TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
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V855t Vivas, Maria Izabel de Quadros Temas selecionados de educação/ Maria Izabel de Quadros Vivas e Tereza Cristina Pereira Carvalho Fagundes. –Salvador: UNIFACS, 2014. 104 p. ISBN 978-85-8344-006-2 1.Educação. I. Fagundes, Tereza Cristina Pereira Carvalho. II. Título. CDD: 370
SUMÁRIO AULA 1 - EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE................................................................. 7 O paradigma da contemporaneidade no mundo................................................... 8 Educação permanente............................................................................................ 8 Teoria da complexidade................................................................................... 10 Novos recursos de comunicação........................................................................... 12 Geração X......................................................................................................... 12 Geração Y......................................................................................................... 13 Geração Z ........................................................................................................ 13 O paradigma contemporâneo no Brasil................................................................ 15 Síntese.................................................................................................................. 17 Questão para Reflexão......................................................................................... 17 Leitura indicada.................................................................................................... 17 Sites Indicados...................................................................................................... 17 Referências Bibliográficas..................................................................................... 17 AULA 2 - A EDUCAÇÃO NA CIDADE E NO CAMPO.............................................................. 19 O direito à educação na sociedade democrática.................................................. 20 O ratinho da cidade e o ratinho do campo.......................................................... 21 A busca pela superação da dicotomia cidade-campo.......................................... 23 Contextualizando a educação no campo.............................................................. 26 Por uma política pública de educação no campo na atualidade......................... 28 Um projeto político pedagógico de educação no campo..................................... 29 Pedagogia da alternância – proposta da escola família agrícola ........................ 32 A busca pela escola cidadã................................................................................... 34 Síntese.................................................................................................................. 35 Questão para reflexão.......................................................................................... 36 Leituras indicadas................................................................................................. 36 Sites indicados...................................................................................................... 36 Referências........................................................................................................... 36
AULA 3 - A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA....................................................................... 39 O sistema de ensino e a educação dos povos indígenas: em busca da alteridade....40 O profissional da educação nas escolas indígenas............................................... 43 Objetivos da educação escolar indígena.............................................................. 46 Síntese.................................................................................................................. 48 Questão para reflexão.......................................................................................... 49 Leituras indicadas................................................................................................. 49 Sites indicados...................................................................................................... 49 Referências........................................................................................................... 49 AULA 4 - TERRITÓRIOS REMANESCENTES DE QUILOMBOS: HISTÓRIA, POLÍTICA E EDUCAÇÃO.....51 Quilombolas.......................................................................................................... 52 Um pouco da história............................................................................................ 52 Reafirmando a identidade.................................................................................... 54 Educação e legislação........................................................................................... 56 Síntese.................................................................................................................. 59 Questão para reflexão.......................................................................................... 59 Leitura indicada.................................................................................................... 59 Sites indicados...................................................................................................... 60 Leis e decretos:..................................................................................................... 60 Referências bibliográficas..................................................................................... 60 AULA 5 - A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS EM “SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL E PESSOAL”......... 63 Concepção de infância: breve contribuição histórica e social.............................. 64 Infância e sociedade: implicações da invisibilidade social.................................. 66 Infância como investimento e responsabilidade social....................................... 68 A educação de crianças socialmente em risco..................................................... 69 Características e desafios da atuação pedagógica do “educador social”............ 69 Síntese.................................................................................................................. 71 Questão para reflexão.......................................................................................... 71 Leituras indicadas................................................................................................. 71 Sites indicados...................................................................................................... 71 Referências........................................................................................................... 72
AULA 6 - SEXUALIDADE, GÊNERO E DIVERSIDADE NA ESCOLA........................................... 73 Sexualidade, gênero e diversidade — revendo conceitos e concepções............. 74 Estratégias de ação na escola.............................................................................. 76 Oficinas — significados e características ............................................................. 79 Oficinas — exemplos ........................................................................................... 82 Tema = como ser diferente?............................................................................ 82 Tema: um direito do cidadão e da cidadã....................................................... 83 Tema = estereótipos, não!............................................................................... 84 Síntese.................................................................................................................. 85 Questões para reflexão......................................................................................... 85 Leituras indicadas................................................................................................. 85 Sites indicados...................................................................................................... 86 Referências........................................................................................................... 86 AULA 7 - ATIVIDADES EDUCATIVAS EM INSTITUIÇÕES NÃO ESCOLARES, COMUNITÁRIAS E POPULARES.....................................................................................................................................89 Voce já ouviu falar em pedagogia de projetos?.................................................. 89 Pedagogia social de rua....................................................................................... 92 Você sabe o que é pedagogia social de rua?....................................................... 93 Pedagogia hospitalar............................................................................................ 94 Síntese.................................................................................................................. 95 Referências........................................................................................................... 95 AULA 8 - ATIVIDADES EDUCATIVAS PARA ALÉM DA SALA DE AULA - ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, A EDUCAÇÃO NO CÁRCERE E A PEDAGOGIA NA EMPRESA.................. 97 Alfabetização de jovens e adultos........................................................................ 98 Fases de elaboração do método de alfabetização ......................................... 98 A educação no cárcere........................................................................................ 100 A pedagogia na empresa.................................................................................... 103 Síntese................................................................................................................ 104 Referências......................................................................................................... 104
AULA 1 Educação na contemporaneidade Autores: Karina Nery Embirussu e Sérgio Embirussu Barreto
A
Para começar o estudo desse componente curricular, vamos situar o cenário educacional contemporâneo, com o intuito de entendermos melhor a educação que almejamos e precisamos consolidar. Essa será uma forma de também definirmos o nosso papel como profissionais que enfrentam os problemas atuais no âmbito educacional. Aceita o desafio? Vamos lá!
História é organizada por períodos com características próprias, que se definem por um conjunto de aspectos filosóficos, sociais, econômicos e políticos, capazes de configurar modos de ser e de viver dos povos no decorrer de sua evolução. Esse processo de desenvolvimento dos grupos sociais apresenta oscilações entre movimentos de submissão e de autonomia às crenças e concepções estabelecidas em cada cultura. A História da Educação se desenvolveu a partir do salto da visão mítica à reflexão filosófica, ocorrido na antiguidade, quando os indivíduos passaram a usar sua capacidade intelectual para formular explicações sobre a vida, baseadas na razão. O exercício reflexivo passou de ser dominado pela força da doutrina religiosa, dos tempos medievais ao ressurgimento da racionalidade, que se estabeleceu pela superação do primado da fé a partir das concepções filosóficas da modernidade. E, então, o que restou para testemunharmos na contemporaneidade?
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O PARADIGMA DA CONTEMPORANEIDADE NO MUNDO O mundo mudou, as pessoas mudaram, as filosofias são outras. Vivemos uma época de transição paradigmática. Você sabe, afinal, o que significa paradigma? Um paradigma é [...] um modelo, um conjunto de ideias e valores capazes de situar os membros de uma comunidade em determinado contexto, a fim de possibilitar a compreensão da realidade e a atuação a partir de valores comuns. Nesse sentido, uma crise de paradigma se define pela mudança conceitual dos modelos que satisfaziam essa comunidade, ao mesmo tempo em que a caracterizavam. (ARANHA b, 2006, p. 358-359).
Desse modo, o modelo de sociedade atual é marcado por fatores essenciais, como o sistema capitalista, o neoliberalismo, a globalização, o desenvolvimento tecnológico, a crise da visão cartesiana de mundo, os quais produziram novas necessidades em escala mundial, definidas pela sustentabilidade, pelo consumo consciente, pela perspectiva interdisciplinar do conhecimento, pela democratização do ensino e pela educação permanente. O paradigma social contemporâneo, nesse sentido, exige a reflexão sobre os aspectos políticos, econômicos, culturais e educacionais vigentes, além de levantar questões sobre a condição do indivíduo na sociedade, sua participação e atuação nos processos de mudança social. Não é possível, atualmente, vivermos ancorados no otimismo exacerbado da educação redentora, nem no imobilismo pessimista da educação reprodutora. Precisamos pensar em um projeto de sociedade no qual a diversidade, o desenvolvimento sustentável, a participação política e a gestão democrática sejam assuntos de relevo a serem discutidos não apenas por pessoas consideradas intelectuais, mas, principalmente, pelos cidadãos e cidadãs que estão ocupados em construir novos rumos para a sociedade em que vivem. Essa proposta emerge do discurso e da prática fundada na educação de cunho transformador, que se pretende libertária e se baseia na relação dialógica entre educador e educando, tendo como premissa a visão crítica dos conteúdos e da realidade. Com base nesse cenário, indagamos: qual a proposta filosófica da educação contemporânea? Quais princípios sustentam tal processo formativo?
EDUCAÇÃO PERMANENTE Os desafios da educação do Século XXI estão calcados nos princípios de educar para a vida e ao longo da vida. É nessa perspectiva que foram definidos, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), os quatro pilares da educação para o Século XXI, que configuram as quatro aprendizagens necessárias à vida na atualidade.
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AULA 1 - A EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE
Figura 1 - Símbolo da UNESCO
Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:UNESCO_logo_green.svg>.
[...] a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo, para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; e, finalmente, aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. (DELORS, 1998, p. 89-90).
Para nos apropriarmos efetivamente do tema, vamos descrevê-lo melhor: » » Aprender a conhecer: propõe o domínio não dos saberes em si, mas das ferramentas de aquisição do conhecimento. O volume de informações veiculado pelos meios de comunicação demonstra que o acúmulo deve ser substituído pela aquisição significativa e que é necessário aprender a aprender, ou seja, desenvolver estratégias intelectuais, tais como atenção, memória e pensamento. » » Aprender a fazer: significa saber aplicar os conhecimentos construídos e tornar prática a teoria. Essa aprendizagem caminha na direção da formação profissional e está intimamente ligada ao aprender a conhecer. » » Aprender a viver juntos: envolve as relações interpessoais, a resolução de conflitos e a liderança. Significa ensinar a conviver com as diferenças, negar a exclusão, compreender a diversidade e a interdependência entre as pessoas, enfim, viver com base na cooperatividade e colaboração, em detrimento da competição. » » Aprender a ser: significa que a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa. Para alcançar seu objetivo, essa aprendizagem une todas as anteriores. Tais saberes são fundamentais para o desenvolvimento pessoal e social do sujeito, sendo, portanto, indispensável a sua inserção no currículo escolar. Todo o ser humano deve ser preparado, especialmente pela educação que recebe na juventude, a fim de elaborar pensamentos autônomos e críticos e formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vida (DELORS, 1998, p. 99).
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A concepção dos quatro pilares apresentados referenda uma educação que seja permanente, que se estenda por toda a vida, afinal, sempre estamos conhecendo, pondo em prática os saberes adquiridos nos espaços que ocupamos e na relação com as pessoas que nos rodeiam. Todas as experiências relacionadas aos conhecimentos, às ações e à convivência nos oportunizam sermos pessoas melhores, construirmos novos valores e assumirmos atitudes mais condizentes com as situações com as quais nos deparamos. [...] as missões que cabem à educação e as múltiplas formas que podem revestir fazem com que englobem todos os processos que levam as pessoas, desde a infância até ao fim da vida, a um conhecimento dinâmico do mundo, dos outros e de si mesmas, combinando de maneira flexível as quatro aprendizagens fundamentais [...]. (DELORS, 1998, p. 104).
Educar ao longo da vida reforça o ideal de Freire (1979), que afirma sermos seres inacabados. As possibilidades de aprendizagem e crescimento pessoal são imensuráveis e podem ser sentidas em todas as fases da nossa existência, especialmente quando se trata da aquisição de um modo compartilhado de viver, e não individualizado. Santos (1994) destaca que a mudança de paradigmas que presenciamos hoje implica em uma nova visão da subjetividade e do conhecimento. O novo perfil do ser humano e as novas estratégias de aprendizagem, dessa forma, vão se estabelecendo. Podemos concluir que cada época produz formas diferentes de compreensão da realidade, portanto reinventam as formas de conhecer e intervir no mundo. Diante desse cenário, a lógica educacional contemporânea requer novas formas de concepção do conhecimento, que valorizem a interdisciplinaridade, o pensamento complexo e a disseminação do mesmo a partir de meios e estratégias diversos.
TEORIA DA COMPLEXIDADE A teoria da complexidade, proposta pelo filósofo Edgar Morin, se coaduna com a nova perspectiva do conhecimento. No combate ao reducionismo e à fragmentação do conhecimento, Morin desenvolveu sua proposta filosófica ancorada nos princípios da integração, do diálogo, do contexto, ou seja, da complexidade.
Figura 2 - Edgar Morin
Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Edgar_Morin_IMG_0558-b.jpg>.
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AULA 1 - A EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE
Edgar Morin nasceu em 1921 em Paris. Seu nome verdadeiro é Edgar Nahoum. Concluiu os estudos universitários de História, Geografia e Direito na Sorbonne, onde se aproximou do Partido Comunista, ao qual se filiou em 1941. Teve papel ativo no movimento de resistência à ocupação nazista durante a Segunda Grande Guerra. Depois do fim da guerra, participou da ocupação da Alemanha. Em 1949, distanciou-se do PC, que o expulsou dois anos depois. Ingressou no Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), onde realizou um dos primeiros estudos etnológicos produzidos na França, sobre uma comunidade da região da Bretanha. Criou o Centro de Estudos de Comunicações de Massa e as revistas Arguments e Comunication. Em 1961, rodou o filme “Crônica de um Verão”, em parceria com o documentarista Jean Rouch. Em seguida, fez uma série de viagens à América Latina. Em 1968, começou a lecionar na Universidade de Nanterre. Passou um ano no Instituto Salk de Estudos Biológicos, em La Jolla, na Califórnia, onde acompanhou descobertas da genética. Redigiu, em 1994, com o semiólogo português Lima de Freitas e o físico romeno Basarab Nicolescu, um manifesto a favor da transdisciplinaridade. Em 1998, promoveu, com o governo francês, jornadas temáticas que originaram o livro “A Religação dos Saberes”. Em 2002, a Justiça o condenou por difamação racial devido a um artigo no qual dizia que “os judeus, que foram vítimas de uma ordem impiedosa, impõem sua ordem impiedosa aos palestinos”. Morin, que é judeu, pagou 1 euro como pena simbólica. Ainda diretor de pesquisas no CNRS, ele é doutor honoris causa em universidades de vários países e presidente da Associação para o Pensamento Complexo. Fonte: <http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/arquiteto-complexidade-423130. shtml?page=3>.
Morin destaca a necessidade de compreensão da complexidade do pensamento em detrimento da simplificação, que não revela a diversidade e a riqueza do todo. Precisamos reformar o pensamento, construir uma nova maneira de olhar o mundo e compreendê-lo. Religar os conhecimentos é, então, uma das formas de alcançar tal objetivo. No campo educacional, a complexidade se apresenta de diferentes formas, a começar pela sala de aula, que é um espaço heterogêneo por natureza: integra um universo de sentimentos, diferentes personalidades, classes sociais, culturas, religiões e gêneros. A própria escola, que pode ser comparada a um organismo vivo, possui seus vários setores, que precisam estabelecer um diálogo afinado para funcionar bem. Todos os saberes se entrecruzam e são interdependentes. O conhecimento, quando trabalhado de forma contextualizada, gera maior aprendizagem, uma vez que o estudante consegue relacioná-lo com sua vida pessoal. Nas atividades práticas, em visitas ou viagens, a aprendizagem é mais carregada de sentido do que na aula teórica exposta na sala de aula. Além da reforma do pensamento proposta por Morin, o mundo atual clama por novas estratégias de ensino e novos recursos de comunicação.
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NOVOS RECURSOS DE COMUNICAÇÃO A época atual demarca um momento de desenvolvimento brusco do conhecimento, visto que aquilo que aprendemos na escola, hoje já está obsoleto. Já imaginou que tudo o que você está aprendendo nesta aula precisa ser ressignificado por você para continuar tendo sentido? Percebeu que você também produz conhecimento? A relativização das teorias e costumes tradicionalmente aceitos favorece a abertura de espaço para a autoria em vários campos do saber. Isso significa que hoje todo e qualquer cidadão e cidadã pode questionar os conhecimentos validados secularmente e sugerir novas formas de interpretação da realidade. A comunicação assume formas diferenciadas e o diálogo não carece mais da presença de dois ou mais sujeitos. É possível, então, extinguir a distância e se comunicar com pessoas ou grupos em localidades diferentes simultaneamente. A ideia de produção do conhecimento em rede ganha força cada vez mais. Falamos, agora, em construção colaborativa. Eis que surge uma nova concepção filosófica, que apresenta novos conceitos de indivíduo, de sociedade e de educação, voltados à inteligência coletiva. Devemos, antes, entender um acesso de todos aos processos de inteligência coletiva, quer dizer, ao ciberespaço como sistema aberto de autocartografia dinâmica do real, de expressão das singularidades, de elaboração dos problemas, de confecção do laço social pela aprendizagem recíproca, e de livre navegação nos saberes (LEVY, 1999, p. 196). O acesso às mídias digitais, aos jogos eletrônicos e às redes sociais traduz a vigência de uma nova geração, que se assenta na produção/socialização do conhecimento de forma dinâmica, colaborativa e virtual. As mudanças no foco da aprendizagem, no modo como compreendemos o conhecimento, bem como as novas ferramentas utilizadas na sociedade contemporânea e, consequentemente, na escola, anunciam a existência de um novo perfil de educando. Se buscarmos caracterizá-lo, veremos que ele pertence a uma nova geração, diferente da geração de seus professores. Podemos classificar as gerações em três tipos: Geração X, Geração Y e Geração Z, conforme apresentaremos a seguir:
GERAÇÃO X Também abreviado como Gen X, é o termo que se refere à geração nascida após o “Baby boom”. Embora não haja acordo em relação ao período que a expressão abrange, ela geralmente inclui as pessoas nascidas a partir do início dos anos 1960 até o final dos anos 1970, podendo alcançar o início dos anos 1980, sem, contudo, ultrapassar 1984. O termo foi usado por Jane Deverson, em um estudo de 1964, a respeito da juventude britânica. O estudo revelou uma geração de adolescentes para quem era normal manter relações sexuais antes do casamento, que não acreditavam muito em Deus, não gostavam da Rainha Elizabeth II e não respeitavam os pais (WIKIPÉDIA, 2013). Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Gera%C3%A7%C3%A3o_X>.
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AULA 1 - A EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE
GERAÇÃO Y A Geração Y, também chamada de geração do milênio ou geração da internet, é um conceito da Sociologia que se refere, segundo alguns autores, à corte dos nascidos após 1980 e, de acordo com outros, de meados da década de 1970 até meados da década de 1990, sendo sucedida pela Geração Z. Essa geração desenvolveu-se em uma época de grandes avanços tecnológicos e prosperidade econômica. Os pais, não querendo repetir o abandono das gerações anteriores, encheram-nos de presentes, atenções e atividades, fomentando a autoestima de seus filhos. Eles cresceram vivendo em ação, estimulados por atividades, fazendo tarefas múltiplas. Acostumados a conseguirem o que querem, não se sujeitam às tarefas subalternas de início de carreira e lutam por salários ambiciosos desde cedo. Uma de suas características atuais é a utilização de aparelhos de alta tecnologia, como telefones celulares de última geração, os chamados smartphones (telefones inteligentes), que possuem muitas outras finalidades além de apenas fazer e receber ligações, como é característico dos celulares das gerações anteriores (WIKIPÉDIA, 2013). [...] a chamada Geração Y cresceu em meio a um crescente individualismo e a uma extremada competição. Não são jovens que, em geral, têm a mesma consciência política das gerações da época contracultural. E, também, como as informações aparecem em uma progressão geométrica e circulam a uma velocidade e tempo jamais vistos antes, o conhecimento tende a ficar cada vez mais superficial.
Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Gera%C3%A7%C3%A3o_Y>.
GERAÇÃO Z É a definição sociológica para definir a geração de pessoas nascidas desde a segunda metade da década de 1990 até os dias de hoje. As pessoas da Geração Z são conhecidas por serem nativas digitais, estando muito familiarizadas com a World Wide Web, o compartilhamento de arquivos, os telefones móveis e mp3 players, não apenas acessando a internet de suas casas, mas, também, pelo celular, ou seja, são extremamente conectadas à rede. Desde o século passado, classificar gerações de épocas específicas e nomeá-las tem sido um hábito cada vez mais comum. Diferentemente de separar por idades, sexo ou renda, a classificação por gerações se apresenta mais correta para definir alguém, mesmo com o passar dos anos, pois um indivíduo permanece com suas denominações, independente de mudanças pessoais, de faixa etária ou econômicas. Algumas denominações têm usado as letras do alfabeto. Assim, a Geração X se refere aos filhos dos Babys Boomers da Segunda Grande Guerra e a Geração Y se refere aos filhos da Geração X. No entanto, uma nova denominação está sendo utilizada para uma geração de indivíduos preocupados, cada vez mais, com a conectabilidade e com os demais indivíduos, de forma permanente, da Geração Z (WIKIPÉDIA, 2013). Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Gera%C3%A7%C3%A3o_Z>.
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Para saber mais sobre esse assunto, acesse os seguintes vídeos: <http://www.youtube.com/watch?v=pydDtb18bxo&feature=related> <http://www.youtube.com/watch?NR=1&feature=endscreen&v=ctx6O lURwuQ>
A evolução das gerações tem acompanhado o desenvolvimento político, financeiro e cultural do mundo contemporâneo de forma muito veloz. A escola, como instituição de formação por excelência, deve acompanhar esse ritmo, sob pena de não atender às exigências da vida social e do mercado de trabalho. A partir desse cenário, encontramos discussões polêmicas sobre os rumos da educação e a função social da escola. Para Ivan Illich, um dos grandes mitos de nossa época está na crescente institucionalização: todos os nossos passos são submetidos a instituições criadas para “proteger” e “orientar”, mas que na verdade cerceiam as ações humanas. Saúde, nutrição, educação, transporte, bem-estar, equilíbrio psicológico e comunicação, ao serem colocadas nas mãos dos especialistas e tecnocratas, retiram dos indivíduos a capacidade de decidirem por si mesmo (ARANHA, 2006a, p. 242). Depreendemos, da análise de Aranha (2006), que Illich questiona a relevância da escola. Sua crítica pode ser mais bem compreendida por meio da sua indagação: “por que não desescolarizar a sociedade?”. Para ele, uma forma de resolver os problemas da educação é entendendo que a escola não é o único e melhor espaço de aprendizagem. Ainda que os projetos pedagógicos sejam repensados, a estrutura física seja redimensionada ou que os profissionais sejam mais bem qualificados, a escola limita e monopoliza o conhecimento, que deveria ser compartilhado por todos de forma democrática e livre.
Para saber mais sobre a proposta de Ivan Illich relacionada à sociedade sem escolas, assista ao vídeo por meio do seguinte link: <http://www. youtube.com/watch?v=L4da3qZhegU> .
A posição de Illich é radical, mas nos provoca reflexões acerca da função social da escola e de que forma essa instituição, tão importante para a sociedade, está realmente cumprindo sua finalidade, que é formar indivíduos para atuar digna, crítica e conscientemente nas esferas pessoais, profissionais e sociais.
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AULA 1 - A EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE
O PARADIGMA CONTEMPORÂNEO NO BRASIL Você já parou para pensar sobre como os movimentos e propostas internacionais influenciam a nossa educação? As concepções filosóficas produzidas em nível mundial ̶ escala global ̶ repercutem nos países, confirmando a Teoria da Complexidade de Morin, que sustenta que tudo está intrincado. O Século XIX esteve voltado para educação nacional, na qual a intervenção cada vez maior do Estado buscou estabelecer uma escola elementar, universal, leiga, gratuita e obrigatória, enquanto o Século XX enfocou a educação democrática. Historicamente, vimos que no Brasil, assim como no mundo, a educação sempre foi um meio de uso do poder. Os grupos opressores vislumbravam utilizá-la para colocar em prática seus interesses, em detrimento daqueles que não detinham o conhecimento e dela precisavam para, de algum modo, ascender socialmente. A pirâmide social sempre se fortaleceu por meio da educação, embora vários pensadores, ao longo da história, constituíssem teorias e discursos denunciadores. A centralização do conhecimento, tanto nas esferas políticas quanto nas escolas, tornou-se tradição, o que apenas no fim do Século XX e início do XXI começou a ser combatida com maior intensidade. Um dos eventos mais evidentes do uso exacerbado do poder e da centralização do conhecimento em nosso país foi o regime ditatorial militar que, valendo-se da repressão, implementou uma educação castradora, capaz de silenciar vozes e o desejo de liberdade de expressão. Durante vinte anos (de 1964 a 1985), os brasileiros viveram o medo gerado pelo governo do arbítrio e pela ausência do estado de direito. Esses anos de chumbo, além de causar sofrimento aos torturados e “desaparecidos”, foram desastrosos para a cultura e a educação (ARANHA, 2006b, p. 313). Esse foi um dos momentos de maior opressão sofrida pela educação brasileira, marcado pela negação à participação popular na vida política e à liberdade de expressão. O ensino deveria atender à ideologia de base da ditadura. Para tanto, foram extintas do currículo escolar as disciplinas Filosofia e Sociologia, que foram substituídas pelas seguintes disciplinas obrigatórias: Educação Moral e Cívica (EMC), Organização Social e Política Brasileira (OSPB), ambas para a educação básica, e Estudos dos Problemas Brasileiros, para o ensino superior. Outra ação do militarismo foi coibir a representação estudantil, por meio de grêmios, diretórios acadêmicos e diretórios centrais dos estudantes. Tal cenário mobilizou, além dos profissionais da área, toda a sociedade civil para pensar estratégias de resistência e implementar ações para superação da crise instalada. Era a hora de empreender esforços para consolidar a tão desejada democracia. Algumas personalidades se destacaram nessa luta, no âmbito educacional, tais como Anísio Teixeira, Paulo Freire e Darcy Ribeiro. Esses foram alguns dos educadores que se incomodaram com o conformismo e chamaram a atenção de toda uma geração para a máxima de que “a educação exige intencionalidade e recusa o espontaneísmo na ação” (ARANHA, 2006b, p. 362). As políticas públicas brasileiras avançaram no sentido da universalização do ensino e da consolidação da democracia, ocasionando a aprovação de leis que devolveram à população as possibilidades de participação na construção da sociedade e resguardaram os direitos de grupos excluídos. Você conhece alguma lei recente que proporcionou esse avanço na área educacional?
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Vamos citar alguns exemplos: » » A Constituição Federal de 1988, que estabelece a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho. » » A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/1996, que se destacou por vincular a educação escolar ao mundo do trabalho e à prática social e por disciplinar a gestão participativa e democrática dos sistemas de ensino público. » » A Lei nº 11.684/2008, aprovada com o objetivo de alterar o art. 36 da LDB nº 9.394/1996, para a inclusão da Filosofia e da Sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino médio. » » A Lei 11.645/2008, que disciplina a introdução no currículo oficial da temática de história e cultura afrobrasileira e indígena. Outras iniciativas, tanto governamentais quanto no campo teórico e prático, têm demonstrado que a educação brasileira está buscando tomar um rumo diferenciado no sentido da afirmação de sua identidade. Reconhecemos que há um hiato entre o real e o ideal. Ainda é necessário unir forças para o enfrentamento das desigualdades sociais, dos processos de exclusão, da extinção dos índices alarmantes de analfabetismo, dentre outros problemas que caracterizam a crise em nosso sistema de ensino público e que denunciam a necessidade de políticas de formação de professores que respondam aos anseios da educação atual. O que atende aos interesses atuais, no Brasil e no mundo, é uma educação emancipatória, que negue toda e qualquer forma de opressão, exclusão ou segregação, que possa abolir a simplificação e a forma linear de interpretar a realidade, que assuma o conhecimento como sua matéria-prima primordial, de forma reflexiva. É uma educação que tenha como projeto a construção de uma sociedade justa, igualitária e ética, que se concretize a partir da formação de cidadãos e cidadãs críticos e conscientes de sua participação ativa nesse processo. As educadoras e os educadores, então, agora como protagonistas, não mais espectadores, devem ser os intelectuais transformadores capazes de multiplicar a relevância desse propósito. O percurso trilhado até aqui revela que ainda temos um longo caminho pela frente e que muito se tem a fazer pela educação. A reflexão sobre a responsabilidade que cada um assume na construção da história é o que nos marca como protagonistas do processo de instauração de uma educação de qualidade. Os temas contemplados nesta disciplina possivelmente serão revisitados, melhor discutidos ou aprofundados em outras disciplinas do Curso, pois, além dos aspectos filosóficos e históricos, exigirão outros elementos que demandarão um olhar muito mais apurado para analisá-los.
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AULA 1 - A EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE
SÍNTESE Esta aula teve como objetivo apresentar o panorama educacional contemporâneo no mundo e no Brasil. Abordou os aspectos de relevo que caracterizam a época, tais como a educação permanente, as aprendizagens essenciais representadas pelos quatro pilares propostos pela UNESCO, o pensamento complexo e as novas formas de comunicação. Foi destaque, ainda, o avanço das políticas públicas ligadas à educação democrática e emancipatória. As abordagens históricas e filosóficas foram delineadas de forma articulada, com o propósito de demonstrar que todo momento histórico possui uma ou mais concepções filosóficas a ele atreladas, assim como toda proposta filosófica está carregada de historicidade. História e Filosofia são, dessa forma, áreas indissociáveis e imprescindíveis para a compreensão da realidade passada ou presente.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Reflita sobre o avanço ocorrido no âmbito educacional atual e sobre os reflexos desse avanço na educação experienciada na região onde você vive.
LEITURA INDICADA IVAN ILLICH: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/illich/#Educa%C3%A7%C3%A3o%20 sem%20Escola>.
SITES INDICADOS <http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/arquiteto-complexidade-423130. shtml?page=all> <http://4pilares.net/text-cont/delors-pilares.htm> <http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/sonho-drama-presidente-423064. shtml?page=all> <http://www.brasilcultura.com.br/historia/redemocratizacao-historia/> <http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/arquiteto-complexidade-423130. shtml?page=3> <http://pt.wikipedia.org>
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. São Paulo: Moderna, 2006a. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. São Paulo: Moderna, 2006b. DELORS, Jacques. Educação, um tesouro a descobrir: relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. São Paulo: Cortez, 1998. FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 28. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre a ciência. Lisboa: Edições Afrontamento, 1994. FERRARI, Márcio. Edgar Morin, o arquiteto da complexidade. Disponível em: <http://revistaescola. abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/arquiteto-complexidade-423130.shtml?page=3>. Acesso em: 20 maio 2013.
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AULA 2 A educação na cidade e no campo Autores: Karina Nery Embirussu e Sérgio Embirussu Barreto
N
[...] Tem piedade Megacidade Conta teus meninos Canta com teus sinos A felicidade intensa Que se perde e encontra em ti Luz dilui-se e adensa-se Pensa-te. (Aboio - Caetano Veloso)
a aula anterior, vimos que a educação contemporânea se pauta nos paradigmas da emancipação dos sujeitos e da democracia, e pretende ser livre de toda e qualquer forma de opressão, exclusão ou segregação, superando a simplificação e a forma linear de interpretar a realidade e o conhecimento historicamente produzido, de forma hierárquica e fragmentada.
Desse modo, um dos principais desafios será tornar equânime a Educação na Cidade e no Campo, como direito de todos, considerando suas singularidades, especificidades e necessidades, tema desta nossa aula.
TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
O DIREITO À EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA Daremos início às nossas reflexões analisando o que diz nossa Constituição Federal, no Capítulo III, Seção I, que trata sobre a Educação:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Conforme está escrito em nossa Carta Magna, pautada no ideário liberal, a educação constitui um direito de todos e dever do Estado e da família, prometendo a todos, indistintamente, o acesso ao conhecimento historicamente acumulado e o reconhecimento social de sua condição de cidadania. Contudo, sabemos que essa abrangência da Lei, embora necessária para a efetividade e consolidação da democracia, ainda esbarra em obstáculos históricos que têm origem em fatores diversos, tais como: econômicos, culturais, geográficos e, sobretudo, políticos, que diferenciam a educação, tanto na oferta quanto na qualidade, para os cidadãos da cidade e do campo. Embora constitucionalmente a educação seja um direito universal, e nas últimas décadas o Brasil venha experimentando cada vez mais o acesso à escolarização em toda a sua extensão territorial, os números levantados pelo IBGE e por outros institutos de pesquisa não deixam dúvidas sobre a diferença ainda existente entre as cidades e o campo. Segundo o IBGE, por meio do Censo Demográfico de 2000, dos residentes em zonas rurais, na faixa etária de 15 a 17 anos, somente 66% frequentam a escola. Desse total, 17,3% estão matriculados nas séries iniciais do Ensino Fundamental (contra 5,5% da zona urbana), e apenas 12,9% desses estão no Ensino Médio, o que revela um grande descompasso idade-série no campo, para todos os níveis de ensino, mas sobretudo para as séries finais da Educação Básica (IBGE, 2000). Os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação (INEP, 2004) também indicam que menos da metade dos jovens brasileiros de 15 a 17 anos está cursando o Ensino Médio, e destes, em torno de 50% chegam a concluí-lo, sendo que 60% das matrículas estão concentradas nos cursos noturnos, sendo a maioria de jovens das cidades. Outro dado relevante do Censo Escolar (MEC, 2004) ressalta que o percentual de educadores com formação inferior ao ensino médio corresponde a 8,3% no campo, indicando a existência de 16.569 professores sem a habilitação mínima para o desempenho de suas atividades. Essa diferenciação entre a realidade urbana e do campo na educação brasileira é reforçada por uma construção social simbólica que supervaloriza as cidades e deprecia o campo. Saviani (1994, p. 152), quando discute a educação como direito e o trabalho como princípio educativo, nos demonstra que a cidade é tida como referência ao progresso e ao desenvolvimento, enquanto o campo é visto como “[...] atrasado, rústico, ou pouco desenvolvido”. Nessa perspectiva, basta fazermos uma breve reflexão sobre esse assunto que veremos como existe uma predominância dos valores e do modo de vida das cidades, em detrimento ao campo, no modelo de sociedade industrializada e liberal.
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E você, o que pensa a esse respeito? É possível diferenciarmos a educação nesses dois espaços? Quais são as implicações dessa construção simbólica? Para prosseguirmos em nossas reflexões, traremos a seguir um clássico da literatura infantil que discute a relação Cidade versus Campo:
O RATINHO DA CIDADE E O RATINHO DO CAMPO
Certo dia um ratinho do campo convidou seu amigo que morava na cidade para ir visitá-lo em sua casa no meio da relva. O ratinho da cidade foi, mas ficou muito chateado quando viu o que havia para jantar: grãos de cevada e umas raízes com gosto de terra. – Coitado de você, meu amigo! – exclamou ele. – Leva uma vida de formiga! Venha morar comigo na cidade que nós dois juntos vamos acabar com todo o toucinho deste país! E lá se foi o ratinho do campo para a cidade. O amigo mostrou para ele uma despensa com queijo, mel, cereais, figos e tâmaras. O ratinho do campo ficou de queixo caído. Resolveram começar o banquete na mesma hora. Mas mal deu para sentir o cheirinho: a porta da despensa se abriu e alguém entrou. Os dois ratos fugiram apavorados e se esconderam no primeiro buraco apertado que encontraram. Quando a situação se acalmou e os amigos iam saindo com todo o cuidado do esconderijo, outra pessoa entrou na despensa e foi preciso sumir de novo. A essas alturas, o ratinho do campo já estava caindo pelas tabelas. – Até logo. – disse ele. – Já vou indo. Estou vendo que sua vida é um luxo só, mas para mim não serve. É muito perigosa. Vou para minha casa, onde posso comer minha comidinha simples em paz.
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Moral: mais vale uma vida modesta com paz e sossego do que todo o luxo do mundo com perigos e preocupações. Do livro: Fábulas de Esopo, publicado pela Companhia das Letrinhas Disponível em: <http://metaforas.com.br/o-ratinho-da-cidade-e-o-ratinho-do-campo>. Fonte da imagem: Hélder Santos (UNIFACS/EAD).
O que se depreende dessa fábula? O que essa construção simbólica tem a ver com Educação? Apesar de a fábula apresentar duas realidades diferentes, tendo vantagens e desvantagens e, ao final, do ratinho do campo querer voltar para a tranquilidade do seu espaço, existe no discurso uma valorização da vida urbana e do modo de ser do ratinho da cidade, conferindo ao ratinho do campo o rótulo de “coitado”. As histórias infantis normalmente estão impregnadas de valores, preconceitos e lições de moral que são transmitidas simbolicamente para as crianças, naturalizando e arraigando situações sociais de classes sociais, grupos étnicos, de gênero etc. Nesse caso específico, apesar do que é dito na “Moral da História”, sabemos que a cidade, apesar dos “perigos”, não só seduz como proporciona maior acesso aos bens materiais e simbólicos que são alvo do padrão de consumo e do desenvolvimento capitalista. Essa visão de “dependência unilateral do camponês com relação ao urbano” é produzida e estaria contida na arte de simular a separação cidade-campo (FERNANDES, 1999, p. 50). Os discursos historicamente construídos e consolidados são extremamente contraditórios, pois apresentam uma tendência em considerar a população pobre do campo como atrasada e distante do “famoso” projeto de modernização da sociedade brasileira, mas continuam a negar a esse sujeito as condições de superação ao virem para cidades. Fernandes (1999 apud TAVARES; WESCHENFELDER, 2005, p. 11) mostra que a “[...] subordinação do campo ao urbano foi sendo constituída por relações políticas, uma subjugação sutilmente denominada de ‘integração’”. Sob o discurso da “integração”, diferenças educacionais vêm historicamente se consolidando não só no campo, mas também na periferia das grandes cidades, visto que o direito à educação tem-se restringido muito mais ao que chamamos de acesso, possível de se mensurar por meio do crescente aumento de matrículas no Ensino Fundamental em todo o país, do que o próprio direito à aprendizagem que estaria, em princípio, atrelado não só às matrículas, mas à progressão e à permanência na escola. Segundo Tavares e Weschenfelder (2005, p. 7), Por outro lado, a expansão da rede escolar foi o primeiro passo da desmistificação do acesso à escola como garantia da democratização do ensino, pois se expandiu também o fracasso escolar das crianças das classes populares. Isso, entre tantas leituras, expõe a seletividade e a improdutividade da escola pública de massas no país. Ou, segundo alguns, revela a extrema competência da escola pública em “expulsar” as crianças das classes populares, responsabilizando-as precocemente, a partir de mecanismos objetivos e subjetivos pela sua desistência e fracasso na escola.
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Os números e indicadores educacionais brasileiros atuais, relacionados à periferia das grandes cidades, vão de encontro ao discurso de uma escola que promove a inclusão social, o respeito às diferenças, o multiculturalismo, a emancipação e o exercício da cidadania. Para Gadotti (2005), o direito a aprender está sob suspeita, pois A questão é saber se as respostas tradicionais do ponto de vista jurídico e político-pedagógico têm dado conta de garanti-lo em suas múltiplas dimensões, quais sejam, o direito ao acesso (homogêneo, eficaz e universal), à permanência e ao aprendizado de qualidade. O direito à educação é, sobretudo, o direito de aprender. Não basta estar matriculado em uma escola. É preciso conseguir aprender na escola. (GADOTTI, 2005, p. 1). Ainda para Gadotti (2005), o direito a aprender estaria associado não só ao processo de escolarização formal, próprio do modelo de educação vigente, no qual se percebe um descompasso entre aquilo que a escola ensina e como ensina, mas também àquilo que é almejado pela própria sociedade contemporânea, a saber, a formação crítica e criativa do sujeito autônomo para o protagonismo e cidadania. O exercício desse direito seria muito mais amplo que a escolarização ou a chamada educação formal, estando atrelado aos processos não formais de educação e à cultura. Para Gohn (1999, p. 98-99), “[...] a educação não formal designa um processo de formação para a cidadania, de capacitação para o trabalho, de organização comunitária e de aprendizagem dos conteúdos escolares em ambientes diferenciados”. Por isso, ela também é muitas vezes associada à educação popular e à educação comunitária. O direito à educação, pensado nessa perspectiva, teria, para Gadotti (2005), a própria cidade como espaço-tempo privilegiado para a formação de crianças e adultos, durante toda a vida. Assim, considerando os números que apresentamos anteriormente e a construção simbólica que existe em relação à cidade e ao campo, podemos entender que, apesar dos esforços que vêm sendo empreendidos pelo governo e pela sociedade para democratizar a educação nas últimas décadas, muito ainda se tem a discutir, modificar e realizar nessa área para tornar o país mais justo e equânime. Nesse sentido, discutiremos, a seguir, possibilidades de educação para a cidade e para o campo.
A BUSCA PELA SUPERAÇÃO DA DICOTOMIA CIDADE-CAMPO
Fonte: SXC Disponível em: <http://www.sxc.hu/pic/l/r/re/renobile/1419818_27907415.jpg http://www.sxc.hu/ pic/l/a/ay/ayla87/1402316_28833920.jpg>.
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MORRO VELHO (Milton Nascimento)
No sertão da minha terra, fazenda é o camarada que ao chão se deu Fez a obrigação com força, parece até que tudo aquilo ali é seu Só poder sentar no morro e ver tudo verdinho, lindo a crescer Orgulhoso camarada, de viola em vez de enxada Filho do branco e do preto, correndo pela estrada atrás de passarinho Pela plantação adentro, crescendo os dois meninos, sempre pequeninos Peixe bom dá no riacho de água tão limpinha, dá pro fundo ver Orgulhoso camarada, conta histórias prá moçada Filho do senhor vai embora, tempo de estudos na cidade grande Parte, tem os olhos tristes, deixando o companheiro na estação distante Não esqueça, amigo, eu vou voltar, some longe o trenzinho ao deus-dará Quando volta já é outro, trouxe até sinhá mocinha prá apresentar Linda como a luz da lua que em lugar nenhum rebrilha como lá Já tem nome de doutor, e agora na fazenda é quem vai mandar E seu velho camarada, já não brinca, mas trabalha. Disponível em: <http://letras.mus.br/milton-nascimento/45930/>.
Como podemos ver na canção “Morro Velho”, de Milton Nascimento, a separação entre a cidade e o campo está arraigada não só na configuração geográfica e político-econômica brasileira, mas também no modo como as relações sociais se estabeleceram historicamente entre os que detêm o poder sobre a terra e os que trabalham nela para sobreviver. Ainda com forte herança de um modelo escravocrata de sociedade, o povo do campo no Brasil ainda vê seus horizontes culturais e possibilidades de mobilidade social por meio da educação cerceado por dificuldades de acesso à escola nas suas comunidades. Soma-se a esse fator a falta de políticas públicas em educação, de fato, voltadas para a solução dessa separação entre campo e cidade. Segundo Ribeiro (2004, p. 2), De modo geral, pode-se dizer que não houve uma política educacional dirigida aos agricultores e seus filhos. E, quando houve, teve dois objetivos. Primeiro, a educação rural era uma estratégia de fixar o agricultor na terra, evitando que migrasse para as cidades grandes onde os empregos estavam escassos; buscava-se, com isso, manter sob controle as tensões sociais decorrentes do desemprego. Segundo, na educação rural estava embutido o objetivo de submeter o agricultor brasileiro a um modelo de agricultura tecnológica americana, criando a dependência da compra de sementes, de adubos químicos, de venenos (agrotóxicos). Nesse modelo, estava implícito o empréstimo bancário que exigia a hipoteca da propriedade. Não podendo, ao final da safra, quitar sua dívida com o banco, muitos perdiam a terra.
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Porém, a despeito dos fatos, tal separação vem sendo questionada não só por grupos integrantes dos governos, como os grupos ligados à educação, mas, também, pelos movimentos sociais que discutem a articulação entre o trabalho agrícola e industrial como possibilidade de relação e dependência recíproca. A mobilização desses grupos não pretende discriminar ou dicotomizar ainda mais a realidade entre campo-cidade ou rural-urbano. O debate central gira em torno da construção de um novo “Projeto Nacional para a Educação do Campo”, inserindo a temática nas discussões da sociedade. Para Tavares e Weschenfelder (2005, p. 10), São vários movimentos populares que buscam construir sua própria identidade, resistindo aos processos de exclusão, como, por exemplo, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em suas escolas de reassentamento; as Escolas Famílias-Agrícola (EFAs), trabalhando com jovens pela manutenção da agricultura familiar; as comunidades indígenas, em grandes mobilizações por uma escola que respeite e resgate sua cultura; o trabalho em comunidades remanescentes de quilombos; os povos das florestas e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), em suas escolas de assentamento, e a já consagrada Escola Itinerante nos acampamentos. Hoje, o MST conta com larga experiência na formação de professores em nível médio e superior, com destaque para a Escola Nacional Florestan Fernandes, centro de formação nacional do movimento.
Entretanto, mesmo com os avanços das últimas décadas, fruto da atuação desses Movimentos Sociais, a percepção do campo que temos na atualidade é bem diferente da que tínhamos há alguns anos. As histórias de nossos antepassados e a literatura se encarregaram de fazer chegar até nós a compreensão da vida no campo cercada de fantasias, abundância, brincadeiras, encontros familiares, férias, nostalgia. Entretanto, a realidade brasileira do campo tem se mostrado bem diferente: agricultura e pecuária para poucos, baixo poder aquisitivo, sistemas de saúde e de educação deficitários, moradias insuficientes, falta de água, de energia elétrica. A cidade e o campo são construções simbólicas. Ambos existem como relações entre os diferentes grupos que interagem em um determinado sistema produtivo. Ítalo Calvino (1990), em sua obra “As cidades invisíveis”, descreve cidades fantásticas de forma a nos conduzir a uma reflexão sobre a relação que temos com o ambiente à nossa volta. Pensando nas cidades, é imperativo pensar sobre o povo que nelas habitam. Assim também acontece com o campo. É imperativo pensar nas crianças que nascem e crescem em meio a um ambiente saudável, afeito à natureza, marcado pela liberdade, desenvoltura, tranquilidade e esperança. Por outro lado, há crianças no campo que vivem marcadas pela fome, por doenças e pela falta de assistência, lazer, escolas etc. Quanto aos jovens, muitos se acostumam à “vida mansa do campo”, inserem-se precocemente no mundo do trabalho e constroem poucas expectativas para sua vida. Outros se rebelam e migram para os grandes centros urbanos, voltando ao campo apenas para rever os familiares e, se bem-sucedidos, comprar uma “terrinha” para “garantir o futuro”! Pense nessas situações e compare com as que você conhece sobre a vida no campo e a vida na cidade. 25
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Sobre as aspirações e expectativas do povo do campo, contribui para nossas reflexões o seguinte texto de Gilberto Freyre (1957, p. 71-72): Como já tem observado mais de um sociólogo, se o ruralista nasce e cresce cercado de sugestões, livros, revistas em que só são glorificados os valores urbanos e injustamente desprezados os rurais, como esperar-se que, sendo inteligente, ele queira continuar a ser ruralista em vez de vir para as cidades tornar-se industrial, advogado, professor de faculdade, comerciante? Acertou a Universidade Rural de Pernambuco quando conferiu pela primeira vez sua láurea máxima a um homem que vem dedicando a vida, o saber e o talento à valorização de terras pernambucanas: o agrônomo Moacyr de Brito. E acertada andaria também, a meu ver, se decidisse publicar, em cooperação com a Secretaria de Educação do Estado, em uma série de folhetos, escritos em linguagem simples, acessível até a crianças, e com ilustrações adequadas, as biografias de grandes ruralistas da região: homens como o Manuel Cavalcanti da “cana Cavalcanti”, como Carlos Lyra, de Serra Grande, como Paulo Salgado, do Cabo, como Inácio de Barros Barreto, como Costa Azevedo, como o felizmente ainda vivo Antônio Alves Araújo, que, pernambucano, já tem de mais de 80 anos, continua a orientar a Sociedade de Agricultura de Pernambuco. Não há ruralista adulto ou criança que não se deixe influir no seu ânimo pela valorização justa que se fizer de homens que outra coisa não têm querido ser na vida senão ruralistas; e que, como ruralistas, têm prestado ao Brasil serviços ainda mais valiosos que os de alguns dos mais glorificados urbanistas. Os ruralistas precisam encontrar o seu Caxias; e fazer dele um herói nacional igual ao grande Duque.
Assim como outras associações antagônicas, que representam experiências distintas de vida, a dicotomia cidade-campo precisa ser superada e devem ser estabelecidas relações de reciprocidade e igualdade social.
CONTEXTUALIZANDO A EDUCAÇÃO NO CAMPO Educação no Campo é uma expressão relativamente recente na história do Brasil. Por muitos anos, esse contexto era referido como Educação Rural ou Educação no Meio Rural. Em 2004, os participantes da II Conferência Nacional por uma Educação do Campo reafirmaram o papel significativo do retorno da questão da educação no campo para a agenda da sociedade e dos governos, conquistado pela I Conferência realizada em julho de 1998, promovida pelo MST, pela UNICEF, pela UNESCO, pelo CNBB e pela UnB (2004). Todos admitiram que esse encontro “[...] inaugurou uma nova referência para o debate e a mobilização popular: Educação do Campo e não mais Educação Rural ou Educação no Meio Rural”. A Educação do Campo é uma concepção político-pedagógica voltada para dinamizar a ligação dos seres humanos com a produção das condições de existência social, na relação com a terra e o meio ambiente, incorporando os povos e o espaço da floresta, da pecuária, da agricultura, das minas, dos pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas. (BRASIL, 2004, p. 3).
Quem vive ou conhece o campo sabe que, entre outros problemas associados à educação, estão os que se referem à própria escola: dificuldade de acesso, estrutura das salas de aula, conteúdos e métodos, disponibilidade de educadores qualificados e quantidade e diversidade de alunos por classe.
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A deficiência (ou inexistência) do transporte escolar é comum à cidade e ao campo. Mas, no campo, as distâncias são, por vezes, bem maiores. Frequentemente, temos reportagens que registram a dificuldade das crianças e dos jovens do campo de chegarem às suas escolas, enfrentando intempéries, como estradas esburacadas, travessias de barcos, veículos “caindo aos pedaços” e até mesmo longas caminhadas que os deixam exaustos no final do dia, sem condições de aprofundar em casa o que estudaram na escola. Nas salas, falta espaço, faltam carteiras, livros, cadernos, canetas e lápis. Algumas classes ainda funcionam como no passado, na casa das professoras, com banquinhos improvisados, quadro-negro pintado na parede, cortinas de papelão para proteger as crianças dos raios solares que perpassam as fendas nas paredes. Quando isso acontece, muitas professoras da zona rural desempenham, simultaneamente, suas funções profissionais e domésticas: acolhem os alunos, passam “dever” de classe, retornam aos espaços do lar em que se encontram seus filhos, providenciam-lhes alimento, voltam para a sala de aula e continuam “a lição”. Embora seja grande a disposição para que tudo dê certo, a aprendizagem fica a desejar, bem como o salário dessas heroínas. A ausência de qualificação docente, nesse contexto, também pode vir a ser uma das razões para os insucessos da educação no campo. Associadas a esse indicador, temos as experiências de aprendizagens e apreensão do conhecimento das crianças e dos jovens do campo. Eles merecem mais atenção porque nem sempre os conteúdos apresentados lhes são significativos. Por vezes, são distanciados de sua realidade e, algumas vezes, estão aquém de suas capacidades cognitivas, afetivas e psicomotoras. Em ambas as situações, esses problemas tornam-se desmotivadores e emperram o crescimento afetivo-intelectual dos aprendizes. Embora tenha tido sucesso no passado e ainda na atualidade se mostre de forma positiva, outro fator problemático da educação no campo são as classes multisseriadas. Estudantes de idades e níveis de escolaridade variados dificultam o trabalho das docentes que não têm preparo suficiente para atuar por série, quanto mais com trabalho diversificado ao mesmo tempo. E, mais uma vez, os maiores prejudicados são os aprendizes, que, no campo, têm menos chances de serem alfabetizados se comparados com os das cidades, que têm melhores condições de ensino e de aprendizagem nas escolas. Um marco nessa história foram as Conferências Nacionais por uma Educação do Campo, realizadas com representantes de Movimentos Sociais, Movimentos Sindicais e Organizações Sociais de Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo e da Educação; de Universidades, ONGs e Centros Familiares de Formação por Alternância; de secretarias estaduais e municipais de educação e de outros órgãos de gestão pública com atuação vinculada à educação e ao campo. Os 1.100 participantes da II Conferência realizada em Luziânia (Goiás), no período de 02 a 06 de agosto de 2004, eram trabalhadores e trabalhadoras do campo, educadoras e educadores, educandas e educandos ̶ de comunidades camponesas, ribeirinhas, pesqueiras e extrativistas ̶ , de assalariados, quilombolas e povos indígenas que denunciaram a situação vivida pelo povo, quer da cidade, quer do campo, particularizando os graves problemas da educação no campo que requerem uma imediata intervenção: » » faltam escolas para atender a todas as crianças e jovens; » » ainda há muitos adolescentes e jovens fora da escola; 27
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» » falta infraestrutura nas escolas e ainda há muitos docentes sem a formação necessária; » » falta uma política de valorização do magistério; » » falta apoio às iniciativas de renovação pedagógica; » » falta financiamento diferenciado para dar conta de tantas faltas; » » os mais altos índices de analfabetismo estão no campo; e » » os currículos são deslocados das necessidades e das questões do campo e dos interesses dos seus sujeitos. Precisamos de ações efetivas porque esse contexto se fez presente ao serem definidas as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas escolas do campo (BRASIL, 2002, p. 1), que preveem, em seu Parágrafo único do Art. 2º, que: A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e nos saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país.
Para que se efetive o legislado, é necessário o estabelecimento de uma política para a educação no campo, como veremos a seguir.
POR UMA POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO NO CAMPO NA ATUALIDADE Como princípio fundante, é preciso assegurar o acesso à educação de qualidade, em todos os níveis e modalidades, a todas as pessoas que vivem no campo. Trata-se de uma política pautada no processo histórico e cultural da vida no campo, articulada a um Plano Nacional de Educação que garanta escolas e projetos pedagógicos específicos para o cidadão do campo ou adaptados ao seu meio. Para você, em que consiste uma escola própria do campo? Quanto à indicação de uma escola adaptada ao meio, por outro lado, reflete Miguel Arroyo (1982, p. 3), para quem: A escola rural é relembrada não tanto quando a agricultura ou pecuária estão em crise, mas quando a cidade e sua economia entram em crise e não conseguem absorver a mão de obra ou precisam rebaixar os custos da reprodução de sua força de trabalho, ou quando o poder central precisa se sustentar ou se legitimar em bases rurais. Além disso, a educação rural não é defendida como fim em si mesma, mas como instrumento para outros fins sociais e políticos, como, por exemplo, defender-se a educação rural para fixar o homem no campo, evitar o congestionamento e a violência das cidades, ampliar as bases políticas etc. Em coerência com tais características, os projetos educacionais elaborados para as áreas são sempre propostos como “específicos” e diferentes dos projetos de educação do homem brasileiro comum. Nesse sentido, são sempre propostos conteúdos “adaptados à especificidade da cultura rural”. O caráter prático, quase utilitarista da educação destinada ao homem do campo, informa todos os projetos de educação rural. Dá-se ênfase à educação adaptada ao meio, ligada à vida, orientada a resolver problemas concretos ou conflitos específicos. Esse sentido prático, utilitarista, da Educação
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Rural limitou, igualmente na origem, todos os projetos oficiais de educação do homem do campo. Voltemos à história. Em 1926, o governador mineiro Mello Vianna respondia aos liberais que defendiam a expansão do ensino primário completo igual para todos: “para um grande número de crianças, especialmente nas populações rurais, tem o ensino primário a finalidade exclusiva de alfabetização. A essas populações entregues aos trabalhos dos campos, à lavoura e à criação, a outros místeres onde não é exigida grande cultura intelectual, basta-lhes que saibam ler, escrever e contar”. (Mensagem ao Congresso Mineiro, 1926, p. 73). Em nome de um ensino prático, adaptado à vida e aos trabalhos a que estão entregues as populações rurais, a escola nem levou grande cultura intelectual e nem cumpriu o mínimo: sua finalidade exclusiva de alfabetização.
Podemos depreender dessas análises que, se a escola do campo precisa ser “diferente” da escola da cidade, pelo menos que ela seja instrumento de democratização do saber, preservando os valores e a cultura do campo. Como afirma Arroyo (1982, p. 7), [...] a política educacional de ensino básico seria única para os futuros cidadãos-trabalhadores da cidade ou do campo. E a escola reencontraria sua função própria e exclusiva: ser agência socializadora de saber ou democratizadora dos conhecimentos socialmente produzidos, necessários à participação e à cidadania. É oportuno não esquecer que a negação da escola, do saber básico, esteve sempre associada à exclusão do poder e da riqueza. A democratização do saber deve fazer parte de um projeto de democratização substantiva.
Soma-se a esses aspectos, a “revolução” causada por Paulo Freire na prática educativa, ao criar os métodos de educação popular tendo como suporte filosófico e ideológico valores e contexto sociolinguístico de grupos das periferias urbanas e da zona rural (FREIRE, 1996). Um dos pontos mais marcantes da sua Pedagogia consiste em conscientizar o cidadão quanto às pressões advindas do capitalismo exploratório, que desencadeia distorções histórico-sociais. Inserida nesse contexto, encontramos a análise de Leite (1998, p. 88), para quem: Como proposta de politização, e, ao mesmo tempo, como linha metodológica e pedagógica, a educação baseada no saber social, especificamente da prática rural, tende a um processo de não restrição cultural e política, isto é, de aproximação nas relações de trabalho, produção e de experiências sociais acontecidas no campo.
Nesse sentido, somente atendendo a esses princípios, podemos assegurar uma educação no campo de qualidade.
UM PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DE EDUCAÇÃO NO CAMPO A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não se refere diretamente à educação no campo, entretanto, desencadeou o tratamento dessa educação nas Constituições Estaduais, no âmbito do direito à igualdade e do respeito às diferenças. Das Constituições Estaduais, das Diretrizes (BRASIL, 2001, p. 20-21), bem como da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1998, Art. 28), depreendemos princípios básicos da educação escolar no campo, como: 29
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» » respeito às características regionais; » » currículos capazes de assegurar a formação prática e o acesso aos valores culturais, artísticos e históricos, nacionais e regionais; » » calendários escolares adequados aos calendários agrícolas e às manifestações relevantes da cultura regional; » » valorização do(a) professor(a) que atua nessas escolas; » » ampliação do número de escolas por área; » » oferecimento de cursos profissionalizantes agrícolas, comerciais e industriais, observadas as características regionais e as dos grupos sociais.
Para ampliar seu entendimento sobre essa questão, estude, na íntegra, os textos indicados nesta aula. Estude, também, o texto completo da II CONFERÊNCIA NACIONAL POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO, já referenciado.
O texto da II Conferência reafirma o campo e a floresta como territórios vividos e não somente como territórios de negócios, como espaços de cultura de produção de vida, democratização e vivência das relações sociais, de solidariedade, desenvolvimento de experiências e de grande referência para a construção de justiça. Diante do contexto apresentado, o que podemos inferir sobre a criação de uma política pública de educação no campo?
Consolidada uma política pública, é possível construir um projeto político-pedagógico, como recomendado pelos participantes da II Conferência Nacional por uma Educação no Campo (2004, p.13-14):
O Projeto Político Pedagógico é um instrumento de fortalecimento da participação social na reflexão, na elaboração de princípios e propostas educativas de formação humana, de organização social e de gestão. Por essa razão, falamos de Projeto Político Pedagógico no âmbito da Educação do Campo como um conjunto de referências que vem sendo construído coletivamente por diferentes movimentos sociais para criar a identidade da Educação do Campo. A discussão de Projeto Político Pedagógico da Educação do Campo está vinculada a determinadas concepções de direitos, que, por sua vez, se relacionam com um projeto de sociedade, de país e de mundo. No campo das políticas públicas, esse projeto deve se pautar pelos seguintes princípios:
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A formação humana vinculada ao campo como um projeto emancipatório [...] significa dizer que não podemos pensar uma política de educação desvinculada das demais políticas econômicas, agrícolas, do meio ambiente, da cultura, da saúde, da assistência técnica, da reforma agrária, da agricultura familiar e de tantas outras. Pensar a formação humana vinculada ao campo não exclui a cidade, por isso, devemos pensar o campo e a cidade por meio de relações horizontais e solidárias. Ambos são territórios de lutas, de poder, de ideias e de sonhos. É dessa forma que a identidade dos povos do campo também vai se construindo pela diversidade cultural, em um pacto simbólico entre os diferentes sujeitos do campo e da cidade. Educação como exercício da devolução das temporalidades aos sujeitos. A Educação do Campo não se resume à escola, ela ocorre em espaços oficiais de ensino e nas diferentes situações em que os sujeitos aprendem a interpretar e transformar o mundo em que vive. [...] essa educação envolve saberes, métodos, tempos de aprendizagem e espaços físicos diferenciados, [...] realizam-se nas comunidades e nos seus territórios trazendo narrativas e símbolos culturais que mantêm a unidade e a pertença de cada grupo. Educação vinculada ao trabalho e à cultura [...] é preciso recuperar o vínculo entre educação e processos produtivos nas diferentes dimensões e métodos de formação dos trabalhadores do campo [...] estar atento para os processos produtivos que conformam hoje o ser trabalhador do campo, e participar do debate sobre as alternativas de trabalho e opções de projetos de desenvolvimento locais e regionais que podem devolver a dignidade para as famílias dos camponeses, dos extrativistas, dos pescadores e ribeirinhos, dos agricultores familiares e todos os outros. Educação como instrumento de participação coletiva. [...] Exercitar a participação é um elemento fundamental para construir autonomia, responsabilidade, possibilidades de avaliação das práticas sociais, mas, essencialmente, é o espaço do exercício democrático dos direitos, como também é o espaço onde temos a possibilidade de criticar o presente e de reinventar o futuro.
Todo projeto pedagógico é político, reafirmamos. E, segundo o texto da II Conferência (2004, p. 16), base de nossas reflexões, no campo das políticas públicas, um projeto político e pedagógico de Educação no Campo deve pautar-se nos seguintes princípios: Compreender a construção/reconstrução do seu projeto pedagógico não como uma exigência burocrática (um documento a mais que está sendo exigido pelos gestores), mas como uma orientação ao pensar coletivo sobre a intencionalidade política e pedagógica do processo educativo da escola. Apostar na condução pedagógica do processo pelos educadores, com a participação efetiva dos educandos, vistos também como sujeitos coletivos, vinculados a processos sociais, políticos, culturais. Conhecer a realidade em que atuam: sujeitos, território, relações sociais e suas potencialidades e necessidades educativas, cotejando-as com o debate político e pedagógico da Educação do Campo. Participar das redes de construção coletiva do projeto pedagógico das escolas do campo. Garantir a constituição democrática de um conselho escolar que participe da discussão do projeto pedagógico da escola e exerça sua tarefa de controle social da qualidade da educação.
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Nessa conjuntura, propomos uma reflexão sobre a necessidade de oferecimento de cursos profissionalizantes e de especialização no campo para atenuar o deslocamento dos jovens para as cidades, a fim de continuar seus estudos, ou o abandono da escola, para não se distanciar da família que permanece no campo. A Juventude Rural ocupa lugar de destaque no campo e é esta juventude que irá contribuir para as mudanças e transformação da sociedade, revertendo o quadro de desânimo e de abandono das áreas rurais e de desemprego (II Conferência).
A II Conferência (2004) compreende que é preciso uma formação profissional sustentada em um modelo de desenvolvimento sustentável do campo e da floresta que possibilite a permanência dos(as) jovens no campo. Para tanto, faz-se necessária uma Educação Profissional nos seus vários níveis, que garante: » » Educar os(as) jovens agricultores(as), visando ao aprimoramento técnico-científico, por meio de uma formação integral; » » Envolver no processo educativo as famílias e as comunidades dos(as) jovens; e » » Criar iniciativas diversificadas para transformar a realidade sócio-humana das comunidades. Veremos, a seguir, uma possibilidade de educação no campo que vem sendo efetivada com sucesso – a Pedagogia da Alternância.
PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA – PROPOSTA DA ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA O que você deduz da seguinte expressão: Pedagogia da Alternância? Vimos, anteriormente, que uma das dificuldades associadas à educação de crianças e jovens do campo é a frequência à escola. E uma das causas do absentismo e/ou abandono é a necessidade que as crianças e os jovens têm de ajudar a família na plantação e na colheita. Como analisa Leite (1999, p. 79), “[...] a relação produção/ escolaridade/evasão [...] é uma das consequências do calendário de atividades escolares [...] que não considera a sazonalidade do sistema plantio/colheita”. Como possível solução, surgiu, nos últimos anos, uma experiência pedagógica nomeada Pedagogia da Alternância, que consiste em uma proposta de trabalho pedagógico na qual os estudantes, principalmente das últimas séries do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, estudam na escola durante uma semana e alternam com uma semana em casa, para que participem do trabalho que a família exerce no campo.
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Essa proposta surgiu da associação Escola Família Agrícola (EFA), que congrega famílias, profissionais e entidades que buscam promover e desenvolver o campo, por meio da educação, formando crianças e jovens para valorizarem, também, o espírito de solidariedade. As EFAs surgiram a partir do Movimento das Casas Familiares Rurais, originadas na França, em 1935, a partir da necessidade de criação de uma escola que correspondesse às necessidades reais e aos problemas vivenciados no campo. Cerca de vinte anos depois, a experiência começa a chamar atenção e se expande para outros países do mundo. Em 1975, foi criada a Associação Internacional dos Movimentos Familiares de Formação por Alternância, a AIMFR[1]. Para as Escolas Famílias Agrícolas, afirma Reckziegel (2001, não paginado): Dessa forma, evidencia-se a valorização do meio rural e da educação no campo. A alternância é um sistema educativo em que o aluno alterna período de aprendizagem na família, no meio e na escola, estreitamente interligados entre si por meio de instrumentos pedagógicos específicos, formando, assim, um conjunto harmonioso entre comunidade, pedagogia, formação integral e profissionalização.
Dessa forma, evidencia-se a valorização do meio rural e da educação no campo.
Para aprofundar complemente seu estudo com o texto: RIBEIRO, Marlene. Pedagogia da alternância na educação rural/do campo: projetos em disputa. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 34, n. 1, abr. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022008000100003&lng=en&nrm=i so>. Acesso em: 19 mar. 2013.
Apropriamo-nos das recomendações de Reckziegel (2001, não paginado) para indicar que os principais instrumentos didático-pedagógicos da “Pedagogia da Alternância” são: » » Plano de Estudo: pesquisa participativa, realizada no meio socioprofissional, sistematizada e ampliada na escola por meio de diferentes atividades de formação (áreas de ensino, visitas de estudo, Caderno da Realidade, Cadernos Didáticos, Estágios, Projeto Profissional e Visitas às famílias). » » Visitas de Estudo: são um complemento no debate e aprofundamento de um tema específico. São realizadas em um empreendimento agrícola, agroindustrial, em instituições de serviços etc., no sentido de perceber os desafios, contradições e formas de superá-los. » » Caderno da Realidade: após a colocação em comum da pesquisa do Plano de Estudo, registramse as constatações, as análises e as reflexões sobre a realidade familiar e socioprofissional. Esse é um instrumento básico para trabalho interdisciplinar ̶ é o “Livro da Vida”.
1 Trabalho com Pedagogia da Alternância nas Casas Familiares Rurais. Disponível em: <http://mail6.uol.com.br/cgi-bin/webmail.exe / Pedagogia_da_Alternancia.pdf? ID=IRqgVR9mvpKhFHWsfmAB90upfJqE ZIoMHgSAv&Act_View=1&R_Folder=aW5ib3g=&msgID=2690&Body=2&filename=Pedagogia_da_Alternancia.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2007 33
TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
» » Caderno Didático: é o maior desafio dentro da Pedagogia da Alternância; auxilia no debate e aprofundamento dos temas geradores. A construção do Caderno Didático é específica para cada tema. É um papel a ser assumido pelo Centro de Formação com os monitores das EFAs. Um grupo de monitores constrói um esboço, ampliam-se os conteúdos, experimenta-se. Em seguida, realiza-se uma avaliação, reestrutura-se, dando uma forma gráfica final. » » Estágios: atividade realizada em empresa, empreendimentos agrícolas, centros de pesquisa, agroindústrias, agroturismo etc. Havendo eficiência no planejamento, acompanhamento e avaliação do processo, haverá aprendizagem. Os estudantes que experienciam a Pedagogia da Alternância quando estão no campo, participando da dinâmica de trabalho familiar, têm oportunidade de observar, pesquisar e descrever a realidade socioeconômica e profissional do contexto. Quando vão para a escola, socializam, analisam, refletem, sistematizam, conceituam e interpretam os conteúdos identificados no momento anterior. Ao retornarem para o ambiente familiar, podem aplicar o que aprenderam na escola, transformar o seu espaço e descobrir novas necessidades que desencadearão a continuidade da alternância.
A BUSCA PELA ESCOLA CIDADÃ Conforme vimos nas análises anteriores, a educação brasileira, seja na cidade ou no campo, para alcançar seu objetivo maior de oferecer o acesso ao conhecimento historicamente acumulado e o reconhecimento social de sua condição de cidadania, ainda precisará enfrentar e transpor sérias dificuldades, especialmente a de se tornar, de fato, espaço-tempo de inclusão, multiculturalismo e cidadania. Para Tavares e Weschenfelder (2005, p. 13) Os povos do campo e da cidade querem ir à escola, lutam por uma escola mais justa, menos excludente, uma escola que dialogue com suas culturas, que considere seus saberes e ensine os(as) seus(suas) filhos(a)s sobre como as diferenças têm sido construídas, como as desigualdades vêm sendo produzidas. Eles têm clareza de que o acesso e a permanência na escola podem fortalecer a luta cotidiana por melhores condições de vida. Em sua luta pela vida, a escola ainda ocupa uma centralidade, pois as camadas populares, sejam do campo ou da cidade, reconhecem os nichos de possibilidades que a experiência coletiva da escola pode propiciar.
Para Gadotti (2005), essas possibilidades derivam da educação não formal, seja nos espaços escolares ou não escolares, posto que nas escolas e na sociedade como um todo interagem diferentes modelos culturais que, juntos e sem “fronteiras muito rígidas”, constituem um currículo intercultural. Para ele, [...] os currículos interculturais de hoje reconhecem a informalidade como uma característica fundamental da educação do futuro. O currículo intercultural engloba todas as ações e relações da escola; engloba o conhecimento científico, os saberes da humanidade, os saberes das comunidades, a experiência imediata das pessoas, instituintes da escola; inclui a formação permanente de todos os segmentos que compõem a escola, a conscientização, o conhecimento humano e a sensibilidade humana, considera a educação como um processo sempre dinâmico, interativo, complexo e criativo. (GADOTTI, 2005, p. 4).
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Nessa perspectiva, a educação brasileira, seja na cidade ou no campo, estará comprometida com a superação dos problemas históricos que enfrenta e condizente com as demandas postas pela contemporaneidade, tornando-se uma educação válida em todos os espaços e segmentos sociais. Segundo Gadotti (2005), referindo-se à proposta de Paulo Freire para que a educação seja válida, afirma que ela necessita “problematizar” o presente e o futuro da sociedade, não apenas “resistir” a ela, a partir de 4 elementos: 1º) Historicidade. Conhecer o contexto histórico. Muitas vezes afirmamos formalmente o direito à educação sem nos referirmos concretamente aos sujeitos de direitos. O direito não é uma categoria abstrata. É preciso dar historicidade concreta ao sujeito do direito à educação. Por exemplo: não basta falar da pobreza: é preciso enxergar concretamente a situação em que vivem os pobres. 2º) Superar a noção de serviço. Na prática trabalhamos com a noção de “serviços educacionais” e não com a categoria de direito. Trabalhamos com classes superlotadas porque não é “rentável” trabalhar com 15 alunos. O critério, então, não é o do direito à educação, mas o da rentabilidade do serviço. 3º) Não reduzir o direito à educação apenas à escola. Direito é ter acesso a oportunidades iguais para todos e todas em condições formais e não formais. É um direito à permanência (a matrícula é diferente da conclusão), a resultados de qualidade e pertinência cultural e social. 4º) É um direito que tem um sujeito. É o direito a uma orientação da educação segundo as identidades culturais dos povos. Não apenas a processos interculturais nacionais, mas globais. Os direitos dos professores estão associados aos direitos das crianças. Se as crianças têm direito a uma educação de qualidade, os professores têm direito de terem as condições necessárias para oferecer uma educação de qualidade. (GADOTTI, 2005, p. 10). Considerados esses quatro elementos, é possível pensarmos em uma educação que, de fato, seja condizente com o que está estabelecido na Lei, bem como com os princípios e paradigmas da contemporaneidade, superando a exclusão, a diferenciação depreciativa e a dicotomia entre a cidade e o campo, construindo, assim, a base de uma escola cidadã. Acrescentamos, para concluir, que todos os princípios analisados, para serem seguidos, requerem a contínua necessidade de qualificação e aperfeiçoamento dos docentes para o exercício da Educação na Cidade e no Campo. Dificuldades também são enfrentadas em outras circunstâncias, como as das crianças indígenas e quilombolas, comunidades conhecidas por sua luta na reivindicação de terras, objeto de estudo das próximas aulas. Vamos lá?
SÍNTESE Nesta aula, contextualizamos a educação na cidade e no campo em seus aspectos sociais, políticos e pedagógicos. Tivemos a oportunidade de refletir o quanto é difícil superar a complexidade do processo se não houver suporte de uma efetiva política pública para a educação no campo. Finalizamos, refletindo sobre a Escola Cidadã como possibilidade de construção educativa, no qual a escola supere a tradicional dicotomia entre a educação formal e a educação não formal, transformando-se em um espaço-tempo de construção e exercício da cidadania. 35
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QUESTÃO PARA REFLEXÃO Diante das reflexões que fizemos, como você acredita que se pode efetivar uma educação nas cidades e no campo assegurando aprendizagens e formação cidadã?
LEITURAS INDICADAS RIBEIRO, Marlene. Pedagogia da alternância na educação rural/do campo: projetos em disputa. Educação Pesquisa, São Paulo, v. 34, n. 1, Abr. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022008000100003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 19 mar. 2013.
SITES INDICADOS <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/EducCampo01.pdf> = Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. <http://www.youtube.com/watch?v=m3G-3YCBZCM> = Educação no campo (parte 1). <http://www.youtube.com/watch?v=9HPOr4FYhnc&feature=related> = Educação no campo (parte 2). <http://www.youtube.com/watch?v=46jKzATcMGQ&feature=related> = Educação no campo (parte 3). <http://www.youtube.com/watch?v=972rq8q8NEc> = Educampo ̶ Inserção de conteúdos agrícolas nas escolas da zona rural: dia de campo.
REFERÊNCIAS ARROYO, Miguel G. Escola, cidadania e participação no campo. In: BRASIL. INEP. Em Aberto: Órgão de Divulgação Técnica do Ministério de Educação e Cultura. Brasília, ano 1, n. 9, setembro, 1982. BRASIL. MEC. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD). Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Resolução CNE/CEB nº1, de 3 de mai. 2013. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: http://www.senado.gov. br/sf/legislacao/const/. Acesso em: 3 mai. 2013. BRASIL. LEI Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/lei9394.pdf. Acesso em: 3 mai. 2013. CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. FERNANDES, Bernardo Mançano. Por uma educação básica do campo. In: ARROYO, Miguel Gonzáles; FERNANDES, Bernardo Mançano. A educação básica e o movimento social do campo. Brasília: Articulação Nacional por uma Educação Básica do Campo, 1999. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 23. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1996.
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FREYRE, Gilberto. Palavras às professoras rurais do Nordeste. Recife: MEC/SECAD, 1957. Disponível em: <http://bvgf.fgf.org.br/portugues/obra/opusculos/palavras.htm>. Acesso em: 01 mar. 2013. GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e educação. São Paulo: Cortez, 2009. IBGE. Censo Demográfico 2000. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/ populacao/censo2000/populacao/censo2000_populacao.pdf>. Acesso em: 31 maio 2013. LEITE, Sérgio Celani. Escola Rural: urbanização e políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 1999. CONFERÊNCIA NACIONAL POR UMA EDUCAÇÃO NO CAMPO, 2., 2004, Luziânia. Anais eletrônicos... Luziânia: CNBB - MST - UNICEF - UNESCO - UnB - CONTAG - UNEFAB - UNDIME - MPA - MAB - MMC, 2004. Disponível em: <http://www.ufes.br/educacaodocampo/down/cdrom1/pdf/013.pdf>. Acesso em: 30 mai. 2013. RIBEIRO, Marlene. Pedagogia da Terra: um projeto dos movimentos sociais do campo. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO, 1., 2004, Francisco Beltrão. Anais... Francisco Beltrão: UNIOESTE(PR), 2004. SAVIANI, Dermeval. O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias. In: FERRETTI, Celso João et al. Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994. SAVIANI, Dermeval. O trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias. In: FERRETTI, Celso João et al. Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994. TAVARES, Maria Tereza Goudard e; WESCHENFELDER, Noeli Valentina. Educação Popular na escola pública: uma utopia (ainda) necessária?. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 28., 2005, Caxambu. Anais... Caxambu: ANPED, 2005.
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AULA 3 A Educação Escolar Indígena Autores: Ana Joaquina Amaral de Oliveira e Dilza Silva Reis
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Na aula anterior, fizemos uma abordagem sobre a Educação na Cidade e no Campo em seus aspectos sociais, políticos e pedagógicos. Nesta, consideraremos a educação dos povos indígenas.
ara entendermos melhor a questão da Educação Escolar Indígena, precisamos lembrar que, no ano de 1500, quando chegaram os primeiros colonizadores, a população indígena era estimada em torno de seis milhões de indivíduos, os quais foram praticamente dizimados, chegando a um número muito reduzido, atualmente, em todo o território nacional.
Essa situação começou a mudar nos últimos 30 anos, revertendo a curva decrescente da população indígena. Dados estatísticos apontam o aumento constante dessa população. Vários são os fatores que contribuem para essa nova realidade. Entre eles, podemos destacar: melhoria das condições sanitárias e de assistência médica nas aldeias, demarcação de territórios indígenas e, principalmente, o reconhecimento dos direitos dessas populações em manterem suas identidades e especificidades culturais, históricas e linguísticas (BRASIL, 1999). É nesse contexto que vamos encontrar uma preocupação mais efetiva, no tocante à Educação Escolar Indígena.
TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
O SISTEMA DE ENSINO E A EDUCAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS: EM BUSCA DA ALTERIDADE Vamos refletir: Você sabe o que é alteridade? Apesar de a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 2006) garantirem a criação da categoria Escola Indígena, foi somente em 1999, por meio do Parecer 14 e da Resolução 03, que o Conselho Nacional de Educação instituiu essa categoria escolar no sistema de ensino do país, “visando a valorização plena das culturas dos povos indígenas e a afirmação e manutenção de sua diversidade étnica” (BRASIL, 1999, Art. 1). Citamos, ainda, como bases legais da Educação Escolar Indígena: » » o Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001): Capítulo sobre Educação Escolar Indígena; a Resolução 03/99, do Conselho Nacional de Educação, de 10 de novembro de 1999; o Decreto Presidencial nº 5.051, de 19 de abril de 2004, que promulgou a Convenção 169 da OIT; » » o Decreto nº 6.861, de 27 de maio de 2009, que dispõe sobre a Educação Escolar Indígena, define sua organização em territórios etnoeducacionais, e dá outras providências; e, mais recentemente, a Resolução CNE/CEB nº 5, de 22 de junho de 2012, na qual o Ministério da Educação define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica e propõe o direito a uma educação escolar diferenciada para os povos indígenas O Decreto nº 6861, de 2009 (BRASIL, 2009), estabelece como objetivos da Educação Escolar Indígena: » » Art. 1º – A Educação Escolar Indígena será organizada com a participação dos povos indígenas, observada a sua territorialidade e respeitando suas necessidades e especificidades.
» » Art. 2º – São objetivos da Educação Escolar Indígena: I - valorização das culturas dos povos indígenas e afirmação e manutenção de sua diversidade étnica; II fortalecimento das práticas socioculturais e da língua materna de cada comunidade indígena; III formulação e manutenção de programas de formação de pessoal especializado, destinados à educação escolar nas comunidades indígenas; IV desenvolvimento de currículos e programas específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades; V elaboração e publicação sistemática de material didático específico e diferenciado; e VI afirmação das identidades étnicas e consideração dos projetos societários definidos de forma autônoma por cada povo indígena. (BRASIL, 2009) Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6861.htm>.
Em 2012, a Resolução CNE/CEB nº 5/2012 definiu Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Indígena pautadas pelos princípios da igualdade social, da diferença, da especificidade, do bilinguismo e da interculturalidade. São definidos como objetivos da Educação Indígena (BRASIL, 2012):
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I orientar as escolas indígenas de educação básica e os sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na elaboração, desenvolvimento e avaliação de seus projetos educativos; II orientar os processos de construção de instrumentos normativos dos sistemas de ensino visando a tornar a Educação Escolar Indígena projeto orgânico, articulado e sequenciado de Educação Básica entre suas diferentes etapas e modalidades, sendo garantidas as especificidades dos processos educativos indígenas; III assegurar que os princípios da especificidade, do bilinguismo e multilinguismo, da organização comunitária e da interculturalidade fundamentem os projetos educativos das comunidades indígenas, valorizando suas línguas e conhecimentos tradicionais; IV assegurar que o modelo de organização e gestão das escolas indígenas leve em consideração as práticas socioculturais e econômicas das respectivas comunidades, bem como suas formas de produção de conhecimento, processos próprios de ensino e de aprendizagem e projetos societários; V fortalecer o regime de colaboração entre os sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, fornecendo diretrizes para a organização da Educação Escolar Indígena na Educação Básica, no âmbito dos territórios etnoeducacionais; VI normatizar dispositivos constantes na Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho, ratificada no Brasil, por meio do Decreto Legislativo nº 143/2003, no que se refere à educação e meios de comunicação, bem como os mecanismos de consulta livre, prévia e informada; VII orientar os sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a incluir, tanto nos processos de formação de professores indígenas, quanto no funcionamento regular da Educação Escolar Indígena, a colaboração e atuação de especialistas em saberes tradicionais, como os tocadores de instrumentos musicais, os contadores de narrativas míticas, os pajés e xamãs, os rezadores, os raizeiros, as parteiras, os organizadores de rituais, os conselheiros e outras funções próprias e necessárias ao bem viver dos povos indígenas; e VII zelar para que o direito à educação escolar diferenciada seja garantido às comunidades indígenas com qualidade social e pertinência pedagógica, cultural, linguística, ambiental e territorial, respeitando as lógicas, os saberes e as perspectivas dos próprios povos indígenas. (BRASIL, 2012). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17417&Ite mid=866>.
Foram, então, definidas diretrizes curriculares para a oferta de educação escolar aos povos indígenas. Nesse sentido, são previstas que as atividades letivas podem assumir variadas formas, como séries anuais, ciclos, grupos não seriados. Deverão ser garantidos os princípios de igualdade social, da diferença, do bilinguismo, da interculturalidade, sendo que os saberes devem ancorar o acesso a conhecimentos, à valorização da oralidade e da história do povo indígena, e, também, devem ser asseguradas a assistência técnico-financeira aos sistemas de ensino para oferta de programas de formação de professores indígenas e de publicação de materiais didáticos diferenciados, além da elaboração de programas específicos para atendimento das necessidades das escolas indígenas, visando a melhoria nas condições de ensino nas aldeias (BRASIL, 1999). Tais medidas foram estabelecidas no intuito de respeitar a diversidade, possibilitando aos povos indígenas manter a vivência, bem como a transmissão e a valorização de sua cultura, de modo a respeitar a legislação federal que: 41
TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
[...] assegura o direito das comunidades indígenas a uma educação escolar diferenciada, específica, intercultural e bilíngue. De forma que a população indígena possa garantir não apenas sua sobrevivência física, mas também étnica. Os índios deixaram de ser considerados como categoria social, em vias de extinção, e passaram a ser respeitados como grupos étnicos. (BRASIL, 1988, Art. 210).
Aliados a essas medidas governamentais, os povos indígenas conquistaram direitos e os transformaram em grandes vitórias significativas, com vistas à educação efetiva, tais como: livros e cartilhas em língua indígena, currículos adaptados à realidade indígena, respeitando as tradições e os saberes herdados de seus antepassados, e capacitação de professores indígenas. Vejamos o depoimento de Eline Matos, índia Pataxó. Ela é professora na Escola da Aldeia Pataxó de Coroa Vermelha e aluna do curso de Pedagogia da UNIFACS, em Porto Seguro: Hoje a educação da minha comunidade Pataxó de Coroa Vermelha serve para ensinar crianças, jovens, adolescentes e adultos a seguirem o caminho certo para o futuro, para que eles possam aconselhar seus filhos e netos a não perderem sua cultura e língua. Também serve para ensinar como defender o direito de nosso povo e a não perder as terras onde estamos, para que essas terras continuem do jeito que elas estão hoje e levem sua riqueza para o futuro. As dificuldades que eu encontro para ensinar em uma escola diferenciada é que não temos livros diferentes para todas as séries. Os que temos são alguns para o ensino básico e os outros são iguais aos das cidades, que não falam de nossos povos indígenas. Poderíamos resolver esse problema se pudéssemos produzir os nossos próprios livros. Os órgãos públicos, como a Secretaria de Educação, têm de cumprir as leis e oferecer uma educação para os povos indígenas de qualidade e diferenciada, porque isso já está garantido. Como professores indígenas, não somos só aliados: somos cobradores do cumprimento da política de educação indígena para o benefício das nossas comunidades. Outra conquista nossa é que na nossa aldeia só ensinam os professores indígenas. O não índio só fica se tiverem professores capacitados. É por isso que eu estou fazendo o curso superior: para fazer valer os meus direitos como professora indígena.
Figura 3 - Fotografia da professora Eline Matos
Fonte: foto cedida por Eline Matos.
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O professor Bartolomeu Meliá (1999, p. 12) destaca a importância da educação para garantir a manutenção da identidade, bem como a diversidade cultural dos povos indígenas: Os povos indígenas sustentaram sua alteridade graças a estratégias próprias, das quais uma foi precisamente a ação pedagógica. Em outros termos, continua havendo nesses povos uma educação indígena que permite que o modo de ser e a cultura venham a se reproduzir nas novas gerações, mas também que essas sociedades encarem com relativo sucesso situações novas. (MELIÁ, 1999, p. 12).
Portanto, a ação pedagógica de todos os envolvidos no processo educacional voltado para as comunidades indígenas é de fundamental importância para a revalorização da cultura, com vistas à manutenção de sua identidade.
DESAFIO Você agora se sente capaz de formular um conceito de alteridade? Experimente! Escreva no retângulo a seguir o seu entendimento a partir das informações, reflexões e o depoimento, obtido até aqui:
O PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO NAS ESCOLAS INDÍGENAS Podemos perceber que as ações da movimentação conjunta das lideranças indígenas, aliadas a uma legislação que visa a implementação de uma educação diferenciada e de qualidade, conduziram a mudanças significativas nessa modalidade de educação. Revisitando o passado histórico da educação indígena, veremos que, há pouco tempo, os professores possuíam baixa escolarização, frequentavam, no máximo, até a quarta série. Tal situação tornou-se um obstáculo, levando-se em conta a importância de que a Educação Escolar Indígena fosse conduzida pelos próprios índios, para que uma educação diferenciada e de qualidade realmente acontecesse.
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Foi, então, necessário capacitar esses profissionais, oferecendo-lhes treinamento especializado em magistério indígena por meio de cursos para professores leigos e Programas de Formação para o Magistério Indígena, sob a orientação geral do MEC e das secretarias estaduais de educação. Porém, não bastava a contratação de professores não índios, como afirma a professora Terezinha Maher (2004). Vemos, então, que é imprescindível que as práticas educativas, os instrumentos de avaliação, os conteúdos e os projetos político-pedagógicos sejam voltados para a realidade específica das comunidades indígenas. E essa responsabilidade exige profissionais indígenas capacitados, pois, nas palavras de Maher (2004, não paginado): [...] os Princípios da Pedagogia Indígena não estão pormenorizados em manuais acadêmicos: os detalhes dessa complexa teoria estão impressos, em sua totalidade, apenas nos arquivos da memória de cada povo indígena. Por tudo isso, um professor índio apresenta, naturalmente, condições muito mais favoráveis, não só para ministrar aulas de modo culturalmente sensível e relevante em sua aldeia, mas, também, para gerenciar o processo educativo formal de sua comunidade como um todo.
A exigência de uma competência profissional que dê conta de uma educação qualificada exige que os professores busquem o aperfeiçoamento constante. Então, cada vez mais, encontramos universidades que oferecem cursos voltados para a formação de profissionais indígenas. Estudos comprovam o número significativo de índios em busca de curso superior. O depoimento de Maria Jucélia da Conceição Marinho (2007), aluna da UNIFACS em Porto Seguro, enfatiza a luta incessante em busca da profissionalização: Eu sou índia da Etnia Pataxó, moro e leciono na Aldeia de Coroa Vermelha. Aqui, muitos dos professores indígenas que lecionam na mesma instituição não têm o magistério, mas, depois de muita luta, conseguimos trazer para o estado da Bahia o MAGISTÉRIO INDÍGENA para os professores indígenas que estavam nessa situação. Há vários anos, estamos lutando pelo 3º Grau Indígena (uma Universidade Intercultural). Muitos fóruns e conferências já foram realizados com todos os indígenas da Bahia, com esse propósito, mas até agora não temos resultados concretos, apenas promessas para o próximo ano. Por isso, ingressei na universidade UNIFACS há dois anos e meio. Eu sabia que essa burocracia iria demorar e eu não queria ficar parada, apenas esperando. O curso superior na minha vida é a realização de um sonho, é a minha busca pessoal por perspectivas de uma vida melhor, e não apenas para me capacitar e garantir meu lugar no mercado de trabalho. É muito mais do que isso: é uma oportunidade de ser mais útil à minha comunidade e ao meu povo. Estou muito feliz e satisfeita com os resultados obtidos no curso superior, pois acumulei experiências novas e conhecimentos preciosos que somente são possíveis cursando uma faculdade. Isso sem falar que esses novos conhecimentos ajudam muito na minha prática em sala de aula. Mas, apesar de estar cursando essa faculdade, meu povo continuará lutando para conseguir uma faculdade intercultural para povos indígenas, visando a seguir os mesmos passos da primeira Faculdade Intercultural que aconteceu em Matogrosso.
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AULA 3 - A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
Hoje, temos não índios lecionando para nossas crianças. Eles têm o conhecimento global adquirido em uma faculdade, mas não conhecem nada sobre nossa cultura. Se nosso objetivo é o resgate da cultura e de nossa língua materna, é de extrema importância que os profissionais que atuem com nossas crianças indígenas sejam índios e pertençam à sociedade envolvida.
Portanto, a Educação Escolar Indígena pressupõe o domínio de habilidades específicas, entre elas, a competência de ser pesquisador e elaborador de materiais que subsidiem a sua prática, em que o suporte didático priorize as diversidades e as especificidades que caracterizam as diferentes comunidades indígenas. Nesse contexto, é possível afirmar que a tarefa de educar se torna um desafio, pois exige dos professores indígenas competência e responsabilidade no intuito de desenvolver, em seus alunos, a capacidade de exercerem amplamente a sua cidadania, não só na comunidade indígena em que vivem, mas também como cidadãos brasileiros que são. O Decreto nº 6861, de 2009 (BRASIL, 2009), estabelece que a formação de professores deverá ser desenvolvida no âmbito das instituições formadoras e será orientada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2012). Assim, quanto à formação de professores e produção de material didático: » » § 1º Os cursos de formação de professores indígenas darão ênfase à: » » I - constituição de competências referenciadas em conhecimentos, valores, habilidades e atitudes apropriadas para a educação indígena;
» » II - elaboração, ao desenvolvimento e à avaliação de currículos e programas próprios; » » III - produção de material didático; e » » IV - utilização de metodologias adequadas de ensino e pesquisa. » » § 2º A formação dos professores indígenas poderá ser feita concomitantemente à sua escolarização, bem como à sua atuação como professores.
» » Art. 10. A produção de material didático e paradidático para as escolas indígenas deverá apresentar conteúdos relacionados aos conhecimentos dos povos indígenas envolvidos, levando em consideração a sua tradição oral, e será publicado em versões bilíngues, multilíngues ou em línguas indígenas, incluindo as variações dialetais da língua portuguesa, conforme a necessidade das comunidades atendidas.
Podemos, agora, conceituar EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA. A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) afirma que a Educação Escolar Indígena é uma modalidade de ensino que destaca a interculturalidade, o multilinguismo e a etnicidade.
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TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
OBJETIVOS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica (BRASIL, 2012), são objetivos da Educação Escolar Indígena: I a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências; II o acesso às informações, conhecimentos técnicos, científicos e culturais da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não indígenas. Parágrafo único. A Educação Escolar Indígena deve se constituir em um espaço de construção de relações interétnicas orientadas para a manutenção da pluralidade cultural, pelo reconhecimento de diferentes concepções pedagógicas e pela afirmação dos povos indígenas como sujeitos de direitos.
Esses objetivos visam a proporcionar aos indígenas, a suas comunidades e povos, uma educação que valorize as identidades, a língua e possibilite o acesso à informação e à construção de conhecimento. De acordo com o Art. 5 das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica (BRASIL, 2012), devem ser considerados a participação de representantes da comunidade e os itens a seguir: I suas estruturas sociais; II suas práticas socioculturais, religiosas e econômicas; III suas formas de produção de conhecimento, processos próprios e métodos de ensino-aprendizagem; IV o uso de materiais didático-pedagógicos produzidos de acordo com o contexto sociocultural de cada povo indígena; e V a necessidade de edificação de escolas com características e padrões construtivos de comum acordo com as comunidades usuárias, ou da predisposição de espaços formativos que atendam aos interesses das comunidades indígenas.
De acordo com a SECAD, os principais objetivos da implementação das políticas para a Educação Escolar Indígena são: » » assegurar a oferta de uma educação de qualidade aos povos indígenas, caracterizada por ser comunitária, específica, diferenciada, intercultural e multilingue, e propiciar aos povos indígenas acesso aos conhecimentos universais, a partir da valorização de suas línguas maternas e saberes tradicionais, contribuindo para a reafirmação de suas identidades e sentimentos de pertencimento étnico; » » formar professores indígenas, membros de suas respectivas etnias, para que assumam a docência e a gestão das escolas em terras indígenas; e
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» » qualificar profissionalmente os docentes indígenas como condição fundamental para que, de fato, as comunidades indígenas possam assumir suas escolas, integrando-as à vida comunitária, de modo que possam responder suas demandas e projetos de futuro. (BRASIL, 1999). Desse modo, as escolas indígenas precisam se adequar às necessidades dos estudantes, às especificidades de uma prática pedagógica que dê visibilidade à interculturalidade, ao multilinguismo e à etnicidade do povo indígena. E a prática curricular nas escolas indígenas, como é tratada? A construção curricular na escola indígena move-se entre os fios de diversas histórias – aí se entrelaçam, além da história de vida de professores, a história de vida dos estudantes indígenas e a própria história de cada povo e sua relação com o todo da sociedade brasileira e global. Nas duas últimas décadas, a prática curricular tem sido uma construção de autoria coletiva, imersa nas lutas pelo direito à terra, pela afirmação étnica, pela educação, pela saúde e pela melhoria da qualidade de vida e que se conjuga aos projetos socioculturais em cada território indígena. A construção curricular das propostas pedagógicas específicas na relação entre professor, aluno, família e comunidade tem sido nova e o seu desenvolvimento se dá por meio de várias perguntas e respostas sempre motivadoras de outras interrogações. Conforme Gersem dos Santos-Baniwa (citado em BRASIL, 1998, p. 25), “[...] todo projeto escolar só será escola indígena se for pensado, planejado, construído e mantido pela vontade livre e consciente da comunidade [...]”. A Escola Indígena deve contemplar em seu currículo, além da aspectos da língua indígena, conteúdos realmente importantes para a vida e a sobrevivência física e cultural dos povos, tais como: meio ambiente, terra, saúde, valores próprios e economia, necessária hoje para a compreensão e análise das conjunturas nacionais e internacionais, entre outros (BRASIL, 1996). Para Edílson J. de Souza, Pataxó Hãhãhãe, Bahia, Nós, como educadores, [...] temos como ponto principal a história do nosso povo, desde a origem de sua existência, passando pelos massacres e pelas vitórias [...]. Por meio desses acontecimentos é que nós vamos trabalhar com nossos alunos, levando para a sala de aula todos os conhecimentos da história; e por aí, juntos, vamos refletir e trocar experiências, fazendo com que o aluno cresça com outro ponto de vista perante a sociedade dominante [...]. (BRASIL, 1998, p. 64).
Assim sendo, a estruturação curricular nas escolas indígenas deve ter como foco a presença do índio como tema obrigatório na história da formação do Brasil, assunto que deve ser tratado nos livros didáticos de História e Geografia, evidenciando a Educação Escolar Indígena não só como um dever de ordem ética, mas como uma necessidade política e de justiça. O Art. 15 das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica (BRASIL, 2012) define que o currículo das escolas indígenas deve se relacionar aos valores e interesses etnopolíticos das comunidades indígenas em relação aos seus projetos de sociedade e de escola, definidos nos projetos político-pedagógicos.
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» » Art. 15 - O currículo das escolas indígenas, ligado às concepções e práticas que definem o papel sociocultural da escola, diz respeito aos modos de organização dos tempos e espaços da escola, de suas atividades pedagógicas, das relações sociais tecidas no cotidiano escolar, das interações do ambiente educacional com a sociedade, das relações de poder presentes no fazer educativo e nas formas de conceber e construir conhecimentos escolares, constituindo parte importante dos processos sociopolíticos e culturais de construção de identidades.
» » § 1º Os currículos da Educação Básica na Educação Escolar Indígena, em uma perspectiva intercultural, devem ser construídos a partir dos valores e interesses etnopolíticos das comunidades indígenas em relação aos seus projetos de sociedade e de escola, definidos nos projetos políticopedagógicos.
» » § 2º Componente pedagógico dinâmico, o currículo deve ser flexível, adaptado aos contextos socioculturais das comunidades indígenas em seus projetos de Educação Escolar Indígena.
» » § 3º Na construção dos currículos da Educação Escolar Indígena, devem ser consideradas as condições de escolarização dos estudantes indígenas em cada etapa e modalidade de ensino; as condições de trabalho do professor; os espaços e tempos da escola e de outras instituições educativas da comunidade e fora dela, tais como museus, memoriais da cultura, casas de cultura, centros culturais, centros ou casas de línguas, laboratórios de ciências e de informática.
» » § 4º O currículo na Educação Escolar Indígena pode ser organizado por eixos temáticos, projetos de pesquisa, eixos geradores ou matrizes conceituais, em que os conteúdos das diversas disciplinas podem ser trabalhados em uma perspectiva interdisciplinar. (BRASIL, 2012).
O projeto político pedagógico das escolas indígenas deve expressar a autonomia e a identidade dos grupos étnicos em seus territórios, alicerçados nos princípios da interculturalidade, bilinguismo e multilinguismo, organização comunitária e territorialidade (BRASIL, 2012). A territorialidade, a sustentabilidade socioambiental e a cultura dos diferentes grupos étnicos devem orientar a prática educativa, contribuindo para a afirmação das comunidades indígenas. A construção de uma sociedade mais harmoniosa, que respeite e valorize a diferença, tendo ela a base em nossa prática cultural, étnica, religiosa e política, é um desafio que também está colocado para as nossas escolas. É assumindo esse desafio como indivíduos e como cidadãos que, quiçá, possamos melhorar a sociedade e o país do qual fazemos parte.
SÍNTESE Fizemos, nesta aula, uma contextualização da educação dos povos indígenas, contando com a participação de alunos do curso de Pedagogia da UNIFACS dando seus depoimentos como educadores na Aldeia Pataxó de Coroa Vermelha. Esperamos que, com este estudo, você tenha compreendido melhor as circunstâncias em que vivem nossos índios na atualidade, como também os avanços no processo de sua escolarização. Na próxima aula, história, política e educação em territórios remanescentes de quilombos será o tema selecionado para reflexão.
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AULA 3 - A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Seguindo as Diretrizes Curriculares Nacionais, é função do(a) profissional de Pedagogia atuar na Educação Escolar Indígena. Que competências são necessárias para essa atuação?
LEITURAS INDICADAS BRASIL. Ministério da Educação. Referencial curricular nacional para as escolas indígenas. Brasília: MEC, 1998. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB nº 14/1999. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena. Brasília: MEC, 1999. BRASIL. Resolução nº 5, de 22 de junho de 2012: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_conte nt&view=article&id=17417&Itemid=866> Acesso em: 10 maio 2013. OLIVEIRA, Teresinha Silva de. Olhares que fazem a “diferença”: o índio em livros didáticos e outros artefatos culturais. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, n. 2, abr. 2003. Disponível em: <http://www. scielo.br/pdf/rbedu/n22/n22a04.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2013>.
SITES INDICADOS <http://www.youtube.com/watch?v=i97TKbp6VaQ&feature=endscreen&NR=1 = Bahia sedia a 2ª Conferência Regional de Educação Indígena> <http://www.youtube.com/watch?v=jE3AaonNLLY&feature=related = Educação escolar indígena>
REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pcp05_05.pdf>. Acesso em: 03 maio 2013. BRASIL. Resolução nº 5, de 22 de junho de 2012: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_conte nt&view=article&id=17417&Itemid=866>. Acesso em: 10 maio 2013. BRASIL. Decreto nº 6861/2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2009/Decreto/D6861.htm> Acesso em: 10 maio 2013. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada (SECAD). Alfabetização e Diversidade. Educação Escolar Indígena. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/secad/index.php? option=content&task=view&id=37&Itemid=164>. Acesso em: 03 maio 2013. BRASIL. Resolução CEB nº 3, de 10 de novembro de 1999. Disponível em: <http:/portal.mec.gov.br/ secad/arquivos/pdf/indigena/CP010.pdf>. Acesso em: 03 maio 2013. 49
TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
BRASIL. Declaração de princípios da COPIAR - Comissão dos Professores Indígenas do Amazonas e Roraima. Publicada no Informativo FOIR. 1994. BRASIL. Ministério da Educação. Referencial curricular nacional para as escolas indígenas. Brasília: MEC, 1998. MELIÀ, Bartolomeu. Educação indígena na escola. Cadernos Cedes, Campinas, ano XIX, n. 49, p. 11-17, dez. 1999. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/ccedes/v19n49/a02v1949.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2013. MAHER, Terezinha Macha. Como formar professores índios para as escolas indígenas? Disponível em: <http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2004/epi/tetxt3.htm - 21k>. Acesso em: 10 abr. 2013.
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AULA 4 Territórios remanescentes de quilombos: história, política e educação Autores: Ana Joaquina Amaral de Oliveira e Dilza Silva Reis
C
Na aula anterior, discutimos propostas de educação para os povos indígenas. Nesta, vamos debater como se constituíram os territórios remanescentes dos quilombos, as suas lutas, as formas de resistência e as possibilidades dos processos de educação que respeitem às características desses povos.
omeçamos com uma reflexão sobre os aspectos históricos que permeiam a educação vivenciada por crianças, adolescentes, jovens e adultos nas terras remanescentes de quilombos e suas implicações na sociedade.
Você já ouviu falar em quilombos? O que sabe sobre eles? Quais valores presentes nos currículos escolares contemplam a diversidade étnica e cultural brasileira? Troque ideias com seus colegas sobre o tema antes de iniciar a leitura e registre para comparar ao final dos estudos.
TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
QUILOMBOLAS
Figura 4 - Fotografia que mostra um quilombo
Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Quilombolas_amapa.jpg?uselang=pt-br>.
UM POUCO DA HISTÓRIA Quando você leu a palavra “Quilombo”, provavelmente pensou em “local onde residiam escravos negros e fugidos”, e se pedíssemos, ainda, um exemplo, a resposta seria rápida: “Palmares, maior quilombo da história brasileira, situado em Alagoas, e, Zumbi, negro escravizado que lutou pela liberdade dos negros”. É bem provável que essas sejam as primeiras ideias que vêm à mente de todos nós. A história oficial no Brasil Colônia, por muito tempo, centrou os processos educativos apenas no período da escravidão, desconsiderando a história do povo africano na África, e do povo africano na diáspora, bem como as formas de resistência engendradas por esses povos.
LINHAGEM1 (Carlos Assumpção)
Eu sou descendente de Zumbi! Sou bravo, valente, sou nobre; Os gritos aflitos do negro, Do pobre, de todos Os povos sofridos do mundo. No meu peito desabrocham em força Eu sou descendente de Zumbi! Eu trago quilombos e vozes bravias dentro de mim Disponível em:<http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/c/ cadernos_negros_os_melhores_poemas>. 1 Texto adaptado
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AULA 4 - TERRITÓRIOS REMANESCENTES DE QUILOMBOS: HISTÓRIA, POLÍTICA E EDUCAÇÃO
Com esse poema, apresentamos a formação dos quilombos como espaço de resistência negra, onde eram constituídas relações econômicas e sociais mais igualitárias, relações essas que possibilitavam a construção de uma vida mais digna para seu povo e para todos aqueles que não concordavam com o que estava acontecendo no Brasil. Durante muito tempo a palavra quilombo foi interpretada como refúgio de negros escravos fugitivos, mas Munanga (2004, p. 71) associa os quilombos brasileiros aos quilombos africanos que visavam a formação de co-guerreiros para lutar contra os inimigos, e afirma, ainda, que a palavra “Kilombo é originária da língua banto umbundo, falada pelo povo ovimbundo, que se refere a um tipo de instituição sociopolítica militar da África Central”. Os quilombos fundados no período colonial resistiram mesmo após a abolição, mantendo comunidades com um número representativo de homens, mulheres e crianças que não usufruíam dos mesmos direitos do povo brasileiro. A condição em que esses povos se encontravam suscitou a discussão acerca da questão quilombola e a busca pela legitimação do direito de posse das terras produtivas que estavam ocupadas por esse grupo, baseando-se no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, no Art. 68, que determina que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos [...]” (BRASIIL, 1988). Tal determinação traduz o reconhecimento legal e normativo da existência desses espaços – o primeiro passo para que essas comunidades saíssem da invisibilidade, já que, mesmo depois da “Abolição da Escravatura”, elas permaneceram ausentes do cenário social e político do Brasil, sobrevivendo sem as mínimas condições de alimentação, saúde, educação, transporte e saneamento básico. Essas condições possibilitaram, desde 1985, debates e discussões no cenário político e educacional, buscando conceituar quilombos e remanescentes de quilombos. Em paralelo aos debates, leis e decretos vão sendo construídos e promulgados, bem como outros processos de luta com os “possíveis” donos das terras. As terras conquistadas pelos quilombolas, em sua maioria, são frutos de ocupações a partir das ações de rebeldia seguidas de fuga, prestação de serviços em períodos de guerras e rebeliões, prestação de serviços religiosos, desagregação de fazendas de ordem religiosa, ocupação de fazendas desagregadas, devido ao enfraquecimento econômico, à compra, doação ou herança, à permanência nas terras que ocupavam e cultivavam no interior de grandes propriedades e à compra de terras durante a vigência do sistema escravocrata e após sua abolição (BRASIL, 2012). Segundo levantamento realizado pela Fundação Cultural Palmares (Órgão do Ministério da Cultura), existem, no Brasil, 1.573 comunidades remanescentes de quilombos certificadas, 93 áreas com terras já tituladas e 996 processos de regularização fundiária em curso, distribuídas em quase todos os estados brasileiros (exceto no Acre, Roraima, e Distrito Federal), sendo a maior concentração nos Estados da Bahia, do Maranhão, de Minas e do Pará. Segundo o Programa Brasil Quilombola (BRASIL, 2012, p. 26), existem 1.948 comunidades oficialmente reconhecidas pelo Estado brasileiro, 114 comunidades tituladas e não certificadas e 377 solicitações em trâmite para certificação.
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TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
Figura 5 - Distribuição de quilombos nos estados brasileiros
Fonte: <http://segredosafricanos.pbworks.com/w/page/7055402/quilombos>.
REAFIRMANDO A IDENTIDADE Conceituar quilombo e remanescente de quilombos passa a ser pauta dos debates nos meios acadêmicos e políticos, pois entende-se que seja prioridade definir quem passaria a ter direito ou não à propriedade da terra. A palavra remanescente, no Dicionário Escolar Cegalla, da Língua Portuguesa (2005), significa quem resta, que resta. Fazendo a tradução: o “que restou” dos quilombos? Então, o que responderíamos? Apenas algumas lembranças? E as pessoas que ali vivem? O conceito presente nos dicionários não reflete as ideias de autodenominação dos grupos quilombolas e nem a concepção empregada pala Antropologia e pela História. Em 1994, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) organizou um documento em que definia o termo “remanescente de quilombo” como “grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos em um determinado lugar.” Depreendemos, assim, que as comunidades remanescentes de quilombos são grupos sociais que possuem uma identidade étnica própria, que é representada por um processo de autodefinição, considerando uma ancestralidade comum e a forma de organização política e social (observando os elementos linguísticos e religiosos). Somente a partir de 2003, por meio do Decreto nº 4.887/03, a legislação passa a aceitar e definir quilombos como espaços de resistência, autonomia e autoidentificação.
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AULA 4 - TERRITÓRIOS REMANESCENTES DE QUILOMBOS: HISTÓRIA, POLÍTICA E EDUCAÇÃO
Figura 6 - Fotografia da mão de uma mulher negra
Fonte: arquivo pessoal das autoras.
A resistência negra existiu durante o período de escravização no Brasil Colônia, com fugas, revoltas, quilombos e compra de alforrias e se manteve atuante no pós-abolição, o que não assegurou a inserção do negro na nova conjuntura. Segundo Florestan Fernandes (2008, p. 35): [...] como não se manifestou qualquer impulsão coletiva que induzisse os brancos a discernirem a necessidade, a legitimidade e a urgência de reparações sociais para proteger o negro (como pessoa e como branco) nessa fase de transição, viver na cidade pressupunha, para ele, condenar-se a uma existência ambígua e marginal.
A condição desigual do povo negro, após a abolição, alimentou os objetivos da resistência negra no Brasil, que permaneceu se movimentando, resistindo e reagindo, tendo suas atividades limitadas durante a ditadura militar, ocasião em que todos os movimentos sociais foram durante reprimidos. Os debates sob a condição dos negros brasileiros foram retomados a partir dos anos setenta na busca pela construção da igualdade de acesso aos diversos setores sociais, e assegurou a discussão sobre o mito da democracia racial a partir da inclusão de dados comprobatórios nas pesquisas sobre as desigualdades entre brancos e negros. O processo de reafirmação da identidade negra exerce um papel fundamental no movimento contemporâneo, desenvolve iniciativas como a Frente Negra Brasileira, o Teatro Experimental do Negro e o Movimento de Mulheres Negras, e constrói um legado para a atualidade a partir de experiências pautadas pela busca incessante de condições de vida e sobrevivência para o povo negro. A partir desse período, a luta contra o racismo é somada à luta do trabalhador contra a exploração capitalista (MUNANGA; GOMES, 2004, p. 128-129). Da intensa militância contra o racismo, nasce o Movimento Negro Unificado (MNU), que permanece até os dias atuais como uma das principais entidades negras com atuação nacional. Conhecer a história da resistência negra no Brasil é fundamental para entender as conquistas que foram possíveis a partir da articulação crítica desses grupos e movimentos.
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TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO E LEGISLAÇÃO A discussão sobre relações étnico-raciais perpassa por pressupostos de diferentes áreas, mas na área educacional é urgente rever referenciais históricos, conteúdos curriculares e intervenções pedagógicas que possibilitem a estudantes negros, crianças, jovens e adultos a construção de um olhar crítico sobre as desigualdades existentes na sociedade brasileira. Essa ideia está assegurada nos PCNs (BRASIL, 1997), quando afirma a necessidade de: [...] recuperar as origens dessas influências e valorizar os povos que as trouxeram e seus descendentes, reconhecendo suas lutas pela defesa da dignidade e da liberdade [...] dando voz a um passado que se fez presente em seres humanos que afirmam e reafirmam sua dignidade na herança cultural que carregam. (BRASIL, 1997).
Entre as conquistas do movimento negro em educação, é importante citar a inclusão da temática Pluralidade Cultural nos PCNs, a obrigatoriedade da Educação das Relações Étnico-raciais e do Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana na Educação Básica, de acordo com a Lei nº 10.639/03 (BRASIL, 2003), e a política de cotas para ingresso nas universidades. A promulgação da Lei n º 10.639/03 (BRASIL, 2003) instaura uma situação nova em educação, na medida em que determina, por obrigatoriedade, a inserção do Estudo da História e da Cultura Africana e Afro-brasileira na Educação Básica. É sabido que as desigualdades de gênero e raça, existentes na sociedade brasileira, também estão presentes no cotidiano escolar e exigem a adoção de práticas que possibilitem a reflexão crítica sobre o assunto. Essa condição de desigualdade da população negra, urbana, nas escolas se acentua quando se trata da população de remanescentes de quilombos. Por isso, a Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE) iniciou, em 2011, o processo de elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola (CNE, 2011). De acordo com essa cartilha, no Brasil, existem hoje, segundo os dados da Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, 3.754 comunidades remanescentes de quilombos, identificadas com maior concentração nos estados do Maranhão, Bahia e Minas Gerais. O documento cita, ainda, que ,de acordo com outras fontes, esse número pode chegar a cinco mil (CNE, 2011). Existem, no Brasil, em áreas remanescentes de quilombos, 1.561 escolas de ensino fundamental e 57 de ensino médio (INEP/2009). O Programa Brasil Quilombola, na cartilha de Diagnóstico de Ações Realizadas, de julho de 2012, no capítulo que trata da infraestrutura e qualidade de vida e das condições de educação desse segmento social, descreve que [...] um elevado número de crianças quilombolas de 4 a 7 anos nunca frequentaram os bancos escolares, as unidades educacionais estão longe das residências, os meios de transporte são insuficientes e as condições de infraestrutura, precárias. Geralmente as escolas são construídas de palha ou de pau a pique, poucas possuem água potável e as instalações sanitárias são inadequadas. (BRASIL, 2012).
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AULA 4 - TERRITÓRIOS REMANESCENTES DE QUILOMBOS: HISTÓRIA, POLÍTICA E EDUCAÇÃO
Essa triste realidade concretiza, na prática, a desigualdade social que está presente na sociedade brasileira e que a escola reproduz nos diferentes papéis vividos por alunos e professores, em um currículo dissociado da realidade e em práticas centradas em valores de grupos majoritários. Como aluno ou professor, você já refletiu sobre as condições das escolas no município onde mora? Os sistemas oferecem condições semelhantes às escolas? Os PCNs e a Lei nº 10.639/03, que alterou a LDB nº 9394/96, deslocam o foco da educação centrada em pressupostos eurocêntricos, possibilitando dar visibilidade a grupos considerados minoritários e reconhecendo, assim, as diferentes origens e culturas que compõem a sociedade brasileira. A cartilha afirma, ainda, que as condições inadequadas da educação nas comunidades quilombolas se estendem a [...] um currículo escolar distante da realidade desses meninos e meninas, que raramente identificam sua história, sua cultura e as particularidades de sua vida nos programas de aula e nos materiais pedagógicos e os professores não são formados adequadamente e em número suficiente para atender à demanda.
A invisibilidade da história africana de uma história de antepassados negros que lutaram mesmo longe de sua terra de origem e da resistência do povo negro na Bahia e no Brasil compromete a construção da identidade das crianças e jovens negros e negras. A manutenção de um currículo que não possibilita a reflexão sobre as desigualdades sociais, nas escolas quilombolas ou urbanas, viola o sujeito em sua condição cultural e humana e cristaliza hierarquias raciais. Sobre práticas racistas no cotidiano escolar, Cavalleiro (2002) afirma: O silêncio da escola sobre a questão racial permite que seja ensinada a todas as crianças uma falsa superioridade branca e, para as crianças negras, a escola mostra-se omissa quanto ao dever de reconhecê-las positivamente no cotidiano escolar, conduzindo-as para seu afastamento do quadro educacional.
Veja na tabela a seguir os dados referentes ao Censo Escolar 2010 nas escolas localizadas em comunidades quilombolas.
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TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
Tabela 1 - Dados referentes ao Censo Escolar 2010
BRASIL/REGIÕES
ESCOLA 2010
UNIDADES DA FEDERAÇÃO
FUNÇÃO DOCENTE 2010
MATRÍCULA 2010
Brasil
1.1912
31.943
210.485
Norte
346
4.149
32.091
Rondônia
6
184
1.1895
Acre
0
0
0
Amazonas
2
5
93
Roraima
0
0
0
Pará
285
2.869
24.606
Amapá
26
494
2.868
Tocantins
25
593
2.591
1.229
20.514
143.122
Maranhão
550
5.380
45.571
Piauí
51
776
4.590
Ceará
27
511
3.989
Rio Grande do Norte 30
419
3.194
Paraíba
27
457
2.886
Pernambuco
81
1.251
10.320
Alagoas
24
896
6.326
Sergipe
26
828
5.298
Bahia
413
9.996
60.948
208
4.722
22.961
Minas Gerais
140
2.649
13.908
Espírito Santo
25
308
1.907
Rio de Janeiro
18
1.319
5.803
São Paulo
25
446
1.343
Nordeste
Sudeste
Os maiores índices de exclusão educacional, entre afro-brasileiros, estão entre os quilombolas, e isso exige articulação entre lideranças negras, sociedade civil e poder público. Segundo a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (BRASIL, 2013), a principal meta para superar a situação dos quilombolas é o fortalecimento do ensino e da aprendizagem de crianças, jovens e adultos quilombolas é a educação. Para isso, o governo brasileiro, por meio do MEC/SECAD, pretende distribuir entre as escolas quilombolas 280 mil exemplares de material didático, que tratam da História e da Cultura Africana e Afro-brasileira, capacitar 5.400 professores do Ensino Fundamental, melhorar as instalações escolares e construir 950 salas de aula para suprir a demanda. A iniciativa das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola (BRASIL, 2011) propõe que:
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AULA 4 - TERRITÓRIOS REMANESCENTES DE QUILOMBOS: HISTÓRIA, POLÍTICA E EDUCAÇÃO
[...] a educação escolar destinada a este segmento social deve ter como referência valores sociais, culturais, históricos e econômicos dessas comunidades considerando três pontos: a construção do Projeto Político Pedagógico (PPP) e da proposta curricular da escola como espaço de troca de conhecimentos e experiências de todos aqueles envolvidos na oferta dessa modalidade de educação em articulação com a comunidade local, a formação inicial e continuada dos professores com base na realidade da comunidade quilombola na qual a escola está inserida, sem perder de vista a relação entre o local e o nacional e a gestão da escola a deverá se efetivar autônoma e democraticamente
Depreendemos, pois, que a reflexão sobre este tema é responsabilidade de todos (poder público, movimentos sociais e sociedade civil) no enfrentamento dos preconceitos, das desigualdades e da exclusão social vivida pelas “minorias”, de modo a garantir conquistas e atender as legislações vigentes.
SÍNTESE Nesta aula, pudemos reelaborar conhecimentos acerca dos povos remanescentes de quilombos, de sua história, dos processos de fortalecimento e manutenção das características identitárias e das possibilidades estabelecidas pela legislação para os processos educacionais desenvolvidos nesses espaços.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO O desafio está posto! Vamos pensar juntos. Como a educação brasileira pode ressignificar as práticas de modo a contemplar os diferentes sujeitos que fazem parte dela? De que maneira os pressupostos de uma educação inclusiva devem ser assegurados nos currículos escolares? Como enfrentar as desigualdades presentes no currículo?
LEITURA INDICADA BRASIL. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais. Brasília: MEC/SECAD, 2010. Paradidáticos: BARBOSA, Rogério A. Como as histórias se espalharam pelo mundo. São Paulo: DCL, 2002. BRAZ, Julio Emílio. Felicidade não tem cor. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2002. (Coleção Girassol). FERREIRA, Fábio Gonçalves. A África de Dona Bíá. Belo Horizonte: CEDIC, 2010.
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TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
SITES INDICADOS <http://www.palmares.gov.br> <http://www.cpisp.org.br> <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12398%3Aeducacaoquilombola-escolas&catid=321%3Aeducacao-quilombola&Itemid=684> <http://www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/154903Educacaoquilombola.pdf> <http://www.seppir.gov.br>
LEIS E DECRETOS: BRASIL. Congresso Nacional. 2012. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/ prop_mostrarintegra;jsessionid=664FD4AB2FD40F21D40726A0B4679E20.node1?codteor=1034821&fil ename=PL+4620/2012>. Acesso em: 31 mai. 2013. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 maio 2013. BRASIL. Decreto nº 4.886, de 20 de novembro de 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/decreto/2003/D4886.htm>. Acesso em: 15 maio 2013. BRASIL. Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.htm>. Acesso em: 15 maio 2013. BRASIL. Decreto nº 11.850, de 23 de novembro de 2009. Disponível em: <http://www.palmares.gov. br/wp-content/uploads/2010/11/legis12.pdf>. Acesso em: 15 maio 2013. BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, de 2007. Disponível em: <www.mec.gov.br/ secad/diversidade/ci>. Acesso em: 05 maio 2013. BRASIL. Instrução Normativa nº 57, de 20 de outubro de 2009. Disponível em: <http://www.palmares. gov.br/wp-content/uploads/2010/11/legis12.pdf>. Acesso em: 05 maio 2013. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96. Brasília: MEC, 1996. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: pluralidade cultural. Brasília: MEC/SEF, 1997. BRASIL. Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Brasília: MEC/SEF, 2003.
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AULA 4 - TERRITÓRIOS REMANESCENTES DE QUILOMBOS: HISTÓRIA, POLÍTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: pluralidade cultural. Brasília: MEC/SEF, 1997. BRASIL. Salto para o futuro: educação, currículo, relações raciais e cultura afro-brasileira. Brasília: MEC/SEF, 2006. BRASIL. Salto para o futuro: Educação Quilombola. Brasília: Ministério da Educação e Cultura/ Secretaria de Educação Fundamental, 2007. BRASIL. I Relatório Periódico Ouvidoria Nacional da Igualdade Racial. SEPPIR. 01 a 11/2011. BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola: algumas informações. Brasília: CNE, 2011. BOURDIEU, P. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio. Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 1998. CNE. Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola: algumas informações. Brasília, 2011. DisponíveL em: <http:// www.seppir.gov.br/destaques/Cartilha%20Quilombola-screen.pdf>. Acessível em: 30 maio 2013. CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Discursos e práticas racistas na educação infantil: A produção da submissão e do fracasso escolar. In: QUEIROZ, D. M. et al. Educação, Racismo e Antirracismo. Salvador: UFBA, 2000, p. 193-219.(Coleção Novos Toques – Programa A cor da Bahia). CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005. FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classe. 5. ed. São Paulo: Globo, 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 31. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. MUNANGA, Kabengele; GOMES, Nilma Lino. Para entender o negro no Brasil de hoje: história, realidades, problemas e caminhos. São Paulo: Global, 2004. (Coleção Viver Aprender).
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AULA 5 A educação de crianças em “situação de risco social e pessoal” Autora: Maria do Socorro da Costa e Almeida. Adaptação: Claudia Regina Vaz Torres e Tereza Cristina Pereira Carvalho Fagundes
V
Na aula anterior, refletimos sobre história, política e educação em territórios remanescentes de Quilombos e constatamos como é difícil o engajamento dos educadores e educandos nesse contexto. Educar não é fácil, muitos são os desafios a enfrentar! As reflexões desta aula exemplificam uma dessas problemáticas.
ocê conhece alguma experiência com crianças em Situação de Risco Social e Pessoal?
Pensar a Educação de Crianças em Situação de Risco Social e Pessoal envolve o pressuposto da diversidade de concepções em torno da categoria infância. Muitos estudiosos, historiadores, psicólogos e educadores já admitem que o entendimento sobre a infância não pode ser linear, e sim, antes de tudo, articulado às contribuições socialmente construídas nas dinâmicas históricas. Nesta aula estudaremos algumas abordagens que permitem compreender a complexidade dessa categoria, considerando as contribuições do Estatuto da Criança e do Adolescente, dos Referenciais Curriculares da Educação Infantil e de estudiosos que enriquecem o debate sobre a Educação e suas implicações para o atendimento aos socialmente excluídos.
TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
Para começar, vale destacar o tratamento conceitual que o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069/90 oferece à condição de criança e de adolescente (CHAVES, 1997). O documento reconhece especificidades e situações psicossociais diferenciadas que justificam um atendimento de “proteção integral” a esses sujeitos. Assim, enriqueça sua reflexão analisando os artigos a seguir. Art. 2.º - Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. Art. 3.º - A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (CHAVES, 1997).
Mas nem sempre se pensou assim. Houve um tempo em que criança era considerada um ser deformado, “um adulto pequeno”, frágil, dependente e improdutivo. Leia e pense sobre as contribuições a seguir.
CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA: BREVE CONTRIBUIÇÃO HISTÓRICA E SOCIAL Segundo os estudos de Philippe Ariès (1981 apud SEGUNDO, 2003), em sua obra clássica, “História Social da Família e da Criança”, só: [...] no início do século XVIII, a partir de análises iconográficas, verifica-se [...] a utilização e reservam-se às crianças determinados brinquedos, tais como, o cavalo de pau, o cata-vento, o pássaro preso por um cordão. Isso é significativo, pois, até então, os brinquedos eram comuns aos adultos e às crianças. A marionete de fantoches, por exemplo, divertia a ambos. Após um certo tempo, porém, o teatro de marionetes ficou reservado apenas às crianças.
Para Ariès, até o século XVIII, havia um tratamento da infância considerando-a uma extensão da condição adulta, na qual as mediações socioculturais não sofriam adequações para validar e respeitar as especificidades e necessidades inerentes aos sujeitos, do nascimento até a juventude. Por isso, seus estudos destacam a relevância do papel do colégio, implementado a partir do século XVIII para a estruturação de uma concepção social de infância. Dessa forma, o colégio é considerado: [...] importante para a consolidação do sentimento de infância. Evitavase, assim, com que a criança entrasse de imediato no mundo dos adultos, refletindo a sensibilização à fragilidade da infância e à necessidade da criança se desenvolver moral e intelectualmente (século XVII), na medida em que o ambiente escolar propiciaria o desenvolvimento de uma infância mais longa ao adotar medidas pedagógicas inovadoras tal como, a divisão das classes de alunos pelas suas idades. (SEGUNDO, 2003).
Assim, considerando os estudos de Rinaldo Segundo (2003), no texto “A invenção da infância: pressuposto para a compreensão do Direito da Criança e do Adolescente”, destacam-se mudanças sociais que influenciaram a construção do “sentimento de infância”, a saber:
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AULA 5 - A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS EM “SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL E PESSOAL”
Na sociedade do século XVIII, novos padrões de conduta seriam estabelecidos, tais como, saúde, educação e formação moral visando desenvolver um ambiente especificamente infantil, diverso daquele encontrado entre os adultos. O surgimento de sentimento de infância associa-se ao fortalecimento da família. Por certo, a partir do século XIII, a família conjugal (pai, mãe, filhos, avós), formada por poucos integrantes, se fortalece. Isso se deve, principalmente, ao surgimento de novas formas de economia monetária, ao ressurgimento das trocas comerciais, ao fortalecimento do poder real bem como à efetividade da segurança pública. Esse conjunto de fatores possibilitou o desenvolvimento de uma família composta de menos integrantes que podia voltar os seus olhos para as crianças. Desse modo, ao surgimento de uma família reduzida gera-se um sentimento de proteção, cuidado e atenção à criança. Por quê? A partir da família conjugal, os seus membros estariam voltados para si e não mais para um agrupamento maior: a linhagem. (SEGUNDO, 2003).
Historicamente são percebidas, pois, as contradições inerentes à construção do “sentimento” e, também, da “negação” da infância, visto que às famílias que não podiam gozar do referido sentimento restava introduzir precocemente seus descendentes na “vida adulta”, seja por meio do exército, do trabalho ou do casamento. Assim, desde a sua concepção, a noção de infância está associada a vivências seletivas e economicamente proibitivas e excludentes. E, no Brasil escravagista, esse processo se caracteriza com mais ênfase, pois, como Segundo (2003) registra em seus estudos: Era vedado à criança escrava ou filha de escravos o acesso à escola ou à saúde. [...] não lhes possibilitava o exercício do sentimento de infância. A entrada precoce da criança africana no mundo do trabalho contribuía para isso, já que a partir dos sete anos, as crianças escravas deveriam entrar no mundo dos adultos. A pedagogia colonial apregoava que entre os 04 e os 11 anos, a criança ia sendo moldada para o trabalho paulatinamente por atividades cotidianas.
Entretanto, Cecília Meireles, em suas produções como jornalista na publicação “Página de Educação”, na década de 30 do século XX, defendia que: [...] a criança pode ser vista como alguém que deve ser respeitado como um outro em sua alteridade, no que é capaz de produzir como cultura. É a existência de um ser no mundo. A educadora defendia a idéia de uma infância que pensa e, portanto, precisa ser ouvida e orientada com coerência e confiança.1
Já o conteúdo do documento Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006) reconhece a criança como: [...] um sujeito social e histórico que está inserido em uma sociedade na qual partilha de uma determinada cultura. É profundamente marcada pelo meio social em que se desenvolve, mas também contribui com ele (BRASIL, 1994a). A criança, assim, não é uma abstração, mas um ser produtor e produto da história e da cultura. (FARIA, 1999). (BRASIL, 2006, p. 13).
Assim: 1. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/trabalho/GT02-1700--Int.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2013. 65
TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
[...] os novos paradigmas englobam e transcendem a história, a antropologia, a sociologia e a própria psicologia resultando em uma perspectiva que define a criança como ser competente para interagir e produzir cultura no meio em que se encontra. (BRASIL, 2006, p. 13).
Logo, a complexidade e as contradições dessa dinâmica conceitual se refletem no tratamento conferido à criança no Brasil contemporâneo, assim como na forma de conceber suas necessidades, ajudando na análise das consequências das fortes marcas de exclusão que escapam ao exercício de proteção prevista na Lei n. 8.069/90.
INFÂNCIA E SOCIEDADE: IMPLICAÇÕES DA INVISIBILIDADE SOCIAL Na década de 90 do século XX, no Brasil, a sociedade organizada considerou que a publicação de uma lei que protegesse as crianças e os adolescentes garantiria ferramentas e estratégias para preservar as novas gerações, assim como a aplicação de sanções aos que a elas desrespeitasse. Entretanto, mesmo com a publicação da lei, o surgimento do fenômeno “crianças em situação de risco social e pessoal” se deu de forma muito acentuada, desafiando os limites de uma sociedade em revisão de valores morais e de modelos sociopolíticos autoritários e segregacionistas.
Como compreender crianças em “situação de risco social e pessoal”?
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Boy_begging_in_Agra.jpg.
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AULA 5 - A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS EM “SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL E PESSOAL”
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Child_at_a_MSF_camp_in_Chad.jpg.
O que dizer das imagens apresentadas, tendo em vista que o Art. 7.º da Lei n. 8.069/90 prevê que: A criança e o adolescente têm direitos à proteção, à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. (BRASIL, 1990).
As imagens representam crianças que têm assegurados seus direitos? Não é bem isso que delas se pode depreender! Trata-se de um contexto que reflete a existência de “crianças e adolescentes em situação de risco social e pessoal” — meninos ou meninas que estão desprotegidos, vulneráveis e expostos a vários tipos de violência simbólica, física e psicológica. A pesquisa denominada “Crianças em situação de risco social: limites e necessidades da atuação do profissional de saúde”, realizada em São Paulo em 20042, corrobora esses atributos, visto que obteve como elementos constituintes do perfil de “situação de risco” aspectos tais como: [...] condição de [...] moradia [...] precárias, ambientes insalubres, morar em favelas, cortiços, viadutos ou mesmo na rua ou ainda não ter uma moradia fixa. A exclusão social ou as más condições de vida são ainda descritas com muitas referências a privações como falta de escola, falta de alimentação adequada (fome, desnutrição), além da falta de lazer e cultura, vestuário, assistência médica ou medicação e segurança.
Dessa forma, são consideradas crianças em situação de risco pessoal e social todas aquelas que: [...] quando comparadas à média de crianças de sua idade, não se encontram em condições adequadas para desenvolver-se física, emocional e/ou psicossocialmente. (HAWKINS, 1986 apud SILVA et.al, 1998).
Muitas implicações são detectadas pelos estudos recentes nessa área e, entre elas, pode-se assinalar: [...] a miséria econômica oriunda de fatores políticos e sociais que operam num nível macrossistêmico ecológico pode afetar o desenvolvimento da criança quando conduz à miséria afetiva. (CECCONELLO; KOLLER, 2007, p. 73). 2. Disponível em: <http://www.projetoquixote.epm.br/publicacao.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2013. 67
TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
Assim, como vítimas da violência social, crianças e adolescentes poderão se tornar, também, seus porta-vozes, exibindo suas marcas e ameaçando a sociedade covarde e indiferente que os ignora. Por conta desse complexo cenário, vale a pena pensar e cantar os versos de Lulu Santos3 no poema musical “A cura”.
A CURA Lulu Santos “Existirá, em todo porto tremulará (se hasteará) A velha bandeira da vida Acenderá todo farol iluminará Uma ponta de esperança E se virá, será quando menos se esperar Da onde ninguém imagina Demolirá, toda certeza vã, não sobrará Pedra sobre pedra Enquanto isso não nos custa insistir Na questão do desejo, não deixar se extinguir Desafiando de vez a noção Na qual se crê que o inferno é aqui Existirá E toda raça então experimentará Para todo mal a cura.”
INFÂNCIA COMO INVESTIMENTO E RESPONSABILIDADE SOCIAL Sobre o compromisso de cada sujeito na sociedade no processo de construção da cidadania, o jornalista Gilberto Dimenstein preconiza, em sua obra “O cidadão de papel: a infância, a adolescência e os direitos humanos no Brasil” - destacada por sua importância no site de resenhas da editora Ática - , que: Não se pode evitar, porém, [...] pensar qual o seu papel num país de cidadãos de papel. De um lado, ele é vítima, sofrendo as conseqüências de uma sociedade desigual, mas é também agente das mudanças. (DIMENSTEIN, 2007).
A obra mencionada foi publicada por Dimenstein, em 1993, mas ainda continua atual, tendo em vista que os desafios para o tratamento inclusivo da infância, conferindo-lhe prioridade no atendimento de suas necessidades e nas garantias referentes à sua proteção, ainda não são contemplados eficazmente pelas políticas públicas.
3. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/lulu-santos/a-cura.html>. Acesso em: 30 abr. 2013. 68
AULA 5 - A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS EM “SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL E PESSOAL”
A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS SOCIALMENTE EM RISCO Os “Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil” (BRASIL, 2006, p. 18) apresentam, como pressupostos para a Educação de Todas as Crianças, desde o nascimento, que sejam: » » cidadãos de direitos; » » indivíduos únicos, singulares; » » seres sociais e históricos; » » seres competentes, produtores de cultura; » » indivíduos humanos, parte da natureza animal, vegetal e mineral. Para que isso aconteça, a Educação para “Crianças em Risco Social e Pessoal” precisa garantir resgates afirmativos que promovam sua inclusão cidadã no mundo das trocas simbólicas e polifônicas, mediadas por propostas didáticas que incentivem as crianças a: » » vivenciar sentimentos e pensamentos; » » desenvolver a imaginação, a curiosidade e a capacidade de comunicação; » » respeitar o mundo natural; » » brincar; » » experimentar a “Cultura da Paz”; » » superar processos de abandono familiar e de vitimização social; » » construir resiliência diante das ações sociais de intolerância; » » adotar uma atitude de enfrentamento nos contextos de dominação, de violência, de silenciamento e de atração para práticas sociais marginalizantes e ilícitas. Nesse contexto, surge a figura do “Educador Social”, desenvolvendo práxis pedagógicas que extrapolam o lócus da sala de aula. Esse educador faz as intervenções didáticas e as mediações no contexto de ruas, praças, semáforos e espaços públicos nos quais crianças e adolescentes, expostos à violência e sobreviventes às dinâmicas de exclusão socioeconômica, criam estratégias lícitas e ilícitas de desenvolvimento de atividades produtivas, lúdicas, de acolhimento, trocas sensíveis, expressão da liberdade, como também ações de mútua proteção e de iniciação ao crime, ao uso de drogas e à prática da violência generalizada.
CARACTERÍSTICAS E DESAFIOS DA ATUAÇÃO PEDAGÓGICA DO “EDUCADOR SOCIAL” As ações implementadas na conduta pedagógica de educação no contexto da rua envolvem algumas estratégias didáticas de embasamento dialógico, crítico e participativo. São considerados procedimentos de educação social: » » observação; » » história de vida; » » dinâmicas de arte-educação; 69
TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
» » entrevistas; » » grupo focal. Faz-se necessário salientar que os procedimentos são utilizados para o desenvolvimento de condições de aproximação entre educador e educando no lócus da rua, não cabendo, assim, dispositivos ortodoxos que são utilizados em sala de aula no processo de educação formal. Desse modo, os conteúdos enfocados também são marcados por especificidades, pois sua ênfase não é cumulativa, mas sim qualitativa e agregadora, destacando dimensões como: » » autoconhecimento; » » direitos da criança e do adolescente; » » características e aprendizagens oriundas da vivência na rua; » » projeto de vida; » » cidadania; » » papel das instituições sociais: família, igreja, polícia. Com esses pressupostos, um dos grandes desafios da educação de “sujeitos em situação de risco pessoal e social” consiste em oportunizar condições para a superação da marginalização da qual são vítimas, revisitando sua relação de autoestima, contato com a família, crença nas suas próprias potencialidades emancipatórias e desconstrução das representações negativas elaboradas acerca das instituições, por exemplo, sobre a escola. Nesse sentido, o trabalho do “Educador Social” revela-se como muito importante por envolver aspectos que transcendem as atribuições didáticas convencionais. São outros desafios, paradigmas e conteúdos. A prioridade dessa abordagem pedagógica consiste na inclusão social desses sujeitos com vistas à apropriação de leituras de mundo que viabilizem a apreensão de valores, de conteúdos socioculturais, artísticos e científicos. E, sobretudo, o principal objetivo desse processo se expressa pela viabilização de mudança de atitude frente ao mundo, pela construção, como sujeitos, de uma opção pela vida. Assim, as propostas pedagógicas para emancipação dos sujeitos, crianças e adolescentes, submetidos à vitimização social intra ou extrafamiliar, com vivência de “situação de rua”, precisam envolver pressupostos de valores que ativem condições para a conquista de:
Fonte: UNIFACS EAD.
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AULA 5 - A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS EM “SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL E PESSOAL”
Entender crianças e adolescentes, numa perspectiva de justiça social, implica vê-los como investimento, por isso, é preciso considerar, no enfrentamento, que: Se são altos os muros da prisão, mais alto é o céu. (Do filme “A caminho de Kandaar”4)
SÍNTESE Nesta aula, contextualizamos a educação de crianças e adolescentes em “situação de risco pessoal e social” como uma necessidade e um desafio possível de ser vencido pelos educadores.
QUESTÃO PARA REFLEXÃO Qual o papel do educador nas experiências de trabalho com crianças e adolescentes em situação de risco social e pessoal?
LEITURAS INDICADAS ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Tradução de Dora Flaksman. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. CHAVES, Antônio. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. 2. ed. São Paulo: LTR, 1997. DEL PRIORE, Mary. O cotidiano da criança livre no Brasil entre a Colônia e o Império. In: DEL PRIORE, Mary (Org.). História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000. RIZZINI, Irma. Pequenos trabalhadores do Brasil. In: DEL PRIORE, Mary (Org.). História das crianças no Brasil. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2000.
SITES INDICADOS Para aprofundar seus estudos e conhecer mais experiências de educação de “crianças e adolescentes em situação de risco social e pessoal”, visite o site do Projeto Axé - http://www.projetoaxe.org. br - e assista ao vídeo “Projeto Axé 1 - TV Cultura 1994”, disponível em: http://www.youtube.com/ watch?v=xJoAuDoVMdI. Aprecie, também, um exemplo de experiência bem-sucedida em educação de pessoas socialmente excluídas: Sensibilizar o poder público e a sociedade para a questão da criança em situação de rua é um dos focos do Se Essa Rua Fosse Minha, do Rio de Janeiro (RJ). Criado há quinze anos por Herbert de Souza (Betinho) e quatro organizações não governamentais, o projeto busca também se aproximar de crianças e jovens por meio da abordagem de rua. O objetivo é fornecer, através da arte-educação, subsídios para que eles encontrem outras estratégias de so4. Disponível em: <http://www.uff.br/trabalhonecessario/Maria%20Ciavatta%20TN4.htm>. Acesso em: 30 abr. 2013. 71
TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
brevivência. “Mapeamos as necessidades e potencialidades de cada criança, para ajudá-la a sair das ruas”, conta Claudio Barria, coordenador de projetos da ONG. Fonte: http://www.slideshare.net/zapa360/histrico-campanha-e-ao-nacional.
REFERÊNCIAS ALMEIDA, Maria do Socorro da Costa e. Meninos e meninas de rua: um estudo sobre suas representações sobre a escola e o trabalho. 1996. Dissertação (Mestrado)- Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1996. ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Tradução de Dora Flaksman. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 30 abr. 2013. ______. Parâmetros Nacionais de Qualidade para Educação Infantil. Brasília, DF: MEC, 2006. v. 1. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Educinf/paraqualvol2.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2013. CECCONELLO, Alessandra Marques; KOLLER, Sílvia Helena. Competência social e empatia: um estudo sobre resiliência com crianças em situação de pobreza. Estudos de Psicologia, v. 5, n. 1, p.71-93, 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/epsic/v5n1/a05v05n1.pdf>. Acesso em: 13 maio 2013. CHAVES, Antônio. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. 2. ed. São Paulo: LTR, 1997. DIMENSTEIN, Gilberto. O cidadão de papel: a infância, a adolescência e os direitos humanos no Brasil. 23. ed. São Paulo: Ática, 2007. Disponível em: <http://www.fecra.edu.br/admin/arquivos/O_ Cidadao_de__Papel.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2013. SEGUNDO, Rinaldo. A invenção da infância: pressuposto para a compreensão do Direito da Criança e do Adolescente. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 178, 31 dez. 2003. Disponível em: <http://jus.com. br/revista/texto/4542/a-invencao-da-infancia>. Acesso em: 30 abr. 2013. SILVA, Aline Santos et al. Crianças em situação de rua de Porto Alegre: um estudo descritivo. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre, v. 11, n. 3, 1998. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0102-79721998000300005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 13 maio 2013.
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AULA 6 Sexualidade, gênero e diversidade na escola Autora: Tereza Cristina Pereira Carvalho Fagundes
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Sim a dar nome ao mundo com novas vozes, sim a desejar em primeira pessoa, sim a criar. Vim para somar-me a um sim que soe forte, que chegue a todas e todos, que nos comova. Sim a uma educação por uma sexualidade livre. Sim, porque nossa liberdade é, em essência, uma afirmação. (Dra. Marcela Lagarde)
ando continuidade às reflexões iniciadas com o estudo de temas específicos de educação, abordaremos, nesta aula, três dos mais controversos temas, tanto para a formação de educadores, quanto para o exercício docente, com a inspiração nos ‘SIM’ da Dra. Marcela Lagarde, mexicana, doutora em Antropologia, professora e pesquisadora da condição da mulher, que como nós, prefere ter como lema aspectos positivos da VIDA. Com fé!
TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
SEXUALIDADE, GÊNERO E DIVERSIDADE — REVENDO CONCEITOS E CONCEPÇÕES Educação, sexualidade, gênero e diversidade constituem debates dos mais intensos, dada a premência de mudanças que se fazem necessárias à construção contínua de uma sociedade regida pelos preceitos constitucionais de igualdade e universalidade dos direitos, bem como a sua ampliação a todas as pessoas indistintamente. Evidentemente, as discussões sobre diversidade são mais recentes porque surgem como tema da agenda pública do governo federal correspondente à gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e da sua continuação no atual governo da presidente Dilma Rousseff. Democracia e diversidade são termos que convergem. Como analisa Edgar Morin (2011, p. 95): “A democracia supõe e nutre a diversidade dos interesses, assim como a diversidade das ideias”. Sob um aspecto político, a heterogeneidade, ou diversidade, no espaço democrático, deve ser não apenas considerada, mas também reconhecida, sobretudo, a partir de um ângulo sociológico que torna evidentes os mecanismos pelos quais a diversidade se constitui em campo para hierarquizações, exclusões e violações dos direitos humanos em função de características físicas, sociais, intelectuais, étnico-raciais, sexuais, territoriais etc. Morin (2011, p. 95), ressaltando esse imbricamento entre diversidade e democracia, declara que: O respeito à diversidade significa que a democracia não pode ser identificada como a ditadora da maioria sobre a minoria; deve comportar o direito das minorias e dos contestadores à existência e à expressão e deve permitir a expressão das ideias heréticas e desviantes. Do mesmo modo que é preciso proteger a diversidade de ideias e opiniões para salvaguardar a biosfera [...].
Pois bem, com base em tais considerações, é possível conjugar não somente diversidade e democracia, mas também sexualidade. O reconhecimento da diversidade humana, e dentro desta a diversidade sexual, deve se dar em contexto de respeito e justiça, posto que a invisibilidade e a negação de direitos e de status de parceiros plenos na interação social, simplesmente como uma consequência de não se adequarem aos padrões culturais hegemônicos, são injustas, pois impõem a esse indivíduo ou grupos a subordinação a uma forma de ser institucionalizada. Todos nós, educadores, temos que compreender que as pessoas são agentes livres e constituem um campo de possibilidades, também de responsabilidades, sobretudo quando se vislumbra serem construtoras de suas próprias vidas. Ao levarmos em consideração esse tema polêmico, queremos chamar a atenção dos educadores para uma postura ética de respeito e de diálogo, de abertura subjetiva ao diferente, e mesmo de cuidado para atitudes que não se traduzam em discriminação. Sobretudo porque, como autoridades em sala de aula, podem utilizar o poder para silenciar, para violar a liberdade e impor tratamentos que vão de encontro ao valor inerente ao ser humano como pessoa, em razão de preconceitos enraizados e não revisitados, não expostos à crítica e à argumentação lógica e racional, bem como da pouca informação ou medo de se aproximar do diferente. A escola é espaço de produção de saberes, mas é, também, um espaço de reprodução social. Construímos e transmitimos conhecimentos, experiências e valores. 74
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Que tipo de pessoas queremos formar? Sujeitos intolerantes, pouco receptivos ao diálogo? Que posturas nos cabem como educadores? Mesmo considerando que temos múltiplas sexualidades, a exemplo das múltiplas identidades, precisamos ter claro de quais sexualidades falamos ao abordamos a questão de trabalho pedagógico efetivo, quer seja em instâncias educativas escolares, quer seja em não escolares. Por muito tempo nos acomodamos com o entendimento de que: A sexualidade é elemento constitutivo da pessoa, é a dimensão e expressão da personalidade. Por ser um atributo inerente à pessoa humana, manifesta-se independente de qualquer ensinamento. Mas, para ser compreendida, é preciso considerar o ser pessoa como todo, pois a sexualidade é parte integrante e intercomunicante da pessoa consigo mesma e com o outro. (FAGUNDES, 2008, p. 93).
Sabemos, contudo, que muitas são as formas de se conceituar sexualidade que pressupõe a complexidade da pessoa humana e compreende desde o biológico até as relações interpessoais que a inserem no meio cultural e refletem a dimensão histórica vivida por mulheres e por homens em diferentes épocas, espaços geográficos e culturas. Para melhor entender o conceito de sexualidade, lembramos que ele traz consigo a ideia de diferenças e de desigualdades; formas de expressão que se relacionam ao conceito de gênero e também às relações de classe, de raça e de geração que são desiguais, reproduzem-se, mantêm-se e imbricam-se na constituição do sujeito sexuado. Dessa forma: [...] características do comportamento sexual de mulheres e de homens, de crianças, de jovens, de adultos e de idosos, bem como de pessoas de diferentes classes sociais, variam; são diferentes no tempo e no espaço, ou seja, se expressam com particularidades nas diversas sociedades. (FAGUNDES, 2009, p. 8).
Incorporando reflexões de Foucault (1984) sobre a temática, ampliamos o conceito de sexualidade como um dispositivo de poder em vigor na sociedade ocidental. Para Foucault (1984, p. 10), a análise da sexualidade requer a disposição de instrumentos que possam analisar seus eixos constitutivos: [...] a formação de saberes a que ele se refere, os sistemas de poder que regulam suas práticas e a forma pela qual os indivíduos podem e devem se reconhecer como sujeitos dessa sexualidade [...].
Esses processos se fazem presentes nas práticas sociais e educativas escolares e promovem a sexualidade a um patamar para além dos pressupostos biologizantes ou com ênfase na psicologia. Isso posto, transcendendo o orgânico e o psicológico, reconhecemos a necessidade de abordar a sexualidade na escola relacionada à pluralidade de perspectivas possíveis à sua concepção, entendimento e vivências, enfocando os direitos que afirmam a dignidade da pessoa, regidos pelos princípios da igualdade em oposição à desigualdade, do acolhimento e não da discriminação, de respeito às diferenças, da valorização das singularidades individuais e sociais, principalmente da equidade entre os gêneros. Gênero foi definido por Joan Scott (1991, p. 14), como o “[...] elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos”.
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Do núcleo essencial dessa definição, depreendemos que esta se baseia na conexão integral entre duas proposições: ser constitutivo de relações sociais e ser, também, uma forma de significar relações de poder. Os gêneros também concretizam uma ideologia; ao mesmo tempo que são constituídos pela sociedade, o masculino e o feminino, em conjunto, a constituem. Gênero também pode ser visto como uma questão social, uma questão política e, dessa forma, como tal, diz respeito a todas as pessoas, assim como se entende a sexualidade humana. Nesse contexto, admitimos que as relações sociais de gênero desempenham papel fundamental na construção das identidades feminina e masculina, na perspectiva culturalista que pressupõe as identidades como resultantes das aprendizagens advindas das vivências com os outros (SCOTT, 1991). Preocupações quanto às diversas manifestações de sexualidade, homossexualidades, identidades e expressões de gênero são frequentes nos últimos anos em todas as instâncias educacionais. Desencadearam, inclusive, a definição de políticas públicas para a Educação no Brasil. No livro de “Formação de professoras/es em gênero, orientação sexual e relações étnico-raciais”, do Centro de Estudos e Pesquisa em Saúde Coletiva do Rio de Janeiro, encontramos a análise de Carrara (2009, p. 13) para quem: Trabalhar simultaneamente a problemática de gênero, da diversidade sexual e das relações étnico-raciais, ou seja, abordar em conjunto a misoginia, a homofobia e o racismo não é apenas uma proposta absolutamente ousada, mas oportuna e necessária.
Tomando a perspectiva da diversidade no campo da sexualidade, é possível notar que a escola, como um espaço que, a priori, pode se constituir como reprodutor de ideias e valores vigentes numa determinada sociedade, tem estado, inadvertidamente ou mesmo com tal propósito: [...] empenhada em garantir que seus meninos e meninas se tornem homens e mulheres verdadeiros, o que significa dizer, homens e mulheres que correspondam às formas hegemônicas de masculinidade e feminilidade. (LOURO, 2000, p. 41).
Assim, em um contexto que deveria se aprimorar na promoção da igualdade e do respeito às diferenças, encontram-se, no meio escolar, os mesmos discursos repressores, fundados na heteronormatividade, que reproduzem expectativas sociais características das lógicas do espaço doméstico, em que os papéis de gênero e o exercício da sexualidade são compreendidos como estáticos, definidos biologicamente e, portanto, previsíveis, dentro desta mesma lógica.
ESTRATÉGIAS DE AÇÃO NA ESCOLA Eliminar estereótipos nas práticas pedagógicas deve ser o elemento fundante das estratégias de ação por uma educação não discriminadora que respeite as sexualidades, as relações de gênero e a diversidade1.
1. O dia 21 de junho foi instituído como Dia Internacional de Luta por uma Educação Não Sexista ou Dia de Luta por uma Educação Não Sexista e sem Discriminação. 76
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Corroborando a concepção de ser a educação um “agente de mudança” em que meninas e meninos, mulheres e homens sejam compreendidos como cidadãos de direitos, é preciso repensar os valores hegemônicos e as relações de poder norteadoras de uma edificação de escolas para poucos. Como analisam Costa, Rodrigues e Vanin (2008, p. 9): A escola deve ser espaço que promova a transformação, a mudança e favoreça assim a construção de indivíduos críticos, conscientes e democráticos. Para isso, ela deve rever as práticas e representações que são veiculadas e que legitimam não a construção de uma sociedade democrática, baseada na equidade, mas a perpetuação e cristalização de valores sexista, racista e que legitimam e justificam, muitas vezes, práticas de exclusão, de diferenciação, de violências [...].
A questão das desigualdades de diferentes matizes vem mobilizando setores da sociedade civil e atingindo as esferas governamentais, nos últimos anos no Brasil. Segundo Lima e Souza (2008, p. 61), o II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, de 2008, consolidou a proposta de: [...] redução da desigualdade de gênero e o enfrentamento do preconceito e da discriminação de gênero, étnico-racial, religiosa, geracional, por orientação sexual e identidade de gênero, por meio da formação de gestores/as, profissionais da educação e estudantes em todos os níveis e modalidades de ensino.
Para a autora, resoluções dessa natureza refletem a preocupação de diferentes setores da sociedade civil e de órgãos oficiais quanto à inserção das mulheres no mundo da Ciência e Tecnologia, que passam necessariamente por uma educação formal e informal igualitária quanto ao gênero, mas com consciência de gênero. As ações educativas de reconhecimento à diversidade encontram respaldo em vários documentos legais, por exemplo:
Constituição Federal (BRASIL, 1988). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996). Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997/1998). Programa Nacional de Direitos Humanos II (BRASIL, 2002). Programa Brasil sem Homofobia (BRASIL, 2004). Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2007).
Pacto de Enfrentamento da Violência contra a Mulher (BRASIL, 2007).
Como sugestão para que possamos avaliar o quanto estamos dispostas/os a desenvolver ações educativas na área, faça esse exercício de autoavaliação muito pertinente aos processos de formação de educadores na perspectiva de uma educação para a equidade de gênero, também conhecida como “não sexista”, elaborada por Weller (1993 apud COSTA; SARDENBERG, PASSOS, 1999, p. 21-22):
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QUESTIONAMENTOS Encorajo as meninas a não esconder suas capacidades? Tenho a expectativa de que todos/as alunos/as explorem as várias opções de engajamento profissional? Encorajo todos/as alunos/as, inclusive as meninas grávidas, a não abandonar os estudos? Acho que as meninas, assim como os meninos, podem desenvolver habilidades de liderança? Oriento meninas e meninos a desenvolver habilidades, tanto para escutar, como para falar? Incentivo meninas e meninos a praticar esportes, mas respeito os/as que não gostam de práticas esportivas? Estou atento/a ao fato de que muitas/os meninas/os têm uma imagem negativa do próprio corpo? Compreendo que o preconceito de gênero é um dos problemas da sociedade, e não do indivíduo? Aceito críticas construtivas a respeito do meu comportamento em relação ao gênero? Quando os/ alunos/ fazem piadas sexistas ou racistas, explico por que não são corretas? Incentivo tanto os meninos quanto as meninas a desenvolver habilidades para falar em público e agir como líderes na escola? Peço aos meninos e às meninas para realizar tarefas em sala de aula, tais como abrir janelas, decorar as paredes ou operar um equipamento? Intervenho quando as meninas, ao trabalhar em grupo com os meninos, são relegadas a cargos estereotipados (como secretárias, por exemplo)? Reforço nos meninos e nas meninas os sistemas de valores e de justiça? Tento reverter os estereótipos de gênero? Chamo atenção para o fato de que meninos e meninas não formam grupos heterogêneos? Desencorajo toda e qualquer violência praticada contra mulheres e homens? Intervenho contra qualquer comportamento de perseguição social? Procuro não fazer comentários racistas e sexistas? A decoração da minha sala de aula reflete as contribuições feitas à sociedade por homens e por mulheres? Convido mulheres e homens a realizar palestras aos/as alunos/as? O trabalho dos/as alunos/as em sala de aula é cooperativo? Faço as mesmas perguntas aos/às meninos/as? Uso o mesmo tom de voz com as meninas e com os meninos? Desencorajo a competição grupal entre as meninas e os meninos? Destaco os sucessos de mulheres e meninas, assim como os de homens e meninos? Reflito sobre o fato de que metade da população do mundo é feminina? Propicio oportunidades de práticas esportivas para meninas e para meninos em igualdade de condições? Incentivo igualmente o envolvimento de meninas e meninos em atividades de ciências e matemática? Tento elevar a consciência de meus/minhas colegas sobre os preconceitos de gênero?
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SIM
ÀS VEZES
NÃO
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Com base nas respostas aos questionamentos apresentados, é possível se obter um diagnóstico sobre crenças, valores e representações sobre sexo/sexualidade/gênero que cada um de nós traz para a escola e que, de modo consciente ou não, impregna as práticas educativas que realizamos. Educadores, como atores sociais, trazem para as suas condutas diárias suas trajetórias individuais e socioculturais, daí o risco de “contaminação” dessas condutas com toda a história de repressão e de preconceito que caracteriza a sociedade. No entanto, uma prática reflexiva e democrática pode redirecionar os comportamentos e atitudes, de modo a permitir a superação desses condicionamentos que comprometem a educação para a diversidade. Dessa forma, dinâmicas como a que acabamos de propor permitem repensar nossas práticas, muitas vezes inconscientemente discriminadoras e, mais do que tudo, à tomada de decisão de mudá-las para que nosso exercício profissional promova a mudança de posturas repressoras e mantenedoras de assimetrias de gênero e de desrespeito às diferenças.
OFICINAS — SIGNIFICADOS E CARACTERÍSTICAS2 As oficinas são ações educativas em que o trabalho dos educadores não se restringe ao plano intelectual ou cognitivo, que prevê informações e conhecimentos; envolvem principalmente mudança de comportamentos, atitudes e valores. As oficinas servem para diagnosticar a prática - o que as pessoas pensam, o que sentem, o que vivem, o que desejam. Servem para desenvolver um caminho de teorização sobre esta prática como processo sistemático, ordenado e progressivo e para retornar à prática, transformá-la, redimensionála. Também visam à inclusão de novos elementos que permitem explicar e entender os processos vividos pelas pessoas que delas participam. As oficinas concretizam uma metodologia participativa em que os educandos não são receptores passivos, pelo contrário, têm uma ação efetiva em seu próprio processo de aprendizagem ao terem seus conhecimentos e experiências valorizados e serem estimulados a se envolverem na discussão, identificação e busca de soluções para os problemas levantados pelo próprio grupo e com os quais terão de lidar ao se tornarem educadores. A metodologia das oficinas tem como base os princípios, teorias e técnicas ou dinâmicas de grupo, que surgiram em decorrência da Teoria de Campo de Kurt Lewin (1948), os estudos de Cartwright e Zander (1975 e 1967) e de Pichon-Rivière (1988). Encontrou ressonância em vários educadores brasileiros como Agostinho Minicucci (2001 e 2002), cujas publicações dão suporte a muitas ações educativas como as Oficinas. O grupo é a instância que estabelece a ligação entre o individual e o coletivo. No contexto grupal, as técnicas participativas geram um processo de aprendizagem libertador porque permitem desenvolver um processo coletivo de discussão e reflexão, ampliar os conhecimentos individuais, coletivos, enriquecendo seu potencial e conhecimento e possibilitar a criação, formação, transformação e saberes em que os participantes são sujeitos de sua elaboração e execução. 2. Texto originalmente publicado em: FAGUNDES, T. C. P. C.; BARBOSA, M. P. M. Oficinas sobre sexualidade e gênero. Salvador: Helvécia. 2007. p. 17-21. 79
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Uma dinâmica por si mesma não é formativa nem tem sempre um caráter pedagógico. Para que se constitua em ação educativa e libertadora na perspectiva freiriana, deve pontuar temas específicos e ser adequada aos objetivos e expectativas dos participantes (FREIRE, 1996). É comum a nomeação do educador que conduz as oficinas de facilitador, moderador, animador e até mesmo, multiplicador. A nossa concepção do processo, entretanto, nos conduziu a optar pela nomenclatura de educador, compreendendo os dois gêneros: feminino e masculino, por ser mais abrangente e adequado à complexidade do processo educativo condizente com a metodologia das oficinas. Para realizar as dinâmicas de grupo nas oficinas, é conveniente a observância de uma série de condições entre as quais se situam: o preparo do ambiente físico, o acolhimento afetivo, a postura física receptiva, o senso de observação, a escuta sensível e a observância de normas de convivência. Quanto ao ambiente físico, é importante escolher bem o local onde será realizada a oficina. Ele deve ser preparado de acordo com os objetivos e o grupo, para que possibilite o desenvolvimento das atividades (amplo, aberto, pequeno, fechado, claro, escuro, coberto etc.), e de tal forma que as pessoas consigam se sentir bem para realizar o que for proposto. Os espaços transmitem várias mensagens para as pessoas que neles se encontram; mensagens que podem ser de acolhimento ou de afastamento, de disponibilidade ou de desinteresse, de tranquilidade ou de agitação. O espaço das oficinas precisa, pois, se constituir num elemento que facilite, e não dificulte a expressão dos sentimentos dos participantes, por isso a preparação desse ambiente é função do educador. Sentados e em cadeiras, carteiras escolares ou no chão, o mais importante é que o educador possa ver a todos, simultaneamente, e que cada participante também possa ver a todos e por todos ser visto. Para tanto, a disposição dos participantes em círculo tem sido a maneira que mais atende a essas condições. Privacidade e concentração são critérios inerentes à dinâmica das oficinas. Sua realização em ambiente tranquilo, livre de estimulação externa e restrito ao grupo participante são, também, condições que conduzem ao alcance dos objetivos. Importante também é a forma pela qual os participantes são acolhidos. Propiciar um acolhimento afetivo é favorecer o preparo emocional para que os participantes das oficinas sintam-se descontraídos, seguros e confiantes para “se entregarem” ao processo. Embora saibamos que o ser educador inclui, necessariamente, estar apto a acolher o outro, ressaltamos algumas ações a serem praticadas, em especial, quando se trata de um grupo participante de oficinas: cumprimentar cada um, calorosamente, através de contato físico, porque um abraço verdadeiro vale mais do que “mil palavras”; dirigir-se a cada participante chamando-o pelo nome e tecer comentários sobre o que estão vivendo no momento ou qualquer mudança em sua aparência física, tais como: “você está gostando do seu dia?”, “o que andou fazendo no fim de semana?”, “está de roupa nova, hein?”, “bonito o seu cabelo!” etc. Nas oficinas o clima precisa ser de debate e troca de experiência, em que o educador deve facilitar as ações pedagógicas, despertar a motivação dos participantes e esclarecer o valor da experiência. Para transmitir mensagens corporais de disponibilidade e interesse pelos participantes de um grupo de oficinas, há uma série de comportamentos e atitudes que podem ser assumidos pelo educador. 80
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Dentre esses indicadores, evidenciamos a necessidade de manter contato físico com todos, tocandoos quando necessário, ficar sempre de frente ao falar e ao ouvir, inclinar o corpo quando estiver em contato com o outro, manter constante contato visual (lembrar de olhar para cada participante do grupo durante o desenvolvimento das atividades), concentrar-se nas tarefas que desenvolve e manter-se na mesma altura (em pé, sentado) dos demais participantes. Ter, enfim, uma postura física receptiva. Outro aspecto fundamental é ter senso de observação. É bastante útil saber observar cada participante durante as oficinas, buscando identificar outros sentimentos e expectativas além daqueles que estão sendo expressos verbalmente. Temos consciência de que nem sempre as mensagens mais importantes são as não verbais. Muitas vezes é o corpo e, em especial, sua expressão fisionômica, que mais traduz os sentimentos de uma pessoa. Dependendo do nível de proximidade atingido com os participantes, podemos partilhar com eles como estamos, captando suas percepções, tristezas e, até mesmo, raivas, ou podemos “arquivar” o que observamos no intuito de compreendê-los melhor sem levá-los ao confronto com sentimentos que eles ainda não querem revelar/ partilhar. Da observação faz parte estar apto a escutar de forma integral cada participante, captando todas as suas palavras. Para tanto se faz necessário acreditar no outro – se o que ele diz não corresponde à realidade objetiva, corresponde à verdade subjetiva, pode traduzir não o que ele vive objetivamente, mas o que vive subjetivamente ou o que gostaria de viver e que precisa ser entendido pelo educador. É preciso, também, prestar atenção aos temas comuns, abordados com mais frequência – são sinalizadores de uma continuidade de ações que objetivem um melhor entendimento e consequente satisfação. Escutar de forma sensível é, também, captar as mensagens implícitas nas “falas” dos participantes, escondidas em verbalizações explícitas, saber ficar calado quando o outro fala, não interromper com comentários ou perguntas em excesso e evitar censuras ou julgamentos sobre o que é falado/ expressado pelos participantes. É imprescindível, ainda, observar “normas” de convivência, porque tudo o que acontece durante uma oficina deve ser “guardado” nas mentes e no coração de quem dela participa; tudo é confidencial. Ser discreto, sensato, confiável, reservado em palavras e em atos, saber guardar segredo, usar de franqueza, sinceridade e honestidade são “qualidades” indispensáveis ao educador sexual. Outra norma consiste em expressar posicionamento pessoal. Para uma boa integração e crescimento do grupo é preciso que cada um compartilhe sentimentos e opiniões; que possa expressar o que pensa e o que sente. Cabe ao educador garantir o direito de discordância do outro sem julgamentos e acusações e garantir o anonimato. Neste sentido, dúvidas e posicionamentos podem ser feitos sem identificação, através de uma “caixa de perguntas”, por exemplo, que, ao ser utilizada pelo educador, possibilitará o esclarecimento para quem nela insere questionamentos e para os outros participantes do processo. É preciso respeitar o espaço e o tempo do outro, conscientizar-se de que todos têm o seu espaço para falar, questionar, responder. É preciso dar um tempo para cada participante se expressar, uma vez que algumas pessoas se expõem com mais facilidade enquanto outras são mais tímidas ou reservadas.
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Finalmente, é importante assegurar o direito a não participação. Embora todos sejam incentivados a participar das oficinas, quando houver manifestação do desejo de não opinar em qualquer atividade ou até mesmo de não participar, que se assegure esse direito. Nesta aula, optamos por exemplificar temas, objetivos e passos para o desenvolvimento das Oficinas, cabendo aos educadores que irão realizá-las o planejamento completo em função do grupo a que se destinam. Por isso, lembramos a necessidade de atentar para os seguintes aspectos: » » Objetivos – Toda dinâmica precisa ter razão de existir e a definição do para que a desenvolvamos consiste no(s) seu(s) objetivo(s). » » Materiais ou recursos – É preciso assegurar o conjunto de materiais necessários ao desenvolvimento das atividades antes do seu início, como papel, canetas, aparelhos de som, televisão, vídeo e DVD, cartolinas, papel-metro, pincéis, tintas, colas, fitas adesivas etc. » » Número e perfil dos participantes – O planejamento só será efetivo se o educador conhecer dados sobre as pessoas que participarão da oficina: número, idade ou faixa etária, grau de escolaridade, motivo pelo qual estão reunidas, conhecimento que têm umas das outras e do local em que será desenvolvido o trabalho, motivo e contexto de realização da atividade etc. » » Duração – O tempo utilizado em cada oficina deve ser planejado por quem irá assumir o seu desenvolvimento, a partir do conhecimento que tem dos participantes a quem se destina, bem como da disponibilidade de todos para sua realização. » » Intenções e diretrizes de avaliação – Para cada oficina, a partir do objetivo e contexto em que ela se realiza, cabe ao educador planejar e explicitar para o grupo a razão e o(s) procedimento(s) de avaliação. Situando-se, também, como um participante, o educador deve valorizar as histórias e vivências de todos, iniciando as oficinas pelo conhecimento que as pessoas detêm e estimulando-as à troca de experiências e à construção coletiva de novos saberes. Vamos, a seguir, exemplificar dinâmicas que podem ser desenvolvidas em oficinas que objetivem a formação da consciência de respeito à sexualidade, ao gênero e à diversidade.
OFICINAS — EXEMPLOS3 TEMA = COMO SER DIFERENTE? Objetivo Analisar o entrelaçamento de fatores individuais e familiares na expressão individual da sexualidade, nos comportamentos feminino e masculino, nos relacionamentos sociais e nas relações de gênero. Desenvolvimento Escolher uma ficha colorida (vermelho, amarelo, azul) entre muitas contidas numa caixa. Organizar-se em grupos a partir das fichas.
3. Elaboradas por FAGUNDES; BARBOSA (2007, p. 51, 72 e 135). 82
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Cada grupo deverá identificar e refletir sobre a influência de fatores individuais (grupo com fichas vermelhas), familiares (grupo com fichas amarelas) e grupais (grupo com fichas azuis) na expressão da sexualidade. Exemplo de questões norteadoras das reflexões: » » Como me sinto se expressar a minha sexualidade? » » O que me parece difícil exteriorizar nesta área? » » Converso com naturalidade sobre sexo? Sobre o ser mulher e ser homem na atualidade? » » Que temas, associados à sexualidade, mais me interessam? » » Como nossas famílias abordam o tema sexualidade e relações de gênero? » » Que princípios familiares norteiam a nossa educação sexual? » » Quais as atitudes familiares mais marcantes com relação ao sexo e às noções de gênero? » » Quais os principais ensinamentos e repreensões de nossos pais, irmãos mais velhos, tios e avós com relação à sexualidade e às relações entre homens e mulheres? Prosseguir com a sistematização dos dados, produto das reflexões em grupo em painéis ilustrados. Apresentar e analisar os painéis. Avaliação Fazer uma avaliação da dinâmica culminando com uma apreciação da necessidade de mudanças individuais que conduzam às expressões saudáveis da sexualidade.
TEMA: UM DIREITO DO CIDADÃO E DA CIDADÃ Objetivo Conscientizar-se sobre a necessidade de aceitar o outro como ele é. Possibilitar maior conhecimento sobre os direitos do cidadão. Desenvolvimento Organizar o grupo em um grande círculo. Disponibilizar, no meio do círculo, uma caixa com cartelas (que podem ser feitas em papel cartão da mesma cor - 15 X 20 cm) contendo sentenças afirmativas e interrogativas. Solicitar um voluntário para escolher uma cartela na caixa e analisar a sentença nela contida. Se gerar dúvidas ou incertezas na análise, pode pedir a participação do grupo. Em seguida, esse primeiro participante deverá indicar o próximo que dará continuidade ao procedimento. Exemplos de sentenças a serem organizadas nas cartelas: » » Descobri que meu primo é homossexual. Minha reação foi... » » Tive vontade de beijar na boca do(da) meu(minha) amigo(a). » » Cabeleireiro é uma profissão essencialmente de homossexual masculino.
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TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
» » Alguém que, até a idade adulta, só manteve relações sexuais com o sexo oposto. Aos 45 começa a namorar pessoas do mesmo sexo. Como é isso para você? » » Alguns adultos relatam que, quando adolescentes, beijaram e acariciaram pessoas do mesmo sexo. Como explicar a situação? » » Em nossa sociedade, diferentes expressões de atração sexual não são respeitadas. » » Formule uma afirmativa sobre o tema. » » Formule uma pergunta sobre o tema e indique alguém para responder. » » Homossexuais não assumem sua preferência sexual por medo de críticas e preconceitos. » » Heterossexuais e homossexuais devem frequentar os mesmos ambientes como escola, teatro, cinema etc. » » Homossexuais se escondem por reconhecerem que são marginalizados socialmente e tratados com termos pejorativos. » » O que você gostaria de perguntar sobre a homossexualidade? Avaliação Resuma, em apenas uma palavra, o que esse tema desperta em você.
TEMA = ESTEREÓTIPOS, NÃO! Objetivo Identificar e analisar estereótipos de gênero que emergem de ditados populares. Desenvolvimento Momento I: Fazer uma pesquisa (individual) sobre estereótipos e preconceitos veiculados em placas de caminhão. Escrever os ditados em fichas de cartolina (30 x 50 cm). Momento II: Organizar um grande mural na sala com as fichas contendo os ditados populares. Analisar as marcas do preconceito e dos estereótipos com relação à identidade e aos papéis de gênero: feminino e masculino. Propor medidas educativas de eliminação desses preconceitos e quebras dos estereótipos. Avaliação Comentar sobre o procedimento de levantar os ditados, os sentimentos ao identificar e analisar os preconceitos e estereótipos e as expectativas de superação de suas marcas.
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AULA 6 - SEXUALIDADE, GÊNERO E DIVERSIDADE NA ESCOLA
Não se pretende esgotar as possibilidades de abordagem desta temática limitando-a ao uso das oficinas como estratégias pedagógicas; no entanto, a experiência aponta para a eficiência e eficácia desta estratégia, considerando-se as possibilidades de interação dos sujeitos envolvidos, a afetividade que os encontros propiciam, a própria acolhida dos educadores e a naturalidade com que as questões são colocadas em discussão. É em grupo e exercendo-se a solidariedade na própria construção do conhecimento que a escola pode começar a romper com as dificuldades que ainda se colocam no caminho da superação dos preconceitos e da intolerância diante da diversidade.
SÍNTESE A abordagem que fizemos nesta aula tratou de temas imprescindíveis em estudo em cursos de formação de educadores - sexualidade, gênero e diversidade, com ênfase em suas abordagens na escola. Nas próximas aulas apresentaremos reflexões sobre atividades educativas desenvolvidas em instituições não escolares, comunitárias e populares.
QUESTÕES PARA REFLEXÃO Você se sente preparado(a) para o enfrentamento dessa realidade como profissional de educação? Que marcas de gênero, preconceitos e estereótipos ainda existem que precisam ser superados e modificados?
LEITURAS INDICADAS BRASIL. Conselho Nacional de Combate à Discriminação/Ministério da Saúde. Brasil Sem Homofobia: Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e Promoção da Cidadania Homossexual. Comissão Provisória de Trabalho do Conselho Nacional de Combate à Discriminação da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2004. ______. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília, DF, 2008. FAGUNDES, T. C. P.C.; BARBOSA, M. P. M. Oficinas sobre sexualidade e gênero. 2. ed. Salvador: Helvécia, 2011. GÊNERO e diversidade na escola: formação de professoras/es em gênero, sexualidade, orientação sexual e relações étnico-raciais. Livro de Conteúdo. Rio de Janeiro: Cepesc; Brasília; SPM, 2009. HENRIQUES, R. et al. (Org.). Gênero de diversidade sexual na escola: reconhecer diferenças e superar preconceitos. Cadernos SECAD, n. 4, Brasília, DF, maio 2007. RIBEIRO, M. Menino brinca de boneca?: conversando sobre o que é ser menino e menina. 3. ed. Rio de Janeiro: Moderna, 2011.
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TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
ROHDEN F.; ARAÚJO, L.; BARETO, A. (Org.). Os desafios da transversalidade em uma experiência de formação on line: curso Gênero e Diversidade na Escola. Rio de Janeiro: Cepesc, 2008. Disponível em: <http://www.e-clam.org/downloads/Colecao_Documentos_CLAM_GDE.pdf>.
SITES INDICADOS BVM - Biblioteca Virtual da Mulher: http://mulher.ibict.br/oqe/index.htm. CFEMEA - Centro Feminista de Estudos e Assessoria: http://www.cfemea.org.br. Cemina - Comunicação, Educação e Informação em Gênero: http://www.cemina.org.br. Ecos - Estudos e Comunicação em Sexualidade e Reprodução Humana: http://www.ecos.org.br/
index2.asp. Flasses - Federación Latinoamericana de Sociedades de Sexología y Educación Sexual: http://www. flasses.net. Geerge - Grupo de Estudos em Educação e Relações de Gênero: http://www.geerge.com. Neim - Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher: http://www.neim.ufba.br/site. Nuer - Núcleo de Estudos sobre Identidade e Relações Interétnicas: http://www.cfh.ufsc.br/~nuer. Pagu - Núcleo de Estudos de Gênero: http://www.pagu.unicamp.br/node/3. Rede Mulher de Educação: http://www.redemulher.org.br.
SBRASH - Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana: http://www.sbrash.org.br/portal. SOS Corpo - Instituto Feminista para a Democracia: http://www.soscorpo.org.br. Themis - Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero: http://www.themis.org.br. WAS - World Association for Sexual Health: http://www.worldsexology.org.
REFERÊNCIAS BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília, DF: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, 2007. ______. Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Brasil sem Homofobia: Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e Promoção da Cidadania Homossexual. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2004. ______. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/ Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 1 maio 2013. ______. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.pdf>. Acesso em: 1 maio 2013.
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AULA 6 - SEXUALIDADE, GÊNERO E DIVERSIDADE NA ESCOLA
______. MEC/SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais: tema transversal: orientação sexual (1.ª a 4.ª séries/5ª a 8ª séries). Brasília, DF: MEC/SEF, 1997/1998. ______. Secretaria de Estado de Direitos Humanos. Programa Nacional de Direitos Humanos II. 2002. Disponível em: <http://www.nevusp.org/downloads/down007.pdf>. Acesso em: 1 maio 2013. ______. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Pacto de Enfrentamento da Violência contra a Mulher. 2007. Disponível em <http://www.campanhapontofinal.com.br/download/ informativo_02.pdf>. Acesso em: 1 maio 2013. CARRARA, S. Educação, diferença, diversidade e desigualdade. In: GÊNERO e diversidade na escola: formação de professoras/es em gênero, sexualidade, orientação sexual e relações étnico-raciais. Livro de Conteúdo. Rio de Janeiro: Cepesc; Brasília; SPM, 2009. p. 13-15. CARTWRIGHT, D.; ZANDER, A. Dinâmica de grupo: pesquisa e teoria. São Paulo: EPU; Edusp, 1975. COSTA, A. A.; RODRIGUES, A. T.; VANIN, I. Ensino e gênero: perspectivas transversais. Salvador: UFBA; Neim, 2008. COSTA, A. A.; SARDENBERG, C.; PASSOS, E. Programa de Sensibilização de Professores para uma Educação Não Discriminadora. 1999. Disponível em: <http://www.neim.ufba.br/site/arquivos/file/ sensibilizacaoprofessores.pdf>. Acesso em: 3 maio 2013. FAGUNDES, T. C. P. C. Sexualidade e gênero: uma abordagem conceitual. Estudos IAT, Salvador, v. 1, p. 1-10, 2010. ______. Sexualidade, gênero e educação sexual. In: COSTA, A. A.; RODRIGUES, A. T.; VANIN, I. Ensino e gênero: perspectivas transversais. Salvador: UFBA; Neim, 2008. p. 93-103. FAGUNDES, T. C. P. C.; BARBOSA. M. P. M. Oficinas sobre sexualidade e gênero. Salvador: Helvécia, 2007. FOUCAULT, M. História da sexualidade: o uso dos prazeres. 7. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1984. ______. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1989. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. KUHN, Thomas. S. A estrutura das revoluções científicas. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003. LEWIN, K. Dinâmica de grupo. São Paulo: Cultrix, 1948. LIMA E SOUZA, A. M. F. de. Ensino de Ciências: onde está o gênero? Revista Faced, n. 13, p. 149-160, jan./jul. 2008. LOURO, G. L. (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. MINICUCCI, A. Técnicas do trabalho de grupo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001. ______. Dinâmica de grupo: teoria e sistemas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2002. MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. revista. São Paulo: Cortez; Brasília: Unesco, 2011. PICHON-RIVIÈRE, E. O processo grupal. São Paulo: M. Fontes, 1998. SCOTT, J. W. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Recife: SOS Corpo, 1991. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/generodh/gen_categoria.html>. Acesso em: 3 maio 2013. 87
AULA 7 Atividades educativas em instituições não escolares, comunitárias e populares Autor: Antonio Pereira
Olá! Chegamos à penúltima aula do componente “Temas Selecionados de Educação” e vamos estudar outras possibilidades de educação fora da sala de aula, pois a educação é um fenômeno que acontece na sociedade, nos diversos espaços socioculturais. Vamos, mesmo que resumidamente, falar de três tipos de práticas educativas: pedagogia de projetos, pedagogia social de rua, pedagogia hospitalar. Vamos desbravar mais esse conhecimento!
VOCE JÁ OUVIU FALAR EM PEDAGOGIA DE PROJETOS?
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tualmente as escolas têm falado muito em pedagogia de projetos e até realizado alguns arranjos metodológicos a que dão essa denominação, considerando-a uma inovação. Entretanto, trabalhar com essa pedagogia deverá ser uma opção da escola e ser algo construído coletiva e colaborativamente, visto que envolve sempre mais do que apenas conteúdos de determinada disciplina, constituindo-se em um projeto de todos e para todos.
TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
A pedagogia de projetos não é uma prática educativa nova; pelo contrário, em 1918, William Kilpatrick, baseado na pedagogia de Dewey, formulou seus princípios pedagógicos. Mas qual o principal fundamento dessa pedagogia? É a ação. Dewey acreditava que só pela via da ação é que se daria a aprendizagem de conhecimentos, as experiências do sujeito da aprendizagem. A ação, seja ela manual ou intelectual, sobre os objetos que a criança precisa aprender, conhecer, interagir é que lhe permite a experiência da e para a vida. A educação nessa concepção é contra todo e qualquer tipo de educação que apenas leva à memorização e que não representa a aprendizagem concretamente desejada para os alunos. Para Dewey (1959, p. 25), na criança estariam os elementos de uma prática educativa ativa, mas para isso é preciso estar atento ao conteúdo da experiência da criança, pois essa experiência “[...] contém dentro de si mesma elementos - fatos e verdades - justamente da mesma natureza que os que constituem a matéria de estudo já elaborada”. Isso significa que o interesse do aluno deve ser a mola propulsora de uma aprendizagem dinâmica. Dewey (1936) defende uma educação para a democratização, uma educação que conseguisse combater o analfabetismo, a desqualificação do trabalhador, a pobreza etc. A educação deveria ser instrumento de preparação para a vida, levando os homens a “progredir na vida”. William Kilpatrick foi um dos discípulos de Dewey, que aplicou os pressupostos de sua pedagogia através da ideia de método de projetos ou também conhecida por pedagogia de projetos. Para Kilpatrick (1975), a pedagogia de projetos compreende alguns princípios, como: » » a democracia é o elemento central de uma sociedade e, portanto, deve ser norteadora da prática educativa; » » a educação deve desenvolver a personalidade da criança para viver em uma sociedade democrática; » » a educação deve ser pela experimentação da criança com o seu meio social e natural; » » a cultura deve ser o elemento que conduz ou se tira os conteúdos para serem experienciados; » » a educação deve dar sentido à vida, ela precisa ser significativa para e na vida dos alunos. A pedagogia de projetos insere a questão da finalidade, que deve ter um ato educativo. Hoje em dia, a pedagogia de projetos foi ressignificada e é aplicada na escola de Educação Infantil e Fundamental para a construção de saberes e conhecimentos por alunos e professores. É uma proposta que visa à participação coletiva da escola e que se organiza por pequenos ou grandes projetos tendo uma temática a delinear. Mas é bom que se diga logo de início que a pedagogia de projetos não é um projeto cuja coordenação ou um grupo de professores elabora e impõe aos alunos. Não! É uma verdadeira participação de aluno, professor, pais, direção e coordenação, em que está, hoje, a principal diferença dessa pedagogia. Não é apenas um projeto à moda da cotidianidade, mas um processo de ensino-aprendizagem de conhecimentos científico-culturais e saberes atuais de maneira que, criticamente, todos possam participar desse processo. Também não é uma norma rígida que todos devem seguir sem respeitar as diferenças, as individualidades em sala de aula; pelo contrário, a pedagogia de projetos conclama a todos ao respeito mútuo. Na atualidade, tal pedagogia exige que não só o aluno construa conhecimentos e que o professor seja apenas orientador, mas que ambos estejam na parceria dessa produção.
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AULA 7 - ATIVIDADES EDUCATIVAS EM INSTITUIÇÕES NÃO ESCOLARES, COMUNITÁRIAS E POPULARES
A pedagogia de projetos prioriza o conhecimento construído pelos alunos, em oposição à ideia de transmissão do conhecimento apenas pelo professor como na pedagogia tradicional. Nesse contexto, o professor passa a ser o mediador da aprendizagem dos estudantes, aquele que indica os caminhos para a solução dos problemas, das dúvidas, dos questionamentos em vez de ser o único que sabe as respostas, o que detém os saberes. Depreende-se, pois, que a parceria entre professores e estudantes deve ser o primeiro elemento de todo e qualquer projeto pedagógico no espaço escolar. Para tanto, assume as seguintes características: » » ampliar-se para além do tempo e espaço da aula; » » ter objetivos reais e práticos; » » valorizar as experiências dos alunos; » » flexibilizar as regras da escola e do currículo; » » ter uma articulação diferente em cada turma; » » substituir a aula expositiva pela descoberta dos alunos e dos professores; » » ter o conteúdo contextualizado; » » disponibilizar conhecimentos, recursos e material didático aos participantes; » » assegurar o envolvimento de todos no planejamento do projeto; » » assegurar o conhecimento e participação de todos em todas as etapas do projeto. O processo de planejamento do projeto em que todos participam ativamente e decidem em conjunto comporta os caminhos que emergem das respostas aos seguintes questionamentos: » » O que será falado, pesquisado, estudado no projeto? » » Por que ou quais motivos desencadearam a realização de tal atividade? » » Como o projeto será dirigido, como podemos distribuir as atividades entre os membros do grupo e como será apresentado o projeto? » » Quando ou em que momentos serão realizadas as atividades propostas? » » Quem ficará responsável por cada uma das atividades? » » Que recursos serão disponíveis para a realização do projeto? Essas questões se desdobram nas etapas de: decisão, planejamento e execução. A etapa de decisão é quando o grupo escolhe a temática a ser trabalhada e que tenha a ver com o cotidiano dos alunos de maneira a articular os conhecimentos científico-culturais com esse cotidiano. Pensa-se no material disponível na escola, nas parcerias possíveis, nos recursos financeiros etc. Essa é uma etapa prévia importante para o sucesso de um projeto na escola. Nessa decisão não deve faltar a discussão sobre as disciplinas, a postura dos professores, dos alunos, da direção, da coordenação, dos funcionários etc.
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TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
A etapa de planejamento, que se segue, compreende a discussão e a tomada de decisões quanto ao desenvolvimento das ações do projeto. Nesta fase, elabora-se um plano geral em que tudo é detalhado previamente, pelo menos a base da metodologia utilizada e os primeiros conhecimentos, bem como as finalidades e objetivos que se pretende alcançar. Deve-se pensar também no orçamento, mesmo que pequeno, para os gastos com material, inclusive se a escola não possui finanças, pode articular no projeto algo que garanta renda que seja revertida para o projeto. Depois de pronto esse projeto deve passar por uma revisão coletiva de maneira a ver se o que está exposto é o que realmente o grupo quer. Faz-se uma votação geral e todos devem ter a cópia desse projeto, inclusive para avaliar se o que ali foi sugerido está ou não sendo levado a cabo. A etapa de execução, por sua vez, é o momento em que todos devem trabalhar para executar o projeto. É a parte mais difícil, pois é quando alunos, professores, coordenadores e direção devem deixar de lado seus medos, ranços, rancores para fazer acontecer o projeto. O tema escolhido deve permear todas as atividades, o que não significa que não se esteja aberto aos subtemas propostos e não propostos, mas que se convergem na hora de sua investigação. A metodologia deve ser pela pesquisa, mas não significa que o lúdico não possa estar presente. A execução é a fase mais fascinante do projeto, portanto deve ser dinâmica, alegre, participativa e fundamentalmente suscite no aluno o desejo de estar na escola, se possível, 24 horas. Essas três etapas, quando bem articuladas, certamente farão com que o processo de ensinoaprendizagem ocorra de forma significativa para todos os envolvidos. É importante ressaltar que trabalhar com pedagogia de projetos requer um olhar especial sobre a avaliação, pois esta deve acontecer durante todo o processo e abranger não só a aprendizagem e o envolvimento dos alunos, mas também o próprio desenvolvimento do projeto, considerando o que está indo bem e o que precisa ser retomado, para sofrer ajustes durante a execução. A avaliação deverá ser feita por todos e para que todos possam se sentir sujeitos da ação.
PEDAGOGIA SOCIAL DE RUA Vamos iniciar falando da educação social de rua a partir da reflexão deste poema de Carlos Drummond de Andrade (1967): Canção amiga “Eu preparo uma canção em que minha mãe se reconheça, todas as mães se reconheçam, e que fale como dois olhos. Caminho por uma rua que passa em muitos países. Se não me vêem, eu vejo e saúdo velhos amigos. Eu distribuo um segredo como quem ama ou sorri. No jeito mais natural dois carinhos se procuram. Minha vida, nossas vidas formam um só diamante. Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas. Eu preparo uma canção que faça acordar os homens e adormecer as crianças.”
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AULA 7 - ATIVIDADES EDUCATIVAS EM INSTITUIÇÕES NÃO ESCOLARES, COMUNITÁRIAS E POPULARES
Você já parou para pensar nessa letra? O que ela significa quando pensamos em termos de educação de meninos e meninas em situação de risco social e pessoal? Eles precisam de educação? De oportunidades educacionais? De ressocialização pela via educacional? Eles têm direitos à educação mesmo abandonados e marginalizados? Pense nessas questões e reflita intimamente. A educação social de rua objetiva ressocializar os meninos e as meninas que vivem nas ruas de várias cidades do país, especialmente as grandes capitais, em decorrência da injustiça social, fruto de diversos problemas de ordem política, social e econômica. É uma educação que surge nos anos 80/90 do século XX e se espalha rapidamente pelo Brasil, a fim de solucionar e amenizar o problema das crianças de rua.
VOCÊ SABE O QUE É PEDAGOGIA SOCIAL DE RUA? A pedagogia social de rua [...], do ponto de vista dos atores emergentes – crianças e adolescentes de rua e Educador Social de Rua [...] – convida ao exercício da crítica cultural, trazendo à nossa visão os significados sociais que grupos diversos manifestam em situações análogas. (GRACIANE, 2001, p. 189).
Não existe uma única forma de educar/ressocializar crianças e adolescentes no espaço da rua, mas várias formas. A mais usual compreende três processos nitidamente psicopedagógicos, são eles: a paquera, o namoro e o aconchego pedagógico. Essa forma é, na realidade, uma metodologia de intervenção usada por instituições de atendimento socioeducativo, como o Projeto Axé, em Salvador, conforme indica Carvalho (1993). Paquera pedagógica: momento em que o educador vai às ruas para o encontro das crianças. São os primeiros contatos que acontecem com olhares, interrogações, medos, respostas ainda não dadas. Geralmente este processo dura semanas, por ser o momento em que elas estão se acostumando com a presença do educador na rua e este conhecendo melhor a rotina da rua. Namoro pedagógico: constitui a etapa posterior ao namoro. É o momento em que o educador, já conhecido pelas crianças, inicia uma rotina pedagógica com o uso de dinâmicas, brincadeiras, aconselhamentos, pinturas, acordos etc. Nessa etapa, elas mantêm um vínculo afetivo com os educadores, que procuram manter parceria com o comércio local como forma de eles ajudarem no processo de ressocialização dos(das) meninos(as). Aconchego pedagógico: etapa em que as crianças são convencidas a aceitar a assistência socioeducativa em uma instituição e ainda a retornar para casa. Nesse sentido, elas recebem apoio para retornar às suas famílias, mesmo desestruturadas. Estas recebem apoio financeiro, entre outros auxílios, para reaceitar os seus filhos. Nesta etapa, ainda, os meninos recebem educação profissional e são, geralmente, matriculados em escola regular da rede pública de ensino.
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TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
Vale ressaltar que: [...] não se vai para a rua para tirar um menino de lá; se vai para a rua para desenvolver um trabalho de educação, um trabalho pedagógico que tem suas conseqüências. Uma das conseqüências é que, em um dado momento do processo, o próprio menino se mobiliza para essa saída da rua. (CARVALHO, 1993, p. 105).
O que pretendemos aqui, trazendo um pouco da pedagogia social de rua, ainda que de forma breve, é sensibilizá-lo para a compreensão de uma realidade social existente no nosso país, necessária de ser encarada pelos sujeitos envolvidos na educação e carente de ações específicas, para além da educação formal, haja vista a natureza do trabalho pedagógico a ser desenvolvido. É preciso que compreendamos a educação como uma ação social voltada não somente para a aquisição de conteúdos escolares, mas como ação emancipadora dos indivíduos e no caso das crianças “em situação de risco social” que a educação possa servir para o exercício da sua cidadania.
Se você quiser entender melhor a pedagogia social de rua, leia: MENEZES, D. M. do A.; BRASIL, K. C. T. Dimensões psíquicas e sociais da criança e do adolescente em situação de rua. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 11, n. 2, 1998. Disponível em: <http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79721998000200011&lng=pt& nrm=iso>.
PEDAGOGIA HOSPITALAR A pedagogia hospitalar, ou as classes hospitalares, é outra modalidade geralmente voltada para as crianças e os adolescentes que se encontram internados em hospitais ou espaços equivalentes que precisam continuar seu processo de escolarização. É uma prática que visa dar continuidade aos estudos das crianças e adolescentes, portanto é uma prática momentânea e deve acompanhar os conteúdos da escola regular. É necessário um acompanhamento de um profissional da pedagogia em conjunto com o professor das séries iniciais ou de professores do ensino fundamental. Você sabe qual é o objetivo da pedagogia hospitalar ou classes hospitalares? [...] é permitir que crianças e adolescentes internados possam continuar construindo conhecimento independente do espaço em que esteja a escola. Nesse caso, o espaço físico da escola é redimensionado de forma a permitir que educador-educando superem seus limites. (FERREIRA; SAMPAIO, 2005).
As classes hospitalares ainda estão em fase de desenvolvimento, pois os hospitais estão começando a aderir a essa ideia e aos poucos percebendo que, com ela, o processo, quase sempre doloroso de cura das crianças e adolescentes, se torne mais rápido. Você sabe como é essa prática educativa?
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AULA 7 - ATIVIDADES EDUCATIVAS EM INSTITUIÇÕES NÃO ESCOLARES, COMUNITÁRIAS E POPULARES
[...] o planejamento de ensino é constantemente adaptado às condições escolares de cada criança; os conteúdos são fornecidos pela escola de origem da criança e são ressignificados de forma a torná-los atraentes para a criança; a metodologia é baseada na teoria construtivista de Jean Piaget e na mediação social de Lev Vygotski que se corporificava na ludicidade (jogos educativos, histórias infantis, músicas) sendo que os temas diários como datas comemorativas e aniversários são trabalhados com a metodologia do teatro; a avaliação é realizada no processo educativo em que a aprendizagem é acompanhada por fichas pedagógicas a cada atividade realizada, mas às vezes, por exigência da escola regular, esse aluno faz uma prova escrita ou oral, um teste, uma pesquisa escolar que permita obter uma nota que corresponda à unidade de ensino da escola. (FERREIRA; SAMPAIO, 2005).
Mas a professora Rejane Fontes (2005, p. 22) afirma que: A Pedagogia Hospitalar é um trabalho especializado bastante amplo que não se reduz à escolarização da criança hospitalizada. Ela busca levar a criança a compreender seu cotidiano hospitalar, de forma que esse conhecimento lhe traga um certo conforto emocional. Isso pode ajudá-la a interagir com o meio de uma forma mais participativa.
Portanto, é uma pedagogia que vai além dos conteúdos ensinados pela escola, pois “às vezes uma criança que está hospitalizada tem de comer alimentos sem sal, mas não entende por quê. Isso pode ser, por exemplo, uma oportunidade para atuação do pedagogo” (FONTES, 2005, p. 22). A pedagogia hospitalar deve ser sempre uma prática de interação entre criança, família, escola e hospital e está relacionada às práticas de inclusão, pois é direcionada tanto para pacientes sem déficits cognitivos como para aqueles que possuem necessidades especiais, como as deficiências motoras, neuropsicológicas etc.
SÍNTESE Nesta aula, vimos algumas possibilidades alternativas de práticas e espaços pedagógicos, visto que, atualmente, as práticas educativas não se encontram mais restritas apenas ao espaço das salas de aulas: a pedagogia de projetos, a pedagogia social de rua e a pedagogia hospitalar. Em nossa próxima e última aula, daremos continuidade ao tema analisando a alfabetização de jovens e adultos, a educação no cárcere e a pedagogia na empresa. Avante!
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REFERÊNCIAS CARVALHO, A. Pedagogia de rua: princípios extraídos de uma análise de prática. In: GROSSI, E.; BORDIN, J. (Org.). Construtivismo pós-piagetiana. Petrópolis: Vozes, 1993. DEWEY, J. Democracia e educação: breve tratado de filosofia da educação. São Paulo: Nacional, 1936. ______. Vida e educação. São Paulo: Nacional, 1959. DRUMMOND DE ANDRADE, C. Obras Completas. 2. ed. Rio de Janeiro: Aguiar, 1967. FERREIRA, T. H.; SAMPAIO, C. Pedagogia hospitalar: uma observação não-participante nas classes seriadas do Hospital Santo Antônio. REUNIÃO ANUAL DA SBPC, 57., Fortaleza. Anais... Fortaleza: UECE, 2005. FONTES, R. O desafio da educação no hospital. Revista Presença Pedagógica, v. 2, jul./ago. 2005. p. 21-29. GRACIANI, S. Pedagogia social de rua. São Paulo: Cortez, 2001. KILPATRICK, W. A função social-cultural docente da escola. São Paulo: Melhoramentos, [19--]. ______. Educação para uma civilização em mudança. São Paulo: Melhoramentos, 1975. MARQUES, S. M. Pedagogia de projetos. 2013. Disponível em: <http://www.pedagogiaaopedaletra. com.br/posts/pedagogia-de-projetos>. Acesso em: 13 maio 2013.
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AULA 8 Atividades educativas para além da sala de aula Autor: Antonio Pereira
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Olá! Chegamos à nossa última aula e iremos estudar outras possibilidades de educação para além da sala de aula, pois a educação é um fenômeno que acontece na sociedade em seus diversos espaços socioculturais. Vamos desbravar esse conhecimento!
oda prática pedagógica precisa ser, qualitativamente, organizada de maneira que os objetivos propostos sejam eficientemente alcançados. Não importa que modalidade ou que nível de educação seja, desde a Educação Infantil até a Educação Superior, da Educação Especial à Educação de Jovens e Adultos.
E são muitas as práticas educativas, indo desde a escolar até a não escolar, por exemplo, a educação que acontece em espaços como presídios, empresas, hospitais etc. Nesta aula, trataremos das seguintes modalidades: a alfabetização de jovens e adultos, a educação no cárcere e a educação na empresa.
TEMAS SELECIONADOS DE EDUCAÇÃO
ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Você já teve a oportunidade de alfabetizar algum jovem ou adulto? Você já se perguntou o que significa EJA? E a alfabetização de jovens e adultos? Para Vanilda Paiva (1987, p. 16), a educação de jovens e adultos é “[...] toda educação destinada àqueles que não tiveram oportunidades educacionais em idade própria ou que a tiveram de forma insuficiente”. Já na concepção de Paulo Freire, segundo Carlos Torres (1992), a alfabetização de adultos se configura numa ação para a emancipação dos trabalhadores da sua condição de subalternidade do mundo do trabalho, é uma ação cultural libertadora. Paulo Freire estruturou sua alfabetização para os jovens e adultos a partir dos temas geradores criados a partir de alguns questionamentos, do tipo: como realizar esta educação? Como proporcionar ao homem meio de superar suas atitudes, mágicas ou ingênuas, diante de sua realidade? Como ajudá-lo a inserir-se? Tais questões precisam de respostas concretas, que Paulo Freire (2006, p. 115) dizia ser possível pela adoção de “[...] um método ativo, dialogal, crítico e criticizador; na modificação do conteúdo programático da educação; no uso de técnicas como a da redução e da codificação”. Esse método de alfabetização tem como metodologia o diálogo entre educador e educando, numa relação dialética. Além disso, essa forma permite que jovens e adultos se conscientizem de sua condição de oprimido. A alfabetização não é para dominação do trabalhador, mas uma condição primeira de sua libertação. E é nesse sentido que Freire (2006, p. 119) diz que “[...] o papel do educador seja fundamentalmente dialogar com o analfabeto, sobre situações concretas, oferecendo-lhe simplesmente os instrumentos com que ele se alfabetiza”. Esse diálogo não pode ser determinado por uma cartilha de alfabetização, pois se inicia com os problemas que os jovens e adultos passam no seu dia a dia, seja no trabalho, em casa, na rua etc. Depreende-se, pois, que a alfabetização de jovens e adultos é uma prática que pode ocorrer em espaços de convivência nos quais existam pessoas envolvidas numa prática política e emancipatória voltada para o exercício da cidadania e consolidação da democracia. A alfabetização de jovens e adultos é um processo inicial de educação que deve permitir a construção de uma escrita, leitura, conscientização do mundo real para que esse grupo que se alfabetiza possa chegar nos níveis mais altos da escolarização. Portanto, a alfabetização não tem “um fim em si mesma”, mas nos processos superiores de educação. Para que essa alfabetização tenha seu êxito, o de conscientização, deve se estruturar em alguns passos, como definiu Paulo Freire (2006).
FASES DE ELABORAÇÃO DO MÉTODO DE ALFABETIZAÇÃO » » Investigar as palavras mais usadas ou que fazem parte do cotidiano social e de trabalho do jovem e do adulto. Tal investigação deve acontecer nos chamados “círculos de cultura”, em que o educador estabelece o diálogo para conhecer esse universo vocabular.
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AULA 8 - ATIVIDADES EDUCATIVAS PARA ALÉM DA SALA DE AULA
» » Fazer um arquivo vocabular e deste selecionar aquelas palavras que têm uma riqueza fonêmica e dificuldades fonéticas (as palavras escolhidas devem responder às dificuldades fonéticas da língua, colocadas numa sequência que vai gradativamente das menores às maiores dificuldades). Essas palavras geradoras possibilitam a alfabetização-conscientização dos jovens e adultos. » » Problematizar situações reais, a partir dessas palavras significativas, para que o educando possa resolver, possa decodificar com seus pares. Essa problematização deve emergir de “[...] situações locais que abrem perspectivas, porém, para a análise de problemas nacionais e regionais” (FREIRE, 2006, p. 122). A alfabetização, para ser conscientizadora, não pode ficar apenas no que é vivência local do alfabetizado, mas deve possibilitar também a compreensão do mundo, politicamente. O início é o seu conhecimento de mundo, e o fim é aquele conhecimento mais amplo sobre a vida. » » Elaborar fichas-roteiro, que auxiliam os coordenadores de debate em seu trabalho (FREIRE, 2006). Tipo de planejamento ordenado das atividades com as palavras geradoras e com as palavras decompostas a partir da família fonética. » » O conteúdo proposto nessas fichas deve ser aplicado com os grupos de jovens e adultos que se quer alfabetizar. Mas essas fichas não podem ser aplicadas rigidamente, cabe aí também um permanente diálogo educador-educando para modificar as palavras sempre que necessário. Algumas outras situações são necessárias para que o método tenha êxito, como propõe Paulo Freire em seu livro “Educação como prática da liberdade” (2006, p. 122-127): Projetada a situação com a palavra geradora, representação gráfica de expressão oral da percepção do objeto, inicia-se o debate em torno de suas implicações. Somente quando o grupo esgotou, com colaboração do coordenador, a análise (decodificação) da situação dada, se volta ao educador para visualização da palavra geradora. Para a visualização e não para a sua memorização. Visualizada a palavra, estabelecido o vínculo semântico entre ela e o objeto a que se refere, representado na situação, apresenta-se ao educando, noutro slide, ou noutro cartaz ou noutro fotograma – no caso de stripp-film – a palavra, sem o objeto que nomeia. Logo após, apresenta-se a mesma palavra separada em sílabas, que o analfabeto, de modo geral, identifica como “pedaços”. Reconhecidos os “pedaços”, na etapa da análise, passa-se a vinculização das famílias fonêmicas que compõem a palavra em estudo. Estas famílias, que são estudadas isoladamente, passam depois a ser apresentadas em conjunto, do que se chega à última análise, a que leva ao reconhecimento das vogais. A ficha que apresenta as famílias em conjunto [...]. Discutida a situação em seus aspectos possíveis, far-se-ia a vinculação semântica entre a palavra e o objeto que nomeia. Visualizada a palavra dentro da situação, era logo depois apresentada sem o objeto: TIJOLO. Após, vinha: TI-JO-LO. Imediatamente à visualização dos “pedaços” e fugindo-se a uma ortodoxia analítico-sintética, parte-se para o reconhecimento das famílias fonêmicas. A partir da primeira sílaba ti, motiva-se o grupo a conhecer toda a família fonêmica, resultante da combinação da consoante inicial com as demais vogais. Em seguida o grupo conhecerá a segunda família, através da visualização de jô, para, finalmente, chegar ao conhecimento da terceira. Quando se projeta a família fonêmica, o grupo reconhece apenas a sílaba da palavra visualizada (ta-te-ti-to-tu), (já-je-ji-jo-ju) e (la-le-li-lo-lu).
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Reconhecido o ti, da palavra geradora tijolo, se propõe ao grupo que o compare com as outras sílabas, o que o faz descobrir que, se começam igualmente, terminam diferentemente. Desta maneira, não podem todos chamar-se ti. Idêntico procedimento para com as sílabas jô e lo e suas famílias. Após o conhecimento de cada família fonêmica, fazem-se exercícios de leitura para fixação das sílabas novas. O momento mais importante surge agora, ao se apresentarem as três famílias juntas TE-TE-TI-TO-TU JÁ-JE-JI-JO-JU “ficha da descoberta” LA-LE-LI-LO-LU Após uma leitura em horizontal e outra em vertical, em que se surpreendem os sons vocais, começa o grupo, e não o coordenador, enfatiza-se, a realizar a síntese oral. De um a um, vão todos “fazendo” palavras com as combinações possíveis à disposição [...].
Como forma de ampliar os nossos conhecimentos sobre o tema alfabetização de jovens e adultos, acesse o texto “As práticas educativas na alfabetização de jovens e adultos”, de Halline Rocha et al., disponível em: http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/jovens01.html.
A EDUCAÇÃO NO CÁRCERE Vamos iniciar tratando da educação, ou práticas educativas, que atualmente vem acontecendo em diversas penitenciárias do Brasil, a chamada educação no cárcere, a partir de uma letra da música “comida”.
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COMIDA Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sergio Britto Bebida é água Comida é pasto. Você tem sede de quê? Você tem fome de quê? A gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte. A gente não quer só comida, A gente quer saída para qualquer parte. A gente não quer só comida. A gente quer bebida, diversão, balé. A gente não quer só comida, A gente quer a vida como a vida quer. Bebida é água. Comida é pasto Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê? A gente não quer só comer, A gente quer comer e quer fazer amor. A gente não quer só comer, A gente quer prazer pra aliviar a dor. A gente não quer só dinheiro, A gente quer dinheiro e felicidade. A gente não quer só dinheiro, A gente quer inteiro e não pela metade. Texto extraído de: http://neurosefreudiana. wordpress.com/2008/06/26/comida%E2%80%93-titas-arnaldo-antunes-marcelofromer-e-sergio-brito. Acesso em: 3 maio 2013.
O que a letra significa quando nós pensamos em termos de educação na prisão? Os encarcerados precisam de educação? De serem alfabetizados? De oportunidades educacionais? De ressocialização pela via educacional? Eles têm direitos à educação mesmo estando presos? Reflita sobre essas questões. A educação no cárcere acontece de maneira parecida com a escola regular e está subdividida em duas ou mais modalidades, principalmente a alfabetização e a educação profissional. A alfabetização dos presos é um grande desafio para o sistema público de educação, pois na carceragem se encontra um dos índices mais altos de analfabetos. A reintegração de presos à sociedade por meio da educação ainda é um desafio num país em que 10,5% dos detentos são analfabetos e 70% não concluíram o ensino fundamental. Amplie a análise através da consulta ao site: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001495/149515por.pdf.
São muitas as dificuldades de educar no presídio, desde a desmotivação dos presos até mesmo à falta de apoio interno dos que administram as prisões de delegacias, as penitenciárias etc. Também existe a ideia, socialmente construída, de que o preso não tem direito à educação por ter cometido crimes contra a sociedade. Mas, não podemos esquecer que ainda assim eles são pessoas de direitos.
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Além da histórica falta de organização da educação em presídios no País, há um impasse bastante conhecido de quem trabalha com educação prisional: a difícil relação entre a educação e a segurança. “A educação é vista pelos agentes de segurança como algo que fragiliza a segurança do presídio; e, por outro lado, o professor diz que o agente tem má vontade e que desmerece os estudos do preso”, explica Carlos Teixeira, técnico educacional do MEC. Texto extraído de: CASSIANO, C. O caminho do bem. Revista educação, n. 118, set. 2011. Disponível em: <http://revistaeducacao.uol.com.br/ textos/118/artigo234100-1.asp>. Acesso em: 3 maio 2013.
A educação no cárcere visa contribuir no processo de ressocialização do preso de maneira que, quando ele sair do espaço prisional, possa ter chances mais dignas de reintegração à sociedade. Sabemos ainda que esse é um processo que não se verifica totalmente, pois a educação, pelo menos na prática, não é um princípio fundante de ressocialização do preso; também a sociedade não está preparada para lidar com essa situação. Ainda não há cursos preparatórios para qualificar o professor de Educação Fundamental e Ensino Médio para trabalhar nos presídios, inexistem cursos de Pedagogia voltados para essa modalidade ou mesmo disciplinas que garantam, pelo menos, a inserção dos alunos de Pedagogia no debate da educação no cárcere. É preciso formar urgentemente professores para esse fim, pois só assim a educação no cárcere dará a guinada necessária. Glória Maria de Almeida, professora de Ensino Fundamental na Penitenciária Doutor Pio Canedo, em Pará de Minas (MG), dá o seguinte depoimento: Quando eu soube que fui selecionada para trabalhar na penitenciária, fiquei com medo. Ainda mais quando soube que a gente sabe que fica presa dentro da sala, durante a aula, com quase vinte homens. Mas logo aprendi que se você respeitá-los como pessoas, ao cruzar a grade, a sala se transforma numa classe comum. A escola muda a relação que o preso estabelece com as pessoas. Ele passa a ter princípios, dos quais ele havia esquecido ou nunca teve mesmo, e ainda morre de orgulho de poder chegar em casa com um diploma. (CASSIANO, 2011).
Para conhecer mais sobre a educação nas prisões, acesse os documentos disponíveis no site do MEC: Lei de Execução Penal (LEP) – Lei n. 7.210/1984. Resolução n. 03/2009 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça. Resolução CNE/CEB n. 02, de 19 de maio de 2010 − Dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais. Decreto n. 7.626/2011, que institui o Plano Estratégico de Educação no âmbito do sistema prisional. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&vie w=article&id=17460&Itemid=817.
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A PEDAGOGIA NA EMPRESA Outra possibilidade de educação é o espaço da empresa. A educação na empresa acontece há muito tempo e visa adaptar o trabalhador para o tipo de produção de uma empresa, o que significa dizer que cada empresa tem seu tipo de educação que geralmente é atrelada à sua produção. Não podemos esquecer que, além da questão relacionada ao produto da empresa, há também a questão externa que se refere ao modelo de produção vigente em determinada sociedade. Por exemplo, até os anos 1970/1980, tínhamos o modelo de produção fordista (Ford), que era em série e que influenciou toda a cadeia produtiva do mundo. A educação nesse período estava subordinada a esse modelo, por exemplo, no Brasil denominamos de educação tecnicista, a qual objetivava a formação de mão de obra para a indústria, influenciando o Ensino Médio e o Superior. Ainda nos anos 1970, esse modelo entrou em crise e, aos poucos, foi substituído, pelo menos nos países ricos, por outro modelo, mais flexível de produção de mercadorias, conhecido como modelo japonês de produção ou toyotismo (Toyota). A pedagogia na empresa trabalha com diversas modalidades, desde a alfabetização do trabalhador a processos mais complexos de qualificação deste. Geralmente, o educador trabalha em uma equipe multidisciplinar, composta de psicólogos, assistentes sociais, administradores etc. Mas cabe ao educador a capacidade de organizar um processo de qualificação em uma empresa. Como definimos em outra oportunidade: Desenvolver o ensino-aprendizagem da cultura organizacional de forma a permitir melhoria da produtividade; portanto, é uma pedagogia que está aliada aos interesses do capital na consumação da adaptabilidade constante do trabalhador às novas formas de produção e de relações de produção ao potencializar o trabalho manual e intelectual com vistas a incrementar a mais-valia no processo produtivo. (PEREIRA, 2006, p. 65).
A pedagogia na empresa e a pedagogia da empresa são diferentes? Quando falamos em pedagogia na empresa significa a aplicabilidade dos pressupostos da pedagogia (geral) no espaço da empresarial, isto quer dizer que tanto envolve a relação de ensino-aprendizagem como a pesquisa da prática educativa empresarial. E quando nos referimos à pedagogia da empresa estamos falando de uma pedagogia surgida no interior de uma determinada empresa com objetivos explícitos de responder às demandas internas de uma empresa ou também pode ser oriunda de um determinado modelo produtivo com vista à formação/qualificação específica do trabalhador. (PEREIRA, 2006, p. 66).
No Brasil, quem primeiro fez uma pesquisa sobre a educação que se processa na empresa foi a professora Acácia Kuenzer (1986), da Universidade Federal do Paraná. O título do seu livro é bastante sugestivo: “Pedagogia da fábrica: as relações de produção e a educação do trabalhador”, publicado pela Editora Cortez. Nesse livro, ela analisa como a fábrica educa o trabalhador e com que finalidade. Ela pesquisa as relações entre trabalhadores, gerentes e chega à conclusão de que a educação nesse espaço é para moldar o trabalhador às necessidades da empresa. Existem, também, no Brasil, cursos de pós-graduação espalhados por todo o território nacional, bem como disciplinas nos cursos de Pedagogia que abordam a cultura e a aprendizagem organizacional.
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A organização do trabalho pedagógico nesses espaços deverá estar voltada para a aquisição de competências e habilidades do mundo da produção em que estiverem inseridos. Entretanto, cada vez mais estão sendo incorporadas a este universo práticas educativas que visam também à emancipação do trabalhador. No caso da formação atual do pedagogo, é importantíssimo destacarmos que sua atuação profissional pode ocorrer em todos esses diferentes espaços, visto que toda educação constitui uma prática social de todos e para todos, possível de transformar a sociedade num espaço-tempo de emancipação e justiça.
Para saber mais, acesse o fórum “Educação Não-Formal: Pedagogia Organizacional”, disponível em: http://inforum.insite.com.br/25196.
SÍNTESE Encerramos, dessa forma, o estudo de alguns temas selecionados de educação, refletindo como se organiza o trabalho pedagógico no âmbito da alfabetização de jovens e adultos, da educação no cárcere e da educação em empresas, visando sempre à emancipação dos sujeitos envolvidos nessas práticas e à análise do papel do profissional de pedagogia nos contextos. Sigamos em novos estudos!
REFERÊNCIAS CASSIANO, C. O caminho do bem. Revista educação, n. 118, set. 2011. Disponível em: <http:// revistaeducacao.uol.com.br/textos/118/artigo234100-1.asp>. Acesso em: 3 maio 2013. FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 29. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. KUENZER, A. Pedagogia da fábrica: as relações de produção e a educação do trabalhador. São Paulo: Cortez, 1986. PAIVA, V. Educação popular e educação de adultos. 5. ed. São Paulo: Loyola, 1987. PEREIRA, A. Trabalho, educação e pedagogia na empresa: reflexões formativas para o(a) pedagogo(a) organizacional. Rio de Janeiro: CBJE, 2006. TORRES, C. A política da educação não-formal na América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
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