma foto, um vídeo, uma frase, poesia, prosa, uma conversa informal ou telefônica, também pode apresentar-se como um artigo científico, notícias, um filme etc. Desdobrando o conceito, a autora propõe a presença da coesão e coerência para que o significado esteja presente entre os interlocutores. Note-se que também coloca a necessidade de uma unidade de sentido para que realmente estabeleça a comunicação. O acréscimo que a autora coloca está na citação de formas de texto. O importante é que faça sentido na situação de uso, isto é, que funcione, que comunique. Afinal, tudo é texto. Um exemplo clássico, muito citado, é o caso de Victor Hugo, escritor do romance Os Miseráveis. Quando a obra ficou pronta, ele mandou os originais para o seu editor, com um bilhete, no qual havia apenas: “?”. Depois que o editor leu o romance, escreveu outro bilhete em que estava: “!”. Hoje em dia, mesmo fora da situação de comunicação entre autor e editor, podemos compreender: Victor Hugo interroga seu editor: Que tal? Está bom? Ao que o editor responde significando: Maravilhoso! Estupendo! Na contemporaneidade, quando se lê Os Miseráveis, surgem as mesmas exclamações, no caso, agora pelo leitor. Segundo Fiorin e Savioli (2006, p. 18), “Um todo organizado de sentido, delimitado por dois brancos e produzido por um sujeito num dado espaço e num dado tempo.”

Esse lugar no discurso é governado por regras anônimas que definem o que pode e deve ser dito. Somente nesse lugar constituinte, o texto (discurso) vai ter um dado efeito de sentido. Se for falado em outra situação que remeta a outras condições de produção, seu sentido, consequentemente, será outro. Na medida em que retiramos de um discurso fragmentos e inserimos em outro discurso, fazemos uma transposição de suas condições de produção. Mudadas as condições, a significação desses fragmentos ganha nova configuração semântica (BRANDÃO, 1993).

Noções de texto e aspectos da comunicação

Os autores trazem um acréscimo na definição de texto: a presença de um sujeito. Aqui não se está falando do sujeito gramatical (aquele que pratica ou sofre a ação do verbo), mas sim de um indivíduo que ocupa um determinado lugar e fala desse lugar, num espaço (lugar) não geográfico, mas numa situação social, e num tempo, pois é importante verificar “o quando” para o texto ter sentido.

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Discurso Depois de termos trabalhado com a definição de texto, vai ser muito interessante ver o que é o discurso. Segundo Brandão (1998), discurso é o espaço em que emergem as significações e a língua é a materialidade na qual o discurso aparece. Dessa forma, acontece o uso de uma mesma língua, falando sobre o mesmo referente, mas não o mesmo discurso. Para Eni Orlandi (2001, p. 64), “[...] discurso é o efeito de sentido entre locutores”, tendo na língua sua possibilidade de existência. Ao surgir, o discurso mobiliza condições determinadas, pistas que devem ser interpretadas ou descobertas pelo alocutário. Vemos que as duas autoras concordam na definição de discurso. O que precisa para que um texto seja um discurso? Segundo elas, o discurso é o funcionamento, o efeito de sentido construído por dois “personagens”: o locutor, aquele que fala, e o interlocutor, aquele para quem se fala. Agora, para o discurso funcionar, ele depende da língua, que é a materialidade, o que permite o surgimento do sentido.

Noções de texto e aspectos da comunicação

A unidade do texto é verificada pelo sentido, pois um discurso nunca está só, depende de um “já-dito”, que, na Análise de Discurso, se chama de interdiscurso. Interdiscurso vem a ser tudo o que o sujeito sabe ou conhece e usa no momento da construção de seu discurso. A imagem que podemos relacionar com o texto é de uma rede, em que os vazios são preenchidos por conhecimentos anteriores que formam uma memória. Com a imagem da rede, podemos compreender melhor o sentido de incompletude que caracteriza o discurso, pois sempre haverá falta, falha e o ainda a dizer.

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Devido ao interdiscurso, fica evidente o quanto a incompletude faz parte do discurso, pois nada está acabado para sempre, sempre há o que acrescentar. A incompletude é constitutiva de qualquer signo – qualquer ato de nomeação é um ato falho, um mero efeito discursivo. Quando falamos em incompletude, estamos dizendo que um mesmo discurso pode voltar com novas materialidades, com novas palavras, com novas experiências. O discurso diz muito mais do que seu enunciador pretendia. “A multiplicidade de sentido é inerente à linguagem” (ORLANDI, 1988, p. 20). Veja um caso que aconteceu em sala de aula. O título de uma reportagem de jornal foi oferecido a um grupo, para que cada um dissesse qual seria o teor do texto Sementes do Suicídio. E Você, o que entende por Sementes de suicídio? Os sentidos oferecidos pelo grupo foram: descoberta de uma semente que mata; uma pessoa, sentindo-se ofendida, suicidou-se, a ofensa foi a semente que gerou o suicídio; a violência sofrida por alguém gera sementes de ódio e pode levar ao suicídio. Sua compreensão foi semelhante?


Veja o que aconteceu. Na verdade, o texto falava sobre uma pesquisa feita pela indústria da Monsanto, para deixar inférteis as sementes de frutas. Essas frutas foram obtidas por meio de várias experiências, resultando perfeitas quanto ao tamanho, ao sabor, à cor, à textura. Quem desejasse plantar essas sementes não conseguiria reprodução. Essa foi a forma encontrada pela empresa para proteger sua pesquisa. Aí está a multiplicidade de sentido. Os alunos criaram hipóteses de leitura. Em seguida, refizeram o seu caminho e atribuíram outro sentido, mais outro, construindo uma rede. A falha, o furo, no caso do exemplo anterior, está no fato de os alunos empregarem a palavra “semente” em sentido figurado, quando, na verdade, ela estava sendo empregada no sentido literal. Quando se fala em interdiscurso, faz-se referência ao que fala antes, em outro lugar, o que foi importante para cada leitor trazer o conhecimento que possui em relação às palavras “semente” e “suicídio”, para levantar hipóteses de desenvolvimento da reportagem. Esse conhecimento forma o conhecimento de mundo ou conhecimento enciclopédico que cada indivíduo acumula ao longo de sua experiência linguística.

Aspectos da comunicação Deve ter ficado claro para você o significado de texto e de discurso. Agora, vamos ver como os interlocutores funcionam num dos esquemas de comunicação. O mais conhecido e funcional foi traçado por Jakobson (1969). Vejamos:

Locutor e Alocutário

Para melhor conhecer os elementos da comunicação, devem-se colocar em evidência os protagonistas do discurso – quem fala? para quem fala? As respostas a essas questões vão determinar outros dois novos elementos da comunicação: Código linguístico (que é a materialidade, o idioma) Locutor (quem fala)  Discurso (o que é falado)  Alocutário (para quem se fala)

Noções de texto e aspectos da comunicação

Esses dois primeiros elementos constituem-se em sujeitos, determinados por condições sociais, historicamente delineáveis e portadores das significações ideológicas de tais condições. O que quer dizer isso? Locutor e alocutário vão ocupar um determinado lugar social, (como já vimos anteriormente) e esse lugar é determinado por condições sociais conhecidas, marcadas pela história e se colocando em seu lugar na luta de classes.

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Um diálogo entre um turista francês e uma baiana de acarajé, em Amaralina: Turista: Qu’est que ça? (Traduzindo: o que é isso?) Baiana: Tem que cessá, sim. T. : Comment? (Como?)

Nilza Carolina Suzim Cercato.

Para que o discurso atinja sua finalidade de comunicação, é fundamental que o código linguístico seja comum ao locutor e ao alocutário. Veja o que aconteceu entre um turista francês e uma baiana de acarajé pelo fato de não usarem o mesmo código linguístico (a mesma língua).

B. : Com a mão também, sim. T. Je ne comprend pas. (Eu não compreendo) B. Se não vai comprar, passe a frente, porque a fila tá grande. (N.C.) O caso anterior evidencia o fato de que códigos linguísticos diferentes geram uma situação de não comunicação. O código linguístico e o tipo de discurso são condicionados aos papéis que locutor e alocutário desempenham – o discurso é resultante das relações dos papéis sociais.

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LOCUTOR

Contexto (Referente)

ALOCUTÁRIO

Remetente

Mensagem (Discurso)

Destinatário

Contato (Forma como se dá a comunicação) Código (Linguístico) Podemos compreender então que, para haver comunicação, segundo Jakobson, há um locutor (aquele que fala), um alocutário (aquele para quem se fala), um contexto (que aqui significa as condições de produção), a mensagem (que é o discurso), o contato (via em que o discurso acontece) e, finalmente, o código linguístico (o idioma que é falado).

(JAKOBSON, 1969)

Noções de texto e aspectos da comunicação

Agora, podemos acrescentar novos elementos:


É interessante que, a partir do momento em que você conhece os elementos de comunicação, passe a analisar suas falas e as falas do outro dirigidas para você. Se pergunte, às vezes, de que lugar essa pessoa está falando comigo? De que lugar eu vou responder à questão proposta? Vai ser uma experiência muito produtiva em matéria de comunicação.

Funções da linguagem centradas nos elementos de comunicação Pela nossa experiência pessoal, sabemos que qualquer produção, seja oral ou escrita, tem um fim, um objetivo, pois a forma com que construímos nossa comunicação pode trazer efeitos diversos. Então, é preciso considerar os seguintes elementos: emotivos (ver qual a emoção envolvida no momento da comunicação); informativos (buscar compreender as informações que estão sendo passadas) e performativos da linguagem (que tipo de performance está funcionando).

Contexto (função referencial)   Mensagem (função poética)  LOCUTOR ALOCUTÁRIO (função emotiva) (função conativa) Contato (função fática)

Cada um desses fatores vai determinar uma diferente função da linguagem. A função emotiva está centrada no locutor, é a expressão direta da atitude de quem fala em relação àquilo de que se está falando. Essa função emotiva deve ser usada quando a subjetividade surge aos olhos de todos. No discurso escrito, o estrato puramente emotivo da linguagem é apresentado pelas interjeições, exclamações; no discurso oral, pela expressão fisionômica, tom de voz, pausas... Essas marcas são de atitude pessoal do emitente, isto é, daquele que fala. Elas dão um colorido às manifestações verbais nos níveis fônico ou gramatical. Por exemplo, conforme se pontua ou pronuncia uma expressão, o sentido pode mudar. Leia, em voz alta, o texto a seguir, observando a pontuação:

Noções de texto e aspectos da comunicação

Código (função metalinguística)

(JAKOBSON, 1969)

Continuando com nossa referência, para melhor entender as funções, Jakobson (1969, p. 118-129) traça os fatores constitutivos de todo processo linguístico, de todo ato de comunicação verbal, relacionando os elementos de comunicação com as funções da linguagem, como se pode ver a seguir:

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Isso é comigo? Isso! É comigo. Isso? É comigo? Isso é comigo! Isso é. Comigo. Isso é comigo... Ou então: Booooa noite! Boa noite. Boa noite? Boa noooite! Existe uma história de um ator cuja peça teatral consistia em dizer de 48 formas diferentes a expressão boa noite. Tente você também. Não digo as 48, mas umas três. Veja como a função emotiva colabora para a expressão comunicativa. Se a comunicação estiver orientada para o destinatário, há a função conativa. Ela aparece, em sua forma mais específica, no uso do vocativo e do imperativo. Nessa função, há o desejo de impulsionar o alocutário ou destinatário da mensagem para um determinado comportamento. Por isso, o uso do imperativo exerce uma voz de comando forte. Por outro lado, esse tipo de frase não pode ser submetido ao julgamento de verdadeiro ou falso. Já as frases declarativas podem ser submetidas à prova da verdade. Outra diferença é que as frases declarativas podem ser transformadas em interrogativas, o que não acontece com a função conativa. A palavra conativa vem do latim conatus, que quer dizer “ação de coagir”. Esse tipo de função é muito usado nas propagandas. Basta lembrar aquela que dizia: “Compre baton” repetidamente – mensagem que era transmitida por uma voz autoritária, persuasiva – às vezes, manipulatória.

Noções de texto e aspectos da comunicação

Se a mensagem estiver orientada para o contexto, teremos a função referencial – denotativa ou cognitiva. Embora ela apareça em muitas mensagens, deve-se considerar a participação adicional de outras funções. O uso é variado: reportagens, certo tipo de correspondência, textos de caráter científico, etc. É uma das funções mais presentes na vida cotidiana.

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Quando dizemos função referencial, estamos falando do referente, que é o objeto ou a situação de que a mensagem trata. A objetividade torna-se uma marca dessa função. No entanto, um texto impessoal e objetivo traduz um comportamento linguístico de quem o produziu. Por isso, é preciso desconfiar de sua aparente neutralidade. Por quê? Porque, quando falamos, escolhemos determinadas palavras que acabam traindo nossa imparcialidade. Se estivermos diante de uma manchete “impessoal” que diz: cidade abandonada: autoridades incompetentes. Há imparcialidade? Não, embora seja uma manchete bem objetiva. Agora, compare com essa outra manchete: cidade cuidada: obras em todos os bairros. Há imparcialidade? Não. Por quê? Há uma intenção de valorizar o que é feito. Se a objetividade é resultado de uma atitude premeditada, pode acontecer uma manipulação a fim de alcançar determinado objetivo. Nos dois casos, é possível verificar formas de manipulação.


Outra função da linguagem pende para o contato – suporte físico por meio do qual a mensagem caminha do remetente para o destinatário. Trata-se da função fática. Essa função se evidencia pela troca de fórmulas ritualizadas – presentes nos diálogos –, cujo objetivo é prolongar a comunicação. Como exemplos, podemos citar: “Alô, está ouvindo?”, “Pois é!”. Essa função ocorre também nas situações em que desejamos preencher o silêncio, então, falamos do tempo, de filmes etc. É importante levar em consideração se a comunicação se faz por telefone, por carta, num diálogo convencional... Continuando, vamos encontrar a função da linguagem centrada no código: a metalinguagem – função metalinguística. O texto volta-se para o código – explicar a linguagem, caracterizar a poesia, explicar os usos da linguagem. Metalinguagem significa a linguagem falar da própria linguagem. Por exemplo, Carlos Drummond de Andrade, em uma poesia intitulada O lutador, fala da luta do poeta com as palavras. Vejamos os primeiros versos: Lutar com palavras / é a luta mais vã / entanto lutamos/ mal rompe a manhã. Em todo o texto, o poeta mostra como existe um embate no momento de usar as palavras. A função centrada na mensagem recebe o nome de função poética. Quando dizemos poética, a tendência é achar que essa função só se aplica à poesia. Não. Ela deve ser estudada no âmbito dos problemas gerais da linguagem, não pode ser reduzida apenas à poesia. O exemplo de Jakobson é o seguinte: “Por que você sempre diz Joana e Margarida e nunca Margarida e Joana? Será porque prefere Joana à sua irmã gêmea? De modo nenhum; só porque assim soa melhor” (JAKOBSON, 1969, p. 128). Essa é uma questão de sonoridade que marca um idioma. A função poética está na busca do melhor som para enunciar a mensagem.

A elaboração do texto com função poética parte de um trabalho de seleção e arrumação das palavras, da exploração de seus significados, que cria efeitos sonoros, rítmicos no texto, muitas vezes, causando surpresa – o estranhamento dos surrealistas franceses e formalistas russos. Quando estudamos as funções da linguagem, devemos ter em mente que é muito difícil um texto ser de um tipo de função apenas. Haverá uma função dominante, mas podem aparecer outras em segundo plano.

Noções de texto e aspectos da comunicação

Então, o estudo da função poética deve abranger toda poesia e ultrapassar esse limite. Não se pode restringir o estudo da poesia à função poética. Por exemplo, a poesia épica põe em destaque a função referencial da linguagem; a lírica, orientada para a primeira pessoa, destaca a função emotiva; a poesia súplice, ou exortativa, destaca a segunda pessoa, vem imbuída da função conativa.

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Formações imaginárias – seu efeito na comunicação Um aspecto importante a ser considerado na comunicação interpessoal diz respeito às formações imaginárias. Entendemos por formações imaginárias como vemos o lugar social do locutor. Quando emitimos uma mensagem, uma informação é passada de emissor A para receptor B, que ocupam determinado lugar social, comunicam-se de lugares sociais, a partir dos quais os sentidos se constroem. Os interlocutores se representam, pois, a partir das chamadas Formações Imaginárias. Para Pêcheux ([1969] 1997), num discurso, A (locutor) e B (alocutário) se representam, produzindo um jogo de efeitos de sentido que, a partir do lugar social dos interlocutores, das relações de poder e força, criam um imaginário. Quando falamos imaginário, estamos nos referindo à “imagem” que os interlocutores fazem de si e do outro. Então, uma imagem é construída simbolicamente e, a partir dela, os sentidos se efetivam. Essa imagem varia de acordo com o papel social desempenhado no momento da mensagem, sendo o lugar evidenciado pelo discurso. De acordo com Pêcheux (1969), podemos estabelecer o seguinte quadro:

Expressão que designa as formações imaginárias

Noções de texto e aspectos da comunicação

A

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B

{ {

I (A)

A I (B) A

Significação da expressão

Questão implícita cuja “resposta” subentende a formação imaginária correspondente

Imagem do lugar de A para o sujeito colocado “Quem sou eu para lhe falar assim?” em A Imagem do lugar de B “Quem é ele para que eu lhe fale para o sujeito colocado assim?” em A

B

Imagem do lugar de B para o sujeito colocado em B

“Quem sou eu para que ele me fale assim?”

I (A) B

Imagem do lugar de A para o sujeito colocado em B

Quem é ele para que me fale assim?”

I (B)

(GADET; HAK, 1990)

Quadro 1 – Funcionamento das Formações Imaginárias


Por exemplo, o professor diz ao diretor: “Vamos trabalhar com o material do laboratório.” O diretor fala: “Hoje é impossível. Você deveria ter reservado o espaço ontem.” Considerando a fala do diretor como a posição A e a do professor como a posição B, temos: Imagem de A em relação à posição de A deriva nesta pergunta: quem sou eu para falar ao professor assim? Eu falo de um lugar social e responsável pela organização do uso do laboratório. Imagem de B para o sujeito situado em A: quem é ele para eu lhe falar assim? Ele fala do lugar social de componente de uma equipe que deseja usar o laboratório. Imagem de B para o sujeito colocado em B: quem sou eu para que ele me fale assim? Falo do lugar social de professor que deseja usar o laboratório e que deveria ter reservado o espaço. Imagem de A para o sujeito situado em B: quem é ele para que me fale assim? Ele falou do lugar social do responsável pela organização do uso do laboratório. Em outra situação de fala, os lugares sociais podem mudar completamente e uma nova análise das formações imaginárias é construída. Seria o caso de o diretor chegar em casa, por exemplo, e sua mulher lhe dizer: por que você não reservou lugar no restaurante? Agora, vamos ficar sem sair. Nesse caso, a mulher estaria no lugar de A que, no discurso anterior, era ocupado pelo diretor. Essa mobilidade de papéis sociais, de lugares sociais, dinamiza as formações imaginárias a partir das quais os efeitos de sentido são construídos e ativados.

Noções de texto e aspectos da comunicação

Encerramos aqui o estudo de discurso e texto, digo, encerramos enquanto espaço de tempo, porque o que vimos nesta aula deve acompanhar seus estudos e suas comunicações ao longo de sua vida. Por exemplo, numa situação de comunicação, reflita de que lugar a pessoa está falando ou escrevendo. Essa atitude pode trazer sentidos inesperados ou diferentes da primeira interpretação.

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Síntese Nesta aula, trabalhamos com os aspectos de discurso, texto, textualidade, bem como os diversos enfoques feitos por autores da área. É importante ver como, em cada aspecto, encontramos complementos para orientar o que se entende por comunicar-se, por usar o discurso como instrumento de convencimento.

Questão para reflexão Reflita à luz das definições e teorias que estudamos sobre frase de Bakhtin: “A linguagem é essencialmente ideológica”. ([1939] 2001, p. 96)

Leitura indicada Para complementar seu estudo, leia o capítulo “O que é um texto”, do livro O Texto e a Construção de Sentido, de Ingedore Koch, da Editora Contexto, 2000.

Site indicado <www.uff.br/mestcii/ines1.ht>.

Noções de texto e aspectos da comunicação

Referências

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BAKHTIN, M.; VOLOCHINOV (1939). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 2001. BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à Análise do Discurso. 7. ed. Campinas, SP: Unicamp, 1998. FERREIRA, Maria Cristina Duarte. As práticas religiosas sob a mirada do discurso. Debates do NER (UFRGS), Porto Alegre, v. 6, 2005. FIORIN, Luís; SAVIOLI, Platão. Lições do Texto: Leitura e Redação. 5. ed. São Paulo: Ática, 2006. JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. São Paulo: Cultrix, 2001.


KOCH, Ingedore G. Villaça; TAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto e Coerência. São Paulo: Cortez, 1997. KOCH, Ingedore Villaça. O Texto e a Construção de Sentidos. São Paulo: Contexto, 2000. ______. Desvendando os Segredos do Texto. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002. LYONS, John. Linguagem e Linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 1987. MARQUES, M. H. Duarte. Iniciação à Semântica. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. ORLANDI, Eni P. Discurso e Leitura. Campinas: Cortez/Editora da Unicamp, 1988. ______. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Cortez/Editora Unicamp, 2001. ______. Discurso e Texto: formação e circulação de sentidos. Campinas, SP: Pontes, 2001. PÊCHEUX, M. Análise Automática do Discurso (1969). In: GADET F.; HAK, T. (Orgs.) Por uma Análise Automática do Discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Trad. de Eni P. Orlandi. Campinas: Unicamp, 1990.

Noções de texto e aspectos da comunicação

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Fatores de textualidade As palavras têm o poder de destruir e de curar. Quando são ao mesmo tempo sinceras e gentis, elas podem mudar nosso mundo. Zuangzi

Na aula anterior, estudamos as noções de texto e os aspectos da comunicação. Esta aula tem o objetivo de que você consiga identificar, nos textos, os fatores de textualidade, bem como usar esses mesmos fatores em suas produções escritas. Como está dito na primeira aula, um texto/discurso é uma unidade, uma interação entre interlocutores, interpelados como sujeitos a partir de um lugar social. Vimos, também, que as materialidades podem ser as mais variadas: desde uma palavra, como “Uai!”, até um capítulo de romance. Mas, para que seja realmente uma unidade de comunicação, há fatores que caracterizam a textualidade.

Fatores de textualidade Beaugrande e Dressler (1983) apontam sete fatores de textualidade: Coerência; Coesão; Intencionalidade; Aceitabilidade; Situacionalidade; Informatividade; Intertextualidade. Os fatores internos ao texto, intrínsecos, devem estar claros e presentes. São eles: coesão, coerência e intertextualidade. Os demais fatores, enunciados por Beaugrande e Dressler, estão na periferia do texto, até no contexto. A seguir, vamos tratar sobre cada um deles.

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Coerência A coerência é responsável pela unidade semântica, pelo sentido do texto, envolvendo não só aspectos lógicos e semânticos, mas também cognitivos. Esse fator não está no texto, mas se constrói a partir dele, envolvendo autor e leitor. Com sua experiência de vida, o autor cria uma determinada situação, com uma finalidade. O leitor, também usando seus conhecimentos e experiências, vai produzir uma leitura em que o sentido se faz presente. Vejamos um exemplo em que o sentido do texto fica incoerente, fica truncado: “No sertão as casas ficaram alagadas devido ao mau tempo, embora não tenha chovido e a seca fosse intensa”. Ora, existem dois motivos para as casas alagarem: vazamento de água e chuva. Ativando nossas experiências e conhecimento de mundo, verificamos que, em região de seca, no sertão, pela forma como as pessoas valorizam a água, não haveria possibilidade de vazamento; por outro lado, não chovera. Temos uma incoerência cognitiva na qual o sentido está ausente.

Coesão A coesão garante a unidade do texto por meio do uso adequado dos conhecimentos gramaticais e lexicais. Enquanto a coerência está diluída no texto, a coesão aparece claramente no texto. Por isso, afirma-se que, por meio da construção, se percebe a coesão, que pode ser entendida como a “liga” do texto. Observe que, no exemplo “Estava dormindo porque o sol nasceu”, o texto fica incoerente devido ao uso indevido da conjunção “porque”, que dá ideia de causa. O correto seria usar um operador argumentativo de tempo. A frase ficaria: “Estava dormindo quando o sol nasceu”. Enquanto a “coerência” é subjacente ao texto, a coesão é revelada por meio das marcas linguísticas, dos índices formais na estrutura da sequência linguística e superficial do texto que lhe dá um “fio condutor”.

Fatores de textualidade

Coesão é a ligação, a relação de nexos que se estabelecem entre os elementos que constituem uma superfície textual.

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Intencionalidade Essa característica refere-se à competência do autor em elaborar um texto coerente e coeso, com a finalidade de atingir o objetivo que pretende ou deseja explicitar.


Por exemplo, se quero viajar e viajo, normalmente o meu desejo causará o evento que representa, o ato de viajar com todos os outros necessários para realizar a viagem. Há, portanto, conexão interna entre a causa e o efeito, porque se tenho um desejo (viagem), que é a causa, vai originar um efeito, que é eu viajar.

Aceitabilidade Para que o texto seja aceito, deve apresentar coesão e coerência, além de ser útil e ter relevância. Precisa, também, ter verdade, mesmo sendo ficção, mesmo que seja um simulacro do real; ter autenticidade e quantidade: um número tal de informações que permitam ao leitor tomar posse do texto, sem que haja vazios e lacunas que tornem o texto sem sentido. A cooperação do leitor faz-se presente desde que o autor corresponda a uma necessidade do leitor. Analisando a frase “Aquele rapaz disse isso”, podemos afirmar que essa frase solta não pode atender às necessidades do leitor. Que rapaz? Disse o quê? Note a diferença: Paulo Lima Duarte, autor conceituado (aquele rapaz), disse que todos nós precisamos rever o que escrevemos a fim de estarmos certos de ter feito o melhor (disse isso).

Situacionalidade O texto deve estar adequado a um contexto, situado em relação aos fatos em volta dele. Deve ter compatibilidade com a situação, ser coerente com o contexto em que aparece. Vejamos o texto a seguir: A jovem motorista de 25 anos estacionou seu carro em vaga de idoso no shopping. Uma senhora idosa, que estava para estacionar naquele espaço, esperou a jovem sair do carro e disse:

Sem entender direito, a jovem perguntou: – Por quê? Como?

Fatores de textualidade

– Poderia me dar o telefone de seu dermatologista ou de seu cirurgião plástico?

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A senhora respondeu: – Ora, porque você está muito bem conservada. Compreendemos esse diálogo devido à situacionalidade. Vaga de idoso é reservada para pessoas acima de 60 anos. É claro que a jovem de 25 terá a aparência correspondente a essa idade, daí a ironia da senhora ao querer saber quais médicos teriam efetuado aquela maravilha: uma idosa com aparência de 25 anos.

Informatividade Refere-se às informações que são colocadas no texto. É um aspecto delicado, pois informações demais deixam o texto sem criatividade e até infantilizado; por outro lado, se faltar de informações, o texto não atinge o objetivo de comunicabilidade. Um texto criativo pode ter menor informatividade, ser menos previsível, no entanto, ser interessante, envolvente, desde que venha ligado a dados conhecidos. Vejamos o exemplo desse texto jornalístico: No México, os comerciais dirigidos a crianças precisam trazer alguma mensagem educativa. Os anunciantes podem mostrar as crianças se entupindo de sucrilhos ou de chocolate, desde que no pé da tela corra um letreiro com os dizeres ‘Coma legumes e verduras’ ou ‘Escove os dentes três vezes ao dia’ (Disponível em: <http://www.escritoresalagoanos.com.br/texto/2140>).

Fatores de textualidade

Intertextualidade

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Vem a ser a relação de um texto com outros textos. Para identificar a intertextua­ lidade, é importante uma história de leituras, uma vez que um texto se constrói em cima de um “já-dito”. A intertextualidade acontece da seguinte forma: existe um texto primeiro e sobre ele se constrói um outro, com passagens, versos ou frases que permitem ao leitor identificá-lo, relacionando-o com o primeiro. O segundo texto fica, digamos, “contaminado” pelas ideias ou pela construção daquele sobre o qual se constrói. E esse processo é contínuo, pois há sempre um “a-dizer” marca da incompletude da linguagem. Portanto, intertextualidade é o processo de produzir um texto construído como absorção ou transformação de outros textos, e um discurso se elabora em “vista” do outro.


Estamos entrando no campo do dialogismo de Bakhtin – “em que o outro” perpassa, atravessa, condiciona o discurso do “eu”. Por exemplo, a primeira experiência de linguagem a criança aprende da mãe e dos familiares que a cercam. À medida que cresce, ela vai elaborar sua própria linguagem – até esquecendo a origem primeira. O seu discurso será então uma elaboração sobre as outras vozes, outros discursos. Por exemplo: o discurso citado será colocado entre aspas e em nota, indica-se o autor e de onde ele foi retirado – mas essa citação deve ser tecida no texto. O conceito de intertextualidade diz respeito ao processo de construção, reprodução ou transformação do sentido – um novo texto que tem como suporte um outro. Veja um exemplo: Pero Vaz de Caminha, na carta ao rei de Portugal, diz: “As águas são muitas e infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-la, tudo dará nela, por causa das águas que tem” (CASTRO, 1996, p. 97). No início dos anos 1980, houve um movimento iniciado no Sul do Brasil, que pretendia separar o chamado “sul maravilha” do Nordeste. Um dos argumentos usados foi o seguinte: O Nordeste atrasa o Sul, os nordestinos são preguiçosos e usam a seca como desculpa. Caminha mesmo escreveu para o rei: “A terra é tão maravilhosa que nela se plantando tudo dá”. (Transcrito de uma entrevista na TV) O entrevistado transformou e manipulou o que Caminha escreveu realizando um apagamento significativo. Na carta, Caminha fala das águas, e o entrevistado deu ênfase para terra. Às vezes, produz-se um apagamento intencional do já-dito, pois a intenção é dizer algo novo. No exemplo, há uma voz institucionalizada – Caminha – que é usada como argumento de autoridade.

Tendo Foucault como fonte teórica, Courtine (1981 apud BRANDÃO, s.d., p. 78) distingue comportamentos linguísticos que constroem a intertextualidade: O domínio da memória – É o texto preexistente – que a memória discursiva separa e elege numa determinada contingência histórica. É o texto que subjaz

Fatores de textualidade

Para a compreensão global de um texto, muitas vezes, é preciso entender as alusões e referências que ele faz a outros textos. No exemplo citado, se o ouvinte da entrevista não tem conhecimento do texto primeiro, a Carta ao rei, por ocasião da descoberta do Brasil, poderá inocentemente ou ingenuamente concordar com o entrevistado.

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ao texto novo – ausente na escritura, mas presente na memória pelas semelhanças ou rompimentos que o novo texto traz.

Constitui o domínio da memória uma voz sem nome, fruto de todo conhecimento dominado por um leitor. Como tal é irrepresentável, pois vem a ser tudo o que sabemos, e aqui não está significando memória como antônimo de esquecimento, mas todo o saber de um indivíduo. Um domínio da atualidade – Trata-se de sequências discursivas do passado reatualizadas. É um campo de presença. É o texto atual fundado sobre o outro. É um texto que sobre outro que surge da semelhança ou da ruptura. Um domínio de antecipação – Segundo Courtine, revela o caráter aberto da relação discursiva. São as possibilidades que um texto oferece de ser repetido, refeito em outra circunstância, trazendo novos sentidos. “Se há um ‘sempre-já’ do discurso, pode-se acrescentar que haverá um ‘sempre-ainda’” É impossível atribuir um fim a um processo discursivo. Há sempre novas possibilidades, novas intertextualidades.

Vamos exemplificar os três itens anteriores com uma parte da letra da música Monte Castelo, de Renato Russo. Ainda que eu falasse a língua dos homens E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria. Para compor esse texto, Renato Russo se valeu do domínio da memória, pois o trecho em questão faz parte da carta de São Paulo aos Coríntios, 13, 1 e 2: “Se eu falasse a língua dos homens e falasse a língua dos anjos e não tivesse amor, [...] eu nada seria”. Essa carta foi escrita entre os anos 50 e 51 d.C. Esse é o domínio da memória.

Fatores de textualidade

O domínio da atualidade se faz presente no momento em que Renato Russo compôs essa letra e acrescentou uma parte da carta de Paulo e outra do soneto de Camões, que também é do domínio da memória. O modo como reuniu suas ideias às de Paulo aos Coríntios e ao soneto de Camões traz para o domínio da atualidade um texto do passado.

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Quanto ao domínio da antecipação, qualquer autor pode fazer uso dos dizeres da Carta de São Paulo e trazer para o domínio da atualidade, do seu modo, com seus critérios. É um texto sempre disponível para novas interpretações, novas construções a partir dele. Esse é o sempre-ainda.


A percepção das relações intertextuais, da referência de um texto a outro, depende do repertório do leitor. Daí a importância da leitura, para ter a compreensão do texto e ao mesmo tempo para o despertar da criticidade – da leitura crítica e consciente. Por exemplo, uma pessoa pode muito bem cantar toda a música Monte Castelo sem jamais saber que parte dela vem dos anos 50/51 d.C., o mesmo acontecendo com o soneto de Camões que faz parte da música. Ao ler o texto, é preciso levar em conta os seguintes aspectos: Dialogismo - É a presença do eu e do outro. No caso da música Monte Castelo, estão presentes eu-leitor e o outro-compositor. Há um leitor inscrito no texto do autor, alguém em quem ele pensa no momento da composição. Polifonia - Refere-se às várias vozes do texto. No texto Monte Castelo, nós temos claramente as vozes de Paulo, de Camões, de Renato Russo. Intertextualidade - Diz respeito a vários textos que se entrecruzam no tempo e no espaço. Está visível a intertextualidade no texto, observam-se textos que se entretecem. As formas de intertextualidade em evidência são: citação, paráfrase, paródia. A citação consiste em apresentar um discurso de outro no próprio discurso. Acontece quando escrevemos um trabalho ou uma pesquisa e, para referendar o que pretendemos provar, citamos outro autor. Essa citação vem marcada por aspas, nome do autor e do livro em que ela aparece. Outra forma de citação é a de ditados populares ou frases do senso comum presentes na cultura de um país. A paráfrase consiste em reafirmar, com palavras diferentes, o mesmo sentido de outro texto. A paráfrase consiste no “mesmo” dito de outra forma. Trata-se do já-dito, o estável, o retorno constante ao mesmo. Há um texto que é a matriz do sentido – e essa matriz é repetida com o mesmo sentido, mas com outras palavras – há um deslocamento sem que haja traição ao seu significado primeiro. Por exemplo, Caetano, na letra da música Sampa, diz: “Narciso acha feio o que não é espelho”. Nesse caso, temos uma paráfrase da mitologia grega.

Fatores de textualidade

A paródia estabelece uma ruptura com o texto primeiro. O distanciamento é absoluto. A linguagem torna-se dupla sendo impossível a fusão de vozes: é uma escrita transgressora, que engole e transforma o texto primitivo, articula-se sobre ele, reestrutura-o, mas, ao mesmo tempo, o nega – estabelecendo a intertextualidade e possibilitando a dupla leitura. A paródia não se reduz a uma mera repetição do texto primitivo, mas soa como um eco deformado e as palavras do outro se revestem de algo novo e se tornam bivocais. Leia os textos a seguir para ver como ocorre a paródia.

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Texto Primeiro

No Meio do Caminho Carlos Drummond de Andrade

No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra Nunca esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas Nunca me esquecerei desse acontecimento que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra Parafraseando Drummond – Intertextualidade

Fatores de textualidade

No Meio do Caminho

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Nilza Cercato

No meio do caminho tinha aqueles olhos tinha aqueles olhos no meio do caminho


tinha aqueles olhos no meio do caminho tinha aqueles olhos. Nunca esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei desse acontecimento que no meio do caminho tinha aqueles olhos. Tinha aqueles olhos no meio do caminho No meio do caminho tinha aqueles olhos. Ah! Que olhos!!! Seguem-me até hoje. Depois de ter visto como acontecem as formas de textualidade, podemos concluir que: uma estrutura nunca está constituída completa e perfeitamente, uma vez só e para sempre, antes da leitura que a tira do limbo e a repõe em movimento, no ato interpretativo que cada leitura engaja – “[...] mas se elabora em relação a uma outra estrutura”(MAINGUENEAU, 1989, p. 39) –, o que quer dizer que podemos ter um texto voltando, com significados diferentes, desde que o autor ponha em funcionamento a linguagem e as condições de produção; quando dizemos “[...] todo texto é absorção e transformação de outro texto” (MAINGUENEAU, 1989, p. 39), trazemos a questão da citação, com a qual um texto não resulta nem direta nem exclusivamente de uma língua natural, mas de outros textos, seus predecessores.

Fatores de textualidade

Proponho a você que leia a letra da música Bom Conselho, de Chico Buarque, e procure relacionar com os ditados populares que seguem o texto. Veja como o autor trabalha a intertextualidade. Divirta-se.

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Bom Conselho Chico Buarque

Ouça um bom conselho que eu lhe dou de graça Inútil dormir que a dor não passa Espere sentado Ou você se cansa Está provado, quem espera nunca alcança Venha, meu amigo Deixe esse regaço brinque com meu fogo tenha se queimar Faça como eu digo Faça como eu faço Aja duas vezes antes de pensar Corro atrás do tempo Vim de não sei onde

Fatores de textualidade

Devagar é que não se vai longe

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Eu semeio vento na minha cidade Vou pra rua e bebo a tempestade


Provérbios populares “Uma boa noite de sono combate os males” “Quem espera sempre alcança” “Faça o que eu digo, não faça o que eu faço” “Pense, antes de agir” “Devagar se vai longe” “Quem semeia vento, colhe tempestade (Disponível em: http://<www.thefreelibrary.com/revisitando o conceito de proverbio.a020011751>.)

Espero que tenha notado como a intertextualidade está presente em nosso cotidiano. Nem sempre é fácil identificar se há intertextualidade, por isso eu recomendo leitura. Quanto mais você conhecer, mais fácil será identificar a origem de uma paródia ou analogia, ou paráfrase.

Síntese Os fatores de textualidade são relevantes para oferecer sentido ao texto. Quando um texto está incoerente, ou sem coesão, por exemplo, não há como estabelecer o sentido adequado. Outros elementos situam-se em torno desses dois, que são fundamentais.

Questão para reflexão Reflita sobre a frase de Maingueneau (1989, p. 39): “Um discurso não vem ao mundo numa inocente soletude, mas constrói-se por meio de um já-dito em relação ao qual toma posição.”

Para complementar seu estudo, leia o capítulo “Atividades e estratégias de processamento textual”, do livro O Texto e a Construção de Sentido, de Ingedore Koch, da Editora Contexto, 2000.

Fatores de textualidade

Leitura indicada

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Sites indicados <www.foa.org.br/cadernos/edicao/04/57>. <www.slideshare.net/cleiantjohnny/4o-dia-tp5-os-princpios-da-textualidad>.

Referências BEAUGRANDE, R. A.; DRESSLER, W. U. Introduction to Text Linguistics. London, Longman, 1983. CASTRO, Silvio. A Carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L & PM, 1996. CHAROLLES, Michel. Introduction aux Problèmes de la Cohérence Textuelle. Paris: Langue Française, 1978. KOCH, Ingedore G. Villaça. Desvendando os Segredos do Texto. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002. ______. O Texto e a Construção de Sentidos. São Paulo: Contexto, 2000. LYONS, John. Linguagem e Linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 1969. MAINGUENEAU, D. Novas Tendências em Análise de Discurso. SP, Campinas: Pontes, 1989.

Fatores de textualidade

ORLANDI, Eni P. Discurso e Leitura. Campinas: Cortez/Editora da Unicamp, 1988.

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Coesão e coerência/revisar conectivos O mais importante na comunicação é escutar aquilo que não foi dito. Peter Drucker

Vimos, na aula passada, que coesão é a ligação, a relação de nexos que se estabelecem entre os elementos que constituem uma superfície textual. Nesta aula, daremos um passo mais adiante, vamos ver como empregar elementos de coesão e coerência, reconhecê-los e, principalmente, utilizar os conectivos necessários para que um texto tenha coesão. Num texto, há coesão quando existe uma conexão entre os períodos, produzindo o sentido do texto. Para alcançar esse patamar de união entre os vários enunciados, existem classes de palavras chamadas de elementos de coesão ou conectivos. São elas: preposições, conjunções, pronomes e advérbios. Entre elas, destacamos as conjunções, que têm a função de pôr em evidência as relações entre os enunciados. Os pronomes, por sua vez, podem substituir ou determinar um nome, e os advérbios podem modificar o sentido de um verbo. Esses elementos não são formas vazias que podem ser substituídas entre si, sem nenhuma consequência, ao contrário, são formas linguísticas que carregam um significado, trazem a coerência e, para usá-las, fazem-se necessários critérios especiais em seu emprego, tais como: manter uma estrutura do texto – é o momento de vermos se o texto está organizado, “arrumado”, com começo, meio e fim; visualizar o conjunto – uma leitura atenta, verificando se o “todo” do texto faz sentido; observar como se realiza a “liga”, a conexão entre os enunciados – vamos verificar se um período está ligado ao outro e se acontece o mesmo com os parágrafos.

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Vamos trabalhar duas modalidades de coesão: Modalidade 1 – Coesão referencial Esse tipo de coesão acontece entre elementos do texto que remetem (ou permitem recuperar) uma mesma referência, ou um mesmo assunto. Pode ser dividido em: Substituição – ocorre quando se retoma um termo enunciado, usando-se, para isso, um pronome, verbo ou advérbio, deixando de repetir o elemento já citado. Ex.: Marcos e Pedro, apesar de serem gêmeos, são muito diferentes. Por exemplo, este é calmo, aquele é explosivo. Nesse exemplo, temos uma substituição dos nomes dos gêmeos: “este” refere-se a Pedro e “aquele” refere-se a Marcos. Reiteração – que se faz por meio de sinônimos, de nomes genéricos, expressões nominais definidas, de repetição do mesmo item lexical, de nominalizações. Observe o exemplo que segue em que foi usada a reiteração com a repetição dos mesmos itens lexicais: educação e saúde. Ex.: Os problemas do Brasil se encontram na área de educação e saúde. Educação porque não há escolaridade e conhecimento de formas para resolver situações pessoais e da comunidade. Saúde, pelo desconhecimento dos cuidados básicos e pela falta de projetos no sentido de esclarecer a população. Outro exemplo, em que um nome genérico e uma expressão nominal definida é reiterada. Note como a palavra homens aparece no exemplo a seguir: Ex.: Um país precisa de homens conscientes; de homens honestos; de homens corajosos para defender suas posições e suas ideias.

Coesão e coerência/revisar conectivos

Modalidade 2 – Coesão sequencial

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Esse tipo de coesão é usado para manter a sequência entre as ideias expressas facilitando, dessa maneira, a produção de sentidos. Recorrência ou parafrástica – que é obtida pela recorrência (repetição) de termos, de estruturas (paralelismo), de conteúdos semânticos (paráfrase), de recursos fonológicos segmentais ou suprassegmentais e de aspectos verbais. O paralelismo consiste em repetir uma palavra ou expressão para que se mantenha unidade equilibrada no enunciado.


Ex.: O ser humano foi criado para a perfeição, para a verdade, para dirigir seus próprios passos, para construir sua história. Observe que o paralelismo foi construído por meio do uso do termo “para”. Outro modo de estabelecer a coesão sequencial é pelo uso de elementos segmentais ou suprassegmentais (ritmo, rima, aliteração, eco etc.). Constrói-se a coesão pelo uso dos recursos sonoros, muito explorados nos poemas, como por exemplo, os versos de Fernando Pessoa (heterônimo Bernardo Soares) na definição que faz de poeta: Autopsicografia O poeta é um fingidor Que finge tão completamente Que chega fingir que é dor A dor que deveras sente. Se você ler em voz alta o poema anterior, vai observar como a sonoridade, obtida através das rimas (dor e ente), traz um ritmo, uma melodia própria da poesia. Coesão por progressão – é feita por mecanismos que possibilitam: 1) manutenção temática – pelo uso de termos de um mesmo campo lexical. Ex.: As vozes são agradáveis quando sonoras e suaves, falas agudas são destoantes. Observe que vozes e falas são termos do mesmo campo. 2) encadeamentos – que podem se dar por justaposição ou conexidade: Justaposição – uso de partículas sequenciadoras ou continuativas de enunciados ou sequências textuais que dizem respeito à linearidade e à ordenação de partes do texto.

Você já deve ter concluído que a justaposição está nas expressões “primeiro lugar” e “em seguida”, que mantêm a ordenação do enunciado. Encadeamento por conexão – ocorre por meio de conectores, das conjunções ou através dos operadores do discurso – justificação, explicação, conclusão. Ex.: Luciana apresentou-se de forma competente, logo foi aprovada. Você tem medo porque não sabe correr riscos.

Coesão e coerência/revisar conectivos

Ex.: Entre vários fatores para resolver sua ação, sugiro dois. Em primeiro lugar, você deve ter um plano de ação; em seguida, pô-lo em prática.

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No primeiro exemplo, a conjunção logo dá a ideia de conclusão. No segundo, temos uma justificação por meio do uso do operador argumentativo “porque”. A relação entre coesão e coerência é um processo de mão dupla: na produção do texto se vai da coerência (profunda), a partir da intenção comum, desde o aspecto prático e do uso de linguagem, do nível superficial até o mais profundo. Muitas vezes, lendo textos, você pode observar que nem sempre os elementos de coesão são necessários e nem sempre são suficientes – haverá necessidade do conhecimento de mundo da colaboração dos interlocutores, de saber em que situação acontecem os dizeres e, por último, a forma em que foram usadas as normas sociais. Por outro lado, o mau uso dos elementos linguísticos de coesão pode causar incoerências locais pela violação de sua especificidade de uso e função, por exemplo: Naquele dia, quando todos aguardavam o resultado da pesquisa, o diretor explicava como seriam desenvolvidos os trabalhos. Note como a frase fica incoerente devido ao mau emprego do elemento de coesão quando. Verifique, agora, o sentido: Naquele dia, enquanto todos aguardavam o resultado da pesquisa, o diretor explicava como seriam desenvolvidos os trabalhos. A explicação para o uso de “enquanto” em lugar de “quando” está no fato de as ações serem simultâneas: todos aguardavam e o diretor explicava. Usamos “quando” com verbos no pretérito perfeito, tempo esse que expressa ação iniciada e encerrada no passado. Note a diferença no exemplo a seguir:

Coesão e coerência/revisar conectivos

Quando os funcionários souberam o resultado, traçaram as metas a serem atingidas.

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Como você notou, é importante conhecer os operadores para o bom uso dos mesmos, evitando incoerências. Pela sua própria experiência, você sabe avaliar o domínio da escrita, analisando um bilhete, uma carta, ou mesmo um cartão. Para aperfeiçoar sua escrita, a elaboração de seus textos, vamos estudar, a seguir, as conjunções e o seu uso.


Conjunções – Quadro de operadores do tipo lógico e do tipo discursivo O que nos interessa, neste momento, é fazer uma revisão do uso de operadores argumentativos, representados pelo uso das conjunções. Celso Ferreira da Cunha (1972, p. 532) conceitua conjunções como: “vocábulos gramaticais que servem para relacionar duas orações ou dois termos semelhantes da mesma oração”. Divide-as em: coordenadas e subordinadas e afirma que se percebe facilmente a diferença entre as conjunções coordenativas e as subordinativas quando comparamos construções de orações a construções de nomes. (1) Estudar e cantar. O estudo e o canto. (2) Estudar ou cantar. O estudo ou o canto. Vemos que a conjunção coordenativa não se altera com a mudança de construção, pois liga elementos independentes, estabelecendo entre eles relações de adição, como no primeiro caso, e de alternatividade, como no segundo. Essa é a característica das conjunções coordenadas, como o próprio nome diz, elas (co)ordenam sem que haja dependência entre os elementos. Nos enunciados seguintes: (3) Quando tiver estudado o assunto, pode ensaiar o canto. (4) Depois do estudo, o canto.

Operadores do tipo lógico e do tipo discursivo Tendo visto como se organizam os elementos de um período, em relação à coordenação e subordinação, é importante situá-los. Portanto, vejamos, entre os recursos que nos auxiliam na manutenção da coesão, quais são os principais operadores argumentativos, cujo papel, no texto, é manter a logicidade e oferecer coerência:

Coesão e coerência/revisar conectivos

Note que, no exemplo três, há dependência do primeiro termo (quando tiver estudado o assunto) em relação ao segundo (pode ensaiar o canto). Já, no exemplo quatro, em lugar da conjunção subordinativa “quando”, temos uma preposição (depois) que está colocando a dependência de um elemento a outro. (Só depois de ter estudado é que pode ensaiar).

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Tipos de relações dos operadores do tipo lógico Disjunção – ou. Condicionalidade – se, caso, desde que. Causalidade – já que, visto que, tanto (assim) que, porque, então, assim, por isso. Mediação – para que, para, a fim de que.

Tipos de relações dos operadores do tipo discursivo argumentativo Disjunção – ou – quando se propõe “isto ou aquilo”. Conjunção – e, também, tanto quanto/como, além disso, além de, nem (=e não), não só...mas também, ainda -quando se acrescenta, soma. Contrajunção – e (=mas), mas, no entanto, porém, entretanto, todavia, contudo, embora, apesar de, ainda que, mesmo que – quando coloca oposição entre os elementos do período. Explicação – pois, porque, que – para justificar ou explicar. Conclusão – assim, portanto, logo, por isso, então, pois, por conseguinte – para demonstrar a que resultado chegamos. Se você prestar atenção ao que fala, ou lê, verá que os operadores lógicos e argumentativos pontuam todo o dizer. Essas expressões dão sentido e organizam logicamente a nossa comunicação, seja oral ou escrita.

Coesão e coerência/revisar conectivos

Coerência

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Coesão e coerência são duas faces do mesmo fenômeno. Define-se coerência textual como uma lógica interna que deve existir para dar verossimilhança e verdade ao texto. A incoerência pode acontecer quando: 1.° – O locutor usa dois processos verbais em duas fases distintas de sua realização, como em: (por processos verbais entendem-se fatos acontecidos em determinado período de tempo).


Ex.: Maria já tinha lavado a roupa quando chegamos, mas ainda estava lavando roupa. Observamos que, no exemplo, acontece o uso do verbo tinha lavado que dá ideia de processo acabado e ainda estava lavando, ideia de processo não acabado. Seria correto dizer: Maria já tinha lavado a roupa quando chegamos, mas ainda não tinha passado a ferro. 2.° – Há uma relação de oposição contrariando a relação de causa que parece ser a mais plausível e esperada, como no exemplo: Ex.: João não foi à aula, entretanto estava doente. Vamos notar que a ligação entre as duas partes do período não estão coesas, porque o termo “entretanto” dá ideia de oposição. Deveria ser usada uma relação de causa, no caso, uma das conjunções: pois, porque, devido ao fato de..., entre outras. Então a construção da frase fica assim: João não foi à aula porque estava doente. Ou, pois estava doente. Ou ainda, João não foi à aula devido ao fato de estar doente. 3.° – por contrariar o conhecimento geral, como em: Ex.: A galinha estava grávida. Julgar se um texto é coerente ou não, depende: A – da combinação entre os elementos linguísticos do texto. Vamos ver como, na letra de “Águas de Março”, há uma combinação dos elementos linguísticos:

Tom Jobim

É pau, é pedra, é o fim do caminho, É um resto de toco, é um pouco sozinho É um caco de vidro, é a vida, é o sol, É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol É peroba do campo, é o nó da madeira,

Coesão e coerência/revisar conectivos

Águas de março

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Caingá, candeia, é o Matita Pereira É madeira de vento, tombo da ribanceira, É o mistério profundo, é o queira ou não queira É o vento ventando, é o fim da ladeira, É a viga, é o vão, festa da cumeeira É a chuva chovendo, é conversa ribeira, Das águas de março, é o fim da canseira É o pé, é o chão, é a marcha estradeira, Passarinho na mão, pedra de atiradeira É uma ave no céu, é uma ave no chão, É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão É o fundo do poço, é o fim do caminho, No rosto o desgosto, é um pouco sozinho É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto, é um pingo pingando, É uma conta, é um conto É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando, É a luz da manhã, é o tijolo chegando É a lenha, é o dia, é o fim da picada, É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada É o projeto da casa, é o corpo na cama, Coesão e coerência/revisar conectivos

É o carro enguiçado, é a lama, é a lama

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É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã, É um resto de mato, na luz da manhã São as águas de março fechando o verão, É a promessa de vida no teu coração É uma cobra, é um pau, é João, é José, É um espinho na mão, é um corte no pé São as águas de março fechando o verão,


É a promessa de vida no teu coração É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã, É um belo horizonte, é uma febre terçã São as águas de março fechando o verão, a promessa de vida no teu coração, É pau, é pedra,... (Disponível em: <http://letras.terra.com.br/tom-jobim/49022/>.)

Para valorizar o que diz o poeta Tom Jobim, nós, os leitores, devemos produzir nossa leitura. Imagine a época do ano de que o texto fala: o fim do verão, as águas de março chegando. Imagine-se passeando por um local de veraneio, e acompanhe o poeta no seu trajeto. A coerência do texto se estabelece pelos elementos da natureza, que ele descreve, como numa pintura em que o verbo ser (é, são) define a construção da paisagem, pequenas coisas que fazem o dia a dia desta época do ano. Por outro lado, essa descrição de uma natureza viva, no trajeto do poeta, abre para o verso magnífico que é a proposta do autor: “a promessa de vida no teu coração”. O fim de uma estação como o verão, traz em seu bojo a promessa de novo tempo. Como as chuvas de março renovam a natureza, também teu coração será renovado, essa é a promessa. Esse modo de ler, num texto como “Águas de Março”, o autor o apresenta com a intenção de que seja um texto, e nós, leitores, agimos cooperativamente e aceitamos a sequência como um texto e procuramos determinar-lhe o sentido. B – Do conhecimento prévio sobre o mundo em que o texto se insere. Um exemplo é a fábula do lobo e do cordeiro, em que há incoerência nas afirmações do lobo, mas a coerência se faz para obter o resultado desejado: a lição de moral da fábula.

Vendo um lobo que certo cordeirinho matava a sede num regato, imaginou um pretexto qualquer para devorá-lo. E embora se achasse mais acima, acusou-o de sujar-lhe a água que bebia. O cordeiro explicou-lhe que bebia apenas com a ponta dos beiços e, além disso, que, estando mais abaixo, nunca poderia turvarlhe o líquido. O lobo exposto ao ridículo, insistiu:

(ESOPO. ENCICLOPÉDIA UNIVERSAL DA FÁBULA, v. 3. p. 76)

O lobo e o cordeiro

Coesão e coerência/revisar conectivos

Exemplo:

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– No ano passado, eu não tinha nascido, replicou o cordeiro. O lobo, então replicou: – Tu te defendeste muito bem. Mas nem por isso vou deixar de te devorar. Moral: Contra a força não há argumentos.

Observe que a argumentação do cordeiro nega a afirmação do lobo, mostrando o quanto ele está incoerente. No entanto, o que dá a coerência ao texto é o desejo do autor de mostrar que contra a força não há argumentos. É a denúncia da lei do mais forte. C – Do tipo de texto. Se for uma propaganda, ou um outdoor é preciso que se tenha conhecimento de mundo, das circunstâncias em que aquele texto foi produzido. Por exemplo, se for uma receita, ter um comportamento adequado, se for uma carta, agir cooperativamente, e assim por diante, verificando qual tipologia textual. Por exemplo: Caro Amigo Francisco. Em minha viagem pelo Chile, lembrei-me de ti, por isso escolhi esse cartão postal dos lagos chilenos, com a intenção de que te animes e faças esse passeio com tua esposa. Vê que maravilha! Um abraço de teu companheiro de luta. Pedro

Coesão e coerência/revisar conectivos

Esse é um texto característico dos cartões postais.

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A coerência, às vezes, é subjacente, subentendido, ligado a fatores históricos e sócio-culturais, que podem ser: Intenção comunicativa – Deve responder à pergunta: o que desejo comunicar? Há uma canção de protesto que diz: Tudo está tão certo como dois e dois são cinco. Se ficarmos no limite da matemática, veremos que há uma incoerência, mas se pensarmos que esses versos estão denunciando um período histórico em que não havia liberdade de expressão, veremos que a intenção comunicativa é dizer que tudo está errado.

(ESOPO. ENCICLOPÉDIA UNIVERSAL DA FÁBULA, v. 3. p. 76)

– No ano passado, ofendeste meu pai.


Formas de influência do falante na situação de fala – É preciso compreender que, conforme o lugar social que o falante ocupa, sua fala pode ter mais força, por ele gozar de influência. Por exemplo, a fala do diretor da empresa tem mais força que a fala do empregado. Regras sociais determinadas pelos lugares sociais – Existem expressões típicas que compõem as regras sociais. Por exemplo: há formas de cortesia para velórios, casamentos, ações jurídicas. Por exemplo, seria uma “gafe” enorme alguém chegar num velório em que a mãe chora a perda de seu filho dizer: “Meus parabéns”. Vimos várias formas de manter a coerência, de dar sentido ao que escrevemos e de observar como se pode atribuir sentido ao que lemos. Procure praticar o que foi exposto anteriormente para assegurar qualidade e verdade a seus trabalhos.

Tipos de coerência Agora, aprimorando ainda mais nossa competência em relação à coerência, vamos ver como se identificam os tipos de coerência nas diversas formas comunicativas. Coerência semântica – É a relação entre significados dos elementos das frases em sequência em um texto. Observe a incoerência semântica (significado) das expressões a seguir: Exemplo 1 – executar problemas. Qual o sentido de executar problemas? Executar tem o sentido de realizar, como em executar uma tarefa. Então, a incoerência está em dizer que em lugar de resolver problemas, o autor da fala está dizendo que vai “criar” mais problemas.

Exemplo 3 – correr atrás do prejuízo. Neste caso, claramente, notamos a incoerência. Se o autor da fala corre atrás do prejuízo, este estará sempre à frente dele, não havendo meios de sanar o prejuízo. Exemplo 4 – risco de morte. Risco de morrer todos nós corremos. Afinal, a morte é certa. O que deve ser dito é “correr risco de vida”, uma vez que a vida corre perigo.

Coesão e coerência/revisar conectivos

Exemplo 2 – cuidar do stress. O sentido do verbo cuidar está relacionado com a ideia de proteção, de dar cuidados especiais, como por exemplo, cuidar da plantinha, cuidar da criança. Daí ficar claro que a incoerência se faz presente pelo fato de o autor da fala, em lugar de eliminar o stress, cuida dele permitindo que ele cresça, floresça.

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São expressões do cotidiano em que o sentido contradiz o que se deseja, mas são tão corriqueiras que nem sempre o locutor se dá conta de que está sendo incoerente. Mas não vamos esquecer que, para dar sentido a essas expressões, precisamos verificar em que contexto elas foram faladas. Coerência estilística – é o uso do registro de linguagem numa situação comunicativa. Se culto, não introduzir gíria ou expressões populares. Se, para dar cor ou imprimir maior comunicabilidade, for necessário usar gíria no registro culto, o que se pode fazer é introduzir expressões como: “Se me permitirem o termo...” ou “Para usar uma palavra bem expressiva...”. Exemplo: Nossa vida nem sempre atende às nossas expectativas. As decepções e os desencontros fazem parte do cotidiano, mas nem por isso, se me permitirem o termo, pode-se “chutar o pau da barraca”. Coerência pragmática – Os atos de fala devem satisfazer as mesmas condições presentes em uma dada situação comunicativa. Todo o dizer traz uma consequência. Por exemplo: para pedido

é coerente

atendimento

pedido

recusa

justificativa

É uma situação óbvia: quando se faz um pedido, em um ato de fala, podemos ter duas situações, a primeira, atender ao que está solicitado; a outra, recusar. Observe as duas possibilidades no trecho a seguir: Exemplo: – Pode me emprestar o carro? (pedido)

Coesão e coerência/revisar conectivos

– Não posso, hoje eu vou viajar. (recusa e justificativa de porque não pode emprestar o carro)

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Ou então: – Aqui está a chave. (atendimento) Veja outro exemplo: – O namorado prometeu ir ao cinema com a namorada. Pela nossa experiência pessoal, sabemos que a namorada espera que a promessa se cumpra – se não der para ir ao cinema, o namorado deve-se justificar e muito bem... Dessa forma, podemos perceber que coerência é a unidade de sentido do texto: nada é ilógico, contraditório ou desconexo.


Níveis de coerência Um texto bem escrito deve ter coerência, mas ela se organiza em diversos níveis: para a narrativa, há um percurso; para argumentação, os operadores; para descrições, as imagens figurativas. O que veremos é como esses níveis se articulam. Estudando a narrativa, Fiorin e Savioli (1997, p. 56) propõem quatro fases para melhor estruturar o texto. São elas: manipulação – alguém é induzido a querer ou dever realizar uma ação; competência – adquire um poder ou um saber para realizar aquilo que deve ou quer; performance – quando realiza a ação; sanção – recompensa ou castigo pelo que realizou. Vamos exemplificar esses níveis de coerência através da história infantil A Cinderela. Vejamos: A manipulação vai acontecer quando a Cinderela quer ir ao baile em que o príncipe vai escolher uma princesa por esposa. A competência é externa, quando a fada madrinha aparece e faz as transformações. Quem torna a Cinderela competente para ir ao baile é a fada. A performance ocorre quando Cinderela vai ao baile e dança com o príncipe, deixando-o encantado por ela. Na história, Cinderela sofre duas sanções, uma negativa outra positiva. A negativa acontece quando perde a noção da hora e ouve o relógio marcar as doze badaladas da meia-noite, e tudo volta ao que era antes de a fada madrinha ter feito a transformação. A positiva é ela ser finalmente reconhecida pelo príncipe e ser a escolhida.

1.ª forma – As quatro fases se pressupõem, a posterior depende da anterior. Constitui-se incoerência narrativa uma performance de alguém sem a competência; ou a sanção, sem a performance. Um exemplo é o processo de Kafka. Nesta obra, um trabalhador é preso, julgado e condenado sem ter feito nada. Embora ninguém ache culpa nele, ele é condenado. Se ele foi preso, é porque fez alguma coisa. A obra é uma crítica aos governos ditatoriais. 2.ª forma – Se um personagem adquire objeto de um outro, este deixa, portanto, de possuí-lo. Mas se, por exemplo, numa parte do texto, está dito que

Coesão e coerência/revisar conectivos

Veja, a seguir, algumas formas de incoerência narrativa:

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uma mulher vendeu um colar de pérolas negras, ela não pode aparecer, em outra parte, usando tal colar, sem outras explicações anteriores. 3.ª forma – Com relação à caracterização dos personagens e às ações a eles atribuídas – a dupla face precisa ser esclarecida –, o leitor deve ter o domínio do que está sendo explicitado. Se, no texto, aparece um mendigo, que, na verdade, é uma pessoa que tem poder, riqueza, mas que, para resolver uma determinada situação, está somente se fazendo passar por mendigo, isso deve ser explicado. Observamos, portanto, que a coerência é fundamental para a comunicação, pois quando um texto apresenta uma das formas anteriores de incoerência fica evidente, para o leitor, que algo não está funcionando na narrativa.

Coerência figurativa É a articulação harmônica das figuras do texto com base na relação de significado que mantêm entre si. As figuras devem constituir um bloco temático. A ruptura pode produzir efeitos desconcertantes – às vezes, essa ruptura produz a sátira, a ironia, a ridicularização. Por exemplo: Num convite para festa, está explicado que o traje será à vontade e a festa ao ar livre, uma pessoa que compareça de smoking ou com vestido longo de seda pura, estará em desarmonia, perto do ridículo.

Coesão e coerência/revisar conectivos

Coerência argumentativa

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Ocorre quando, no texto, há um jogo de pressupostos, dados e inferências, de que se tiram conclusões que conduzem para onde se deseja chegar. Se os pressupostos não permitirem as conclusões desejadas, há a incoerência argumentativa. É preciso sempre ter em mente a que conclusão se deseja chegar. Por exemplo: Um chefe quer que seus subalternos cumpram horários, sejam pontuais. Além de estabelecer esses horários claramente, ele também deve dar o exemplo para que haja coerência. Toda linguagem é argumentativa, porque desejamos que o interlocutor aceite nossos pontos de vista. Por isso, é fundamental desvendar, no texto, os pressupostos e subentendidos, além de manter a coerência de atitudes diante do que afirmamos.


Conhecimento de mundo Entendemos por conhecimento de mundo nossa experiência de vida. Alguns autores usam a expressão biblioteca vivida, outros, repertório de ideias. Vamos usar a expressão que é usada por Koch. O nosso conhecimento de mundo desempenha um papel decisivo no estabelecimento da coerência: se o texto falar de coisas que absolutamente não conhecemos, será difícil calcularmos o seu sentido e ele nos parecerá destituído de coerência. É o que aconteceria a muitos se nos defrontássemos com um tratado de física quântica. (KOCH, 1995, p. 60)

Adquirimos esse conhecimento à medida que vivemos, tomamos contato com o mundo que nos cerca e experienciamos uma série de fatos. Mas, ele não é arquivado na memória de maneira caótica: vamos armazenando os conhecimentos em blocos que se denominam modelos cognitivos. Segundo Koch e Travaglia (1995, p. 60), existem diversos tipos de modelos cognitivos. Entre eles, vale citar: Os frames – conjuntos de conhecimentos armazenados na memória debaixo de um certo “rótulo”, sem que haja qualquer ordenação entre eles.” Ex.: Carnaval: confete, serpentina, desfile, escola de samba, bloco, fantasia, abadá, baile etc. Os esquemas – conjuntos de conhecimentos armazenados em sequência temporal ou causal. Ex.: pôr um aparelho a funcionar, a rotina do dia de cada pessoa. Os planos – conjunto de conhecimentos sobre como agir para atingir determinado objetivo. Ex.: como vencer uma partida de xadrez. Os scripts – conjunto de conhecimentos sobre modos de agir, altamente estereotipados em dada cultura, inclusive em termos de linguagem. Ex.: formas de cortesia, as praxes jurídicas.

É importante que locutor e alocutário partilhem conhecimentos para que um texto possa ter sentido e coerência. No caso do estudante, por exemplo, ele traz para a academia um mundo de conhecimento e, a partir do estudo, novas informações vão-se acrescentando. Dizemos que há a informação velha e a nova. Para que um texto seja coerente, é preciso haver um equilíbrio entre o conhecimento de mundo e a informação nova. Se um texto contivesse apenas informações novas, seria ininteligível, pois faltariam ao alocutário as bases, as “âncoras” a partir das quais ele pode proceder

Coesão e coerência/revisar conectivos

As superestruturas ou esquemas textuais – conjunto de conhecimento sobre os diversos tipos de textos, que vão sendo adquiridos à proporção que temos contato com esses tipos e fazemos comparação entre eles. Ex.: conseguir decodificar as metáforas de um texto.

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ao processo cognitivo do texto. Por outro lado, se houvesse apenas informação de conhecimento de mundo já dada, o texto seria redundante, isto é, seria um texto circular, próximo do círculo vicioso.

As inferências Inferência é a operação pela qual, utilizando seu conhecimento de mundo, o alocutário de um texto estabelece uma relação não explícita entre dois elementos do texto que ele busca compreender e interpretar. Quase todos os textos exigem que se façam inferências para poder compreendê-los integralmente. Todo texto se assemelha a um iceberg – o que fica à tona é a parte explicitada do texto e é uma pequena parte daquilo que fica submerso, ou seja, implícito. Ex.: Paulo comprou um Audi novinho em folha. Que ideias podem estar implícitas nessa afirmação? Conforme o contexto, podem estar implícitas as seguintes ideias: Paulo tem um carro novo. Paulo tinha recursos para comprar o carro. Paulo é rico. Paulo é melhor companhia que você, que não tem carro. Observe o diálogo: – A campainha! – Estou de camisola. – Tudo bem! As inferências permitem que o alocutário entenda:

Coesão e coerência/revisar conectivos

– A campainha está tocando, vá atender.

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– Não posso, estou de camisola. – Tudo bem, deixe que eu atendo. Ao ler o texto do Professor José Luis Fiorin, publicado na revista Língua Portuguesa, de setembro de 2009, você vai ver que perceber o que há em tudo aquilo que se apresenta à nossa frente é um dos desafios da interpretação dos discursos implícitos.


O dito pelo não dito A todo momento multiplicam-se os exemplos cotidianos que mostram como o conteúdo implícito dos atos de fala comunica muito mais do que aparenta José Luiz Fiorin

Na edição passada de Língua, mostramos que os conteúdos de nossos atos de fala podem ser explícitos ou implícitos. Estes últimos são inferências. Classificam-se em pressupostos e subentendidos. Vimos que os pressupostos são conteúdos implícitos que decorrem necessariamente de uma palavra ou expressão presente no ato de fala produzido. Assim o jornalista Mathew Shirts escreveu “[...] acabara, havia pouco, O homem do Avesso, de Fred Vargas, um policial francês, mas interessante”. (O Estado de S. Paulo, 3/10/2005). Nessa frase há cinco informações explícitas: (1) tinha acabado de ler um livro; (2) o livro era um romance policial; (3) o romance foi escrito por Fred Vargas; (4) a autora é francesa; (5) o livro é interessante. Da ligação com a conjunção adversativa “mas” decorre a informação implícita de que todos os romances policiais franceses são chatos. Observe-se que os conteúdos postos (explícitos) se constroem sobre os pressupostos. Se o autor não julgasse que os romances policiais franceses são chatos, não haveria nenhum sentido em notar que esse policial é francês e é interessante. Analisemos agora os subentendidos. Em discurso proferido na Festa da Uva, em Caxias do Sul, o presidente Lula disse:

O que o presidente deixou subentendido é que o vinho brasileiro não é de boa qualidade. O subentendido é uma informação implícita veiculada por um falante, cuja atualização depende da situação de comunicação. Qual é a diferença entre o subentendido e o pressuposto? Este é indiscutível tanto para o falante quanto para

Coesão e coerência/revisar conectivos

– Vocês sabem que no Palácio da Alvorada, todas as recepções que nós damos são com vinho brasileiro. E, obviamente, que, de vez em quando você vê gente de outro país botar na boca e não sentir o mesmo gosto que sente se ele antes passou na França para tomar um vinho francês de qualidade. (O Estado de S. Paulo, 18/6/2006)

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o ouvinte, pois decorre necessariamente de um marcador linguístico. Já o subentendido é de responsabilidade do ouvinte. O falante pode refugiar-se atrás do sentido literal das palavras e negar que tenha querido dizer aquilo que o ouvinte inferiu. No caso do presidente Lula, quando alguém lhe declarasse que ele afirmara que os vinhos brasileiros não têm boa qualidade, ele poderia simplesmente dizer que apenas estava constatando que as pessoas sentem que têm um gosto diferente daquele do vinho francês. No entanto, na situação de comunicação em que o presidente formulou essa constatação (um almoço oferecido por produtores de vinho, em que afirmou que nas refeições oficiais do governo brasileiro só se serve vinho brasileiro) nota-se que as pessoas sentem um sabor diferente do vinho francês de qualidade, quando provam a bebida servida no Palácio. Por isso, pode-se perfeitamente inferir que o presidente não tem em alta conta o produto nacional. No caso, certamente se trata de um deslize no improviso da fala, mas o subentendido é utilizado, argumentativamente, para que o falante diga alguma coisa sem comprometer-se, pois ele apenas sugere, diz sem dizer. O pressuposto é uma inferência que não depende do contexto, enquanto o subentendido está ligado à situação de comunicação em que o ato de fala é produzido.

Coesão e coerência/revisar conectivos

A insinuação e a alusão são dois tipos de subentendidos. O primeiro é um implícito maldoso (por exemplo, em “X cuida muito bem de seu dinheiro, conseguiu, depois que entrou na política, aumentar seu patrimônio vinte vezes”, está-se insinuando que X é corrupto, mas o falante pode dizer que está apenas fazendo uma constatação objetiva e tirando a conclusão de que X é um bom aplicador de seu dinheiro).

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A alusão é um subentendido de conteúdo licencioso, com conotação sexual; é a referência a um fato do conhecimento de apenas alguns dos envolvidos na troca verbal ou é a remissão a conteúdos de outros atos de fala (por exemplo, em “Y é uma moça, mas uma moça mesmo”, pode-se inferir que o falante não quis dizer que Y é bem educado e homossexual, quando o governador Alckimin disse que, no seu governo, o Brasil vai “crescer pra chuchu”, está fazendo remissão ao apelido que lhe foi dado no jornal Folha de S. Paulo por José Simão, “picolé de chuchu”). Os implícitos têm função argumentativa muito importante: os pressupostos apresentam como verdade indiscutível o que não é necessariamente incontestável, aprisionando o interlocutor na lógica criada pelo falante; com os subentendidos, o falante diz, mas sem dizer; não se compromete com o que insinuou, com o que sugeriu. José Luis Fiorin é professor de Linguística na USP e autor, entre outros, do livro Lições de Texto.


Você imagina se tivéssemos que dizer tudo sempre, sem os pressupostos e os subentendidos, sem as alusões e as insinuações? Teríamos uma linguagem redundante, repetitiva. É muito importante investigar o que há por trás do dito, o que não está sendo dito, mas está com efeito de sentido e pode ser apreendido num texto, numa fala. PRÁTICA Analise a coesão e coerência presentes (ou ausentes) nos textos a seguir: Vamos fazer uma experiência, seguindo a orientação proposta para o conto a seguir: procure os operadores argumentativos e seu significado; Estabeleça o tipo de coerência ou incoerência encontrada no texto; Em caso de incoerência, proponha uma forma coerente; Demonstre a presença de implícitos, identificando os pressupostos e subentendidos.

Cenas de um casamento (CERCATO, Nilza C. S., 2001)

Ao acordar, pela manhã: – Eu não suporto mais! Você é incapaz de colocar a toalha molhada no banheiro, deixa sempre em cima da cama! – Eu é que não suporto mais suas reclamações. Você só sabe reclamar... – Mas claro. Olha como você deixa suas roupas jogadas pela casa toda! Ai, acho que a gente não se entende mais.

Ao meio-dia, durante o almoço: – Você podia ter adiantado a arrumação da mesa para me ajudar. Eu tenho que fazer tudo nesta casa, e ainda preciso trabalhar... – Tá bom... pare de reclamar. Acho que a gente não se entende mais. Eu não consigo te agradar, nada do que faço te satisfaz.

Coesão e coerência/revisar conectivos

– Que porcaria de café é esse, mulher? Frio, fraco, pão velho, manteiga dura de congelada! Que droga!

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– Não é bem assim... É que você é um egoísta, só pensa no seu conforto. – Ah! Que horror, como você tem coragem de servir uma comida dessas? Sal demais, carne torrada, arroz “unidos venceremos”. Puxa, mulher... – Achou ruim, vá comer no restaurante, ora. À noite, após o jantar: – Vamos para cama, estou cansado, tive um dia difícil. – Eu também. Meu chefe estava complicando tudo. No quarto: – Luz acesa ou apagada? – Você que sabe. – Vamos deixar acesa, tá bom? – Certo. Depois de uns quinze minutos, muitos gemidos e suspiros: – É acho que a gente ainda se entende, não é querido? – E como, meu amor.

Coesão e coerência/revisar conectivos

Numa primeira leitura parece-nos incoerente o casal chegar à conclusão de que ainda se entendem, uma vez que as queixas são constantes e os resmungos de parte a parte desafiam a convivência pacífica.

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Para manter a coerência foi usada uma unidade temporal: cena pela manhã, ao meio-dia, após o jantar. Essa divisão em cenas dá coesão ao texto. As duas primeiras cenas dão ênfase para o desentendimento do casal, nas pequenas rotinas que constituem a vida a dois. A frase “acho que a gente não se entende mais” que aparece nas duas cenas preparam o leitor para um desfecho que seria o fim do casamento. No entanto, para surpresa do leitor, na última cena, a esposa afirma: “acho que a gente ainda se entende” ao que o marido responde: “e como, meu amor”. Pelo desenrolar das cenas, verificamos que o texto apresenta coerência por meio dos implícitos e subentendidos, além do conhecimento de mundo.


Agora você: O que você acha que tornou o texto coerente? Continuando a especulação, pela cena depois do jantar, há coerência na afirmação do casal de que eles ainda se entendem? Leia o período que se segue: Chegaram instruções repletas de recomendações para que os enfermeiros e fonoaudiólogos participantes do congresso, que, por sinal, acabou não se realizando por causa de fortes chuvas que inundaram a cidade e paralisaram todos os meios de comunicação. É compreensível conteúdo? Qual é o seu grande defeito? Dê coesão e coerência à notícia, redigindo o texto claramente. (Se tiver dúvida, consulte a tutoria) Escrever bem é fruto de exercício, ler produzindo sentidos da leitura também. Mas não o fazemos no espaço, sempre temos à mão recursos que nos apoiam, facilitam nossa compreensão. Esta aula trata especificamente desses recursos, use-os e você terá garantido o sucesso no seu empreendimento de leitor e de escritor.

Síntese

Questão para reflexão Comente a seguinte afirmação: Coesão e coerência são duas faces do mesmo fenômeno.

Coesão e coerência/revisar conectivos

Observamos e analisamos textos em que a coerência e a coesão são fundamentais para estabelecer o sentido. Também vimos como os implícitos compõem o quadro comunicativo, sinalizando para a cooperação do leitor. Constatamos que não menos importantes são os operadores argumentativos que introduzem as ideias que se subordinam à principal. Além disso, verificamos que o conhecimento de mundo facilita a compreensão e apreensão do sentido.

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Leitura indicada Para complementar o seu estudo, leia: “A construção do sentido no texto: a coesão e a coerência”. Você encontra esse capítulo em: KOCH, Ingedore G. Villaça. O Texto e a Construção de Sentido. São Paulo: Contexto, 2000. p. 35.

Site indicado <www.foa.org.br/cadernos/edicao/04/57>.

Referências CUNHA, Celso Ferreira da. Gramática da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Fename, 1982. ESOPO. Enciclopédia Universal da Fábula. v. 3. Porto Alegre: L&pm Pocket. 1997. FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Para Entender o Texto. São Paulo: Ática, 1997. GREGOLIN, M. (Org.). Filigranas do Discurso: as vozes da história. Araraquara: FCL/ Laboratório Editorial/ UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2000. JOBIM, Tom. Águas de Março. Disponível em: <http://letras.terra.com.br/tomjobim/49022/>. Acesso em: 5 jan. 2012. KOCH, Ingedore G. Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A Coerência Textual. São Paulo: Contexto, 1995.

Coesão e coerência/revisar conectivos

KOCH, Ingedore Villaça. O Texto e a Construção de Sentidos. São Paulo: Contexto, 2000.

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______. Desvendando os Segredos do Texto. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2005. LYONS, John. Linguagem e Linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 1987. ORLANDI, Eni P. Discurso e Leitura. Campinas: Cortez/Editora da Unicamp, 1988.




Fala e escrita, variação, registro, níveis de formalismo Seria interessante saber do que o homem tem mais medo: se dar um novo passo ou pronunciar uma nova palavra. Hannah Arendt

Nesta aula, vamos trabalhar com as distinções entre fala e escrita. Para tanto, veremos os níveis de fala, a linguagem formal e informal, dando ênfase especial às variações linguísticas. Você já ouviu dizer que se pode falar de qualquer jeito, por isso a linguagem oral é menos correta que a escrita? Você concorda com isso? Vamos ver como será sua opinião ao final desta aula.

Fala e escrita As gramáticas tratam, em geral, das relações entre fala e escrita tendo como parâmetro a língua escrita. Esse procedimento dirige para uma visão um tanto preconceituosa, valorizando a língua escrita como a fonte, quando, na verdade, o indivíduo aprende, em primeiro lugar, a fala e depois a escrita. Quando a criança entra na escola, mesmo nos anos iniciais, já domina a fala, expõe suas opiniões, tem consciência de proximidade, distância inclusive de tamanho. Nessa perspectiva, é preciso verificar: como se processa a linguagem oral, isto é, como funciona a linguagem oral; quais os pontos de contato e afastamento entre a linguagem oral e a escrita; quais os componentes em evidência no ato de fala e na escrita, quer dizer, o que é evidente no momento da fala e no ato de escrever, mas, principalmente; como se tecem as habilidades orais e escritas na estrutura da língua, como nós usamos nossa capacidade de comunicação oralmente e na escrita.

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Quando Marcuschi, que é um linguista que se dedica ao estudo da linguagem oral, aprofunda o estudo das marcas conversacionais, em Análise da Conversação (1986), ao longo da obra, mostra como se comete o equívoco de considerar a fala como um lugar de linguagem errada. Na verdade, segundo ele, os gramáticos estão confundindo a linguagem falada com a linguagem escrita, que deve seguir determinados códigos. O que se pode falar é em linguagem diferente e não linguagem errada. Também Marcos Bagno, (1999, p. 52-53) analisa o mito de que “[...] o certo é falar assim, porque se escreve assim”, evidenciando as diferenças entre a fala e as “forças internas que governam o idioma”. Como se vê, é comum a valorização da escrita em detrimento da fala. Pensamentos como esses decorrem do fato de se associar a fala com um dos níveis de uso da linguagem, ou seja, toma-se a fala como sinônimo de informalidade. Na verdade, tanto a fala como a escrita se encaminham do nível mais informal ao mais formal, passando por graus intermediários. Como vimos na primeira aula, em toda a comunicação, devemos considerar quem fala e para quem se fala. Um mesmo indivíduo em situação diferente muda o registro, o nível de fala. Por exemplo: um empresário em reunião de negócios usa um nível de linguagem; já estando em família, ao falar com o filho pequeno, o nível será outro. Para marcarmos as diferenças entre fala e escrita, vamos apresentar algumas características que marcam essas modalidades.

Fala e escrita, variação, registro, níveis de formalismo

A fala apresenta as seguintes características:

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Pressuposição de um ouvinte – a comunicação é imediata, logo, na linguagem oral, há um falante e um ouvinte. Até mesmo naquele caso em que o falante diz que “fala com seus botões”, para dizer que está falando sozinho, há necessidade de um ouvinte. Rapidez na enunciação – pensa-se e logo se enuncia, não há elaboração vocabular. Quando há diálogo, a fala acontece com naturalidade. Comunicação em que não há fontes para pesquisa – fala-se o que se sabe ou se tem em mente, o que se diz é fruto de um saber e, se houver dúvida, o próprio interlocutor, no caso, o ouvinte, esclarece no momento da fala. Possibilidade de explicações, em caso de turnos de fala – os pontos que tiverem ficado obscuros podem ser explicados. Por turnos de fala entende-se que, num diálogo, ou conversa de grupo, cada locutor fala e dá espaço para que outro falante tome a palavra.


Retomadas, repetições e explicações, ainda em turnos de fala – o interlocutor retoma, repete e explica conforme o seu desejo. A escrita, por sua vez, apresenta: Presença de um leitor – sem, necessariamente, a presença física do autor, e mais, entre o momento da escrita e o tempo da leitura pode acontecer distância no tempo e no espaço; Produção reflexiva – deve-se ter um plano de escrita, visto que, de acordo com a estrutura desejada, construímos um projeto do que vamos escrever e podemos recorrer a outros textos a fim de fundamentar as ideias; Revisão do texto – as reescritas serão marcas propostas pelo próprio produtor do texto; Texto à disposição do leitor – depois de considerado pronto pelo autor e publicado, o texto fica à disposição do leitor, sem que o autor tenha domínio sobre as consequências. Um exemplo que deixa clara essa característica aconteceu no filme “O poeta e o carteiro”. O poeta Pablo Neruda compôs um poema de exaltação de sua esposa. Para conquistar a namorada, o carteiro copia o poema e o dedica à moça. Quando o poeta soube, disse que ele não podia fazer isso, porque aquele poema era para outra mulher, e não a namorada do carteiro. Então, o carteiro respondeu: um poema serve para quem precisa dele. O poeta riu e assentiu; Possibilidade de escritas e reescritas – muitas vezes, as escritas e reescritas são dependentes da autocrítica ou de posições do leitor; aliás, o segredo de bem escrever é reescrever até que o autor se sinta satisfeito.

usamos a linguagem oral em diálogos, bate-papos, entrevistas, palestras, situações conversacionais; já a linguagem escrita está presente em nossa vida no artigo científico, nas dissertações, nas cartas, nas composições poéticas, nos contos, nas crônicas, nos romances etc. Se compararmos, linguisticamente, fala e escrita, veremos que a fala é mais livre, com expressões dinâmicas, enfatizadas pela expressão corporal, tom da voz, pausas, digressões, às vezes, alguns cacoetes, como “né”, “então”. Por outro lado, a escrita exige maior domínio da língua culta, não se admitem erros de grafia, de concordância e outros; a estrutura deve ser coerente, a coesão entre as partes do texto deve ficar evidente.

Fala e escrita, variação, registro, níveis de formalismo

Pode-se, pois, apresentar as duas modalidades da seguinte forma:

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Variações linguísticas numa perspectiva sociolinguística Partimos do pressuposto de que o caráter social da língua já foi demonstrado ao longo dos textos que estudamos. Importa, agora, saber que entre língua e sociedade há uma relação intensa. Diz Preti (2000, p.11-12): Desde que nascemos, um mundo de signos linguísticos nos cerca e as possibilidades comunicativas se tornam reais a partir do momento em que começamos a formular nossas mensagens. E durante toda nossa vida em sociedade, o intercâmbio se fará, fundamentalmente, pela língua. [...] Sons, gestos, imagens, diversos e imprevistos, cercam a vida do homem moderno.

Por outro lado, linguagem oral e escrita, verbal e não verbal constituem-se em situações de contato com o mundo de forma permanente e atualizada. Dessa forma, a língua passa a ser o suporte de uma dinâmica social que compreende relações diárias, atividade intelectual, fluxo de informações dos meios de comunicação de massa. É por meio da língua que a realidade se apresenta, com signos, significantes e significados. Basta pensarmos que tudo o que existe é linguagem, se algo não tem representação na linguagem não existe. Nossos sonhos acontecem com palavras, nossos pensamentos são palavras. Tudo o que existe é nomeado, o que não puder ser nomeado não existe.

Fala e escrita, variação, registro, níveis de formalismo

Como exemplo do processo vital que envolve língua e sociedade, diz Urban:

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[...] a vida meramente vivida não tem sentido. Poder-se-ia pensar que somos capazes de apreender ou intuir diretamente a vida, mas seu sentido não pode captar-se nem expressar-se a não ser numa linguagem, seja ela qual for. Tal expressão ou comunicação é parte do próprio processo vital. [...] Num sentido bem objetivo, os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo. (URBAN, 1953 p. 13 apud PRETI, 2000, p. 14)

Vamos refletir um pouco sobre a última frase: “[...] os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”. De modo especial, o autor nos mostra qual é o limite de nosso mundo a linguagem. Quanto mais pudermos nos apossar das palavras, sermos seres de linguagem, mais o nosso mundo se alarga, mais desenvolveremos nosso processo vital. Por isso, para dar conta da diversidade linguística, vamos identificar suas dimensões que, em princípio, são três: a dimensão do locutor, (aquele que fala ou escreve), do alocutário (aquele com quem se fala ou o leitor) e do contexto situacional (quem diz o quê, para quem, onde e quando). O lugar que os interlocutores ocupam no processo de comunicação estabelece o tipo de linguagem que será usada. Por que alguém


escolhe determinada palavra e não outra em situação de comunicação? Todas as pessoas daquele local ou daquele grupo social usam a mesma palavra na mesma situação? Há um significado social nessa escolha? Essas questões, entre outras muitas que se podem fazer, dão a dimensão da variedade e diversificação linguística. Pense em uma situação em que você expressou a mesma ideia, mas precisou usar palavras diferentes porque a situação de fala era outra. O que estamos apresentando é algo que é parte de nossas vidas constantemente, uma rotina tão cotidiana que nem nos damos conta.

Quadro de variedades Entendemos por variedades as diversas linguagens que usamos conforme a situação. Veremos as variedades sincrônicas, as que são usadas no tempo presente, por isso se diz num mesmo plano temporal; e as variações diacrônicas, mudanças que acontecem em tempos diferentes, por exemplo, a linguagem de nossos avós é diferente da nossa. Variedades Sincrônicas (simultâneas, observáveis num mesmo plano temporal). Devem-se a: Fatores geográficos – dialetos ou falares próprios em uma região, vila ou aldeia. Será que se fala a mesma linguagem no Rio Grande do Sul e no Rio Grande do Norte? Veremos que há termos que são diferentes para designar a mesma situação.

Fatores estilísticos – variação observada de momento para momento na atividade linguística de um único sujeito, vista como uma adequação que o mesmo realiza, constituindo-se na satisfação de necessidades cognitivas próprias de seus atos verbais. Vem a ser a forma como cada indivíduo constrói sua comunicação para ficar adequada à situação de fala. Por exemplo, em uma conferência, há uma variedade de linguagem, no contato familiar, outra. Variedades Diacrônicas (as variedades dispostas em vários planos de uma só tradição histórica).

Fala e escrita, variação, registro, níveis de formalismo

Fatores socioculturais – família, classe, padrão cultural, atividades habituais. Classes sociais diferentes apresentam formas diferentes de comunicação; por outro lado, conforme a profissão que o indivíduo exerce, pode trazer palavras do trabalho para a linguagem cotidiana.

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Trata-se de pesquisar as variações ocorridas em diferentes períodos históricos. Por exemplo, a variação de uma palavra no português medieval, depois no período dos oitocentos e na modernidade. Vamos a um exemplo usando a palavra “embora” numa visão diacrônica. No século XIX, dizia-se “em boa hora”; modernamente, usa-se “embora” mas, na fala de jovens, hoje, pode-se ouvir “bora” ou até “bó”. Algumas considerações: A linguagem toma diferente colorido segundo o tema da conversação: maior paixão, ou indiferença, se detecta pelas palavras escolhidas ao comunicar. A escolha das palavras, considerando a situação em que fala e para quem o indivíduo se dirige, também traz variações na linguagem. Uma nova compreensão da noção de erro surge no momento em que se considera a situação de fala, ou a temporalidade da mesma, ou ainda, o registro usado para comunicar. Um indivíduo entra em contato com uma diversidade linguística diariamente, em situações diferentes, e não só compreende como também produz. Para isso, basta estar se comunicando em um grupo social variado. Chegamos à conclusão de que não existe uma linguagem única, há muitas variantes, situações adequadas para cada variação, uma linguagem para cada situação.

Fala e escrita, variação, registro, níveis de formalismo

Variedades geográficas ou diatópicas

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Esse tipo de variedade ocorre num plano horizontal da língua, na concorrência das comunidades linguísticas, sendo responsáveis pelos chamados regionalismos, provenientes de dialetos ou falares locais. Entende-se por dialeto qualquer variação de grupo, na língua, de natureza geográfica ou cultural. Assim, no Brasil, teríamos um dialeto amazônico, nordestino, baiano, fluminense etc. Veja um exemplo: A família havia se mudado do Rio Grande do Sul para a Bahia. Eles não conheciam ninguém em Salvador. O que sabiam da Bahia era o que haviam lido em Jorge Amado. Para se situar na cidade, a leitura do jornal é uma ajuda poderosa. Eis que um dia, num anúncio está escrito: “Troco beijo por cheiro”. Anúncio sintético como deve


ser um classificado de jornal. Ana Rosa, a mãe, ficou pensativa, como alguém poderia trocar um beijo por um cheiro? Nessa questão, uma vizinha sempre resolve. Quando interrogada sobre o sentido do anúncio, a vizinha respondeu: Ah! É uma proposta para a troca de mortalha, do bloco de carnaval Beijo pelo Cheiro de Amor. – Mortalha? Na linguagem da gaúcha, mortalha é a roupa com que se enterra o defunto. – É. Aí ficou evidente, “com essa roupa vou brincar até morrer” metaforicamente, claro. Isso em 1980, porque, hoje, ninguém mais diz mortalha para a roupa do bloco de carnaval. Agora é abadá. E qual o significado de abadá? Em nagô, é um camisolão folgado, no estilo da roupa oficial de Nigéria; também é o nome do uniforme do capoerista. Em árabe, significa grande derrota ou escravo. Em hebraico, o sentido é de pai, de guia. Qual será o sentido que mais se aplica ao abadá do carnaval baiano? Só quem sai no bloco pode saber. Nilza Cercato

Variedades socioculturais ou diastráticas Ocorrem num plano vertical, isto é, dentro da linguagem de uma comunidade específica urbana ou rural. Essas variações podem ser influenciadas por fatores ligados diretamente ao falante ou à situação ou a ambos simultaneamente. As variações socioculturais devem ser consideradas segundo os aspectos a seguir:

Fala e escrita, variação, registro, níveis de formalismo

Mas a oposição fundamental com relação às variedades geográficas está entre linguagem urbana/linguagem rural: a primeira, cada vez mais próxima da linguagem comum, pela influência de fatores culturais, como escola, meio de comunicação de massa; a segunda, mais isolada e conservadora, pode extinguir-se ao longo do tempo com a chegada do progresso e da tecnologia. Com a televisão e a internet, essa linguagem pode desaparecer, podendo-se perder uma riqueza em comunicação. Há um movimento de pesquisa cujo interesse é preservar o dialeto dos pequenos grupos rurais.

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Idade – refere-se à linguagem jovem, linguagem infantil e linguagem adulta. São realizadas análises com intuito de identificar o que uma difere de outras linguagens, como e quando é usada. Sexo – diz respeito à oposição entre a linguagem do homem e a da mulher. Estudos mostram de que forma a linguagem revela o preconceito de gênero numa sociedade e como os meios de comunicação de massa expressam certos tabus em relação ao feminismo e machismo. Raça (ou cultura) – corresponde às variações que são fruto de fatores etnológicos. No Brasil, por exemplo, as variações em regiões de maior imigração negra, ou de maior imigração europeia. Profissão – diz respeito à linguagem técnica em que o locutor utiliza vocábulos referentes à atividade que exercem. É rica a variação entre vendedores ambulantes, jogadores e comentaristas de futebol, entre outros profissionais. Posição social – o status do locutor determina a linguagem que vai usar. Um político tem uma expressão, um dirigente industrial ou um servente de pedreiro também, isto é, a linguagem varia de acordo com a cultura, posição social e instrução. Grau de escolaridade – uma simples frase falada ou escrita já revela a capacidade de reflexão, de escolha de variações mais cultas, conforme o grau de instrução do locutor.

Fala e escrita, variação, registro, níveis de formalismo

Como podemos verificar, há uma enorme variedade de linguagem e, como dissemos no início, essas variações levam em consideração quem fala ou escreve, para quem se fala ou se escreve e em que situação está acontecendo a fala ou a escrita.

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A questão da diglossia Nem sempre é possível notar, claramente, as variações de dialetos socioculturais, no entanto é possível estabelecer a existência de, pelo menos, duas variedades que coexistem numa mesma comunidade, cada uma desempenhando papel específico. É a chamada diglossia. Temos uma linguagem culta ou padrão e uma linguagem popular ou subpadrão. A primeira tem maior prestígio e se usa em situações de maior formalidade; a segunda, de menor prestígio, é empregada nas situações coloquiais, de menor formalidade. Assim, se o locutor está em uma aula universitária ou numa conferência usará a linguagem padrão, e esse mesmo locutor, numa situação de conversa entre amigos ou em família, usará a linguagem popular ou coloquial.


Uso e características dos dialetos sociais (diglossia) Vamos ver, a seguir, aspectos relacionados ao emprego do dialeto culto e do dialeto popular: Padrão linguístico formal Maior prestígio; Situações mais formais; Falantes cultos; Literatura e linguagem escrita; Sintaxe mais complexa; Vocabulário mais amplo; Vocabulário técnico; Maior ligação com as regras gramaticais e com a língua dos escritores. (PRETI, 2000, p. 36). Dialeto popular Subpadrão linguístico; Menor prestígio; Situações menos formais; Falantes do povo menos culto;

Simplificação sintática; Vocabulário mais restrito; Gíria, linguagem obscena; Fora dos padrões da gramática tradicional. (PRETI, 2000 p. 36). Em geral, na escrita, usamos o dialeto culto e na fala, o dialeto popular. Fazemos esses usos tão naturalmente que se tornam rotineiros.

Fala e escrita, variação, registro, níveis de formalismo

Linguagem escrita popular;

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Variações devidas à situação/níveis de fala ou registros Essa variação diz respeito ao uso que o locutor faz da língua e de suas variedades, em função da situação, entendida como influências determinadas pelas condições extraverbais que cercam o ato da fala. A presença física do ambiente em que a conversação ocorre pode ocasionar um nível de linguagem diferente dos hábitos normais do locutor. Nesse caso, estão presentes: o grau de intimidade entre os interlocutores, os elementos emocionais que podem alterar a linguagem, levando o locutor até o truncamento da frase. Daí surgem os chamados níveis de fala ou registros. Vejamos o que caracteriza cada nível: Nível Formal Situações de formalidade; Predomínio de linguagem culta; Comportamento linguístico mais tenso e mais refletido; Vocabulário técnico. Você deve ter notado que é um nível mais elaborado e refletido, exigindo domínio da norma culta. Nível Coloquial Situações familiares ou de menor formalidade;

Fala e escrita, variação, registro, níveis de formalismo

Predomínio de linguagem popular;

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Comportamento linguístico mais distenso; Presença de gírias; Linguagem afetiva, expressões obscenas. É como falamos em situações cotidianas, sem grandes preocupações com o nível formal. Veja, a seguir, um texto que exemplifica as variações linguísticas.


O sotaque das mineiras (excertos) Carlos Drummond de Andrade

O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar. Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar lindo (das mineiras) ficou de fora? (...) Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem abandoná-las no meio do caminho, não dizem: pode parar, dizem: “pó parar”. Não dizem: onde eu estou?, dizem: “ôncôtô”. Os não mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem linguisticamente falando, apenas de uais, trens e sôs. Digo-lhes que não. (...) Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: – “Cê tá boa?”. Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário.

Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: – “Mexe” com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria etc.). O verbo “mexer”, para os mineiros, tem os mais amplos significados. Quer dizer, por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido. Querem saber o seu ofício. “Sôcê” (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz:

Fala e escrita, variação, registro, níveis de formalismo

Há outras. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada.

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– “Aqui”, não vou dar conta de chegar na hora, não, “sô”. [...] Mineiras também não dizem apaixonada por. Dizem, sabe-se lá por que, “apaixonada com”. Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a toda hora: – Ah, eu apaixonei “com” ele... Ou: – Sou doida “com” ele (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro). Elas vivem apaixonadas com alguma coisa. Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe. É um tal de “bonitim”, “fechadim”, e por aí vai. Minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras. Aliás, deslizes nada. Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão. Se você, em conversa, falar:

Fala e escrita, variação, registro, níveis de formalismo

– Ah, fui lá comprar umas coisas...

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– “Que’ s coisa?” – ela retrucará. O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que. Ouvi de uma menina culta um “pelas metade”, no lugar de “pela metade”. [...] Até o tchau, em Minas, é personalizado. Ninguém diz tchau pura e simplesmente. Aqui se diz: “tchau pro cê”, “tchau pro cês”.


É útil deixar claro o destinatário do tchau. Trem bão também demais sô [...] Proposta de trabalho (em grupo): Organizar um seminário sobre variações linguísticas.

Projeto para desenvolver um seminário Costuma-se apresentar trabalhos de pesquisa ou de análise na forma de seminário, mas nem sempre sabemos como devemos proceder, ou quais serão os critérios de organização dessa atividade. Assim, a seguir, você vai encontrar uma orientação para seu próximo seminário.

O que é um seminário Trata-se de uma atividade acadêmica, com características de evento que objetiva a reflexão sobre o tema, com análise de textos, aprofundando o tema dado, para uma posterior apresentação oral, em grupo. Para desenvolver o projeto coletivo Preparar disciplinadamente; Construir o conhecimento; Questionar sistematicamente as contribuições e conclusões, acatando as ideias dos componentes do grupo; Fundamentar a argumentação; Participar ativamente das discussões e buscar consenso por parte de todos os participantes da equipe; Eleger um coordenador que deverá zelar pelo andamento satisfatório do alcance dos objetivos, estimulando a participação de todos, impedindo que alguém se omita; Eleger um relator, que deverá registrar de maneira elaborada as contribuições dos membros do grupo; Lembrar sempre: todos são responsáveis pelo resultado final a ser apresentado.

Fala e escrita, variação, registro, níveis de formalismo

Contribuir concreta e especificamente para a realização do trabalho;

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Critérios de elaboração Adequação ao público; Delimitação e unidade do tema; Sequência lógica; Pertinência dos subtemas abordados; Planejamento da extensão e tempo dedicado a cada subtema; Clareza e simplicidade dos argumentos e evidências; Precisão e objetividade na apresentação dos resultados e conclusões. Exposição Introdução – apresentar a trajetória expositiva, visão geral do que vai ser discutido; Metodologia – como o estudo foi desenvolvido, enfocando os fundamentos; Resultados – é o corpo do trabalho, a parte a ser bem destacada; Discussão – exposição convincente, com credibilidade, evitando repetições; Conclusões – as fundamentações do trabalho. Características de uma boa apresentação Concisão, clareza e correção do vocabulário empregado; Fala e escrita, variação, registro, níveis de formalismo

Uso da terminologia específica convencional da respectiva área;

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Adequação da linguagem ao público, observando o tempo disponível; Elaboração prévia de um plano expositivo; Entusiasmo, competência e domínio do assunto a ser exposto; Abordagem original. Nossa proposta Dividir a turma em quatro grupos, compostos de cinco ou seis acadêmicos; Dar um nome para cada grupo; Sortear os assuntos (durante o encontro para desenvolver o projeto);


Combinar a data de apresentação; Todos os participantes devem falar e apresentar-se no seminário; Após exposição oral, deve ser apresentado o texto escrito. Concluindo O seminário é um recurso pedagógico de grande valia, quando todos se empenham para realizar o melhor trabalho possível. Em geral, os testemunhos são de que a aprendizagem se fez de modo agradável, principalmente pela interação entre colegas. Em relação às variações linguísticas, sugiro que você fique atento aos vários linguajares, livre de preconceitos, pensando na comunicação que se enriquece com todas as possibilidades.

Síntese Vimos, nesta aula, como o Brasil, tendo um único idioma, pode apresentar variações típicas de cada estado. Um exemplo é o dicionário baianês, em que são elencadas as variações da Bahia. Chamo a atenção parafraseando o que diz o Prof. Marcuschi: tanto para a escrita como para a fala há regras, e não se pode considerar a linguagem oral como uma linguagem de erro.

Questão para reflexão

A unidade linguística do Brasil é um mito: em nosso país, além das línguas indígenas e das línguas trazidas pelos imigrantes, fala-se diferentes variedades da língua portuguesa, cada uma delas com características próprias, com diferenças em seu status social, mas todas com uma lógica linguística facilmente demonstrável.

Leitura indicada Para entender melhor como funcionam as variações linguísticas, sugiro que leia o capítulo “Pondo a mão na massa”, do livro A língua de Eulália, de Marcos Bagno, publicado pela editora Contexto, em 2005.

Fala e escrita, variação, registro, níveis de formalismo

Reflita sobre o que afirma Marcos Bagno (2005, p. 203):

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Sites indicados <www.unisinos.br/publicacoes_cientificas/images/.../art06_irande>. <www.youtube.com/watch?v=kZ6dhChLUDY>.

Referências BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Ed. Loyola, 1999. ______. Dramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Ed. Loyola, 2000. ______ A língua de Eulália: uma novela sociolinguística. São Paulo: Contexto 2005. MARCUSCHI, L. A. A concepção de língua falada nos manuais de português de 1.º e 2.º graus: uma visão crítica. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas,SP, UNICAMP/ IEL, n. 30, 1997. ______. Da Fala para a Escrita: atividades de retextualização. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. MARCUSCHI, L. A. A Linguística do Texto: o que é como se faz. Recife: UFPE, 1983. Série Debates 1.

Fala e escrita, variação, registro, níveis de formalismo

PRETI, Dino. Sociolinguística: os níveis de fala. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000.

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Tipos e gêneros textuais Um herói é um homem que faz o que pode. Roman Rolland

Nesta aula, vamos trabalhar com os gêneros e tipos textuais, com as modalidades discursivas, evidenciando suas características e a necessidade dessa classificação. Esse estudo é importante para que haja uma comunicação mais efetiva, além de economia de esforço e tempo.

Gêneros textuais Um aspecto interessante da classificação dos gêneros e tipos textuais e discursivos é o fato de que eles nos apontam uma direção de leitura. Por exemplo, ao lermos uma carta, sabemos o que esperar, pela própria prática de leitura. Bakhtin diz (1992, p. 279): A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa.

Quando fala em variedade virtual da atividade humana, prevê as possibilidades de novas formas e novos gêneros que podem surgir. Um exemplo disso são os novos repertórios de gêneros que apareceram por meio da internet. Ao comparar a atividade humana com a esfera, faz lembrar o efeito que se obtém ao jogar uma pedra em um lago, os círculos se alargam, se expandem. Assim acontece com os gêneros. Alguns desaparecem, depois retornam com variações, novos gêneros surgem e se instalam. A primeira classificação de gênero se estabeleceu entre prosa e poesia, sendo que a prosa aparecia em parágrafos e a poesia em versos. Mas sabemos que essa divisão fica limitada quando se pensa na obra de Guimarães Rosa, em que a prosa-poética está presente. Por outro lado, com o advento do Modernismo, o verso livre abandona algumas características que eram exclusivas da poesia, como a rima e a métrica a favor da melodia do verso. Aí está o que Bakhtin (1992, p. 279) explicita “[...] à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa.”

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Outra classificação que vem desde Platão é a distinção entre os gêneros líricos, épicos e dramáticos. Essa classificação, com algumas variações, permanece em nossos dias. O gênero lírico se caracterizaria pela presença da voz do autor somente. No gênero dramático, somente as personagens falam. No épico, autor e personagens têm direito à fala. Notamos que a classificação dos gêneros é algo construído ao longo do tempo. Por isso, vale lembrar que, além da literatura, a retórica também apresenta uma classificação. Aristóteles dividiu a retórica em gêneros, que são até hoje fontes de conhecimento. Ele os classificou de acordo com o objetivo: o deliberativo, para julgar uma ação futura; o judicial, para uma ação passada, e o epidíctico, em que o orador louva ou censura, exaltando o sucesso e condenando o fracasso. Com essas classificações, evidencia-se que o estudo dos gêneros foi uma constante. Segundo Brandão (2003, p.19), Esta diversidade de campos do saber voltados à questão do gênero tem resultado numa variedade de abordagens – o que se atesta pela metalinguagem utilizada; tem-se usado, às vezes, indistintamente os termos: gêneros, tipos, modos, modalidades discursivas, espécies de texto e de discursos.

Com essas reflexões sobre gêneros e sua classificação histórica, justifica-se a necessidade de uma organização, divisão, para, como dissemos no início, por meio do gênero, direcionar nossa leitura, pois, como vimos, eles são dinâmicos, por isso mesmo não são formas fechadas. Maingueneau diz isso claramente (2002, p. 59-60): Tais categorias correspondem às necessidades da vida cotidiana e o analista do discurso não pode ignorá-las. Mas também não pode contentar-se com elas, se quiser definir critérios rigorosos. O rigor não impede, contudo, que se aceitem critérios variados, que correspondem a formas distintas de apreender o discurso.

Desse modo, os gêneros podem ser entendidos como um produto coletivo dos diversos usos da linguagem e que se realizam de diversos modos, de acordo com as necessidades comunicativas do dia a dia da comunidade.

Tipos e gêneros textuais

Gêneros e tipologias na atualidade

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Podemos entender gêneros como os diversos tipos de discurso associados a grandes setores da atividade social de comunicação. Esses setores da atividade social são os canais pelos quais os tipos são apresentados. Maingueneau nos dá um exemplo elucidativo (2002, p. 61): Assim, o talk show constitui um gênero de discurso no interior do tipo de discurso “televisivo” que, por sua vez, faz parte de um conjunto mais vasto, o tipo de discurso “midiático”, em que figurariam também o tipo de discurso radiofônico e o da imprensa escrita.


Exemplos de gêneros discursivos: carta, convites, cartões de natal, de felicitações, telegramas, novela, piadas humorísticas, cinema, teatro, crônicas, resenhas, propagandas, história em quadrinhos e assim por diante. Notamos que os gêneros estão, conforme diz Maingueneau (2002, p. 61): “[...] em todos os setores da atividade social”. Vejamos o que diz Bakhtin (1992, p. 279): Se os gêneros do discurso não existissem e se nós não tivéssemos o seu domínio e se fosse preciso criá-los pela primeira vez em cada processo da fala, se nos fosse preciso construir cada um de nossos enunciados, a troca verbal seria quase impossível.

À mesma ideia refere-se Maingueneau, quando diz (2002, p. 64): Graças ao nosso conhecimento dos gêneros do discurso, não precisamos prestar uma atenção constante a todos os detalhes de todos os enunciados que ocorrem a nossa volta. Em um instante somos capazes de identificar um dado enunciado como sendo um folheto publicitário ou como uma fatura e, então, podemos nos concentrar apenas em um número reduzido de elementos.

Notamos, então, como a identificação do gênero textual facilita a abordagem do leitor ou do ouvinte. Mentalmente nos preparamos para o que vamos ler ou ouvir. Claro que, se houver algo diferenciado, refazemos nosso percurso ou identificamos um novo formato. Esse comportamento é muito natural quando se dominam as formas dos gêneros textuais. Veja o exemplo a seguir:

Receita de mãe Nilza Cercato

Ingredientes: – 5 xícaras de paciência – 2 xícaras de dedicação – 3 xícaras de perdão

– 2 colheres de humor – 3 xícaras de preocupação – 2 copos de lágrimas – Amor à vontade, para dar o ponto.

Tipos e gêneros textuais

– 1 pitada de raiva

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Modo de fazer: Misture tudo, mexa com cuidado e junte o sorriso, mesmo nas dificuldades. Sinta a textura desse colo que sempre está à disposição, até quando os filhos forem adultos. Veja como à volta dela a vida gira e acontece. Evite magoá-la. Ao lado dela, sempre haverá amor de sobra para todos. Sirva-se à vontade. Observe que estamos diante de uma receita, mas, à medida que vamos lendo, constatamos que essa receita não é de culinária comum, porque a autora usou um gênero, para falar de outro. Temos uma receita que se aproxima do gênero poético. O importante é que notemos o afastamento do usual de receita logo de início, até pelo título, embora os elementos componentes estejam presentes, como ingredientes e modo de fazer, que são marcados nas receitas culinárias. É por isso que Bakhtin (1992, p. 279) diz que “[...] a variedade virtual da atividade humana é inesgotável”.

Tipologia textual Com relação às tipologias, a classificação mais usual na escola é a divisão entre narração, descrição e dissertação argumentativa. Cada uma delas tem suas especificidades, mas é comum encontrarmos descrição em um texto narrativo, como também podemos encontrar narração em forma de poema. Veja o seguinte exemplo: O rumor das vozes e dos veículos acordou um mendigo que dormia nos degraus da igreja. O pobre-diabo sentou-se, viu o que era, depois tornou a deitar-se, mas acordado, de barriga para o ar, com os olhos fitos no céu. O céu fitava-o também, impassível como ele, mas sem as rugas do mendigo, nem os sapatos rotos, nem os andrajos, um céu claro, estrelado, sossegado, olímpico. (ASSIS, 1994, p. 65)

Tipos e gêneros textuais

Nesse trecho do romance Quincas Borba, de Machado de Assis, temos uma narração no primeiro período, nos demais, o autor descreve a personagem. Um caso típico de narração com descrição.

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Por isso, é preciso levar em consideração os seguintes aspectos: A linguagem é regida pelo princípio do dialogismo, isto é, há um “eu” e um “tu” virtualmente presentes. No exemplo anterior, o autor pressupõe um leitor. Então, o “eu” seria Machado de Assis, o autor; o “tu” seríamos nós, os leitores.


O texto é constitutivamente heterogêneo, polifônico, quer dizer, vozes diferentes aparecem no texto, de forma explícita ou implícita. No caso do exemplo, vemos que há uma reciprocidade entre o mendigo e o céu. Por outro lado, há uma voz que se faz presente pelo modo como opõe o mendigo ao céu. Não se textualiza sob uma única forma, podendo, no texto, aparecerem, concomitantemente, sequências narrativas, descritivas, explicativas, argumen­ tativas. Vamos, agora, caracterizar essas tipologias, apresentando suas características, mas sempre lembrando que, em matéria de comunicação, variações e possibilidades surgem a cada momento e a cada contato.

Características da narrativa Na narração, os fatos são apresentados numa sequência temporal e causal, uma vez que o interesse reside na ação e é por ela (ação) que as personagens ganham importância Concebe-se uma narrativa quando, em seu contexto, aparecem respostas às seguintes questões: O que está sendo contado? Quem praticou a ação? Quando? Em que lugar aconteceu o fato? Quem está contando? Os fatos podem apresentar uma sequência lógica ou não, mas devem estar coerentes com o que é narrado. A seguir, temos o exemplo da narrativa do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas:

Tipos e gêneros textuais

Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco. Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. (ASSIS, 1992, p.18)

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Observamos que há um narrador que se apresenta na primeira pessoa. Brás Cubas está contando o fato. Quando? Depois da morte, pois se apresenta como um defunto autor. Onde? Na chácara de Catumbi. O que está sendo contado? As memórias. Notamos que a sequência está invertida e o próprio autor coloca sua dúvida com relação a isso: “[...] suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento [...] me levaram a usar diferente método.” As narrativas podem aparecer em contos, romances, lendas, novela, ficção científica, biografias, crônicas, notícias, reportagens etc. Notamos que as narrativas estão muito presentes em nossa vida. Contamos para nosso melhor amigo como foi o filme que vimos, o jogo a que assistimos, o encontro que tivemos no dia anterior, como foi a “bronca” do chefe, e assim por diante. Em nossas conversações e em nossos relatos, a sequência narrativa é uma tipologia constante.

Características da descrição A tipologia descritiva apresenta traços diferenciadores de um objeto, de um personagem ou de um lugar. É como fazer uma pintura usando as palavras. Em geral, os substantivos e adjetivos são muito usados, pois essas categorias nomeiam e qualificam seres. Descrever exige criatividade, pois, se houver apenas uma enumeração e qualificação do objeto a ser descrito, estaremos diante de uma listagem, apenas. Veja o exemplo:

Tipos e gêneros textuais

O ar ali estava mais frio. Sobre a cidade, graças ao céu limpo, o sol ainda brilhava, posto já sobre o lado do mar a cair, lançando uma luz suave, um afago luminoso a que daqui a pouco responderão as vidraças da encosta, primeiro com archotes vibrantes, depois empalidecendo, reduzindo-se a um pedacinho de espelho trêmulo, até se apagar tudo e começar o crepúsculo a peneirar a sua cinza lenta entre os prédios, ocultando as empenas, apagando os telhados, ao mesmo tempo que o ruído da cidade baixa esmorece e recua sob o silêncio que se derrama destas ruas altas onde vive Raimundo Silva. (SARAMAGO, 2003, p. 83)

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Observamos a beleza poética dessa descrição, o ar, o sol, o crepúsculo, as casas, as ruas, o ruído. Um pintor poderia desenhar essa paisagem, mas nunca captaríamos as nuances com que o autor descreve o pôr do sol. Considero essa descrição com traços poéticos, pela forma como a imaginação é convocada para recriar esse momento tão especial do pôr do sol.


Procure relacionar a qualificação que o autor faz de cada elemento que compõe esse belíssimo quadro, por exemplo: luz suave, afago luminoso, cinza lenta. Proceda da mesma forma com os outros elementos. As tipologias descritivas aparecem quase sempre mescladas com a narrativa. Podemos ter uma descrição do mais belo gol de Neymar, até a da expressão mais singela de uma criança abrindo um presente. Creio que uma descrição criativa seja uma das formas mais complexas de criar um texto.

Características da argumentação Argumentar tem o sentido de convencer, por meio de argumentos, isto é, por meio de ideias convincentes, defende-se um ponto de vista. Esses argumentos podem ser expressos por meio de exemplos, causas, consequências, comparações, oposições, dados científicos, resultados de pesquisas, em conversações e debates. Geralmente, a dissertação argumentativa pressupõe uma tese, que vem a ser a ideia a ser defendida, o posicionamento tomado diante de um determinado assunto. Isto comporia a introdução. Em seguida, viriam os argumentos para demonstrar, convencer da legitimidade do que se defende e, por último, uma conclusão que reitera a tese. Observe o seguinte exemplo: A divisão social do trabalho, ao separar os homens em proprietários e não proprietários, dá aos primeiros poder sobre os segundos. Estes são explorados economicamente e dominados politicamente. Estamos diante de classes sociais e da dominação de uma classe por outra. Ora, a classe que explora economicamente só poderá manter seus privilégios se dominar politicamente e, portanto, se dispuser de instrumentos para essa dominação. Esses instrumentos são dois: o Estado e a ideologia. (CHAUÍ, 2001, p. 82) Nesse parágrafo, a autora apresenta o seu ponto de vista em relação à ideologia e às classes sociais. Expõe a construção de uma sociedade formada a partir do poder econômico e político. Tipos e gêneros textuais

É preciso pensar que não existe linguagem inocente, sem objetivo. Em todo o discurso há uma argumentatividade, pois desejamos convencer o outro de nosso ponto de vista. Para atingir esse objetivo, a construção de nossa comunicação se faz com os operadores argumentativos, como as conjunções e preposições, de forma a manter a coerência textual.

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Modalidades discursivas na análise do discurso Para complementar esse estudo de gêneros e tipologias, vamos ver uma classificação usada na Análise de Discurso. As modalidades discursivas foram enunciadas por Orlandi (1987, p.154-156): Discurso lúdico – diz-se do discurso que apresenta reversibilidade total entre os interlocutores, isto é, os interlocutores usam indiferentemente a voz, propondo sentidos, pois resulta de uma polissemia aberta do jogo com a palavra. Não há coerções, o que significa que não há desejo de convencer, apenas, uma expressão de sentimentos ou opiniões, uma vez que o imperativo desaparece. Há um jogo de interlocuções (eu-tu-eu dinamizados) em que se percebe menos desejo de convencer; uma vez que o caráter desse discurso é polissêmico – trazendo riqueza de sentidos e encontro de novos significados. Veja o exemplo: Há palavras que ninguém emprega. Apenas se encontram nos dicionários como velhas caducas num asilo. Às vezes uma que outra se escapa e vem luzir-se desdentadamente, em público, nalguma oração de paraninfo. Pobres velhinhas... Pobre velhinho! (Mário Quintana) O jogo lúdico que o autor faz com as palavras traz uma polissemia aberta, podendo-se estabelecer novas significações, inclusive pelas figuras usadas, personalizando as palavras e associando-as à figura do próprio eu do autor. Discurso polêmico – nessa modalidade, há reversibilidade em certas condições; pois se trava um embate/debate no qual a função referencial é disputada pelos interlocutores; o “eu” domina, mas ouve o “tu” para rebater, por isso a polissemia é controlada e até instigante ao apresentar argumentos que podem ser contestados. Observe o exemplo:

Tipos e gêneros textuais

Geir Campos

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Morder o fruto amargo e não cuspir Mas avisar aos outros o quanto é amargo. Cumprir o trato injusto e não falhar, Mas avisar aos outros quanto é injusto.


Sofrer o esquema falso e não ceder Mas avisar aos outros o quanto é falso; Dizer também que são coisas mutáveis...

A presença da adversativa “mas” caracteriza o embate entre duas situações. A cada denúncia do “eu”, surge a voz de um “tu” para desestabilizar a situação injusta, amarga, falsa. A argumentatividade presente no poema encaminha para o debate entre duas situações que emergem no dizer, por meio das pistas linguísticas. Sabemos que o “mas” é um operador argumentativo que opõe duas situações e, dessa forma, um debate se estabelece. Discurso autoritário – é assim chamado porque a reversibilidade tende a zero, uma vez que resulta em verdade imposta, verificando-se o exercício de dominação pela palavra. É um discurso no qual não há lugar para a interlocução, pois o “eu” domina e o “tu” é reduzido ao silêncio, numa forma de discurso exclusivista que não permite mediações, já que é a voz da autoridade que se faz ouvir. O discurso de governos ditatoriais, da igreja, da escola e da família, quando propõem comportamentos, costuma ser autoritário. A seguir, veja um exemplo de discurso autoritário: Quebre o silêncio. Converse com o seu parceiro e previna-se contra a AIDS. Cuide de você e da sua família. Use camisinha. (Campanha publicitária governamental) Há, no exemplo, uma voz autoritária, que orienta e ensina no sentido educativo e preventivo. A coerência se faz quando a modalidade autoritária traz uma referência de bom senso, promotora do bem-estar social e político. Mas também podemos encontrar o discurso autoritário prejudicial, quando uma vontade é imposta para dominar, submeter injustamente.

Tipos e gêneros textuais

Depois de passarmos por várias teorias sobre os gêneros, tipologias e modalidades discursivas, verificamos que é um princípio de economia na leitura e no conhecimento estabelecermos, logo nas primeiras linhas, a que gênero pertence o texto que estamos lendo. Por outro lado, como escritores, temos diante de nós uma facilidade na interação com o leitor.

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Síntese Conforme vimos, os gêneros são histórico-sociais e não devem ser fechados em regras aprisionadoras. As possibilidades de utilizar os gêneros e as tipologias facilitam a leitura, direcionam a comunicação. Vimos também que as tipologias designam uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas).

Questão para reflexão Reflita sobre o que nos diz Bakhtin (1992, p. 259): Se os gêneros do discurso não existissem e se nós não tivéssemos o seu domínio e se fosse preciso criá-los pela primeira vez em cada processo da fala, se nos fosse preciso construir cada um de nossos enunciados, a troca verbal seria quase impossível.

Leitura indicada Você deve aprofundar a questão dos gêneros e tipologias lendo o primeiro capítulo do seguinte livro: BRANDÃO, Helena N. Gêneros e tipologias textuais. In: BRANDÃO, Helena N. (Org.). Gêneros de Discurso na Escola: mito conto, cordel, discurso político, divulgação científica. São Paulo: Cortez, 2002.

Site indicado <www.ich.pucminas.br/posletras/06.pdf>.

Tipos e gêneros textuais

Referências

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ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: FTD, 1994. ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo: FTD, 1992. BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.


BRANDÃO, Helena N. Gêneros e tipologias textuais. In: BRANDÃO, Helena N. (Org.). Gêneros de Discurso na Escola: mito conto, cordel, discurso político, divulgação científica. São Paulo: Cortez Ed. 2002. CHAUÍ, Marilena. O que É Ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2001. FÁVERO, L. L. & KOCH, I. V. Contribuição a uma tipologia textual. Letras & Letras, Uberlândia, v.3, n.1, p. 3-10, 1987. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Â. et al. Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. ORLANDI, Eni P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas, SP: Pontes, 1987. ______. Análise do Discurso: princípios & procedimentos. 6. ed. São Paulo: Pontes, 2005. SARAMAGO, José. História do Cerco de Lisboa. São Paulo: Folha de S.Paulo, 2003.

Tipos e gêneros textuais

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Hipertexto Ter muito é estar confuso. Lao-Tzu

Vamos tratar, nesta aula, do hipertexto, suas especificidades, seus usos e suas modalidades, nosso conhecido na prática, pois diariamente estamos conectados, mas é interessante conhecer algumas teorias a respeito. Para desenvolver esta aula, teremos como base o livro Hipertexto, organizado por Luiz Antônio Marcuschi e Antônio Carlos Xavier, além de alguns sites da internet, fazendo com isso uma metalinguagem.

Hipertexto Quando pensamos na linguagem, verificamos que ela é uma forma de conhecimento variável, flexível, com plasticidade capaz de se adaptar às transformações sociais e culturais graças à criatividade do homem. Agora, ao associarmos linguagem e tecnologias de comunicação virtuais, um universo se abre devido às inovações, por isso se faz necessário pensar nas mudanças trazidas pelo uso do hipertexto, dos gêneros eletrônicos, do discurso e das diversas formas de comunicação a partir do uso da internet. Diz Marcuschi (2005, p.13): Em certo sentido, pode-se dizer que, na atual sociedade da informação, a Internet é uma espécie de protótipo de novas formas de comportamento comunicativo. Se bem aproveitada, ela pode tornar-se um meio eficaz de lidar com as práticas pluralistas sem sufocá-las, mas ainda não sabemos como isso se desenvolverá.

Pela nossa prática no uso da comunicação via internet, temos, simultaneamente, texto, som, imagem com uma rapidez tal que suplanta as demais práticas sociais de comunicação fora do contexto virtual. E novos gêneros textuais começam a fazer parte do cotidiano do indivíduo. Pensemos no bate-papo online semelhante às conversações face a face. A diferença, no entanto, está no uso da linguagem oral na conversação e da escrita no bate-papo. Por outro lado, na conversação face a face, a identificação do interlocutor é real, enquanto que, online, há um nickname que não garante a identidade do interlocutor, às vezes, mesmo com o uso do webcam.

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A análise que Marcuschi (2005, p. 17) faz a respeito disso é que: Criam-se novas formas de organizar e administrar os relacionamentos interpessoais nesse novo enquadre participativo. Não é propriamente a estrutura que se reorganiza, mas o enquadre que forma a noção de gênero. Em suma: muda o gênero. Desde que não tomemos a contextualização como um simples processo de situar o gênero numa situação exteriorizada, mas sim como enquadre cognitivo, os gêneros virtuais são formas bastante características de contextualização.

O que vale ressaltar é que os gêneros virtuais se situam como meio de comunicação para todos os setores da realidade: empresas, comunidades, grupos de lazer e educação. Sobre o ensino a distância, diz Paiva (2001, p. 272): Nas comunidades virtuais de aprendizagem, abandona-se o modelo de transmissão de informação tendo a figura do professor como o centro do processo e abre-se espaço para a construção social do conhecimento através de práticas colaborativas. Assim as dúvidas dos alunos são respondidas pelos colegas e deixam de ser responsabilidade exclusiva do professor.

Mudanças de estilo de aprender e de ensinar, mudanças no uso da linguagem, novos modelos de comunicação fazem parte do dia a dia. Sobre isso, Galli (2005, p. 125) diz: A linguagem da Internet tem seus pressupostos que, naturalmente, estão caminhando para um novo modelo de comunicação. A Internet já se transformou num veículo de comunicação com uma linguagem acessível à maior parte dos hiperleitores. Desse modo, há uma exploração dos termos dessa área, os quais são transferidos para o contexto social e divulgados como uma linguagem global.

Assim sendo, as mensagens veiculadas nos sites são destinadas a todo tipo de público. No entanto, o locutor precisa estar sempre atento ao emprego da uma linguagem adequada, uma vez que, “Não é só quem escreve que significa; quem lê também produz sentidos”, afirma Orlandi (2000, p. 101).

Hipertexto

Um dos contextos sociais e econômicos que dizem respeito à questão da interpretação, da produção de sentidos, vem associado à de persuasão. Assim é que o hipertexto é um veículo importante para vendas, publicidade, além das mensagens interpessoais. Segue-se por um caminho virtual a um simples toque do mouse. O internauta tem a seu dispor possibilidades de conhecer e adquirir produtos em qualquer parte do mundo, basta dominar formas de comunicação virtual. O universo se expande e, portanto, a linguagem passa a ser globalizada.

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Usando como referência Robin (1973), podemos distinguir quatro fases do uso da internet, numa linguagem globalizada. A primeira é o uso por necessidade e diversão. Nessa etapa, comunicações importantes que exigem contato imediato tornam-se comuns em empresas, nacionais e internacionais, encurtando distâncias de forma a tornar ágil e proveitoso o processo de intercomunicação. A diversão fica por conta das redes sociais e dos bate-papos.


Em seguida, a segunda fase diz respeito a uma linguagem globalizada, em que há uma associação de palavras específicas em outros idiomas, principalmente em inglês, que passam a ser usadas por todos e, embora causem estranhamento no início, a recepção da mensagem não é prejudicada. A terceira etapa veicula a persuasão: dialogia/interação, usada especialmente em publicidade. A sedução se faz pelo uso dos recursos de som, cor, imagem e linguagem persuasiva. Criam-se possibilidades de troca de mensagens entre a empresa fornecedora de produtos e o interessado em adquiri-los. A última fase trata da impressão geral da internet: sites> linguagem virtual > globalização. Aqui entram os sites, em geral, de fácil acesso, em que os termos de uso global passam a fazer parte do cotidiano dos internautas, inclusive gerando derivações fruto desses termos, como inicializar, digitalizar, servidor etc. Essas etapas não deixam de lado, no entanto, o texto impresso comum, usual. Vejamos como pensa Johnson-Eilola (1994, p. 216). Para ele, o hipertexto traz uma possibilidade de rever as condições de produção, as formas de transmissão de conhecimento. É importante pensar no hipertexto como um modo de dar voz a todos, incluindo os silenciados na cultura, como um modo de pensar as relações entre autor e leitor. Sobre a relação entre autor e leitor, diz Chartier: Do rolo antigo ao códex medieval, do livro impresso ao texto eletrônico, várias rupturas maiores dividem a longa história das maneiras de ler. Elas colocam em jogo a relação entre o corpo e o livro, os possíveis usos da escrita e as categorias intelectuais que asseguram a compreensão. (CHARTIER, 1999, p. 77)

É importante notar que, se retirarmos a característica da virtualidade da comunicação via internet, as formas de comunicação se mantêm. Passamos do meio real para o meio virtual com muita facilidade e certas fórmulas de comunicação se modificam, outras quase desaparecem, como é o caso das cartas via correio. Precisamos fazer diferença entre fórmulas e formas: a primeira é a mudança de meio de envio da comunicação; a segunda, a organização do discurso. Fundamentalmente, é necessário que o texto seja coerente, tenha coesão e comunique.

Categorias de hipertextos Quais são as categorias do hipertexto? Como se organizam? São questões pontuais em nosso estudo. Vamos acompanhar o que dizem os teóricos a esse respeito. Hipertexto

Michael Joyce (1995, p. 41-42, apud SNYDER, 1998, p. 30-31) identifica duas categorias de hipertexto:

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Hipertexto exploratório – nesta categoria, há um autor inicial, mas abre espaço para que os leitores, que são os navegadores, acrescentem informações, quer seja por necessidade pessoal, quer pelo desejo de contribuir. O que acontece, ao final, é ser o texto original modificado, recriado, havendo possibilidade de versões da mesma mensagem. Hipertexto construtivo – como o próprio nome diz, a autoridade do autor desaparece, sendo recriado todo um conjunto de conhecimentos. É o caso de contos e narrativas compostas por quaisquer leitores virtuais. Num extremo, no caso do hipertexto exploratório, os usuários são navegadores que têm que fazer escolhas e seguir como se estivessem numa ação linear. Há uma certa passividade. Por outro lado, o hipertexto construtivo é aberto, permite interconexões e o usuário pode controlar sua atuação, adicionar notas, e pode produzir seu corpo de conhecimento. Por exemplo, um pesquisador necessita de uma informação sobre a arquitetura de um prédio histórico de Salvador. Ele vai navegar por vários sites antes de chegar ao que deseja. Depois de várias leituras, chega ao que deseja. É uma construção pelos elos, e somos nós que compomos o hipertexto. Mesmo assim, ele terá uma construção fragmentada. Se ele tiver o site efetivo da arquitetura do prédio, poderá ativar o conhecimento mais rapidamente. Uma construção interessante é a de alguns escritores hipertextuais literários, cabendo indagar o que significa produzir uma obra virtualmente aberta para um leitor comum. Por exemplo, um autor monta uma história de tal forma que, ao final, cada internauta que acesse seu texto tenha quatro formas, à sua escolha, para seguir. O que vai escolher? Como vai dar continuidade? De repente, pode-se ter uma multiplicação de histórias, pois elas serão construídas e desconstruídas como num labirinto. O que temos é um novo espaço de escrita, mas é preciso que ele apresente textualidade, coerência e coesão, embora seja difícil um aprofundamento pelo fato de ser uma produção fragmentada.

Hipertexto

Texto e hipertexto

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Em sua obra intitulada Hipertexto (2005), Marcuschi afirma que o hipertexto é um novo espaço de escrita, mas diz também:


Em certo sentido, pode-se dizer que, na atual sociedade da informação, a internet é uma espécie de protótipo de novas formas de comportamento comunicativo. Se bem aproveitada, ela pode tornar-se um eficaz meio de lidar com as práticas pluralistas sem sufocá-las, mais ainda não sabemos como isso se desenvolverá. (MARCUSCHI, 2005, p. 13)

Mais adiante, ao situar o hipertexto, acrescenta: Pode-se dizer que parte do sucesso da nova tecnologia deve-se ao fato de reunir num só meio várias formas de expressão, tais como: texto, som e imagem, o que lhe dá maleabilidade para a incorporação simultânea das múltiplas semioses, interferindo na natureza dos recursos linguísticos utilizados. (MARCUSCHI, 2005, p. 13)

Além de se afirmar que o hipertexto é um novo espaço de escrita, é comum ouvir-se que o hipertexto representa uma novidade radical, uma espécie de novo paradigma de produção textual. A rigor, ele não é novo na concepção, pois sempre existiu como ideia na tradição ocidental; a novidade está na tecnologia que permite uma nova forma de textualidade. O hipertexto, aliado às vantagens da hipermídia, consegue integrar notas, citações, bibliografias, referências, imagens, fotos e outros elementos encontrados na obra impressa, de modo eficaz e sem a sensação de que sejam notas, citações etc. É interessante o papel do leitor: se, por um lado, ele tem todo o poder, porque pode ir pelo texto como quiser, se é quase tão poderoso como o autor; por outro lado, é um leitor vazio de histórias, parecendo um personagem em eternas férias, sem compromisso com o real. A comparação que Possenti (2002, p.18) faz é de uma pessoa que passa em uma livraria e fica bisbilhotando, olha uma figura, uma capa, depois vai numa estante e retira de lá um livro, lê algumas páginas e passa adiante. Ao analisar o papel do leitor, ele sugere: O leitor de hipertexto nunca é apresentado como o constituidor de sentidos de um texto, na tensa interação com o autor, a obra (o texto) e tudo o que já se disse sobre a obra ou seu tema. Parece estar sempre lendo pela primeira vez e ele precisa, assim, que lhe forneçam pistas muito claras, e cores para saber em qual momento pode ou deve derivar do texto (trecho?) que lê para outro texto que, eventualmente fornecerá informações a mais. (POSSENTI, 2002, p. 219-220)

O hipertexto traz, portanto, novos comportamentos em relação ao ato de comunicação; em geral, são a rapidez, o dinamismo, a possibilidade de interação instantânea, mesmo a distância, acesso a informações, assim como maiores possibilidades de pesquisa. Há também uma nova visão da autoria, pois a interatividade pode apagar o autor primeiro e, ao final, o texto ser uma composição como um quebra-cabeça, em que as partes se ajustam para formar o todo.

Marcuschi, ao analisar o hipertexto e a oralidade, coloca algumas questões (veja a seguir). Reflita sobre elas e, com base em sua experiência de internauta, nas explicações

Hipertexto

Prática

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desta aula e em pesquisas responda às questões. Justifique seu ponto de vista e dê exemplos de como isso acontece. Qual é a relação do hipertexto com a oralidade? Há maior proximidade desse tipo de escrita com a oralidade do que a escrita impressa em livros?

Gêneros emergentes

Gêneros já existentes

1

E-mail

Carta pessoal/bilhete/correio

2

Chat em aberto

Conversações (em grupos abertos?)

3

Chat reservado

Conversações duais (casuais)

4

Chat ICQ (agendado)

Encontros pessoais (agendados?)

5

Chat em salas privadas

Conversações (fechadas?)

6

Entrevista com convidado

Entrevista com pessoa convidada

7

E-mail educacional (aula por e-mail)

Aulas por correspondência

8

Aula Chat (aulas virtuais)

Aulas presenciais

9

Videoconferência interativa

Reunião de grupo/conferência/debate

10 Lista de discussão

Circulares/séries circulares (???)

11 Endereço eletrônico

Endereço postal

12 Blog

Diário pessoal, anotações, agendas

Agora, escolha um gênero emergente e outro já existente e estabeleça as diferenças e semelhanças entre eles. Por exemplo: quais as semelhanças e diferenças entre o diário pessoal e o blog? O livro Hipertexto é de 2005. Notamos que ele não coloca o twitter como um gênero emergente, porque se tornou popular depois da edição do livro. Como você correlaciona o twitter com um gênero já existente? Que semelhanças e diferenças com outro gênero você aponta? Leia e divirta-se:

Hipertexto

Atualizando o blog

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– Filho, não está funcionando. – Você ligou os fios como eu te falei?

(MARCUSCHI, 2005)

No livro Hipertexto, Marcuschi apresenta uma comparação entre os gêneros textuais emergentes e os gêneros preexistentes. Veja a seguir:


– Liguei. – Você conectou a rede neural na corrente quântica? – Acho que sim… – Como assim “acha”, pai? – Qual é essa corrente mesmo? – Varia, é o seu signo cognitivo pra alimentação de força, ele fica sempre no canto inferior direito da sua interface. – E onde que eu vejo essa interface? – Como assim, pai? Você não está vendo a interface? Você calibrou sua rede neural? – Não sei… como que faz pra calibrar? – Ai, pai…, espera um pouco que daqui a pouco eu chego em casa. – Mas eu só quero atualizar meu blog, não dá pra entrar na neuronet pelo computador, não? – Hahahaha claro que não, pai. Entrar na neuronet pelo computador… só você mesmo, pai. (Anônimo)

Como você pode ver, há muito o que se dizer sobre o hipertexto, é um mundo que se descortina, permitindo acesso ilimitado. Para tanto, convido para as descobertas que se podem fazer, contatos que se podem estabelecer e papéis a desenvolver.

Síntese

Hipertexto

O uso da internet e dos gêneros que aí surgem fazem parte do dia a dia do indivíduo da era digital. Como tal, usamos o hipertexto, sem, no entanto, ter os fundamentos teóricos para um uso consciente. Importante é lembrar que o hipertexto permite a interação virtual. Também é importante relacionar os gêneros já existentes com os novos gêneros digitais.

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Questão para reflexão Reflita e discuta com seus colegas sobre a seguinte proposição: A internet permite uma pluralidade de vozes, diminuindo as distâncias e aproximando pessoas, inclusive possibilitando que o indivíduo que não tem voz e vez possa se manifestar.

Leitura indicada Para aprofundar os fundamentos do hipertexto, você deve ler o capítulo, de autoria de Marcuschi, intitulado Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital, do seguinte livro: MARCUSCHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antônio Carlos (Orgs.). Hipertexto. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.

Referências CHARTIER, Roger. Leitura e leitores populares. In: CAVALLO, G.; CHARTIER, R. (Org.). História da Leitura no Mundo Ocidental. São Paulo: Ática. 1999. GALLI, Fernanda Correia Silveira. Linguagem da Internet, um meio de comunicação global. In: MARCUSCHI, L. A.; XAVIER, A. C. (Orgs.). Hipertexto. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. JOHNSON-EILOLA, J. Reading and Writing in Hypertext: vertigo and euphoria. C. L. Selfe&Hillingoss, 1994. LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência. O futuro dom pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993. MARCUSCHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antônio Carlos (Orgs.). Hipertexto. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.

Hipertexto

PAIVA, Vera Lúcia Menezes (Org.). Interação e Aprendizagem em Ambiente Virtual. Belo Horizonte: FALE – UFMG, 2001.

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POSSENTI, Sírio. Notas um pouco céticas sobre hipertexto e construção de sentidos. In:______. Os Limites do Discurso. Curitiba: Criar edições Ltda. 2002. ROBIN, R. História e Linguística. São Paulo: Cultrix, 1973. SNYDER, L. Page to Screen: taking Literacy into the Eletronic Era. London/New York/ London: Routledge, 1998.

Hipertexto

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Leitura: objetivos, estratégias, contextos Se as coisas são inatingíveis... Ora, não é motivo para não querê-las... que tristes os caminhos se não fora a presença distante das estrelas [...] Mário Quintana

Com a leitura podemos criar mundos e conhecer personagens. Nesta aula, vamos trabalhar com leitura, seus objetivos, quais as melhores estratégias; vamos valorizar o contexto em que é produzida e verificar que tudo pode ser objeto de leitura.

Ler é atribuir sentidos São muitos os sentidos que se podem atribuir à palavra leitura, desde apenas identificar letras, até o sentido mais profundo de que ler é atribuir sentidos. Nesta aula, vamos produzir algumas leituras, ver como se constroem seus objetivos, como o texto está organizado. Vejamos, há quem pense que ler é: decodificar, apenas, o que faz um recém alfabetizado; procurar descobrir o que o texto está dizendo; dizer o que entendeu do texto. Nossa proposta é ir além. É a de que ler é atribuir sentidos. O leitor recria o texto: assim como há uma produção de texto escrito, há também uma produção de leitura. Quando lemos, devemos considerar que existe um leitor virtual e um leitor real. O leitor virtual é aquele que é pensado pelo autor no momento da escrita. Por exemplo: ao escrever uma carta, pensamos na pessoa para quem escrevemos, ela está virtualmente em nossa presença. O mesmo acontece com todos os textos, pois o autor, de seu lugar, imagina um leitor que também ocupa um lugar. O leitor real é aquele que, no momento, está diante do texto atribuindo sentidos. O leitor lê a partir de um lugar. Por exemplo, hoje lemos a carta de Pero Vaz Caminha como leitores reais, uma vez que o leitor virtual de Caminha era o rei de Portugal.

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Para melhor atribuir sentidos, devemos levantar hipóteses de leitura. A partir do título, criamos hipóteses para a leitura que fazemos e, se elas não se sustentam, precisamos refazer os caminhos e criar novas hipóteses. Um exemplo são os romances de ficção em que as hipóteses são refeitas a cada capítulo. Ao longo da leitura, surgem as inferências, os subentendidos e os pressupostos. Deve-se desvendar o dito pelo não dito, criando possibilidades de novos sentidos. Vamos apresentar alguns aspectos que nos favorecem no momento de atribuir sentidos: O segredo de uma leitura proveitosa é mobilizar saberes em novas combinações. O que é novo: tipo de vocabulário, expressões criativas e outros aspectos. Outro recurso é buscar a intertextualidade, estabelecendo comparações, apontando analogias ou contrastes. Um novo texto se apoia em outro de modo claro ou de forma implícita, como já vimos na aula anterior. A leitura é um processo de interação entre autor e leitor; cabe ao leitor constituir sentidos. Não podemos saber qual a intenção do autor ao produzir o texto, mas podemos descobrir sentidos por meio das pistas linguísticas (palavras, expressões) que apontam para determinada conclusão.

Leitura: objetivos, estratégias, contextos

A leitura é seletiva, pois há vários modos de ler. Seria responder à questão: com que objetivo vou ler o texto? Lazer? Estudo? Informação? Conhecimento? Posso ler um texto somente para saber como determinado autor usa argumentos, ou então, para determinar como esse texto se encaixa na obra do autor, ou ainda, descarto determinado texto porque não me interessa, não o leio.

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Cada leitor atribui sentido a partir de seu conhecimento de mundo. Isto é fácil compreender quando pensamos na literatura infantil. Há todo um vocabulário, uma apresentação dos fatos coerente com o desenvolvimento da criança. Veja este exemplo: A mãe ensinava as cores para a filhinha de dois anos. Quando ela mostrou cor-de-rosa, a menina disse: “Mamãe, já sei, o rosa é um vermelho que chega bem devagarzinho.” O contexto histórico e o lugar ocupado pelo leitor podem determinar uma interpretação de leitura. O momento e os fatos que aconteceram no momento da produção do texto pelo autor devem ser pesquisados pelo leitor a fim de produzir um sentido em profundidade. Por exemplo: determinados assuntos são tabus em certa época, o leitor deve ter esse dado para “ler” como o autor se refere a eles, considerando que linguagem usou, quais os implícitos presentes.


Nossa sugestão é de que sua leitura seja produtiva, em que os saberes, a intertextualidade, as condições de produção sejam mobilizados para oferecer sentido a sua leitura.

Tipos de leitura Há modos de ler. Conforme o leitor cria seus objetivos, podem-se atribuir sentidos, passando por tipologias diferentes. De acordo com os objetivos, pode-se fazer um tipo de leitura. Vejamos: Leitura parafrástica – observa-se relevância na relação com o texto. Trata-se de fazer uma paráfrase do texto, isto é, dizer com as próprias palavras de que o texto trata. Em geral, esse é o primeiro comportamento, transportar para a linguagem do leitor o que o autor diz. Comparativa – tem o intuito de comparar textos lidos em suas semelhanças e diferenças; estabelecer a intertextualidade; ver como textos de autores diferentes se posicionam diante de um determinado assunto e a época em que isso acontece. Referencial – é informativa, tem como foco o assunto do texto. Geralmente, notícias de jornal, noticiários de TV apresentam textos que pedem uma leitura referencial. É a forma mais usual de leitura para colher informações. Interpretativa – busca-se verificar o que se entendeu do texto. Seria trabalhar com um nível mais profundo de linguagem, de ideias, procurando estabelecer o nexo entre elas, como devem ser lidas.

Para uma leitura de qualidade, a Análise de Discurso propõe o trabalho com a leitura parafrástica e a polissêmica. Vejamos, a seguir, como elas acontecem.

Leitura: objetivos, estratégias, contextos

Polissêmica – procura atribuir sentidos a partir das condições de produção. Essa é a leitura mais produtiva. A polissemia permite trabalhar com as várias possibilidades de sentido. Por condições de produção compreende-se: o momento sócio-histórico (quais os fatos relevantes na sociedade e na história quando o autor produziu seu texto); o contexto situacional (em que circunstâncias o texto foi levado a público ou ao leitor) e o lugar ocupado pelos interlocutores, no caso, autor e leitor (seria verificar o papel social e as relações de força entre interlocutores).

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A leitura parafrástica privilegia: o mesmo, isto é, o uso do mesmo idioma, o mesmo sentido; o já-dito, não somos a origem da linguagem, em algum lugar, alguém já disse as palavras que usamos; a estabilidade, uma certa fixidez, estrutura; o retorno constante ao mesmo, ou seja, o uso de palavras já-ditas; a matriz de sentido, a base sobre a qual se vai atribuir sentido. Não há sentido sem repetição, pois as palavras que usamos podem voltar a qualquer momento. Já a leitura polissêmica se caracteriza por apresentar: o diferente, conforme a situação o sentido pode ser outro; o ainda a dizer uma característica da incompletude da linguagem, visto que sempre há novas possibilidades – a lógica do eterno retorno; o equívoco, que é entendido não como erro, mas com o deslize do sentido (lembre que, numa aula anterior, no caso das Sementes do suicídio, o que houve foi um deslize de sentido); conflito com o já produzido: se podemos atribuir sentido diferente, novas interpretações podem surgir; fonte da linguagem, porque uma mesma palavra pode ganhar sentido novo, se construirmos em outro contexto sócio-histórico;

Leitura: objetivos, estratégias, contextos

sujeitos e discursos múltiplos, considerando o sujeito como lugares sociais, conforme a situação o sentido pode ser outro;

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repetição, pela qual se tangencia o novo, o possível e o diferente, uma vez que a polissemia permite a multiplicação de sentidos; a memória, visto que, em todo o dizer há algo que se mantém, mas devemos pensar nas possibilidades de formulações sobre o mesmo e, ao mesmo tempo, lembrar dos deslocamentos e rupturas que podem acontecer; a leitura que se faz na tensão entre o mesmo (que é a paráfrase) e o diferente (por meio da atribuição polissêmica de sentidos). Com essas duas formas de ler podemos recriar sentidos, refazer percursos em nossos objetivos, com a finalidade de produzir sentidos.


Veja a seguir, a partir da leitura da letra da música “Leo” de Chico Buarque e Milton Nascimento, um exemplo de como atribuir sentido.

Leo Chico Buarque e Milton Nascimento

Um pé na soleira e um pé na calçada, um pião. Um passo na estrada e um pulo no mato, Um pedaço de pau Um pé de sapato e um pé de moleque, Leo. Um pé de moleque e um rabo de saia, um serão. As sombras da praia e o sonho na esteira, Uma alucinação. Uma companheira e um filho no mundo, Leo. Um filho no mundo e um mundo virado, um irmão. Um livro, um recado, uma eterna viagem, A mala na mão. A cara, a coragem e um plano de voo, Leo. Um plano de voo e um segredo na boca, o ideal. Uma pedra, um punhal. Um olho desperto e um olho vazado, Leo. Um olho vazado e um tempo de guerra, um paiol. Um nome na serra e um nome no muro, A quebrada do sol. Um tiro no escuro e um corpo na lama,

Leitura: objetivos, estratégias, contextos

Um bicho na toca e o perigo por perto,

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Leo. Um nome na lama e um silêncio profundo, um pião. Um filho no mundo e uma atiradeira, Um pedaço de pau. Um pau na soleira e um pé na calçada. (Disponível em: <www.chicobuarque.com.br/letras/Leo-78htm>.)

O primeiro passo para atribuir sentidos é analisar as condições de produção, isto é, quando o discurso foi escrito, quais os fatos importantes do período, quem é o autor e quem é o leitor virtual.

Condições de produção Sabemos que as condições de produção compreendem o contexto sócio-histórico, contexto situacional, que é a cena enunciativa, e os interlocutores “eu-tu”. Vamos começar abordando o contexto sócio-histórico.

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Contexto sócio-histórico

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O texto “Leo”, que você acabou de ler, foi produzido em 1978, período em que o Brasil vivia um tempo de ditadura, de cerceamento da liberdade. Havia muitas pessoas, em especial intelectuais e artistas, que eram perseguidas, exiladas, feitas prisioneiras. Houve, também, os grandes heróis anônimos que lutaram em guerrilhas, trincheiras para defender seus ideais. Hoje, temos notícia das ossadas encontradas em regiões diversas. Com a abertura dos dossiês do Departamento da Ordem Política e Social (DOPS), os brasileiros tomaram conhecimento da repressão, perseguição e morte de compatriotas que tinham um ideal de liberdade e não temeram em se expor e morrer por esse ideal. Nesse contexto histórico, a música de Chico Buarque e Milton Nascimento é gravada.


Cena enunciativa (eu/tu/agora) Os locutores (representam o ‘eu’) Chico Buarque e Milton Nascimento são autores e cantores da música popular brasileira que trazem, em seus textos, uma construção poética. Eles viveram e sofreram as repressões do período da ditadura militar. Chico teve composições proibidas, tendo sido interrogado pelo DOPS várias vezes. O mesmo aconteceu com Milton Nascimento. O recurso que eles passaram a usar foi apresentar uma linguagem em que as ideias não estivessem no sentido literal, mas de forma subentendida, com pressupostos, para que seus textos pudessem ser cantados. Recursos como esse eram constantes: as ideias deveriam estar subentendidas, nunca muito claras, expressas de forma que as palavras dissessem uma coisa e pudessem ser entendidas de outra forma.

Os alocutários (representam o ‘tu’) A classe média brasileira é quem representa o alocutário (o leitor). Essa classe está, no Brasil, cada vez mais achatada e empobrecida. Como formadora de opinião, foi a que mais sofreu com o período da repressão. Dessa classe, também saíram os “Leos” que tinham um sonho e um plano de voo para executar seu projeto de vida. Pelo respeito e prestígio que os autores gozam junto à classe média, falam de uma situação que todos entenderam e lastimaram o próprio destino. Especialmente, há necessidade de não esquecer, de conservar a memória dos fatos para que essa realidade não aconteça mais.

A cena enunciativa funciona como um teatro em que o locutor e alocutário se posicionam no tempo e no espaço. Pela nossa experiência de leitores, sabemos que o modo como o locutor se inscreve no tempo e o espaço de seu interlocutor, bem como todas as variações linguísticas e a construção sintática que usa, contribuem para construir uma imagem de si para os seus leitores. O tempo é a década de 1970, período do AI5, da bomba do rio centro, dos senadores biônicos, da forte repressão e censura, da guerrilha do Araguaia.

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A cena enunciativa (representa o ‘agora’, o contexto situacional)

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O lugar é o Brasil, posição geográfica-espacial determinada. As imagens do locutor e alocutário ganham sentido nesse espaço. Quem sou eu (os compositores) para ti (leitores) e quem és tu para mim. A seguir, veja exemplo de leitura parafrástica e polissêmica a partir das condições de produção.

Leitura parafrástica O texto está dividido em seis partes e a marca linguística divisória é o verso com uma única palavra, “Leo”. Compreendemos o texto como a história de uma vida. Nos versos de 1 a 3, temos a infância do menino Leo, brincadeiras, o pião, o mato, um pedaço de pau. Vida simples. Nos versos 4 a 9, temos a adolescência: o momento da paixão, dos sonhos; a maturidade da união amorosa e o nascimento do filho. Nos versos 10 a 14, há a ideia de que nem tudo vai bem nesse mundo em que o filho vai viver. O “mundo virado” conota uma reviravolta na história. Há um “irmão” que aparece, um recado, a viagem. É a mudança de rumos e, para iniciar essa nova etapa, Leo tem uma mala, a cara, a coragem e um plano de voo. Em seguida, nos versos 15 a 19, há apresentação da luta nesse “mundo virado”. É Uma luta secreta, na sombra, em que as verdades são meias verdades e os horizontes não são claramente visíveis, daí o verso: “um olho desperto e outro vazado.”

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Nos versos 20 a 24, temos a tragédia, o drama que acontece com Leo. O sol na quebrada sugere o surgimento da noite da morte. Essa sugestão confirmada pelo verso seguinte: “um tiro no escuro e um corpo na lama”. Na serra distante, em tempo de luta, morre o Leo, de forma obscura e sem muito sentido.

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Na última parte, correspondente aos versos de 25 a 28, compreende-se que a morte de Leo leva o nome dele para a lama, como se fosse um traidor, mas as explicações não vêm, o silêncio em torno do fato é profundo. A vida continua e o filho do Leo vive sua infância com as brincadeiras da mesma forma que o pai.

Leitura polissêmica Estamos diante de um texto de denúncia. Desde o nome do personagem “Leo”, que, no latim, significa ‘leão’, há apresentação de um lutador corajoso, o primeiro entre os seus. Leo é um revolucionário que não aceitou a dominação e, enfrentando todos os obstáculos e dificuldades, vai à luta, sonha com um futuro diferente para seu filho.


A morte que encontra, no entanto, não é gloriosa. Um silêncio cerca o fato e até o nome de Leo é apresentado de forma pejorativa, pois temos, no texto, um ‘nome na lama’. O texto revela uma circularidade que representa a integração à vida: o início, o meio, o fim e o reinício. Num texto sintético, muito substantivado, em que os verbos estão de forma subliminar e subjazem ao sentido do texto, os autores apresentam uma trajetória de vida. Vida e morte de Leo. No entanto, há uma ênfase especial a determinadas circunstâncias que são ditas de uma forma poética. Entre elas, destacamos: “o mundo virado; a cara, a coragem e um plano de voo; um olho desperto e um olho vazado; a quebrada do sol; um silêncio profundo.” São esses versos significativos que permitem uma leitura polissêmica no momento em que analisamos as condições de produção. Leo morreu em vão? A criança brinca em sua inocência, mas, e nós? O que fazemos com a relativa liberdade que gozamos? Temos um plano de voo? Nossa memória conserva as lições dos heróis anônimos, ou estamos esquecidos, vivemos como se não tivéssemos passado, como se não tivéssemos histórias para contar para nossos descendentes? São reflexões que o texto nos oferece. O mundo não só nos oferece desafios, o momento é de desafiarmos nossa realidade e nos superarmos a todo instante. Estamos com um pé na soleira, um pé na calçada, mas qual o nosso destino? Acabamos de apresentar um exemplo de leitura de letra de música. Agora, vamos exemplificar uma leitura da cidade. É possível ler uma cidade?

Texto complementar

Cidade babel: publicidade lambe-lambe Leitura: objetivos, estratégias, contextos

Considera-se a cidade um espaço habitado por uma memória feita de historicidade, por uma alteridade em que se entrecruzam língua, sujeito e mundo. Por isso, o eu-urbano se forma num espaço interidentitário em que há um sempre a dizer e a significar. A proposta deste trabalho é um olhar sobre a cidade de Salvador, tomando como materialidade a publicidade que se faz fora dos cânones regulares e das regras da economia, nos postes de iluminação: a publicidade lambe-lambe. Essa publicidade desorganiza o espaço pelo muito cheio, não deixando espaços vazios, pois o que não está repleto, é preenchido pelo imaginário. Há, então, uma representação desse imaginário com as condições reais de existência do indivíduo, significada pela

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ideologia. São sujeitos marcados pela ambiguidade, numa fusão extrema de universos culturais que se apresentam ao olhar pelo flash, pelo instantâneo. A publicidade lambe-lambe consiste em um poster de papel, colado, geralmente, em muros, postes ou árvores. Sua origem é antiquíssima, basta lembrar os cartazes de “procurado” nos velhos filmes de Hollywood, um exemplo de pré-construído, memória do já dito, para saber que esse tipo de comunicação está no inconsciente coletivo. Não se encontram referências sobre esse objeto de pesquisa que nasce de forma desordenada, caótica, em alguns casos artística, presente em toda a comunidade. As referências vêm de depoimentos de pessoas e publicitários que usam essa mídia. Um anúncio sobre publicidade em postes afirma que eles são um excelente meio de comunicação, são uma forma de colocar sua marca na rua, com ótimo custo e grande visibilidade. Para o anunciante, é oferecido retorno imediato, baixo custo, livre local de exposição, durante 24 horas, localizando-se no campo visual de pedestres e motoristas. Em Salvador e na Grande Salvador, basta uma autorização da prefeitura (SUCOM) para fazer uso desse tipo de publicidade. Mas nem sempre esse órgão governamental é consultado. Em São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, essa mídia foi proibida, no entanto, há uma resistência discreta, mas firme, pois nesses estados a publicidade lambe-lambe ainda aparece, atraindo pela contravenção.

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O nosso olhar, no entanto, vai-se voltar para a cidade de Salvador. E o que é vinculado nos posters lambe-lambe? Desde propagandas de shows de forró aos serviços mais variados como consultas a videntes, tarólogos, terapias, aluguel de carros, construção de sites, serviço para retirar multas de trânsito, conserto de fogões, de geladeiras, aulas sobre como fazer seu imposto de renda, convite para acessar sites de Youtube e até cursos de pós-graduação. Tudo isso espalhado pela cidade em muros, postes, em abrigos das paradas de ônibus, em árvores e embaixo de viadutos.

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A visão que se tem é de uma cidade que se fala em seus serviços, se plenifica pelo espaço muito cheio, e o que não está cheio é preenchido por um imaginário, captado pelo olhar, mesmo distraído. O que vamos demonstrar é que há um discurso em que a divisão de classes se presentifica nas condições reais de existência dos indivíduos considerando-se cultura, sociedade e economia, tendo como recorte quatro tipos de posters, em oito fotografias. Quando se fala em cidade, faz-se necessário pensá-la como uma forma de associação humana com indivíduos socialmente heterogêneos, funcionando em torno de conceitos políticos, econômicos, sociais e culturais, com um conjunto de insti-


tuições de administração política que propõe o brotar da noção de cidadania e de comunidade urbana. A cidade é um fenômeno contraditório em si mesmo, pois apresenta heterogeneidade ao lado de uma padronização, necessidade de estar subordinado a exigências, a leis da comunidade, mas, ao mesmo tempo, surge a individualidade e a dispersão. A cidade observada pelo prisma da materialidade, da escrita, do espaço em que a publicidade lambe-lambe está colocada evidencia uma presença de indivíduos e classes que significam a si mesmos e aos outros, numa trama de sentidos. O modo de funcionamento do discurso, neste tipo de publicidade, permite compreender a constituição discursiva do sujeito urbano, sua manifestação, forma como resiste, transforma e se torna visível preenchendo um espaço público. Não nos interessa, agora, neste trabalho, analisar a questão da poluição visual que causou a proibição dessa mídia em alguns estados, e sim as formações discursivas e ideológicas, memória e materialidade. Partindo da reflexão de Orlandi (2004 p. 35) que diz “Não restam espaços vazios na cidade, sua realidade estando toda ela preenchida pelo imaginário urbano”, verifica-se que nesse lugar organizado/desorganizado surge uma narrativa que atravessa a massividade urbana na forma de um flash. Aí se instala, então, a falha, o equívoco na materialidade dos posters colados na via pública, na calçada, o lugar comum em que os sujeitos urbanos materializam seu estar no mundo. Longe do apelo ao requinte, à classe, à elegância e ao status que caracteriza uma peça publicitária, pois segundo os cânones deve seduzir e persuadir o possível cliente para o consumo da mercadoria ou do serviço, a publicidade lambe-lambe apregoa o serviço cotidiano, para solucionar problemas funcionais, geralmente serviços braçais ou técnicos.

Os anúncios dizem respeito a serviços em consertos de aparelhos domésticos, móveis, ou reparos de encanamento, construção, pintura. A função poética da linguagem e das imagens está ausente, o estímulo que o anúncio oferece está na ideia do conserto, no telefone para contato, e, em geral, os serviços são realizados na própria residência do consumidor. Alguns acrescentam o tempo de serviço, oferecem garantias.

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Em geral, esses anúncios estão em postes próximos a prédios de vários andares, colados em postes contíguos, que se a rua for olhada em perspectiva, nota-se uma configuração em que todos os postes daquela rua estão com a publicidade colada.

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Nilza Carolina Suzin Cercato. Nilza Carolina Suzin Cercato.

Figura 1 – Anúncio “Conserta-se fogão.”

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Nilza Carolina Suzin Cercato.

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Figura 2 – Anúncio “Consertos em refrigeração, lavadora.”

Figura 3 – Anúncio “Pingo de tinta.”

Esses anúncios são acontecimentos discursivos irrompendo de uma singularidade única, no lugar e no momento de sua produção. Isso implica uma atualidade, compreendida pelo que está posto, reforçado por uma memória discursiva. Há uma posição de sujeito funcionando como o anunciante de um serviço – que aparece nesse lugar – e interpela o indivíduo que passa pela rua a ocupar um lugar de sujeito – daquele que fará, ou não, uso desse saber que está colocado em evidência. No enunciado das figuras 1, 2 e 3, a formação discursiva permite observar que existe um padrão, um estereótipo, que começa com o serviço oferecido: consertos em refrigeração, lavadora; fogão; alguns falam do tempo de experiência; outros acrescentam um slogan, como na figura 2 “trabalhamos bem para servir melhor”. A excelência do serviço está garantida pela indicação da experiência e pelo slogan. A seguir ganham importância os números de telefone e, na figura 2, o e-mail. Na figura 3, os serviços são colocados sem o estereótipo de início, mas da mesma forma, estão elencados os serviços a serem prestados. O acréscimo é o nome da empresa: Pingo de Tinta, mais o endereço, citando rua e bairro. A expressão etc. não esclarece quais são os outros serviços a serem prestados. Quando se pensa no urbano como quantidade, pensa-se nos indivíduos se constituindo ou sendo interpelados como sujeito, refletindo o espaço urbano como um lugar comum, lugar de convivência, daí a necessidade de comunicação. O anúncio permite ao indivíduo constituir-se como sujeito e se reconhecer por meio da prática de si, isto é, práticas que controlam seus saberes. Nesses anúncios nota-se a ausência do nome do profissional que realiza o serviço. É um silenciamento que significa. O sujeito anuncia seu trabalho, sua competência, mas não sua identidade civil. É um dizer cuja autoria é silenciada, mas existe.


Orlandi (2000 p. 75) afirma: A unidade do texto é efeito discursivo que deriva do princípio da autoria. Dessa maneira atribuímos um alcance maior e que especifica o princípio da autoria como necessário para qualquer discurso, colocando-o na origem da textualidade. Em outras palavras: um texto pode até não ter um autor específico, mas pela função-autor, sempre se imputa uma autoria a ele.

Na formulação do pôster, verifica-se o uso de um estereótipo que traz a ideia de coisa fixa, cristalizada, uma vez que consiste numa operação de pensar o real por meio de uma representação cultural pré-existente, um esquema coletivo fixo, pois um indivíduo pode ser percebido e valorizado em função do modelo pré-construído difundido na comunidade de que faz parte. Essa estereotipagem serve para dar à construção da imagem do sujeito do anúncio, a autoridade e legitimidade do discurso. E ao indivíduo interpelado como sujeito, passando pelo pôster, cabe identificar o anunciante numa categoria conhecida socialmente. Outra linha de anúncios está em oferecer colaboração social ou solicitar ajuda. São em menor número, mas também estão presentes na paisagem urbana. Dois exemplos para ilustrar:

A contribuição do indivíduo que atende ao anúncio consiste em alimentos.

Nilza Carolina Suzin Cercato.

A figura 4 traz um anúncio em que se propõe uma troca social de benefícios. De um lado está o sujeito que oferece um serviço de saúde, em troca de alimentos. Portanto, saímos da área de serviços de consertos. Note-se que não traz o nome da clínica que oferece o exame, apenas dois endereços, em pontos diferentes da cidade. A qualidade do exame está no enunciado: grátis e computadorizado.

Figura 4 – Anúncio “Exame de

A imagem do olho, perfeita para um poster de rua, vista.” traz um diferencial.

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As lacunas são preenchidas pelo imaginário, por meio das questões: que clínica é essa? Consulta grátis, mas os alimentos não serão uma forma de pagamento? Qual é o interesse que existe ao oferecer o anúncio? Esses questionamentos trazem à tona a reflexão de que há uma ambivalência da noção do individual e do social, aliada à questão do criativo, que oferece um exame de vista e o banal, na publicidade lambe-lambe. Por outro lado, não se pode esquecer o pensamento de Pêcheux em Materialités Discursives, (1980) de que o sujeito dividido, o deslize dos sentidos, a não transparência da língua, do sujeito, do sentido, necessitam de interpretação e evidenciam a presença da ideologia.

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Analisando a materialidade discursiva, verificam-se, em primeiro lugar, os destaques: Salvador, Pós-Graduação, números de telefones. O nome da cidade, Salvador, está em vermelho sobre o branco; Pós-Graduação em letra duplicada em preto e branco sobre o vermelho e os números de telefone em preto sobre o amarelo. O uso dessas cores exerce uma atração sobre o olhar. Não há como não ver.

Nilza Carolina Suzin Cercato.

Na figura 5 a publicidade cobre uma anterior, mas oferece um serviço de caráter intelectual. Lê-se: Novamente em Salvador. Cursos a distância. Pós-Graduação. São 67 cursos nas áreas de: Direito, Educação, Gestão, Saúde. Números de telefone. Após, o e-mail.

Novamente em Salvador: implícito que esses cursos já foram ministrados em Salvador, e agora voltam. Sendo Figura 5 – Anúncio “Cursos a curso a distância justifica-se o e-mail e o site. O indivíduo distância.” que desejar se inscrever nos cursos tem ao seu dispor as informações essenciais.

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Na figura 6, há um anúncio de procura-se, em que a foto colorida do procurado é precedida pela apresentação do mesmo. A data do desaparecimento, o nome da pessoa com quem fazer contato, os telefones e endereço. No entanto, há uma frase-chamariz em negrito que catalisa o olhar: “Ofereço excelente recompensa” com efeito de sentido de um estímulo para que o Lorinho seja devolvido. Nesse anúncio não falta nem o toque emocional, caracterizando sofrimento pela perda: “por favor, nos ajude!” O apelo está registrado na frase Figura 6 – Anúncio de “Procura-se.” em negrito e na frase final.

Nilza Carolina Suzin Cercato.

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Essa publicidade dirige-se para um público mais restrito. Enquanto outros serviços interpelam todo e qualquer indivíduo, para atender a esse anúncio, pressupõe-se a necessidade de um curso de graduação. O que interessa a esse pôster são pessoas com um nível de formação superior. Denota-se, devido a isso, uma melhor qualidade de colorido, destaques, e o espaço físico de colocação, como se pode ver pela foto, próxima da praia. No entanto, como as demais publicidades lambe-lambe, oferece um serviço.


Completando essa análise, dois pôsters sobre a mesma temática. O modo de circulação do dizer é público e se faz na quantidade. Nessas duas fotos, os serviços estão ligados à crença, apresentando formações discursivas diferentes, com a mesma formação ideológica, em que o oferecido vem com uma promessa mágica. O indivíduo é interpelado como sujeito pela ideologia, numa situação de falha, de falta, de carência; apresenta-se como um ser desejante. Lemos no primeiro recorte: Ganecha. Taróloga Vidente. Previsões para 2009. Traz a pessoa amada e reza o mal em 48 horas. Seguem-se dois números telefônicos. Iguatemi. Temos, então, a identificação daquela que oferece os serviços: Ganecha. Em seguida, o que é oferecido: em primeiro lugar, as previsões para o ano.

Figura 7 – Anúncio de “Procura-se.”

Nilza Carolina Suzin Cercato.

Nilza Carolina Suzin Cercato.

O desejo de prever o futuro, presente na memória discursiva, é provavelmente tão antigo quanto o ser humano, que tem tentado satisfazer esse impulso de diversas maneiras, dando-lhe, conforme a época e a mentalidade reinante, maior ou menor importância.

Figura 8 – Anúncio de “Ganecha.”

O uso do Tarô, para prever, pressupõe um ritual. A palavra tarô na língua portuguesa (ou em outras línguas: tarot, tarock, tarok, tarocco, tarocchi etc.) não possui uma tradução específica – ninguém sabe ao certo sua real etimologia. Acredita-se que ele possa vir da palavra árabe turuq, que significa “quatro caminhos”, sugerindo possibilidades.

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Dá-se o nome de adivinhação ao conjunto de procedimentos empregados para obter informação sobre os acontecimentos futuros, recorrendo a meios sobrenaturais. Essa vinculação com o transcendental se depreende da etimologia latina da palavra, que literalmente significa “descobrimento da vontade dos deuses”. Ganecha se intitula vidente, a que consegue ver os fatos futuros e, com isso, orientar as decisões do indivíduo que a procura, confirmando a qualidade que se atribui de vidente.

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Além de prever o futuro, do uso ritualístico, há a proposta de trazer a pessoa amada. Implícito no discurso a ideia de uma perda, para recuperar o bem perdido, o sobrenatural e o misterioso entram em cena. Como um oráculo, Ganecha se propõe a “rezar”, cujo efeito de sentido, por meio da memória discursiva, no anúncio, significa eliminar um malefício, seja feitiço ou mau-olhado por meio de uma reza poderosa, que afastaria o mal em quarenta e oito horas. Os dois números de telefone em caracteres maiores constituem uma garantia de que o interessado verá claramente para onde ligar. A indicação do bairro tem um sentido subjacente: o local de atendimento está num bairro nobre, garantindo o acesso fácil e seguro. O segundo recorte apresenta a mesma temática, no entanto, verifica-se que não há identificação de quem oferece os serviços, havendo um apagamento do locutor, no entanto, a desinência feminina caracteriza o gênero do autor. Os rituais divinatórios que oferece são variados: Tarô, runas, bola de cristal. Uma taróloga oferece orientações por meio desses códigos. E mais, a ambiguidade se estabelece quando oferece “trabalhos gratuitos”. Na memória discursiva, ao longo da história de nossa colonização, esses trabalhos estão relacionados com atividades que eliminam o mal, a bruxaria, o feitiço, o mau-olhado, todos acontecimentos baseados em crenças e crendices. Comparando os dois recortes, notam-se diferenças nas formações discursivas; enquanto o primeiro narrativiza sua atividade, pois o presente do indicativo é uma garantia do que faz, o segundo apresenta o ponto de sua interferência: união amorosa, negócios, vícios e outros. Ao acrescentar “outros”, torna ambíguo o que faz, deixando para o imaginário quaisquer possibilidades.

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As cores das letras também são diferenciadas: o primeiro é em vermelho, o segundo em azul. O sentido do uso das cores produz um efeito de sentido que energiza e pacifica. [...]

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Observa-se, portanto, a presença de um pré-discursivo, de uma memória discursiva presente nos anúncios, que são os mais constantes serviços oferecidos nos anúncios lambe-lambe em postes na cidade do Salvador. Outros anúncios dos mesmos serviços usam uma variação do tipo “Irmã” ou “Pai de santo” ou obalorixá. O importante é verificar que esses serviços estão relacionados com os processos divinatórios, por meio de um ritual. Compreendendo-se o ritual como uma reprodução de um significado vital para a dinâmica de uma sociedade, o real da língua e o real da história remetem ao próprio imaginário dos sujeitos. O vínculo entre o símbolo, a coisa, o imaginário efetivo constitui-se no processo divinatório em que cada objeto traz uma interpretação, conferindo


ao mesmo tempo um sentido global ao universo e ao lugar ocupado pelo sujeito. Parafraseando o filósofo pré-socrático Heráclito, entre o mito e a consciência projetiva “corre um rio cujas águas nunca são as mesmas”. Após essa breve análise, pode-se compreender o sentido de ideologia, na qual os homens que fazem a história, sem o saber, podem passar a ter consciência das condições que determinam sua história. No entanto, isso só pode acontecer por meio da luta de classes, que aparece cotidianamente na sociedade civil. Comparando os anúncios dos postes com os outdoors, ou publicidades milionárias publicadas em revistas e jornais, pode-se perceber a diferença social e econômica existente entre essas mídias. Para grandes lucros, grandes anúncios, elegância, linguagem em sua função poética, para trabalhadores cuja função é considerada economicamente menor, sobra a divulgação de seus serviços nos postes. Segundo Chauí (2001, p. 72), “[...] a ideologia não é um processo subjetivo consciente, mas um fenômeno objetivo e subjetivo involuntário produzido pelas condições objetivas da existência social dos indivíduos”. Isso significa que, no momento em que o sujeito se situa em sua classe, com condições de vida e de trabalho prefixadas, parece-lhe que está construindo sua própria classe. Entra em cena a alienação, instrumento da ideologia enquanto a experiência comum de vida for mantida sem crítica. Mas, a maior força da ideologia é o poder que ela tem de ocultar, de cristalizar em verdades fatos invertidos, é fazer com que no lugar da verdade fale uma pseudoverdade. Há uma manobra camufladora que faz com que o discurso se caracterize pela presença de falhas, lacunas, silêncios e opacidades que preservam a sua coerência.

Por outro lado, há uma evidência de sentido, pela linguagem, pela memória, e há uma evidência de sujeito que se fala e se propõe enquanto trabalhador ao tempo em que interpela o indivíduo que passa pela rua, leitor do anúncio, para ocupar um lugar de sujeito.

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Na Análise de Discurso, o papel da ideologia é analisado por meio das formações ideológicas que são os processos discursivos que constituem a fonte de efeitos de sentido, daí ser o discurso um espaço em que surgem as significações, a constituição dos sentidos, a interpretação do dito, fruto da memória e do esquecimento e do a-dizer. O discurso é o lugar onde a ideologia aparece na materialidade da linguagem que está nas condições de produção desse discurso, no uso do estereótipo, na economia de informações, no espaço em que o anúncio está colocado, isto é, nos postes.

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Cidade Babel remete a uma das narrativas míticas mais surpreendentes do Gênesis, para a ideia de projeto unificador (um povo e uma língua). “Vamos construir para nós uma cidade e uma torre que chegue até o céu. Assim nos faremos um nome.” (BÍBLIA SAGRADA 11,4). Mas, num segundo momento, a torre e a cidade dão lugar à ideia de diversidade, sendo a metáfora incompreensão recíproca e dispersão, realçadas pela oposição dicotômica: a unidade e a diversidade. Faço uso dessa imagem para encerrar a análise da dispersão que caracteriza o urbano em sua visibilidade. É interessante verificar de que lugar as pessoas falam. Vamos provar isso com as mudanças de sentido que acontecem na leitura, a seguir, da história do Chapeuzinho Vermelho. Observe o jogo com os lugares de que as pessoas falam e o sentido que oferecem ao que está proposto: Se história da Chapeuzinho Vermelho fosse verdade, como ela seria contada na imprensa do Brasil? Veja as diferentes maneiras de contar a mesma história. Jornal Nacional (William Bonner): “Boa noite. Uma menina chegou a ser devorada por um lobo na noite de ontem [...]” (Fátima Bernardes): “[...] mas a atuação de um lenhador evitou a tragédia.” Programa da Hebe “[...] que gracinha, gente! Vocês não vão acreditar, mas essa menina linda aqui foi retirada viva da barriga de um lobo, não é mesmo?”

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Cidade Alerta

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(Datena): “[...] onde é que a gente vai parar, cadê as autoridades? Cadê as autoridades? A menina ia pra casa da vovózinha a pé! Não tem transporte público! Não tem transporte público! E foi devorada viva [...] um lobo, um lobo safado. Põe na tela, primo! Porque eu falo mesmo, não tenho medo de lobo, não tenho medo de lobo, não!” Superpop (Luciana Gimenez): “Geeente! Eu tô aqui com a ex-mulher do lenhador e ela diz que ele é alcoólatra, agressivo e que não paga pensão aos filhos há mais de um ano. Abafa o caso!”


Globo Repórter (Chamada do programa): “Tara? Fetiche? Violência? O que leva alguém a comer, na mesma noite, uma idosa e uma adolescente? O Globo Repórter conversou com psicólogos, antropólogos e com amigos e parentes do Lobo, em busca da resposta. E uma revelação: casos semelhantes acontecem dentro dos próprios lares das vítimas, que silenciam por medo. Hoje, no Globo Repórter.” Discovery Channel Vamos determinar se é possível uma pessoa ser engolida viva e sobreviver. Revista Veja Lula sabia das intenções do Lobo. Revista Cláudia Como chegar à casa da vovózinha sem se deixar enganar pelos lobos no caminho. Revista Nova Dez maneiras de levar um lobo à loucura na cama! Revista Isto É Gravações revelam que lobo foi assessor de político influente. Revista Playboy (Ensaio fotográfico do mês seguinte) “Veja o que só o lobo viu”. Revista Vip As 100 mais sexies – desvendamos a adolescente mais gostosa do Brasil! Revista G Magazine (Ensaio com o lenhador) “O lenhador mostra o machado”. (Ensaio fotográfico com a Chapeuzinho na semana seguinte) Na banheira de hidromassagem, Chapeuzinho fala à Caras: “Até ser devorada, eu não dava valor pra muitas coisas na vida. Hoje, sou outra pessoa.” Revista Superinteressante Lobo Mau: mito ou verdade?

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Revista Caras

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Revista Tititi Lenhador e Chapeuzinho flagrados em clima romântico em jantar no Rio. Folha de S.Paulo Legenda da foto: “Chapeuzinho, à direita, aperta a mão de seu salvador”. Na matéria, box com um zoólogo explicando os hábitos alimentares dos lobos e um imenso infográfico mostrando como Chapeuzinho foi devorada e depois salva pelo lenhador. O Estado de S.Paulo Lobo que devorou menina seria filiado ao PT. O Globo Petrobras apoia ONG do lenhador ligado ao PT, que matou um lobo para salvar menor de idade carente. O Dia Lenhador desempregado tem dia de herói. Extra Promoção do mês: junte 20 selos mais R$19,90 e troque por uma capa vermelha igual à da Chapeuzinho! Meia hora Lenhador passou o rodo e mandou lobo pedófilo pro saco! O Povo Sangue e tragédia na casa da vovó.

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Correio da Bahia e TV Bahia

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Menina usando um chapeuzinho vermelho é atacada por um lobo e não consegue atendimento em nenhum hospital do Estado. Governador Wagner não se manifesta. Balanço geral Cartão vermelho para isto! Ora, desde o tempo da suburbana que todos conhecem a história, Lobo mau traçou Chapeuzinho lá no tempo da vovózinha, agora a culpa é do Wagner?


Bocão Passa o rodo! Menor de 13 anos, inocente, é estuprada devorada viva por desconhecido drogado, quando ia para casa da vovózinha. O safado degolou a velha! O major Cláudio flagrou o meliante e o levou às pressas ao HGE para extração da adolescente! Temos imagens exclusivas da cirurgia. Kd vc Liana Cardoso! É com vc, na tela! Mas, antes, nós temos R$5.000,00 na roleta, ligue agora 9965-3011. (CERCATO. Nilza C.S. Trabalho apresentado no V Seminário de Análise de Discurso. Disponível em: <http.uazi.zip.net>.)

Atividade após a leitura Imagine um tema e uma situação em que, a partir do lugar ocupado pelo leitor, você crie uma leitura como foi feita com a história do Chapeuzinho Vermelho. Tenho uma proposta para você. Usando as condições de produção, procure produzir sentidos no texto a seguir:

Ser filho de médico “Sou viciado em bulas. Principalmente em reações adversas. Sinto todas” José Simão

Meu pai era clínico geral das antigas, atendia doentes em casa. Esse é o meu sonho de consumo: ser atendido em casa. O apogeu do hipocondríaco! Quando ele ia ao hospital, eu ficava passeando com as freiras e comendo gelatina de hospital. Mas devo ter visto alguma coisa grave que apaguei da memória porque hoje não consigo entrar em hospital, tremo como vara verde e sinto que vou desmaiar!

Leitura: objetivos, estratégias, contextos

Meu pai era médico, meu irmão é médico e eu sou hipocondríaco. O dia em que não tomo remédio algum, tomo um tylenol. Prá garantir! Crescer entre médicos é crescer ouvindo: espasmos, baixo ventre, tromboflebite, plasil, nádegas, injetável e me liga daqui três dias. E a pior coisa que podia acontecer com um hipocondríaco foi o que aconteceu comigo: ficar doente em Istambul! E ler as bulas em turco! Desespero total, a única palavra que entendia: tablets! Sou viciado em bulas. Principalmente em reações adversas. Sinto todas! A mais preocupante, por causa do meu trabalho, é: diminuição da acuidade mental! E a melhor consulta que tive até hoje: “Doutor, toda vez que eu aperto aqui, dói”. “Então, por que aperta?” respondeu o médico!

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Quando atendia doentes na região da 25 de Março, me deixava no restaurante da dona Vitória, onde uma roda de libanesas vestidas de preto amassava quibe cru, e sempre sobrava pra mim. Talvez o quibe cru tenha me deixado tão forte! O bom de ser filho de médico é se sentir a vontade no mundo dos remédios. O ruim é você se achar capacitado para se automedicar e medicar os amigos. “Plasil não, é melhor tomar buscopan”. “Vagostesyl é muito fraco, toma logo um lexotan”. Eu sou do tempo do vagostesyl! E o pensamento básico do hipocondríaco quando um amigo ou parente de amigo está doente: se fulano está com isso, eu também estou. Se fulano teve aquilo, eu também tenho. E a hilária definição de urologista: “urologista é aquele que olha pro seu pingolim com desdém, pega com nojo e cobra como se tivesse chupado”. E para terminar tenho que confessar uma coisa que realmente me envergonha: eu minto para os médicos! José Simão é colunista do jornal Folha de S. Paulo

(Publicada no jornal do Cremesp em 12/09/2011)

Lembre que, para trabalhar com as condições de produção, você deve em primeiro lugar, pensar no contexto sócio-histórico. Procure responder: Em que época foi escrito este texto? Quais os fatos que podem ser relacionados com o texto? Que circunstâncias estão envolvidas no texto? Em seguida, analise a cena enunciativa:

Leitura: objetivos, estratégias, contextos

Onde foi publicado o texto?

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Que relação o tema tem com o local de publicação? Por último, os interlocutores: Quem é José Simão, qual a característica dominante dos textos dele? Quem é o leitor de José Simão? Veja como fizemos no texto Leo e na Publicidade lambe-lambe. Essas duas leituras podem servir de orientação para você produzir suas leituras. O importante é fazer o percurso por meio da análise das condições de produção.


Síntese Ler é atribuir sentidos. A melhor forma de apreender o sentido do texto é construir as condições de produção a fim de produzir uma leitura parafrástica e polissêmica.

Questão para reflexão A incompletude é condição da linguagem. Um discurso nunca está acabado, sempre há a possibilidade de um dizer. Nada está pronto: há um trabalho contínuo, movimento simbólico e da história. Como você interpreta essa colocação? Você saberia apresentar um caso em que a incompletude da linguagem permite um novo dizer?

Vídeo indicado Vídeo Ilha das Flores – produção de Jorge Furtado.

Referências MAINGUENEAU, Dominique. Análise de Textos de Comunicação. São Paulo: Cortez, 2002. ORLANDI, Eni. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2001. ______. Cidade dos Sentidos. Campinas, SP: Pontes, 2004. Leitura: objetivos, estratégias, contextos

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Produção de texto: características de bons textos, argumentação, estilo, autoria Não existe linguagem inocente. Michel Pêcheux

Nossa proposta, nesta aula, é produzir textos dentro dos padrões formais, em que o conteúdo e a argumentação coerente devem estar organizados dentro dos parâmetros de cada gênero e tipo textual. Você será convidado(a) a produzir textos variados. Lembre-se de que a arte de escrever é reescrever. Para mim, a maior solidão que existe é quando você está diante do papel em branco procurando construir seu texto. As palavras terão que ser suas, as ideias defendidas com clareza. É um belo trabalho, inspire-se. Vejamos o que nos diz Neil Ferreira, em entrevista, sobre a arte de escrever.

A arte de escrever é o ofício de reescrever Um texto não pode ser chato Neil Ferreira

Um texto não pode insultar a inteligência de quem está o lendo. Um texto tem que ter ritmo. Às vezes, você vê um redator brigar que nem um leão por causa de um ponto e vírgula, porque, na respiração desse redator, essa frase tinha um ritmo tão emocionante que, sem esse ponto e vírgula, talvez fosse quebrado um ritmo, quebrando a comunicação de uma ideia bela, de um raciocínio emocionante. Talvez esse ponto e vírgula não seja nem ao menos essencial ao conteúdo da mensagem. Mas é muito provável que ele seja essencial à forma da mensagem, à roupa que ela vai vestir para chamar atenção, para cativar, para emocionar as pessoas. Essa roupa vai ser criada e costurada por um homem solitário, neurótico, inseguro e talentoso, irritante e emocionado, que luta com a máquina de escrever, briga com o papel em branco cada dia, não sabendo nunca se ele vai vencer a briga.

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Cada linha que ele constrói, ele implora para que o leitor leia a próxima linha. Cada parágrafo implora para que o outro parágrafo seja lido. O talento, o instinto, o suor e o sofrimento desse homem não merecem que um mau editor venha friamente tentar contribuir com o “tira-essa-palavrinha-daqui-e-põe-ali”, derrubando toda uma pirâmide de palavras, desarticulando uma forma bela, anarquizando um texto emocionante [...] O que eu sei dizer é o que eu sinto. Não existe texto curto ou texto comprido. Existe texto bom ou texto ruim. Não existe texto que o público não lê. Existe texto banal, medíocre, sem surpresa, que não enriquece a vida de ninguém, nem de quem lê, nem do produto que ele está anunciando. Eu costumo dizer para o pessoal que trabalha comigo: “Olha, gente, quando vocês não têm nada para dizer, não digam. Às vezes, o silêncio fala muito mais do que 30 mil palavras vazias. Quando vocês têm uma emoção violenta para comunicar, comuniquem de forma violenta. Quando vocês não têm uma emoção para transmitir, mas tem um fato, comuniquem esse fato, mas com estilo; e quando vocês não têm nada a dizer, não digam. Acho que esses são os bons textos.” Disponível em: <www.truveo.com/Entrevista-com-a-dupla-Neil-Ferreira-e-Jos%C3%A9/ Produção de texto: características de bons textos, argumentação, estilo, autoria

id/385352046>.

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Após a leitura do texto anterior, reflita e procure respostas para as questões que estão colocadas a seguir: Como o autor estabelece uma analogia entre costurar e escrever? Qual é o efeito de sentido que o texto oferece ao traçar a personalidade do escritor? Qual é a luta que o autor enfrenta diante do papel em branco? O que deixa um escritor indignado em relação ao seu texto? O que está implícito com relação à subjetividade na produção de texto escrito? Para o autor, o que qualifica um texto como bom? Agora, leia o poema Escrever, de João Cabral de Melo Neto:


ESCREVER João Cabral de Melo Neto

Escrever é estar no extremo de si mesmo, e quem está assim se exercendo nessa nudez, a mais nua que há, tem pudor de que outros vejam o que deve haver de esgar, de tiques, de gestos falhos, de pouco espetacular na torta visão de uma alma

Observe o desenho da autora mostrando como ele imagina o funcionamento da língua. Escreva um texto, entre 15 e 20 linhas, interpretando o desenho de acordo com a sua concepção de linguagem. Vamos analisar um texto produzido por um aluno ingressante na universidade.

Nilza Carolina Suzin Cercato.

O poeta relaciona escrever com apresentar-se nu. Como você compreende os cinco últimos versos?

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no pleno estertor de criar.

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Foi oferecido um título e o escritor deveria produzir um texto em que mesclasse narração e descrição. Vejamos o que foi produzido.

E isso aconteceu...

Produção de texto: características de bons textos, argumentação, estilo, autoria

Eu estava no desfile de 15 de novembro com a minha família e com os meus amigos quando derepente começou a vir bombas de todo que lado era uma confusão do cão começaram a correr, e todos começaram a gritar, crianças chorando e o desfile foi uma trapalhada depois começou a chover, estavam todos molhados e as bombas se acabaram ainda bem por que não iríamos aguentar mais tinha alguns feridos mas não teve mortes ainda bem que ninguém morreu por que se não seria muito ruim para todos os militares estavam socorrendo quem se feriu e acalmando que estava passando mal mas todos ficaram bem e ai todos foram para a casa contentes e ficou tudo bem.

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Nesse texto, percebe-se a junção de letras na palavra derepente (de repente). Falta de pontuação e paragrafação, marcas de oralidade. O autor parece desconhecer a utilização dos sinônimos, uso da técnica de substituição, a fim de evitar repetições desnecessárias. Faltam elementos coesivos e, no último período, há uma incoerência semântica. Como ele pode afirmar que todos foram para casa contentes, depois de tudo o que aconteceu? Apesar de todos os problemas observados, o aluno utiliza vários elementos conectores, como: e, com, quando, de repente, todos, depois, por que, quem, mas todos, e ai, entre outros. Reescrevendo-o e respeitando a variedade linguística do autor, vamos ver como o texto ficaria:

E isso aconteceu... Eu estava admirando o desfile de 15 de novembro com minha família e amigos, quando de repente começaram a soltar bombas por todo lado. Tudo ficou muito confuso, pois as pessoas começaram a correr e, ao mesmo tempo, gritar; ouvia-se o choro das crianças, a tentativa das mães de acalmá-las. O que deveria ser um desfile alegre, virou uma confusão. Ainda mais que começou a chover e todos ficaram molhados. Finalmente, não houve mais bombas, havia algumas pessoas feridas, sem muita gravidade; os militares socorreram os que se feriram, procuraram acalmar a quem estava passando mal. Depois de tudo, fui para casa. E isso foi o que aconteceu.


Agora é sua vez! Há, a seguir, também de aluno, um texto com algumas deficiências, que você deve notar e fazer o comentário sugerindo uma nova forma:

E isso aconteceu... Aquele era o último ano que eu ficaria em casa de meus pais. Era o que eu mais queria, ficar independente, cuidando de mim só, sem as pessoas me darem ordens o tempo todo. Mas uma coisa inesperada aconteceu... Fiquei desempregado, sem condições de me manter sozinho. Precisaria de ajuda para essa nova etapa. É muito chato você se planejar todo e sem mais aquela, fica na dependência, ainda mais depois de imaginar um mundo de liberdade. Eu não tinha coragem de pedir ajuda aos meus pais, depois de tanto falar na minha mudança. E eles não se ofereceram para nada. É assim mesmo. Quando você precisa ninguém fala, nas outras ocasiões que você não quer saber de nada, todo mundo dá palpite. Por tudo isso, fico em casa mais um ano.

E isso aconteceu... Nariz rente ao vidro, expressão de enfado, ombros caídos, olhos sem vitalidade. Essa era a imagem do menino junto à janela da cozinha. Ele era a imagem da natureza chuvosa e fria naquele mês de julho. Nada de novo. Puro tédio. O gato miava rompendo uma monotonia e o silêncio. Mais nada... Mas, inesperadamente, a casa pareceu criar vida. O menino observou da janela que todos corriam em direção ao galpão. Alguma coisa nova devia estar movimentando o pai, a mãe e o tio. Então ele também correu para lá. Logo que entrou no galpão ouviu risos e gritos de satisfação. O bezerrinho havia nascido! Ainda não tinha levantado. Vagarosamente, o menino se aproximou, maravilhado. O bezerro esticou as patas, pôs-se de pé, deu um primeiro mugido. No coração do menino, o sol nasceu com o bezerro, a nova vida chegava tirando tédio, tristeza. Ele sentiu uma bruta vontade de gritar. E nesse momento, o fato mais espetacular aconteceu. O pai olhou para ele e disse: - Filho, ele é seu.

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Agora, leia outro texto sobre o mesmo tema. Espero que note as diferenças; a elaboração mais cuidada, a linguagem adequada.

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Sempre que vamos produzir um texto é importante uma releitura atenta. Voltamos ao primeiro texto dessa aula: escrever é a arte de reescrever. Não importa o tempo gasto, reescrever é um ato de coragem para dar qualidade ao texto produzido. Agora vamos estudar o parágrafo, que é uma unidade mínima de comunicação. Ele pode ser composto por uma ou várias frases. Nesta aula, vamos trabalhar com parágrafo argumentativo, quando temos como objetivo defender uma ideia. Em geral, um parágrafo argumentativo compõe-se de uma ideia-núcleo, que será apresentada como fio condutor do texto a ser escrito.

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Vamos analisar o parágrafo produzido por João Ubaldo Ribeiro, considerando a ideia-núcleo e os argumentos com que trabalha essa ideia:

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Todo mundo saberá ler e escrever, num mundo de mensagens instantâneas? Talvez não. Não me refiro a escrever à mão, com lápis ou caneta. Hoje já tem quem escreva uma página digitando com os polegares e não rabisque três linhas com uma caneta. Mas estou pensando em leitura e escrita sem o uso do alfabeto. De vez em quando, sou tentado a crer que as futuras mensagens instantâneas, torpedos e similares, serão grafados mais ou menos com ideogramas simples – imagens como aquelas carinhas Smiley que aparecem em milhares de aplicativos, acrescidas talvez de uma ou outra palavra abreviada em letras. De escrever e ler usando alfabeto e sintaxe, como hoje ainda fazemos, não haverá necessidade para grande parte dos usuários de aplicativos de mensagens. Passaremos mais ou menos para hieróglifos simples, que deverão ser perfeitamente adequados ao vocabulário e ao universo de interesses desses usuários. E talvez os que saibam ler e escrever usando o alfabeto venham a constituir uma categoria especial na sociedade, como eram os escribas da Antiguidade. (João Ubaldo Ribeiro – Vejaonline – 11/10/2011) Disponível em: <www.joaoubaldoribeiro/vejaonline/11/10/2011.com>.

Agora, vamos à análise!

Ideia-núcleo: Todo mundo saberá ler e escrever, num mundo de mensagens instantâneas? Talvez não.

Com essa interrogação e a resposta que dá, o autor nos oferece o fio condutor para podermos acompanhar a argumentação. Quando responde à própria pergunta, ele propõe uma hipótese que precisará ser explicada através dos argumentos.


Primeiro argumento: “Não me refiro a escrever à mão, com lápis ou caneta.”

Esse é um argumento explicativo para deixar claro a que tipo de leitura e escrita ele se refere.

Segundo argumento: “Hoje já tem [sic] quem escreva uma página digitando com os polegares e não rabisque três linhas com uma caneta.”

Esse argumento é fruto de observação.

Terceiro argumento: “Mas estou pensando em leitura e escrita sem o uso do alfabeto.”

O argumento é iniciado pelo operador argumentativo “mas”, que sugere uma oposição ao que foi dito antes. Significa que não está se referindo a quem digite com polegares e não escreva com caneta.

Quarto argumento: “De vez em quando, sou tentado a crer que as futuras mensagens instantâneas, torpedos e similares, serão grafados mais ou menos com ideogramas simples – imagens como aquelas carinhas Smiley que aparecem em milhares de aplicativos, acrescidas talvez de uma ou outra palavra abreviada em letras.”

É um argumento explicativo com o qual clareia a quem e a que se refere em relação à ideia-núcleo.

Quinto e sexto argumentos: “De escrever e ler usando alfabeto e sintaxe, como hoje ainda fazemos, não haverá necessidade para grande parte dos usuários de aplicativos de mensagens. Passaremos mais ou menos para hieróglifos simples, que deverão ser perfeitamente adequados ao vocabulário e ao universo de interesses desses usuários.”

São argumentos com os quais defende o que diz a ideia-núcleo, se todos saberão ler e escrever alfabeticamente.

Conclusão: “E talvez os que saibam ler e escrever usando o alfabeto venham a constituir uma categoria especial na sociedade, como eram os escribas da Antiguidade.”

Note que essa conclusão conduz à questão que está proposta na ideia-núcleo: saber ler e escrever serão habilidades de poucos. Por outro lado, note como os argumentos estão ligados entre si por expressões de coesão, por exemplo: “Não, hoje, mas [...]” e assim por diante. Além disso, quando analisamos o tom do texto, verificamos a ironia como marca, pois todos os argumentos conduzem para uma conclusão que seria uma regressão cultural.

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Essa análise mostra como pode ser construído o parágrafo dissertativo. Agora, quando desejamos construir um texto dissertativo em vários parágrafos, é necessário ter uma tese a ser defendida que aparece no primeiro parágrafo. Veja a sugestão a seguir: Na Introdução, inicie com uma frase que dê ideia de que tratará o texto. Depois, construa uma frase que desenvolva, brevemente, o caminho que seguirá ao desenvolver a ideia. Em seguida, coloque a tese que pretende defender. O Desenvolvimento pode ser apresentado em quantos parágrafos o autor desejar. Veja como fez João Ubaldo no texto que analisamos. Em geral, escolhemos uma forma de desenvolver: usando exemplos, por contraste, por analogia, por causa e consequência, fruto de observação, com citações etc. Na Conclusão, é preciso apresentar uma posição em relação à tese. Depois de termos argumentado, mostramos como nos posicionamos diante da tese que defendemos.

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Vamos analisar o texto argumentativo produzido pelo jornalista da Folha de S. Paulo:

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De um lado só Janio de Freitas

Ainda uma vez, indícios de corrupção em obras públicas levam a um acesso de agitação noticiosa e política. Derrubam um ministro bem enraizado. Dão alguma aparência de vida à oposição. Forçam depoimentos e investigações de servidores. E sobre os que corromperam, nada. A corrupção nas obras públicas brasileiras tem geração espontânea. É assim aos olhos dos congressistas inquiridores, das polícias, do Ministério Público, do Judiciário e do noticiário. De certa vez, respondi em inquérito da Polícia Federal, com a presença inquiridora também de um procurador da República, a longa e insistente série de perguntas. A razão foi a fraude em uma grande concorrência de obra pública, anulada porque o resultado foi aqui publicado, sob disfarce, com antecipação. Eram 18 grandes empreiteiras que dividiam a concorrência e os bilhões por intermédio da fraude. Pois não me foi feita nem uma só pergunta sobre qualquer das empreiteiras ou dos seus dirigentes.


Aquela foi a primeira concorrência de obra pública anulada por revelação de fraude. Foi tudo arquivado pela Procuradoria-Geral da República. Mas, bem-sucedida, a receita praticada então pelas instituições e pessoas responsáveis por moralidade administrativa e aplicação das leis ficou para as sucessivas fraudes e atos corruptores do serviço público. Parece lógico que, se um ministro e assessores graduados caem, por indícios de corrupção, há o lado corruptor. Parece. Mas a lógica a reger tais situações é outra. Provém, por extensão quando as circunstâncias o exigem, daquela, mais que secular, de aplicação dos ônus a um só lado: nos incidentes comuns, a punição aos humildes; nos casos graúdos, o ônus para os menos influentes ou menos afortunados. E os empreiteiros, se você ainda não notou, com que o ganham no uso dos seus métodos estão ficando donos do Brasil: telefonia, rodovias, ferrovias, petróleo, TV, hidrelétricas, mineração, siderurgia, não tem fim. O Brasil também está ficando de um lado só. (FREITAS, Janio de. Folha de S. Paulo. 27 jul. 2011).

Agora, segue a análise:

Na Introdução, o primeiro período situa o assunto de que vai tratar o texto: Ainda uma vez, indícios de corrupção em obras públicas levam a um acesso de agitação noticiosa e política. Os períodos dois, três e quatro explicam qual será o fio condutor de sua argumentação: Derrubam um ministro bem enraizado. Dão alguma aparência de vida à oposição. Forçam depoimentos e investigações de servidores. Observe que ele usa um sujeito indeterminado, caracterizando uma entidade não possível de denominar: quem derruba? Quem dá? Quem força? A Tese está no seguinte trecho: E sobre os corruptores, nada.

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O Título, “De um lado só”, já dá a ideia de que haverá outro lado para ser falado.

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Aí está a explicação para o título. O autor quer falar do outro lado da corrupção. No que diz respeito ao Desenvolvimento, vamos analisar, a seguir, cada parágrafo. No 2.º parágrafo, o argumento é baseado na observação e na visão da política brasileira: A corrupção nas obras públicas brasileiras tem geração espontânea. É assim aos olhos dos congressistas inquiridores, das polícias, do Ministério Público, do Judiciário e do noticiário.

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O 3.º parágrafo apresenta um argumento sobre uma experiência pessoal, uma realidade pela qual passou, mas a direção argumentativa está dirigida para a tese quando encerra o parágrafo, justificando ter relatado a experiência pessoal:

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De certa vez, respondi em inquérito da Polícia Federal, com a presença inquiridora também de um procurador da República, a longa e insistente série de perguntas. A razão foi a fraude em uma grande concorrência de obra pública, anulada porque o resultado foi aqui publicado, sob disfarce, com antecipação. Eram 18 grandes empreiteiras que dividiam a concorrência e os bilhões por intermédio da fraude. Pois não me foi feita nem uma só pergunta sobre qualquer das empreiteiras ou dos seus dirigentes. No 4.º parágrafo, há um argumento de consequência em relação ao que foi explicitado no parágrafo anterior: Aquela foi a primeira concorrência de obra pública anulada por revelação de fraude. Foi tudo arquivado pela Procuradoria-Geral da República. Mas, bem-sucedida, a receita praticada então pelas instituições e pessoas responsáveis por moralidade administrativa e aplicação das leis ficou para as sucessivas fraudes e atos corruptores do serviço público. O 5.º parágrafo traz argumentos dirigidos para a tese, pois esse é o parágrafo com os argumentos mais fortes, a fim de conduzir à conclusão que deseja. Observe que todos os argumentos usados, até o momento, tinham como finalidade chegar a um argumento definitivo:


Parece lógico que, se um ministro e assessores graduados caem, por indícios de corrupção, há o lado corruptor. Parece. Mas a lógica a reger tais situações é outra. Provém, por extensão quando as circunstâncias o exigem, daquela, mais que secular, de aplicação dos ônus a um só lado: nos incidentes comuns, a punição aos humildes; nos casos graúdos, o ônus para os menos influentes ou menos afortunados. Quanto à conclusão, o autor do texto a inicia apresentando a consequência do que documentou no parágrafo anterior, depois conclui, defendendo a posição que vem expressa desde o título. No entanto, aqui, o sentido se aprofunda, porque subentendido está o fato de que o Brasil ficar de um lado só significa que o povo brasileiro não está ao lado dos ricos poderosos e corruptores, mas do outro lado: E os empreiteiros, se você ainda não notou, com que o ganham no uso dos seus métodos estão ficando donos do Brasil: telefonia, rodovias, ferrovias, petróleo, TV, hidrelétricas, mineração, siderurgia, não tem fim. O Brasil também está ficando de um lado só.

Gênero: carta Parece-nos que, hoje em dia, não se escrevem cartas, pois o e-mail resolve todas as formas de contato. No entanto, no mundo comercial, só podemos resolver nossas questões com cartas, que serão entregues a um funcionário e que deverá registrar o recebimento da mesma. Por isso, esta proposta para escrever carta. Vamos analisar uma carta: (Atenção: Os números entre parênteses são uma estratégia didática para compreender a explicação no final da carta.)

(1) (2) 1/CC/2003 (3) Salvador, 20 de novembro de 2011.

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Note também que o tom do texto é de denúncia e de indignação diante de um quadro que precisa ser analisado em todos os seus ângulos. É interessante também verificar os elementos de coesão. Observemos como ele liga os períodos e parágrafos entre si. Procure marcar, no texto, os elementos de coesão entre os parágrafos e entre as frases.

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(4) À Central de Ourocard/Cartão Visa. Rio de Janeiro. (5) Senhores: (6) Recebi, no dia 10 de novembro, minha conta do Ourocard, nº 0000-000000000-0000, e notei que há algumas compras que não reconheço, porque, na verdade, não as fiz. Como o cartão ainda está em minhas mãos, não foi perdido, nem roubado, estranhei profundamente. (7) Em contato com a central de atendimento, at. nº 00.000.000, fui informada de que devo relatar o que segue: Contas que não reconheço como feitas por mim: em 02/10/2011 – Ticketmaster – São Paulo – Valor: R$724,00

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em 02/10/2011 – Gol tran – São Paulo – Valor: 4xR$105,31= R$421,24

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Em vista do acima, solicito o imediato cancelamento de tais débitos, sob pena de, inclusive, não ter saldo para débito em conta corrente, o que passa a ser de responsabilidade de V. Sas. para todos os efeitos de direito. Em anexo, segue cópia do cartão: frente e verso, conforme solicitação. (8) Atenciosamente. (9) Fulano de tal. CPF: 000 000 000 – 00 Tel. (00) 000-0000 (10) NC/SC Analisando as partes da carta: (1) Cabeçalho ou timbre. (como se trata de carta particular não há o timbre) – se houver, deve ser colocado a partir da esquerda. (2) Número da carta/código ou índice/ano: isto é, primeira carta/carta comercial/ ano 2011, na margem à esquerda. (3) Data e local: escritos do centro para a direita - os meses com letra minúscula.


(4) Destinatário e endereço – basta a cidade a que se destina – escrito a partir da esquerda. Com relação aos itens 3, 4 e 8, eles podem aparecer de duas formas: com pontuação aberta, isto é sem obrigatoriedade de uso de pontuação, ou com pontuação fechada, em que os sinais de pontuação devem ser respeitados. O uso de uma forma ou outra é indiferente. Somente se deve ter cuidado de ao optar por um tipo, manter a coerência ao longo da carta. (5) Invocação e vocativo – se for a primeira vez, usa-se apenas: “Senhor(es)” seguido de dois pontos, se for uma correspondência habitual, pode-se usar: “Prezados Senhores:” (dois pontos). (6) Introdução: assunto de que a carta vai tratar. (7) Desenvolvimento ou explanação: explicações necessárias. (8) Fecho ou encerramento. (9) Assinatura. (10) Iniciais do redator e digitador.

Porto Alegre, abril de 1966. Regina: Recebi sua amável carta, reclamando que a poesia se está ausentando ultimamente das minhas crônicas, em proveito do lado humorístico da vida... Fiquei desapontado, Regina. Primeiro porque pensava que andasse escrevendo coisas muito sérias, inspiradas como eram, precisamente, no lado amargo da vida... Depois porque pensava que a poesia estivesse nas entrelinhas, como aliás acontece na vida. Além disso, pela sua carta, quer-me parecer que não pertence ao número das pessoas que pensam que há assuntos “poéticos” e outros não, como também um estilo que possua a exclusividade de ser “poético”... E, precisamente pelo estilo de sua carta, vejo que tampouco pertence à escola literária daquela professorinha do interior que me disse um dia: – O senhor não imagina como estamos... como “eu” estou contente com a sua visita à nossa cidade!.

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Agora, vamos comparar cartas e estabelecer diferenças. Veja os exemplos a seguir:

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E confidencialmente: – aqui a gente não tem com quem falar difícil. Espero que consiga encontrar consolo na atenção que dei à sua carta. Com afeto, Mário Quintana MINISTÉRIO DA FAZENDA Direção Geral da Fazenda Nacional Carta-Patente nº 210

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Faço saber que, havendo a Imembuí S. A., estabelecida na Rua Morotim n° 897, na cidade de Santa Maria (RS), satisfeito todas as formalidades das leis vigentes, conforme despacho no processo n.° 2.034-50, pela presente carta, fica habilitada a efetuar a venda de mercadorias e prestações, mediante sorteios, de acordo com o decreto n° 0000000.

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Rio de Janeiro, 16 de junho de 1999. Diretor Geral Entre as três cartas, podemos encontrar algumas diferenças, e são essas diferenças que vão nos dizer diante de que tipo de carta estamos: Há três tipos de carta: Oficial – que pode ser memorando diplomático ou documento em que se afirmam, ratificam ou retificam resoluções tomadas pelo governo. No segundo caso, dizemos que ela é uma carta promulgada, como exemplo, a Carta das Nações Unidas. Comercial – tratam de assuntos gerais de uma empresa. Inserem-se aqui também as cartas bancárias, como pedido de crédito, aviso de cobrança etc. Particular ou pessoal – a correspondência trocada de forma íntima: cartas entre amigos, carta para familiares, cartas de amor. Até há poesia sobre análise de cartas:


Cartas de Amor Fernando Pessoa

Todas as cartas de amor são Ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem Ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor, Como as outras, Ridículas. As cartas de amor, se há amor, Tem de ser

Mas, afinal, Só as criaturas que nunca escreveram Cartas de amor É que são Ridículas. Quem me dera no tempo em que escrevia Sem dar por isso Cartas de amor Ridículas. A verdade é que hoje

Produção de texto: características de bons textos, argumentação, estilo, autoria

Ridículas.

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As minhas memórias Dessas cartas de amor É que são Ridículas. É importante identificar o tipo até para interpretar melhor o teor das informações. Embora hoje em dia sejam poucas as pessoas que usem cartas pessoais, pois preferem o e-mail, ainda se podem escrever lindas cartas de amor, a mão, com nossa própria letra. É muito mais significativo.

Resenha

Produção de texto: características de bons textos, argumentação, estilo, autoria

Uma atividade acadêmica muito solicitada ao longo do curso é produzir resenhas. Resenhar significa fazer uma relação das propriedades de um objeto, enumerar cuidadosamente seus aspectos relevantes, descrever as circunstâncias que o envolvem.

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O objeto resenhado pode ser um acontecimento qualquer da realidade (um jogo de futebol, uma comemoração solene, uma feira de livros) ou textos e obras culturais (um romance, uma peça de teatro, um filme, uma representação simbólica com vários textos). Para elaborar a resenha, deve-se proceder seletivamente, filtrando os aspectos pertinentes, aquilo que é funcional do ponto de vista de uma intenção previamente definida. A estrutura de uma resenha crítica consta de: a) parte em que se dão informações sobre o texto, tais como: nome do autor (ou autores); título da obra ou do artigo/ou tema a que a resenha se refere; se for o caso, editora, coleção de que a obra faz parte; lugar e data da publicação. Observação: Essa parte pode ser colocada em destaque, antes de iniciar a resenha propriamente dita, ou pode constar no corpo da resenha. b) resumo do conteúdo da obra:


indicação sucinta do assunto global da obra (assunto tratado); ponto de vista adotado pelo autor (perspectiva teórica, gênero, método, tom); resumo em que se apresentam os pontos essenciais do texto e seu plano geral. c) crítica: comentário e juízos de valor sobre as ideias expostas pelo autor; valor da obra; contribuições que ela traz; indicação – para quem se pode indicar essa obra, esse objeto. Veja, a seguir, um exemplo de resenha.

Memória – ricas lembranças de um precioso modo de vida.

Acabados os exames, Maria Julieta começa seu diário, anotando em um caderno da capa dura que ela ganha já usado até a página 49. É a partir daí que o espaço é todo da menina, que se propõe a registrar nele os principais acontecimentos destas férias para mais tarde recordar coisas já esquecidas. O resultado final dá conta plena do recado e ultrapassa em muito a proclamada modéstia do texto que, ao ser concebido, tinha como destinatária única a mãe da autora, a quem o caderno deveria ser entregue quando acabado. E quais foram os afazeres de Maria Julieta naquele longínquo verão? Foram muitos, pontilhados de muita comilança e de muita leitura: cinema, doce de leite, novena, o Tico-tico, doce de banana, teatrinho, visita, picolés, missa, rosca, cinema de novo, sapatos novos de camurça branca, bem-casados, romances franceses, comunhão, recorte de gravuras, festas de aniversário, Missa do Galo, carta para a família, dor de barriga, desenho de aquarela, mingau, indigestão... Tudo parecia pouco para encher os dias de uma garota carioca em férias mineiras, das quais regressa sozinha de avião.

Produção de texto: características de bons textos, argumentação, estilo, autoria

O diário de uma garota (Record, Maria Julieta Drummond de Andrade) é um texto que comove de tão bonito. Nele o leitor encontra o registro amoroso e miúdo dos pequenos nadas que preencheram os dias de uma adolescente em férias, no verão antigo de 41 para 42.

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Tantas e tão preciosas evocações resgatam do esquecimento um modo de vida que é hoje apenas um dolorido retrato na parede. Retrato, entretanto, que, graças à arte de Julieta, escapa da moldura, ganha movimentos, cheiros, risos e vida. O livro, no entanto, guarda ainda outras riquezas: por exemplo, o tom autêntico de sua linguagem que, se, como prometeu sua autora, evita as pompas, guarda, não obstante, o sotaque antigo do tempo em que os adolescentes que faziam diários dominavam os pronomes cujo/a/os/as e conheciam a impessoalidade do verbo haver no sentido de existir e empregavam, sem pestanejar o mais que perfeito do indicativo quando de direito. Outra e não menor riqueza do livro é o acerto de seu projeto gráfico, aos cuidados de Raquel Braga. Aproveitando para ilustração recortes que Maria Julieta pregava em seu diário e reproduzindo na capa do livro a capa marmorizada do caderno, com sua lombada e cantoneiras imitando couro, o resultado é um trabalho em que forma e conteúdo se casam tão bem casados que este Diário de uma garota acaba constituindo uma grande festa para seus leitores adolescentes a quem recomendamos a leitura.

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(LAJOLO, Marisa. Jornal da Tarde).

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Observação: Essa resenha poderia ter a primeira parte destacada como segue: (Título) ANDRADE, Maria Julieta Drummond. O diário de uma garota. São Paulo: Record, 1990. O diário de uma garota é um texto que comove de tão bonito. (E daí em diante segue a resenha do mesmo modo.) Propostas de atividade: 1) Identificar as partes que compõem a resenha apresentada e verificar se contêm o que se exige de uma resenha crítica. 2) Produzir um texto argumentativo em que você possa fazer uma análise da forma como conduz seus argumentos para defender a tese e chegar a uma conclusão. Tema a ser desenvolvido:


Um dos principais desafios das estruturas políticas vigentes é manter um esforço contínuo de conciliação dos tipos e das culturas, de valores aparentemente contraditórios, do poder com os valores sociais. O setor privado vive este paradoxo dentro da lógica do capitalismo, dos resultados e das metas econômicas. Valores sociais, econômicos e ambientais são conciliáveis? É possível a construção de um círculo virtuoso, onde ganham as organizações, os indivíduos e a sociedade? (MARCOVITCH, 2006, p. 36 ) 3) Produzir uma resenha crítica do vídeo “Ilha das Flores”, com o qual você trabalhou na aula 7. Observe os critérios para ver se seu trabalho está de acordo com o que deve conter uma resenha: Ficha de autoavaliação 1. O texto está adequado aos objetivos de uma resenha acadêmica? 2. O texto está adequado ao(s) destinatário(s)?

4. As informações que o autor do texto original coloca como sendo as mais relevantes são por você abordadas na resenha? 5. Além do conteúdo propriamente dito, você abordou:

A - dados sobre o autor do texto?

B - o conhecimento do autor em relação ao assunto?

C - a adequação da linguagem usada no texto para o público ao qual se dirige?

D - a organização do texto?

E - os mecanismos linguísticos de que o autor se utiliza para construir sua argumentação?

6. Você escolheu os marcadores textuais mais apropriados para ressaltar a relação entre as ideias principais?

Produção de texto: características de bons textos, argumentação, estilo, autoria

3. O texto transmite a imagem que você quer passar de si mesmo? (Isto é, a imagem de quem leu e compreendeu adequadamente o texto original e de quem soube se posicionar em relação a ele de forma crítica?)

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7. Você procurou ser polido em suas críticas? 8. Você utilizou adjetivos e substantivos para expressar sua opinião sobre o texto? 9. Você variou e escolheu os verbos mais apropriados para traduzir os atos realizados pelo autor da obra? 10. Não há problemas de pontuação, concordância, erros gramaticais e ortográficos etc.?

Produção de texto: características de bons textos, argumentação, estilo, autoria

Caso ache necessário e com base no que foi estudado em sala, avalie outros aspectos relevantes presentes em sua resenha. Segue uma sugestão de leitura: MACHADO, Anna Rachel; LOUSADA, Eliane Gouveia; ABREU-TARDELLI, Lilia Santos. Resenha. In: Leitura e Produção de Textos Técnicos e Acadêmicos. v. 2. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

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Agora, vamos analisar textos dissertativos produzidos por estudantes universitários. Tema: A energia nuclear é uma boa solução para o Brasil? Texto 1

Energia nuclear é a solução? Percebe-se atualmente uma dinâmica mundial de tendências a novas fontes energéticas, porém deve-se ressaltar a importância dessas fontes estarem em concílio com o ambientalismo. No Brasil, destaca-se a intenção de investimento em energia nuclear. As estruturas para a produção dessa fonte energética foram constituídas a partir da década de 1970 com a construção de Angra I e posteriormente, na década de 1990, com a construção de Angra II. A infraestrutura dessas usinas foram adquiridas por meio do repasse de reatores e sistemas de antigas usinas europeias. O plano para a abrangência no setor conta com a construção de Angra III e a expansão do enriquecimento de urânio em nosso país.


No ponto de vista favorável, o plano pode viabilizar os problemas enegéticos enfrentados pelo país, contribuir para o meio ambiente não poluindo a atmosfera nem contribuindo ao aquecimento global, vantagens na sua utilização em indústria, medicina e agropecuária, além de fortalecer a segurança (caso ocorresse uma guerra nuclear). Em uma antítese, destaca-se a alta peliculosidade de uma contaminação ambiental (como a ocorrida na URSS e em Goiânia), a disponibilidade do lixo radioativo no meio ambiente e afetaria as relações políticas-econômicas brasileiras no cenário internacional, o país poderia ser considerado indulto perigoso a paz mundial, (como o Irã). Trata-se de uma ideia pouco recomendável, pois gastará bastante capital estatal que poderia ser investido em obras sociais. Considerando a vasta contingência de recursos ambientais no Brasil, conclui-se que o país deveria investir em fontes energéticas que não poderá afetar suas relações políticas-econômicas, nem tampouco colocará em risco o ecossistema local.

Você pode notar que o texto apresenta uma estrutura argumentativa e trata do tema proposto. No entanto, observe o que está em negrito. São dificuldades linguísticas e impropriedades semânticas, sintáticas e ortográficas. Vejamos: Há a impropriedade vocabular em “concílio”, no primeiro parágrafo. “Concílio” significa “assembleia de bispos católicos convocados pelo papa para deliberar sobre questões de fé e outras”. Não se trata de conciliar. Uma sugestão para resolver o problema seria: “Deve-se ressaltar a importância de conciliar o uso dessas formas de energia com a preservação do meio ambiente.” Também é preciso dar atenção à concordância: no segundo parágrafo, o correto seria “a infraestrutura dessas usinas foi adquirida”. O último parágrafo também apresenta o mesmo problema. Eis o certo: “fontes energéticas que não afetem [...], nem [...] coloquem em risco [...]”. Observe as questões de ortografia e concordância, assinaladas em negrito: o correto seria “periculosidade” e “energéticos” e “político-econômicas”. Agora, analise o texto a seguir, sobre o mesmo tema: Texto 2

Produção de texto: características de bons textos, argumentação, estilo, autoria

Uma dessas fontes é a energia eólica, se seguirmos o modelo da Alemanha, garantiríamos uma fonte energética com o perfil brasileiro: confiável, barata e sem objeções ambientais. Garantindo assim o Brasil como referência em novas fontes energéticas.

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A energia nuclear como opção A expansão da produção de energia nuclear no Brasil com a implantação da usina Angra 3 tem dividido opiniões na sociedade e órgãos protetores do meio ambiente. Há pessoas que defendem essa forma de geração de energia como alternativa viável, porém muitos a veem como ameaça à humanidade no curto e longo prazos.

Produção de texto: características de bons textos, argumentação, estilo, autoria

De um lado, os defensores do uso dessa forma de energia alegam que sua geração não lança gases tóxicos na atmosfera, deixando de contribuir para aumentar o efeito estufa. Além disso, as usinas podem ser construídas perto dos grandes centros urbanos, o que ajuda na redução dos custos da transmissão, tornando-a economicamente atraente.

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Por outro lado, estão os que criticam a construção de usinas nucleares alegando os riscos ao meio ambiente trazidos pelo lixo tóxico produzido. Esses resíduos devem ser mantidos sob vigilância por milhares de anos para que não causem danos. O Greenpeace apresentou recente relatório sobre o estudo da inviabilidade de se usar a energia nuclear para conter os efeitos nocivos do aquecimento global, por ser extremamente cara e de demorada implantação. Para o órgão não governamental, há fontes ainda não exploradas de energia hidráulica, além de fontes alternativas que trariam benefícios mais seguros que a construção de usinas nucleares. Dessa forma, é preciso responsabilidade no uso de uma energia cujos resíduos precisarão ser administrados por várias gerações. Com formas ainda pouco exploradas de energia seguras, não parece ser conveniente o uso e a expansão de uma fonte energética na qual erros em sua gestão possam resultar em grandes acidentes. Note como o texto está bem articulado e organizado de forma simples e direta. O autor elenca argumentos favoráveis e contrários à utilização da energia nuclear. A única falha do texto está na conclusão, pois o autor não assume claramente uma posição. No aspecto linguístico, o texto apresenta domínio da norma culta. Vamos pontuar alguns aspectos que valorizam esse texto: O autor fez uma escolha acertada logo no início do texto. O primeiro período é sintético e objetivo, situando o leitor na discussão que vem a seguir. Há apenas um pequeno reparo a fazer: a necessidade de mais uma vírgula. O período ficaria assim: “A expansão da produção de energia nuclear no Brasil, com a implantação da usina Angra 3, tem dividido opiniões na sociedade e órgãos protetores do meio ambiente.”


Os argumentos pró e contra o uso de energia nuclear aparecem bem discriminados, com o emprego de expressões como “de um lado”, “os defensores” e “por outro lado”, “os que criticam”. É fácil para o leitor acompanhar o andamento da argumentação. Nesse contexto argumentativo, em que há clareza e objetividade, observe como o último parágrafo cria um contraste, por usar expressões vagas e proposições indiretas como os trechos assinalados em itálico: “é preciso responsabilidade” e “não parece ser conveniente”. Agora é sua vez: Leia o texto a seguir, sobre o mesmo tema, e analise a estrutura, a coesão e a coerência, bem como a correção da linguagem. Para facilitar seu trabalho, algumas passagens com problemas estão em itálico. Bom trabalho! Texto 3

Energia diferenciada

Energia nuclear é um tema muito controverso. Ainda que por um lado ela seja benéfica ao meio ambiente, não gerando poluição, não agravando o efeito estufa ou o aquecimento global, por outro ela é algo a ser discutido com muita cautela, pois o urânio, utilizado como fonte de energia principal, pode, se não descartado ou armazenado corretamente, contaminar potencialmente a natureza, como lençóis freáticos, rios, mares, lixo e, principalmente, acarretando sérios problemas, além de gerar acidentes, como o que houve em Chernobil. Utilizar qualquer forma de energia é muito importante; porém, o que se deve é conhecer os benefícios e prejuízos dela, uma vez que formas de vidas estão envolvidas, além da agressão ao meio ambiente, que compromete sinergicamente a vida humana e animal. Exemplos como Angra 1 e Angra 2, no Rio de Janeiro, e futuramente Angra 3, como já está em andamento, são usinas que até hoje contribuíram para o desenvolvimento do país, mas vale lembrar que pesquisa, desenvolvimento de práticas que visem a prevenção de acidentes e bom senso de seu uso, são medidas eficazes que só tendem a tornar esse tipo de energia cada vez mais potente e segura.

Produção de texto: características de bons textos, argumentação, estilo, autoria

A energia nuclear é uma forma de energia muito satisfatória, porém que gera muita polêmica e discussão. Embora seja considerada uma limpa, potencialmente energética e não poluidora do meio ambiente, ela pode causar vários riscos à natureza, principalmente no que se diz respeito ao seu principal produto envolvido: o urânio.

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Assim sendo, a energia nuclear é e pode ser um grande avanço para a humanidade, mas pessoas altamente qualificadas, desenvolvimento de novos métodos, estudos de casos, medidas preventivas, atuação significativa aliada a outras formas de energia, como a eólica, solar, hidrelétrica e outras, só tendem a mostrar ao país e a outras nações que energia limpa pode e deve ser utilizada, a fim de beneficiar todos, com segurança e eficiência. Então, conseguiu uma forma melhor de redação dos trechos assinalados? Note como é importante a clareza, a objetividade com relação ao uso de argumentação para defender um ponto de vista. Para uma produção de texto de qualidade, sugiro que procure uma tese que realmente seja produtiva, que traga possibilidades de argumentação. No momento de argumentar, use em primeiro lugar os argumentos mais fracos e termine a parte do desenvolvimento com os argumentos mais fortes. E... sempre - releitura e reescritura do texto.

Produção de texto: características de bons textos, argumentação, estilo, autoria

Síntese

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Escrever é a arte de reescrever. Nenhum texto de qualidade é produzido num “passe de mágica”. É preciso sonoridade, correção da linguagem, privilegiar uma tipologia e suas características. Escrever é buscar dentro de nós as melhores palavras. Diante do papel em branco, tudo o que vivemos, lemos e estudamos deve vir à tona. É um trabalho solitário, mas glorioso quando conseguimos produzir argumentos sólidos, convincentes e capazes de mobilizar nosso leitor. Para conseguir isso, precisamos escrever, reescrever, ler muito, observar criticamente a realidade. Um texto argumentativo deve ser coerente, apresentar coesão entre os períodos e entre os parágrafos. É bom revisar a aula sobre coesão e coerência. A descrição deve ser uma pintura através de palavras, o leitor deve poder reconstruir a cena mentalmente, a paisagem, o ser que está sendo descrito. A narração deve responder às questões: O quê? Para quem? Quando? Onde? Como? Um fato deve ser narrado, as impressões que o autor deseja despertar no leitor aparecem de forma subliminar e subjetiva. Para defender pontos de vista, os argumentos são fundamentais, são os textos dissertativos. Os argumentos devem trazer causas, consequências, exemplos, contrastes, analogias. Portanto, é preciso cuidar para que os argumentos estejam coesos e coerentes.


Questões para reflexão O que eu sei dizer é o que eu sinto. Não existe texto curto ou texto comprido. Existe texto bom ou texto ruim. Não existe texto que o público não lê. Existe texto banal, medíocre, sem surpresa, que não enriquece a vida de ninguém, nem de quem lê, nem do produto que ele está anunciando. De que forma essa passagem orienta para sua produção textual? Toda a linguagem é argumentativa. Como você compreende esta afirmação?

Leituras indicadas Filme: Narradores de Javé (2003). Direção: Eliane Caffé. Sugiro a leitura do 8º capítulo do livro indicado a seguir, por ser um trabalho bem feito, esclarecedor, que contém os fundamentos necessários para quem deseja começar a produzir bons textos.

Referências EMEDIATO, Wander. A fórmula do texto: redação, argumentação e leitura. São Paulo: Geração Editorial, 2004. FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto. São Paulo: Ática, 1997. INDURSKY, F. O texto nos estudos da linguagem: especificidades e limites. In: ORLANDI, E.; LAGAZZI-RODRIGUES, S. (Orgs.). Introdução às ciências da linguagem: discurso e textualidade. Campinas, SP: Pontes, 2006. KATO, M. A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Objetiva, 2001. (Série Fundamentos). LAJOGO, M. et al. Ofício de professor: leitura e escrita. v. 3. São Paulo: Abril, 2002. MACHADO, Anna Rachel; LOUSADA, Eliana Gouveia; TARDELLI, Lilia Santos. Resenha. In: Leitura e produção de textos técnicos e acadêmicos. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

Produção de texto: características de bons textos, argumentação, estilo, autoria

VIANA, Antônio Carlos. Roteiro de redação: lendo e argumentando. São Paulo: Scipione, 1998.

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MARCOVITCH, Jacques. Para mudar o futuro. São Paulo: EDUSP/ Saraiva, 2006. ORLANDI, E. P.; GUIMARÃES, E. J. Texto, leitura e redação. São Paulo: CENP/SEE, 1985.

Produção de texto: características de bons textos, argumentação, estilo, autoria

VIANA, Antônio Carlos. Roteiro de redação: lendo e argumentando. São Paulo: Scipione, 1998.

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Comunicação e Expressão

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