S aĂşde e qualidade de vida
S aĂşde e qualidade de vida
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M985s Mussi, Renata Saúde e qualidade de vida / Renata Mussi, Leila Tibiriçá e Ticiana Hupsel – Salvador: UNIFACS, 2013. 160 p. ISBN 978-85-87325-70-9 1. Promoção da saúde -- Estudo e ensino (Superior). 2. Qualidade de vida -- Estudo e ensino (Superior). 3. Serviços de saúde preventiva. I. Tibiriçá, Leila. II. Hupsel, Ticiana. III Título CDD: 613
Importante: Os links para sites contidos neste livro podem ter expirado após a sua última edição, em novembro de 2013.
S umário ( 1 )
Demandas contemporâneas e os impactos na
saúde e qualidade de vida, 15
1.1 Aspectos da contemporaneidade, 18
1.2 Noções de tempo e espaço na contempora
neidade, 20
1.3 Novos estilos de relacionamentos inter
pessoais, 24
1.4 Impactos na saúde e qualidade de vida, 30
( 2 )
Conceito de saúde e qualidade de vida, 35
2.1 O conceito de saúde, 38
2.2 O conceito de qualidade de vida, 41
2.3 Relação saúde e qualidade de vida, 44
( 3 )
Saúde, ciência e religião, 55
3.1 E o que é ciência?, 58
3.2 Mas o que seria religião?, 64
3.3 Qual é a relação entre saúde e religião?
Será que podemos falar em “cura pela fé”?, 66
3.4 E qual é a relação entre bem-estar, reli
giosidade e enfrentamento?, 70
( 4 )
O cuidar de si e o cuidar do outro, 77
4.1 O cuidar, 80
4.2 Mas qual a importância do outro para a
construção do sujeito?, 83
4.3 E por que falar de cuidado influencia na
qualidade das relações interpessoais?, 85
( 5 )
Atuação em equipes interdisciplinares, 91
5.1 Equipe e as relações profissionais, 94
5.2 O que é interdisciplinaridade?, 95
5.3 Relação interdisciplinar no mundo do
trabalho, 99
5.4 Comunicação no mundo do trabalho, 101
( 6 )
As políticas públicas em saúde, 107
6.1 A saúde no Brasil, 110
6.2 O Sistema Único de Saúde | SUS, 112
6.3 Políticas públicas em saúde, 117
6.4 Princípios da carta dos direitos dos usuários
da saúde, 120
( 7 )
O impacto do trabalho na saúde do indivíduo, 125
7.1 O significado do trabalho, 128
7.2 Exigências do mercado de trabalho na
contemporaneidade, 130
7.3 O impacto do trabalho na saúde do trabalha-
dor, 133
7.4 Qualidade de vida no trabalho, 137
( 8 )
Gestão da própria saúde, 143
8.1 Pressupostos básicos, 146
8.2 Responsabilidade do autocuidado, 147
8.3 A vida saudável, 152
A partir das
mudanças no contexto
social-econômico-cultural, bem como através das novas exigências no mercado de trabalho, esta disciplina possibilita uma visão abrangente sobre as principais questões contemporâneas que podem influenciar o bem-estar das pessoas. Através das reflexões e integração dos diferentes aspectos que constituem a saúde e qualidade de vida nos diversos âmbitos, contribui para a formação pessoal e profissional, tendo em vista o compromisso com a perspectiva científica, social e ética. Com o objetivo prioritário de enfatizar a importância dos cuidados preventivos com a saúde para obter uma melhor qualidade de vida dando a base para o pleno desenvolvimento dos projetos pessoais e profissionais, foi dividida em três partes:
1. Tempo, saúde e qualidade de vida 2. A qualidade das relações interpessoais 3. Planejamento da saúde e da qualidade de vida Em Tempo, saúde e qualidade de vida serão apresentadas as principais questões contemporâneas e os impactos na saúde e na qualidade de vida, possibilitando a compreensão do contexto atual a partir da análise crítica da vida cotidiana. Em seguida, discutiremos sobre o conceito de saúde e qualidade de vida para refletirmos sobre esses conceitos nas diversas etapas da vida humana. Para concluir esta primeira etapa, discutiremos sobre a relação entre a ciência, religião e saúde, considerando como os aspectos culturais podem interferir na noção de cura e promoção de bem-estar. Em A qualidade das relações interpessoais apresenta-se inicialmente a importância do cuidar de si e do cuidar do outro, reconhecendo diferentes formas deste cuidado para que, em seguida, possamos identificar os aspectos relevantes no desenvolvimento do trabalho em equipes interdisciplinares. Com isso daremos ênfase às relações pessoais e profissionais do nosso cotidiano. Em Planejamento da saúde e da qualidade de vida retomaremos alguns destes conceitos básicos para aprofundarmos a discussão na questão das políticas públicas em Saúde, possibilitando a identificação de ações do Sistema Único de Saúde (SUS) em nossas vidas, bem como a percepção da contribuição de cada cidadão na prevenção e promoção da saúde. Posteriormente, discorremos sobre o impacto do trabalho na saúde do indivíduo para, enfim, refletirmos sobre a gestão da própria saúde. Esperamos que tenha uma boa leitura! Profa. Leila Tibiriçá Profa. Renata Mussi
(1)
D emandas contemporâneas e os impactos na saúde e qualidade de vida
“Às vezes estamos muito dispostos a crer que o presente é o único estado possível das coisas.” [Marcel Proust]
Renata Mussi
C aro(a) aluno(a), Nesta unidade, conversaremos sobre os aspectos da contemporaneidade, ou seja, investigaremos o que ocorre no dia a dia desta época em que tudo deve ser feito o mais rápido possível, bem depressa, para que não tenhamos a sensação de que estamos perdendo tempo. Essa realidade impacta a forma como nos relacionamos com o mundo, com as coisas e, sobretudo, uns com os outros. Atualmente, a noção que temos de tempo e espaço é específica e em muito se diferencia de como nossos avós concebiam essa relação. Com isso, o objetivo desta unidade não é julgar qual época é melhor, mas sim refletirmos sobre a realidade. Afinal, como esse contexto se configura impacta nossos hábitos, formas de pensar, sentir e agir, e, consequentemente, influenciam a saúde e a qualidade de vida de toda a humanidade. Boa leitura!
(1.1) A spectos da contemporaneidade “Nosso tempo é uma sociedade planetária cheia de possibilidades e riscos, em que as ferramentas da velocidade não são mais as pernas.” [Carmen Zeli Vargas Gil Souza] A contemporaneidade tem como característica primordial a sensação humana de estar sempre com pressa. Estudiosos sobre o tema acreditam que a impressão de que tudo se torna cada vez mais veloz data de 1995 – com a chegada da internet no Brasil. Esse evento trouxe consigo uma avalanche de informações, o que permite, cada vez mais, que pessoas acessarem notícias instantâneas de tudo o que ocorre no mundo.
Saúde e qualidade de vida
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O ritmo de vida é acelerado e não há espaço para sair desse automatismo, dessa robotização. Todas as “mazelas contemporâneas” tentam ser suportadas com algum produto que irá aliviar a dor – isso por conta de uma tecnologia de ponta que se coloca cada vez mais a serviço do bem estar da humanidade (SOUZA, 2010, p. 2).
As facilidades cotidianas, tais como caixa eletrônico, celular, controle remoto, dentre tantas outras parafernálias tecnológicas, têm nos imprimido uma rotina em que cada segundo pode ser preenchido com mais prazer e o custo de resposta para aquisição de bem estar fica cada vez menor – basta termos cartão de crédito e dinheiro no banco. Afinal, para que sair de casa se podemos fazer uso dos diversos serviços deliveries? Ao ficarmos trancados em casa, perdemos a possibilidade de um contato real com pessoas e deixamos de exercitar o nosso lado sociável, porém podemos substituir isso pelo contato virtual com diversas pessoas ao redor de todo o mundo. Assim, além de mais modernos, também nos tornamos mais populares e, com apenas um clicar de mouse, conseguimos nos relacionar com muitas pessoas ao mesmo tempo. Tornamo-nos íntimos de alguém que nunca vimos (nem temos a certeza de que é como na foto disponibilizada via web) e, em questão de minutos, temos, inclusive, a possibilidade de conhecê-lo, coisa que, pessoalmente, se torna muito mais difícil. Tudo o que fora relatado acima é perfeitamente viável na atualidade, no entanto, de acordo com Souza (2010), o contexto atual é paradoxal: apesar de estarmos em meio à sociedade globalizada, os homens estão cada vez mais abandonados em sua condição humana, cada vez mais sós, individualistas e individualizados. constantes do nosso cotidiano. A todo o momento nos deparamos com a necessidade de mudar, nos aprimorar. Afinal, temos que dar conta de acompanharmos os avanços tecnológicos e o ritmo frenético das coisas que nos cercam.
19 Demandas contemporâneas e os impactos na saúde e qualidade de vida
Diversidade, mudança e fragmentação são aspectos
(1.2) Noções de tempo e espaço na contemporaneidade “Este dia, esta hora, não voltam mais, se foram para sempre.” [Autor desconhecido] A citação em epígrafe nos revela o óbvio. Por sua vez, cotidianamente, pouco nos predispomos a pensar... Portanto, convido você, leitor, a refletir o que essa frase de fato revela. Juntos, podemos chegar à conclusão de que nela está contida a possibilidade única que se esconde a cada instante. Por exemplo, no momento em que você decidiu ler este módulo abdicou de fazer uma série de outras coisas que, se fossem priorizadas, eliminariam a possibilidade de refletir sobre esse assunto. Assim, podemos compreender que a vida se constrói a partir das nossas escolhas, no entanto, fazer escolhas envolve assumir o risco da decisão e responsabilizar-se por tudo aquilo que você escolheu. Acontece que tomamos decisões em frações de segundos e nem sempre nos damos conta de que estamos optando Saúde e qualidade de vida
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por coisas em detrimento de tantas outras. A rapidez com que vamos construindo a nossa vida, muitas vezes, não permite que tomemos consciência do que estamos fazendo. Será que agimos de acordo com o que esperam de nós? Ou será que faço o que acredito que deve ser feito? Por que será que estou vestindo a camiseta que o protagonista da atual novela das 20h usa? Geralmente, essa reflexão não ocorre, pois não temos tempo a perder, precisamos ser práticos e isso envolve cada
vez menos o pensar sobre aquilo que fazemos. Essa necessidade de rapidez vem cada vez mais sendo posta a nossa realidade e, muitas vezes, isso se impõe de maneira sutil. Recentemente, o noticiário abordava pesquisas feitas com os jovens da nova geração, que são capazes de ouvir música, navegar na internet, assistir televisão e falar ao telefone ao mesmo tempo, de uma maneira que conseguem falar sobre cada um desses estímulos posteriormente. Esses jovens relataram que sabiam que, de certa forma, perdiam os detalhes de cada coisa, mas, de todo modo, davam conta de fazer tudo ao mesmo instante, gerando uma sensação de melhor aproveitamento do tempo.
CURIOSIDADE: Estudos do pesquisador Mauro Alencar da Universidade de São Paulo mostraram que uma novela datada de 1972, como Selva de Pedra, transmitida pela TV Globo, abordava cerca de quatro tramas por capítulo e a solução vinha ao logo de 80 episódios. Em Paraíso Tropical, exibida em 2007 pela mesma emissora, havia cerca de 12 tramas por capítulo e o desfecho não demorava mais do que três capítulos. Desse modo, enquanto antes o mocinho levava três meses para declarar-se à amada, hoje basta um simples olhar e aproximação de lábios. Fonte: Marinho (2008)
Virilio
(1999
apud
FREZZA;
GRISCI;
KESSLER, 2009), o progresso tecnocientífico faz surgir um novo tempo com ritmo acelerado ao máximo, indicando o fim da geografia. Essa consideração aponta que a aceleração do ritmo do tempo acaba por aproximar os espaços, conforme salienta Bauman (1999):
[...] as distâncias já não importam, ao passo que uma idéia de frontei-
21 Demandas contemporâneas e os impactos na saúde e qualidade de vida
Segundo
ra geográfica é cada vez mais difícil de sustentar no mundo real [...] a sua extensão varia dependendo da velocidade com a qual pode ser vencida (e, numa economia monetária, do custo envolvido na produção desta velocidade) (BAUMAN, 1999, p.19). Vale destacar que a noção de tempo e de espaço é construída socialmente e, desse modo, auxilia a construção de um modelo comum de perceber a realidade, o que nos permite a concepção de mundo compartilhado, onde se desenvolvem as relações interpessoais. De acordo com Harvey (2004, p. 198), “as ordenações simbólicas do espaço e do tempo fornecem uma estrutura para a experiência, mediante a qual aprendemos quem ou o que somos na sociedade”. Segundo Frezza, Grisci e Kessler (2009), da mesma forma que as categorias tempo e espaço são produtos e produtores de ações sociais, pode-se dizer que são efeitos e fonte de poder social, e esse poder se articula com o controle do tempo, espaço e dinheiro – ideia já cunhada por Harvey (2004):
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As formas de mensurar o tempo e de se apropriar do espaço podem converter-se em domínio sobre o dinheiro, do mesmo modo que o dinheiro pode ser usado para o domínio e a apropriação do tempo e do espaço (HARVEY, 2004, p. 198). Tais considerações nos fazem lembrar que a lógica capitalista tem a máxima de que “quanto mais rápida a recuperação do capital posto em circulação, tanto maior o lucro
obtido” (HARVEY, 2004, p. 209). Sendo assim, o aumento do lucro fica estritamente relacionado ao aumento da agilidade do processo e que será conquistada não somente com a velocidade de produção, mas também com a reorganização do espaço para evitar barreiras e empecilhos à circulação de bens e serviços. Com toda a modificação quanto ao ritmo de produção, há também o impacto no ritmo de consumo, modificando significativamente os hábitos dos consumidores. Conforme Gomes (2010),
Na sociedade de consumo, a estratégia do mercado de tratar o consumidor como alguém que precisa sempre sair na frente na corrida pelo sucesso, induz à preocupação exclusiva com a realização pessoal. O estilo de vida consumista estimula os sujeitos a empenharem-se com exclusividade na busca pelo sucesso particular, desconsiderando a condição do outro, visto como um potencial concorrente (GOMES, 2010, p.43). De acordo com Marinho (2008), especialistas afirmam fenômeno da posse transitória, termo que define o pouco tempo que permanecemos com os produtos que compramos e a sociedade se torna cada vez mais descartável. Como a noção de tempo, referências espaciais também refletem construções culturais. Isso fica evidenciado nos dias atuais, com a aceleração da globalização, em que as delimitações territoriais dos países estão cada vez mais diluídas.
23 Demandas contemporâneas e os impactos na saúde e qualidade de vida
que o comportamento do consumidor é caracterizado pelo
Além disso, a relação entre a limitação entre o que é restrito ao espaço privado e o que encontramos no espaço público difere em cada contexto. Assim, o que se percebe é que o espaço público e a esfera privada se misturam de uma forma jamais vista. Esse fator se faz presente, sobretudo, na internet, mais especificamente em sites de relacionamento – tais como, YouTube, Orkut, Facebook, Twitter, MySpace. A intimidade se explicita em blogs e fotologs, acompanhados da imagem do depoente exposta pela webcam. Esse registro está aberto para quem quiser acessar. Há, portanto, um forte rompimento da barreira, outrora intransponível, da esfera privada à pública. O resultado desse movimento acaba modificando também a maneira como as pessoas se relacionam uma com as outras. Muita gente entra hoje num relacionamento, já pensando na hora de sair. A prioridade está em resultados de curto prazo e queremos tudo ao mesmo tempo e agora.
(1.3) Novos estilos de relacionamentos interpessoais
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“E hoje em dia, como é que se diz eu te amo?” [Trecho da música “Vamos Fazer um Filme” – Renato Russo] Com a aceleração do tempo e o encurtamento das distâncias proporcionado pela internet, qualquer parte do espaço pode ser alcançada instantaneamente, a qualquer
hora e de qualquer lugar, sem que nenhuma parte precise ser privilegiada (BAUMAN, 2001). Nesse sentido, com a aproximação virtual, os fins (ter contato) passam a sobrepor-se aos meios (como chego até o outro), fazendo surgir novas formas de relacionamento. No momento em que achamos algo mais atraente para fazer ou quando o papo virtual deixa de ser prazeroso, convenientemente, nos desconectamos sem necessidade de maiores explicações a outra pessoa, sem que precisemos buscar desculpas, perdões e mentiras, num simples clicar do mouse estaremos a salvo... A facilidade de acesso é a mesma com que rompemos os vínculos estabelecidos. Assim como na lógica do consumo, a descartabilidade também aparece nas relações. Ou seja, quando a mercadoria (coisa/pessoa) não atende mais às necessidades, nós a descartamos! Esse fenômeno ocorre numa cultura movida pelo prazer (hedonismo), negação do sofrimento e da constituição de identidade narcísica, em que o mais importante é o meu bem estar. Cada vez mais o foco em si e a busca do prazer próprio sobrepõem-se ao olhar para fora e enxergar o outro. Sem enxergarmos o outro, no entanto, teremos alguma dificuldade de nos constituirmos sujeitos. O reconhecimento do eu dá-se no momento em que aprendemos a nos diferenciar do outro, conforme Bock (1993):
(BOCK, 1993, p. 213).
25 Demandas contemporâneas e os impactos na saúde e qualidade de vida
Eu passo a ser alguém quando descubro o outro e a falta deste reconhecimento do outro não me permitiria que eu soubesse quem sou eu na medida em que eu não teria elementos que o meu eu se destacasse dos outros eus
Por isso, estudiosos discutem até que ponto a internet e suas ferramentas possibilitam relacionamentos efetivos. Alguns acreditam que a falta de proximidade concreta favorece a ausência de compromisso, tornando as relações cada vez mais efêmeras. Nesse sentido, vale refletir sobre o texto abaixo, postado em um blog, em que o autor questiona a necessidade de se ter sentimentos.
Para que sentimentos, já que inventaram o Orkut? [Pedro Pregu]
Saúde e qualidade de vida
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Não somos mais pessoas, somos profiles. Aqui, somos quem queremos ser. Assumimos os personagens que refletem os nossos anseios. Transmitimos a imagem que melhor se aproxima de uma perfeição possível. Nas fotos, somos extremamente felizes, lindos, descolados. Problemas? Ahh, pra que isso? Basta sorrir pra câmera que eles simplesmente desaparecem. Nos identificamos em comunidades. Conhecemos pessoas novas, repudiamos e admiramos o outro pelo que ela escreveu (ou copiou) no “quem sou eu”. Trocamos confidências, declarações, conversamos “baixinho”, através de depoimentos. O verbo depor assumiu um significado moderno, uma conveniência virtual. Status de relacionamento é o termômetro da relação. É o outdoor do compromisso. Se nos “becos e vielas” da cidade virtual nos deparamos com um rosto escultural, que decepção ao devassar aquela “vida” e percebê-la “namorando”... hahaha, tem gente que casa mesmo sem casar, imagine! Adeus ao véu e grinalda. Caso haja o interesse, é logo do lado esquerdo que não desviamos a atenção. Há quem espere ansiosamente que aquelas letrinhas se transformem em solteiro(a) (leia-se: disponível no mercado). Não adianta mais sentir; pra namorar, tem que colocar no orkut. Não rola mais “ser”, tem que “estar” namorando. A primeira coisa que se faz quando o namoro termina é... tirar do orkut! Um casal quando briga, se vê na paranóia obsessiva de monitorar o orkut do parceiro pra não pagar vexame e “namorar sozinho”.
O orkut é a maneira mais simples de emoldurar nossas vidas e consequentemente de encarcerá-las. Pode ser um apêndice da realidade, um atalho ao ser-humano, mas geralmente é cela, é jaula, é limite. Teclado e mouse são controles remoto da alma. Um dia sem internet, um dia perdido da vida. Bastam 24 horas sem olhar o orkut pra emergir a sensação de parte da vida indo embora. Nesse universo paralelo, há a miraculosa oportunidade da reencarnação. Profiles que morrem dando, logo em seguida, vida a uma nova vida. Quantas vezes então, eu já pensei no “suicídio”? No Orkut dá pra, inclusive, sermos dois, três, sermos vários, não sermos nós. As pessoas acreditam em profiles. Já não vale mais a pena ser gente. Se não tá no orkut, é mentira; quem não tem orkut, não existe. Afinal, quem não tem orkut, não tem vida. Fonte: http://quatrop.blogspot.com/2009/03/pra-que-sentimento-ja-que-inventaram-o.html.
Dessa forma, podemos pensar que é cada vez mais comum nós não reconhecermos os sentimentos das outras pessoas, até porque mal as enxergamos, por estarmos focados em saciar as nossas necessidades. Mas, isso vai impactar também a forma como não identificamos o que estamos sentindo ou pensando... vamos vivendo a vida (carpe diem – aproveite o momento!). Bauman (2010) afirma que os websites de bate-papo são dentes. Na busca de manter-se em companhia, a conexão às
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redes virtuais full time tem sido uma estratégia de afastar a
Demandas contemporâneas e os impactos na saúde e qualidade de vida
as novas drogas que, potentes, tornam os adolescentes depen-
solidão. Veja o relato abaixo:
Recentemente, o site Chronicle of Higher Education registrou o caso de uma adolescente que havia enviado 3000 mensagens
de texto em um mês, ou seja, ela enviou em média 100 mensagens por dia, ou cerca de uma a cada 10 minutos – pela manhã, tarde e noite, dias úteis e fins de semana, durante o horário escolar e almoço, enquanto fazia as tarefas de casa e na hora de escovar os dentes (Psique Ciência & Vida, n. 47, p. 36). Diante desse registro, percebemos que a garota dificilmente permaneceu virtualmente sozinha por mais de dez minutos, assim não teve a oportunidade de estar somente consigo – em seus pensamentos, revisando o seu passado e planejando o seu futuro. Vale lembrar que, de acordo com Silva (2009), o isolamento moderado contribui para a reflexão sobre si mesmo, e a busca incessante de fuga da solidão pode comprometer esse aspecto. Ainda que a garota tenha permanecido acompanhada, ela não teve tempo para estar na companhia física de outra pessoa. Assim, contraditoriamente, ficou isolada (numa perspectiva do contato físico e da interação real). No Japão, existe registro de uma pandemia de casos de jovens que se recusam a sair de seus quartos em função do vício no uso de computa-
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dores, seja em jogos e outras atividades virtuais, seja em conversas online. Para Cacioppo (2010), diretor do Centro para a Neurociência Social e Cognitiva da Universidade de Chicago, as circunstâncias atuais promovem maior isolamento. Nesse sentido, muito se discute no que se refere aos efeitos do isolamento social. A maior preocupação dos especialistas é de que as atividades virtuais acabem funcionando como paliativo
para as suas deficiências de interação social ou ainda que o acesso precoce a estas atividades dificulte o desenvolvimento de habilidades sociais. Desse modo, a falta de repertório social associada à estratégia de manter-se conectado, pode vir a acentuar a solidão, criando laços instáveis e relações descartáveis – o que tem impactado a construção e a manutenção das relações, em especial da amizade. As relações de amizade vêm passando por transformações. Em 2009, o site iG anunciou: SE VOCÊ NÃO TEM AMIGOS E SOFRE COM A SOLIDÃO, SEUS PROBLEMAS ACABARAM! AGORA JÁ É POSSÍVEL CONTRATAR UM AMIGO PARA ESTAR SEMPRE AO SEU LADO.1 Isso mesmo, aluguel de amigos é um dos mais novos serviços oferecidos pela rede. As agências propõem companhia e cobram por hora de serviço, reforçando assim a lógica consumista de que basta ter dinheiro para suprir as necessidades afetivas. Note que, desse modo, há uma distorção quanto à semântica da amizade, que pressupõe um vínculo de diálogo numa condição de igualdade política, conceito incompatível com a palavra aluguel que está pautada em tempo e preço pré-determinado, colocando o contratante em condição verticalizada em relação ao contratado. Para finalizar este assunto, reflita... • Como irá ocorrer a interação nesse tipo de relação? Será que existirão a gratuidade e a generosidade inerentes à amizade?
1. Para ver o anúncio na íntegra, acesse: http://jovem.ig.com.br/oscuecas/o_que_rola/2009/05/30/ amigos+de+aluguel+6408915.html
Demandas contemporâneas e os impactos na saúde e qualidade de vida
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• A estima e a confiança conquistadas num processo de interação que constrói a amizade onde ficarão nesse caso? • Será que a contratação de uma companhia temporária resolve a questão da solidão?
(1.4) I mpactos na saúde e qualidade de vida Construímo-nos a partir das relações sociais, no contato com o outro, mas, hoje em dia, está cada vez mais difícil reconhecermos o outro, porque estamos centrados em nós mesmos. Com o tempo corrido, não percebemos com quem cruzamos. E quando reconhecemos alguém, é para preencher uma necessidade do momento, que, na lógica da descartabilidade, não nos permite aprofundar essas relações. Isso traz prejuízos à noção e concretização da identidade, surgindo a necessidade de construção de fakes. Isto é, na era das simulações, de que cada um quer “sair bem na foto” ou ter os “5 minutos de fama”, não queremos nos debruçar sobre algo que nos gere sofrimento, muito menos se esse sofrimento não é nosso, e sim de outra pessoa!
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A busca incansável pela felicidade faz com que a gente não saiba lidar com o sofrimento, dores e perdas, que são aspectos inerentes à vida. Isso dificulta também a criação de estratégias de enfrentamento da realidade, que vem sendo substituída pela busca de remédios ou receitas que prometem a solução de todos os problemas, mas quando o efeito desses paliativos passa, colhemos consequências danosas a nossa saúde e descobrimos que nada se resolveu e... mais
substâncias, mais dano à saúde em prol de algum bem-estar momentâneo. O ato de consumir, o comprar, surge como alternativa para suprir um vazio. Frente a essa falta de amparo, de não querer encarar a dor/sofrimento, abusamos de substâncias ou buscamos coisas/pessoas/ideias que nos proporcionem alívio imediato. Assim, mais uma vez não investimos em estratégias de médio ou longo prazo – tudo se resume ao aqui e agora! Na correria, não temos tempo (e muitas vezes não queremos) de nos aprofundarmos em nós mesmos... Vamos vivendo a vida, sem saber reconhecer o processo das coisas (início, meio e fim), fragmentamos a realidade para o aqui e o agora, seguimos vivendo a superficialidade das relações e cada vez menos sabemos reconhecer o que sentimos, as sensações e percepções que temos do mundo. Como podemos prezar pela nossa saúde nesse contexto? O que consideramos como qualidade de vida em meio a essa realidade? Para respondermos a essas questões, na próxima unidade discutiremos o conceito de saúde e qualidade de vida. Até lá, proponho que reflita sobre o que conversamos. Até breve!
Nesta unidade, vimos como os aspectos da contemporaneidade influenciam a atual noção de tempo e espaço, o que modifica a forma de experienciarmos o mundo e, consequentemente, as relações interpessoais. Toda essa realidade impacta em novos hábitos e influenciam a saúde e a qualidade de vida de toda humanidade.
31 Demandas contemporâneas e os impactos na saúde e qualidade de vida
SÍN T ESE
QU ESTÃO PA R A R E F L E X ÃO Como você tem vivido a realidade contemporânea? Para fomentar essa ideia, assista ao documentário História das Coisas em http://www.youtube.com/watch?v=PqaUjDTCsVI.
SUGESTÃO Wall-E. Animação de produção da Walt Disney Pictures/Pixar Animation Studios, sob a direção de Andrew Stanton, o filme apresenta a consequência da poluição humana na Terra. A humanidade deixou o planeta e passou a viver em uma gigantesca nave, onde a rotina se estabelece a partir da facilidade de satisfação dos desejos, tudo gira em torno da tecnologia e as pessoas se focam no contato com as outras através de suas telas individuais.
SI T ES I N DIC A DOS http://chronicle.com http://quatrop.blogspot.com/2009/03/pra-que-sentimento-jaque-inventaram-o.html.
L E I T U R A I N DIC A DA BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Trad. P. Dentzien. Rio
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de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. (Obra original publicada em 2000).
R E F E R ÊNCI A S BAUMAN, Z. Globalização: as consequências humanas. Trad. M. Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. (Obra original publicada em 1998).
BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Trad. P. Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. (Obra original publicada em 2000). CACIOPPO, J. Solidão compartilhada. In: Psiquê, Ciência e Vida, ano IV, n. 47. São Paulo: Escala, 2010. FREZZA, M.; GRISCI, C.; KESSLER, C. Tempo e espaço na contemporaneidade: uma análise a partir de uma revista popular de negócios. In: RAC, Curitiba, v. 13, n. 3, art.8, pp. 487-503, jul./ago. 2009. Disponível em: http://www.anpad.org. br/rac. Acesso em: 18 set. 2010. GOMES, L. G. Solidão compartilhada. In: Psiquê, Ciência e Vida. Ano IV, n. 47. São Paulo: Editora Escala, 2010. (p. 43) MARINHO, L. A. Sociedade descartável. In: Revista Vida Simples, p. 80, jun. 2008. REVISTA PSIQUÊ, CIÊNCIA & VIDA, ano IV, n. 47. São Paulo: Escala, 2010. SILVA, A. A. Relacionamento amoroso. São Paulo: Publifolha, 2009.
temporaneidade: breve análise de líricas de Zeca Baleiro e Lenine. Artigo online. Disponível em: www.fadepe.com.br/ restrito/conteudo_pos/4_fina_contro_0%20lugar%20das%20 relacoes%20interpessoais%20nacontemporaneidade.doc. Acesso em: 18 set. 2010.
33 Demandas contemporâneas e os impactos na saúde e qualidade de vida
SOUZA, A. P. O lugar das relações interpessoais na con-
(2)
Conceito de saĂşde e qualidade de vida
Renata Mussi
C aro aluno, A unidade que segue tratará dos conceitos de saúde e qualidade de vida. Nesse sentido, pergunto: você já parou para se perguntar se tem cuidado da própria saúde e o que tem feito para promover a si mesmo qualidade de vida? Muito embora, muitos de nós não tenhamos nos feito esses questionamentos, provavelmente, todos concordamos que são fatores importantes, ou melhor, devemos apreender esforços para que a nossa saúde e qualidade de vida seja preservada. No entanto, no dia a dia, nossos hábitos podem estar distantes dessa promoção... Vamos aos estudos!
(2.1) O conceito de saúde “Saúde é algo onde o papel de cada indivíduo, de cada pessoa é fundamental. É antes de tudo uma sucessão de compromissos que se assume com a realidade, e que se mudam se reconquistam, se redefinem, que se perdem e que se ganham. Isso é saúde!” (DEJOURS, 1986) Vivemos em uma cultura do dualismo – bom x mau; bonito x feio; alto x baixo... Saúde x __________. Isso! Automaticamente, no preenchimento desta lacuna pensaremos na palavra doença! Assim, por uma influência destas polaridades, por muito tempo a definição de saúde era ausência de doença. Nesse sentido, considerava-se saudável todo
Saúde e qualidade de vida
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indivíduo que não apresentasse qualquer tipo de doença. No entanto, na concepção atual da Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde não é apenas ausência de doença, e sim, a situação de perfeito bem-estar físico, mental e social. Assim, a saúde é compreendida como recurso que permite às pessoas manter uma vida individual, social e economicamente produtiva. A partir desse conceito, houve uma ampliação quanto à concepção da saúde. Conforme Czeresnia (2003), ao pensar a saúde de maneira tão abrangente, estamos lidando com
algo tão amplo como a própria noção de vida, que envolve tanto aspectos individuais e macroestruturais, além da permanente interação destes aspectos. No entanto, essa amplitude no conceito suscitou críticas de especialistas, dentre estes Christophe Dejours que aponta dois aspectos: (1) o estado de bem-estar e de conforto é impossível de ser definido; (2) esse perfeito e completo bem-estar não existe. Deste modo, salienta que esta definição não é concreta, e de acordo com suas palavras:
(DEJOURS, 1986, p. 8).
39 Conceito de saúde e qualidade de vida
Indo mais longe ainda, diríamos que esse estado de bem-estar é qualquer coisa sobre a qual temos uma idéia. Em última instância, poderíamos considerar como sendo um estado ideal, que não é concretamente atingido, podendo ser simplesmente uma ficção, ou seja, uma ilusão, alguma coisa que não se sabe muito bem no que consiste, mas sobre a qual se tem esperanças. Tenderíamos a dizer que a saúde é antes de tudo um fim, um objetivo a ser atingido. Não se trata de um estado de bem-estar, mas de um estado do qual procuramos nos aproximar; não é o que parece indicar a definição internacional, como se o estado de bem-estar social, psíquico fosse um estado estável, que uma vez atingido, pudesse ser mantido
Essa concepção de saúde parte da consideração da instabilidade. O autor salienta que a fisiologia permitiu uma análise do funcionamento do organismo, esclarecendo-nos as regras que asseguram o seu equilíbrio e a sua sobrevivência, no entanto, destaca que esta ciência relata a instabilidade, ou melhor, que o organismo não se encontra num estado estável, mas sim a todo tempo está em mudança. E, nesse sentido, conclui que o estado de saúde, portanto, não é um estado de calma, ausência de movimento, de conforto, de bem-estar e ociosidade, pelo contrário, é algo que muda constantemente. Outros autores também fazem ressalvas ao conceito e, de acordo com Segre e Ferraz (1997), a definição da OMS está ultrapassada, porque ainda faz destaque entre o físico, o mental e o social. Esses autores defendem que a separação mente-corpo há muito tempo foi superada e consideram que o psíquico responde ao corporal e vice-versa, ou seja, que estas esferas consistem em um sistema onde não se delineia uma nítida divisão. Ferraz (1997) propõe uma conceituação de saúde que abarque a relação destes diferentes aspectos em constante transformação. Nesse sentido, sugere a saúde como um estado de razoável autonomia entre o sujeito e a sua própria realidade.
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Essa realidade atua sobre esse sistema complexo, sendo que o estilo e ritmo de vida impostos pela cultura, a modalidade da organização do trabalho, a vida nos grandes centros urbanos, a noção atual de tempo e espaço, discutida na unidade anterior, dentre tantos outros fatores, impactam na saúde e qualidade de vida do indivíduo. Mas, afinal, o que é qualidade de vida?
(2.2) O conceito de qualidade de vida Atualmente, a melhoria da qualidade de vida (QV) passou a ser um dos resultados esperados para realidade humana. Falar de qualidade de vida nos remete ao grau de satisfação encontrado nas diversas esferas da vida – familiar, amorosa, social e ambiental. É uma noção eminentemente humana, que abrange muitos significados. A busca por uma melhor qualidade de vida nos remete à busca da felicidade. Nessa busca, no dia a dia, somos incentivados a consumir determinados produtos, com a promessa de que vamos alcançar essa condição. E, como visto na unidade anterior, esta busca incessante pela felicidade direciona nossas ações a “receitas de como ter uma vida melhor”. Assim, Seild e Zannon (2004) alertam para a diversidade da utilização deste termo, tanto na linguagem cotidiana quanto no contexto da pesquisa científica. Há controvérsias sobre o seu significado, embora seja um termo antigo, desde a década de 1930 já se encontra alusão a esta temática na liteAWARD; VORUGANTI, 2000) aponta que “[...] qualidade de vida é uma vaga e etérea entidade, algo que muita gente fala, mas que ninguém sabe claramente o que é”. Conforme Seidl e Zannon (2004), uma definição clássica de tipo global é apresentada por Andrews e datada de 1974, que a considera como uma extensão em que prazer e sofrimento têm sido alcançados. A partir da década de 1980, passa-se a priorizar conceitos mais específicos, e em 1990, estudiosos concordam quanto a duas dimensões relevantes para a compreensão do conceito: multidimensionalidade e subjetividade.
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ratura científica. Em meados de 1970, Campbell (1976 apud
O consenso quanto à multidimensionalidade refere-se ao reconhecimento de que existem diferentes dimensões. Dentre as quais se destacam: (a) física, que envolve a percepção do indivíduo sobre sua condição física; (b) psicológica, no que se refere à condição afetiva e cognitiva; (c) relacional, em que o indivíduo identifica os relacionamento e papéis sociais adotados na sua vida; (d) ambiental, que envolve a percepção de como o indivíduo lida com os diversos aspectos relacionados ao ambiente em que vive. No que tange a uma compreensão subjetiva, destaca-se a Bioética, que, pautada no conceito de autonomia, entende a qualidade de vida como algo intrínseco ao indivíduo, ou melhor, só possível de ser avaliada pelo próprio sujeito. Essa também é a concepção defendida pela OMS, que destaca a qualidade de vida como “[...] a percepção do indivíduo sobre a sua posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores nos quais ele vive, e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. Nessa perspectiva, considera-se a percepção da pessoa sobre o seu estado de saúde e sobre os aspectos não médicos do seu contexto de vida mais amplo. De acordo com Minayo e cols. (2000) existem três referências para concepção do termo: (1) his-
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tórica; (2) cultural e (3) estratificação social. Em outras palavras:
Em um determinado tempo de seu desenvolvimento econômico, social e tecnológico, uma sociedade específica tem um parâmetro de qualidade de vida diferente da mesma sociedade em outra etapa histórica. Certamente, valores e necessidades são construídos e hierarquizados diferentemente pelos povos, revelando suas
tradições. E, ainda, os padrões e as concepções de bem-estar são também estratificados, sobretudo em sociedade heterogêneas e desiguais, assim a idéia de qualidade de vida está relacionada ao bem-estar das camadas superiores e à passagem de um limiar a outro (MINAYO e cols., 2000, p. 2). Sendo assim, o que um indivíduo identifica como qualidade de vida pode refletir conhecimentos, experiências e valores particulares ou sob a influência cultural/social a que ele se reporta em variadas épocas, espaços e histórias diferentes. E, nesse sentido, o conceito abarca, portanto, uma construção da experiência no social. Vale lembrar que a sociedade define um padrão de qualidade de vida e se mobiliza para conquistá-lo. Além disso, as políticas públicas e sociais vigentes norteiam o desenvolvimento humano, as mudanças no modo, condições e estilos de vida. No texto de João Ubaldo Ribeiro, fica evidente a ideia subjetiva inerente à concepção de qualidade de vida. O autor fator relevante desta concepção. Ele avalia a forma como vive a sua vida e a qualifica como pobre em qualidade partindo do parâmetro de conceito de qualidade de vida vigente da época. Observa-se com clareza que, conforme dito anteriormente, as políticas públicas delineiam o que deve ser feito para que se atinja saúde e bem-estar. Dito isto, podemos voltar a pensar sobre a qualidade de vida relacionada à saúde.
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também faz referência ao aspecto histórico-cultural como
(2.3) R elação saúde e qualidade de vida Os estudos demonstram que existe uma forte relação entre saúde e qualidade de vida, ou seja, uma coisa depende e leva à outra, estão interrelacionadas. De acordo com Buss (2000), existem evidências científicas que mostram a contribuição da saúde para a qualidade de vida de indivíduos e populações. Do mesmo modo que se sabe que muitos componentes da vida social, que contribuem para uma vida com qualidade, são também fundamentais para que indivíduos e populações alcancem um perfil mais adequado de saúde. A influência da saúde sobre a qualidade de vida e vice-versa tem sido uma ocupação histórica de políticos e pensadores, que há muito tempo têm se questionado sobre o papel da medicina, saúde pública e do setor da saúde de uma maneira mais genérica. Essa preocupação ocorre no intuito de conceber uma ação ampla o suficiente para que essa discussão seja relevante nos diferentes âmbitos. Saúde e qualidade de vida
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Recentemente, relatórios diversos sobre a saúde mundial (WHO, 1998) e da região das Américas (OPAS, 1998) têm apontado melhoria contínua nas condições de vida e de saúde dos países. Atribui-se essa melhora, sobretudo, aos progressos políticos, econômicos, sociais e ambientais, bem como avanços na medicina e saúde pública, mais especificamente a perspectiva de promoção à saúde. Promover a saúde partindo de uma concepção ampliada do processo saúde-doença e seus determinantes vem se mostrando uma estratégia promissora de enfrentamento dos múltiplos problemas de saúde
que afetam as populações humanas. Essa perspectiva propõe a articulação de saberes técnicos e populares com a mobilização de recursos institucionais e comunitários, públicos e privados. O discurso da relação entre saúde e qualidade de vida, no campo da saúde, existe desde o nascimento da medicina social, nos séculos XVIII e XIX, quando se iniciaram as sistematizações referentes às políticas públicas. Nos últimos anos vem se revigorando no conceito de promoção da saúde. Destaca-se, no entanto, a importância da definição de promoção da saúde que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS apud WHO, 1998), compreende a promoção da saúde como um processo social e político focado em ações dirigidas à mudança nas condições sociais, ambientais e econômicas de forma a amenizar o impacto na saúde pública e individual. Complementar a essa ideia, a Carta de Ottawa contempla o tema na seguinte expressão:
(WHO, 1986, p. 32). Sendo assim, há de se pensar: de que maneira nós podemos viabilizar uma melhoria no que se refere ao âmbito individual (para que se possa, consequentemente, pensar em algo que seja coletivo)? Como podemos adotar hábitos e fazeres no nosso cotidiano que impliquem em promoção de saúde e qualidade de vida?
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[a promoção da saúde institui-se como] um processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação de todos no controle deste processo
GRANDE QUALIDADE DE VIDA Por João Ubaldo Ribeiro
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Antigamente, não havia qualidade de vida. Quer dizer, não se falava em qualidade de vida. Agora só se fala em qualidade de vida e, em matéria de qualidade de vida, sou um dos sujeitos mais ameaçados que conheço. Na verdade, me dizem que venho experimentando uma considerável melhora de qualidade de vida, mas tenho algumas dúvidas. Minha qualidade de vida, na minha modesta opinião pessoal, não tem melhorado essas coisas todas, com as providências que me fazem tomar e as violências que sou obrigado a cometer contra mim mesmo. Geralmente suporto bem conversas sobre qualidade de vida, mas tendo cada vez mais a retirar-me do círculo ou recinto onde me encontro, quando começam a falar nela. A comida mesmo me faz estar considerando, no momento, comprar uma balança de precisão e um computador de bolso com um programa alimentar especial. Antes eu comia do que gostava. Fui criado, por exemplo, com comida frita na banha de porco ou, mais tarde, na gordura de coco. Meus avós, todos mortos depois dos noventa (com exceção do que só comia o saudabilíssimo azeite de oliva – e ele morreu de AVC) comiam banha de porco e torresmo regularmente, mas, claro, ainda não tinha sido informados de que se tratava de prática mortal. Aliás, comida saudável, que se ensinava nos manuais até para crianças, era composta de leite integral, ovos, pão (com manteiga), carne vermelha ou peixe – frito, então, era uma maravilha para estômagos delicados – frutas e legumes à vontade. Depois disso, até atingirmos a atual qualidade de vida, fulminaram o leite. Alimento completo, passou a ser encarado com desconfiança, e hoje não sei de ninguém que beba leite integral, a não ser, talvez, algum gorila do Zoológico. O ovo sofreu ataque violentíssimo, assim como o açúcar, a ponto de, tenho certeza, várias receitas tradicionais de doces serem hoje achados arqueológicos, e as poucas que restam constituam uma imitação desenxabida das que empregavam ingredientes normais e não essas massas e líquidos insossos que vivem distribuindo, como leite, manteiga etc. Claro, mudaram de idéia a respeito do ovo recentemente, mas a mudança de idéias deles só pode ser vista com desconfiança.
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Não houve o tempo, e não é preciso ser nenhum Matusalém para lembrar, em que para substituir a manteiga era exigida margarina, alimento saudabilíssimo, que não fazia nenhuma das monstruosidades operadas pela manteiga? O negócio era margarina e durou bastante, até que descobriram que margarina pode ser até pior do que manteiga. Melhor, na verdade, abolir manteiga inteiramente. E margarina, claro, nem pensar. Carne vermelha é uma abominação. Carne de porco é um terror. Vísceras de qualquer tipo devem ser evitadas como o diabo foge da cruz. Açúcar, meu Deus! Sorvete? Só para crianças, e crianças de pais irresponsáveis. Aliás, é um bom desafio achar algo unanimemente aprovado pelos nutricionistas, a não ser, tudo indica, capim. Mas ninguém pode viver de capim, de maneira que, relutantemente, deixam a gente comer uma coisinha qualquer, contanto que não ultrapassemos o limite de calorias e não ingiramos o proibido e, mesmo assim, com restrições. Peixe cozido ou grelhado, por exemplo, geralmente pode, mas paira sobre seu infeliz consumidor a ameaça de que não esteja fresco ou esteja contaminado por metais pesados e pelo lixo que jogam em rios e mares. Peito de frango (e eu que sou homem de coxas e antecoxas) também assusta, por causa dos hormônios que dão às galinhas e as neuroses que elas desenvolvem, nascendo sem mãe e sendo criadas em cubículos em que mal podem se mexer, a ponto de terem de ser debicadas, para não se autodevorarem histericamente. Ou seja, mesmo comendo um peito de galinha sem uma gota de qualquer gordura e acompanhado somente por matos e alguns legumes (cuidado com a contaminação de tomates, cenouras e alfaces!), o infeliz se arrisca. Mas vou usar o computador para calcular as calorias, as gorduras e outras características de cada refeição, porque, agora que minha qualidade de vida está melhorando a cada dia, preciso ser coerente. Fumar, não mais, nem uma pitadinha depois do café (que ninguém sabe direito se faz bem ou faz mal, temperado com adoçante, que também ninguém sabe se faz bem ou faz mal). Beber, esqueça, vai deixar você demente aos 60, além de dar cirrose e hepatite. O famoso copinho de vinho, além de ser uma porção ridícula, também está sendo questionado no momento.
Parece que não é bem assim, e uma autoridade no assunto disse outro dia no jornal que o melhor é tomar suco de uva — não industrializado, é claro, por causa dos aditivos. Restam também os exercícios. Fico felicíssimo, quando, suando e bufando no calçadão, sinto o ar fresco invadir os meus pulmões (preferia logo uma tenda de oxigênio), as pernas doendo e a certeza de que minha qualidade de vida vai cada vez melhor. Até minha pressão arterial (13 a 14 por 8), que era considerada boa para minha idade, agora já é alta e o pessoal dos 12 por 8 já começa a entrar na faixa de risco. Enfim, é duro manter esta boa qualidade de vida, ainda mais agora que me anunciam que caminhadas somente não bastam, tem de malhar também. Ou seja, temos que nos dedicar o tempo todo a manter nossa qualidade de vida. Mas, aqui entre nós, se vocês no futuro virem um gordão tomando caldinho de feijão com torresmo no boteco, depois de um chopinho, e o acharem vagamente parecido comigo, talvez seja eu mesmo, sofrendo de uma pavorosa qualidade de vida. A diferença é grande. Tanto eu quanto vocês vamos morrer do mesmo jeito, mas vocês, depois da excelente qualidade de vida que estão desfrutando aí com sua rúcula com suco de brócolis, vão ter uma ótima qualidade de morte, falecendo em perfeita saúde e eu lá, no meu velório, com um sorriso obeso e contente no rosto dissoluto. Fonte: http://www.almacarioca.net/grande-qualidade-de-vida-joao-ubaldo-ribeiro/
Saúde e qualidade de vida
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Para responder a estas perguntas, convido você a refletir junto com o autor João Ubaldo Ribeiro, que problematizou esta temática no texto indicado na Questão para reflexão, ao final desta unidade. O que o texto nos coloca a pensar? Veja, o autor aponta para a relatividade das coisas, se pensamos exageradamente em seguir receitas tidas como ideais para preservação da saúde, podemos comprometer a nossa qualidade de vida, no sentido de fazermos coisas que não necessariamente nos traga prazer. Por outro lado, se nos entregarmos ao deleite sem ponderarmos as consequências à saúde podemos sofrer posteriormente os danos causados... Êita vida difícil! Até a próxima!
SÍN T ESE Neste momento você teve acesso aos conceitos de saúde e qualidade de vida. Problematizamos as diferentes concepções destes termos, discutimos a relação entre eles. A partir das reflexões de João Ubaldo Ribeiro, tivemos a oportunidade de visualizar a discussão teórica apresentada.
QU ESTÃO PA R A R E F L E X ÃO MORRENDO EM PERFEITA SAÚDE
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Por João Ubaldo Ribeiro Não agüento mais de culpa, acusado de suicidar-me a cada instante, por matérias de revistas e jornais, pelos amigos e por desconhecidos íntimos com que me bato aqui nas ruas do Baixo Leblon. Venho de tempos bem mais amenos. Antigamente, o sujeito acordava, tomava uma xícara de café com leite e comia um pãozinho com manteiga. Hoje, isto não é mais possível e chega mesmo a ser encarado com horror pelos mais radicais. O café, além de poder conter substâncias ilicitamente adicionadas pelo fabricante, também causa males recentemente descobertos por um laboratório de Glasgow, ou Amsterdã ou Jacarta, que poderão deixar o freguês abestalhado, tarado, astênico ou hiperexcitável a ponto de matar a família e ir ao cinema. Leite, só desnatado e olhe lá, porque faz mal a muita gente que nem suspeita disso. Talvez a maior parte de vocês não saiba, mas muitos adultos têm intolerância ao leite e seu consumo os deixará abestalhados, tarados, astênicos, etc. Antigamente, ninguém sabia disso, de maneira que nosso avozinho podia tomar seu leite morno tranqüilamente aos 80 anos, enquanto hoje, se fizer isso, não passa dos 60. Pãozinho, nem pensar. Além dos aditivos, como o tremebundo bromato, é perigosíssimo carboidrato de farinha refinada, a ser temido como o diabo teme a cruz. E manteiga deve ser brevemente incluída nas listas de drogas proibidas, juntamente com cocaína e heroína. E uma omeletezinha? E ovos estrelados, daqueles reluzentes como o sol, que a gente encarava com requintes de esfregadinhas de pão na gema? Com presunto? Com bacon? Livrai-nos, Senhor, de todas essas pragas infernais.
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Vocês se lembram do tempo da margarina? Já faz algumas décadas, mas, coincidindo com safras recordes de uma de suas matérias-primas principais, o milho, apareceram, principalmente nos Estados Unidos, onde os excedentes do milho eram colossais, centenas (ou milhares) de estudos mostrando como a margarina era muitíssimo preferível à execrável manteiga, razão por que devíamos consumi-la aos potes. Agora, não é mais assim, a margarina é cheia de aditivos químicos (aliás, é outra coisa interessante, esse negócio de químico, pois, afinal, toda matéria é química de uma forma ou de outra – água é a composição química de dois átomos de hidrogênio com um de oxigênio) e, segundo diversos, bem mais letal do que a manteiga. E carne, meu Deus do céu? É caso de se embuçar, para ir a uma churrascaria. Outro dia, à beira do pranto, meu amigo Carlinhos Judeu apareceu no boteco com a nova dieta que seu médico lhe havia prescrito. Após cuidadoso escrutínio, todos os da mesa concluíram que a única alimentação permitida a Carlinhos, sete dias por semana, 30 dias por mês, era peito de frango com certas verduras. Quem come carne vermelha é expulso de certas mesas, como se fosse um canibal. Há quem não coma mamíferos. Deve ser porque o mamífero mamou e ficou contaminado com o maldito leite. Não se pode comer mamífero nem no Ártico, onde Brigitte Bardot recomendou aos esquimós um regime vegetariano, sendo recebida com certa perplexidade, porque indubitavelmente é bastante difícil plantar alface e repolho no Pólo Norte. E o tempo da macrobiótica, lembram vocês? As pessoas iam a estabelecimentos de aparência lúgubre, ao som de cítaras sinistras, onde sentavam em almofadas sebosas e mastigavam 30 vezes cada bocado das estranhíssimas iguarias que eram servidas (inclusive uma certa “água descansada” que uma vez me serviram na Bahia, e morro de preocupação porque hoje em dia só bebo água cansada), para depois todo mundo sair macilento e contrito, na convicção de que em breve alcançaria o Nirvana por via da tortura alimentar. Na ocasião, fui muito atacado por sustentar que, ao praticar a macrobiótica, o sujeito ficava com a aparência de 70 anos, mas disso não passava. Suponho que ainda devem haver praticantes soltos por aí, embora seguramente evitem passar pela porta do São João Batista à noite, a fim de não serem abatidos a estocadas de
Fonte: http://www.almacarioca.net/morrendo-em-perfeita-saude-joao-ubaldo-ribeiro/.
L E I T U R A S I N DIC A DA S SEGRE, M.; FERRAZ, F. O Conceito de saúde. In: Revista Saúde Pública, São Paulo, v. 31, n. 5, out. 1997. Disponível em: http:// www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003489101997000600016&lgn=en&nrm=iso. Acesso em: 18 dez. 2008.
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madeira no coração. Resta o delicado aspecto da malhação, sobre o qual há mais teses do que sobre o marxismo antigamente. Deve-se malhar, é a unanimidade, assim como acabar o capitalismo era unanimidade dos marxistas. Mas, como em relação à ideologia, aí cessa a harmonia, porque os teóricos divergem em cada minúsculo pormenor da malhação. Às vezes vejo amigos e amigas minhas – eis que todo dia há uma matéria sobre malhação nos jornais de tevê – contando as horas diárias a que se entregam às mais exóticas contorções e a aparelhos que seriam rejeitados por Torquemada como excessivamente cruéis. Quem hoje não malha é um marginal. E nos tentam vender, em ofertas mirabolantes pela tevê, uma tal quantidade de tralhas que nos transformarão em seres eternamente sadios, sem estresse e sem problemas, que, se comprássemos tudo, íamos ter de morar num galpão do cais do porto. É a qualidade de vida, me explicam. É óbvio que não se deixa de morrer, mas se vive mais e com muito melhor qualidade de vida. Qualidade de vida como, cara-pálida? Comendo palha, sem beber, sem fumar, sem comer doce, sem perder noite, aplicando cremes e loções várias vezes ao dia, sem isso, sem aquilo (e aquilo outro também, de acordo com um médico que apareceu uma vez na Bahia, afirmando que o homem é programado para ter quatro ou cinco orgasmos em toda a vida, pois mais do que isso dá câncer na próstata e debilidade mental), dedicando enorme parte da existência a escovar os dentes e o resto a preocupar-se com eventuais transgressões. Que me perdoem a insensibilidade, mas dispenso essa qualidade de vida e prefiro morrer doente mesmo a esticar as canelas em perfeita saúde.
SEIDL, E. M.; ZANNON, C. M. Qualidade de vida e saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n.2, abril 2004. Disponível em: http:// www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102311X2004000200027&lng=en&nrm=iso. Acesso em 18 dez. 2008.
SI T E I N DIC A DO http://www.almacarioca.net – neste site você encontra outras reflexões de João Ubaldo Ribeiro sobre temáticas do cotidiano, vale a pena conferir!
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ponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_
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S aúde, ciência e religião
Leila Tibiriçá
Olá! Após você conhecer os conceitos de saúde e qualidade de vida, relacionando-os aos aspectos da contemporaneidade, você pode se perguntar: será que a ciência explica tudo? Qual é a relação entre saúde e religião? Para uma maior compreensão acerca da relação entre saúde, ciência e religião, temos que pensar epistemologicamente, ou seja, remontar um pouco sobre a história da produção de conhecimento. Afinal, existem cinco formas de se explicar o que acontece com o ser humano e com o mundo, dentre elas estão a religião e a ciência, além do senso comum, da arte e da filosofia.
(3.1) E o que é ciência? A ciência surge com o advento da modernidade, a partir do declínio de todo o sistema político-econômico-social-cultural vigente na Idade Média. Com a queda do sistema feudal, a ascensão da burguesia e a substituição do modelo teocêntrico (em que o Deus era o centro do Universo) pelo modelo antropocêntrico (o homem como este centro), o homem passa a exercer outro lugar frente à natureza, buscando compreendê-la através do desvendamento das leis que a regem. Com a ênfase na razão, o homem vai se afastando de explicações místicas em que os dogmas da Igreja passam a ser substituídos pela produção de conhecimento através de mensurações e observações realizadas pelo homem. Através dessa atividade reflexiva, produz-se um conhecimento, uma verdade sobre determinado aspecto da realidade, tanto refe-
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rente ao mundo como ao próprio homem. Ciência seria, então, uma atividade que busca compreender, elucidar e alterar o cotidiano através de um estudo sistemático sobre o objeto de investigação. Para essa construção, faz-se necessário o uso de métodos e técnicas, além da fundamentação teórica para buscar uma compreensão de forma aprofundada sobre um aspecto da realidade. Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2008), ciência é um
[...] conjunto de conhecimentos, sobre fatos ou aspectos da realidade (objeto de estudo), expresso por meio de uma linguagem precisa e rigorosa. Esses conhecimentos devem ser obtidos de ma-
neira programada, sistemática e controlada, para que se permita a verificação de sua validade (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008, p. 19). Na sua origem, o modelo de se fazer ciência foi denominado como Positivismo, já que se acreditava revelar exatamente as coisas como elas são. Com isso, não era admitido nenhum tipo de influência entre o pesquisador e o seu objeto de estudo. A partir da neutralidade e do controle das variáveis, o conhecimento obtido era considerado como válido, e assim tomado como uma verdade absoluta. Dos dogmas religiosos às verdades incontestáveis da ciência, os dados obtidos reproduziam explicações deterministas e reducionistas da realidade. É claro que o modelo de ciência também foi se modificando com o passar do tempo. Embora o positivismo ainda exerça muita influência sobre nós, seres humanos, hoje consideramos outras formas de se Hoje em dia, por exemplo, fala-se na importância de se buscar a imparcialidade do pesquisador ao invés de considerá-lo como neutro. Ou seja, considera-se, assim, que os aspectos subjetivos (valores, crenças, percepções, preconceitos...) de cada pesquisador influenciarão a construção do conhecimento científico, entretanto, para este conhecimento ser considerado como válido, faz-se necessário que ele busque estar atento a tudo isso durante a sua produção, a fim de que possua um distanciamento ótimo entre si e seu objeto de estudo. A ciência hoje também concebe a realidade de outra forma. Dentro do paradigma da complexidade, acredita-se que a realidade é composta por múltiplos aspectos em
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fazer ciência.
constante relação e em permanente movimento de mudança. Dessa forma, fica difícil pensar em explicações que reproduzam uma lógica linear, apontando a causa e a consequência de determinado fenômeno, já que elas são diversas e exercem mútua influência numa relação dialética. Frente a esse paradigma e por considerar o mundo em constante transformação, a ciência passa a não mais produzir leis e sim teorias. Assim, o avanço da ciência deve ser pensado de forma cumulativa e as verdades passam a ser consideradas como relativas e provisórias. Por isso, como vimos na unidade anterior, não é à toa que vemos notas, nos diversos meios de comunicação, que afirmam que consumir determinados alimentos, como o café, a margarina, ovos e o vinho, faz bem à saúde e, um tempo depois, nos avisam que esses mesmos alimentos podem trazer prejuízos. Porém, logo em seguida, reafirmam que o consumo desses alimentos faz bem, citando os estudos que comprovam isso. Outro exemplo dessa diversidade dentro da própria
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ciência pode ser observado através de explicações sobre a origem da vida humana. Alguns defendem que a vida do ser humano se inicia no momento da fecundação, em que o espermatozoide entra no óvulo. Outros consideram que este início se dá quando o bebê apresenta atividade cardíaca, ou com a formação do sistema nervoso central ou ainda a partir da atividade cerebral. Assim, percebemos que existem explicações diferentes para compreender a origem da vida humana, seja no momento da fecundação ou com o início de alguma função específica do organismo humano. Por isso, constata-se que a ciência hoje, diferentemente da ciência positivista, não consegue explicar um fenômeno a partir de uma única resposta ou versão. Deparamo-nos, o tempo inteiro, com uma diversidade
de teorias, sendo algumas mais validadas e reconhecidas do que outras. A ciência vai se construindo a partir da existência dessas múltiplas teorias que se confrontam e se reafirmam, bem como constroem novos conhecimentos. Com isso, vale ressaltar que a ciência é uma dentre as outras formas de se produzir conhecimentos, sem apontar, hierarquicamente, para a mais ou a menos importante. Afinal, em se tratando de uma realidade complexa, a coexistência dessas diversas formas de explicar o mundo e a via humana faz-se cada vez mais presente. Dentre essas “reviravoltas do saber”, Foucault (2003 apud ANDRADE, 2006) critica a institucionalização do discurso científico e de práticas consolidadas consideradas até então como inquestionáveis. Aponta para a valorização das “técnicas de si”, ou seja, dos conhecimentos produzidos por cada um, pelas experiências no seu cotidiano, além de valorizar as explicações dadas pelos especialistas, oriundos das mais variadas ciências (FOUCAULT, 2004). Esses conhecimentos construídos espontaneamente var alguém ou por saberes transmitidos de geração a geração, por alguém com autoridade reconhecida, propõem uma verdade. Essa compreensão acumulada no nosso cotidiano também elabora “teorias” (interpretações) para facilitar o nosso dia a dia, de forma a simplificar o real. Para tal, o saber produzido pelo senso comum realiza uma mistura e reciclagem de outros saberes, oriundos das diversas formas de produção de conhecimento. Saberes produzidos no senso comum estimulam problemas a serem investigados por cientistas, como teorias científicas são apropriadas no nosso cotidiano, de forma simplificada. Afinal, quem já não ouviu falar que tomar chá de boldo é bom para quem tem problemas estomacais ou que
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ou intuitivamente, seja por experiência própria, por obser-
maracujá acalma? Quantas vezes também não ouvimos falar que uma criança “mais cheinha” é sinônimo de criança saudável ou que pensar num indivíduo sedentário é sinônimo de uma pessoa com um maior status social e econômico? Essas crenças vão sendo desmistificadas com o avanço da ciência. Por exemplo, hoje, a obesidade e o sedentarismo são considerados doenças relacionadas à qualidade de vida, que devem ser prevenidas e tratadas; como também dispomos de informações que permitem uma maior compreensão através de fundamentos sobre o que determinadas substâncias encontradas em plantas proporcionam ao nosso organismo. A partir dessa relação entre saberes, vamos construindo crenças, comportamentos, valores, instituições, regras morais que permeiam e identificam uma sociedade. Assim, vamos reproduzindo e criando a cultura do contexto em que estamos inseridos. Afinal, a cultura é o resultado dos modos como os diversos grupos humanos foram resolvendo os seus problemas ao longo da história. Foucault (2004) aborda os diferentes olhares sobre o
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corpo e sobre a saúde, nos diferentes contextos históricos, apontando o corpo como uma realidade biopolítica. Assim, os conceitos de saúde e corpo são regidos por normas sociais e pelos saberes, como se refere o mesmo autor ao abordar o nascimento da medicina social. Nesse sentido, ele afirma que, a partir do final século XVI e início do século XVII, surge a preocupação das nações europeias com o estado de saúde da população e, apenas a partir do século XVIII, emerge uma preocupação com a higiene nas cidades, levando em conta todos os aspectos políticos, econômicos e culturais de cada um desses momentos. Então, podemos perceber que a cultura sofre mudanças de forma dinâmica, com traços que se perdem, outros que são adicionados em velocidades distintas nas diferentes
sociedades. Não é por acaso que temos diferentes compreensões sobre o que é saúde e sobre cuidados com a saúde, bem como sobre algumas doenças, dependendo do contexto em que estejamos inseridos. Se pensarmos no simbolismo sobre a lepra ou sobre a tuberculose, remetemo-nos a uma compreensão diferenciada do que nós temos nos dias atuais. Assim, ao pensarmos sobre a saúde como realidade complexa, temos que compreender os aspectos culturais relacionados a essa concepção, porque, dependendo do grupo social, num determinado lugar e período, alguns hábitos ou explicações são considerados aceitáveis (comuns, dentro da normalidade) e outros nem tanto. Cultura envolve, então, crenças, comportamentos, medos, estigmas e expectativas com relação à vida dos seres humanos. Um exemplo disso é o estudo de caso sobre surdez apresentado por Diniz (2003), em que a comunidade surda por ele retratada defende a preferência pelo nascimento de crianças surdas, a fim de manter a identidade cultural dessa comunidade. Nesse grupo, a surdez não é considerada uma considerada como um sinal patológico, como algo anormal, que deve ser medicado ou curado. Constatamos que as crenças ou os valores culturais de uma comunidade interferem na concepção de cura e de bem-estar que eles mesmos possuem. E, ao falarmos de crenças, relacionamos aos saberes arraigados de valores espirituais, ideias místicas ou explicações religiosas. Afinal, buscamos outras formas de explicar o mundo e a vida humana através de outros conhecimentos que tomamos como verdade, não apenas pela ciência.
63 Saúde, ciência e religião
deficiência e a diferença, a partir da audição, não deve ser
(3.2) M as o que seria religião? Podemos afirmar que diversos são os fenômenos denominados como religião. Apesar de alguns autores apontarem para a dificuldade em englobar toda essa multiplicidade num único conceito, outros enfocam a religião como um fenômeno cultural (BELZEN, 2009). Religião seria outra forma de produção de conhecimento, de obtenção de uma verdade para o que não consegue ser comprovado, através de explicações que não são científicas. Afinal, existem diferentes pontos de vista entre religiosos e cientistas sobre as mesmas situações, como também ainda há questões para as quais os cientistas permanecem sem respostas, mesmo diante de toda essa evolução tecnológica. Essa verdade é constituída a partir da relação entre símbolos e a vida social, através das situações que as pessoas passam no seu dia a dia, fazendo com que elas se apropriem,
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confrontem e reinterpretem esses símbolos através da religião. Esta pode ser definida, então, como
Um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens, através da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral, e vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que as disposições e motivações parecem singularmente realistas (GEERTZ, 1978, p. 104-105 apud RABELO, 1993, p. 323-324).
Para muitos, as crenças religiosas são consideradas fontes privilegiadas de conhecimento que sobrepõem a qualquer outra. Sobre essa busca de explicações através da religião, Pereira (2003 apud PEREIRA, 2008, p. 9) afirma que a fé pode ser entendida como “a resposta à dúvida, em que o ser humano é levado pela necessidade premente buscando a solução do que lhe perturba o ser”. Ou seja, segundo o autor, a fé seria “confiar em meio à desconfiança”, já que é a convicção de que algo seja verdade sem nenhuma prova de que este existe na realidade. A religiosidade e a fé não estão necessariamente atreladas a alguma instituição, pois, como vimos, é uma busca por uma verdade. Mas, ao pensarmos especificamente no contexto brasileiro, deparamo-nos com uma cultura extremamente religiosa. Afinal, um bom número de brasileiros frequenta práticas religiosas de vários cultos. A partir do Censo Demográfico de 2000, realizado pelo IBGE, sabemos que a religião predominante da população do Brasil é a católica (73,5%). Veja na tabela a seguir:
religião – Brasil 2000
Religião
(%)
Católica Apostólica Romana
73,6
Evangélicos
15,4
Espíritas
1,3
Umbanda e Candomblé
0,3
Outras religiosidades
1,8
Sem religião
7,4
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 – Características Gerais da População: Resultados da Amostra
65 Saúde, ciência e religião
Distribuição percentual da população residente, por
Vale ressaltar o crescimento da religião evangélica com o passar dos anos, contabilizando a uma percentagem de 15,4% em 2000. Além disso, o número de pessoas que se denominam como “sem religião” é mais alto no Rio de Janeiro (15,5%), Pernambuco (10,9%), Bahia (10,3%), enquanto a média nacional é de 7,4%. Especificamente na Bahia, devemos considerar a constituição histórica por uma mescla de raças, representando uma diversidade cultural e um sincretismo religioso constante. Assim, a nossa história, enquanto cultura brasileira e baiana, está permeada por crenças movidas pela fé. Soma-se a isso, ainda, a evidência, cada vez mais frequente, que a mídia dá a curas através de diversos rituais religiosos, por uma evolução espiritual ou por uma aproximação com o divino.
(3.3)
Saúde e qualidade de vida
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Q ual é a relação entre saúde e religião? Será que podemos falar em “cura pela fé”? Em contextos de cuidado de saúde, Faria e Seidl (2006) afirmam ser comum observar a influência de aspectos religiosos como auxiliares na cura e no tratamento de algumas doenças. Isso acontece porque, muitas vezes, as pessoas atribuem a Deus o aparecimento ou a resolução dos seus problemas de saúde, recorrendo a esta entidade como um recurso cognitivo, emocional ou comportamental (PARGAMENT, 1990 apud FARIA; SEIDL, 2006). Já Koenig (2001b apud PANZINI; BANDEIRA, 2007) afirma que existem quatro razões para associação entre religião e saúde. São elas:
• Das crenças religiosas provêm uma visão de mundo que dá sentido positivo ou negativo às experiências. • As crenças e práticas religiosas podem evocar emoções positivas. • A religião fornece rituais que facilitam/santificam as maiores transições de vida, tais como a adolescência, o casamento e a morte. • As crenças religiosas, como agentes de controle social, dão direcionamento/estrutura para tipos de comportamentos socialmente aceitáveis. Com isso, constatamos que as crenças religiosas bem como os conhecimentos produzidos pela ciência dão sentido à vida humana a partir da produção de suas verdades. Essas crenças vão se somando a outras, além de hábitos e valores, constituindo, assim, a cultura de um determinado grupo social. Nessa comunidade, algumas situações/manifestações são reconhecidas como normais, direcionando, dessa forma, comportamentos que são considerados aceitáveis, como vestir algupor exemplo. Além disso, alguns comportamentos são esperados,
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referentes a alguns rituais da vida como um todo ou em situações
Saúde, ciência e religião
mas roupas e alguns acessórios ou não ingerir bebidas alcoólicas,
específicas, como ao lidar com alguma enfermidade. A experiência religiosa repercute na vida do sujeito, no seu bem-estar, como afirma Amatuzzi (1997 apud PEREIRA, 2008), para quem
A experiência religiosa tem uma repercussão direta na vida da pessoa. Ela a tal que transforma ou modifica a vida [...]. A experiência religiosa abre a pessoa para um mundo inteiramente novo e diferente do cotidiano, do qual só
é possível dar conta a partir de dentro dele mesmo (AMATUZZI, 1997, p. 35-37 apud PEREIRA, 2008, p. 6). De acordo com Moreira-Almeida, Lotufo Neto e Koenig (2006, p. 242 apud PEREIRA, 2008) diversos estudos apontam que os níveis mais elevados no envolvimento religioso associam-se, de forma positiva, a indicadores de bem-estar psicológico, tais como satisfação com a vida, felicidade, afeto positivo e moral mais elevado, como também menos depressão, pensamentos e comportamentos suicidas, e uso/ abuso de álcool/drogas. Faria e Seidl (2006) consideram que diversos são os benefícios a partir de suas crenças e práticas religiosas relacionadas à adaptação psicológica em contextos de ameaças ou danos à saúde, como a sensação de força, poder e controle, disponibilidade de suporte social e senso de pertencimento, facilitação da aceitação da doença, alívio do medo e da
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incerteza frente à morte. O bem-estar também está atrelado ao aspecto subjetivo, isto é, como cada um pensa e sente em relação à sua própria vida. Conforme Dalgalarrondo (2006 apud PEREIRA, 2008), há um maior bem-estar em sujeitos que desenvolvem atividades religiosas, como frequência a cultos, orações e leitura de textos religiosos, dentre outras. Ressalta-se, assim, o apoio social dos grupos religiosos, além da existência de crenças que dão sentido à vida e ao sofrimento. As experiências religiosas facilitam o acesso a redes de suporte e de integração social, além de estimular comportamentos saudáveis, direcionando novos estilos de vida relacionados à saúde, como a alimentação, ao comportamento sexual, relação com os filhos e/ou membros familiares, dentre
outros. Associa-se, assim, à fé e a algumas práticas religiosas a cura de algumas pessoas, ou seja, a melhoria das condições de saúde delas. Isso não significa pensarmos em substituição da fé por recursos das especialidades da saúde ou dos demais saberes sobre a saúde do homem. A fé deve ser pensada como uma aliada aos medicamentos e aos tratamentos convencionais. Afinal, os estudos apenas comprovaram que a devoção ativa possibilita novos significados e criações de estratégias para um maior bem-estar, relacionando aspectos fisiológicos a fatores emocionais. A relação entre esses aspectos proporciona a recuperação ao sujeito, diferentemente de afirmar que a fé cura alguém, até porque, como foi dito nas unidades anteriores, o conceito de saúde abarca os aspectos sociais, além de biológicos e psíquicos. Por isso, para que os símbolos religiosos estejam relacionados à cura, é preciso que eles sejam compartilhados entre o curador, a pessoa com a enfermidade e a sua comunidade de referência (RABELO, 1993). tégias terapêuticas que faz parte de algum culto ou alguma prática religiosa. É uma realidade que se constrói continuamente no dia a dia, a partir de constantes negociações e confirmações para o doente como para as pessoas que compõem a rede de apoio e cuidado. O sentido da cura através da religião vai atribuindo visões de mundo e projetos de enfrentamento aos envolvidos, que passam a incorporá-los à sua experiência cotidiana. Sobre esse aspecto vale a pena ler o caso que Rabelo (1993) relata na busca de Benedita pela cura de sua filha, o que a faz aderir a diferentes religiões. Em cada uma das tentativas, novas explicações e interpretações são dadas aos sintomas apresentados, justificando o porquê destes, como dando
69 Saúde, ciência e religião
Neste sentido, a cura não é o resultado direto de estra-
encaminhamentos diferenciados ao que deve ser feito por elas. A partir do contato com o Pentecostalismo, com o Espiritismo e com o Candomblé, há compreensões diferenciadas de entender e tratar a doença, de acordo com a constante avaliação e reavaliação aos projetos dos cultos, de acordo com os seus objetivos, realizados por Benedita nesta busca pela cura. A partir desse caso, a ideia não é apresentar a partir de qual culto se obtém uma maior eficácia, mas sim pensar, em linhas gerais, que o sucesso de um determinado projeto religioso de cura depende de um entrelace entre vários aspectos. Inclui o próprio curso da doença, como as pessoas envolvidas lidam com ela, além das próprias visões desse projeto de cura, oriundas da experiência religiosa. Aliás, vale ressaltar que, em todos os cultos religiosos frequentados, elas reconheceram a necessidade de um acompanhamento paralelo com o tratamento realizado por especialistas da área da saúde.
(3.4) Saúde e qualidade de vida
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E qual é a relação entre bem-estar, religiosidade e enfrentamento? Entendemos por enfrentamento o conjunto de estratégias, cognitivas e comportamentais, utilizadas pelos indivíduos com o objetivo de manejar situações em suas vidas. Esse conceito origina-se da palavra inglesa Coping, que significa “lidar com”, “adaptar-se a”, “enfrentar” ou “manejar”, traduzido pela área da psicologia da saúde como referente ao modo como a pessoa entende e lida com as situações. A religião é um entre outros sistemas de crenças e de
práticas, com seus respectivos recursos para esse enfrentamento. Sendo assim, nem todas as pessoas utilizam a religiosidade como parte desse manejamento ao lidar com situações de suas vidas. Aliás, normalmente, quem faz esse uso são aquelas que estabelecem crenças e práticas religiosas como parte de seus valores, de sua visão de mundo. Entretanto, algumas só recorrem à religião em momentos que considera cruciais, como em casos de doenças severas. Um enfrentamento religioso considerado positivo refere-se à busca de apoio, perdão, enfrentamento colaborativo, ligação espiritual e redefinição benevolente do estressor. Já o enfrentamento religioso com padrão negativo está relacionado a um descontentamento com a religião, presença de conflitos pessoais com membros do grupo religioso e presença de dúvidas sobre a interferência dos poderes divinos na situação estressora (FARIA; SEIDL, 2006). A maioria das pesquisas indica que crenças e práticas religiosas estão associadas com a melhoria da saúde, considerando os aspectos biopsicossociais. A espiritualidade e o aumento do senso de propósito e significado da vida, que são associados à maior resiliência e resistência ao estresse relacionado às doenças (LAWLER; YOUNGER, 2002 apud PANZINI; BANDEIRA, 2007). Dessa forma, você pode perceber que ciência não exclui atribuições de significados religiosos, bem como a prática religiosa não exclui a adesão de tratamentos propostos pelas teorias. Essas formas de produção de conhecimento devem ser consideradas de forma complementar, possibilitando que os indivíduos atribuam sentido às suas vidas. Além disso, você pode observar que valores, crenças e significados têm a ver com a história de cada ser humano e do grupo social que este faz parte. Assim, torna-se evidente
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envolvimento em religiões organizadas podem proporcionar
a importância da cultura para a construção de concepções como bem-estar e enfrentamento. Na próxima unidade, serão abordados aspectos sobre como se compreende e pratica o cuidar de si e o cuidar do outro.
SÍN T ESE Embora muitos sejam os impasses entre religiosos e cientistas, constatamos que a fé pode vir a ser um facilitador na busca da promoção da saúde, interferindo positivamente na vida de um ser humano. Dessa forma, abordar a religiosidade como um fenômeno cultural implica o reconhecimento da dimensão da experiência humana, em seu caráter social, histórico e simbólico. A partir dos estudos mencionados, observamos os benefícios que a religiosidade pode trazer à vida do indivíduo, proporcionando um maior bem-estar. Vimos, ainda, que a concepção de enfrentamento, bem-estar e cura são influenciadas pelas crenças e pelos valores culturais de um determinado contexto.
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QU ESTÕES PA R A R E F L E X ÃO Qual é a relação entre crenças e saúde? Ao pensar em doenças características da contemporaneidade, quais as concepções de cura que atrelamos a elas? E quais as possibilidades de enfrentamento delas?
L E I T U R A I N DIC A DA RABELO, M. C. Religião e cura: algumas reflexões sobre a experiência religiosa das classes populares urbanas. In: Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, pp. 316-325, jul.-set. 1993.
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FARIA, J. B.; SEIDL, E. M. F. Religiosidade e enfrentamento
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(4)
O cuidar de si e o cuidar do outro
“O cuidar parece deixar de ser um procedimento, uma intervenção para ser uma relação onde a ajuda é no sentido da qualidade do outro ser ou de vir a ser, respeitando-o, compreendendo-o, tocando-o de forma mais afetiva. O cuidar agora parece ser feito com o outro” [WALDOW, 1998, p. 23]
Leila Tibiriçá
Olá! A partir da compreensão da relação entre saúde, ciência e religião, bem como através do conhecimento de que as diversas formas de enfrentamento, a noção de bem-estar e cura são influenciadas pelas crenças e valores culturais de um determinado contexto parte-se para a discussão sobre o cuidar. O que é o cuidar e como ele está atrelado à experiência humana? Quais os significados sociais e históricos do cuidado? E por que estabelecemos uma relação entre o cuidar de Si e o cuidar do Outro? Nesta unidade visamos então reconhecer as formas de cuidar de si e do outro, além de possibilitar o reconhecimento da importância do cuidado para a qualidade das relações interpessoais.
(4.1) O cuidar Para começarmos a responder a estas perguntas, vamos pensar qual o emprego que você dá ao verbo cuidar. Habitualmente o empregamos como sinônimo de: • Sinal de alerta: Ex: Cuidado!
Fonte: Cliparts
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• Imaginar, pensar, meditar, cogitar Ex.: Eu estou cuidando desse material. • Refletir, julgar e supor Ex.: Cuide bem desta ideia! • Olhar, supervisionar, atentar • Fazer os preparativos ou tratar Ex.: Esta senhora cuida desta carne para ficar mais saborosa. • Ter cuidado consigo mesmo, com sua saúde, aparência ou apresentação Com isso, podemos perceber que falar sobre cuidado faz parte do nosso dia a dia. O tempo inteiro nós estamos cuidando ou estamos sendo cuidados por algo ou alguém. Na família, nas nossas relações, na escola, na organização... nos diferentes espaços que ocupamos!
Entretanto, em algumas situações e contextos, o cuidar/cuidado assume funções ou papéis bem específicos (WALDOW, 1998). Afinal, sabemos que na nossa cultura, as mulheres têm sido associadas ao cuidar/cuidado. Como também algumas profissões estão mais relacionadas ao papel do cuidador, no sentido da finalidade do seu fazer, como o que ocorre com as profissões de saúde. Além disso, em espaços como o hospital, têm-se papéis bem definidos de quem é o cuidador – os profissionais de saúde – e quem deve ser cuidado, reconhecido como paciente ou cliente. Outro exemplo seria, no caso do contexto familiar, o cuidado dos pais para com os filhos ou até dos filhos para com os pais. O cuidar apresenta-se como sendo de fundamental importância, porque cria possibilidades, tendo dentre elas a possibilidade de dar e receber ajuda, como também favorece Assim, através do cuidado, o ser humano vive o signi-
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ficado de sua vida. Por isso, Mayeroff (1971 apud WALDOW,
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condições de pertencimento e interesse.
1998) define o cuidar como um processo de ajuda para o outro crescer e se realizar. A ação do cuidado humano envolve então valores, desejo/intenção e um compromisso para cuidar, além de incluir conhecimento, ações e consequências (WALDOW, 1998, p. 28). Ao cuidar, proporcionamos bem-estar e primamos pela boa qualidade de vida para as pessoas que nos cercam como também para nós mesmos (GASPERI; RADUNZ, 2006). Manifestações comportamentais como olhar, escutar ou compreender expressam esse primor, este zelo consigo mesmo ou na relação com outras pessoas. Entretanto, ao pensar sobre isso, faz-se necessário distinguir o cuidar do assistir. Como afirma Waldow (1998)
O termo cuidar parece mais uma ação dinâmica, pensada, refletida e o cuidado dá a conotação de responsabilidade e zelo. O termo assistir, por sua vez, denota uma ação mais passiva de observar, acompanhar, favorecer e a assistência como o auxílio, a proteção. (WALDOW, 1998, p.28) Falar em assistir e/ou em assistência não necessariamente pressupõe o cuidar/cuidado, pois quem assiste pode não estar se envolvendo com outro, num sentido pleno, com responsabilidade e interesse. Como exemplo, pode-se pensar no ajudar, prestar socorro (assistir) a alguém, apenas no sentido de cumprir uma obrigação, a fim de aliviar um sentimento de culpa ou para pagar uma dívida. Saúde e qualidade de vida
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Afinal, o cuidar implica uma proteção, o desenvolvimento e a preservação da dignidade humana. Falar sobre cuidado implica reconhecermos que, a partir dessas relações sociais, em que somos cuidadores ou cuidados, nos construímos como sujeito. Nesse sentido configura-se a plenitude do cuidar. E isso fica claro a partir de filósofos como Heidegger, Martin Buber, Mayeroff e Eric Fromm, que consideravam o cuidar/cuidado como uma condição existencial. Dessa forma, compreende-se o ser humano como um ser no mundo, constituído por suas atitudes através do cuidado, ou seja, este Ser é constituído através do cuidado (WALDOW, 1998).
(4.2) M as qual a importância do outro para a construção do sujeito? O ser humano confronta-se a si mesmo somente quando em relação a outro ser humano. A nossa identidade, o que nos constitui, o que nos compõe como sujeito é dado a partir das relações sociais. Ou seja, à medida que nos distinguimos dos outros seres humanos e/ou de outros objetos, assumimos quem somos. Entende-se assim o Outro como sendo as outras pessoas ou coisas com que nos relacionamos. Este pode ser um amigo, parente, colega de trabalho ou este módulo, por exemPsicologia Social, nós nos construímos como sujeito a partir destes Outros, através das nossas relações sociais. O texto a seguir, de Madalena Freire, ilustra essa relação de espelho, em que nós identificamos sentimentos, pensamentos, ações no momento em que nos deparamos com o Outro. Vale à pena conferir!
“EU NÃO SOU VOCÊ, VOCÊ NÃO É EU” Eu não sou você Você não é eu Mas sei muito de mim Vivendo com você. E você, sabe muito de você vivendo comigo?
83 O cuidar de si e o cuidar do outro
plo, bem como você é o Outro para eles. De acordo com a
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Eu não sou você Você não é eu. Mas encontrei comigo e me vi Enquanto olhava pra você Na sua, minha, insegurança Na sua, minha, desconfiança Na sua, minha, competição Na sua, minha, birra birra infantil Na sua, minha, omissão Na sua, minha, firmeza Na sua, minha, impaciência Na sua, minha, prepotência Na sua, minha, fragilidade doce Na sua, minha, mudez aterrorizada E você se encontrou e se viu, enquanto olhava pra mim? Eu não sou você Você não é eu. Mas foi vivendo minha solidão que conversei Com você, e você conversou comigo na sua solidão Ou fugiu dela, de mim e de você? Eu não sou você Você não é eu Mas sou mais eu, quando consigo Lhe ver, porque você me reflete No que eu ainda sou No que já sou e No que quero vir a ser…
Eu não sou você Você não é eu Mas somos um grupo, enquanto Somos capazes de, diferenciadamente, Eu ser eu, vivendo com você e Você ser você, vivendo comigo. Fonte: http://pensador.uol.com.br/frase/NDY2Nzgz/
Com isso, percebe-se que o ser humano não vive senão em relação com o outro, neste confrontar-se a si mesmo somente quando em relação a outro ser. Portanto, o homem se distingue por sua relação com outros seres e/ou objetos e, nessa convivência, enxergamo-nos a partir do olhar do Outro. É através do outro que o sujeito se reconhece e expressa seus desejos, dirige suas ações e se torna pessoa disponível, ser do
(4.3) E por que falar de cuidado influencia na qualidade das relações interpessoais? “...para nos cuidarmos de forma adequada, precisamos, antes, nos conhecer.” [GASPERI; RADUNZ, 2006]
85 O cuidar de si e o cuidar do outro
cuidado com o outro e consigo mesmo.
Desde a Grécia Antiga, reconhece-se a importância do cuidado de si (cura sui) como trajetória necessária ao autoconhecimento, entendido também como superação de si mesmo, o domínio sobre os desejos e vontades que poderiam ser dominados pelo próprio homem na sua constituição como ser (LUNARDI et al, 2000). Nesse domínio sobre seus impulsos, remete-se uma moralidade aos nossos atos, no exercício da liberdade, atrelada aí ao exercício da autonomia. Isto é, para os gregos, este exercício da sua liberdade implicava um cuidar de si. Por isso, falava-se na Antiguidade sobre a ética como prática reflexiva da liberdade, através do “cuida-te a ti mesmo” (FOUCAULT, 1987 apud LUNARDI et al., 2000). Assim, o cuidado de si surge como uma exigência ontológica e como uma questão ética, na tentativa de tornar-se um bom dirigente: constituir-se em um sujeito que governa e dirige dirige a si, isto é, cuida de si, ocupa-se de si (LUNARDI et al.,
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outros pressupõe a constituição de um sujeito que governa e 86
2000, p. 127). Para constituir-se como sujeito, entende-se como necessário um olhar para si, autorreflexivo, do cuidar de si. O cuidado compreendido como existência, como o próprio Ser do ser humano. E, como Heidegger aponta, este ser se configura nos modos como está presente no mundo, numa reconstrução constante de si mesmo e desse mundo. Isto é, nas suas ações e interações, o sujeito vai se constituindo. Este cuidar de si é apontado por Foucault (1987 apud LUNARDI et al., 2000) como o reconhecimento dos seus deveres e limites nas diferentes relações que estabelece com os outros, relacionando este cuidar também ao cuidado do outro, bem como ao processo de saúde. Desta forma, considera-se que o cuidar envolve uma interatividade, uma relação entre eu consigo mesmo (“eu-eu”)
ou eu com o Outro (“eu-Outro”), o que em geral desencadeia uma reação, dentro de um determinado contexto, ou seja, a partir de uma sociedade, dos aspectos histórico-políticos-econômicos-culturais que a compõe. Então, podemos afirmar que a qualidade das relações interpessoais depende do saber cuidar de si. Afinal, para o desenvolvimento de aptidões para relacionar-se de forma mais eficiente com as outras pessoas ou com grupos de pessoas, deve-se relacionar bem consigo mesmo, se conhecer (MINUCCI, 2001). Ao pensar o cuidado como construção ontológica no sujeito (sobre o sentido da existência), que só existe a partir das relações sociais, pode-se afirmar que o cuidar só existe a partir da legitimação do cuidador pelo ser cuidado, e vice-versa. E isso irá influenciar as práticas de saúde de uma forma geral. les que desempenharão suas atividades profissionais como
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cuidadores, mas também àquelas outras profissões com dife-
O cuidar de si e o cuidar do outro
Por isso, a importância do cuidar de si refere-se àque-
rentes finalidades. Afinal, vale a pena lembrar que o cuidar faz parte do nosso cotidiano e que é cada vez mais comum à exigência no mercado de trabalho por pessoas que saibam se relacionar bem.
SÍN T ESE Nesta unidade vimos qual o emprego que damos ao cuidar/ cuidado e como o pesar no cuidado como constituição de existência do sujeito implica o estabelecimento da relação com o Outro, sejam eles seres ou objetos. E isso está atrelado à qualidade das nossas relações, bem como influenciam na nossa saúde e qualidade de vida.
QU ESTÃO PA R A R E F L E X ÃO Em quais contextos você se percebe como cuidador/ser cuidado e o que isso implica para a sua construção como sujeito?
L E I T U R A I N DIC A DA AYRES, J. R. C. M. O cuidado, os modos de ser (do) humano e as práticas de saúde. In: Saúde e Sociedade, v.13, n. 3, pp. 16-29, set.-dez. 2004.
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DI FILHO, W. D.; CHAPLIN, M. J. Problemas no cotidiano do trabalho e sua relação com o cuidado de si e o cuidado do outro. In: Rev. Gaúcha Enferm. Porto Alegre, v. 21, n. 2, pp.125-140, jul. 2000. MINICUCCI, A. Relações Humanas: psicologia das relações interpessoais. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2001. WALDOW, V. R. O cuidado na Saúde: as relações entre o eu, o outro e o cosmos. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. ______. Definições de cuidar e assistir: uma mera questão semântica? In: Rev. Gaúcha Enferm., Porto Alegre, v. 19, n. 1, pp. 20-32, jan. 1998. Disponível em: http://www.seer.ufrgs. br/index.php/RevistaGauchadeEnfermagem/article/viewFile/4170/2208. Acesso em: jan. 2009.
O cuidar de si e o cuidar do outro
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Atuação em equipes interdisciplinares
“O trabalho interdisciplinar, tão discutido nos dias de hoje, não remete às disciplinas constituídas que, aliás, não estão dispostas a deixar seus princípios fluírem. Para se fazer alguma coisa interdisciplinar não basta escolher um objeto (tema) e reunir em torno dele duas ou três áreas de conhecimento. Interdisciplinariedade consiste em criar um novo objeto que não pertença a ninguém.” [Roland Barthes, 1984]
Leila Tibiriçá
Olá! Nesta unidade daremos continuidade à discussão sobre a qualidade das relações interpessoais. Assim, após reconhecermos a importância de cuidar de si para cuidar do Outro, o que impacta nas relações que estabelecemos no nosso cotidiano, partimos para uma maior compreensão das características referentes a estas relações no âmbito profissional. Com isso, pretendemos apresentar quais os aspectos relevantes para o desenvolvimento adequado de um trabalho em equipe interdisciplinar, bem como a importância deste na sociedade contemporânea.
(5.1) E quipe e as relações profissionais Ao longo das unidades anteriores foi apresentado o quanto o aspecto social é importante para a constituição do nosso estado de bem-estar, ou seja, para a nossa saúde e qualidade de vida, juntamente com os outros aspectos biológicos e psíquicos. Este aspecto social refere-se às nossas relações com os diversos Outros que temos em nossas vidas. Estes Outros
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podem ser nossos familiares, amigos, vizinhos, como também o bairro que moramos, a cidade... além dos nossos colegas de trabalho. Foi visto, ainda, que a partir destes Outros nos constituímos como sujeitos e como é importante cuidarmos deles, como uma forma também de cuidar de si. Por isso, se faz necessário pensarmos em diferentes aspectos que constituem as nossas relações no mundo do trabalho, a fim de pensarmos no impacto que isso nos proporciona. Este impacto das relações profissionais está atrelado ao impacto do trabalho na saúde e qualidade de vida dos sujeitos, que será melhor descrito na Unidade 7. Entretanto, compete pensarmos aqui, um pouco mais sobre a importância da equipe como forma de interação entre diferentes profissionais na busca da realização de uma tarefa comum. E isso se faz necessário já que a sociedade contemporânea exige cada vez mais o trabalho em equipe. De acordo com o novo paradigma científico, ao passarmos a enxergar a realidade como complexa, faz-se necessário
o estabelecimento de relações de diferentes saberes e fazeres para a compreensão desta. Porém, sabemos que nem sempre é fácil lidarmos com o diferente, com uma outra forma de ver o mundo, de explicá-lo ou até de se expressar. Devemos pensar assim que falar em equipe de trabalho pressupõe formas diferentes de ser, de sentir, pensar e agir no mundo, que devem coexistir de forma respeitosa para o cumprimento de um objetivo em comum. Além disso, cada contato com as demais pessoas que compõem a equipe, cada passo para a realização deste objetivo, pressupõem consequências para cada sujeito envolvido. E isso pode aguçar ainda mais algumas diferenças entre as percepções de mundo destes profissionais. Sabe-se ainda que são muitas as possibilidades de funpena conceituarmos algumas destas composições para identificarmos melhor como se dá a comunicação e estas relações entre os sujeitos envolvidos numa dada situação.
(5.2) O que é interdisciplinaridade? A interdisciplinaridade é parte de um movimento que busca a superação da disciplinaridade, ou seja, da organização do conhecimento em disciplinas. Vale pensar que cada disciplina tem um objeto de estudo bem delimitado, produzindo teorias a partir da aplicação de métodos e pressupostos específicos. Falar de interdisciplinaridade remete a pensarmos nos novos modelos que a ciência vem assumindo, como nós discutimos anteriormente. Afinal, deixamos de reconhecer que só existe uma explicação para uma determinada situação, ou uma
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cionamento de equipes no mundo do trabalho. Por isso vale a
única causa que influencia no seu estado de saúde, para passarmos a reconhecer que ela é composta por múltiplos aspectos. Ao pensarmos que a saúde é uma realidade complexa, composta por aspectos biopsicossociais, necessitamos de uma pluralidade de olhares, da articulação de diversas referências para a construção do conhecimento sobre esta realidade. Com isso, é importante que tenhamos um olhar para o ser humano de uma forma mais abrangente, mas que também sejam consideradas as diversas partes que compõem este todo. Entretanto, com a mudança de um pensamento cartesiano para o encarar a realidade como complexa, começa-se a compreender as coisas como um constante devir. Isto é, como um processo de constante construção-desconstrução e reconstrução, em que as verdades são tidas como relativas e questionáveis.
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Mas, além de um conceito, interdisciplinaridade se constitui como um movimento e uma prática. Isso pressupõe uma nova forma de ver o mundo e produzir conhecimentos sobre ele, bem como uma nova forma de pensar e agir. Como segue a afirmação:
Interdisciplinaridade se realiza como uma forma de ver e sentir o mundo. De estar no mundo. Se formos capazes de perceber, de entender as múltiplas implicações que se realizam, ao analisar um acontecimento, um aspecto da natureza, isto é, o fenômeno dimensão social, natural ou cultural... somos capazes de ver e entender o mundo de forma holística, em sua rede infinita de relações, em sua complexidade (Fundação Darcy Ribeiro).
Podemos considerar a formação de uma equipe interdisciplinar como uma dentre as múltiplas possibilidades de relações entre saberes e fazeres realizados pelos diferentes profissionais envolvidos. No nosso cotidiano, ouvimos falar bastante sobre a interdisciplinaridade, porém, na maioria das vezes, empregamos essa nomenclatura de forma não correspondente ao que seria equipe interdisciplinar. Santomé (1998) afirma que a interdisciplinaridade “não é apenas uma proposta teórica, mas, sobretudo uma prática” na busca de uma compreensão da realidade não fragmentada, não-linear. Isto é, na compreensão do objeto complexo como composto por múltiplos aspectos, plural e emergente, em constante construção. disciplinar funciona através da cooperação entre os profissionais envolvidos. Isso porque falar em interdisciplinaridade pressupõe a construção de um espaço comum entre os saberes/fazeres. Com essa reciprocidade, há um enriquecimento mútuo para as disciplinas, transformando os seus métodos, conceitos... Claro, que quando falamos de relações entre disciplinas, ou entre saberes ou fazeres, englobamos ai a relação entre os profissionais. Como alerta Almeida Filho (1997), são estes que estabelecem ou não esta prática. A partir da figura a seguir, podemos pensar sobre as características da interdisciplinaridade. Ou seja, ela constitui-se como uma construção comum a partir da relação de disciplinas conexas, na qual uma destas disciplinas assume um nível hierárquico superior a partir da proximidade com a temática num dado momento.
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Nesta nova forma de estar no mundo, a equipe inter-
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Interdisciplinar (ALMEIDA FILHO, 1997, p. 13)
Esta disciplina atua como integradora e facilitadora do diálogo entre as outras disciplinas, coordenando o campo interdisciplinar (ALMEIDA FILHO, 1997). Porém, dependendo da temática, as outras disciplinas envolvidas também podem assumir a posição hierárquica superior. Dessa forma, pode-se constatar que na equipe interdisciplinar há uma tendência a horizontalização das relações de poder entre os saberes. Entretanto, as disciplinas não se correlacionam sozinhas, dependem de quem as representa... Faz-se importante pensar mais uma vez que para que ocorra essa articulação a postura dos profissionais envolvidos é determinante. Mas como isso se configura no mundo do trabalho? Vamos ver!
(5.3) R elação interdisciplinar no mundo do trabalho Para um diálogo constante em prol da construção de um campo comum, faz-se necessário que os profissionais envolvidos saibam agir de forma flexível, com uma postura de abertura para lidar com o novo, com o inesperado. Isto é, exige um repertório para lidar com as possibilidades de mudanças constantes e com a imprevisibilidade, segundo Santomé (1998). tomada de decisões de forma democrática, além de um pen-
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sar criticamente. Vale ressaltar que a crítica é no sentido de
Atuação em equipes interdisciplinares
Também é necessário um agir solidário, pensando na
suscitar reflexões, de propiciar estas mudanças na forma de ver, sentir e agir. A interdisciplinaridade supõe uma abertura de pensamento, uma curiosidade para buscar além de si mesmo ou para além do que as coisas costumam ser explicadas. Com isso, a interdisciplinaridade difere-se das relações de uma equipe multidisciplinar, por exemplo. Afinal, nesta configuração as disciplinas tratam de um assunto de forma simultânea, sem que os profissionais envolvidos estabeleçam relações efetivas, seja no campo técnico ou científico. Atualmente, muito se fala sobre interdisciplinaridade, atuação em equipes no mundo do trabalho, bem como sobre a importância de pensarmos na qualidade das nossas relações... Aliás, no mercado de trabalho ressalta-se a necessidade do desenvolvimento de habilidades sociais para garantir o reconhecimento profissional, além do conhecimento técnico e específico.
Desta forma, podemos pensar que para garantir o seu espaço no mercado de trabalho, independente da área que você venha a atuar, é importante que você conheça seus limites e suas possibilidades como sujeito, bem como saiba se relacionar com as outras pessoas. A equipe interdisciplinar pode ser composta por profissionais de uma mesma área de atuação, como por pessoas com formações diferenciadas. E embora a maior parte da bibliografia dê exemplos desta articulação na área da saúde, não se restringe a esta. Desta forma, falar em interdisciplinaridade é algo que perpassa qualquer ambiente de trabalho. Porém um trabalho numa equipe inter não é algo simples! Vamos pensar, por exemplo, que cada profissão tem um
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código de ética específico, além dos valores de cada profissional. Assim, numa dada situação deve haver uma construção que envolva todos estes valores, pensando no bem-estar dos profissionais envolvidos, bem como dos clientes e da instituição em que estes se encontram. Falar de relação interdisciplinar no mundo do trabalho pressupõe o respeito às diferenças, a partir da compreensão que estas se complementam. Assim, além de uma construção técnica e científica, a relação inter modifica a existência de todos os indivíduos implicados numa dada situação. E este impacto refere-se tanto ao âmbito profissional, como ao pessoal. A qualidade das relações no trabalho implica numa qualidade do desenvolvimento deste. Para isso, dentro de uma equipe inter faz-se imprescindível o estabelecimento de uma comunicação eficaz.
(5.4) Comunicação no mundo do trabalho No ambiente profissional, o primeiro item para o estabelecimento de bons relacionamentos é a comunicação eficaz. Temos que saber expressar as nossas ideias com clareza e nos esforçarmos para compreender o que os colegas nos têm a dizer. Isso significa que compete a cada profissional na equipe saber qual o seu papel. Estar ciente do seu espaço para poder mostrar a sua competência sem invadir o espaço do outro.
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Inter. Fonte: http://www.freedigitalphotos.net
Com isso, cada um garante a confiança do grupo no seu trabalho e passa a aceitar a colaboração dos demais, entendendo que cada componente possui um “saber-fazer” fundamental para a construção do todo. Para tal, é importante que os profissionais envolvidos ultrapassem os termos técnicos dos saberes e fazeres que representam e estabeleçam uma linguagem em comum.
A partir disso, deve ocorrer de fato uma troca de conhecimentos para um enriquecimento mútuo. Além disso, o agir democraticamente só será possível através desta troca com os profissionais envolvidos. Esta troca deve manter ainda a transparência dos fazeres para que todos saibam o que estão desenvolvendo e a importância de cada tarefa ao longo do processo. Evita-se assim o retrabalho e a competição das pessoas envolvidas. Sendo assim, quando não há um bom entendimento de que todos devem se articular para a construção de algo comum, corre-se o risco dessa construção pender para alguma das disciplinas que a constituiu. Como também há o risco de que um dos profissionais direcione para si esta construção, estabelecendo uma coordenação que não facilita a
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construção coletiva e democrática. Outro risco refere-se à postura de não abertura, ou seja, que um ou alguns profissionais se fechem nesta articulação da equipe e com isso, não há construção comum nem um enriquecimento mútuo. Devemos considerar ainda outros aspectos que podem proporcionar estes ruídos na comunicação, tais como: expectativas diferenciadas, valorização de algumas ações e descréditos de outras para alguns dos profissionais, como também por questões de competição em busca de um maior destaque na equipe. Vimos que muitos são os desafios da interdisciplinaridade e todos eles têm uma relação sobre o desenvolvimento da comunicação dentro da equipe. Eles podem ser resumidos em dois grandes blocos: da descaracterização e do risco de perder o caráter interdisciplinar. Nesse sentido, Rios (2001, p. 133) afirma que para um trabalho em equipe interdisciplinar faz-se necessário “distinguir para unir”. Devemos conhecer muito bem a nós mesmos,
ou a disciplina que representamos, para estarmos dispostos a construir algo em conjunto com outras pessoas. E tudo isso só é possível a partir de bons diálogos! Assim, ao pensarmos na qualidade das nossas relações interdisciplinares, iremos refletir nas próximas unidades sobre o planejamento da saúde e da qualidade de vida.
SÍN T ESE Nesta unidade vimos alguns dos aspectos que estão atrelados ao mundo do trabalho e qual o impacto que isso gera à saúde do trabalhador. Além disso, enfocamos no estabelecimento de um trabalho em equipe interdisciplinar que ilustre a construção de um objeto comum, através do enriquecipreocupação com a comunicação entre os profissionais que compõem esta equipe.
QU ESTÃO PA R A R E F L E X ÃO Como você trabalha em equipe? Pode considerar este trabalho como sendo interdisciplinar? Por quê?
L E I T U R A I N DIC A DA ALMEIDA FILHO, N. Transdisciplinaridade e saúde coletiva. In: Ciência e saúde coletiva, v. 2, n. 1/2, pp. 5-20, 1997.
R E F E R ÊNCI A S ALMEIDA FILHO, N. Transdisciplinaridade e saúde coletiva. In: Ciência e Saúde Coletiva, v. 2, n. 1/2, pp. 5-20, 1997.
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mento mútuo de todos os envolvidos, tendo como base uma
FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: história, teoria e prática. São Paulo: Papirus, 2001. FIGUEIREDO, L. C. M. Revistando as psicologias: da Epistemologia à Ética das práticas e discursos psicológicos. 3. ed. rev. e ampl. Petrópolis: Vozes, 2004. JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1975. RIOS, T. A. Ética e interdisciplinaridade. In: Fundação, I. A pesquisa em educação e as transformações do conhecimento. 3. ed. São Paulo: Papirus, 2001, pp.121-136.
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(6)
A s políticas públicas em saúde
Leila Tibiriçá e Ticiana Hupsel
Olá! Esta unidade dá início ao conteúdo sobre planejamento da saúde e da qualidade de vida. Para tal, faz-se necessário compreender como vêm se configurando as políticas públicas em saúde no Brasil. A partir da constatação das transformações ocorridas, apresentaremos o que é o Sistema Único de Saúde (SUS), possibilitando que você identifique ações do SUS no seu cotidiano, bem como perceba a importância de cada cidadão na prevenção e promoção da saúde.
(6.1) A saúde no Brasil No Brasil, a saúde sempre constituiu um dos maiores problemas sociais nacionais, refletindo grande descaso com a maioria da população carente. Muitas pessoas pensam que sempre foi assim e que sempre será, que não há jeito, que o importante mesmo é ter condições financeiras para pagar um plano de saúde e não depender do Sistema Único de Saúde
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(SUS). Mas não é bem assim... A saúde já sofreu grandes e importantes avanços. Hoje em dia, é difícil cogitar a saúde sem ser um direito do cidadão, porém antigamente ela não era concebida desta forma. A saúde enquanto direito não fazia parte, por exemplo, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, marco histórico da Revolução Francesa! Até a década de 1980, no Brasil, o acesso à saúde era dividido em três categorias: os que pudessem pagar por serviços de saúde privados, os que tinham direito à saúde pública porque contribuíam com a Previdência Social e aqueles que não tinham direito algum. Ou seja, havia a exclusão da maior parte dos cidadãos do direito à saúde. E este fato só começou a mudar após um longo processo de embates políticos e sociais, com pressões de movimentos sociais articulados em todo o território nacional que buscavam uma ruptura com as desigualdades sociais e uma democratização do direito à saúde. Foi a chamada Reforma Sanitária. Mais do que uma luta setorial da saúde, a Reforma buscava, antes de mais nada, servir à democracia e à consolidação da cidadania no País.
Assim, na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, diversos atores sociais – gestores, técnicos em saúde, movimentos sociais organizados – discutiram e propuseram uma mudança no paradigma da saúde e no modelo de organização do sistema. Para eles, a saúde não era mais encarada como uma questão de doença, individual e mercadológica, passando a ser encarada como um bem-estar biopsicossocial, um bem coletivo e direito de todos os cidadãos. Este movimento sanitário culminou em mudanças significativas na Constituição Brasileira de 1988. Foi a partir desta que a saúde passou a ser considerada um:
(CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA, 1988). Diante desta mudança na lei, houve grandes transformações: mudou o jeito de pensar a saúde, de organizar os serviços e de ofertá-los à população. Foi preciso pensar em políticas sociais e econômicas para organizar um serviço de saúde público que garantisse o acesso universal à saúde a toda população, superando as desigualdades na assistência à saúde. Foi aí que surgiu o Serviço Único de Saúde, o SUS.2
2. As leis n. 8080/90 e 8142/90 regulamentam a base de funcionamento do SUS, os serviços ofertados e a participação da sociedade. A partir daí, várias outras leis vieram para aprimorar o SUS.
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Direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
(6.2) O Sistema Único de Saúde | SUS O SUS é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo. Ele foi criado em 1990 para oferecer um atendimento igualitário e cuidar e promover a saúde de toda a população. Abrange ações de promoção à saúde, prevenção de doenças e assistência à saúde, desde o simples atendimento ambulatorial até o transplante de órgãos, garantindo acesso
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integral, universal e gratuito para todos. Os principais princípios doutrinários do SUS são: • Universalidade: saúde como direito de todos através do acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; • Integralidade da assistência: todas as necessidades de saúde das pessoas devem ser atendidas, sejam elas de promoção, prevenção ou assistência/curativo, ou seja, as pessoas devem ser enxergadas como um todo, de modo integral; • Equidade: todos devem ser atendidos em suas necessidades, com igualdade de oportunidade, porém respeitando as diferenças entre as pessoas; • Descentralização: atenção à saúde nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal), sendo que cada uma tem atribuições próprias, mas pactuadas entre si. Vale destacar que o município vem assumindo cada vez mais a responsabilidade na prestação e gerenciamento dos serviços; • Regionalização e hierarquização: os serviços são organizados em três níveis de complexidade: a atenção
primária, secundária e terciária, sendo que a primeira deve ser ofertada diretamente a toda a população, respeitando as características de saúde de cada área de abrangência. Os outros níveis de atenção devem ser procurados apenas quando necessário; • Participação da comunidade: busca-se a participação da sociedade para a melhoria dos serviços de saúde através do controle social (controle exercido pela sociedade sobre o governo), que pode se dar através da participação nas conferências de saúde, conselhos de saúde e Ouvidoria.
Você sabe? Conferências de Saúde são espaços destinados a analisar os avanços e retrocessos do SUS e a propor diretrizes para a formulação de políticas públicas. Os participantes são gestores, profissionais e usuários do SUS. Ocorrem a cada quatro anos e as conferências municipais e estaduais antecedem as nacionais. Já os Conselhos de Saúde são órgãos permanentes e deliberativos que reúnem representantes do governo e prestadores de serviços, profissionais de saúde e usuários do SUS. Podem ser nacionais, estaduais, municipais e, ainda, em cada distrito de saúde. E a Ouvidoria é um canal de comunicação entre o SUS e os cidadãos para fazer reclamações, obter informações, fazer denúncias, sugestões e elogios. Existe a Ouvidoria Geral do SUS (tel.: 0800 61 1997), a Ouvidoria Geral do Estado da Bahia (tel.: 0800 284 00 1) e a Ouvidoria da Secretaria Municipal de Saúde de Salvador: (tel.: 160).
Para que tudo isso ocorra, é preciso que todas as instâncias de governo (federal, estadual e municipal) se articulem para a gestão e o cuidado à saúde através de ações e programas. O Ministério da Saúde do Governo Federal
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normalmente cria programas de atenção à saúde que são seguidas e respeitadas pelos estados e municípios, mas também adaptadas à realidade local de cada cidade. Vale destacar que estes programas não são permanentes, ou seja, dependem da gestão governamental, nas três instâncias, bem como das necessidades locais. Os programas são ações de saúde planejadas especificamente para um tipo de público ou uma enfermidade/ doença, visando ofertar os serviços necessários tanto para a cura quanto para a prevenção das doenças, trazendo a saúde para perto do cidadão. Atualmente, no Ministério da Saúde,
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os principais programas e ações são: SAMU 192 (prestar socorro em casos de urgência), Farmácia Popular do Brasil (ampliar o acesso aos medicamentos essenciais), Combate à Dengue, Brasil Sorridente (melhorar as condições da saúde bucal dos brasileiros), Controle do Tabagismo, Viva Mulher (controle do câncer do colo do útero e de mama), Doação de Órgãos, HumanizaSUS (implantar práticas de humanização e troca solidária entre gestores, profissionais e usuários da saúde), entre outros. Já entre os programas oferecidos atualmente pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB) estão: humanização do pré-natal e nascimento; assistência integral à saúde da mulher; atenção integral à saúde da criança; saúde do adolescente; saúde bucal; prevenção e assistência ao deficiente; saúde mental; idoso; hipertensão arterial; diabetes mellitus e prevenção do abuso de substâncias psicoativas. As ações e programas são realizados nas unidades básicas de saúde (UBS), Programa Saúde da Família (PSF), CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), centros ambulatoriais e hospitais. Para melhor utilizarmos estes equipamentos de saúde é necessário entendermos a diferença entre eles. A atenção básica de saúde é a porta de entrada da população aos cuidados
em saúde e constitui-se em um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. Sua principal estratégia é o Programa de Saúde da Família (PSF). O PSF tem como objetivo atuar na promoção e manutenção da saúde das pessoas, bem como na prevenção de doenças, alterando, assim, o modelo de saúde centrado em hospitais. Para isso, cada equipe de profissionais é responsável pelo acompanhamento de um número definido de famílias localizadas em uma área geográfica específica através res, grupos e palestras educativas e programas de controle e assistência voltados para as principais enfermidades. As equipes básicas são formadas por médico, enfermeiro, técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde, e as ampliadas incluem a equipe de saúde bucal, ou seja, dentista e auxiliar de consultório dentário. Desde 2008, o Ministério da Saúde implantou os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFs) que são grupos de profissionais de diversas categorias (assistente social, educador físico, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo e terapeuta ocupacional, além de médicos acupunturistas, psiquiatras, pediatras, homeopatas e ginecologistas) que vêm apoiar as equipes de saúde da família no intuito de ampliar as ações e dar maior resolutividade da atenção à saúde na atenção básica. Esta nova estratégia vem ratificar o conceito ampliado de saúde como bem-estar biopsicossocial, enxergando a saúde como multifatorial, a despeito da noção mecanicista e meramente biológica. Nesta lógica, retoma e amplia-se o conceito antigo de médico da família, aquele que sabe, de modo ampliado, o que acontece aos membros daquela família, não apenas
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não apenas de consultas, mas também de visitas domicilia-
individualmente, mas nas relações interpessoais e condições sociais, que – já se sabe – afeta a condição de saúde daquelas pessoas. Assim, é um programa que reflete a mudança do conceito de saúde e o modo de lidar com ela. O intuito é a ampliação destes programas em todo o Brasil, substituindo as unidades básicas de saúde tradicionais. Já os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) também surgiram como mudança do conceito de saúde e, assim, da reforma e reorganização do sistema. Estes centros são dispositivos de atenção à saúde mental e visam prestar assistência aos indivíduos com transtornos mentais graves de modo
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humano, buscando sua reinserção social e fortalecimento familiar e comunitário. Os CAPS surgiram após a Reforma Psiquiátrica Brasileira, iniciada na década de 1970, que criticou o modelo centrado no hospital psiquiátrico para o tratamento destes pacientes, que os excluíam da sociedade, e lutou pelos seus direitos. A partir desta Reforma, foi realizada a organização de uma rede integrada de atenção à saúde mental substitutiva ao Hospital Psiquiátrico no país, que incluem os CAPS, as Residências Terapêuticas, o “Programa de Volta para Casa”, entre outros. Vale lembrar que atenção à saúde mental não envolve apenas assistência àquelas doenças mentais psiquiátricas estigmatizadas pela sociedade como “loucura” – as esquizofrenias, por exemplo –, mas inclui também os casos de depressão e de uso e abuso de álcool e drogas, tão crescentes no país. Além dos programas realizados nestes centros de saúde, há as campanhas nacionais, como as de vacinação contra algumas doenças buscando a prevenção e o controle das mesmas e as campanhas que visam à conscientização da população na busca da erradicação ou mesmo da prevenção de doenças. Um exemplo claro é a tão conhecida dengue, doença
a qual tentamos erradicar no país há tanto tempo e depende não apenas das ações do Ministério da Saúde como de toda a população. Para isso, existem as campanhas de educação para prevenção da proliferação do mosquito transmissor em todo o país, uma vez que ainda não há vacinas para imunização dos indivíduos, atualmente em teste. Ações isoladas do Ministério da Saúde não são suficientes para o combate da doença.
(6.3)
Dessa forma, compreende-se que políticas públicas em saúde dependem não só de ações do Estado, mas da articulação deste com a comunidade. Como afirmam Belluzzo e Victorino (2004), as políticas públicas são definidas como ações do Estado em sua interação com os movimentos do público e voltadas para o atendimento de necessidades de um coletivo. Elas podem ser consideradas então, como produtos da democratização, já que a comunidade, juntamente com os representantes do Estado, participa de todo o processo decisório. Essa noção de beneficiário para cidadão, como participante ativo da construção das ações públicas, emerge também a partir de grandes mudanças na legislação brasileira. Ou seja, todos nós, como cidadãos, somos responsáveis pelas políticas públicas em saúde no Brasil. Como exemplo disso, podemos pensar nas campanhas que atuam antes do surgimento das doenças visando à prevenção das mesmas e à promoção da saúde, como a campanha de conscientização quanto ao descarte do lixo, que direta ou indiretamente afeta as condições de saúde da população.
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Políticas públicas em saúde
Não adianta o Estado, nos seus três âmbitos, elaborar campanhas, realizar ações, sem a população aderir e modificar os seus hábitos. E se quisermos ignorar este fato, estamos sendo irresponsáveis com a nossa própria saúde, bem como a das pessoas que nós amamos, convivemos e com a sociedade como um todo. Assim sendo, ao contrário do que muitos pensam, toda a população está direta ou indiretamente envolvida com a saúde pública! Mesmo não sendo usuário direto dos serviços de assistência ofertados pelo SUS, como o caso de uma parcela da população que tem planos privados de saúde, todo
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cidadão se beneficia e implica diretamente nas ações deste sistema público. Há uma relação recíproca e interdependente entre o SUS e a sociedade! Como um exemplo dessa relação existe a Vigilância Epidemiológica que tem como intuito prevenir e controlar doenças e agravos, conceituada pela Lei Orgânica da Saúde (Lei n. 8.080/90) como:
[...] o conjunto de atividades que permite reunir a informação indispensável para conhecer, a qualquer momento, o comportamento ou história natural das doenças, bem como detectar ou prever alterações de seus fatores condicionantes, com o fim de recomendar oportunamente, sobre bases firmes, as medidas indicadas e eficientes que levem à prevenção e ao controle de determinadas doenças (Lei n. 8.080/90).
Vamos pensar, por exemplo, que em 2009, houve uma epidemia do vírus H1N1 no mundo, mais conhecido como gripe suína, não foi? E então o Ministério da Saúde detectou e acompanhou a incidência de casos no Brasil, ao mesmo tempo em que providenciou a produção e disponibilização de vacinas contra esta gripe gratuitamente para a população. É uma ação do SUS! É a Vigilância Epidemiológica atuando! Além dessas ações, você sabia que o SUS também tem a responsabilidade de impedir que a saúde dos cidadãos seja exposta a riscos, ou, quando já ocorrido, tem a obrigação de intervir em busca da eliminação e/ou diminuição destes rispara isso, ela atua no controle dos portos e fronteiras, no controle de bens de consumo (na fiscalização da produção, circulação e armazenamento de mercadorias e alimentos até ser consumido pelo indivíduo), e até mesmo no controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde. Para clarear, um exemplo: o SUS fiscaliza todos os supermercados, bares e restaurantes, tanto privados quanto públicos, para verificar se estão seguindo critérios rigorosos de qualidade para não expor o consumidor a qualquer risco a sua saúde. E o mesmo ocorre com as clínicas de saúde e estética. Ou seja, você, assim como qualquer cidadão brasileiro, está diariamente sendo influenciado pelas ações do Sistema Único de Saúde, mesmo sem se dar conta disso. E isto, antes da criação do SUS não era possível. Assim, percebe-se que, nos últimos 20 anos, a saúde avançou muito no Brasil. Mesmo com algumas dificuldades que ainda existem no acesso aos serviços, o direito à saúde agora é para todos. Porém, sabemos que os avanços precisam continuar, seja com o aumento da população atendida, com uma maior
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cos à saúde? É o que chamamos de Vigilância Sanitária. E,
facilidade de acesso aos serviços de saúde, com o aumento da oferta de serviços e profissionais, mas também com uma maior participação de toda a sociedade. É importante que nós, como cidadãos e usuários do SUS tomemos conhecimento e façamos uso dos serviços corretamente, além de participarmos das campanhas de prevenção e promoção à saúde, ajudando na construção do SUS através de participação e controle social. Afinal, sugerir, denunciar, reclamar, criticar, elogiar através das Ouvidorias em Saúde ou, ainda, definir, acompanhar a execução e fiscalizar as ações de saúde através dos seus representantes nos
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Conselhos de Saúde são um direito e dever de todo cidadão.
Curiosidade! Você sabia que existe uma “Carta dos direitos dos usuários da saúde”? É importante que cada um conheça os seus direitos para poder lutar pela sua realização! Procure se informar e divulgar, porque aí sim estará contribuindo para a construção de um SUS melhor e mais humanizado!
(6.4) P rincípios da carta dos direitos dos usuários da saúde 1. Todo cidadão tem direito ao acesso ordenado e organizado aos sistemas de saúde; 2. Todo cidadão tem direito a tratamento adequado e efetivo para seu problema; 3. Todo
cidadão
tem
direito
ao
atendimento
humanizado, acolhedor e livre de qualquer discriminação; 4. Todo cidadão tem direito a atendimento que respeite a sua pessoa, seus valores e seus direitos; 5. Todo cidadão também tem responsabilidades para que seu tratamento aconteça da forma adequada; 6. Todo cidadão tem direito ao comprometimento dos gestores da saúde para que os princípios anteriores sejam cumpridos.
A partir desta unidade podemos compreender que o Sistema Único de Saúde está presente em nosso cotidiano e que nós somos, como cidadãos e usuários deste sistema, responsáveis pela prevenção e promoção da nossa saúde assim como pela da sociedade brasileira como um todo.
QU ESTÃO PA R A R E F L E X ÃO Quais as ações do SUS presentes no seu cotidiano?
L E I T U R A I N DIC A DA BRASIL, Ministério da Saúde; Conselho Nacional de Saúde; Comissão Intergestora de Tripartite. Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/SAUDE/area.cfm?id_ area=1114. Acesso em: nov. 2010.
SI T ES I N DIC A DOS www.saude.gov.br www.portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro092.pdf
121 As políticas públicas em saúde
SÍN T ESE
R E F E R ÊNCI A S BELLUZZO, L.; VICTORINO, R. de C. A juventude nos caminhos da ação pública. In: São Paulo em Perspectiva, v. 18, n. 4, pp. 8-19, 2004. BRASIL. Ministério da Saúde – Secretaria Nacional de Assistência à Saúde. ABC do SUS: doutrinas e princípios. Brasília: Ministério da Saúde, 1990. BRASIL, Ministério da Saúde; Conselho Nacional de Saúde; Comissão Intergestora de Tripartite. Carta dos Direitos dos
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Usuários da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/SAUDE/area.cfm?id_ area=1114. Acesso em: jan. 2009. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1988. LACERDA, E. et al. O SUS e controle social: guia de referência para conselheiros municipais. Brasília: Ministério da Saúde, 1998.
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(7)
O impacto do trabalho na saĂşde do indivĂduo
“Há no trabalho, segundo a natureza da obra e a capacidade do trabalhador, todas as gradações, desde o simples alívio do tédio às satisfações mais profundas.” [Bertrand Russell]
Renata Mussi
Olá! Nesta unidade discutiremos sobre o impacto do trabalho na saúde do indivíduo a fim de refletirmos sobre qualidade de vida neste contexto. Para isso, iremos problematizar o significado do trabalho e as exigências contemporâneas do mercado para com os trabalhadores. Ao final deste estudo espera-se que você possa refletir sobre as estratégias que as empresas adotam como forma de minimizar os efeitos danosos do trabalho à saúde. Boa leitura!
(7.1) O significado do trabalho A etimologia da palavra trabalho, originada do latim tripalium, indica instrumento de tortura composto de três paus ou varas cruzadas, ao qual se prendia o réu. Nesse sen-
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tido, a ideia de trabalho associa-se a uma situação de constrangimento, relacionada a sacrifício, dor e sofrimento. Segundo Magalhães (2007), na Antiguidade, o trabalho era tido como algo desvalorizado, sendo considerado como uma atividade inferior. Naquela época, o ócio era valorizado e quanto mais desocupado de trabalho fosse o homem, mais status ele possuía. Com o passar do tempo e as transformações sociais, o trabalho passa a ter valor e ganha legitimidade, sobretudo na sociedade capitalista. Nesse contexto, o trabalho passa a ser exaltado como dever moral e sinônimo de dignidade. Sendo assim, o seu significado modifica-se com o passar do tempo, sendo influenciado pela organização socioeconômica e cultural de uma época. Alguns autores defendem o caráter estruturante do trabalho para o ser humano, outros destacam a perspectiva produtiva como fator central. Em meio a essa discussão, Borges (1998 apud ARGOLO; ARAÚJO, 2004) defende que ao trabalho humano são atribuídos diversos significados, e tal diversidade se deve, em parte, ao fato de que a tarefa de atribuir significados é carregada de subjetividade. Nessa perspectiva, o autor define que:
O trabalho humano comporta uma gama de sentidos que vão do individual ao social, referindo-se
à subsistência, ao sentido existencial, à estruturação da personalidade e identidade do individuo, além de ocupar lugar de centralidade na organização societal (BORGES, 1998 apud ARGOLO; ARAÚJO, 2004, p. 162). inspira uma percepção particularizada, originada da experiência do sujeito e, ao mesmo tempo, uma percepção socialmente construída. E por apresentar aspectos socialmente compartilhados, associados às condições históricas da sociedade, o significado do trabalho passa a ser percebido como um constructo sempre inacabado e passível de modificações constantes. Nos dias atuais, Borges e Tamayo (2001) destacam a centralidade que o trabalho ocupa na vida dos indivíduos. Essa centralidade é resultante da importância que estes atribuem ao trabalho, quando comparando às outras esferas da vida: família, lazer, religião e comunidade. Essa realidade se explicita na música “Capitão de Indústria” dos Paralamas do Sucesso, cujo refrão diz o seguinte:
Eu acordo prá trabalhar Eu durmo prá trabalhar Eu corro prá trabalhar Eu não tenho tempo de ter O tempo livre de ser De nada ter que fazer É quando eu me encontro perdido Nas coisas que eu criei
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Desta forma, verifica-se que o significado do trabalho
E eu não sei Eu não vejo além da fumaça O amor e as coisas livres, coloridas Nada poluídas Ah, Eu acordo prá trabalhar Eu durmo prá trabalhar Eu corro prá trabalhar
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Ouça em: http://letras.terra.com.br/os-paralamas-do-sucesso/47931/
Conforme a mensagem transmitida pela canção referida, observa-se que o homem pós-moderno passa mais tempo trabalhando, do que vivenciando situações fora do espaço de trabalho. A vida dentro e fora do trabalho é afetada por demandas, expectativas, desafios, realizações, alegrias e sofrimentos, vivenciados no dia a dia das organizações trabalhistas. Frente a essa realidade, o mercado de trabalho cada vez mais demanda esforços dos trabalhadores, o que colabora ainda mais para que o trabalho se mantenha como centro de investimento da vida.
(7.2) Exigências do mercado de trabalho na contemporaneidade O processo de globalização fomentou a competição e obrigou as empresas a buscarem estratégias para obter potenciação da capacidade produtiva da força de trabalho. Em um ambiente de constantes mudanças, espera-se que o trabalhador se adapte com rapidez e seja flexível. E, para isso, este deve ter ampla capacidade de diagnóstico, de solução de
problemas, capacidade de tomar decisões, de intervir no processo de trabalho, de trabalhar em equipe, auto-organizar-se e enfrentar situações inusitadas. A ordem é que se contratem trabalhadores polivalentes que sejam altamente especializados, porém essa especialização deve contemplar uma grande variedade de áreas – isso não parece um paradoxo? Ao mesmo tempo em que se exige especialização, espera-se que o trabalhador conheça de tudo. sobre tudo) ou especialista (sabia muito sobre uma única área). Hoje você deve ser um “generalista especialista”. Ou seja, isso lhe exige novas formas de investimento em educação e capacitação para o trabalho. No entanto, o mercado lhe exigirá também uma postura cidadã que contemple uma atitude socialmente responsável, com compromisso sociopolítico e com o bem-estar coletivo. O trabalho já não pode ser pensado a partir da perspectiva de um determinado posto, o trabalhador tem que dominar as tarefas referentes à sua especificidade, mas também deve possuir um conjunto de competências comuns que são requeridas de todo e qualquer trabalhador. De acordo com Deluiz (2004):
Este conjunto de competências amplia-se para além da dimensão cognitiva, das competências intelectuais e técnicas (capacidade de reconhecer e definir problemas, equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir modificações no processo de trabalho, atuar preventivamente, transferir e generalizar conhecimentos), para as competências
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Antigamente, ou você era generalista (sabia um pouco
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organizacionais ou metódicas (capacidade de autoplanejar-se, auto-organizar-se, estabelecer métodos próprios, gerenciar seu tempo e espaço de trabalho), as competências comunicativas (capacidade de expressão e comunicação com seu grupo, superiores hierárquicos ou subordinados, de cooperação, trabalho em equipe, diálogo, exercício da negociação e de comunicação interpessoal), as competências sociais (capacidade de utilizar todos os seus conhecimentos – obtidos através de fontes, meios e recursos diferenciados – nas diversas situações encontradas no mundo do trabalho, isto é, da capacidade de transferir conhecimentos da vida cotidiana para o ambiente de trabalho e vice-versa) e as competências comportamentais (iniciativa, criatividade, vontade de aprender, abertura às mudanças, consciência da qualidade e das implicações éticas do seu trabalho, implicando no envolvimento da subjetividade do indivíduo na organização do trabalho) (DELUIZ, 2004, p. 3). Visto isso, atualmente, não adianta um excelente currículo, recheado de experiências e conhecimentos técnicos, exige-se que o trabalhador tenha capacidade de se relacionar
com outras pessoas. Nesse sentido, cada vez mais os processos de seleção privilegiam a inteligência emocional (IE) em detrimento do quociente de inteligência (QI) – fator anteriormente amplamente valorizado. Assim, as atuais demandas nos colocam diante do desafio do constante aprimoramento pessoal e profissional. Para dar conta de atender a estas expectativas, o indivíduo moderno se envolve em diversas tarefas, dentre as quais, a ais exigências ao trabalhador, verifica-se uma sobrecarga de atribuições, que muitas vezes pode vir a se tornar prejudicial à saúde física e psíquica do indivíduo.
(7.3) O impacto do trabalho na saúde do trabalhador É importante destacar que se, por um lado, o trabalho seja gratificante do ponto de vista financeiro, da inclusão e status social, por outro lado, também proporciona desconforto físico e mental. Assim, observa-se que a atividade laboral vincula-se tanto ao prazer quanto ao sofrimento pessoal do trabalhador. De acordo com Dejours (1996):
O sofrimento é inevitável e ubíquo. Ele tem raízes na história singular de todo sujeito, sem exceção. Ele repercute no teatro do trabalho ao entrar numa relação, de complexidade com a organização do trabalho (DEJOURS, 1996, p. 137).
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busca incessante pela autossuperação. Diante de todas as atu-
Conforme Ladeira (1996), quando executado em condições insalubres ou inseguras, o trabalho tem efeito sobre o bem-estar do homem. Determinadas condições físicas, químicas e biológicas presentes nos postos de trabalho, bem como a forma como o trabalho é organizado e as condições nas quais é executado podem culminar em desgaste para o trabalhador. O elevado número de agentes estressores presentes no contexto de trabalho exige do trabalhador adapta-
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ção permanente. No entanto, nem sempre o ambiente é o único responsável, deve-se lembrar que a forma como encaramos o nosso trabalho também pode gerar danos. Paremos para pensar... Quem não conhece um workalcoholic?
Curiosidade: WORKALCOHOLIC – expressão americana derivada da palavra alcoholic, que significa alcoólatra, utilizada para caracterizar pessoas viciadas em trabalho.
Características: Não consegue se desligar do trabalho mesmo fora dele; Abdica de suas relações pessoais priorizando as tarefas laborais; As relações sociais restringem-se ao convívio com pessoas que de alguma forma têm ligação com seu trabalho.
Consequências: Comprometimento da qualidade de vida; Auto cobrança exagerada que gera insônia, surtos de mal humor, impotência, atitudes agressivas em situações de pressão ou desconformidade com os resultados que se esperava; Medo de fracassar, que impulsiona o viciado a buscar sempre mais e cada vez mais forte por melhores resultados;
Afastamento social – amigos e família. A tendência, como em qualquer vício, é dilatar as doses do veneno. No começo o excesso é brando com aumento diário de uma hora, duas, três, quatro, cinco... Depois de algum tempo, o trabalho ocupa todo o seu tempo de vida. Tem pessoas que utilizam mais de 11 horas do dia na execução de atividades laborais. Fonte: Guia RH.
tuou-se significativamente o número de pessoas viciadas em trabalho. No entanto, salienta-se que este tipo de pessoa sempre existiu no passado, porém, estas se prendiam à sobrevivência, necessidade de dinheiro e à busca por status social. Atribui-se esse crescimento à alta competição, que acaba por fomentar esta atitude. Por tudo isso, não é a toa que constantemente ouve-se dizer que alguém teve que se afastar das tarefas de trabalho devido a uma estafa mental ou complicações de saúde. Veja o relato abaixo e reflita o quanto o exagero de trabalho pode impactar na vida de um trabalhador.
João foi viajar de férias com a família para o litoral. Durante onze dias, esteve com a família na praia – sol forte, bronzeador, cadeira de praia, água de coco e, no colo, o notebook... A esposa se deu conta de que ele não estava de férias, apenas estava trabalhando de sunga e ao ar livre. Cansada destas atitudes do marido, que nunca estava de fato com a família, em um acesso de fúria tomou o notebook de suas mãos e atirou no mar. Resultado: interrupção das férias e separação do casal. Muito embora tenha se ressentido com o fim da relação, João se adaptou a situação, que era até mais cômoda, afinal poderia trabalhar até em casa, sem reclamações constantes dos filhos e esposa. Após quarenta dias de tranquilidade e excelente ritmo de trabalho, aconteceu um fato que mudou a história toda...
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Pesquisas apontam que nas últimas décadas acen-
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Era tarde da noite quando a sua esposa ligou para avisá-lo de que o filho menor não estava nada bem. Apesar de ter ficado preocupado, pediu a ela que o levasse ao médico, pois havia um relatório para entregar na manhã seguinte e por isso não foi ver o garoto. No dia seguinte a esposa voltou a ligar pedindo a ele que passasse no hospital, pois o filho tinha ficado internado e estava fazendo uma bateria de exames. Depois de muito insistir e passados três dias de internação do filho, João teve tempo para ir vê-lo e no leito do hospital o médico responsável pelo caso lhe informa de que o seu filho não tinha nenhuma doença. Muito pragmático, João pergunta então ao filho o que ele estava sentindo e a criança responde: – Muita saudade de você, papai. É tão forte que me dói no peito. Eu me sinto fraco e triste por estar longe de você. Neste dia ele viu seu filho de apenas dois anos adormecer na cama de um hospital segurando com sua pequena mão um dos seus dedos, e pode perceber que aquele pequeno e indefeso ser já tinha dois anos e ele não percebeu, não tinha notado que estava deixando de lado uma das razões da sua vida, talvez a mais importante. Relato de caso adaptado. FONTE: Violin (2003)
A partir da leitura do caso apresentado, pensemos juntos... Será que para se ter ambição e sucesso profissional, necessariamente devemos nos afastar das demais esferas da vida? Qual o preço disso? O salário que recebemos paga? Existe um velho ditado popular que diz: Tudo o que é demais, sobra. Em excesso, até o ar que respiramos pode nos fazer mal. Para se ter uma história de sucesso não dá para focar o empenho em somente um dos aspectos da vida – neste caso, o trabalho. Para sermos capazes de aproveitarmos o resultado do esforço laboral, há de se administrar o tempo de forma que contemple outras esferas da vida.
Contraditoriamente a esse padrão de comportamento, os estudos sobre felicidade destacam que o bem-estar é fonte primária de produtividade. Deste modo, o excesso de trabalho pode, inclusive, impactar negativamente nos resultados produtivos. Considerando as pesquisas e percebendo os impactos da carga de trabalho nos trabalhadores, com o passar do tempo, as empresas se deram conta de que havia necessidade de cuidar da saúde do trabalhador, posto que os demais recursos, necessita de cuidados para que continue a funcionar adequadamente e proporcione os resultados esperados. Nesse contexto, surge o termo qualidade de vida no trabalho.
(7.4) Q ualidade de vida no trabalho O termo qualidade de vida no trabalho refere-se à preocupação com o bem-estar geral e a saúde dos trabalhadores no desempenho de suas tarefas. De acordo com Fleury (2002), esta concepção foi apresentada em 1970 por Louis Davis através de uma proposta de compreensão do desenho dos cargos. A ideia inicial se referia ao estudo dos aspectos físicos, ambientais e psicológicos do contexto de trabalho a fim de maior garantia de produtividade e qualidade no trabalho executado. As organizações de trabalho perceberam que para alcançar elevados níveis de qualidade e produtividade havia a necessidade de ter pessoas motivadas e que participassem ativamente para o alcance das metas. Nesse sentido, atualmente, muitas organizações investem em programas de qualidade de vida no trabalho que asseguram o bem-estar do
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este “recurso” humano também sofre desgaste. Assim como
colaborador acreditando que isso se reverterá em resultados. Dentre os aspectos contemplados nestes programas destacam-se: satisfação com o trabalho executado, possibilidade de futuro, reconhecimento pelos resultados alcançados, benefícios, ambiente adequado e seguro, possibilidade de maior participação e liberdade de decisões. No entanto, o objetivo desta reflexão não se restringe aos fazeres organizacional quanto à promoção da saúde e
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qualidade de vida no trabalho, conforme visto anteriormente, se faz importante que o trabalhador seja proativo e cuide, ele mesmo, de sua carreira, sendo também o responsável pela promoção da sua saúde e qualidade de vida. Nesse sentido, cabe a cada um de nós mapearmos a natureza do trabalho que estamos desenvolvendo, a fim de criarmos mecanismos para promoção da nossa saúde e qualidade de vida. Na próxima unidade discutiremos mais de perto esta questão... Até breve!
SÍN T ESE Sabe-se que o trabalho se constitui como uma das atividades mais valorizadas pela sociedade atual. No entanto, o significado do trabalho e a maneira com que nos predispomos a realizá-lo são influenciados pelo momento sócio-econômicocultural de uma determinada época. Nesse sentido, percebese uma constante transformação no que se refere ao valor atribuído a esta atividade, bem como ao dispêndio de tempo e esforços que apreendemos ao executá-lo. Consequentemente, o impacto da atividade laboral na saúde dos trabalhadores é variável e depende de uma série de atributos, como, por exemplo, a carga horária diária e a natureza do trabalho.
QU ESTÕES PA R A R E F L E X ÃO Certo dia, o pai chega em casa cansado de mais um dia de trabalho. Seu filho de 6 anos de idade o esperava na sala. Assim que o homem entrou pela porta já ouviu a voz do garoto perguntando: – Pai quanto o senhor ganha por hora? – Por que quer saber? – perguntou o pai. – Porque sim, oras! – Hummm, então me dá dois reais? – pediu o filho. O pai ficou furioso e retrucou: – Ah, então é por isto, seu pequeno interesseiro, que saber quanto eu ganho para me pedir dinheiro, vá já para sua cama. Após algum tempo o pai se acalmou e percebeu que tinha sido duro demais com o filho. Foi até o quarto do garoto, o acordou e desculpou-se pelo ocorrido, entregando-lhe os dois reais. O menino pulou radiante da cama, pegou os dois reais e correu para abrir a gaveta de sua cômoda e tirar de lá um punhado de moedas e algumas notas de dinheiro bem amassadas. Correu ao encontro do pai e o entregou. Sem entender nada e o pai ia perguntar o motivo de tal atitude quando foi interrompido pelo filho, que lhe disse: – Aqui tem oito reais e 13 centavos, você pode me vender uma hora do seu tempo para nós brincarmos?
O Trabalho e o descanso na justa medida A mente não se deve manter sempre na mesma intenção ou tensão, antes deve dar-se também à diversão. Sócrates não se envergonhava de brincar com as crianças, Catão aliviava com vinho o seu ânimo fatigado dos cuidados públicos e Cipião dançava com aquele corpo triunfante e militar (...). O nosso espírito deve relaxar: ficará melhor e mais apto após
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– Eu ganho 8 reais por hora.
um descanso. Tal como não devemos forçar um terreno agrícola fértil com uma produtividade ininterrupta que depressa o esgotaria, também o esforço constante esvaziará o nosso vigor mental, enquanto um curto período de repouso restaurará o nosso poder. O esforço continuado leva a um tipo de torpor mental e letargia. Nem os desejos dos homens devem encaminhar-se tão depressa nesta direcção se o desporto e o jogo os envolvem numa espécie de prazer natural; embora
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uma repetida prática destrua toda a gravidade e força do nosso espírito. Afinal, o sono também é essencial para nos restaurar, mas se o prolongássemos constantemente, dia e noite, seria a morte. Séneca, in Da Brevidade da Vida.
L E I T U R A I N DIC A DA CHIAVENATO, I. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 1999.
R E F E R ÊNCI A S ARGOLO, D.; ARAUJO, M. O impacto do desemprego sobre o bem-estar psicológico dos trabalhadores da cidade do Natal. In: RAC. – Revista de Administração Contemporânea. v. 8, n. 4, pp. 161-182, 2004. BORGES, L. O.; TAMAYO, A. A estrutura cognitiva do significado do trabalho. In: Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, v. 1, n. 2, pp. 11- 44, 2001. DELUIZ, N. A globalização econômica e os desafios à formação profissional. Rio de Janeiro: Boletim Técnico do SENAC, v. 30, n. 3, p. 73-79, dez., 2004.
DEJOURS, C. Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. In: CHANLAT, J.-F. (Coord.). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1996. FLEURY, M. T. (Org.). As pessoas nas organizações. São Paulo: Gente, 2002. LADEIRA, M. B. O processo de stress ocupacional e a psiPaulo, v. 3, n. 1, pp. 64-74, jan.-mar. 1996. MAGALHÃES, C. V. E. Enfrentamento do desemprego: experiências e vivências de trabalhadores desempregados em Porto Alegre. Porto Alegre, 2007, 165 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. VIOLIN, F. L. O sucesso a qualquer preço. In: Guia RH. Online. Texto postado em jan. 2003. Disponível em: http://www. guiarh.com.br/z41.htm. Acesso em: 26 nov. 2010.
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copatologia do trabalho. In: Revista de Administração. São
(8)
G estão da própria saúde
Renata Mussi
Olá! Nesta última unidade temos um grande desafio, a gestão da nossa própria saúde! O organismo humano precisa de cuidados para que funcione e nos permita continuarmos acelerados e adaptados às demandas da contemporaneidade. No entanto, podemos considerar que a atividade de gestão consiste em algo complexo, envolve disciplina e monitoramento para o alcance de resultados. E será a partir da concepção ampliada do conceito de saúde, e de acordo com as considerações feitas nas unidades anteriores, que iremos enveredar na reflexão sobre o que podemos empreender no sentido de promover saúde a nós mesmos. Bom trabalho!
(8.1) P ressupostos básicos
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A palavra gestão, comumente aplicada ao ambiente das organizações de trabalho, consiste em um conjunto de tarefas que, através do uso eficaz de recursos, garante o alcance de objetivos pré-determinados. Nesse sentido, gerir envolve a tomada de decisão fundamentada em informações pertinentes ao que se objetiva, planejamento e monitoramento de ações de forma a atingir as metas estabelecidas. Considerando os principais aspectos da gestão, recorreremos à produção referente à educação e promoção da saúde para que possamos obter informações ao que pode ser feito no sentido de garantir um maior bem-estar. Precisaremos também nos engajar em um planejamento referente à busca de recursos e construção de um ambiente mais saudável, além do monitoramento de nossas necessidades vitais, aspectos pertinentes à garantia de saúde. No entanto, para pensarmos em gestão da própria saúde, precisamos ter claro qual o objetivo que cada um de nós tem ao pensar sobre uma vida saudável... Então, de início, nos deparamos com um grande desafio, pois, conforme discutimos anteriormente, esse conceito é abstrato e relativo... Nas unidades anteriores verificamos que o bem-estar, qualidade de vida e estar saudável são condições determinadas por muitas variáveis, dentre as quais, a concepção particular de cada um de nós e os aspectos socioculturais de uma época. Discutimos também que a mídia e os movimentos sociais influenciam nossos hábitos. Assim, para que pensemos em gestão da nossa saúde, precisamos estar atentos à realidade na qual estamos inseridos e, sobretudo, conhecermos os sinais do nosso organismo, tanto no aspecto físico quanto emocional.
Lembremos que o conceito de saúde extravasa à ausência de doença, portanto não basta pensarmos em afastar possíveis perigos ao nosso organismo. Sim, a saúde física se estabelece como responsabilidade básica de cada um de nós, no entanto, cabe lembrar que além do aspecto físico, a saúde abrange a dimensão emocional e social. que funciona adequadamente. No entanto, é importante reconhecermos que um corpo físico saudável, no pleno funcionamento do organismo, favorece na qualidade de vida. Nesse sentido, nos próximos itens, iremos refletir sobre a responsabilidade do auto cuidado e identificar quais são os recursos utilizados pela medicina preventiva no sentido de prover melhor saúde e qualidade de vida à população humana, a fim de que estejamos preparados para o pleno desenvolvimento dos nossos projetos pessoais e profissionais.
(8.2) Responsabilidade do autocuidado Embora os recursos atuais da medicina estejam disponíveis a todos, a responsabilidade de cuidar da nossa saúde recai sobre nós mesmos. E, se refletirmos um pouco sobre esse assunto, perceberemos que desde o nascimento, o organismo humano é capaz de dar sinais de saúde e doença. Ainda que de forma rudimentar, o bebê é o responsável por comunicar suas necessidades à comunidade que o cuida – família e equipe de saúde. Com o passar do tempo, entretanto, vamos aprimorando a nossa capacidade de percebermos o nosso corpo, conhecer os sinais que nosso organismo nos oferece e de
147 Gestão da própria saúde
Assim, a boa saúde é muito mais que um corpo físico
comunicação. À medida que desenvolvemos a linguagem, vamos aprendendo a discriminar e explicitar para os outros aquilo que sentimos. Por isso, vamos observando os outros e elaborando modelos de como cuidar da nossa saúde. Além disso, ao seguir modelos, nos engajamos em comportamentos mais adaptativos. Porém, ultimamente Saúde e qualidade de vida
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observa-se que nem sempre “optamos” por adotar estilos de vida saudáveis... O que será que tem acontecido? Conforme vimos nas unidades anteriores, vivemos uma realidade em que a rapidez e o momentâneo são prioridades, deste modo, muitas vezes apresentamos hábitos que nos distanciam da saúde. De acordo com Poni (2010), os relatórios sobre saúde pública indicam que as principais causas de morte prematura são as “doenças de causa pessoal”, como ataques cardíacos, derrames, câncer, acidentes automobilísticos, suicídios, violência, diabetes, uso de drogas e poluição ambiental. Cada vez mais cedo, as pessoas se engajam em hábitos prejudiciais à saúde como estratégias de enfrentamento para uma rotina hostil e estressante. Observa-se, entretanto, que outros estilos de vida se mostraram protetores e, nesse sentido, desde a década de 1980, a taxa de mortalidade começou a diminuir devido ao crescente número de pessoas engajadas num estilo de vida saudável. Deste modo, percebe-se que a forma como vivemos é um fator preponderante quando se refere à saúde... Mas pensemos: por que agimos desta forma? Geralmente agimos de acordo com o que nos é ensinado, seja através de instrução do que devemos fazer, seja através da imitação de um modelo socialmente valorado. Quando crianças, tendemos a atuar de forma a nos adaptar ao mundo. A partir das necessidades fisiológicas e sociais, nos engajamos em comportamentos tidos como comuns ou corretos pela comunidade a qual pertencemos. Assim, à
medida que realizamos algo, e esse algo é considerado adequado, passamos a adotar essa conduta.
Curiosidade:
Quando falamos em seguir tendências, lembramos do papel da mídia, que, muito embora possa atuar como veículo que estimule a população a hábitos saudáveis, por vezes nos apresenta modelos que nem sempre prezam por condutas que favoreçam a saúde... Através da disseminação do corpo perfeito e padrão de beleza “pré-fabricado”, a mídia estimula jovens a um padrão de conduta que algumas vezes pode distanciá-las de uma vida saudável em prol de uma aceitação social, a partir do cumprimento de estereótipos de beleza. Ainda que ser aceito socialmente também seja algo saudável, isso só deve ser considerado se essa prática não estiver incompatível com a manutenção da saúde física. Por outro lado, a mídia também tem sido um veículo de estímulo de padrões saudáveis, como exemplo algumas telenovelas que tratam o assunto com responsabilidade e informam a população sobre riscos à saúde e prevenção de
149 Gestão da própria saúde
De acordo com Gomes (2007), a representação do cuidar se expressa, na cultura Ocidental, como uma tarefa feminina. Somado a isso, um imaginário social que vê o homem como ser invulnerável acaba contribuindo para que os homens menos se cuidem e mais se exponha a situações de risco. Por conta disso, o Ministério da Saúde trata desta temática fragmentando a população adulta por gênero e estabelece ações específicas para o cuidado da saúde masculina e feminina, com programas que contemplem a necessidade de cada gênero para estimular os homens a um maior cuidado. Visite o site http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area. cfm?id_area=1391 e verifique as especificidades de cada ação.
doenças. Há ainda alguns programas televisivos que transmitem receitas saudáveis, ensinam exercícios físicos e entrevistam especialistas com o intuito de aumentar o interesse do telespectador em cuidar da própria saúde. Assim, no que se refere à influência da mídia enquanto modelo, há muito o que ser feito junto aos adolescentes, uma vez que, de acordo com Sichieri et al. (2006):
Adolescentes são particularmente influenciáveis em seu estilo de vida e deveriam ser prioritariamente contemplados em programas de saúde coletiva. Vários estudos indicam que a manutenção de um peso considerado adequado entre meninas adolescentes se faz através de práticas alimentares inadequadas, como omitir refeições, e que o consumo de nutrientes como cálcio e ferro é inadequado neste grupo
Saúde e qualidade de vida
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(SICHIERI et al., 2006, p. 229). Nesse sentido, tomemos cuidado para não sermos ludibriados pelos meios de comunicação que veiculam informações e disseminam padrões interessantes para uma lógica do consumo que nem sempre se preocupa com o verdadeiro bem estar físico. Por exemplo, no que se refere ao comportamento saudável, o que deveria aumentar em frequência seria a ingestão de alimentos adequados e a prática de exercícios físicos – fatores considerados básicos para uma boa saúde. No entanto, o modelo apresentado em uma lógica de consumo nem sempre direciona este tipo de comportamento. Vivemos em uma
realidade em que o mais prático e rápido tende a ser mais “adequado”, haja vista a velocidade impressa à realidade contemporânea. Mas, se pensarmos por essa lógica, a tendência seria desanimadora, porém verifica-se que a taxa de sobrevida vem aumentando graças à medicina preventiva que disNesse sentido, este fazer tem se mostrado eficaz ao engajar os indivíduos em padrões de comportamentos mais saudáveis. Além disso, os estudos atuais apontam para diversos modelos que dão ênfase não só à informação dos indivíduos e das populações para assumirem atitudes conscientes e responsáveis quanto à sua saúde, mas também à importância da criação de ambientes estruturais favoráveis para a promoção de estilos de vida saudáveis. Nesse sentido, Pereira (2006) questiona a tradicional Educação para a Saúde, que se preocupa essencialmente com a alteração dos estilos de vida – e por isso baseia-se com a vontade própria do indivíduo para que ocorra a mudança de hábitos. Esta abordagem defende que as pessoas cumpram o programa que lhes é apresentado, deste modo atribui culpa àquele que não altera o seu comportamento, julgando que isso ocorre por opção ou vontade própria. Assim, a “cultura do estilo de vida preventivo” coloca sobre o indivíduo certa responsabilidade por sua vida e saúde. Atualmente, devido à facilidade de acesso a informações, muitas pessoas são conscientes dos hábitos saudáveis, mas nem sempre isso é garantia de sucesso. Os psicólogos comportamentais comprovaram, através de estudos científicos, que a consciência não altera o comportamento. Sendo assim, não basta saber o que fazer para melhorar a nossa saúde, precisamos, sim, fazer algo efetivo nesse sentido. E, para estimular a “vontade interna”, Pereira (2006)
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semina informações a respeito de hábitos mais saudáveis.
sugere uma estratégia complementar de criação de ambientes infraestruturais (físicos e socioeconômicos) favoráveis à promoção de estilos de vida saudáveis. Acredita-se que propostas como esta favorecem na motivação humana, no sentido de modificar aspectos do ambiente a favor de hábitos mais saudáveis. Dito isto, não basta que tenhamos informações sobre Saúde e qualidade de vida
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os indicadores de saúde, dicas de como cuidar-se... Embora estes aspectos sejam pré-requisitos, o mais relevante na gestão da própria saúde consiste em se predispor a agir. Agir no sentido de experimentar novos hábitos a fim de monitorar os resultados alcançados a partir destas mudanças para que se possa encontrar o jeito particular de gestão.
(8.3) A vida saudável Será possível identificarmos um modelo ideal de vida saudável? Existe uma fórmula a ser seguida que nos leve ao alcance da qualidade de vida? Conseguiremos encontrar uma receita única em que todos possam seguir para um resultado que seja comum – o da SAÚDE? Conceituar vida saudável pode nos colocar diante do dilema já debatido, o da relatividade... Nem sempre o que é indicado para um servirá ao outro... Mesmo se estivéssemos partindo de uma discussão puramente física, ainda assim não conseguiríamos encontrar respostas factíveis, posto que, apesar de sermos de uma mesma espécie, o organismo humano reage ao meio de uma maneira particular e incapaz de ser generalizada, por conta da variabilidade individual... Nem sempre precisamos das mesmas coisas e reagimos
de forma similar – um organismo pode se adaptar bem a um determinado tipo de alimento, enquanto que para outro este mesmo alimento pode causar disfunção. E, principalmente quando concebemos o saudável em esfera mais ampla, verificaremos de imediato que não dá para enquadrarmos todos em um só modelo... Mas sem que mos então tratar desta questão ao nível de políticas públicas? As políticas públicas de prevenção e promoção à saúde partem de evidências empíricas, testadas cientificamente, no estabelecimento de ações que favoreçam a uma vida saudável de um indivíduo médio, ou seja, o que na maioria das vezes serve para o ser humano sem considerar suas diferenças. E, muito embora, saibamos que as ações nem sempre sejam bem sucedidas, precisamos partir delas para nortear o cuidado à saúde. Assim, neste trecho da nossa unidade, serão evidenciadas sugestões do que tem sido considerado em programas de prevenção e promoção de saúde. Diferentes ações têm sido pensadas no sentido de estimular a autonomia das pessoas para a escolha e favorecer a adoção de práticas saudáveis. Nesse sentido, têm-se como foco a criação de ambientes favoráveis, o desenvolvimento de habilidades pessoais e o empoderamento, a mobilização e a participação social, eixos nos quais são desenvolvidas as ações da área. E, assim, como uma forma de reduzir as mortes e doenças em todo o mundo, ações globais de prevenção da saúde vêm se consolidando. Destaca-se que na maioria das ações o foco tem sido para a alimentação saudável, e isso não ocorre por acaso... De acordo com Sichieri (2000), um nível ótimo de saúde depende da nutrição do organismo. Portanto, em uma época em que o tempo é curto, em que as refeições têm que ser rápidas, comumente, optamos por uma alimentação que nos forneça sensação de saciação. Para atender a demanda dos seus
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possamos discutir numa esfera mais generalista como pode-
clientes, os serviços de fast food investem em pratos com pequena quantidade de alimento, mas para que promovam esta sensação de saciedade, estes são bem calóricos. Por isso, cada vez mais os hábitos alimentares têm sido o principal alvo de ação no sentido de melhoria da saúde. Especialistas concordam que para que uma pessoa seja Saúde e qualidade de vida
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considerada fisicamente saudável, esta deve evitar a ingestão de substâncias prejudiciais ao organismo humano, especialmente fumo e álcool. Além disso, incentiva-se comer alimentos adequados, engajar-se na prática de exercícios físicos regulares e na manutenção do peso normal. Também é importante compreender as limitações naturais do corpo e o processo de envelhecimento para que se possa repor os nutrientes que se perdem ao longo da vida. Por exemplo, sabe-se que as mulheres possuem uma variação no peso ao longo da vida, sobretudo no período da pós-menopausa, momento em que há maior vulnerabilidade de aumento de peso, deposição abdominal de gordura e grande dificuldade para perda de peso. No entanto, muito embora tenhamos a ideia de que um corpo magro é o ideal de saúde, destaca-se que existem controvérsias quanto ao que se considera peso adequado para adultos. Os estudos demonstram que manter um peso corporal adequado e não ganhar peso durante a vida adulta parece associar-se a menor mortalidade e maior bem-estar. Sendo assim, os médicos e a população em geral têm feito uso do cálculo do IMC (Índice de Massa Corpórea) como estratégia de monitoramento do peso. Para calcular o IMC, divida o seu peso, em quilogramas, pela sua altura, em metros, elevada ao quadrado. O cálculo é válido para pessoas com idade entre 20 e 60 anos, e a partir do resultado, você pode identificar o seu estado nutricional, conforme a figura a seguir:
Abaixo do peso: IMC < 18,5 Peso adequado: 18,5 < IMC > 24,99 Alerta de sobrepeso: 25 < IMC > 29,99 Alerta de obesidade: IMC > 30
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Cálculo do Índice de Massa Corpórea. Fonte: Criação Unifacs – http://www.sxc.hu
Curiosidade: Verifique se a sua alimentação esta adequada ao padrão estabelecido pelo Ministério da Saúde do Brasil: http:// nutricao.saude.gov.br/teste_alimentacao.php.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, as recomendações para uma alimentação saudável devem basear-se em alimentos específicos que contemplem os nutrientes adequados. E, para a manutenção do peso ideal recomenda-se com frequência o consumo de alimentos variados, em quatro refeições ao dia, associado ao aumento da atividade física diária. O Ministério da Saúde, implicado em ações educativas, elabora cartazes e panfletos que sugerem dicas de alimentação
nas diversas fases do desenvolvimento. De maneira geral, destacam-se os dez passos para uma alimentação saudável:
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1. Faça pelo menos 3 refeições (café da manhã, almoço e jantar) e 2 lanches saudáveis por dia. Não pule as refeições. 2. Inclua diariamente 6 porções do grupo do cereais (arroz, milho, trigo, pães e mas-sas), tubérculos como as batatas e raízes como a mandioca/macaxeira/aipim nas refeições. Dê preferência aos grãos integrais e aos alimen¬tos naturais. 3. Coma diariamente pelo menos 3 porções de legumes e verduras como parte das refeições e 3 porções ou mais de frutas nas sobremesas e lanches. 4. Coma feijão com arroz todos os dias ou, pelo menos, 5 vezes por semana. Esse pra-to brasileiro é uma combinação completa de proteínas e bom para a saúde. 5. Consuma diariamente 3 porções de leite e derivados e 1 porção de carnes, aves, peixes ou ovos. Retirar a gordura aparente das carnes e a pele das aves antes da preparação, tornando esses alimentos mais saudáveis! 6. Consuma, no máximo, 1 porção por dia de óleos vegetais, azeite, manteiga ou marga¬rina. Fique atento aos rótulos dos alimen¬tos e escolha aqueles com menores quantidades de gorduras trans. 7. Evite refrigerantes e sucos industrializa¬dos, bolos, biscoitos doces e recheados, sobremesas doces e outras guloseimas como regra da alimentação. 8. Diminua a quantidade de sal na comida e retire o saleiro da mesa. Evite consumir alimentos industrializados com muito sal (sódio) como hambúrguer, charque, salsicha, linguiça, presunto, salgadinhos, conservas de vegetais, sopas, molhos e temperos prontos. 9. Beba pelo menos 2 litros (6 a 8 copos) de água por dia. Dê preferência ao consumo de água nos intervalos das refeições. 10. Torne sua vida mais saudável. Pratique pelo menos 30 minutos de atividade físi¬ca todos os dias e evite as bebidas alcoóli¬cas e o fumo. Mantenha o peso dentro de limites saudáveis. Fonte: http://nutricao.saude.gov.br/documentos/10passos_adultos.pdf
Ainda que as recomendações contemplem o organismo humano, nos seus aspectos biopsicossociais, sabemos que cada um é um, assim se faz importante ter consciência de que o que pode ser indicado para uns pode não ser para outros. Lembremos que existe uma variabilidade que nos torna organismos únicos e isso não deve ser menosprezado.
SÍN T ESE Nesta unidade abordamos o tema gestão da nossa própria saúde. Verificamos que a atividade de gestão exige alguns pressupostos. Descobrimos que desde muito cedo somos responsáveis em reconhecer e sinalizar as condições de nossa saúde e por isso nos tornamos os principais responsáveis em nos prover hábitos que favoreçam a nossa saúde e qualidade de vida. Assim, a partir de agora cada um de nós deve se engajar na gestão da própria saúde, compreendendo, enfim, que os nossos hábitos influenciam no nosso bem estar e que precisamos investir no autoconhecimento a fim de encontrarmos o nosso caminho para hábitos mais saudáveis e melhor qualidade de vida.
QU ESTÃO PA R A R E F L E X ÃO Liste os seus hábitos alimentares e a partir da indicação do cálculo do seu IMC, reflita sobre o que você tem feito para prover a si mesmo uma melhor saúde e qualidade de vida. Será que você tem gerido bem a sua saúde?
SI T ES I N DIC A DOS http://nutricao.saude.gov.br http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=1391
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R E F E R ÊNCI A S GOMES, R.; NASCIMENTO, E. F. do; ARAUJO, F. C. de. Por que os homens buscam menos os serviços de saúde do que as mulheres? As explicações de homens com baixa escolaridade e homens com ensino superior. In: Cad. Saúde Pública, Rio de
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Janeiro, v. 23, n. 3, mar. 2007. Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X200700 0300015&lng=en&nrm=iso. Acesso em: dez. 2010. PONI, E. Cuidando de sua saúde. In: Diálogo Universitário, online. Disponível em: http://dialogue.adventist.org/ articles/16_1_poni_p.htm. Acesso em: dez. 2010. PEREIRA, I. Educação Profissional em Saúde. In: Dicionário da Educação Profissional da Saúde. São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, FIOCRUZ, 2006. Disponível em:
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