E-Book - Didática

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Didática

Didática Business School São Paulo (BSP) CEDEPE Business School (CBS) Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) Centro Universitário do Norte (UNINORTE) Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (FADERGS) Faculdade dos Guararapes (FG) Faculdade Unida da Paraíba (UNPB) Centro Universitário IBMR Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-87325-41-9 Universidade Anhembi Morumbi (UAM) Universidade Potiguar (UnP) Universidade Salvador (UNIFACS)

Elaine Maria S. de Moura

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Elaine Maria S. de Moura



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EDITORA UNIFACS – Laureate Salvador 2013


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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Sistema de Bibliotecas da UNIFACS Universidade Salvador - Laureate International Universities) M929d Moura, Elaine Maria S. de Didática / Elaine Maria S. de Moura. – Salvador : UNIFACS, 2013. 110 p. ; 18,3x23,5 ISBN 978-85-87325-30-3 1. Didática. 2. Pedagogia. 3. Prática de ensino. I. Título. CDD: 371.3


Sumário Cenário educacional brasileiro............................................................................5 A didática em ação................................................................................................17 Tendências educacionais e a didática............................................................31 Concepções sobre a aquisição do conhecimento e a didática.............43 Aprendizagem........................................................................................................61 Construção do conhecimento...........................................................................75 Autoridade de professor......................................................................................89 O planejamento e o plano na escola........................................................... 103



Cenário educacional brasileiro Introdução No desenvolvimento do conteúdo da disciplina “Didática” considerou-se a instrução, a educação e o ensino como elementos do processo pedagógico e o centro do trabalho docente. Ao longo do curso, você perceberá que o trabalho docente é o mediador de objetivos, conteúdos e métodos em função da aprendizagem dos alunos, e que diferentes metodologias devem ser estruturadas em função dos seus pressupostos básicos e do contexto em que foram criadas. Nesse sentido, a disciplina propõe uma reflexão sobre a problemática educacional brasileira e a didática em relação a esse processo. Essa reflexão envolve estudos sobre a fundamentação pedagógica consciente, de modo a agregar formação teórica à prática do professor. Nesta unidade serão abordados os seguintes tópicos: a função da escola na realidade brasileira; o educador no século XXI; a educação e o processo de mudança.

Objetivos Ao final desta unidade, esperamos que você seja capaz de: identificar o real papel da escola na realidade brasileira e as suas formas de intervenção na sociedade; perceber o perfil do educador no século XXI e seu papel na construção de conhecimentos e de subjetividades sociais e culturais;

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perceber a educação como a estratégia mais eficaz de combate à exclusão, pelo poder que o conhecimento e as habilidades desenvolvidas fornecem à pessoa na sua inserção e participação social.

Função da escola na realidade brasileira “Na história se faz o que se pode e não o que se gostaria de fazer. Uma das grandes tarefas políticas que se deve observar é a perseguição constante de tornar possível amanhã o impossível de hoje” (FREIRE, 1992). Para compreender o papel e a finalidade da escola, é preciso resgatar alguns aspectos históricos, iniciando pela criação dessa instituição. Desde quando foi criada pelos povos do Oriente Próximo e do Egito, a escola foi reservada a poucos e sua finalidade era a aquisição das técnicas de escrita, de leitura e de cálculo. O processo de surgimento da escola e a institucionalização da educação acompanharam diferentes interesses religiosos, políticos, sociais, econômicos, culturais e ideológicos. Nas sociedades antigas, a educação, como as outras formas de ação desenvolvidas pelo ser humano, consistia em uma ação espontânea. A palavra escola deriva do grego e significa, etimologicamente, o “lugar do ócio”. Os membros das classes dominantes, aqueles que dispunham de ócio, lazer e tempo livre, organizaram a educação na forma escolar, enquanto para os demais a educação se organizou como processo de trabalho.

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Saiba mais

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Se você quiser conhecer mais sobre a origem da escola ligada à educação da classe dominante pode consultar: MANACORDA, Mário Alighiero. História da Educação. São Paulo: Cortez, 2004. O objetivo dos que frequentavam a escola era adquirir uma formação técnica para dominar conhecimentos científicos especializados (DERVAL,1990).


As escolas só se consolidaram a partir de 1600, mas atendendo apenas aos filhos dos ricos e poderosos. Foi no século XIX que a ideia de um ensino mantido pelo Poder Público começou a se tornar realidade. No início do século XXI, ainda se luta por escolas de boa qualidade para todos. Somente a partir do século XIX surge a ideia do ensino obrigatório para todos. Essa obrigatoriedade enfrentou grande resistência, pois alguns não viam necessidade da educação para os indivíduos de classe baixa. Muitos tinham receio de que a população mais pobre abandonasse as tarefas mecânicas e penosas para mudar de profissão, aspirar a outra posição social, diferente daquela a que estariam destinados por seu nascimento (DERVAL,1990). Mas a defesa de uma escola para todos tornou-se mais consistente com a premissa de que frequentar a escola é a única garantia de aquisição dos valores dominantes na sociedade, como vínculo de socialização. Atualmente, na maioria dos países, a educação é obrigatória para todos e a educação pública é gratuita e laica.

Saiba mais Laico significa a ausência de influência de entidades religiosas, assim, um Estado laico é neutro em assuntos religiosos. Laicismo é uma doutrina filosófica que defende e promove a separação entre Estado de igrejas e comunidades religiosas, assim como a neutralidade do Estado em matéria religiosa.

Dessa forma, a educação constitui-se em uma dimensão fundamental da cidadania, o que nos leva a afirmar que, hoje, praticamente não há país no mundo que não garanta em sua legislação o acesso de seus cidadãos a uma educação fundamental. Em 1549, iniciou a educação formal no Brasil, quando foi fundada em Salvador, por padres jesuítas, a primeira escola destinada a nativos e colonos. Com o tempo, os

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Essa corrente surge a partir dos abusos que foram cometidos pela intromissão de correntes religiosas na política das nações. O laicismo teve seu auge no fim do século XIX e no início do século XX.

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povos indígenas foram excluídos das escolas. A educação voltou-se quase exclusivamente para as elites. Os jesuítas catequizaram os indígenas, ensinaram os filhos dos colonos portugueses a ler e escrever e formaram a elite local. A universalização do acesso à escola no Brasil ocorre a partir da década de 1960. Dessa forma, passamos a ter a escola de massas, o que provocou um sério problema causado pela quantidade de alunos que passaram a frequentá-la escola, entre eles, a diminuição da qualidade da educação e a necessidade de formação do educador.

Para que serve a escola? Pergunte a várias pessoas, de diferentes formações: – Para que serve a escola? Possivelmente, serão obtidas respostas muito variadas: serve para cuidar, educar, aprender, socializar, formar para a vida profissional... Mas quando a pergunta é: – Por que as pessoas vão à escola? A primeira resposta obtida é que as pessoas vão à escola para aprender, para adquirir conhecimentos necessários para a vida. A escola precisa trabalhar com os conteúdos escolares (conceituais, procedimentais e atitudinais), isto é, com o conjunto de tudo o que o aluno precisa aprender para desenvolver ao máximo suas potencialidades. Na escola precisamos entender as necessidades de cada aluno e tratá-los de forma individualizada; esse é um aspecto fundamental para um ensino bem-sucedido.

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Precisamos construir, na escola básica, uma fundação sólida, que possa dar sustentação a futuras aprendizagens. É na escola que se trabalha sistematicamente com o conhecimento, mas a formação das crianças e jovens não cabe apenas à escola.

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O cuidado com as crianças A escola tem como função muito importante, mas não fundamental, cuidar das crianças enquanto seus pais estão trabalhando. Antes da urbanização e da industrialização, não havia tal necessidade. As mulheres permaneciam em casa, com seus filhos, e geralmente a estrutura familiar era extensa: avós, tios, tias, muitos irmãos e outros familiares.


Contudo, com a crescente incorporação da mulher ao mercado de trabalho e a redução do tamanho das famílias, houve o aparecimento das creches e de escolas infantis, as quais acolhem a criança cada vez mais cedo.

A socialização Outra função relevante da escola é a socialização, ou seja, fazer com que as crianças tenham a oportunidade de participar da vida social, convivendo com outras crianças. As crianças menores aprendem muitas coisas com os colegas mais velhos. A escola é um lugar que possibilita o convívio entre as crianças. Essa interação é muito valiosa para o desenvolvimento infantil, favorecendo a cooperação, a possibilidade de colocar-se no lugar dos outros, a reciprocidade e o aprendizado de muitas coisas importantes para a vida. A escola também se torna importante para a educação moral, pois os alunos aprendem regulações abstratas e atendem normas que não são negociáveis: os dias letivos, o horário das aulas e do intervalo. O professor representa um papel muito importante, a autoridade docente, diferente da autoridade dos pais, pois sabemos que a autoridade provém, em última instância, da sociedade. É na escola que o aluno aprende o que significa autoridade do outro, que é representado pelo professor.

A aquisição do conhecimento Outro papel da escola é a construção do conhecimento. Na sociedade atual, caracterizada pelo acúmulo de informações e pela necessidade de aquisição rápida de conhecimento, a leitura e a escrita são premissas básicas, sem as quais é difícil integrar-se plenamente à vida social.

Os ritos de iniciação Por fim, a escola tem um papel de promover ritos de iniciação, ou seja, submeter os alunos a provas que servem de seleção para a vida social.

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A escola ocupa um papel muito importante na transmissão do conhecimento científico, já que as famílias, atualmente, não dispõem de tempo para se ocupar da educação de seus filhos. Muitas vezes, não têm competência para ensinar tais conhecimentos.

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Nas sociedades ocidentais, os ritos de passagem aparentemente desapareceram, ou variam muito de uma cultura para outra. Pouco se vê a menina com 15 anos debutando como uma marca, um corte com a vida anterior, deixando de ser menina, para se transformar em adulto, por exemplo. Mas parte das atividades escolares assumiram esse papel, por meio dos exames finais do Ensino Médio (ENEM), de provas de ingresso ou de acesso às universidades, entre outros, que o aluno deve passar. Essas provas desempenham a função de rito de iniciação, tendo grande repercussão social. A escola é parte integrante do todo social e, como tal, traz consigo as contradições da própria sociedade e exerce a função da socialização dos conhecimentos historicamente produzidos (VEIGA,1993). É necessário que a escola considere as diferenças nas condições materiais de vida, de cultura, diferenças nas experiências adquiridas fora da escola e nas atitudes dos pais em relação à escola. Na escola aprende-se, além de conhecimento, valores e normas de comportamento, fortalecendo a cooperação, a ajuda mútua e a solidariedade. É fundamental que a escola contribua para a emancipação e liberação das velhas ideias e paradigmas, para não ser apenas uma peça a mais na engrenagem da sociedade.

Saiba mais Acesse as ilustrações bem-humoradas do livro Cuidado Escola!, que discute graves problemas da educação: evasão, desigualdade, domesticação etc.

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Acesse o site: <www.uniriotec.br/~pimentel/disciplinas/ie2/infoeduc/escola. html>. Acesso em: jun. 2011.

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A escola de hoje, apesar de todos os defeitos e deformações, não é mais a mesma de há 10, 20, 50 anos. As formas que a escola assume em cada momento é sempre o resultado precário e provisório de um movimento permanente de transformação. Em função das pressões dos grupos sociais, das inovações científicas ou das próprias necessidades da economia, a escola muda, adaptando-se sempre aos novos tempos (HARPER, 1987).


A educação é um dos recursos que seres humanos lançam mão para satisfazer suas necessidades. Em locais onde não há escolas, e por toda parte, pode haver redes e estrutura sociais de transferência de saber de uma geração a outra. A evolução da cultura humana levou o ser humano a transmitir conhecimento, criando situações sociais de ensinar-aprender-ensinar.

Saiba mais Não deixe de ler: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que É Educação. São Paulo: Brasiliense, 1995. Coleção Primeiros Passos.

O educador no século XXI O educador no século XXI precisa facilitar a busca e a seleção de informações. Deve usar a informação nova, contextualizando os fatos reais da vida no currículo de sua disciplina. Precisa, também, assumir o papel de orientador no processo de passagem da informação para o conhecimento, sendo um agente do desenvolvimento da capacidade de aplicação prática e útil desse conhecimento. Para tanto, o professor necessita conhecer a realidade do aluno, sua linguagem, seus valores e seus objetivos de vida. Por isso, é necessário conectar-se com o cotidiano para poder fazer as devidas adaptações nos contextos educacionais. O educador favorece o desenvolvimento da responsabilidade nos seus alunos, estimulando o trabalho em grupo, no qual os alunos refletem, discutem e decidem o que fazer, quando as regras são transgredidas, discutem em grupo os problemas de violência e indisciplina, fortalecendo a sua autonomia (BRAGA, 2006).

A sociedade espera que o professor não seja um mero transmissor de conteúdos, e sim, abra espaços de reflexão e participação em seu cotidiano, de modo que possa verificar se a teoria que orienta sua prática serve ou não para aqueles alunos.

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O professor do século XXI precisa, mais do que nunca, ser um modelo para os seus alunos, favorecendo o pensar sobre questões éticas, sociais e políticas, facilitando a compreensão da sua realidade e integrando-se mudança social que visa ao bem de todos.

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Hoje, o avanço da tecnologia exige que os docentes tenham a competência dos consumidores, além das competências dos produtores de bens. O problema do Brasil não está mais apenas em sua condição socioeconômica, que forçaria os alunos a abandonarem a escola para trabalhar. Na realidade, atualmente o problema é de competência em fazer a criança brasileira aprender baseando-se em pedagogias que atendam às suas necessidades. O professor é o eterno aprendiz, não é aquele que “dá aula”, ou seja, “reproduz conhecimento”, mas, sim, segundo Boff (1999), aquele que cuida da aprendizagem dos alunos. “Saber cuidar significa dedicação envolvente, ter compromisso ético e técnico, habilidade sensível e sempre renovada de suporte ao aluno, incluindo-se a rota de construção da autonomia” (DEMO, 2004). O professor é figura fundamental do processo de aprendizagem dos alunos, ocupando um lugar de apoio, orientação, avaliação e estímulo. O aluno é o centro do cenário, pensando, pesquisando, elaborando, fundamentando, argumentando e lendo.

O aluno do século XXI Quando se fala em educador para o século XXI, é preciso, em primeiro lugar, pensar no perfil do aluno deste século. É importante destacar que o aluno do século XXI precisa do mesmo “cuidado” dispensado às gerações anteriores, para que se desenvolva de forma autônoma e emancipatória. Glossário

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Emancipatória: de forma livre e independente.

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Um momento no qual o mundo transformado pelas novas tecnologias encontra um aluno que necessite de um professor e uma escola que dialoguem com ele. Um aluno que quer participar, fazer suas próprias escolhas, que não está mais calado, apenas prestando atenção ao professor. A escola tem um grande desafio e uma oportunidade. O desafio é formular projetos pedagógicos que contemplem as inovações tecnológicas e promovam a interatividade dos alunos; a oportunidade é quebrar o paradigma de ensino que se tornou obsoleto no século XXI.


A educação e o processo de mudança Saiba mais Paradigma significa padrões, modelos a serem seguidos. É um pressuposto filosófico, ou seja, uma teoria ou um conhecimento que dá origem ao estudo de um campo científico; uma realização científica com métodos e valores que são concebidos como modelo ou, ainda, uma referência inicial como base de modelo para estudos e pesquisas. No início do século XXI, observa-se o quanto ainda temos de avançar para conseguir uma ordem internacional mais justa e solidária. Quantas desigualdades sociais existem, sem que haja muito esforço político para repará-las ou mesmo eliminá-las... É preciso sempre analisar de onde partimos, que heranças conservamos e aprofundamos e com que contribuiremos para a educação do século XXI. O que podemos fazer a partir da educação? Que função a educação exercerá em relação às grandes interrogações propostas para o século XXI? Este século começou mais documentado do que qualquer um dos anteriores. Muitos povos não estão preparados para enfrentar as incertezas, apesar de elas fazerem parte do mundo atual. Essa insegurança existe porque o ser humano está frente a uma nova forma de ver o tempo, o poder, o trabalho, a comunicação, as relações entre as pessoas, a informação, as instituições, os valores, a solidariedade...

No eixo pedagógico, é preciso respeitar os diferentes estilos de aprendizagem, reconhecer as diferentes formas de conhecimento e a diversidade cultural e social, garantindo a inclusão digital. É necessário garantir a transformação na escola, porque compensar ou adaptar leva muitas vezes à exclusão de determinados setores sociais. Todos querem uma educação que lhes sirva para viver com dignidade na sociedade atual.

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A escola é objeto de muitas mudanças, em virtude de fatores como: políticas educacionais (que nem sempre são favoráveis ao sucesso dos alunos); poucos recursos; ambiente familiar ou social desfavorável (que acarretam uma aprendizagem mais lenta); e a diversidade, já que a educação é pouco valorizada e não é reconhecida como instrumento necessário para a igualdade de oportunidades.

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A escola deve preocupar-se em trabalhar os conhecimentos acadêmicos sempre contextualizados com a comunidade e com o meio familiar dos alunos, para que se transformem em aprendizagem significativa. É muito importante partir da combinação entre os conhecimentos práticos e o acadêmico, favorecendo a participação da comunidade, das famílias e dos professores. Assim, a escola torna-se uma comunidade de aprendizagem, onde os agentes envolvidos – equipe de gestão, conselho de pais, membros do sistema de ensino – tenham uma participação real, buscando a melhor escola para seus filhos e filhas, ou seja, para todos os alunos. Precisamos fortalecer os pilares da educação para o século XXI (DELORS, 2000): aprender a ser; aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver em conjunto.

Saiba mais DELORS, Jacques. Os Quatro Pilares da Educação. Disponível em: <http:// pt.scribd.com/doc/179181/Os-quatro-pilares-da-educacao>. Acesso em: jun. 2011.

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Cada aspecto deve ser desenvolvido pelo corpo docente, em suas aulas, com o objetivo de registrar e analisar as reflexões construídas a partir da interação: prática discente-prática docente, fortalecendo o “aprender a aprender” cada vez mais nos seus alunos e nas suas próprias práticas.

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A educação requer que os educadores atuem com prudência, mas com convicção. A realidade contemporânea e, principalmente, a realidade com a qual vão se depararar em um futuro próximo, requer indivíduos habilitados a atuarem em cenários extremamente flutuantes. Tudo muda, em uma velocidade que provavelmente os adultos de ontem não seriam capazes de acompanhar. A escola precisa formar pessoas comprometidas com mudanças, atentas ao avanço tecnológico e o seu impacto sobre os processos e instruções sociais, sobre a economia e a sociedade em geral. Pessoas que desenvolvem o “fazer”, mas trabalham o “saber fazer” e a compreensão do “para que fazer”, articulando a reflexão sobre “o que” e “por que” no planejamento, na elaboração, desenvolvimento e avaliação de


suas ações. Acima de tudo, é preciso perceber que os professores não estão educando para hoje, mas para os anos de 2020, 2030, 2040. Como estará o mundo nessa época?

Síntese No desenvolvimento do conteúdo desta unidade, você deve ter percebido que a educação está fortemente permeada pela reflexão e ação sobre a realidade, e está associada à superação dos obstáculos do que é ser e conviver em sociedade. Isso só é possível quando no ato de educar fica claro que o verdadeiro comprometimento social está na formação do educando para que se torne sujeito autêntico, autônomo e, em última análise, agente transformador da realidade da qual faz parte e cuja responsabilidade ele detém. E aí reside o papel fundamental do professor. Enfatizamos também que, se por um lado, a sociedade, de certa forma, mantém o ser humano sob controle, de outro, a educação é uma das peças-chave emancipadoras dessa lógica alienante.

Referências BOFF, Leonardo. Saber Cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes, 1999. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que É Educação. São Paulo: Brasiliense,1995. DELVAL, Juan. Aprender na Vida e Aprender na Escola. Porto Alegre: Artmed, 2001. DEMO, Pedro. Professor do Futuro e Reconstrução do Conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2004. HARPER, Babette et al. Cuidado Escola! Desigualdade, domesticação e algumas saídas. São Paulo: Brasiliense, 1987.

POGRÉ, Paulo. O Ensino para a Compreensão: a importância da reflexão e da ação no processo de ensino-aprendizagem. Vila Velha: Hoper, 2006. VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Didática: uma retrospectiva histórica. In: DAMIS, Olga Teixeira (Org.). Repensando a Didática. 8. ed. Campinas: Papirus, 1993.

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IMBERNÓN, Francisco (Org.). A Educação no Século XXI: os desafios do futuro imediato. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

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A didática em ação Introdução Na unidade anterior, afirmamos que o trabalho docente é o mediador de objetivos, conteúdos e métodos em função da aprendizagem dos alunos. Além disso, as diferentes metodologias devem ser estruturadas em função de seus pressupostos básicos e do contexto em que foram criadas. Essas questões dizem respeito diretamente à didática. Nesta unidade, inicia-se, propriamente, o estudo sobre a didática. Serão abordados os seguintes tópicos: o conceito e o objeto da didática; as dimensões da didática; a evolução histórica da didática.

Objetivos Ao final desta unidade, espera-se que você seja capaz de: perceber que a didática deve assumir um papel significativo na formação do educador. Para que isso ocorra, o professor não poderá se reduzir e se dedicar somente ao ensino de meios e mecanismos de passar a informação, mas sim, desenvolver um processo de ensino-aprendizagem; identificar a necessidade de o educador sempre procurar desenvolver uma prática educativa arrojada e inovadora. Essa prática não será feita somente pelo educador, mas por ele em conjunto com seus educandos e outros membros dos diversos setores da sociedade.

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O conceito e o objetivo da didática Nós, educadores, nunca estamos completamente satisfeitos com os resultados do nosso trabalho. Será que somos eternos insatisfeitos? Sim e não seriam as respostas possiveis. Não, porque entendemos que o nosso trabalho é isolado, não nos permitindo ter a visão global de quanto os alunos aprendem. Sim, justamente porque exercemos uma profissão cuja natureza é aberta, que envolve principalmente o ensinar os conteúdos e o cuidar dos alunos em sentido mais amplo, que são as grandes tarefas atribuídas ao professor. Muitas vezes, a origem ou a falta de solução de diversos problemas sociais (como a violência, o consumo de drogas, a falta de sentimento de cidadania, entre outros) é atribuída ao professor e à educação. O ensino e a educação costumam ser vistos como uma “tábua de salvação” para todos os problemas que acontecem. Como se posiciona, nesse contexto, a didática? Qual é a sua importância e a sua implicação? No processo de ensino-aprendizagem, a didática tem um papel fundamental. A palavra didática origina-se do grego didasko, cujo significado é ensinar ou instruir, ou, de uma forma mais sucinta, segundo Nóvoa (1992), é a arte de transmitir conhecimentos; técnica de ensinar. Dessa forma, pode-se dizer que a didática é uma ciência que tem como objetivos fundamentais ocupar-se de estratégias de ensino, questões práticas relativas à metodologia e estratégias que fazem parte do processo de ensino-aprendizagem. A palavra didática foi utilizada pela primeira vez por Ratke, em 1629, porém, só veio a ser definida por Jean Amos Comenius, em sua obra Didática Magna, publicada em 1657, conceituando-a como “a arte de ensinar tudo a todos”. Comenius trata a didática como técnica e instrumento de nivelamento do ensino, como se ela pudesse homogeneizar o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem a todos os alunos.

A didática em ação

Saiba mais

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Em seus estudos, o pedagogo alemão Wolfgang Ratke procurou descobrir a ordem natural na qual a mente da criança aprende e, de acordo com esse princípio, organizou o seu método de ensino. No ano de 1612, lançou o Memorial de Frankfurt. Nele, expôs suas ideias políticas e pedagógicas em um texto composto basicamente por:


uma reforma do ensino de línguas; uma reforma da instrução pública; uma reforma da vida política e religiosa na Alemanha. Para saber mais, leia: NEVES. Sandra Garcia; GASPARIN, João Luiz. Os Princípios Fundamentais de Ratke e Comênio para a Universalização do Ensino Escolar. In: Revista HISTEDBR On-line. Campinas, número especial, p. 215-226, maio 2010. Disponível em: <www. histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/37e/index. html>. Acesso em: jun. 2011. Podemos associar a didática à busca de eficiência no ensino, ou seja, o esforço de uma racionalização dos meios de ensinar. Muitas vezes, o ato de ensinar não se concretiza em aprendizagem, apesar do caráter de intencionalidade do ensino. Necessita-se também, clareza de que os estudantes aprendem muitas coisas que não estavam planejadas inicialmente. Para Castro (2001), o ideal de toda didática sempre foi que o ensino produzisse uma transformação no aprendiz, e que este, graças ao aprendido, se tornasse diferente, melhor, mais capaz, mais sábio. Reflexão Qual é o campo da didática? O que torna sua abordagem da educação relevante e diferente das abordagens de outras disciplinas, como filosofia, psicologia, sociologia e história da educação? A didática tem um objeto próprio que é o ensino, e é por seu intermédio que se procura compreender a ideia de ensinar. O modo como os professores entendem o que é ensinar afeta de maneira significativa o que efetivamente fazem na sala de aula.

Hirst (2001, p. 65) afirma que, sem um conceito claro do que é ensinar, é impossível encontrar critérios de comportamentos apropriados para compreender o que acontece numa sala de aula.

A didática em ação

Ensino-aprendizagem da didática

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Saiba mais Leia do texto de Paul H. Hirst sobre “O que é ensinar”. Disponível em: <www. educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/cadernos/ensinar/hirst.pdf>. Acesso em: jun. 2011. As atividades de ensino são bem variadas e só podem ser caracterizadas por seu objetivo ou propósito, pois quem ensina não apenas transmite um conteúdo, está também favorecendo a construção de aprendizagens de diferentes conceitos. Por outro lado, segundo Cordeiro (2007), a compreensão do conceito de ensino só pode ser feita com referência ao conceito de aprendizagem. Ensinar pode ter diversos significados e produzir vários resultados naquele que aprende. É importante destacar a existência de estilos de aprendizagem. Por isso, há necessidade de o ensino vir ao encontro do que favorece e facilita essa aprendizagem. Por exemplo, um aluno pode ter mais facilidade fazendo experimentações; outros, pesquisando e outros, ainda, ouvindo e interagindo.

Saiba mais Para saber mais sobre estilos de aprendizagem, acesse o vídeo: <www.youtube.com/watch?v=88I8ku7XkmI>. Acesso em: jun. 2011. Consulte também o site Metacognição, disponível em: <www.metacognicao. com.br/artigos.html>. Acesso em: jun. 2011.

A didática em ação

Ensinar sempre corresponde a ensinar algo a alguém, para o filósofo australiano Passmore (2001): “Uma pessoa ensina quando transmite fatos, cultiva hábitos, treina habilidades, desenvolve capacidades, ensina alguém a nadar ou apreciar música clássica, mostra como funciona um foguete lunar ou por que os planetas se movem em volta do Sol.”

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Sabemos que a pedagogia pode ser conceituada como a ciência e a arte da educação e a didática é definida como a ciência e a arte do ensinar.


Saiba mais Saiba mais a respeito de ensino lendo o texto de John Passmore, “O conceito de ensino.” Disponível em: <www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/cadernos/ ensinar/passmore.pdf> Acesso em: jun. 2011. O ensino é considerado o objeto da didática e Laeng (2006), em seu Dicionário de Pedagogia, esclarece que: “O estudo predominante do ensino caracterizou, sobretudo, a didática do passado, dominada até certo ponto pela figura central do professor, na didática contemporânea cedeu lugar a uma nova projeção do aspecto correlativo da aprendizagem.” Ensinar e aprender são duas faces de uma mesma moeda. A didática não pode tratar do ensino por parte do professor sem considerar a aprendizagem por parte do aluno. Se o objeto de estudo da didática é o processo de ensino, não se pode deixar de considerar o conjunto de atividades ligadas à apropriação e produção de conhecimentos, que envolvem o desenvolvimento de habilidades intelectuais e psicomotoras, além da formação de atitudes que estejam comprometidas com a compreensão da realidade por parte do aluno. Ensinar não significa apenas transmitir conhecimentos, mas um meio de organizar as atividades, de modo que o aluno aprenda e produza conhecimentos. É um processo que envolve a organização e diretividade do professor, de caráter sistemático, intencional e flexível, com o propósito de se obter diferentes resultados (conhecimentos, habilidades intelectuais e psicomotoras e atitudes). Ao professor compete: preparar, dirigir, acompanhar e avaliar o processo de ensino. O objetivo disso é estimular atividades próprias dos alunos para a aprendizagem.

Dimensões da didática

A escola, quando exerce o seu papel social de educar, deve estar atenta a essas dimensões da didática, que permeiam o processo formativo.

A didática em ação

A didática apresenta-se em três dimensões: técnica, humana e política. Essas dimensões estão sempre interligadas para favorecer uma aprendizagem significativa do aluno. Segundo Candau (1983), o centro configurador do ensino-aprendizagem está na perspectiva de articulação dessas três dimensões.

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Quando se fala no processo de ensino e aprendizagem, deve-se considerar todos os atores envolvidos. É preciso ponderar que o ensino e a aprendizagem se dão como resultante de uma relação social, de um conjunto de interações humanas, que não podemos resumir como simples procedimentos técnicos isolados. O objeto de estudo da didática é o processo de ensino-aprendizagem. Toda a proposta desta disciplina está impregnada de uma concepção do processo de ensino. Para que seja esse processo compreendido, é necessário analisá-lo de tal forma que haja articulação entre as dimensões humana, técnica e político-social. No processo de ensino-aprendizagem está presente a relação humana, mas seria uma abordagem reducionista considerá-la como centro configurador do processo. Na dimensão técnica, o processo de ensino-aprendizagem é visto como ação intencional, sistemática, que procura organizar as condições que melhor favoreçam a aprendizagem. Quando percebemos a didática apenas na sua dimensão técnica, estamos considerando-a como depósito e fonte de bons métodos de transmissão dos conhecimentos e de avaliação dos resultados obtidos, nos quais o professor, quando bem preparado, com um bom planejamento e domínio dos conteúdos e dos métodos, busca recursos para transmitir conhecimentos para os alunos. Caso consideremos a representação técnica da didática e do processo de ensino-aprendizagem dissociados do que se passa na sala de aula, não atingiremos uma aprendizagem significativa dos alunos. Quando essa dimensão é dissociada das demais, tem-se o tecnicismo. Se todo o processo de ensino-aprendizagem é contextualizado, a dimensão sociopolítica lhe é inerente. A dimensão político-social não é um aspecto do processo, mas está presente em toda a prática pedagógica. O ensino da didática deverá partir da perspectiva multidimensional do processo ensino-aprendizagem. Precisamos considerar também a relação pedagógica, que engloba o conjunto de interações que se estabelecem entre o professor, os alunos e o conhecimento.

A didática em ação

É uma relação pedagógica complexa quando se pensa no ensino e na aprendizagem na sala de aula. É necessário considerar as várias dimensões da relação pedagógica:

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dialógica; pessoal humana;


cognitiva; político-social. A dimensão dialógica em sala de aula é muito significativa, pois é por meio do diálogo como ponto principal que se estabelece a relação em sala de aula. A relação pedagógica transforma as crianças em alunos mediante a conversa entre elas e o professor. A forma como o docente pergunta, o tipo de pergunta, o feedback dado... Isso faz com que, aos poucos, as crianças aprendam a ser alunos. As conversas em sala de aula também contribuem para a produção de uma padronização e de uma rotina de aulas, capazes de garantir uma curta percepção de continuidade entre os diversos conhecimentos que são ensinados e aprendidos. No exercício da comunicação, a linguagem do professor é muitas vezes usada para reforçar o seu papel social e a sua autoridade na sala de aula. O diálogo da aula define e constrói a capacidade do aluno em se comunicar. Para tanto, ele precisa reconhecer o direito do professor de organizar a conversa, escolher os assuntos, pedir e avaliar as respostas. A autoridade do professor tem relação com o reconhecimento de seu papel predominante pelos alunos, ativo, no diálogo da sala de aula. A mobilização e o uso da linguagem definem um estilo de relação pedagógica e têm consequências para as interações pessoais dentro da sala de aula. No entanto, esse modo de controle do discurso não é a única forma de expressão da dimensão dialógica da relação pedagógica. Existem outras formas de uso da linguagem, possibilidades mais abertas de intervenção dos alunos em sala de aula, favorecendo a aprendizagem. A dimensão pessoal humana está relacionada com os vínculos estabelecidos entre professor e alunos. A relação pedagógica instaura-se sob a influência de uma autoridade reconhecida como natural, resultante de contatos mais frequentes com o professor. O professor e o aluno são os atores dessa relação pedagógica. Os vínculos estabelecidos, portanto, podem instaurar-se em modalidades distintas, embora não estejam totalmente livres de certa marca de dependência, que caracteriza a relação do discípulo com o seu mestre. A didática em ação

Os aspectos didáticos da relação pedagógica vão além da dimensão pessoal e dos vínculos entre professor e aluno; esse aspecto projeta-se em uma região mais aberta, que é a das relações com o saber.

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Precisamos salientar que ninguém aprende apenas por si mesmo, mas é necessário relacionar-se com o outro, estar em contato com ele. Nessa perspectiva, existe um papel relevante a ser cumprido pelo professor, não apenas o de observador, mas o de mediador, orientador da aprendizagem do aluno. Não se pode padronizar as relações pessoais na escola, na sala de aula e no processo de ensino-aprendizagem. Não existe uma relação estática de papéis, como o professor ensinar e os alunos aprenderem. É necessário sempre considerar que ambos ensinam e ambos aprendem. É preciso conhecer os alunos para selecionar conteúdos relevantes e atuais, operar metodologias participativas, que priorizem a socialização de experiências, a pesquisa e a troca de saberes. Para isso, sugere-se aplicar metodologias que facilitem a participação dos alunos em jogos e exercícios interativos, brincando juntos, compartilhando dificuldades, resolvendo conflitos, elaborando acordos de convivência. O professor precisa reconhecer a importância da interação, fortalecer vínculos positivos e elos de solidariedade e desenvolver sentimentos de inclusão e pertença grupal. Ao estabelecer relações de proximidade, está ajudando a cultivar a ética da solidariedade entre os alunos. A dimensão cognitiva está relacionada com o saber, com o ensino e com a aprendizagem. Essa dimensão está baseada em uma relação tríade, isto é, numa relação entre professor, alunos e conhecimento, como já demonstrado nesta unidade. A escola, além de ser uma instituição destinada à socialização das crianças e dos jovens, tem uma função de propiciar acesso ao saber. É preciso reconhecer em que medida o saber escolar pode mobilizar o aluno a frequentar a escola e a procurar se apropriar desse saber. Pesquise com alunos de escola formal: O que estão aprendendo?

A didática em ação

Por que vão à escola?

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Aprender e ensinar só são possíveis pela intervenção do outro: são atividades que se desenvolvem por meio de uma relação. Na relação com o saber, ela é ao mesmo tempo relação consigo próprio, com o outro e com o mundo, na medida em que esse saber e essa relação ajudam a constituir a identidade do sujeito e a interpretar o mundo em que vive.


A postura da construção do conhecimento, segundo Vasconcelos (1994), implica na mudança de paradigma pedagógico, em vez de dar o raciocínio pronto, construir a reflexão tomando por base a metodologia dialética, onde o professor é o mediador da relação educando e o objeto de conhecimento. A dimensão político-social favorece espaços escolares em que o aluno se perceba como sujeito histórico, capaz de assumir compromissos e responsabilidade social. É importante proporcionar situações em que o aluno se perceba como sujeito. A participação em conselhos, no grêmio estudantil, representantes de sala, comissão de formatura, entre outros, expõem o aluno a experiências de cidadania organizada, proporcionando aos estudantes a aprendizagem do coletivo. Discutir e proporcionar aos alunos a vivência de atitudes éticas, de valores solidários e respeito mútuo, é vista como uma alternativa metodológica muito eficaz. Os jogos, as brincadeiras, a leitura de contos, as dramatizações de cenas do cotidiano, podem colaborar com a formação de pessoas éticas.

Evolução histórica da didática Desde a Antiguidade até o início do século XIX, valorizou-se uma aprendizagem do tipo passivo e receptivo, focada na memorização, com uma prática escolar com pouca compreensão por parte dos alunos. O ensino baseava-se na concepção de que o ser humano era semelhante a uma cera, que poderia ser moldado livremente. O pensamento humano era uma folha em branco, na qual tudo poderia ser escrito. Usava-se a repetição de exercícios graduados para ensinar a ler e a escrever. O professor utilizava perguntas e respostas já prontas para que o aluno repetisse corretamente o que ouvia. Era o método de “fazer eco” e era empregado em todas as disciplinas. Não havia a preocupação do professor que houvesse compreensão, por parte do aluno, do que ele falava e escrevia.

Vários filósofos e educadores não aceitavam o ensino voltado para a memorização e davam mais ênfase à compreensão. Entre eles, destacamos João Amos Comênio

A didática em ação

Esse ensino de caráter verbal, sem reflexão do aluno, baseado na repetição de fórmulas já prontas, predominou na prática escolar por um bom tempo. O ter didática no ato educativo não era preocupação de todos, alguns agiam com a certeza de que o domínio de um determinado saber era condição suficiente à tarefa de ensinar. Outros, mesmo antes de a didática ser uma disciplina, preocupavam-se em sistematizar princípios de condução do ato educativo; eram esses os “didatas” do século XVII.

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(1592-1670), considerado o pai da didática por formular os princípios de uma educação racionalista. Para ele, a educação, tal qual a natureza: tem ritmo próprio, que precisa ser observado; opera de dentro para fora; em seu processo formativo, começa no universal e termina no particular; não dá saltos, caminha passo a passo. Essas são ideias que estão presente na sua obra Didática Magna – a arte de ensinar tudo a todos (1633). Essa obra teve influência direta sobre o trabalho docente. Comênio teve grande experiência como professor, não sendo apenas um teórico da educação, mas contribuindo para a melhoria dos processos de ensino. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) é autor da segunda revolução didática. Suas obras O Contrato Social (1762) e Emílio, ou da Educação (1762) dão origem a um novo conceito de infância: a criança boa por natureza, corrompida posteriormente pela sociedade. Ele defendeu uma educação livre, espontânea e natural para a infância. Johann Friedrich Herbart (1776-1841) desejou criar uma pedagogia científica, influenciado por seus conhecimentos de filosofia e psicologia. Defendia a ideia de “educação pela instrução”; foi o criador de um método de ensino que consistia em uma série de passos, baseados na ordem psicológica de aquisição do conhecimento: preparação, apresentação, associação, sistematização e aplicação. John Dewey (1859-1952) e seus seguidores não aceitam a concepção herbartiana de educação pela instrução, defendendo a educação pela ação. Para ele a escola não é uma preparação para a vida, é a própria vida. Defendia que a ação precede o conhecimento e o pensamento. O ser humano age e é eminentemente social. São as necessidades sociais que norteiam sua concepção de vida e de educação.

A didática em ação

Para ele, a escola deveria tornar-se uma verdadeira comunidade de trabalho, em vez de um lugar isolado onde se aprendem lições sem ligação com a vida. Deveria respeitar a natureza da criança e aplicar o princípio do aprender fazendo, agindo, vivendo. Deveria desenvolver na criança a atenção, o pensamento reflexivo e a capacidade de estabelecer relações. A atividade escolar deveria priorizar situações de experiência onde são desenvolvidas as potencialidades, capacidades, necessidades e interesses da criança (LIBÂNEO, 1992).

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Dewey é um grande defensor dos métodos ativos e valoriza o ensino pela ação. Logo, o conhecimento e o ensino devem estar relacionados com a ação, com a vida prática e com a experiência.


No século XIX, há oscilação entre dois modos de interpretar a relação didática: ênfase no sujeito – aprende a partir da sua curiosidade e motivação; ênfase no método – caminho para a aprendizagem formal. O que é mais poderoso em Educação: o esforço autoeducativo do aluno ou a pressão externa, do meio social e cultural? O panorama do século XXI não é simples. A oscilação entre uma tendência psicológica, que destaca a relevância da compreensão da inteligência humana e sua construção, e outra que se apoia na visão sociológica das relações escola-sociedade, parece dominar o conteúdo da disciplina. Esta vai se familiarizar com teorias de origem epistemológica e social, sem perder seu compromisso com a prática de ensino (CASTRO, 1991). No Brasil, quando a didática foi instituída como curso de licenciatura (1939) e, mais tarde, transformada em disciplina dos cursos de formação de professores (1946), prevaleceu o enfoque prescritivo, normativo e instrumental, o que Candau (1983) denominou de “o momento da afirmação do técnico e o silenciador do político”. Preocupavam-se apenas com o “como ensinar” e com a padronização das ações didáticas, mas sem contextualização social. A configuração da didática como disciplina prescritiva tem sua razão de ser no predomínio das práticas pedagógicas tradicionais. Freire (2002) destacou que a educação tradicional acaba por transformar alunos em simples reprodutores e copiadores, ou seja, sujeitos acríticos. Esses alunos adotam o discurso do professor como verdade absoluta, não permitindo participação no processo educacional. [...] conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado [...] os transformam em “vasilhas”, em recipientes a serem“enchidos”pelo educador. Quanto mais vá“enchendo”os recipientes com seus “depósitos” tanto melhor educador será. Quanto mais se deixarem docilmente “encher” tanto melhores educandos eles serão. Dessa forma, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante. (FREIRE, 2002)

Em 1970, os educadores brasileiros entraram em contato com as teorias crítico-reprodutivistas, rebelando-se contra a institucionalização da pedagogia tecnicista. Nesse momento, reina a “antididática” (CANDAU, 1983), ou seja, a didática da afirmação do cunho político e da negação do técnico. A didática em ação

Uma outra possibilidade teórica da didática: a didática crítica, “o momento da síntese ou da negação da negação” (CANDAU, 1983). A didática crítica surge como o terceiro elo da tríade do pensamento dialético: tese, antítese e síntese. Ela sobrepõe o que é fundamental no ato educativo: o entendimento da ação pedagógica como prática social e a multidimensionalidade do processo de ensino e de aprendizagem, reconhecendo suas dimensões humana, técnica e política.

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Resumindo, a didática crítica articula: teoria e prática; escola e sociedade; conteúdo e forma; técnica e política; ensino e pesquisa.

Referências CANDAU, Vera Maria. A Didática em Questão. Centro de referência Virtual do professor. Disponível em: <http://crv.educacao.mg.gov.br>. Acesso em: jun. 2011. CASTRO, Amélia Domingues de. A Trajetória Histórica da Didática. Ideias 11 FDE. São Paulo, 1991. CORDEIRO, Jaime. Didática. São Paulo: Contexto, 2007. FARIAS, Isabel Maria Sabino et al. Didática e Docência: aprendendo a profissão. Brasília: Liber Livro, 2009. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2002. HIRST, P. O que É Ensinar. Cadernos de História e Filosofia da Educação. Lisboa: 2001, v. 6. LAENG, Mauro. Dicionário de Pedagogia. Lisboa: Dom Quixote, 1973. LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1992. NÓVOA, Antonio. Os professores e as histórias da sua vida. In: Vidas de Professores. Porto: Porto Editora, 1992.

A didática em ação

PASSMORE, J. O Conceito de Ensino. Cadernos de História e Filosofia da Educação. Lisboa, v. 6, out. 2001.

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VASCONCELOS, Celso dos S. A Construção do Conhecimento em Sala de Aula. São Paulo: Libertad, 1994.




Tendências educacionais e a didática Introdução A unidade anterior mostrou que o professor tem um papel central no processo de ensino-aprendizagem, cabendo a ele desenvolver as competências e habilidades necessárias para educar seus alunos. Por outro lado, a prática de qualquer professor, de forma consciente ou não, traduz uma concepção de ensino e de aprendizagem que determina sua compreensão da metodologia, da função da escola, dos conteúdos a serem trabalhados e dos papéis do professor e do aluno. Essas questões relacionadas à concepção de ensino tratam das tendências educacionais as quais iremos relacionar com a didática nesta unidade. Assim, ao tratar das tendências pedagógicas no Brasil e a sua relação com a didática, serão abordadas as seguintes vertentes da pedagogia: tradicional; renovada; tecnicista; libertadora; crítico-social dos conteúdos.

Objetivos Dessa forma, espera-se que ao final desta unidade você seja capaz de: caracterizar a didática em cada uma de suas tendências pedagógicas; identificar como se caracterizam o ensino, a aprendizagem, o papel do professor, a metodologia e a avaliação, em cada uma das tendências pedagógicas.

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A pedagogia tradicional A didática, na pedagogia tradicional, é uma disciplina normativa, um conjunto de princípios e regras que regula o ensino. O professor é o centro do processo, responsável pelo ensino da matéria (conteúdo), e sua principal ferramenta é a palavra. O aluno é um recebedor da matéria. É fundamental que tenha toda a atenção, ouvindo e decorando o que é passado pelo professor. É um receptor passivo: está inserido em um mundo que conhece pelo repasse de informações. Essa vertente da pedagogia tem objetivos explícitos e implícitos que se referem à formação do aluno ideal, distante de sua realidade. Essa didática supõe que, ouvindo e fazendo muitos exercícios, o aluno gravará a matéria para depois reproduzi-la, nas provas ou mesmo quando indagado pelo professor. A metodologia das aulas é expositiva, com atividades de repetição, aplicação e memorização, além de muitos exercícios e tarefas para a casa. De acordo com essa vertente, o professor não precisa respeitar as diferenças individuais e, tampouco, as de realidades sociais. A relação professor-aluno é autoritária e disciplinar. Os conteúdos são passados como verdades absolutas, distantes da realidade e das experiências dos alunos. Não há o cuidado em relacionar os diferentes conteúdos ensinados aos interesses dos alunos. Trabalha-se com métodos intuitivos, seguindo a lógica do professor. A avaliação é centrada no produto do trabalho desenvolvido.

Tendências educacionais e a didática

A aprendizagem continua receptiva, automática, não envolvendo desenvolvimento da atividade mental do aluno e o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais.

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A didática tradicional continua muito presente em muitas das nossas escolas na prática docente, o ensino como mera transmissão de conhecimentos decorados, sem reflexão e questionamento por parte dos alunos. O conhecimento, nessa vertente da pedagogia, fica sem significado social, não favorecendo a compreensão da realidade. Quadro 1 – Síntese da pedagogia tradicional Pedagogia Tradicional A escola

• Lugar ideal para a realização da educação. • Organizada com funções claramente definidas. • Normas disciplinares rígidas. • Prepara o indivíduo para a sociedade.


Pedagogia Tradicional O aluno O professor O ensino e a aprendizagem

• Um ser passivo que deve assimilar os conteúdos transmitidos pelo professor. • Deve dominar o conteúdo cultural universal transmitido pela escola. • É transmissor dos conteúdos aos alunos. • Predominar como autoridade. • Os objetivos educacionais obedecem à sequência lógica dos conteúdos. • Os conteúdos são baseados em documentos legais. • Aulas expositivas com exercícios e fixação, leitura e cópia.

A pedagogia renovada A pedagogia renovada está ligada à Escola Nova, também considerada didática ativa. Ela considera o aluno como sujeito da aprendizagem. A proposta é que o aluno aprende melhor o que faz por si próprio. Favorece a criação de condições nas quais o aluno possa tornar-se pessoa que saiba colaborar com os outros, sem por isso deixar de ser indivíduo. Trata-se da educação do ser humano, e não apenas do aluno, em uma instituição de ensino. O processo de educação centrado no aluno leva à valorização da busca progressiva pela autonomia (autorregulação). A escola que segue essa concepção: respeita o aluno como ele se apresenta; oferece condições para que ele possa desenvolver-se em seu projeto de vida; favorece a construção da autonomia intelectual e emocional de seu aluno.

O professor estimula, orienta as situações de aprendizagem, considerando as diferenças individuais dos alunos. O centro das atividades não é o professor, nem a matéria, mas o aluno ativo e pesquisador. A didática da Escola Nova, também chamada ativa ou progressista, valoriza mais o processo de aprendizagem, os meios que facilitam o desenvolvimento das capacidades e habilidades intelectuais dos alunos. O ensino é centrado no aluno, o que implica dirigir a pessoa à sua própria experiência para que ela possa estruturar-se e agir.

Tendências educacionais e a didática

O professor age como um facilitador da aprendizagem do aluno, possibilitando a criação de condições para que esse aluno, partindo de suas necessidades e interesses, possa buscar por si mesmo conhecimentos e novas experiências.

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Nessa didática dá-se muita importância aos métodos e técnicas e pouca aos conhecimentos sistematizados. Além disso, valoriza o método científico de busca ao conhecimento e também a reflexão. Por isso, para a seleção das estratégias e dos métodos de aula, o professor busca valorizar o processo de aprendizagem do aluno, e não o seu ensino. O que esse docente prioriza na escolha é o método que favorece uma aprendizagem mais significativa no aluno. A pedagogia renovada estimula intensamente: o trabalho em grupo; o estudo individual; as pesquisas; os projetos didáticos; os experimentos; entre outros. A didática é a orientação da aprendizagem, pois o aluno aprende por meio da pesquisa e da investigação. Ele vai em busca do conhecimento pelo qual ele se interessa, ou mesmo, o que quer se aprofundar. O aluno constrói pouco a pouco a sua autonomia intelectual. A não diretividade consiste em um conjunto de técnicas que implementa a atitude básica de confiança e respeito pelo aluno.

Tendências educacionais e a didática

O ensino, nessa concepção, fortalece uma aprendizagem significativa, autoavaliação dos alunos, abertura à experiência, criatividade, autoconfiança e independência. Aprender a aprender. O que é bastante valorizado nessa concepção é a relação pedagógica, a um clima favorável ao desenvolvimento das pessoas, que possibilite liberdade para aprender.

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O professor valoriza o processo de aprendizagem e não os produtos, priorizando o indivíduo inserido em uma situação social. A avaliação é trabalhada como autoavaliação, somente o próprio indivíduo pode conhecer realmente a sua experiência, esta só pode ser avaliada a partir de critérios internos do indivíduo. O aluno assume responsabilidade pelas formas de controle de sua aprendizagem.


Quadro 2 – Síntese da pedagogia renovada. Pedagogia Renovada A escola

• Proclamada para todos, democrática e flexível. • Deve oferecer condições para o desenvolvimento da autonomia do aluno.

O aluno

• Um ser “ativo”, o centro do processo de ensino e aprendizagem. • Criativo, participativo, que aprendeu a aprender.

O professor O ensino e a aprendizagem

• É o facilitador da aprendizagem. • Os objetivos educacionais obedecem ao desenvolvimento psicológico do aluno. • Os conteúdos são selecionados a partir do interesse dos alunos. • Não há diretividade, e sim valorização dos aspectos afetivos.

A pedagogia tecnicista O objetivo da pedagogia tecnicista é produzir um indivíduo competente para o mercado de trabalho. Baseia-se nos princípios científicos, adota manuais e módulos de autoinstrução. É modeladora do comportamento humano por meio de técnicas específicas, como a instrução programada. A escola tecnicista concebe o aluno como um recipiente passivo das informações, que devem ser acumuladas na memória por meio de associações. É também conhecida como behaviorista ou comportamentalista. A aprendizagem é baseada no desempenho, daí a necessidade de muitas repetições e instruções programadas. O conhecimento é o resultado direto da experiência.

A didática do professor implica em recompensa e controle, assim como o planejamento das proposições de aprendizagem, das sequências de atividades de aprendizagem, e a modelagem do comportamento humano, a partir da manipulação de reforços. O comportamento do aluno é moldado a partir de estimulação externa, tais como: elogios, notas, prêmios, reconhecimentos do professor e dos colegas, prestígio...

Tendências educacionais e a didática

O interesse da didática instrumental é a racionalização do ensino, o uso de meios e técnicas que essa metodologia julga mais eficazes. Parte sempre de uma avaliação prévia dos alunos (comportamento de entrada), possibilitando a elaboração de pré-requisitos para alcançar os objetivos, os quais o aluno deve atingir ao longo do processo de ensino.

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Saiba mais Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) foi um autor e psicólogo americano. Ele conduziu trabalhos pioneiros em psicologia experimental e foi o propositor do Behaviorismo. Para Skinner, é sempre possível modelar o indivíduo, condicionando seus comportamentos. Para tanto, devem-se utilizar os estímulos e reforços adequados. Todo comportamento é determinado pelo ambiente, mesmo que a relação do indivíduo com esse ambiente não seja passiva, e sim de interação. Ou seja, um professor pode definir que resultado pretende alcançar com seus alunos e oferecer-lhes os estímulos e recompensas adequados à medida que eles progridem. O professor é o responsável por planejar e desenvolver o sistema de ensino-aprendizagem, com o objetivo de garantir a aprendizagem do aluno, com economia de tempo, esforço e custos. Quadro 3 – Síntese da pedagogia tecnicista

Tendências educacionais e a didática

Pedagogia Tecnicista

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A escola

• É uma agência educacional. • Modelo empresarial aplicado à escola. • Divisão entre planejamento e execução. • No limite, a sociedade poderia existir sem a escola.

O aluno

• Elemento para quem o material é preparado. • O aluno é eficiente e produtivo, e lida “cientificamente” com os problemas da realidade.

O professor

• É o educador que seleciona, organiza e aplica um conjunto de meios que garantem a eficiência e a eficácia do ensino.

O ensino e a aprendizagem

• Os objetivos educacionais são classificados em gerais e específicos. • Ênfase nos meios e recursos. • Os comportamentos desejados serão instalados e mantidos nos alunos por condicionantes reforçados.

A pedagogia libertadora A pedagogia libertadora não tem uma proposta explícita de didática, segundo alguns autores, como afirma Libâneo (2006). Muitos dos seguidores dessa pedagogia


entendem a didática como prescritiva, tecnicista, não aceitando o papel dessa disciplina na formação dos professores. Mas temos de considerar uma didática implícita na orientação do trabalho escolar, quando o professor está com uma sala realizando o seu papel de orientar a aprendizagem dos seus alunos. A escola libertadora, também conhecida como a pedagogia de Paulo Freire, vincula a educação à luta e à organização de classe do oprimido. Nesse contexto, para o autor, o saber mais importante para o oprimido é a descoberta de sua situação de oprimido. A partir dessa consciência, fazer da opressão e de suas causas o objetivo de reflexão, resultando daí o engajamento do ser humano na luta por sua libertação.

Saiba mais Paulo Freire (1921-1997) foi um educador brasileiro, conhecido e respeitado mundialmente como um dos grandes pedagogos do século XX. Publicou várias obras, que foram traduzidas e comentadas em vários países. Entre as principais estão: Pedagogia do Oprimido, Educação como Prática de Liberdade, Cartas à Guiné-Bissau, Vivendo e Aprendendo, A Importância do Ato de Ler, Medo e Ousadia: o cotidiano do professor. Paulo Freire foi um importante crítico da educação tradicional e pregador daquilo que chamou de educação libertadora. Segundo Freire, o sistema escolar tradicional é cheio de falhas e a proposta da educação libertadora é romper drasticamente com essa forma de pensar a educação. Trata-se de uma quebra de paradigmas, as duas propostas educativas partem de ideologias distintas. Segundo Gadotti (1998), a pedagogia libertadora ultrapassa os limites da pedagogia, abrangendo os campos da Economia, da Política e das Ciências Sociais. Muitos setores dos movimentos sociais a empregam com sucesso, como sindicatos, associações de bairro e comunidades religiosas.

Aprender, segundo Libâneo (1990), é um ato de conhecimento da realidade concreta, isto é, da situação real vivida pelo educando, e só tem sentido se resultar de uma aproximação crítica dessa realidade. Assim, o conhecimento que o educando transfere

Tendências educacionais e a didática

A metodologia da pedagogia libertadora é centrada na discussão de temas sociais e políticos. O professor e os alunos analisam em conjunto problemas e realidades do meio socioeconômico e cultural da comunidade local, com o objetivo de agir coletivamente frente a esses problemas e realidades. Visa, portanto, desenvolver o processo educativo como tarefa a partir do interior dos grupos sociais. A motivação para a aprendizagem decorre de uma situação-problema real, analisada criticamente.

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representa uma resposta à situação de opressão a que se chega pelo processo de compreensão, reflexão e crítica. O papel do professor é de coordenar e animar as atividades que se organizam pela ação conjunta dele e dos alunos. O trabalho dos alunos baseia-se no processo de participação ativa nas discussões e nas práticas sobre temas da realidade social imediata e não nos conteúdos historicamente acumulados nas disciplinas escolares. Nessas discussões, nas assembleias, nos trabalhos de grupo, entre outros, surgem temas geradores, que podem ser sistematizados para efeito de consolidação do conhecimento. A relação entre professores e alunos é de igual para igual, uma relação horizontal, favorecendo grupos de discussão, com resolução de situação-problema. O objetivo é levar professores e alunos a atingir um nível maior de consciência da realidade em que vivem, uma busca da transformação social. Essa metodologia é mais utilizada na educação de jovens e adultos. Quadro 4 – Síntese da pedagogia libertadora

Tendências educacionais e a didática

Pedagogia Libertadora

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A escola

• Deve ser organizada e estar funcionando de modo a proporcionar os meios para que a educação se processe em seus múltiplos acessos.

O aluno

• Uma pessoa concreta, objetiva, que determina e é determinada pelo social, político, econômico e individual. • Deve ser capaz de operar conscientemente mudanças na realidade.

O professor

• É o educador que conduz o processo de ensino-aprendizagem. • A relação entre professor-aluno deve ser horizontal, ambos posicionando-se como sujeitos do ato de produção de conhecimento.

O ensino e a aprendizagem

• Os objetivos educacionais são definidos a partir de necessidades concretas do contexto histórico-social dos sujeitos. • Busca uma consciência crítica a partir de diálogos e definição de “temas geradores”.

A pedagogia crítico-social dos conteúdos A escola influencia e é influenciada por determinantes históricos nessa pedagogia. Não é nem reprodutivista, nem idealista liberal: a escola crítico-social dos conteúdos valida a experiência do aluno com os conteúdos acumulados e em produção para a participação social e o exercício da cidadania consciente.


A didática é muito valorizada e tem como objeto de estudo o processo de ensino e suas relações e ligações com a aprendizagem, tendo em vista finalidades sociopolíticas e pedagógicas. Pode-se dizer que ensinar e aprender são dois processos diferentes, pois cada um tem a sua especificidade e envolve indivíduos diferentes: um professor e um aluno. Além disso, envolve mecanismos e instrumentos distintos, porque o professor utiliza procedimentos necessários para favorecer a construção de conhecimentos pelo aluno, enquanto este utiliza outros para poder apropriar-se do objeto a ser conhecido. Mas são caminhos a serem percorridos dentro de certa sintonia, pois, caso contrário, não se efetivam os objetivos de ambos. Nesse contexto, é importante dizer que os dois processos (ensinar e aprender) embora distintos, são completamente dependentes um do outro se considerarmos os objetivos de cada ação. A atividade de aprender está intimamente ligada ao ensinar e envolve a mobilização de mecanismos que prescindem da ação do professor no ensino (PANDINI, 2008). A didática, com os seus conhecimentos teóricos e práticos, faz a mediação entre os vínculos pedagógicos e a docência; realiza a ligação entre o “para quê?” e o “como” da prática escolar. Essa pedagogia tem a finalidade de atribuir à instrução e ao ensino o papel de oferecer o domínio de conhecimentos científicos, os métodos de estudo e habilidades de raciocínio científico aos alunos, com o objetivo de formar a consciência crítica face à realidade social. Os métodos buscam unidade entre a teoria e a prática, e formação de uma consciência crítica. Ambos são subordinados aos conteúdos que, por sua vez, são ligados à cultura universal e às realidades sociais.

O professor tem sua autoridade educativa bem constituída, fundada em saberes científicos, pedagógicos e de vida, sem os quais não poderia contribuir para a aprendizagem dos seus alunos. É ele quem faz a mediação entre a experiência do aluno e o saber. A metodologia da pedagogia crítico-social dos conteúdos pressupõe a superação das concepções inatista e empirista da aprendizagem.

Tendências educacionais e a didática

O professor, como um mediador no processo ensino-aprendizagem, precisa assegurar aos alunos o domínio dos conhecimentos científicos. Deve, também, criar condições e meios para que os alunos desenvolvam suas habilidades e capacidades intelectuais, visando à sua autonomia no processo de aprendizagem.

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Saiba mais Concepção inatista: parte do princípio que nascemos com estruturas mentais e capacidades de desenvolvimento e de aprendizagem predefinidas, considerando os fatores internos do sujeito definidores do processo de aquisição do conhecimento. Empirismo: o indivíduo nasce como uma folha em branco. Os elementos externos, presentes no ambiente em que vivemos, preponderam sobre o desenvolvimento e a aprendizagem humana. A didática, nessa pedagogia, é colaborativa, dialógica e problematizadora, promove interações com os muitos universos culturais dos alunos e fortalece a ação e o pensamento crítico e autônomo. Precisamos nos perguntar sempre: Que tipo de aluno queremos formar? Para agir em qual sociedade? Qual educação, escola, fazer didático precisamos para contribuir na formação do aluno? Que professor é necessário para formar esse aluno? Quadro 5 – Síntese da pedagogia crítico-social dos conteúdos

Tendências educacionais e a didática

Pedagogia Crítico-social dos Conteúdos

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A escola

• Cumpre sua função social e política, assegurando a difusão dos conhecimentos sistematizados a todos.

O aluno

• Uma pessoa concreta, subjetiva, que determina e é determinada pelo social/político/econômico/individual.

O professor

• Um educador que direciona e conduz o processo de ensino-aprendizagem. • Autoridade competente.

O ensino e a aprendizagem

• Conteúdos selecionados a partir das culturas dominantes. • Distingue claramente os papéis de professor e aluno para fazer a articulação entre eles.


Síntese No desenvolvimento do conteúdo desta unidade, você deve ter percebido que as diversas tendências procuram explicar o processo de ensino e aprendizagem e podem ser agrupadas e sistematizadas de diferentes formas. As diferentes classificações não têm limites totalmente fixos e não se constituem em referenciais totalmente puros e fechados. O professor incorpora um ou mais aspectos referentes às tendências em suas práticas docentes, muitas das quais são derivadas de como foi educado durante sua vida escolar. A discussão dessas questões é importante para que fiquem claros os pressupostos pedagógicos que dão base à atividade de ensino, na busca de coerência entre o que se pensa estar fazendo e o que realmente se faz.

Referências GADOTTI, Moacir. Pensamento Pedagógico Brasileiro. São Paulo: Ática, 1998. LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da Escola Pública. São Paulo: Loyola, 1990. MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. PANDINI, Carmen Maria Cipriani. Didática I: livro didático. Palhoça: Unisul Virtual, 2008.

Tendências educacionais e a didática

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Concepções sobre a aquisição do conhecimento e a didática Introdução A Filosofia ensina que conhecimento é a relação estabelecida entre o sujeito que conhece ou deseja conhecer e o objeto a ser conhecido ou se dá a conhecer. A construção do conhecimento está fundamentada no uso crítico da razão e vinculada a princípios éticos e às raízes sociais. De outra forma, pode-se também dizer que conhecimento é a capacidade de interpretar e operar um conjunto de informações adquirido por alguém. Tal capacidade é criada a partir das relações que o indivíduo estabelece com o conjunto de informações, e deste com outros conjuntos que já lhe são familiares, como experiências, impressões, valores, crenças, entre outros. Essas relações permitem compreender e tirar conclusões a respeito desses conjuntos e a partir deles. Nesta unidade, o conteúdo que será desenvolvido aborda as concepções sobre a aquisição do conhecimento e a didática. Esse conteúdo será desdobrado em três subtemas: empirismo; inatismo ou racionalismo; construtivismo e interacionismo.

Objetivos Ao desenvolver tais conteúdos esperamos que você seja capaz de: identificar com clareza cada uma das concepções acerca da aquisição do conhecimento;

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relacionar as concepções sobre a aquisição do conhecimento com a didática; perceber na prática pedagógica do professor os elementos marcantes das concepções a respeito da aquisição do conhecimento.

Empirismo Os filósofos da Grécia antiga defendiam a ideia de que as pessoas nascem com saberes adormecidos, que precisam ser organizados para se tornarem conhecimentos verdadeiros. O professor só auxilia o aluno a acessar essas informações. Segundo Platão, o mundo conhecido por nós não é a verdade. O múltiplo (diversas percepções) e o mutável são meras representações do verdadeiro e se encontram em um mundo à parte, o “mundo das ideias”. Platão defendia a existência de dois mundos, um chamado mundo das ideias, no qual a ideia das coisas é pura e perfeita, que correspondia aos conceitos das coisas; o outro ele chama de mundo sensível, no qual os sentidos apreendem as coisas apenas em parte, turvando as ideias puras das coisas.

Concepções sobre a aquisição do conhecimento e a didática

Platão nasceu em Atenas por volta do ano 427 a.C. Era de família nobre, tinha parentesco com membros do governo aristocrático dos trinta tiranos (404-403 a.C.).

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Aristóteles, discípulo de Platão, defende a concepção de que “a essência de cada coisa está na própria coisa”. Ele foi um dos primeiros a fazer pesquisas científicas. Aristóteles distingue quatro causas de cada coisa: a material, aquilo de que é feita uma coisa; a formal, que corresponde ao que a coisa vai ser; a eficiente, que significa aquilo com que é feita a coisa; a final, aquilo para o qual é feito a coisa. Grande filósofo grego, Aristóteles nasceu em Estagira, colônia grega da Trácia, no litoral setentrional do mar Egeu, em 384 a.C. Aos 18 anos, em 367, foi para Atenas e ingressou na academia platônica, onde ficou por 20 anos. Nesse período estudou também os filósofos pré-platônicos.


René Descartes, na Idade Média, colocou em dúvida o pensamento de Aristóteles. Questionou até que ponto se conhecia a verdade. Para ele, os seres humanos baseavam-se em opiniões, mas estavam longe de ter certezas. A partir dessa época surge o movimento filosófico chamado empirismo: “Só é verdadeiro aquilo que é demonstrável” (FRANCO, 1986). O filósofo francês, que viveu durante a primeira metade do século XVII, foi o criador de um método o qual utilizamos até hoje para buscar a verdade e o entendimento completo das coisas. Através de regras, dar-se-ia a completa utilização do método, que é universal e consiste em duvidar de todas as nossas representações, incluindo as representações sensíveis. A doutrina do empirismo foi definida explicitamente pela primeira vez pelo filósofo inglês John Locke (1632-1704), no século XVII. Locke argumentou que a mente seria, originalmente, um “quadro em branco” (tabula rasa), sobre o qual é gravado o conhecimento, cuja base é a sensação. Ou seja, todas as pessoas, ao nascer, o fazem sem saber de absolutamente nada, sem impressão nenhuma, sem conhecimento algum. Todo o processo do conhecer, do saber e do agir é aprendido pela experiência, pela tentativa e erro. Locke destacou também a importância da educação e da instrução na formação do ser humano. Na Inglaterra, nos séculos XVII e XVIII, com John Locke, ocorreu o desenvolvimento do empirismo. Com a permanência das teorias empiristas e inatistas (que serão abordadas posteriormente), a partir do século XIX e início do século XX surgem novas correntes, como a do positivismo de Auguste Comte.

Saiba mais O positivismo é uma corrente filosófica que surgiu na França no começo do século XIX, elaborada por Auguste Comte. Essa escola filosófica ganhou força na Europa na segunda metade do século XIX e começo do XX, período em que chegou ao Brasil. A ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro é defendida pelo positivismo. De acordo com os positivistas, somente pode-se afirmar que uma teoria é correta se ela foi comprovada por meio de métodos científicos válidos.

Concepções sobre a aquisição do conhecimento e a didática

Essa teoria afirma que só se pode ter como verdadeiro aquilo que apreendemos pelos nossos sentidos e que pode ser mensurado. O construtivismo, teorizado por Jean Piaget, surge como o contraponto entre as correntes de pensamento existentes.

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Os positivistas não consideram válidos os conhecimentos relacionados ou advindos de crenças, superstições ou qualquer outro que não possa ser comprovado cientificamente. Para esses teóricos, o progresso da humanidade depende exclusivamente dos avanços científicos.

Sempre nos perguntamos: Quando se fala em construção do conhecimento, surgem algumas ideias, com construtivismos, saberes, experiência, aprendizagem, ensino. Mas como se adquire o conhecimento? De onde vêm nossas ideias e representações? Temos que ter claro que o conhecimento é um produto da atividade social, que se mantém e se difunde nas trocas com os outros. É vivendo em sociedade que o ser humano chegou ao conhecimento que hoje possui.

Concepções sobre a aquisição do conhecimento e a didática

Entretanto, os conhecimentos são construídos pelos indivíduos e estão acumulados de alguma forma na mente das pessoas e se aperfeiçoam. Eles ampliam-se nas trocas com os demais, no processo de compartilhá-los com o que os outros pensam ou sabem.

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Em muitas sociedades, os conhecimentos acumulam-se de uma forma permanente, por meio de produtos culturais como as construções, as máquinas, os desenhos, as esculturas, as pinturas, entre outros. O ser humano conseguiu produzir a linguagem escrita, os sistemas permanentes de conservação do conhecimento e a transmissão a outros indivíduos, com os quais não é necessário ter um contato direto. Dessa forma, podemos aprender conhecimentos produzidos por pessoas que já morreram ou que vivem em lugares distantes, dificultando o encontro presencial. O processo educativo é uma construção social, é algo que se realiza e se concretiza conforme o contexto em que esteja envolvido, e sofre influência das tendências de organização da sociedade e, também, dos resultados das pesquisas feitas pelo ser humano. Considerando essas observações, pode-se pensar que o conhecimento vem de fora, está na sociedade, os outros o possuem e o transmitem. Pode-se também pensar que a maior parte das pessoas não produz conhecimentos novos para a humanidade e limita-se a utilizar conhecimentos que outros já têm.


O empirismo é uma das posições filosóficas dominantes para explicar a formação do conhecimento. Nega a existência de ideias inatas, ou seja, todo conhecimento é externo ao indivíduo, é resultante do contato com uma realidade, o conhecimento seria a cópia da realidade. Os empiristas acreditam que o ser humano nasce como uma tabula rasa, marcada e moldada por meio do que aprende, ou seja, seria puro consumidor de conhecimentos, nada tem ou sabe ao nascer. O conhecimento seria produzido e fabricado por poucos indivíduos. Essa teoria está muito ligada ao senso comum e parece explicar bem o que acontece diariamente quando uma pessoa aprende algo novo. Parece que o conhecimento é feito e acabado fora do indivíduo e é incorporado de outros ou da própria realidade, que o indivíduo copiaria. Para o empirismo, a única fonte de conhecimento humano é a experiência adquirida em função do meio físico mediado pelos sentidos. “Não há nada no nosso intelecto que não tenha entrado lá através dos nossos sentidos”, diz Popper (apud BECKER, 1994).

Saiba mais

Piaget concorda com o empirismo no fato de afirmar que o conhecimento vem da experiência: “Sem o contato com o mundo externo não há como produzir conhecimento”. Mas faz objeção à teoria empirista que “tende a considerar a experiência como algo que se impõe por si mesmo, como se fosse impressa diretamente no organismo sem que uma atividade do sujeito fosse necessária à sua constituição” (BECKER, 1998). A didática para os empiristas é diretiva. O aluno aprende somente quando o professor ensina. O professor acredita no mito da transferência do conhecimento. O professor possui o saber e detém o poder estabelecido por hierarquia: “O professor ainda é um ser superior que ensina a ignorantes. O educando recebe passivamente os conhecimentos, tornando-se um depósito do educador” (FREIRE, 1985).

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Karl Raimund Popper (1902-1994) foi um filósofo austríaco. É considerado por muitos como o filósofo mais influente do século XX a tematizar a ciência. Foi também um filósofo social e político respeitado, um grande defensor da democracia liberal e um oponente implacável do totalitarismo.

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Entretanto, nos perguntamos: Como se produz essa passagem do conhecimento exterior do indivíduo e por que, muitas vezes, não se produz? O que uma pessoa aprende é exatamente igual ao que a outra tenta ensinar-lhe? Por que as pessoas que presenciam o mesmo acidente o relatam de formas distintas, tendo compreensão diferente? Muitas vezes, ficamos sem respostas, sem explicações, se apenas considerarmos os pressupostos da teoria empirista. Em decorrência dessa teoria, a psicologia comportamentalista destaca-se no associacionismo (Thorndike) e no behaviorismo (Skinner).

Saiba mais Associacionismo e behaviorismo

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Edward L. Thorndike é o formulador de uma primeira teoria de aprendizagem na psicologia. O termo associacionismo origina-se da concepção de que a aprendizagem se dá por um processo de associação das ideias – das mais simples às mais complexas. Assim, para aprender uma coisa complexa, a pessoa precisaria, primeiro, aprender as ideias mais simples, que a ela estariam associadas.

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J. B. Watson (1878-1958) é considerado o autor do behaviorismo e, após ele, o mais importante behaviorista foi B. F. Skinner. O behaviorismo de Skinner dedica-se ao estudo das respostas. Ele se preocupava em descrever e não em explicar o comportamento. A sua pesquisa tratava apenas do comportamento observável, e ele acreditava que a tarefa da investigação científica era estabelecer as relações funcionais entre as condições de estímulo controladas pelo pesquisador e as respostas subsequentes do organismo. O empirismo dá as mesmas características do comportamento do ambiente físico ao humano; aplica os métodos das ciências naturais às ciências sociais. É fundamental para essa teoria a relação estímulo-resposta. A herança genética é um núcleo insignificante frente à pressão do meio. Podemos afirmar, então, que o empirismo corresponde ao saber adquirido por percepções; pela origem das ideias pelas quais se percebem as coisas (independentemente de seus objetivos e significados); pela relação de causa-efeito na qual fixa-se na


memória o que é percebido, atribuindo à percepção causas e efeitos; pela autonomia do sujeito que afirma a variação da consciência, de acordo com cada momento; pela concepção da razão que não vê diferença entre o espírito e extensão.

Inatismo ou racionalismo O inatismo, ou racionalismo, tem como pressuposto básico considerar o conhecimento anterior à experiência. A capacidade de raciocinar é inata ao indivíduo e se desenvolve em virtude do processo de maturação. O indivíduo depende de seu grau de maturação para aprender. Para o inatismo, a nossa mente tem conhecimentos a priori ou inatos, sem os quais não seria possível conhecer. Eles são organizados e aprendidos por reestruturação do campo perceptivo, conforme os princípios inerentes à razão humana. Essa teoria era defendida pelos filósofos racionalistas, principalmente Descartes, Spinoza e Leibniz, afirmando que o conhecimento não poderia vir da experiência apenas, pois existia uma parte que era colocada pelo indivíduo.

Platão, considerado o precursor do inatismo, firmou posição a favor das ideias congênitas. Defendendo a tese de que a alma precede o corpo e que, antes de encarnar, tem acesso ao conhecimento, o discípulo de Sócrates (469-399 a.C.) afirmou que conhecer é relembrar, pois a pessoa já domina determinados conceitos desde que nasce. Essa perspectiva sustenta que as pessoas naturalmente carregam certas aptidões, habilidades, conceitos, conhecimentos e qualidades em sua bagagem hereditária. Tal concepção motivou um tipo de ensino que acredita que o educador deve interferir o mínimo possível, apenas trazendo o saber à consciência e organizando-o. “Em resumo, o estudante aprende por si mesmo”, escreve Fernando Becker, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no livro Educação e Construção do Conhecimento. Mesmo que a noção de aprendizado como reminiscência não encontre eco na ciência contemporânea, algumas ideias inatistas ainda pipocam nas salas de aula. Porém, se por um lado é interessante levar os alunos a procurarem respostas para suas

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O inatismo opõe-se ao empirismo por considerar que o indivíduo, ao nascer, traz consigo já determinadas as condições do conhecimento e da aprendizagem, que se manifestarão imediatamente (inatismo) ou progressivamente, pelo processo geral de maturação. Toda a atividade de conhecimento é exclusiva do sujeito, o meio não participa dela.

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inquietações com independência crescente, por outro, é lamentável que muitos docentes sigam explicando o baixo rendimento escolar de certos estudantes (sobretudo os de “lares desestruturados”) porque eles “não têm habilidade para aprender”. Surge a teoria da forma ou da Gestalt, dentro do inatismo, conhecida como a da aprendizagem por insight: o conhecimento se produz porque existe no ser humano uma capacidade inata, que predispõe o sujeito ao conhecimento. Há uma supervalorização da percepção como função básica para o conhecimento da realidade. Chega a confundir percepção com cognição (HILGARD, 1973). A psicologia da Gestalt defendia uma forma do inatismo, afirmando que dispomos de formas inatas para organizar nossa percepção, (por isso, vemos em três pontos um triângulo, ainda que por esses pontos pudessem passar outras linhas). A obra de Chomsky defende a existência de um dispositivo inato para a aquisição da linguagem.

Saiba mais

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Considera-se que Von Ehrenfels, filósofo vienense, que viveu no século XIX, foi o precursor da psicologia da Gestalt. O movimento gestáltico surgiu no período compreendido entre 1930 e 1940. A psicologia da Gestalt afirma que as partes nunca podem proporcionar uma real compreensão do todo. O todo é diferente da soma das partes, mas a psicologia acadêmica da Gestalt ocupou-se predominantemente com as forças externas.

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Avram Noam Chomsky, um linguista americano, contribuiu de forma fundamental com linguística moderna, a partir da formulação teórica e o desenvolvimento do conceito de gramática transformacional ou generativa. A principal novidade está na distinção de dois níveis diferentes na análise das frases: por um lado, a “estrutura profunda”, conjunto de regras de grande generalidade a partir das quais é gerada, mediante uma série de regras de transformação, a “estrutura superficial” da frase. No nível profundo, a pessoa possui um conhecimento tácito das estruturas fundamentais da gramática, que Chomsky considerou, em grande medida, inato. Baseado na dificuldade de explicar a competência adquirida pelos falantes nativos de determinado idioma, a partir da experiência deficitária recebida de seus pais, considerou que a única forma de entender o aprendizado de uma língua era postular uma série de estruturas gramaticais inatas (já nascidas com o indivíduo), as quais seriam comuns, portanto, a toda a humanidade.


O conceito de esquema de Piaget pode ser comparado a uma “forma” ou Gestalt. Esse conceito é concordante com a teoria de Gestalt em relação à totalidade, mas como gênese são opostos, pois o esquema de Piaget é construído e a estrutura da Gestalt é dada. Gestalt é um esquema que não tem história porque não considera a experiência anterior.

Saiba mais Jean Piaget (1896-1980) foi o nome mais influente no campo da educação durante a segunda metade do século XX, a ponto de quase se tornar sinônimo de pedagogia. Foi biólogo e dedicou a vida a submeter à observação científica rigorosa o processo de aquisição de conhecimento pelo ser humano, particularmente a criança. Criou um campo de investigação que denominou epistemologia genética, isto é, uma teoria do conhecimento centrada no desenvolvimento natural da criança. Assista ao vídeo da ATTA Mídia. Disponível em: <http://youtu.be/XzFKGKNNinM>.

Alguns questionamentos:

Como explicar a modificação do conhecimento e como ele se desenvolve, partindo do pressuposto que ele é inato? No século XIX, surgiu a tendência de tentar explicar muitos aspectos da conduta humana, recorrendo a instintos ou disposições com as quais nascíamos. Vivíamos em sociedade porque tínhamos o instinto para a sociabilidade, ou ainda, as pessoas não querem morrer porque possuem o instinto de sobrevivência. O inatismo deveria ser o último recurso para explicar alguma coisa para qual não existe outra explicação. A didática inatista é não diretiva, difícil de viabilizar, portanto não é fácil de detectar sua presença na prática de sala de aula. O professor é um auxiliar do aluno, um facilitador. O aluno já tem um saber, o que ele precisa é apenas trazer à consciência, organizar, ou ainda, rechear de conteúdo.

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Por que a conduta dos indivíduos é diferente em distintas situações, se considerarmos que a conduta e o conhecimento são o resultado de capacidades inatas?

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Construtivismo e interacionismo Os estudos em história e teoria da ciência mostraram que a ciência é uma construção, e não uma cópia da realidade, como defendem os empiristas, e que tem muito de invenção. Quando se quer explicar como se formam os conhecimentos, deve-se examinar as transformações que ocorrem no interior do indivíduo, quando elabora um conhecimento novo, também a interação com a realidade enfrentada pelo indivíduo e como ele a concebe. Diante das posições inatistas ou empiristas que dominavam seu tempo, Jean Piaget propôs uma explicação alternativa, segundo a qual o conhecimento é resultado da interação do sujeito com a realidade que o cerca. O indivíduo, agindo sobre a realidade, constrói aos poucos suas propriedades, ao mesmo tempo em que constrói sua própria mente. O construtivismo tem como pressuposto básico que o conhecimento se constrói pela interação da experiência sensorial e da razão, indissociáveis uma da outra. O construtivismo piagetiano considera o conhecimento como uma relação dinâmica, na qual o indivíduo sempre aborda a realidade de forma construtiva.

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Piaget explica a interação através de conceitos biológicos de assimilação, acomodação e equilibração. A assimilação é a incorporação de um novo objeto ou conceito ao esquema que o sujeito já possui. A acomodação é a transformação que o organismo sofre para reorganizar os esquemas anteriores, frente ao novo conceito com que se depara, buscando a equilibração. (FRANCO, 1997)

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A adaptação é um equilíbrio entre a assimilação e a acomodação. A assimilação ocorre para que haja as transformações necessárias, tanto do ponto de vista físico, biológico como intelectual. A inteligência é assimilação na medida em que incorpora nos seus quadros todo e qualquer dado da experiência. Quer se trate do pensamento quer graças ao juízo faz ingressar o novo no desconhecido e reduz assim o universo às suas noções próprias, quer se trate da inteligência sensório-motora que estrutura as coisas percebidas, integrando-as nos seus esquemas. (PIAGET, 1979)

Piaget traçou paralelos e analogias entre a biologia e a psicologia, também mostrou que a inteligência é o principal meio de adaptação do ser humano. Com efeito, a vida é uma criação contínua de formas cada vez mais complexas e uma equilibração progressiva entre essas formas e o meio. Dizer que a inteligência é um caso particular de adaptação biológica é, pois, supor que ela é, essencialmente, uma organização e que sua função consiste em estruturar o universo da mesma forma que o organismo estrutura o meio imediato. (PIAGET, 1979)


A inteligência não cria organismos novos, mas constrói mentalmente estruturas suscetíveis de aplicar-se às estruturas do meio. Ela constitui uma atividade organizadora, cujo funcionamento prolonga o da organização biológica e o supera, graças à elaboração de novas estruturas. Para Piaget, o conhecimento é construído na interação do sujeito e objeto e tem início quando o recém-nascido, através de seus reflexos, que fazem parte de sua bagagem hereditária, age assimilando alguma coisa do meio físico ou social. As estruturas não estão pré-formadas dentro do sujeito, são construídas. Piaget dedicou-se a estudar, a partir das estruturas iniciais do recém-nascido, as sucessivas estruturações, discernindo um conjunto de etapas características, chamadas estágios ou níveis de conhecimento. Aos estágios correspondem certas estruturas cognitivas e, em cada uma delas, são constituídos novos esquemas de atividades cognitivas (KESSELRING, 1990). Essa divisão em estágios não é arbitrária, mas corresponde a critérios bem definidos e a idade indicada em cada nível é relativa.

Saiba mais Para saber mais a respeito da teoria genética de Piaget, acesse: <http://stoa. usp.br/podo/files/672/3519/Aula+4+-+A+Teoria+Gen%C3%A9tica+de+Piaget. pdf>. Acesso em: jun.2011.

Aprendizagem, para Piaget, envolve sempre uma atividade inteligente, através da descoberta (abstração empírica) ou invenção (abstração reflexionante). Os interesses espontâneos das crianças refletem com frequência um desequilíbrio e podem constituir fontes de motivação. O construtivismo representa uma postura epistemológica que compreende a origem do conhecimento na interação do sujeito com o objeto.

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Quando um problema desafia a inteligência da criança, ela tem necessidade de agir para restabelecer o equilíbrio. Piaget chama isso de desequilíbrio ou conflito cognitivo. A motivação é o elemento afetivo que impulsiona as estruturas do conhecimento e dá origem a um esforço a ser desenvolvido.

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Saiba mais Epistemologia, ou teoria do conhecimento, é a crítica, estudo ou tratado do conhecimento da ciência, ou ainda, o estudo filosófico da origem, natureza e limites do conhecimento. Pode-se remeter a sua origem a Platão, ao tratar o conhecimento como “crença verdadeira e justificada”. O desafio da epistemologia é responder “o que é” e “como” alcançamos o conhecimento. Os educadores deverão desenvolver estratégias que encorajem o desequilíbrio por meio de métodos ativos, sempre que considerarem o ponto de vista interacionista da motivação para a aprendizagem. É necessária uma reformulação das práticas pedagógicas tradicionais nesse aspecto. Na pedagogia construtivista, o professor acredita que seu aluno é capaz de aprender sempre e a partir do que construiu. “O professor, além de ensinar, passa a aprender; e o aluno, além de aprender, passa a ensinar” (FREIRE apud BECKER, 1994).

Concepções sobre a aquisição do conhecimento e a didática

É muito importante perceber que, para Piaget, a construção do conhecimento deve ser estudada no interior do indivíduo.

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A educação valoriza o processo de transmissão, mas não podemos descuidar das transformações que ocorrem na mente do indivíduo que aprende. Essas transformações podem fazer com que ele não adquira o conhecimento que é transmitido, ou só o adquira parcialmente, ou ainda que o modifique e aprenda algo diferente do que se tentava ensinar, aos seus conhecimentos anteriores. Indicação de leitura: Iris B. Goulart. Piaget: experiências básicas para a utilização pelo professor. Petrópolis: Vozes, 2005.

Quando a criança nasce, dispõe de algumas capacidades inatas que lhe permitem agir sobre o mundo. São atividades reflexas que lhe permitem, por exemplo, sugar ou alimentar-se. Essas capacidades estão muito longe das que alcançará quando chegar à fase adulta. Como é possível um indivíduo fornecer seus conhecimentos a partir de uma base tão exígua?


As capacidades inatas do indivíduo, admitidas por Piaget, incluem conhecimentos inatos sobre como é a realidade? Piaget sustenta que o indivíduo também herda uma forma de funcionamento que compartilha com outros organismos vivos, e que consiste na capacidade de adaptar-se ao meio para organizar suas condutas e a realidade exterior. Vão sendo formados esquemas que lhe permitem agir sobre a realidade de um modo muito mais complexo do que podia fazer com seus reflexos iniciais, e sua conduta vai enriquecendo-se constantemente. Assim, constrói um mundo de objetos e de pessoas onde começa a ser capaz de fazer antecipações sobre o que irá acontecer. (DERVAL, 2001)

O construtivismo contrapõe-se ao inatismo, que coloca o centro da produção no próprio sujeito, e também ao empirismo, que vê a realidade exterior ao sujeito que aprende, como também de todas as suas explicações. O inatismo e o empirismo, embora opostos, têm em comum a passividade do sujeito, enquanto que no interacionismo o sujeito é ativo. No ensino, existe um consenso de que as atividades experimentais são essenciais para a aprendizagem científica, mas essas atividades devem levar o aluno a ter ações eficazes, modificando suas estruturas e, talvez, até criando uma nova estrutura, sempre a partir de um processo de desenvolvimento.

Nessa concepção, a escola por certo supõe uma relação social indispensável, mas apenas entre o professor e os alunos. Sendo o professor o detentor dos conhecimentos exatos e o perito nas técnicas a serem adquiridas, o ideal é a submissão da criança à sua autoridade, e todo contato intelectual das crianças entre si nada mais é que perda de tempo e risco de deformação ou de erros. Atualmente, o professor não é mais o detentor do conhecimento, aquele que sabe tudo e seus alunos são meros receptores do conhecimento. Com a quantidade enorme de informações que estão ao alcance de todos, principalmente na internet, o trabalho isolado do professor já não satisfaz mais. As mudanças de postura e a quebra de paradigmas faz com que o trabalho do professor não seja mais isolado. Com isso, o trabalho em conjunto, cooperativo vem ao encontro das necessidades dos alunos na busca da construção do conhecimento. O professor é o mediador desse conhecimento, mostrando os caminhos para seus alunos

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Por muito tempo, a escola teve por única tarefa transmitir à criança os conhecimentos adquiridos pelas gerações precedentes e exercitá-la nas técnicas especiais do adulto. Povoar a memória e treinar o aluno na ginástica intelectual parecia, pois, serem as únicas tarefas necessárias, já que se concebia a estrutura mental da criança como idêntica à do adulto.

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em conjunto buscarem de forma interativa o saber e a construção de novos saberes. Nesse ambiente, o professor continuará sendo professor, mas um professor mediador e orientador, e não mais o detentor do conhecimento. Quando nos referimos ao construtivismo e à educação, temos alguns cuidados a considerar. O construtivismo é uma posição epistemológica e psicológica e não se trata de uma concepção educacional. Não cabe falarmos de uma educação construtivista nem as explicações construtivistas sobre a formação do conhecimento podem traduzir-se diretamente para o terreno da prática educacional. Enquanto o construtivismo explica como se formam os conhecimentos, a educação é uma prática social que busca preparar indivíduos que possam desenvolver-se e adaptar-se à sociedade em que vivem (DERVAL, 1990). Assista ao vídeo: MACEDO, Lino. Construtivismo e práticas pedagógicas. São Paulo: ATTA Mídia e Educação. DVD.

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Não poderíamos deixar de citar os trabalhos de Vygotsky, que apesar de não considerá-lo construtivista (como muitos o fazem), é um interacionista. Para ele, o sujeito é considerado como um ser eminente e o conhecimento é um produto da interação social e da cultura. A preocupação de Vygotsky está nas relações entre o pensamento verbal e a linguagem.

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Saiba mais Lev Vygotsky Sua obra é hoje a fonte de inspiração do socioconstrutivismo, uma tendência cada vez mais presente no debate educacional. Nascido em 1896, morreu em 1934, aos 37 anos. Em virtude do regime stalinista, sua obra ficou décadas inacessível. Apenas na década de 1960 seus livros chegaram ao ocidente. No trabalho de Vygotsky, um conceito fundamental é a importância da relação e da interação com outras pessoas, como origem dos processos de aprendizagem e desenvolvimento humano.


Segundo Piaget, aquilo que uma criança pode aprender é determinado pelo seu nível de desenvolvimento cognitivo, enquanto que para Vygotsky o desenvolvimento cognitivo é condicionado pela aprendizagem, ou seja, um aluno que tenha mais oportunidade de aprender irá adquirir mais informação e alcançará um desenvolvimento cognitivo melhor (CARRETERO, 1997).

Síntese Vimos, ao longo da presente unidade, como a Didática está relacionada como o processo educativo. Verificamos, também, como é importante para o processo de ensino-aprendizagem que o professor conheça tanto as teorias de aprendizagem como os recursos disponíveis que podem ser aplicados em várias metodologias de ensino. Na prática pedagógica, é fundamental que o professor conheça como ocorre a aprendizagem e tenha clareza de sua posição em relação a ela. Aprendizagem é, por excelência, construção, ação e tomada de consciência da coordenação das ações.

Referências BECKER, Fernando. Ensino e construção de conhecimento: o processo de abstração reflexionante. Educação e Realidade. Porto Alegre, v. 18, jan./jun. 1993.

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Aprendizagem Introdução Nesta unidade iremos tratar da aprendizagem e o seu conteúdo será desenvolvido através dos seguintes temas: o conceito de aprendizagem; os tipos de aprendizagem e de ensino; os estilos de aprendizagem; o conceito de metacognição. O ser humano constantemente se questiona: como se dá a aprendizagem? Como ocorre a construção do conhecimento? Por que é mais fácil aprender algumas coisas que outras? E a cultura da humanidade é importante para a aprendizagem? Muitas vezes, também, questiona-se como os animais aprendem. Será que a aprendizagem deles é genética ou hereditária? Esses questionamentos têm levado à reflexão e à pesquisa, pedagogos, psicólogos e biólogos, quanto aos processos de aprendizagem e também nos seus respectivos objetos de conhecimento (CARRERA, 2011). Na construção das respostas, há contribuições de Ausubel, Piaget e Vygotsky, para ampliar a compreensão sobre a aprendizagem, a cognição e os processos de construção de conhecimentos na sala de aula e também sobre o papel do professor na relação ensino-aprendizagem.

Saiba mais A transmissão genética ocorre quando um indivíduo transfere sua informação a um novo indivíduo ao longo do processo de reprodução. O indivíduo herda as características de seus progenitores.

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Objetivos Espera-se que ao final da unidade você tenha as respostas para tais questões e dessa forma, seja capaz de: elaborar um conceito sobre aprendizagem, relacionando-o aos tipos de aprendizagem; definir em que consiste um estilo de aprendizagem e identificá-lo; elaborar um conceito de metacognição.

O conceito de aprendizagem Pode-se conceituar aprendizagem como “um processo de mudança de comportamento obtido através da experiência construída por fatores emocionais, neurológicos, relacionais e ambientais. Aprender é o resultado da interação entre estruturas mentais e o meio ambiente” (DELVAL, 2001). O ambiente de aprendizagem é muito importante porque é o espaço que extrapola as condições físicas e se concretiza na prática da construção dos conhecimentos e nas relações entre as pessoas. É necessário fazer uma seleção coerente de conteúdos e de procedimentos para poder atingir os objetivos do que se quer ensinar, sempre contextualizando a escola e a vida. É fundamental tratar pedagogicamente a matéria a ser ensinada, pois ela envolve modos universais do conhecimento − reflexão epistemológica − e modos de aprendizagem − reflexão psicológica − e o ensino, considerando as relações entre métodos e conteúdos, que favorecem a aprendizagem do aluno. Cada teoria vai desenhar uma forma de compreensão e, consequentemente, uma atuação em sala de aula e vai dar um entendimento de aprendizagem.

Aprendizagem

A visão construtivista entende que a questão da maturação é importante para o desenvolvimento e para a aprendizagem, e isso vai refletir na prática docente, porque o professor só vai trabalhar algum conteúdo quando suas estruturas estiverem “maduras”.

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A aprendizagem subordina-se ao desenvolvimento e tem impacto sobre ele. Para a concepção behaviorista, os fatores internos não são centrais no processo de desenvolvimento, a aprendizagem vai depender muito do ambiente se este não possuir estrutura, os professores podem dizer “não há condições para desenvolver uma boa aula”.


A aprendizagem é entendida como o processo pelo qual o comportamento é alterado como consequência da experiência.

Saiba mais O behaviorismo foi desenvolvido pelo psicólogo Watson, em 1912, expandiu-se nos EUA por sua aplicação prática, pois define o fator psicológico de modo concreto a partir da noção de comportamento. Os behavioristas entendem o ser humano como sendo uma caixa-preta, considerando a mente e o psiquismo como inacessíveis ao estudo da psicologia. Para eles, o comportamento humano se resume em estímulos e respostas e isso é o que se pode conhecer. O behaviorismo trata do estudo das interações entre o indivíduo e o ambiente, entre suas ações (respostas) e o ambiente (estimulações). Já na visão sociointeracionista, o papel do mediador é fundamental, pois a criança desenvolve-se quando aprende; segundo Vygotsky, “o bom ensino se adianta ao desenvolvimento”. Nessa visão, quanto mais aprendizagem mais desenvolvimento.

Saiba mais A visão sociointeracionista concebe a aprendizagem como um fenômeno que se realiza na interação com o outro. A aprendizagem acontece por meio da internalização, a partir de um processo anterior, de troca, que possui uma dimensão coletiva. Segundo Vygotsky, a aprendizagem deflagra vários processos internos de desenvolvimento mental, que tomam corpo somente quando o sujeito interage com objetos e sujeitos em cooperação. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento. Aprendizagem

Para Paulo Freire, no processo de aprendizagem, só aprende verdadeiramente aquele que se apropria do aprendido, transformando-o em apreendido, reinventando-o; aquele que é capaz de aplicar o apreendido à situação concreta.

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Paulo Freire acreditava que a alfabetização e a educação em sua amplitude, poderiam constituir-se numa ajuda para que os sujeitos tomassem consciência do seu estado no mundo e da realidade da sociedade em que viviam. Tem-se de considerar que, ao longo da humanidade, na evolução das espécies, foi-se acrescentando à transmissão genética uma transmissão cultural, que complementa a genética. Enquanto a genética é transmitida pelo processo de reprodução (genes) provocando mudanças lentas, a transmissão cultural é resultado da aprendizagem e do ensino com mudanças bem mais rápidas. Não só os homens são capazes de transmitir cultura: A pesquisa das culturas animais, bem como todos os estudos sobre etologia cognitiva mostram-nos como as capacidades de aprendizagem e a criação de culturas aparecem em muitas espécies e como se pode falar de um contínuo na capacidade de aprender e ensinar. (DELVAL, 2001)

Muitas espécies de animais aprendem de seus congêneres, mas somente os humanos constituem a única espécie que ensina sistematicamente, intencionalmente. O ser humano faz da educação um dos pilares da sobrevivência da espécie, da vida social; é uma das principais peças de seu sucesso como espécie animal. É devido à educação que o ser humano consegue receber o conhecimento acumulado pela humanidade e transmitir de uma geração a outra. Educação e cultura estão fortemente ligadas são termos interdependentes. Quando se fala em cultura, refere-se ao conjunto de coisas que os seres humanos acumularam que determinam a forma da sociedade, tais como: os conhecimentos, os tipos de relação social, o processo de produção, as formas de organização política, os conflitos, a guerra, os ritos, a religião, as crenças compartilhadas, os costumes, a arte, a música, entre outras coisas. “Toda essa acumulação cultural é possível devido à cooperação entre os indivíduos e ao fato de terem sido desenvolvidas formas de comunicação como a linguagem e a escrita” (DELVAL, 2001, p. 42).

Aprendizagem

O que se denomina educação é o processo de transmissão de conhecimentos, de normas, de valores, de tradições etc., que constitui uma parte importante da atividade social. Como assinalou o sociólogo francês Durkheim, a educação consiste na socialização metódica da geração jovem.

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Émile Durkheim é considerado um dos pais da Sociologia moderna. Foi o fundador da escola francesa de sociologia, que combinava a pesquisa empírica com a teoria sociológica. É amplamente reconhecido como um dos melhores teóricos do conceito da coesão social.


Partindo da afirmação de que “os fatos sociais devem ser tratados como coisas”, forneceu uma definição do normal e do patológico aplicada a cada sociedade, em que o normal seria aquilo que é ao mesmo tempo obrigatório para o indivíduo e superior a ele, o que significa que a sociedade e a consciência coletiva são entidades morais, antes mesmo de terem uma existência tangível. Essa preponderância da sociedade sobre o indivíduo deve permitir a realização deste, desde que consiga integrar-se a essa estrutura. David Ausubel distinguiu duas dimensões da aprendizagem: a primeira diferencia aprendizagem por recepção e aprendizagem por descoberta, e a segunda dimensão distingue aprendizagem mecânica da aprendizagem significativa. Aprendizagem receptiva: o aluno recebe os conteúdos prontos e finalizados, para assimilá-los e reproduzi-los quando necessário. Aprendizagem por descoberta: o aluno deve descobrir e reorganizar o conteúdo apresentado por si mesmo, antes de incorporá-lo à sua estrutura cognitiva prévia, até descobrir os conceitos que posteriormente poderá assimilar. Aprendizagem mecânica: é produzida sem nenhuma compreensão, atividade de aprendizagem de associações arbitrárias. Aprendizagem significativa: quando o material é relacionado com o que já conhece anteriormente, com os seus conhecimentos prévios e que exista uma vontade da pessoa de aprender significativamente. O papel do professor é fundamental no desenvolvimento da aprendizagem significativa, pois precisa favorecer um ensino para a compreensão do aluno, que seja uma mudança de atitude permitindo que os participantes do processo educativo partilhem e relacionem suas experiências pessoais (PORTILHO, 2009). David Paul Ausubel foi um psicólogo americano. Segundo ele, a aprendizagem significativa no processo de ensino necessita fazer algum sentido para o aluno e, nesse processo, a informação deverá interagir e ancorar-se nos conceitos relevantes já existentes na estrutura do aluno.

Quando se pensa em situações de aprendizagem, pode-se ver que existem diversos modos de adquirir conhecimentos, habilidades e competências.

Aprendizagem

Os tipos de aprendizagem e de ensino

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Quando são consideradas as formas de aprendizagem nas distintas espécies animais, observa-se que existem diferentes modos de adquirir conhecimentos. Um animal pode aprender por si mesmo por meio de tentativa e erro, para solucionar um problema, por exemplo, encontrar comida. Os ratos aprendem a percorrer um labirinto para encontrar comida, após uma série de tentativas. Essa aprendizagem é solitária, o indivíduo aprende por si mesmo na relação pessoal com o meio em que vive. A criança, muito pequena, também aprende por tentativa e erro quando começa a explorar o seu ambiente. Ela tenta resolver um determinado problema e, quando não consegue o resultado que busca, tenta novamente, de outras formas, experimentando diversas maneiras até encontrar a adequada. Temos também a aprendizagem por imitação, na qual o indivíduo aprende imitando o outro. Um indivíduo tenta realizar a atividade que está sendo feita por outro. Não estamos nos referindo ao ensino, apenas à imitação da conduta, por exemplo, o canto das aves. Essa forma de aprendizagem é essencial para aqueles que aprendem. Outro exemplo observado é com os chimpanzés, que aprendem a catar piolhos observando os animais adultos e, principalmente, a mãe. E os que não observaram a mãe não conseguem aprender satisfatoriamente. As crianças pequenas, na primeira infância, aprendem por imitação com os adultos. É muito importante a coerência do adulto no tratamento com as crianças. Nunca se deve mentir para a criança, ou mesmo quando não queremos atender alguém por telefone e pedimos a ela para dizer que saímos, ela passará a imitar esse ato. Não mentir para a criança ainda é a melhor maneira de ela não mentir futuramente. Também temos de nos preocupar com o nosso vocabulário, pois a criança nessa fase aprende por imitação. Portanto, não infantilizar a linguagem e nem usar vocabulário incorreto é o melhor para uma aprendizagem efetiva.

Aprendizagem

É preciso falar com a criança normalmente, sem usar diminutivos, pois não devemos falar: “Agora o nenezinho queridinho vai tomar o mamazinho todinho pra ficar bem fortinho!” Precisamos falar normalmente para auxiliá-la a perceber corretamente o sentido das palavras, sua pronúncia, contribuindo no desenvolvimento e na qualidade de sua fala.

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O adulto com o qual a criança se relaciona é um modelo de falante para ela. É importante estar sempre atento quanto à sua qualidade de falante, pois tudo o que sair de sua boca será imitado pela criança, como referência. Na aprendizagem por imitação, a criança tenta realizar a mesma coisa que outro que ela observa no momento da ação ou observou antes. Outro tipo de aprendizagem que ocorre, tanto em primatas superiores como no ser humano, é quando o indivíduo que produz a conduta corrige a imitação do que está tentando aprender. Essa aprendizagem é a imitação com correção.


É uma etapa muito importante, pois representa um grande salto. Por exemplo, a mãe que vigia a cria e não permite que esta se distancie mais do que é devido. Também temos o exemplo do chimpanzé que sobe alto demais em uma árvore e, então, a mãe bate no tronco e o filho desce. Não existe ensino nessa fase, pois não é evidente que quem produz a conduta tenha a intenção de que o outro aprenda. Possivelmente, a mãe que bate no tronco simplesmente tenta evitar o perigo em que se encontra a cria, mas não há a intenção de ensiná-la, pois a capacidade de ensino entre os indivíduos, segundo Bonner (1980), está limitada pela capacidade de comunicação. Outra forma de aprendizagem acontece por meio do ensino intencional. É um avanço o ensino intencional, somente possuído pelo homem, em que um indivíduo é capaz de ensinar a outro, estabelecendo-se uma relação de ensino e aprendizagem. Trata-se de forma mais complexa de aprendizagem, pois envolve intenção, comunicação explícita entre duas ou mais pessoas e o uso de sequência de atividades específica por parte de quem ensina, para favorecer a aprendizagem significativa no aprendiz. O homem transmite intencionalmente a outro um conhecimento, atitude, habilidade ou forma de comportamento, estabelecendo uma relação de ensino e aprendizagem considerando sempre como o outro aprende suas dificuldades e suas capacidades de compreensão, ou seja, leva em conta as estruturas mentais daquele que aprende e também a sua cultura. Para que o ensino seja real, favorecendo uma aprendizagem significativa, deve-se considerar como o indivíduo aprende nos estágios de desenvolvimento. Segundo Piaget, o primeiro estágio é o sensório-motor, a criança trabalha em cima de seus reflexos inatos (sugar, engolir, tossir, agarrar etc.) e aprende a se movimentar e dirige as sensações na construção do objeto. Esse estágio estende-se desde o nascimento até aproximadamente um ano e meio. A inteligência é prática, as noções de tempo e espaço constroem-se mediante ação. Leitura complementar PIAGET, Jean. Seis Estudos de Psicologia. São Paulo: Forense, 1973.

Aprendizagem

O segundo estágio, chamado de inteligência simbólica ou pré-operatória, é quando aparece a função simbólica. A inteligência que se desenvolveu no plano sensório-motor atinge o plano da representação e imaginação, da ação fisicamente não visível. A criança aprende a falar, imaginar, fazer jogos simbólicos e assim por diante. Esse estágio dura até a idade aproximada de 8 anos.

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O estágio das operações concretas começa com o pensamento lógico. O pensamento é estritamente ligado à realidade física. Nesse estágio abrem-se novos horizontes, surge a linguagem escrita, mundo dos números e da lógica. A criança é capaz de realizar operações reversíveis; coordenar as direções espaciais subjetivas em posições diferentes; conversar de maneira não egocêntrica: pôr-se na situação de outrem sem perder de vista a própria perspectiva pessoal; distinguir diferenças, no plano psicológico, existentes entre ela e outra pessoa; constrói uma lógica de classes e de relações independentes dos dados perceptivos. Por volta dos 13 anos a criança inicia o estágio chamado por Piaget de operações formais. O raciocínio, antes concreto, torna-se abstrato. Raciocínio hipotético e dedutivo, que inicia por hipóteses e procede segundo regras lógicas. O indivíduo adquire as operações básicas que tornam possível o pensamento científico, ou seja, será capaz de raciocinar sobre o possível, não somente sobre o real. Em cada estágio ocorre um patamar de equilíbrio e os estágios constituem um processo de equilibrações sucessivas. “A partir do instante em que o equilíbrio é atingido num ponto, a estrutura integra-se num novo equilíbrio em formação até ser alcançado novo equilíbrio, sempre mais estável e de campo sempre mais extenso” (PIAGET, 1973, p. 65).

Os estilos de aprendizagem As pessoas aprendem de diferentes formas, porque têm estilo próprio e pessoal na hora de aprender. Existem muitos estilos de aprendizagem. O ideal é que a pessoa realize experiências enquanto aprende, que reflita sobre elas, elabore hipóteses e aplique tudo o que aprendeu em qualquer outra situação. Podem surgir questionamentos como:

Aprendizagem

Por que as pessoas que vivem em um mesmo ambiente e em uma mesma realidade aprendem diferentemente uma das outras?

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Será que depende da necessidade de cada uma delas frente à aprendizagem que lhes é oferecida?

Autores como Honey e Mumford apontam alguns fatores que influem na aprendizagem e que devem ser considerados na hora da identificação dos estilos predominantes de aprendizagem das pessoas com as quais estamos trabalhando:


o desejo de aprender; as habilidades de aprendizagem; o tipo de trabalho que o indivíduo realiza; o clima da organização; a análise das necessidades de aprendizagem; as oportunidades de aprendizagem; a natureza da aprendizagem; a atitude emocional diante do risco frente a problemas novos. Peter Honey, um grande estudioso inglês sobre os estilos de aprendizagem, diz que as pessoas aprendem segundo quatro estilos: ativo, reflexivo, teórico e pragmático. Estilo ativo: pessoas que se destacam por sua vivacidade, mente aberta e gosto por novas experiências e oportunidades. Gostam de competir em equipe e resolver problemas, de aprender fazendo, dirigir debates e reuniões. Suas características mais presentes são criatividade, animação, inovação, improvisação, risco, renovação, espontaneidade, liderança e participação. Estilo reflexivo: pessoas que utilizam a observação e a análise antes de chegarem a alguma conclusão, preferem escutar mais, valorizando todas as possibilidades da situação, para depois agir. Suas características mais presentes são: observação, ponderação, receptividade, análise, cuidado, detalhamento, paciência, argumentação, investigação e assimilação. Estilo teórico: pessoas que se sentem estimuladas quando podem questionar e participar de situações complexas e estruturadas; buscam a racionalidade, a objetividade e a lógica, assim como a análise e a síntese. Suas características mais presentes são estruturação, ordem, objetividade, planejamento, disciplina, crítica, sistematização, uso da lógica e generalista. Estilo pragmático: pessoas que aprendem melhor quando conseguem entender que uso farão daquele conhecimento no dia a dia. Tendem a colocar em prática as ideias, só podem aplicar o que aprenderam. Suas características mais presentes são técnica, experimentação, praticidade, eficácia, utilidade, realismo, rapidez, decisão, planejamento, atualização e organização. Aprendizagem

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Exercite! Veja qual é o seu estilo e aprendizagem, acesse o site indicado a seguir e faça o seu teste: <http://lantec.fae.unicamp.br/questionario/>. Acesso em: ago. 2011. Para Portilho (2009), a questão não é identificar e seguir um caminho apenas, mas estar consciente das próprias características e procurar ampliar paulatinamente as estratégias para desenvolver de maneira semelhante todos os estilos de aprendizagem. A escola tem papel central nesse processo, porque uma das características de um processo pedagógico rico é a utilização de múltiplas rotas para a educação. Aulas expositivas não são, nem de longe, a única forma de ensinar. É preciso trabalhar com várias propostas didáticas para atender os diferentes estilos de aprendizagem: pesquisa de campo, experiências científicas, uso de jogos, recursos tecnológicos, ou de diferentes mídias para apresentar o conteúdo, leituras, produção coletiva, debates, seminários e projetos em que o aluno seja o protagonista, entre outros. Há a necessidade olhar constantemente para nós mesmos, como aprendentes, revisar nossas estratégias e estilos utilizados, avaliando os resultados e o processo de aprendizagem.

O conceito de metacognição O ensino deve estimular a pessoa a parar, refletir sobre a sua própria maneira de ser, pensar, agir e interagir e, se necessário, melhorar a sua aprendizagem.

Aprendizagem

Como desenvolver no aluno o gosto pelo aprender?

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Como fazer com que busque ampliar os seus conhecimentos?


Atualmente, fala-se muito que uma das metas do processo de ensino e aprendizagem é estimular o aluno a ser autônomo, isto é, sujeito do seu próprio aprender. Será possível ensinar o aluno a ser autônomo? Segundo Portilho (2009), a metacognição tem seu início na literatura no começo da década de 1970, sendo Flavell um dos precursores. Ele define: A metacognição refere-se ao conhecimento que alguém tem sobre os próprios processos e produtos cognitivos ou qualquer outro assunto relacionado a eles, por exemplo, as propriedades da informação relevantes para a aprendizagem. Pratico a metacognição (metamemória, metaaprendizagem, meta-atenção, metalinguagem etc.) quando me dou conta de que tenho mais dificuldade em aprender A que B; quando compreendo que devo verificar pela segunda vez C antes de aceitá-lo como um fato. (FLAVELL, 1976 apud PORTILHO, 2009)

Já Nickerson, Perkins e Smith (1994) ressaltaram que a metacognição é o conhecimento sobre o conhecimento e o saber, incluindo o conhecimento das capacidades e das limitações dos processos do pensamento humano. Esse conhecimento inclui a capacidade de planejar e regular o emprego eficaz dos próprios recursos cognitivos. Para desenvolver estratégias de metacognição, precisamos de um planejamento, controle e avaliação, pois é uma atividade consciente e intencional por parte do sujeito, sobre o que e como ele encaminha os procedimentos para conseguir uma determinada meta. É preciso um planejamento das estratégias mais adequadas na hora da resolução de um problema, da supervisão ou da regulação do uso que a pessoa faz dessas estratégias para atingir as metas estabelecidas e da avaliação dos resultados que obteve. É importante salientar que, para que a aprendizagem aconteça, é necessário ativar a atenção, lembrando que sua manutenção depende do próprio sucesso das atividades de aprendizagem. Quando o professor apresenta materiais interessantes na sua forma e conteúdo, fazendo a seleção das informações mais relevantes, estará atraindo a atenção dos alunos, ativando neles a motivação, requisito necessário para a atenção. A apresentação de algo novo sempre será bem recebida pelos alunos, principalmente porque rompe com a rotina e a monotonia didática. Aprendizagem

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Saiba mais Querendo saber mais a respeito de metacognição e como inseri-la em nossas práticas pessoais e pedagógicas leia o livro: PORTILHO, Evelise. Como se aprende? Rio de Janeiro: WAR, 2009. Ou acesse o site: <http://metacognicao.com.br/>. Acesso em: ago. 2011.

Síntese As pesquisas e estudos sobre a aprendizagem avançam cada dia mais, pois é um tema que tem inúmeras conexões nas mais diversas áreas. Assim, seu estudo não se encerra aqui. Tal tema será abordado em várias disciplinas ao longo do curso de Pedagogia sob diferentes aspectos. Nessa abordagem inicial, é fundamental que você tenha elaborado um conceito de aprendizagem e consiga relacioná-lo aos mais diversos tipos e estilos e, principalmente, como transpor tais conceitos para a prática docente no cotidiano escolar.

Referências DELVEL, Juan. Aprender na Vida e Aprender na Escola. Porto Alegre: Artmed, 2001. FUNDAÇÃO VICTOR CIVITA. Ofício de Professor: aprender mais para ensinar melhor. São Paulo: Abril, 2002. PIAGET, Jean. Seis Estudos de Psicologia. São Paulo: Forense, 1973. ______. O Juízo Moral na Criança. São Paulo: Summus, 2003.

Aprendizagem

PORTILHO, Evelise. Como se Aprende? Rio de Janeiro: WAK, 2009.

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Construção do conhecimento Introdução Tornar a ação em sala de aula um trabalho no qual o aluno constrói o próprio conhecimento não é tarefa que possa ser deixada a cargo de um livro ou somente ao próprio aluno. É preciso considerar que o conhecimento não é transmitido de uma pessoa para outra, mas construído por meio da atuação do próprio indivíduo sobre o que deve ser conhecido. Essa atuação consiste em observar, explorar, pesquisar, comparar, relacionar, discriminar, levantar hipóteses, concluir e posicionar-se. É necessário considerar o que o aluno já vivenciou e já conhece sobre determinado conteúdo, estabelecendo metas que resultem em uma ampliação de seu conhecimento inicial. É a respeito de tais questões que trata esta unidade: a construção do conhecimento, e para tal vamos considerar os seguintes tópicos: a sala de aula como espaço de construção do conhecimento; a organização do trabalho docente no espaço escolar; o desenvolvimento docente, a cultura do pensar em sala de aula.

Objetivos Espera-se que você, ao concluir os estudos desta unidade, seja capaz de: identificar como tornar a sala de aula um importante espaço de construção do conhecimento; organizar e propor atividades significativas em sala de aula que atendam aos mais diversos estilos de aprendizagem; buscar alternativas como forma de desenvolver o pensar em sala de aula.

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A sala de aula como espaço de construção de conhecimento Sala! Sala de aula! Compartimento onde se recebe alguém. Sala de aula, pública ou privada, disposição universal de cadeiras, de preferência enfileiradas, Alunos de preferência estáticos, professor fonte de todo saber. Imagens como essa são de um passado que não existe mais, passam pela nossa memória. Mudanças são necessárias, o que nos impede? Ficamos acomodados? Temos medo do novo? Quem ensina e quem aprende? O que se fecha e o que se abre? Processo de conhecimento: onde estão as fronteiras? Sala de aula é mais que carteiras enfileiradas, mais do que alunos estáticos. Ela pode estar aqui e em todo lugar, tem cheiro, sabor, possui várias histórias. Na sala de aula passa a vida com nossas emoções, amores, curiosidades, dúvidas, conflitos, nossas respostas. Na sala de aula, passam os nossos amigos, parceiros, o outro sem o qual não existíamos. Hoje, amanhã, nunca para de se transformar, assim como eu, nós, a vida real.

Construção do conhecimento

Sala de aula é um espaço de construção das habilidades, conhecimentos e atitudes, espaço de formação das relações, de fortalecer os nossos valores. Parece um tema totalmente explorado, um daqueles assuntos dos quais mais nada se pode tirar.

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Morais (1986, p. 7), no prefácio do livro organizado por ele sobre sala de aula assim se expressa: A sala de aula: eis uma realidade que contém muitas realidades. Talvez esteja enganando aqueles que imaginam estar claro para os educadores e professores o sentido dessa coisa com a qual lidam todos os dias – a sala de aula. Esta pode ser pensada em termos do que é, bem como em termos do que deve ser. Espaço político portador de uma história? Espaço mágico de encontros humanos? Lugar no qual tantos escamoteiam com belas palavras os duros conflitos vividos por um tempo? Espaço no qual se cumpre o jogo sutil das seduções afetivas ou endoutrinadoras? Ou muitas dessas coisas juntas? Enfim: que lugar é esse, a sala de aula? Desde a concepção formal que o aponta como “local eleito pela civilização para transmissão do saber”, até a concepção anarquista que o vê como um “picadeiro privilegiado pela sociedade” – quem sabe fosse bom discutir todos esses matizes de sentido? Senão todos, muitos que nos fossem possíveis.”


Percebe-se que a sala de aula é: Espaço de convivência – pois existe uma integração com a realidade, que favorece e estimula a presença, a discussão, o estudo, a pesquisa, o debate entre os alunos; Espaço de convivência humana – de respeito ao aluno, do diálogo, da abertura à crítica, do aprender a conviver e aprender a ser; Espaço de vivência – aberto cheio de realidade num movimento de mão dupla; recebendo e trabalhando com a realidade e desenvolvendo-a com o conhecimento e a ciência. Há uma troca constante entre alunos, professor e o conhecimento historicamente acumulado; Espaço de vida – uma vez que o aluno percebe que suas aulas permitem a ele estudar, discutir e encontrar caminhos e/ou encaminhamentos para problemas na sua vida real e na vida do seu grupo. Permitem aplicações práticas relacionadas com os conhecimentos prévios, com as experiências e com as necessidades dos alunos. Como vida, a sala de aula tenderá a conviver com a complexidade própria da realidade, trabalhará com sentimentos e atitudes, além de habilidades e conhecimentos.

Saiba mais Para saber mais a respeito dos quatro pilares da educação, acesse: <http://4pilares.net/text-cont/delors-pilares.htm>. Acesso em: ago. 2011.

Vídeos Não deixe de assistir ao vídeo: Autonomia, no qual são expostas as ideias da educadora Constance Kami. Produzido pela ATTA Mídia e Educação.

Construção do conhecimento

Essa aprendizagem com os outros, a integração do grupo/classe, deve ser muito valorizada pelo aluno e pelo professor, pois é um facilitador da aprendizagem para os alunos. Essa visão heterogênica do grupo/classe possibilita uma melhor aprendizagem, pois o aluno aprende as diferentes visões de mundo, de vida, uma aprendizagem horizontal, não apenas individual e vertical na relação entre o aluno e o professor. Como visto na unidade anterior, é muito importante estimular os alunos a se tornarem independentes, visando a uma autonomia intelectual neles.

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É preciso organizar e conduzir o ensino, visando à autonomia intelectual dos alunos, desenvolvendo capacidades e iniciativas para buscar fontes de informação, para pesquisar em diferentes fontes midiáticas, confrontar textos e autores, ler artigos e pesquisas para que o aluno torne-se autônomo, não ficando na dependência do professor. Os alunos, quando saem da universidade, levam muitas lembranças de seus professores e sempre se recordam dos que tiveram maior convivência, recordamse daquele professor que tinha diálogo, respeito ao aluno, ensinava a pensar, a pesquisar, tinha paixão pela docência, amizade, aspectos do processo de ensino-aprendizagem. A sala de aula, como espaço de relações pedagógicas, de construção do conhecimento, espaço específico de ensino-aprendizagem, de saberes, procedimentos e atitudes. Espaço dinâmico vivo, inovador, real e desafiador, de surgimento de novas mediações quando as contradições se apresentam. A mudança na sala de aula ocorre com a mudança da postura do professor, deixa de ser o dono do saber para ser o mediador na relação da aprendizagem dos alunos, fortalecendo o trabalho em equipe, um trabalho de troca, integração e socialização. Espaço onde se constrói o conhecimento com a colaboração de todos e se buscam respostas para os problemas do meio onde vivemos, uma sala de aula como um espaço de ação, de reflexão, de muita participação, com respeito mútuo entre alunos e professor, onde existe espaço para que a teoria e a prática se integrem, exista o uso da tecnologia educacional enquanto ferramenta para aprendizagem. Quando a criança vai para a escola, leva com ela todos os seus sonhos, fantasias, curiosidades e necessidades. Já tem muitas ideias prévias sobre os diferentes conhecimentos, muitas experiências, descobertas e valores. O professor precisa levar em conta tudo o que cada criança traz para a escola e sempre considerar cada aluno como único, não o tratando como mais um.

Construção do conhecimento

Vale a pena ler o seguinte livro:

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TONUCCI, Francesco. Com Olhos de Criança. Porto Alegre: Artmed, 2003. O trabalho na sala de aula poderá beneficiar-se do caráter lúdico como forma de abordagem, sem perder a sua relação pedagógica. Existe espaço para a manifestação do lúdico no dia a dia, não apenas nas datas estabelecidas pelos calendários escolares.


Porém não se considera a instrumentalização do jogo, em uma perspectiva de buscar eficiência, através de formas amenas de transmissão de conteúdos necessários para o bom desempenho de aprendizagens específicas. É necessário valorizar é a sala de aula como ponto de troca de aprendizagem, o seu valor pedagógico. As pesquisas de Piaget demonstram que isso é importante para o desenvolvimento do pensamento lógico, da autonomia moral e da linguagem socializada. Reflexão Quais as oportunidades de vivência lúdica que os educadores têm no seu cotidiano? Será que a sala de aula não pode ser um espaço para a sua própria vivência pessoal com mais sabor?

A organização do trabalho docente no espaço escolar O papel do professor nas relações de sala de aula pode estabelecer um paralelo entre a sua atuação e o processo de produção da sociedade global. Não se trata de considerar a escola como instrumento de reprodução ou como um dos seus agentes. Freitag (1984) afirma que: [...] não são tantos os conteúdos curriculares oficialmente transmitidos pela escola, e sim o convívio com os pares que se torna o fator decisivo para explicar a influência extremamente favorável da escola sobre o desenvolvimento das estruturas de consciência de crianças das mais diferentes classes sociais.

A atuação do educador não envolve apenas a dimensão técnica, mas também o compromisso político. Nesse aspecto, é importante valorizar o processo de aprendizagem e não somente o produto final. É fundamental o professor acompanhar o desenvolvimento da aprendizagem do aluno, saber como foi o seu processo de aprendizagem, quais as dificuldades que apresentou, como chegou ao produto final.

Construção do conhecimento

É na sala de aula, no contato direto com os alunos, que o educador tem uma atuação privilegiada, mas, como todo o espaço, esse também é um espaço histórico e político e, portanto, com atuação limitada.

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O professor, como educador, deve trabalhar com uma prática reflexiva, buscar o conhecer é praticar a vida, exercê-la, perpassando os sentidos, os pensamentos e os afetos, como afirma Freire (1995). Algumas atividades ocorrem no espaço pedagógico, na relação com os alunos, são rotinas como fruto de procuras e experiências; são também descobertas, conquistas, onde o espaço vai sendo colorido e povoado. Espaço como retrato da relação pedagógica, onde o conviver vai sendo registrado, marcando as descobertas, o crescimento da turma, as dúvidas dos alunos. É um espaço concreto através de sua arrumação (mobiliário), organização (dos materiais) e a maneira de viver a relação. A relação pedagógica pode ser concebida pelo professor que instrumentaliza a busca do conhecimento própria a seus alunos, busca atividades significativas, cheias de interesse e curiosidade em conhecer e aprender; o educador que interage todo o tempo nessa construção do processo de conhecimento, aprendendo ao mesmo tempo em que ensina, e ensina ao mesmo tempo em que aprende. O desafio é proporcionar atividades que satisfaçam a sede de conhecimento e, ao mesmo tempo, desenvolvam a capacidade de conhecimento crítico. Estamos nos referindo ao ensino para a compreensão, a cultura do pensar em sala de aula. A ideia de que aquilo que os alunos aprendem precisa ser internalizado e pode ser usado em outras situações dentro ou fora da sala de aula, servindo de base para um aprendizado contínuo e prolongado, sempre cheio de possibilidades. Professores, segundo Wiske (2007), trabalham para compartilhar autoridade com os alunos e para criar uma comunidade de aprendizes. Processo gradual que se constrói sobre confiança e respeito mútuo cultivado ao longo do tempo.

Construção do conhecimento

O professor precisa trabalhar no desenvolvimento de um currículo nada linear, mas que estimule, por exemplo, o uso de jornais, revistas e saídas para estudo do meio, como uma base para estudar história e geografia locais, e introduzir recursos concretos para o ensino da matemática, para que a aprendizagem dos alunos seja significativa, profunda e aplicável fora da escola.

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Todo conhecimento deve ser ensinado com significado, em um contexto, relacionado com o mundo real, nada isolado. O interesse do aluno também precisa ser considerado. Os professores devem incorporar ao currículo a situação única de sua escola, o clima de sua sala de aula, a disposição e o grau de preparação de seus alunos, as exigências das avaliações institucionais, como Saeb ou Saresp (mencionadas na Unidade 5), e a sua própria compreensão e experiência.


Assistir ao filme: Nenhum a Menos. Direção: Zhang Yimou. China, 1999, 106 minutos. Elenco: Wei Minzhi, Zhang Huike, Tian Zhenda, Gao Enman, Sun Zhimei. Na unidade anterior, afirmou-se que existem estilos de aprendizagem distintos e um aluno pode apresentar maior facilidade em aprender quando o professor leva em consideração esse aspecto. Em muitas aulas de química ou de matemática, por exemplo, os alunos não compreendem porque o professor não favorece um ensino respeitando os estilos de aprendizagem dos alunos. Ensinam de uma mesma maneira, considerando que todos os alunos aprendem da mesma forma. Reflexão Como fazer para que o professor perceba a necessidade de trabalhar de várias formas, considerando os estilos de aprendizagem dos seus alunos, que todos os alunos têm diferentes modos de aprender? Por que temos alunos que são excelentes em determinadas matérias, mas apresentam dificuldades em outras? É preciso trabalhar com soluções de ensino customizadas, ou seja, respeitando os diferentes estilos e ritmos de aprendizagem dos alunos. Temos clareza que existem diferentes tipos de inteligência e que as pessoas aprendem de maneiras diferentes. Glossário Customização tem o sentido de adaptar os produtos e processos ao gosto do cliente, portanto é o atendimento que visa à satisfação do freguês.

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Howard Gardner, psicólogo americano, é o responsável por definir a existência de muitos tipos de inteligência. Em 1980, ele lançou a teoria das inteligências múltiplas definindo inteligência como a capacidade de:

Construção do conhecimento

A origem da palavra está no inglês customer, que significa “cliente” – não tem nada a ver com “costume”, como pode parecer à primeira vista ao falante de português.

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resolver problemas que a pessoa enfrenta na vida real; gerar novos problemas a serem resolvidos; fazer alguma coisa ou oferecer um serviço que tenha valor no âmbito da cultura da pessoa. Sua pesquisa apresenta oito inteligências: linguística, lógico-matemática, espacial, corporal-sinestésica, musical, interpessoal, intrapessoal e naturalista. Mostra também que a maioria das pessoas tem alguma capacidade em cada uma das oito inteligências, muitas se destacam em apenas duas ou três dessas categorias. Em cada tipo de inteligência, existem diferentes estilos de aprendizagem. Assim, podemos concluir que é necessário considerar que todos os estudantes têm diferentes tipos de inteligência, estilos de aprender, ritmos diferenciados, daí a necessidade de o professor ensinar de maneira diferente.

O desenvolvimento docente, a cultura do pensar em sala de aula Ensino para a Compreensão O que significa saber pensar? Pode-se ensinar a pensar? Como fazê-lo? O Ensino para a Compreensão (EpC), enfoque didático desenvolvido pelo Projeto Zero, da Escola de Educação da Universidade de Harvard, liderado por David Perkin, responde a essas indagações.

Construção do conhecimento

Poder pensar significa ser capaz de estabelecer relações entre conceitos, e para isso é necessário estabelecer uma profunda compreensão de cada um deles.

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De que maneira vamos ensinar os estudantes de modo que eles realmente compreendam? Veja uma entrevista de Gardner à revista Pátio, quando fala das inteligências Múltiplas e do Projeto Zero. Disponível em: <www.abrae.com.br/entrevistas/entr_gar.htm>. Acesso em: ago. 2011.


Segundo Pogré (2006), compreender é muito mais do que aprender. É uma forma especial de adquirir conhecimentos que potencializa o crescimento pessoal. Compreender é pensar e atuar com flexibilidade. O conhecimento e habilidade são traduzidos como informação e desempenho de rotina à disposição. Já a compreensão foge a esses padrões simples. Ela é definida, como já mencionado, como capacidade de desempenho flexível. Para ensinar a pensar, é necessária uma proposta pedagógica na qual o aluno constrói ativamente a compreensão do mundo, é capaz de raciocinar e apreender o sentido por si mesmo e em interação com outros. O conhecimento é entendido como um produto cultural que deve ser compreendido em seu contexto e que pode ser aprendido sob diferentes modalidades de inteligência. O aluno é capaz de refletir, de pensar sobre seus processos de pensamento, sobre a sua aprendizagem. O EpC pressupõe que o aluno compreenda conceitos, temas e ideias, habilitando-o a utilizar esse conhecimento em outras situações, refletindo sobre o seu próprio processo de aprendizagem. Um exemplo de Perkins: o estudante conhece as leis de Newton quando as aplica em um exercício; compreende-as quando sabe aplicá-las em outro contexto – como em um jogo de futebol, constrói novos conhecimentos a partir desses conceitos, reelabora explicações em níveis diferentes. A compreensão não é um modelo mental estático: implica em aquisição do conhecimento, interiorização e aplicação em novas situações. O EpC oferece algumas ferramentas para auxiliar o aluno na reflexão, como a matriz de critérios e o portfólio.

Portfólio

Em um trabalho desenvolvido nos anos iniciais do Ensino Fundamental, usamos o portfólio como um dos instrumentos mais adequados para realizar parte do processo de avaliação do aprendizado do aluno. Nesses anos, o foco está no processo de alfabetização, onde o aluno participa do processo de forma reflexiva, realizando desempenhos de compreensão frente aos conceitos trabalhados.

Construção do conhecimento

Definimos portfólio como uma coleção completa de trabalhos que tenham significado para o aluno, realizada por um período, em um processo de reflexão de cada atividade, visando à autoavaliação. Ele avalia o que o aluno está compreendendo e os alunos são responsáveis pelo seu trabalho. Ele mostra a evolução do aprendizado do aluno.

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Saiba mais O portfólio pode incluir materiais escritos (redações, relatórios, rascunhos, projetos, notas), fitas de vídeo ou CD (apresentações, performances), fotografias (fotos do processo e do resultado final), mapas, desenhos, esboços e pinturas, trabalhos de alta e baixa qualidade. Para saber mais sobre o uso o portfólio da educação, leia o artigo ”Reflexão: um caminho para a construção da competência.” Disponível em: <www2.pucpr.br/reol/ index.php/DIALOGO?dd1=567&dd99=view>. Acesso em: ago. 2011.

O trabalho arquivado no portfólio deve demonstrar algumas formas de compreensão da aprendizagem do aluno. O sistema de portfólio é composto de quatro elementos essenciais: conteúdo, organização do tempo, estrutura e envolvimento do aluno. O sistema de portfólio oferece a oportunidade de desenvolver tarefas mais completas, que permitem o erro (tentativas e falhas), refletindo de forma a ter tempo para a correção, solução de problemas e mudanças de direção. Contempla a reflexão e revisão do aluno sobre o processo. A estrutura do portfólio favorece a interpretação e análise do processo de aprendizagem e estabelece a sua intenção, distinguindo do dossiê. Glossário

Construção do conhecimento

Dossiê: coleção de trabalhos realizados com o objetivo de arquivá-los para uma demonstração.

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Sua estrutura contempla: Introdução – mostra ao leitor o que encontrará no material. Descrição breve das tarefas. Marcação com etiquetas, distinguindo as soluções iniciais do relatório final. Data em todas as atividades que forem acrescentadas no portfólio.


Revisão que inclua reflexão do aluno, autoavaliação, comentários do professor e dos colegas que podem dar informações sobre as expectativas, a base e atmosfera crítica aos projetos trabalhados. A organização do portfólio está interligada à forma de ensinar do professor, a proposta pedagógica da escola e às expectativas da comunidade. Envolve a coleta e organização dos trabalhos, revisão e relato dos resultados. Importante salientar que o portfólio só é um instrumento de avaliação quando alguém o lê. É fundamental apresentá-lo não só ao professor, mas também aos pais e expertises no assunto tratado no portfólio. O envolvimento do aluno se dá de várias formas: selecionando os trabalhos, junto com o professor; envolvendo-se no processo de avaliação, que pode ocorrer em dupla e por escrito, onde se deixa claro os motivos do sucesso e do insucesso de seu aprendizado e as possibilidades de aprimoramento; expressando-se sobre o seu aprendizado, suas relações, selecionando e criticando o seu trabalho e revendo os seus avanços. O professor deve esclarecer ao aluno a intenção do portfólio e compartilhar com ele a responsabilidade sobre o processo de avaliação.

Matriz de critérios As matrizes são utilizadas para descrever vários níveis de qualidade de determinado trabalho, do excelente ao fraco, com o objetivo de propor aos estudantes uma devolutiva dos seus trabalhos, quanto aos avanços, dificuldades e também contribuições para melhorar o seu trabalho final.

Textos de referência são apresentados para que o aluno perceba o que significa uma narrativa excelente, quais são os critérios do texto narrativo. O aluno é capaz de analisar e refletir sobre seus textos com o professor, e perceber o que precisa ser melhorado em sua produção, o que melhorou em relação ao texto anterior, o que contribuiu para esse aprendizado.

Construção do conhecimento

O trabalho com as matrizes favorece a clareza dos objetivos de compreensão, ou seja, aquilo que se quer que o aluno saiba ao final do processo. Como exemplo, podemos esclarecer que a matriz entra no portfólio “Construção do texto narrativo”, considerando os critérios de uma produção excelente, boa, regular e fraca.

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Querendo aprofundar o estudo de matrizes leia: POGRÉ, Paula. O Ensino para a Compreensão: importância da reflexão e da ação no processo de ensino-aprendizagem. Vila Velha: Hoper, 2006

Aprender e ensinar: o que e como? Atualmente, as mudanças que necessitamos nas escolas implicam em repensar os objetivos, os conteúdos e os critérios de avaliação. É muito mais do que uma rediscussão dos métodos trabalhados. O desafio para as escolas e para os docentes é uma reflexão sobre o próprio ensino: O que realmente queremos que nossos alunos compreendam? O que vale a pena o aluno compreender? Como o professor vai elaborar as estratégias para que os alunos compreendam? Como vai avaliar o processo de aprendizagem? Como eles (alunos) vão saber que compreendem o que apenderam? No EpC (Ensino para a Compreensão), não se trata de adquirir um conhecimento específico apenas, mas sim de saber o que fazer com ele, como, até onde e por que, tudo isso de uma maneira autônoma, que satisfaça o indivíduo. Ele tem um compromisso básico com a metacognição, processo de pensar sobre a própria aprendizagem que se produz por meio de um ato reflexivo e intencional.

Construção do conhecimento

O aluno é protagonista do processo ensino-aprendizagem. No EpC, os educadores precisam readequar suas práticas a partir das luzes lançadas sobre a gênese do conhecimento. As crianças não “recebem conhecimentos” em pacotes, mas aprendem a partir de suas próprias hipóteses, sucessivamente desestabilizadas e reformuladas.

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Síntese A construção do conhecimento, por parte do aluno, inclui várias etapas, culminando com o “saber o que, saber como, saber por que, saber para que”. Ao obter respostas a essas etapas do saber, o aluno estabelece elos necessários para o fio condutor do conhecimento, em relação ao processo de aprendizagem. Ao estabelecer elos,


o aluno, como sujeito em ação, garante momentos construídos de forma dinâmica e global dentro de um processo de pensamento, apossando-se do significado da realidade concreta e mobilizando-se para o processo pessoal de aprendizagem. O professor precisa acreditar no poder da informação como forma de ampliar e sistematizar o que o aluno já conhece, buscando a construção do conhecimento científico; trabalhar sempre com desafios que permitam ao aluno ir além do que sabe, fazendo-o buscar soluções que superem sempre as já conhecidas; oferecer ao aluno oportunidades de respostas, caminhos e soluções variadas e criativas, estabelecendo entre eles a troca das muitas possibilidades do pensamento.

Referências CHRISTENSEN, Clayton. Inovação em Sala de Aula: como a inovação de ruptura muda a forma de aprender. Porto Alegre: Bookman, 2009. FREIRE, Madalena. A Paixão de Conhecer o Mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. FREITAG, Bárbara. Sociedade e Consciência: um estudo piagetiano na favela e na escola. São Paulo: Cortez, 1984. GARDNER, Howard; KORNHABER, Mindy L.; WAKE, Warren K. Inteligências: múltiplas perspectivas. Porto Alegre: Artmed, 1998. MORAIS, Regis de (Org.) Sala de Aula, que Espaço É esse? Campinas: Papirus, 1986. POGRÉ, Paula. O Ensino para a Compreensão: importância da reflexão e da ação no processo de ensino-aprendizagem. Vila Velha: Hoper, 2006. TONUCCI, Francesco. Com Olhos de Criança. Porto Alegre: Artmed, 2003. WISKE, Martha S. Ensino para a Compreensão a Pesquisa na Prática. Porto Alegre: Artmed, 2007.

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Autoridade de professor Introdução Na presente unidade, vamos tratar dos seguintes pontos: o papel do professor no processo de mudança; a disciplina do aluno e a autoridade do professor; a autonomia moral e intelectual. Eles referem-se à autoridade do professor. Essa questão é o ponto de partida para uma reflexão sobre a relação entre professor e aluno, sendo o primeiro reconhecido como referência não só para a busca do conhecimento, mas também para a seleção de condutas social e moral. O professor não só desenvolve estruturas de pensamento, mas também amplia a possibilidade de o aluno perceber as transformações no mundo, olhar o mundo e entender as relações que o ser humano estabelece em seu meio social e cultural.

Objetivos Ao desenvolver tais conteúdos, espera-se que você seja capaz de: identificar o papel do professor como elemento fundamental no processo de mudança; estabelecer relações entre a disciplina do aluno e a autoridade do professor, diferenciando autoridade de autoritarismo; perceber como se constrói a autonomia moral e intelectual da criança.

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O papel do professor no processo de mudança Nas últimas décadas, a sociedade mudou, surgindo novos padrões de comportamento, modelos de família e papéis de cada um. Família e escola compõem essa sociedade, onde há falta de valores morais e éticos. As condutas, porém, são muitas vezes incoerentes com o que se acredita. Os valores materiais estão sempre presentes e muitas vezes como prioridade de vida. A multiplicidade de cultura, a abertura ao mundo por causa da internet, se por um lado é muito positivo, por outro traz grande insegurança e desequilíbrio emocional. Juntamente com essas mudanças, surgiram questionamentos por parte das famílias, da escola e das pessoas de um modo geral: Por que a criança de hoje não tem limites? Por que é mais desrespeitosa que a do passado? Por que os adolescentes e adultos também têm dificuldade em respeitar limites já há algum tempo? A indisciplina instala-se de forma menos intensa e mais controlável nas crianças, mas em um crescimento rápido que nos perguntamos frequentemente onde vamos parar, como e para que estamos educando nossas crianças e adolescentes? A ausência de limites ocorre em diferentes momentos da vida e em todas as camadas sociais. Tem-se acompanhado algumas ações pela imprensa que causaram manifestações de indignação e revolta, como crimes bárbaros: o caso do índio Galdino, queimado enquanto dormia na rua, a empregada doméstica espancada quando esperava o ônibus para trabalhar, e tantos outros.

Autoridade de professor

Essas pessoas foram violentamente atacadas por grupos de adolescentes pertencentes a famílias bem-estruturadas (aparentemente), de classe social média ou alta, e eram estudantes de escolas tradicionais do país.

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O que mais gerou indignação foi os agressores justificarem seus atos dizendo “pensávamos que era um mendigo”, “pensávamos que era uma prostituta”, não considerando como cidadãos essas pessoas, não precisando respeitá-los, praticando esses atos sórdidos. Surgem, então, outros questionamentos:


Será que em algum momento esses jovens foram ensinados que mendigos e prostitutas não precisam ser respeitados? Não são cidadãos como eles? Será que a falta de noção de moral e ética dos jovens surgiu na adolescência ou na infância já demonstravam tal dificuldade? Será que aprenderam na família regras claras de respeito e ética? Vários fatos históricos contribuem para a dificuldade que os pais têm para estabelecer limites a seus filhos. A forma como foram educados é um deles, com muita repressão, sem diálogo e muitas regras rígidas, traumáticas e negativas. Muitos lares são sustentados pelas mães. Os pais mais ausentes tentam compensar a ausência dando toda liberdade a seus filhos quando estão juntos, sem contar que se sentem inseguros e têm receio de perder o amor deles. Surge então, a culpa, a insegurança e a associação errônea de educação com repressão ou compensação. É fundamental dar limites, concordando com Tiba (2003): “Quem ama, educa”. Dando limites estamos dando referência de afetos. É forma de amor e demonstração de que o aluno é importante e diga até aonde pode ir. Segundo Furtado (2009, p. 39), “limites são regras, combinações, atitudes que determinam aquilo que se pode ou não fazer, incluindo o reconhecimento de que nossos atos têm consequências”. Os pais e responsáveis precisam sempre estabelecer limites, regras, pois pressupõem autoridade. Também devem passar aos filhos os conceitos, os valores, as regras de forma clara e objetiva, e seu cumprimento deve ser acompanhado, pois a criança não nasce com conceitos de ética e moral, não possui juízo moral, não define o que é certo e errado. A família tem um papel muito importante e fundamental na construção de valores, na construção do juízo moral de seus filhos. Não é a escola a principal responsável por passar valores, e sim, a família. Quando a criança chega à escola, vinda de uma realidade familiar, traz muitas experiências de vida que não podem ser desprezadas pelo professor. Muitas vezes sem referências e valores, emocionalmente fragilizadas, com falta ou excesso de carinho, tornando-se inseguras ou muito “reizinhos”, não aceitando os limites do professor. Autoridade de professor

O professor precisa estar preparado para receber essas turmas heterogêneas, com necessidades tão diferentes. Ele precisa buscar uma educação que procure desenvolver o aluno integralmente, que desperte a família para suas responsabilidades e cumplicidade. Além de constantemente refletir e repensar a sua prática pedagógica, buscando o aperfeiçoamento e atualização, participando de debates, seminários e oficinas.

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A prioridade do professor deve centrar-se na prevenção da indisciplina e não na forma de controlá-la, procurando encontrar nas atitudes mais simples facilitadores para o desenvolvimento do seu trabalho: estar aberto para ouvir os alunos com atenção e respeitar as diferenças individuais aos estilos de aprendizagem; desenvolver uma relação de confiança e carinho, não ter preferências; estabelecer regras e combinados no início do ano, contando com a participação de todos os alunos; ser coerente, imparcial, rigoroso no cumprimento das regras, exercendo autoridade sem autoritarismo; planejar bem as aulas, com muito dinamismo, atualizações e respeitando os conhecimentos prévios dos alunos, suas necessidades, buscando uma aprendizagem significativa; promover a cooperação, a convivência, o respeito mútuo, a amizade e a valorização do outro; analisar todas as situações de indisciplina, dialogando com os alunos, estimulando-os para uma reflexão sobre as questões que envolvem tais comportamentos, para que eles se tornem coparticipantes no processo educativo e responsabilizem-se pelo funcionamento da sala de aula. O professor tem que ter sempre presente as dimensões técnica, humana e política na sua prática de sala de aula, como mostrado na unidade 2. Precisamos recordar Bohoslavsky (1981), pontuando que:

Autoridade de professor

O motor da aprendizagem, interesse autêntico da pedagogia desde a Antiguidade, deveria ser tomado em seu sentido etimológico literal, como um “estar entre”, colocando o conhecimento não atrás do cenário educativo, mas em seu centro, situando o objeto a ser aprendido entre os que ensinam e os que aprendem.

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A relação professor-aluno, segundo Aquino (2000), torna-se o foco das práticas escolares e do contrato pedagógico, dos encaminhamentos à temática disciplinar. O que regula a relação pedagógica é um princípio de ação fundado intrinsecamente no conhecimento. Por meio dele, pode-se recuperar a moralidade discente, uma vez que o trabalho epistêmico pressupõe a observação de regras, semelhanças, diferenças, regularidade e exceções. É necessário reinventar constantemente conteúdos, metodologias, relações e o cotidiano. E isso também é conhecimento.


Saiba mais Contrato Pedagógico é uma estratégia para amarrar um compromisso acordado entre professor e alunos no primeiro dia de aula, com relação a questões como as formas de avaliação, as motivações e interesses, regras a serem seguidas, as dificuldades a serem superadas etc. Com essa estratégia, pretende-se envolver os estudantes e torná-los corresponsáveis pelo andamento das aulas. Para saber mais, leia o artigo Contrato Pedagógico: um pacto entre o professor e o aluno. Disponível em: <www.educacional.com.br/revista/0104/pdf/parte20.pdf>. Acesso em: ago. 2011.

Assista ao vídeo com o educador Ernesto Bologna. Disponível em: <http:// youtu.be/skRNvbMX4IU>. Acesso em: ago. 2011.

A disciplina do aluno e a autoridade do professor Quando se pergunta aos professores qual a maior dificuldade no magistério, a resposta da maioria é: a falta de disciplina dos alunos, o desrespeito dos alunos e de suas famílias, os desaforos, a falta de limites mínima para um aluno que convive em sociedade. Assim, indagamos: O que está acontecendo? Onde está o problema? Está no aluno? No professor? Na sociedade atual?

Autoridade de professor

Atualmente, a situação do professor em sala de aula está muito fragilizada, talvez nunca tenha estado tão difícil ser professor como nos dias atuais. Um dos principais motivos indicados pelos professores para abandonar o magistério é a falta de disciplina dos alunos em sala de aula. A falta de respeito por parte deles e de suas famílias, muitas vezes defendendo o filho e indo contra o professor, contribui para que o professor sinta-se impotente e desvalorizado.

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Avaliando melhor o assunto, percebe-se que a falta de valorização do magistério está no aluno, na família e na sociedade atual. Estamos vivendo uma crise geral de paradigmas. Sabemos muitas vezes o que queremos, mas não temos certeza do caminho a ser tomado tanto no âmbito pessoal quanto institucional e social. Glossário Paradigma pode ser entendido por um exemplo, um modelo, uma referência, uma diretriz, um parâmetro, um rumo, uma estrutura, ou até mesmo um ideal. Algo digno de ser seguido. Podemos dizer que um paradigma é a percepção geral e comum – não necessariamente a melhor – de se ver determinada coisa, seja um objeto, um fenômeno, um conjunto de ideias. Ao mesmo tempo, ao ser aceito, um paradigma serve como critério de verdade e de validação e reconhecimento nos meios onde é adotado. O trabalho do professor fica muito difícil quando o aluno não sabe qual é seu papel e o que está fazendo ali em sala de aula. Quando as famílias mandam os filhos para a escola – mas também não têm clareza do papel da escola – e muitas vezes apoiam abertamente seus filhos diante de eventuais conflitos com o professor, a própria escola vem se questionando sobre o seu papel na sociedade. Ao analisar a situação atual frente às instituições sociais, percebemos que a família está, na sua maioria, desestruturada, não mais conseguindo garantir a formação de seus filhos, ou por falta de tempo (pai e mãe trabalham em período integral) ou por desestruturação familiar. A mãe hoje não cuida de seu filho em tempo integral porque precisa trabalhar fora, por necessidade. A igreja hoje já perdeu muito o seu papel de formação, pois não possui poder e respeito de grande parte da sociedade.

Autoridade de professor

Hoje, a juventude é muito valorizada, todos querem ser jovens, a criança quer ser jovem, o adulto quer ser jovem, o idoso quer ser jovem, apesar de não ser mais; e o mais grave de tudo é o conceito de felicidade fortalecido pela sociedade contemporânea: “Sou feliz quando realizo minhas necessidades pessoais”. Um conceito muito individualista, nada preocupado com o coletivo, com a construção de valores.

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No Brasil, nas últimas décadas, vivemos uma “crise de autoridade” justificada pela queda do mito da ascensão social por meio da escola, pois com o aumento de vagas e facilidades, temos muitos diplomados e, por outro, lado temos a diminuição da necessidade de mão de obra pela economia recessiva, altíssima concentração de renda, informatização dos serviços e ausência de outro sentido para a escola. A crise de autoridade também se justifica pela situação do professor:


fragmentação e superficialidade na formação e baixos salários. Escola e professor deixam de ser fontes privilegiadas das informações com o acesso da internet pelos alunos; existe por parte das famílias uma relação de desconfiança, de acusação mútua e transferência de responsabilidade. Quando chamada à escola por problema de indisciplina de seu filho, além de defendê-lo, atribui toda a culpa à escola, ao professor que não dominou e resolveu o conflito, ou aos colegas de classe pela má influência; número excessivo de alunos por sala de aula, condições precárias de trabalho (falta de equipamentos, material didático etc.). Já existem professores buscando se renovar, mudando a sua metodologia, sua forma de trabalhar em sala de aula, priorizando a aprendizagem do aluno, suas necessidades, relacionando os conhecimentos prévios dos alunos com o que está sendo ensinado. Outros se perdem ou mesmo nem tentam, pois têm medo de perder o controle da sala de aula e preferem continuar ensinando como sempre fizeram. Existe uma confusão conceitual entre autoridade versus espontaneidade para alguns professores, o fato de considerar as ideias prévias do aluno, valorizando o diálogo em sala. A construção coletiva do conhecimento significa perder autoridade. Muitas vezes o professor espera do aluno um reconhecimento natural de seu trabalho, quando se sabe que a escola não representa mais um caminho inquestionável de ascensão social e o professor como representante mais preparado e qualificado, sendo, como tal, tratado com respeito formal. Atualmente a postura é outra. Esse tratamento de respeito tem que ser conquistado pelo professor, apoiando sua autoridade nos domínios intelectual, ético, profissional e humano. O professor é um intelectual quando não é dogmático, fechado, refletindo, assim, seus pontos de vista, revendo-os se necessário; vai além do senso comum. O professor precisa ter princípios, estabelecer parâmetros e ser coerente, ter firmeza de caráter, ou seja, precisa ser ético. Glossário Autoridade de professor

Dogmatismo vem da palavra grega dogma, que significa uma opinião estabelecida por decreto e ensinada como uma doutrina, sem contestação. Por ser uma opinião decretada ou uma doutrina inquestionável, um dogma é tomado como uma verdade que não pode ser contestada e nem criticada, O dogmatismo é uma atitude autoritária e submissa. Autoritária porque não admite dúvida, contestação e crítica. Submissa porque se curva às opiniões estabelecidas.

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É claro que o professor, sendo um profissional, precisa ser competente na sua profissão: ter o domínio dos conteúdos da sua disciplina, trabalhar com metodologias que favoreçam os diferentes estilos de aprendizagem dos seus alunos, empregar com segurança os conceitos e técnicas, atualizar-se constantemente, demonstrar ânimo no que faz e planejar muito bem suas aulas. Um aspecto fundamental do professor é ter sensibilidade, ser capaz de perceber e respeitar o outro.

Autonomia moral e intelectual Quando falamos em autonomia, precisamos definir o que entendemos por autonomia e heteronomia. Para Piaget (1994), autonomia é a capacidade de tomar decisões em dois campos: moral e intelectual. No campo moral, refere-se a decidir entre o que é certo e errado. No campo intelectual, é decidir o que é verdadeiro e o que não é verdadeiro, levando em consideração fatos relevantes, independente de recompensa e punição. Glossário Autônomo é aquele que é capaz de dar a si próprio as normas, as leis e as regras da sua ação, ou seja, um autônomo é aquele que, ao agir e pensar, não obedece às prescrições vindas do exterior e que se abatem sobre ele, numa relação de comando e obediência. O autônomo é aquele que é livre. E ele é livre porque estabelece as regras, as normas da sua conduta, isto é, do seu pensamento e da sua ação responsavelmente. Heteronomia é o contrário de autonomia. É quando um indivíduo se sujeita à vontade de terceiros ou de uma coletividade. É um conceito básico do Estado de Direito, em que todos devem se submeter à vontade da lei.

Autoridade de professor

Anomia significa falta de lei ou ausência de norma de conduta.

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Um exemplo extremo de autonomia moral que a história nos conta foi Martin Luther King. Quando todos achavam natural a luta contra os negros, levando todos os fatos em consideração, ele chegou à conclusão de que as leis discriminatórias contra os negros eram imorais e injustas, e começou a lutar contra essas leis. A polícia reagiu com brutalidade e o prendeu.


Apesar de todas essas punições, toda vez que saía da prisão voltava a lutar. Esse exemplo nos mostra uma convicção autônoma sobre o que é certo e errado, independente de recompensa e punição. Um exemplo de autonomia intelectual foi Copérnico, quando todos, incluindo os cientistas, acreditavam que o Sol girava em torno da Terra, ele veio com a ideia que era o contrário: que a Terra girava em torno do Sol. Foi muito ridicularizado por todos que não acreditavam nas suas ideias, mas ele se manteve convencido de que sua teoria era verdadeira. Quando falamos em recompensa e punição, percebemos que a escola acredita firmemente nesses conceitos para conseguir mudança de comportamento e aprendizagem de algo, agindo contra o desenvolvimento da autonomia nos seus alunos. O professor toma todas as decisões e faz todas as regras, utilizando recompensa e punição para impô-las, reforçando a heteronomia. Para Piaget (1994), “toda moral consiste num sistema de regras, e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras”. Piaget tinha uma preocupação central: esclarecer “como” a consciência chega a respeitar as regras. Para Kamii (1998), heteronomia significa ser controlado pelas decisões de outras pessoas e também ter uma obediência cega. Geralmente essa é considerada a coisa moralmente correta a fazer. Há uma moralidade da obediência cega e uma moralidade da autonomia. Como exemplo, quando uma criança conta a verdade por medo de uma punição (palmatória dos antigos), tem-se uma moralidade da obediência. A moralidade da autonomia é baseada nas relações humanas. Você pensa nas consequências de dizer uma mentira. A maioria de nós, adultos, é heterônoma e não se pode formar uma criança autônoma sendo heterônoma. O que fazer?

É preciso trabalhar com representantes de sala, sempre fazendo um rodízio, pois daremos oportunidade a todos para tomarem decisões, na solução de um problema, na discussão de um conflito. A professora pode dar sua opinião, mas não será a única autoridade na sala de aula.

Autoridade de professor

Em primeiro lugar, é preciso desenvolver nossa própria autonomia, que é uma luta muito dura. O princípio básico para formar uma criança autônoma é encorajá-la a tomar decisões, e muitas vezes os professores não abrem essa possibilidade e tomam todas as decisões utilizando a autoridade dos adultos, escolhendo o “melhor” aluno, o mais obediente para dar um recado ou levar algum material para outro professor, por exemplo.

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É fundamental que as crianças pensem, apresentem argumentos lógicos para defenderem suas ideias. Dessa forma estarão desenvolvendo-se moral e intelectualmente. Na construção em grupo, nos jogos, as crianças têm oportunidade de decidir sobre as regras do grupo, ou mesmo do jogo. Elas se comprometem com as regras discutidas, e quando alguém infringe uma regra, o grupo todo aponta as injustiças. Isso é governar a si próprio democraticamente. Quando surge uma situação conflituosa no jogo, as crianças debatem para chegar a um acordo sobre qual é a forma justa de jogar. Muitas escolas usam recompensas e punições para valorizar os melhores alunos, os que receberam os primeiros lugares, as melhores notas. Também usam estrelinhas e carimbos para valorizar as atitudes positivas. O que ocorre nessa situação é a obediência cega, que é premiada. Ameaças surgem: se você não se comportar, se você falar durante a aula, a punição será essa ou aquela. Há formas mais adequadas de fazer a criança se comportar, sem ameaças. É fazer com que parta dela a conclusão de que um determinado comportamento é melhor do que interromper a aula, por exemplo. Não devemos valorizar a memorização de conteúdos que não significam nada para muitas crianças, mas sim a reflexão, como visto na unidade 6. É preciso usar o tempo para a criança pensar, debater, refletir, argumentar, concordando ou não com o apresentado, sugerindo soluções e possibilidades. Quando as crianças argumentam, desenvolvem-se intelectualmente, em lugar de memorizar coisas que esquecem em muito pouco tempo.

Sanção por reciprocidade Piaget (1994) fez uma grande distinção entre punição e sanção por reciprocidade. Quando uma criança diz uma mentira, e a maioria dos adultos diz “você mentiu, isso é mau e então você não terá sobremesa esta noite”, está exemplificando uma punição, e não uma sanção por reciprocidade. A consequência (perder a sobremesa) nada tem a ver com a causa (mentira).

Autoridade de professor

O contato pessoal é melhor nesse caso, olhar bem nos olhos da criança e dizer: “Será que você não quer me contar o que realmente aconteceu?”

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Encoraje a criança a construir o valor da honestidade. Todas as crianças querem que acreditem nelas. É fundamental fazer uma reflexão com a criança a respeito de suas ações e encorajá-la às possíveis soluções: riscou a parede da sala, ela própria, após a reflexão com o professor, sugere limpar; derrubou o suco na mesa, sugere limpar. Ela precisa, com a ajuda do professor, reavaliar a situação, refletir e tomar uma decisão sobre o seu com-


portamento, assumindo os seus atos sem necessidade de punição, mas com ações de sanção por reciprocidade. Segundo Kamii (1998), a punição acarreta três tipos de consequências, listadas a seguir. Cálculo de riscos

Conformidade cega

Revolta

A criança repetirá o mesmo ato que ocasionou a punição, só que dessa vez tomará cuidado para não ser descoberta. Ou pode decidir que, mesmo sendo descoberta, o prazer de cometer o ato infracionário compensa a punição.

As crianças decidem que é melhor obedecer aos adultos sempre para garantir a sua segurança e respeitabilidade.

Algumas crianças, que antes se comportavam bem, decidem parar de obedecer e começam a viver por si próprias.

Contudo, existe uma grande diferença entre autonomia e revolta. O não conformismo ou a revolta não tornam, necessariamente, a pessoa mais autônoma. As recompensas também reforçam a heteronomia. Para que as crianças desenvolvam a autonomia moral, os adultos devem incentivá-las a construir por si próprias os seus valores morais. Entretanto, é preciso ser realista: não há como evitar totalmente as punições. É possível, porém, trocar as punições pelo que Piaget chamou de sanções por reciprocidade. As sanções por reciprocidade são aquelas que estão diretamente relacionadas com o ato infracional. Kamii (1998) aborda quatro exemplos de sanção por reciprocidade, listados a seguir. Exclusão temporária ou permanente do grupo

Apelar para a consequência direta e material do ato

Privar a criança de uma coisa que ela usou mal

Reparação

Quando uma criança perturba a leitura de uma história, por exemplo, a professora pode dizer: “Você pode ficar aqui sem nos aborrecer, ou terei que pedir que vá para o canto dos livros ler sozinha.”

A criança que conta uma mentira pode ser confrontada com o fato de que as pessoas podem não acreditar mais nela.

A criança que usa mal um brinquedo pode ser impedida de usá-lo até que aprenda a utilizá-lo corretamente.

A criança que estraga um trabalho de um colega pode ser convidada a ajudar a consertá-lo.

Para finalizar, a autora destaca que os valores morais não são internalizados ou absorvidos de fora para dentro, mas construídos interiormente, através da interação da criança com o meio. As crianças que podem pensar por si mesmas fazem progresso.

Autoridade de professor

Contudo, para que essas sanções por reciprocidade não se transformem em punição, é preciso que haja uma relação de afeto e respeito mútuo entre a criança e o adulto.

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As crianças gostam de desafios, não gostam de fazer as mesmas coisas que já sabem fazer. São crianças autônomas que querem fazer coisas novas. Os docentes precisam rever os seus objetivos, colocando a construção da autonomia como finalidade maior da educação.

Síntese O professor se constitui como autoridade quando organiza um espaço de aprendizagem em que há lugar para a indagação, para a curiosidade, para o debate em torno de ideias e hipóteses, para o respeito ao conhecimento construído pelo aluno nas suas vivências sociais e escolares, enfim, um ambiente em que o conhecimento não é inacessível e é reconhecido como fundamental no acesso a bens culturais e materiais produzidos pela sociedade. Quando isso acontece, o interesse do aluno vem à tona, ele percebe que o professor tem competência, conhece com profundidade aquilo que ensina, mas, acima de tudo, é alguém que traz para a sala de aula uma inquietação com o não saber, demonstrando um profundo interesse pela aprendizagem de seus alunos. Dessa forma, um novo contrato pedagógico se estabelece: professor e aluno assumem um compromisso cujo alicerce é a relação com o conhecimento e os comportamentos e atitudes favoráveis à realização dessa meta. Nesse contexto, o professor é reconhecido como autoridade e não há espaço para a indisciplina.

Referências AQUINO, Júlio Grosa de. Do Cotidiano Escolar. São Paulo: Summus, 2000. BOHOSLAVSLKY, Rodolfo. Orientação Vocacional, a Estratégia Clínica. São Paulo: Martins Fontes, 1980.

Autoridade de professor

FURTADO, Nina Rosa et al. Limites: entre o prazer de dizer sim e o dever de dizer não. Porto Alegre: Artmed, 2009.

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KAMII, Constance. A Criança e Número. Campinas: Papirus, 1998. PIAGET, Jean. O Juízo Moral na Criança. São Paulo: Summus, 1994. TIBA, Içami. Quem Ama Educa! São Paulo: Interage, 2003.




O planejamento e o plano na escola Introdução Com esta unidade encerra-se o conteúdo de nossa disciplina. Vamos tratar exatamente de um tema que deve ser o início de qualquer atividade didática: o planejamento. Assim, vamos abordar os conceitos fundamentais sobre planejamento, tratar do planejamento e o plano como instrumentos político de trabalho do educador e do planejamento e suas questões básicas.

Objetivos Espera-se, ao final da unidade, que você seja capaz de: diferenciar o que é um planejamento do que é um plano, reconhecendo-os como instrumentos fundamentais para a ação didática do professor; reconhecer os elementos essenciais de um plano de ensino.

Conceito Você decide viajar, mas não tem muito dinheiro e tempo... Pensa aonde poderia ir, traça um destino em sua mente. Tendo em mente onde quer chegar, avalia sua viagem: como vai se deslocar, quando e onde parar, onde comer, quando quer chegar, quanto vai gastar... Assim, você está planejando a sua viagem.

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Planejamento representa todo o processo da ação educativa, possibilita a reorganização do fazer pedagógico, faz parte do cotidiano docente, é um processo de previsão de necessidades e racionalização de emprego dos meios materiais e dos recursos humanos. É um processo de análise crítica contínua e sistematizada de projetar e decidir ações em relação aos seus fins, meios, forma e conteúdo. É uma atividade essencial e exclusivamente humana, flexível, objetiva e ousada. Constantemente nos perguntamos na nossa prática docente: O que ensinar? Por que ensinar? Como ensinar? Para que ensinar? Quando ensinar? Existe relação entre o planejamento didático e o Projeto Político Pedagógico? É possível transformar o planejamento formal e burocrático em uma prática coletiva e participativa? O que queremos que os nossos alunos venham a fazer, a conhecer? O que queremos que os alunos compreendam?

O planejamento e o plano na escola

O planejamento é uma ação reflexiva, viva e contínua. “É um ato decisório, portanto político. Ele nos exige escolhas, opções metodológicas e técnicas. É também ético, pois uma vez que põe em questão ideias, valores, crenças e projetos que alimentam nossas práticas” (FARIAS, 2009).

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O plano deve ser um instrumento para a ação, um guia de orientação. Deve ter coerência entre as ideias e a prática, e ter uma ordem sequencial progressiva e lógica. É um documento que registra o que se pensa fazer, como fazer, quando fazer, com que fazer e com quem fazer. Evita o improviso. É um norte para as ações educacionais. É a apresentação sistematizada e justificada das decisões tomadas. Plano é a formalização dos diferentes momentos do processo de planejamento. Enquanto planejamento representa o processo, o plano é o registro do processo. Então, podemos dizer que o plano de ensino é o instrumento no qual registramos nossas intenções pedagógicas.


Assista ao filme a Travessia, de Amir Klink, sobre a travessia do oceano Atlântico em um barco a remo, e observe todas as etapas do seu planejamento para a viagem. Disponível em: <http://youtu.be/4yR20R_VtRk>. Acesso em: ago. 2011. Todo plano de ensino precisa contemplar algumas características, listadas a seguir. Objetividade e realismo: ser objetivo é ser realista para uma situação concreta e determinada. Todo plano deve expressar com objetividade o que se quer atingir, a partir de uma realidade também objetiva e concreta dos alunos, dos professores, da escola e da comunidade. Funcionalidade: o plano é um instrumento orientador para o professor e para os alunos, deve ser bem funcional, para que possa ser executado com facilidade e objetividade. Se o plano não for funcional para o professor e para os alunos, ele não tem valor didático, e pode até dificultar o ensino e a aprendizagem. Simplicidade: o plano deve ser claro e simples para ser compreensível e viável, pois sua compreensão facilita a sua execução. O plano é um meio para simplificar o agir, tornando-o mais lógico e coerente. A simplicidade não nega a profundidade, a lógica, a coerência, a objetividade, a validade e a utilidade. O plano pode ser claro e simples na sua estrutura, organização, dinâmica e funcionalidade, mas profundo no seu conteúdo. Flexibilidade: todo plano que não obedecer ao princípio da flexibilidade, isto é, que não possa ser mudado ou reestruturado, quando necessário, está fadado ao fracasso, e pode tornar-se um meio de dominação. Planejar é prever, e toda previsão e prospectiva estão sujeitas a erros e imprevistos, daí a importância da flexibilidade para poder realizar mudanças.

O planejamento e o plano na escola

Utilidade: a utilidade, a validade e a profundidade são princípios que dão consistência a toda a estrutura do plano, no que diz respeito ao seu conteúdo e dinâmica. A utilidade de qualquer plano de ensino depende da possibilidade de transformação e em que nível se processa essa transformação no aluno. O que foi planejado só será válido se for algo importante e útil para o aluno que tentar buscar, na escola, a sua formação integral como pessoa humana.

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O planejamento e o plano como instrumentos político de trabalho do educador Para que planejar? Paulo Freire (2005) escreveu: “Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro horas da tarde. Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma como educador permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática.” Quando se pergunta a respeito da finalidade do planejamento, tem-se como resposta a eficiência, pois ajuda a alcançar com mais resultados o que se propõe. O planejamento visa também à eficácia e deve alcançar não só que se façam bem as coisas (eficiência), mas que se façam as coisas que realmente importa fazer, porque são socialmente desejáveis (eficácia). Além dessas finalidades já apontadas no planejamento, é necessário destacar a compreensão do processo de planejamento como um procedimento educativo, alcançado quando o planejamento “é concebido como uma prática que sublinhe a participação, a democracia, a libertação, tarefa vital, união entre vida e técnica para o bem-estar do homem e da sociedade” (GANDIN,1991). O mais importante não resulta no preenchimento de formulários, documentos padronizados da escola, mas sim dos momentos de elaboração, desenvolvimento e crítica dos planos de ensino como momentos do processo de planejamento global da escola. Segundo Fusari (1989), a vivência correta do currículo escolar é um momento de restaurar o processo coletivo de reflexão dos educadores, retomar o seu profissionalismo, refletir sobre sua prática e seus resultados e decidir sobre os próprios caminhos.

O planejamento e o plano na escola

O planejamento envolve a discussão de questões fundamentais como responsabilidade da educação escolar, os princípios e objetivos da escola e o envolvimento do professor com essas definições. Planejar não é um ato neutro.

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O planejamento e suas questões básicas Um verdadeiro planejamento ocorre quando o professor se reconhece como autor e ator de seu fazer pedagógico, considera no seu conteúdo e sua forma as necessidades e desafios cotidianos, e não menos importante, considera as suas expectativas e sugestões como responsável pela construção do planejamento para a sua classe e/ ou disciplina.


Como diz Senger (2004): “Se não houver mudanças fundamentais na maneira como as pessoas pensam e interagem, assim como na forma que elas exploram ideias novas, toda reorganização, todas as modas e estratégias do mundo não farão muita diferença.” Quando for planejar, é preciso levar em conta alguns pontos principais, se um resultado eficaz com qualidade é pretendido. É necessário levar em conta também: os objetivos da escola democrática; os planos e programas oficiais: a LDB; os Parâmetros Curriculares Nacionais e os Referenciais Curriculares; as condições escolares prévias dos alunos; os princípios norteadores do processo ensino-aprendizagem. Você se lembra? Você deve ter visto na disciplina de Práticas Educacionais que os Parâmetros e Referenciais Curriculares são documentos produzidos pelo MEC para a orientação da prática pedagógica. O professor também não pode ficar desligado do que está acontecendo no mundo, desligado da realidade cotidiana das crianças e da realidade política, isto é, do que daria sentido ao ensino, quando selecionamos os conteúdos do nosso planejamento das nossas aulas. Muitos dos conteúdos apresentados pela escola são “artificiais”, e provocam pouco interesse e atenção nos alunos. Também a distância entre o ensino e a realidade vai sendo interiorizada, de tal maneira pelas crianças, que elas não fazem por si próprias as poucas ligações entre escola e vida.

É necessário olhar a escola por dentro, pois para ela ser democrática não é apenas dando acesso aos alunos e tratando todos do mesmo jeito. As crianças já chegam à escola portadoras de desigualdades, tratá-las igualmente significa não apenas manter a desigualdade, mas até aumentá-las. Apresentam diferenças nas condições materiais de vida, nas atitudes, experiências, valores, que refletem a cultura de sua família e de seu meio social.

O planejamento e o plano na escola

Os adolescentes que falam muito de motos, carros, corridas e recordes fora da escola, quando entram em sala ficam muitas vezes calados e desinteressados nas aulas de Física sobre velocidade, por exemplo.

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É necessário, principalmente, entender como elas aprendem e quais seus estilos de aprendizagem para favorecer uma aprendizagem com compreensão, que seja significativa para elas. Você se lembra? Na unidade anterior falamos dos estilos de aprendizagem e do ensino para a compreensão, caso de dúvida, retorne. Não se pode ter no planejamento uma visão “bancária” da educação, como afirma Paulo Freire (1987), “quanto mais os alunos se empenham em arquivar os ‘depósitos’ que lhes são entregues, tanto menos desenvolvem em si a consciência crítica... eles tendem a se adaptar à realidade fragmentada contida nos ‘depósitos’ recebidos.”

Saiba mais Paulo Freire denominava o modelo tradicional de prática pedagógica de “educação bancária”, pois entendia que ela visava à mera transmissão passiva de conteúdos do professor. Era como se o professor fosse preenchendo com seu saber a cabeça vazia de seus alunos; depositava conteúdos, como alguém deposita dinheiro num banco. Quando refletimos sobre o: para que? O que? Como? Quando? Com que ensinar? E sobre os seus resultados, estamos nos referindo aos elementos dos planos de ensino, ou de curso ou de aula: objetivos, conteúdos, metodologia, recursos didáticos e sistemática de avaliação.

O planejamento e o plano na escola

Dica

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Uma boa atividade é fazer pesquisar alguns planos de ensino, analisando se contêm os elementos e características que devem fazer parte de um plano, aqui discutidos.


Síntese O planejamento constitui-se num momento privilegiado para a reflexão individual e coletiva sobre as ações educacionais e de integração da equipe de trabalho na escola. É quando se pode analisar o que já foi desenvolvido para, então, traçar metas para a atuação da escola e também para o professor, como autor e ator do processo educacional, quanto à formação dos nossos alunos, e a transformação da realidade escolar. Desse processo nasce o plano da escola ou plano de ensino do professor. Assim, o professor deve ter clareza da função da sua área de conhecimento, de sua disciplina e do seu papel individual na construção coletiva e permanente do Projeto Político Pedagógico da escola.

Referências FARIAS, Isabel Maria Sabino de et al. Didática e Docência: aprendendo a profissão. Brasília: Liber Livro, 2009. FREIRE, Paulo. A Educação na Cidade. São Paulo: Cortez, 2005. FUSARI, J. C. O planejamento escolar não é um ritual burocrático. Revista Sala de Aula, São Paulo, v. 10, abr. 1989. GANDIN, Danilo. Planejamento como Prática Educativa. São Paulo: Loyola, 1991. SENGER, Peter. Escolas que Aprendem: um guia da quinta disciplina para educadores, pais e todos os que se importam com a educação. Porto Alegre: Bookman-Artmed, 2004.

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Didática

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