escola de mestres Um projecto de :
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Relat贸rio Documental
Perfil Biogr谩fico de Mestres Alentejanos
Marta Correia Clara Rodrigues
Junho 2011
PROJECTO ESCOLA DE MESTRES PERFIL BIOGRÁFICO DE MESTRES DE ARTES E OFICIOS DO BAIXO ALENTEJO
Autores: Clara Rodrigues e Marta Correia Com o contributo da turma de 2.º ano de Animação Socio-cultural 2010/2011 do IPBeja Projecto integrado no Programa Entre Gerações da Fundação Gulbenkian, desenvolvido pelo Instituto Politécnico de Beja, em parceria com ESDIME, Taipa, Rota do Guadiana, Baal 17 e 3 em Pipa.
Junho 2011
PERFIL DE MESTRES DE ARTES E OFÍCIOS DO BAIXO ALENTEJO
Índice > Introdução
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> Perfil geral dos mestres
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Quem são os mestres e como aprenderam a profissão Que valor atribuem à sua profissão e como perspectivam a sua preservação Sustentabilidade das profissões e subsistência dos mestres Matérias e instrumentos utilizados. Tradição e inovação Enquadramento social, familiar e profissional
> Perfil individual de cada Artesão Almodôvar Carlos Rosa – Tecelão Beja António Freitas -Restaurador de madeira Francisca Felício – Costureira Castro Verde Maria Alexandrina – Doceira Vanda Lopes – Ceramista Elsa Ramos – Tecelagem Ferreira do Alentejo Manuel Bento Luz– Artesão de brinquedos Armindo Fragoso – Ferreiro Anabela Custódia e Joaquim Rocha – Pintura decorativa e mobiliário Odemira Amílcar Silva – Construtor de Violas António Ramos – Cestaria Daniel Luz – Construtor de instrumentos musicais Fábrica Artesanal de Chocolates – Doçaria Helena Loermans – Tecelagem e Têxteis Liberdade Sobral – Ceramista Arménio e Maria da Luz Lourenço – Madeiras Inês Viana – Ceramista Ourique Duarte Malveiro – Cantaria Serpa D. Teresa – Costureira Maria Francisca Abrantes – Trabalhos em rendas e costura Rosa Sota - Trabalhos em rendas, costura e pintura
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> Conclusão
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> Informações adicionais
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Escola de Mestres – Projecto Intergeracional do Baixo Alentejo
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Introdução O projecto Escola de Mestres envolveu cerca de 22 mestres de vários concelhos do Baixo Alentejo – Almodôvar, Beja, Castro Verde, Ferreira do Alentejo, Odemira, Ourique e Serpa - mestres em actividades tão diversas como a cantaria, a tecelagem e outras técnicas têxteis, a construção de instrumentos musicais, a olaria e cerâmica, a cestaria, a carpintaria, a costura, bordados e rendas, a pintura manual de mobiliário, o trabalho do ferro ou a doçaria. O contacto entre os jovens e estes mestres foi efectuado através da realização de entrevistas etnográficas, em visitas informais e workshops no âmbito de actividades de sensibilização para os ofícios profissãosanais. A informação compilada neste relatório resulta precisamente de material recolhido nestas iniciativas, e organiza-se em duas pprofissãos: uma abordagem geral que apresenta o perfil padrão dos mestres envolvidos no projecto, e uma segunda pprofissão onde se apresenta informação individual de cada Artesão. No âmbito deste projecto, consideramos mestres todos os profissionais de profissãos e ofícios tradicionais e/ou em vias em vias de extinção. Incluímos aqui mestres (no sentido da profissão) mas também profissionais em sectores de produção, sempre que as técnicas e matérias usadas tenham um carácter local, cultural e patrimonial.
PERFIL GERAL DOS MESTRES Quem são e como aprenderam Os mestres contactados abrangem praticamente todas as faixas etárias, dos mais jovens, na casa dos 30 anos, aos mais idosos, de mais de 80. As habilitações académicas que possuem são variadas mas, em geral, baixas: ao nível do 4º ano de escolaridade no caso dos mais idosos, outros com o equivalente ao 9º ano de escolaridade e, muito poucos mestres com uma licenciatura ou outro grau superior.
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A forma como cada um aprendeu a sua profissão é uma questão bastante individual, correspondendo no fundo à história de vida de cada um. Dos mais idosos, muitos aprenderam com os pais por se tratar de uma tradição familiar ou, noutros casos, aprendiam com outros mestres, no tempo livre em que não trabalhavam no campo, como forma de compensar o facto de não andarem na escola. Desta forma, aprendiam algum ofício. Por outro lado, há ainda os que foram desenvolvendo e aprofundando técnicas de forma auto-didacta, por gosto, paralelamente a outra profissão. Neste caso, é precisamente após a reforma, que conseguem dedicar mais tempo à sua profissão, como forma de continuarem activos e a desenvolver algo que apreciam e que não conseguem abandonar. No caso da geração mais jovem, alguns procuraram mestres e/ou frequentaram cursos de formação onde pudessem aprender uma nova actividade. Neste contexto, trata-se sobretudo de uma tentativa de procurar uma alternativa de emprego, numa região onde as oportunidades não abundam. Nestes casos, o resultado foi também a descoberta de um gosto pessoal por uma profissão. É ainda importante fazer referência ao caso de uma série de mestres, que são oriundos de outros países, e que escolheram instalar-se no Baixo Alentejo, procurando desenvolver a sua actividade artesanal aliada a um novo estilo de vida.
Que valor atribuem à sua profissão e como perspectivam a sua preservação De uma forma geral, todos os entrevistados, independentemente da faixa etária ou das qualificações académicas, valorizam e reconhecem a sua actividade como uma profissão e consideram a importância de a preservar. No entanto, na perspectiva do futuro, do interesse dos mais jovens e da continuidade da profissão, é variável e na maior profissão dos casos, pouco positiva. A maioria dos mestres queixa-se da falta de retorno financeiro e de apoios; e pensa que, actualmente, os jovens não se interessam por estas profissões que são tão exigentes em tempo e dedicação. Não sabem muito bem como se deveria fomentar esse interesse mas alguns arriscam a sugerir que a própria escola deveria ter alguma responsabilidade na sensibilização para estes ofícios. Também na maior parte dos casos, os mestres mostram-se disponíveis para
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ensinar e transmitir os seus conhecimentos, embora não acreditem que possa haver jovens interessados e com o nível de dedicação que a profissão exige. Pelo contrário, a geração mais jovem, tem uma visão mais optimista e é da opinião que há um despertar de interesse crescente para este tipo de actividades, em que as características de autenticidade, de exclusividade, de originalidade e de qualidade são uma mais-valia e um elemento de distinção cultural, patrimonial e artístico, que é também valorizado ao nível comercial. Neste caso, consideram que os mais jovens estão bastante atentos a estas profissões, quer como consumidores quer como artistas/produtores ou possíveis profissionais. Em qualquer dos casos, e independentemente das dificuldades sentidas por muitos, o denominador comum aos mestres contactados é, sem dúvida, o gosto, a paixão e o brio pela sua profissão, sendo que para alguns, a obra que desenvolvem representa no fundo o seu estilo de vida e a sua forma de ser e de estar na vida.
Sustentabilidade das profissões e subsistência dos mestres Relativamente à sustentabilidade destas profissões, são precisamente os mestres mais jovens, ou pelo menos, aqueles com mais capacidade de inovação e de relacionamento com as novas tecnologias, que conseguem fazer da sua profissão também o seu emprego e a sua forma de sustento. Conseguindo aliar a sua profissão às novas tecnologias e novos métodos de trabalho, assim como a novas formas de divulgação e de comércio, alguns mestres têm vindo a encontrar aqui uma alternativa de vida, que lhes permite a autonomia financeira através de uma actividade que também os realiza pessoalmente. No entanto, estes casos não são ainda muito numerosos. Na grande parte dos casos, os mestres estão pouco ou nada familiarizados com as plataformas de divulgação e de comunicação, pelo que desenvolvem o seu trabalho para um reduzido grupo de clientes. A divulgação fica restrita ao “passa palavra”. Nestes casos, dificilmente os mestres conseguem sobreviver apenas do que produzem, precisando manter uma segunda profissão, ou procurar outras actividades paralelas. A maioria dos mestres trabalha na própria casa, em oficinas anexas e, em alguns casos em espaços que são cedidos gratuitamente pelas autarquias como forma
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de apoio à actividade.
Matérias e instrumentos utilizados. Tradição e inovação Considerando a diversidade de profissões e ofícios em causa, também as matérias-primas e os instrumentos de trabalho utilizados são muito diversificados. Desde pedras recolhidas em ribeiras que são esculpidas a martelo e chaves de fendas, às madeiras estrangeiras encomendadas pela internet, passando pelo fio de algodão vindo do norte do país e pelas roupas velhas retalhadas e tecidas no tear. No entanto, os contactos efectuados revelaram alguma ambivalência na abordagem que é feita à profissão. Por um lado, a resistência e/ou impossibilidade de adoptar e introduzir novos métodos de trabalho e, por outro, a necessidade constante de o fazer. Ou seja, para alguns mestres, é importante manter a tradição e as técnicas ancestrais, trabalhando a profissão no seu nível mais purista, como sempre foi trabalhada, sob pena de a desvirtuar com a introdução de novas abordagens. Embora, alguns destes mestres apenas não procuram novas fontes de informação e novas possibilidades de trabalho, porque lhes é impossível em termos financeiros e de tempo. Para outros mestres, que vêm a sua arte/ofício como uma linguagem, uma forma de se exprimirem enquanto artistas, o cruzamento de técnicas, a utilização de matérias e objectos menos convencionais é uma característica do seu trabalho, e algo que lhes é inerente, no processo de uma actividade criativa. Estes não vêm a mudança como um adultério da profissão.
Enquadramento social, familiar e profissional Independentemente do seu eventual isolamento geográfico e tecnológico, a maioria destes mestres, senão mesmo a totalidade, sente-se num bom ambiente social e familiar. Apesar das dificuldades e do fraco retorno comercial, todos sentem que o seu trabalho é acarinhado e valorizado por amigos e família. Mesmo os mestres mais idosos recordam o facto de sempre terem sido elogiados pela família e pelos amigos e de terem clientes que vinham (e, em alguns casos, ainda vêm) de longe para procurar os seus trabalhos.
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As feiras e mostras de artesanato regionais são a principal oportunidade dos mestres da região se encontrarem pelo menos uma vez por ano, e todos eles referem já ter participado nestes eventos. Alguns mais idosos não conseguem acompanhar estes eventos pessoalmente, por motivos de saúde, mas ficam orgulhosos dos seus trabalhos continuarem a ser requisitados para exposição. Além destes eventos, a geração mais “contemporânea” de mestres não dispensa a internet para divulgar o seu trabalho, para comunicar com públicos e com outros mestres e para participar em feiras internacionais (um dos casos).
PERFIL INDIVIDUAL DE CADA ARTESÃO Carlos Rosa Tecelão Almodôvar
Carlos Rosa é tecelão que encara artesanato como uma opção de vida. Depois de várias experiências profissionais, nomeadamente em França, Carlos Rosa regressou à sua terra – Almodôvar - onde integrou um curso de tecelagem apesar desta ser (ainda) uma profissão maioritariamente feminina. Com esta experiência, acabou por descobrir uma vocação e um estilo de vida que o preenche. A tecelagem foi também uma forma de constituir o seu próprio emprego, e uma liberdade que não tem preço. Mas para ele os teares e a tecelagem não são apenas uma forma de ganhar dinheiro. São também uma linguagem, uma forma de se exprimir. Segundo ele, muitas vezes começa a trabalhar uma peça sem saber ainda o que vai ser mas rapidamente esta se transforma numa manta, num cachecol, num xaile, num tapete, no que ele quiser.
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Faz questão de usar materiais naturais (não sintéticos) como o algodão e a lã. A matéria prima vem essencialmente do norte do país mas é na sua “caótica” oficina de vários teares que as cores e texturas ganham forma. Carlos Rosa tem uma grande consciência acerca da profissão que domina e que constitui o património cultural da região. Este tecelão considera que a actividade tem muito para explorar e muito para dar à região e às pessoas que o desenvolvem. Pode perfeitamente ser uma profissão com futuro.
António Freitas Restaurador de Madeiras Beja
De entro do portão de garagem que acolhe a sua oficina, António recebe a luz forte da encosta do castelo de Beja. Este espaço está literalmente recheado: nas paredes e pendurados pelo tecto surgem peças de madeira, ferramentas e mobiliário desconcertado. Mas a oficina não é sua. É do patrão, que é dono de antiquário. Este é o destino das peças que saem das suas mãos: móveis históricos e patrimoniais, que lhe chegam em muito mau estado, aparecem ao público, como obras arte. É uma questão de “perceber como era o original e fazer parecer que nunca se desmanchou”, conta-nos ele. “Não há nenhuma ferramenta especial… são as mesmas da carpintaria”, mas o jeito que ele lhes dá é outro.
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Aprendeu quando era novo e fez muita coisa antes de tornar no que é hoje. Foi, aliás, só depois de reformado que teve oportunidade de trabalhar a tempo inteiro “nestas coisas”. Quando deixar de trabalhar, provavelmente o seu patrão vai ter dificuldade em encontrar quem lhe faça os restauros. Embora o Sr. Freitas tenha filhos e netos e goste de os levar à oficina e de lhes mostrar o trabalho, também não acredita que haja muitos jovens interessados na sua profissão.
Francisca Felício Costureira Beja
Na rua dos Acoutados, há outros mestres para além da Francisca. Estes têm a porta aberta ao público, mas, talvez a verdadeira alma da artesania já não more lá. Por seu lado, Francisca Felício abre a porta da sala e mostra-se à rua, mas é para deixar entrar a luz, tão necessária para as minúcias da agulha e da linha. É um pouco tímida, “não me tire fotografias, que eu não gosto de mostrar a cara”. Foi costureira desde sempre. Aprendeu muito nova, com uma modista afamada. Lembra-se que ela e uma amiga faziam quilómetros a pé todos os dias para ir aprender. Depois de casar trabalhava em casa em fatos e blusas para as senhoras, que “era o que aparecia, mas sabia talhar tudo”. Agora dedica-se mais aos arranjos de peças, mas também atende alguns pedidos especiais como foram os fatos das meninas para as marchas de São João ou guarda-roupa de teatro. “Os jovens não querem saber de costuras... no meu tempo, arremendavam-se as calças, agora anda tudo rasgado”. Mas também pensa, que com a crise, as coisas ainda podem voltar ao que eram e podem passar-se a valorizar as coisas feitas à mão.
Maria Alexandrina Doceira Castro Verde
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Maria Alexandrina é pasteleira e a sua especialidade é fazer as queijadas de requeijão artesanais. Uma iguaria com base em massa tenra e um recheio feito de ovos, açúcar, requeijão e outros ingredientes que só uma especialista como a Alexandrina conhece. É um doce muito trabalhoso especialmente a parte da massa tenra para a qual a artesã já mal passa sem a sua máquina de amassar. Os moldes são forrados com esta massa e depois são impecavelmente recheados à colherada com o creme. Na cozinha da Alexandrina o trabalho com as queijadas começa pelas 8h e termina pelas 13h. Com a ajuda de mais uma senhora, produzem diariamente cerca de 200 queijadas de requeijão que são vendidas não só no comércio local mas também seguem para outras paragens (ao que parece, fazem muito sucesso em Espanha).
A Alexandrina desenvolve a mestria da pastelaria desde os seus 12 anos, tendo aprendido com a sua mãe. Ao longo dos anos participou em feiras artesanais e os diplomas que tem na parede comprovam a sua mestria e alguns prémios ganhos. Não esconde algumas dificuldades que encontrou no seu percurso profissional mas mantém o orgulho e o gosto que sente no que faz. Um exemplo de perseverança e generosidade.
Vanda Lopes Ceramista Castro Verde
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Vanda Lopes pertence a uma nova geração de mestres. É ainda muito jovem e as suas peças revelam uma visão mais inovadora e criativa da cerâmica. Uma profissão que requer vários materiais e instrumentos, alguns deles muito especializados e dispendiosos, como é o caso da mufla (o forno) que aquece a mais de 1200 graus. No seu atelier não falta obviamente a tradicional roda de oleiro, moldes, tornos e outros instrumentos. Sem nenhuma formação académica na matéria, Vanda descobriu uma vocação inata pouco depois da adolescência e aprendeu os saberes básicos desta profissão com a ajuda de um oleiro mais velho.
Depois de um período de auto-aprendizagem através de experiências caseiras e da procura de um bom resultado final, as primeiras peças de Vanda Lopes foram desde logo muito bem recebidas e a própria autarquia de Castro Verde desde cedo se mostrou interessada no seu trabalho, incentivando-a. Actualmente Vanda Lopes participa em feiras e mostras internacionais importantes e vende as suas peças de cerâmica que se integram em colecções de temáticas diferentes, mantendo sempre uma linha identitária muito própria. Os conselhos da Vanda passam por isso mesmo, pela procura da originalidade e autenticidade do artesanato, aliado a algum espírito de empreendorismo uma vez que este percurso exige um grande investimento pessoal.
Elsa Ramos Tecelã Odemira
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Elsa Ramos começou o seu percurso no artesanato e, em particular, na tecelagem através de um curso de formação profissional que frequentou há cerca de 6 anos, durante um ano. Nessa altura estava desempregada e, como ela própria diz, esgotou todas as opções. Depois do curso, fez um estágio com a formadora e, a partir daí, nunca mais parou. Adquiriu materiais e arriscou sozinha. Nunca tinha pensado fazer tecelagem mas acabou por se apaixonar por esta profissão. O que mais a fascina é o processo de construção das peças, nomeadamente das duplas (feitas em tubo), que permite dar largas à criatividade. Hoje, aos 38 anos, tem atelier instalado num espaço cedido pela Câmara Municipal aos agricultores que por sua vez o cedem a Elsa. Elsa é responsável pela entrega do cabaz de produtos hortícolas e, em troca, o espaço alberga a sua actividade.
Da dobadeira, para a urdideira e só depois para os vários teares, o processo da tecelagem é longo e trabalhoso. No seu atelier há ainda espaço para os materiais e para expor as peças já terminadas. Exposição que, segundo Elsa, é sempre um pouco isolada. A maior parte das vendas são feitas nas feiras de verão e no Natal. A tecelã ainda não teve oportunidade de fazer a sua página de internet mas reconhece a importância da tecnologia como ferramenta de divulgação e de venda. Elsa trabalha algodão, lã, linho, fio de bambú e gosta de experimentar matérias diferentes. A matéria prima é sempre sinónimo de investimento financeiro, o que às vezes é complicado. Actualmente, a profissão aposta muito na reciclagem. Corta roupa velha para transformar em tapetes, mantas e acessórios. Sempre em peças únicas, que nunca se repetem. Apesar de tudo, existe procura e Elsa considera que cada vez mais as pessoas reconhecem a diferença deste tipo de peças e de trabalho.
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Manuel Bento da Luz Artesão de Brinquedos Ferreira do Alentejo 1
Todos o conhecem por Ti Manuel (simplesmente Manuel). Constrói brinquedos em madeira embora, por vezes, seja difícil encontrar maneira de os trabalhar... no entanto, tudo o que faz, faz com gosto. E nos dias em que não vai à sua oficina, sente que lhe falta algo. Ao longo da sua vida trabalhou em muitas coisas, nomeadamente nas obras, com empreiteiros. O ofício, que aprendeu sozinho, surge principalmente com a reforma e para lhe ocupar as tardes. Entretanto, já participou em muitos eventos relacionados com o artesanato e inclusivamente ganhou concursos. Ao mostrar a sua colecção de brinquedos, explica resumidamente a personagem que cada um representa ou a história que pretende contar. Muitos deles, são objectos únicos que nunca mais repetiu. Tem muitas visitas que vêm para conhecer a sua profissão, e principalmente os estrangeiros compram sempre alguma coisa. Já passou o legado ao seu filho Bartolomeu da Luz, de 47 anos. “Aprendeu comigo, mas já se safa melhor que eu”, admite. A dupla, além de abrilhantar os Jogos Culturais do Concelho, é também já reconhecida por este Portugal a fora. Em 2007, Bartolomeu da Luz trouxe para Ferreira do Alentejo o 1.º Prémio Nacional de Artesanato, na categoria de Artesanato Tradicional. Numa prova subordinada ao tema ‘O Brinquedo’, este ferreirense venceu um concurso entre artesãos de todas as regiões do País, com um ‘Porco a andar de Bicicleta’. Para construir o brinquedo, precisou apenas de madeira e um elástico.
Armindo Fragoso Ferreiro Ferreira do Alentejo
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Foto de Marco Maurício , 2011.
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Armindo Fragoso, 51 anos, licenciado, dedica-se há cerca de 20 anos à profissão de trabalhar o ferro. Além de ferreiro, é também professor do Ensino Básico e sente-se satisfeito com ambas as profissões. A profissão do ferro aprendeu-a com o seu pai. Uma profissão que quis continuar por achar estimulante perceber as utilidades diversas e ancestrais que o ferro pode ter. É uma tradição que veio de família, que foi aprendendo ao ajudar o pai desde os tempos de estudante, e que nunca quis deixar morrer apesar de ter outra profissão. Não tem dúvidas que se trata de uma profissão, para a qual é preciso ter gosto e também paciência. Já poucas pessoas se dedicam a ela e, por vezes, e por desconhecimento, acaba por não ser tão valorizada quanto deveria ser. Ainda assim, continua a haver clientes para os objectos trabalhados em ferro, e trata-se de uma procura que provém de classe média alta, não só em termos económicos mas sobretudo culturais. Os clientes são um pouco de todo o pais e também estrangeiros. Embora a conjuntura económica não seja a mais favorável e os jovens não estejam muito motivados para as profissões tradicionais, Armindo pensa que é importante preservar esta profissão no futuro. Pela qualidade, longevidade, identidade cultural das peças e até mesmo pela relação preço qualidade. No que o toca, o Artesão já fez algo pela continuidade da sua profissão, tendo formado outros mestres. Armindo trabalha ferro de diversos portes e utiliza ainda tintas e vernizes. A actividade inclui como instrumentos a forja, martelos, bigorna, rebarbadoras, aparelhos de soldar, entre outros. Na opinião deste Artesão, a utilização exagerada de máquinas e tecnologias acaba por desvirtuar o produto final. O seu principal trabalho são as camas de ferro, as quais pensa que vão continuar a ser utilizadas e por isso procuradas. Armindo faz um horário de trabalho normal e umas horas extra se necessário.
Anabela Custódia e Joaquim Rocha Pintora de Mobiliário Tradicional Ferreira do Alentejo
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Anabela Custódia, 40 anos, 11º ano, é pintora há 14 anos. Anabela confessa que para si o mais importante seria poder criar e fazer coisas novas. Porém, actualmente a pintura significa subsistência pelo que acaba por se limitar a dar resposta às encomendas. A sua oficina tem muito trabalho mas, curiosamente, poucos trabalhadores. Normalmente trabalha sete horas por dia mas quando há mais trabalho, chega a ficar nove horas e mesmo fins de semana. Trabalha com muitos pincéis, tintas, compassos... as novas tecnologias são bem vindas mas também esta artesã tem consciência que se devem manter as características originais do artesanato, sem nunca desrespeitar a tradição. Não sendo um ofício de família, Anabela aprendeu com um decorador, o Mestre Jorge Jaíta. Frequentou um curso e com ele aprendeu a tornar-se pintora. Algo que nunca tinha pensado vir a ser. Antes disso, trabalhou no campo e gosta de aprender coisas novas, mas gosta do que faz e considera que é uma verdadeira profissão, à qual aliás apenas mais uma ou duas pessoas no país se dedicam. Infelizmente uma actividade mal remunerada pelo que, Anabela procura complementar o orçamento com outras coisas. Na sua perspectiva, o futuro desta profissão não é muito risonho. Embora considere que é importante preservá-la, pensa que hoje em dia tudo está direccionado para o trabalho industrial e que os próprios portugueses não valorizam o que é nacional e feito à mão. As pessoas que mais procuram o seu trabalho são estrangeiros, pessoas com um nível económico mais alto, pessoas de Lisboa, do Algarve, em geral, de fora da região. Anabela já tem realizado workshops e dado entrevistas acerca do seu trabalho no sentido desta preservação e sensibilização, mas é algo que não tem dado grandes frutos. Vai procurando sempre novas informações sobre a sua profissão e participa em encontros regionais de mestres. Os tempos livres, são dedicados à agricultura biológica. No mesmo atelier, trabalha também Joaquim Rocha, pintor há 36 anos. Começou aos 15, tendo o 9º ano de escolaridade. É pintor tanto por gosto como por necessidade. Não sendo uma tradição de família, Joaquim aprendeu com o Mestre Jaíta e depois sozinho. Começou a gostar e foi continuando. Pintar é sem dúvida uma profissão. Mas um pouco dura. Não é qualquer um que aguenta estar na cabine de pintura com os cheiros. Trabalhar com tintas, lixas betumes, tem os seus inconvenientes.
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Juntamente com a Câmara Municipal, o ateliê de Anabela e Joaquim procura preservar esta actividade. Ambos consideram que é importante incentivar os jovens e também aumentar os ordenados pois é sempre mais fácil para um jovem trabalhar num computador do que trabalhar num ofício mais físico. Apesar de ocasionalmente darem formação, pensam que esta profissão dificilmente terá continuidade no futuro.
Amílcar da Silva Construtor de Violas Odemira
A oficina do mestre Amílcar tem vista para a aldeia de Corte-Malhão, mas as violas que ele faz têm fama nacional. Amílcar trabalhou toda a vida com madeira, mas a dedicação aos instrumentos de corda começou há 15 anos. A sua carpintaria cheira a aromas de madeira, serradura e cola tudo misturado. O que parece ser um caos de madeiras é afinal um lugar onde cada peça tem o seu nome e propósito. Violas em construção que parecem animais dissecados com pinças na casca, até que todas as peças interiores estejam bem fixas, antes de fechar, colocar as cordas e decorar. A feitura total, com decoração de pequenos mosaicos de madeira, demora cerca de um mês. Além das tradicionais violas campaniças, faz também bandolins, cavaquinhos, quintetas e violinos. O seu orgulho é uma guitarra cujo modelo foi tirado “a olho” a partir de uma fotografia publicada num livro. É a mais recortada e elaborada de todas. Estas violas afinam-se de acordo com a voz do cantor e o principal instrumento de afinação é o ouvido. Aos setenta e tantos anos é muito amigo dos outros “mestres de Além” (referindo-se a Castro Verde), que também constroem guitarras e também de Braga. Encontram-se nas feiras ou para tocar e, ele próprio, faz parte de um grupo de tocadores e cantadores. É visitado pela associação Pé de Xumbo (Évora) que tem feito trabalho de preservação dos instrumentos e da música tradicional e está atento aos livros que saem sobre o tema.
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António Ramos Cesteiro Luzianes – Monte da Figueirinha Odemira
António Ramos é um homem cheio de juventude que faz cestaria ou o que ele chama “empalhar”. Viveu em Beja 9 anos, enquanto estudou mas regressou ao monte isolado em Luzianes onde vive com os pais e também se dedica a cuidar das vacas e da agricultura. Começou há cerca de 7 anos tendo aprendido com o pai. Não se considera artista e conhece aqueles que, para ele, são os verdadeiros mestres. A ele chama-se cesteiro “arremendeiro”. Os esses mestres são em geral já mais velhos a quem os males não deixam trabalhar, por isso, António acabou por herdar alguns clientes.
A verga é cultivada por perto, cortada, tratada e depois trabalhada. Na técnica de “empalhar” a verga tem que estar mole, e para isso precisou de estar na água. Se ficar ao sol, já não dá para fazer nada. Para os cestos usa-se verga mais grossa e é preciso tirar-lhe a casca para ficarem branquinhos, como os clientes gostam mais. A produção que irá apresentar nas próximas feiras do Verão inclui os cabazes, as cabaças (que as pessoas gostam de usar como candeeiros), as caracoleiras (para apanhar caracóis), os covos (para a pesca), fruteiras, cestos, garrafas, os cabazes da horta (para distribuir produtos hortícolas em parceria com os agricultores) e o “umbrella basket” (para os guarda chuvas). Por vezes, surgem encomendas especiais que o obrigam a procurar novas vergas e novas formas de as trabalhar.
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Daniel Luz Construtor de instrumentos musicais Odemira
Daniel Luz tem 72 anos e trabalha a sua profissão de forma apaixonada. Além da extraordinária habilidade manual para trabalhar o objecto em madeira, este carpinteiro desenvolveu, de forma auto-didacta, uma autêntica engenharia de som, que através de cálculos matemáticos lhe permite obter de forma precisa a escala temperada de notas musicais. Até as fórmulas de Pitágoras ou o sistema de medição inventado por Pedro Nunes (nónio) estão na base da “afinação” da música e dos instrumentos musicais ao longo dos tempos. O Sr. Daniel domina ainda uma vasta cultura geral sobre as várias madeiras que utiliza e sobre cada tipo de viola que produz. Da sua carpintaria saem são só os modelos mais clássicos e acústicos como as violas, guitarras portuguesas, guitarras de Coimbra, bandolins e as violas campaniças, como também guitarras para electrificar.
Este Artesão tem instrumentos a tocar um pouco por todo o mundo e músicos profissionais a encomendar-lhe pessoalmente instrumentos com características específicas. A construção destes instrumentos é algo que exige muito tempo, dedicação e gosto. Ao fim de tantos anos, o Sr. Daniel continua a trabalhar com esse gosto e motivação e diverte-se mesmo a procurar novas informações e dicas partilhadas na internet. Este mestre sabe bem quão rica é a sua profissão e teria gosto em a partilhar com quem quiser realmente aprendê-la e segui-la.
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Fábrica Artesanal de Chocolates de Beatriz Doçaria – Chocolate Odemira
A Fábrica Artesanal de Chocolates de Beatriz parece uma casinha de contos e tem um ambiente extremamente mágico e acolhedor. A cozinha é pequena mas muito organizada, e o instrumento mais especializado da actividade é, provavelmente, uma máquina que derrete o chocolate e o vai mexendo em permanência, mantendo-o à temperatura e consistência ideal para poder ser trabalhado. Aqui, o chocolate integra alguns ingredientes mais exóticos como a pimenta rosa ou os arandos, em alternativa às habituais avelãs ou amêndoas.
Beatriz faz parte de um fenómeno que se tem verificado muito no baixo Alentejo e que tem a ver com a vinda de estrangeiros para se instalarem e desenvolverem actividades nesta região, procurando uma maior qualidade de vida.
Helena Loermans Tecelã Odemira
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Helena Loermans, responsável pelo atelier Handwoven Textiles, teve contacto com os têxteis aos 4 anos de idade e lembra-se que, desde logo, foi uma paixão. Há alguns anos atrás, Helena trabalhou esta actividade de uma forma mais profunda e “radical”, produzindo a própria matéria prima. Uma altura em que tinha ovelhas, tosquiava-as, fiava a lã, tingia-a de forma natural, realizando finalmente as suas peças. Actualmente, Helena dedica-se exclusivamente ao trabalho dos fios, seja em tecelagem, em tricot ou qualquer outra técnica de lhes dar uma forma criativa.
Para esta artesã, a qualidade das matérias-primas é essencial. Lã, linho e caxemira são os principais materiais naturais que trabalha. Além de serem a sua profissão em termos financeiros, é uma profissão que Helena usa para materializar de forma artística algumas convicções. Tricotar a maior manta do mundo para tapar o buraco do ozono foi um dos projectos que iniciou. O seu ateliê exibe sempre uma peça como se de profissão pública se tratasse. Peças alternativas e originais, construídas em estruturas menos convencionais, como esqueletos de chapéus-de-sol, caracterizam o trabalho de Helena, que veio dos Países Baixos instalar-se em Odemira e a partir daqui, as feiras e a internet são o seu principal meio de divulgação.
Liberdade Sobral Ceramista Odemira
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Liberdade Sobral não sabe ler nem escrever mas tudo em si comunica. A sua grande felicidade é reunir a sua família de 7 filhos e 14 netos na sua grande sala, a mesma onde trabalha e dá forma às suas esculturas. No armário tem peças mais recentes que ainda não estão prontas e muitas outras que aguardam sair para alguma feira ou exposição. Liberdade não sabe explicar o motivo ou o significado do seu artesanato... há muito tempo, quando os animais lhe comeram as flores do jardim, surgiram as primeiras pinturas. Depois, na sequência de uma promessa, surge a primeira figura... a partir daí, não conseguiu deixar mais de as fazer.
O artesanato de Liberdade assume formas variadas, sempre pintado de cores muito vivas, num aspecto completamente naif. Algumas peças fazem lembrar figuras de santos, outras criaturas mitológicas, ou ainda outros seres ainda mais surrealistas aos quais ela própria chama “entrouxos” por achar que são algo “sem pés nem cabeça”... em todo o caso, é algo que lhe é natural. Mete as mãos no barro e a partir daí, “é o que vai saindo...”. Em todo o caso, do isolamento na Estrada do Monte, em Relíquias, as figuras de Liberdade já foram documentadas em diversas publicações sobre artesanato popular de interesse nacional. Além de artesã, Liberdade também constrói cantilenas e lengalengas muito precisas e divertidas que lhe permitem registar na memória momentos e histórias da sua vida. Por exemplo, aquela que nos conta que antes do 25 de Abril de 74, não sabia o significado do seu nome. No dia da revolução tentava perceber pela rádio o que se passava em Lisboa e foi com as repetidas salvas “Viva a Liberdade!” que veio a perceber a beleza e a importância de tal palavra.
Arménio e Maria da Luz Lourenço
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Madeiras Odemira
Este casal trabalha entre os vizinhos, os cães e as plantas. Fazem-lhes companhia na fabricação de peças de madeira da mais variada natureza e tamanho: desde utensílios de cozinha a mesas e cadeiras tradicionais. “Isso das colheres começou com um pedido da minha mulher, diz Arménio”, e agora tornou-se um ícone do casal. Mas é uma das peças que dá muito trabalho, porque a madeira precisa ser cozida antes de ser talhada, mas ficar flexível… e todo o processo demora dias, conforme explica Maria da Luz. Ela é que é responsável pelas “paneladas de colheres”, fervidas em panelas enormes de ferro postas no “lume” da casa. O casal tem um bom mercado e está presente em todas as feiras. Queixam-se que o investimento é cada vez maior para se ser um artesão como deve ser, desde as participações nos eventos, a certificação da arte (orgulhosamente pendurada na parede) e o transporte dos produtos. O papel das associações de artesãos ou das agências de desenvolvimento é muito importante neste apoio. O custo não está só na produção. Por isso, também percebem que os jovens queiram fazer outras coisas. Por outro lado, temem que se perca património. Os turistas são os que se interessam mais.
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Inês Viana Ceramista Odemira
À Inês, a olaria surgiu do desconhecido, a partir de uma oportunidade da Câmara Municipal de Odemira para a formação profissional em nesta área na antiga olaria municipal. Na época, não sabia muito bem o que ia fazer e aproveitou o curso. Após o curso ficou a trabalhar na olaria e a partir daí nunca mais largou a sua roda de oleiro. Apesar de ter começado a custo, agora a olaria da Inês já ocupa um anexo inteiro nas traseiras da sua casa. Ainda com muitos projectos pela frente, esta ceramista (ou oleira) representa uma nova geração de artesãos: utilizando as mesmas matérias e técnicas que os seus antepassados renovam o espólio de produção e atingem mercados diferenciados. As peças da Inês apresentam toques de contemporaneidade nos grafismos, na utilidade e nas cores, no entanto, o processo de forma e cozedura é “como manda a tradição”. É requisitada por restaurantes (loiças) e por clubes desportivos (prémios) porque são o seu “ganha-pão”. As peças de autor são compradas sobretudo por coleccionadores ou turistas, em eventos. Relativamente ao futuro da profissão, diz que “a formação nesta área é o ingrediente do futuro, há que formar mais pessoas em roda de oleiro”. Ela própria sentiu a falta de mão-de-obra especializada quando procurou um estagiário para a sua olaria, que só encontrou nas Caldas da Rainha.
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Duarte Malveiro Canteiro Ourique
Malveiro tem 39 anos e estudou até ao “antigo sexto ano”. Vive em Santana, é casado e tem uma filha de 5 anos. Para além da escultura em pedra, Duarte Malveiro também trabalha a madeira e faz pintura de cerâmica. Fez um curso relacionado com a pintura em cerâmica mas na restante profissão, aprendeu sozinho. Daquilo que faz, o mais difícil é porventura a escultura, uma vez que do imaginar uma imagem ao concretizá-la, ainda há muita técnica e aperfeiçoamento. Mas, é algo que foi aprendendo... Considera o que faz uma arte e fá-lo pela expressão e por gosto próprio. Uma arte que lhe dá satisfação mas que, financeiramente, não lhe permite sobreviver. Os clientes não são muitos. Quem mais procura e encomenda o seu trabalho são estrangeiros – um pouco de toda a Europa e também dos Estados Unidos da América - mas a procura tem vindo a diminuir, daí que, neste momento, Duarte dedique muito poucas horas à escultura. O Artesão pensa que esta tendência poderia ser invertida, apostando, por um lado, na divulgação e por outro, sensibilizando as crianças e os jovens para esta actividade. Além disso, considera que seria importante preservar esta profissão.
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São poucas as pessoas que a trabalham e, para não se perder a tradição, deveria ser ensinada e passada a outros. Pensa que os jovens deveriam ser incentivados e ficaria satisfeito que a sua profissão tivesse continuidade no futuro. Inserir novas tecnologias no seu ofício é algo que gostaria de fazer e que seria útil. No entanto, não tendo possibilidades para tal, os principais instrumentos que usa são facas e chaves de fendas, para trabalhar materiais como pedras de ribeiras ou de barragens. A família e os amigos, espalhados um pouco por todo o mundo, valorizam o seu trabalho. Com os que estão perto, gosta de organizar jantares para conviver. Duarte também vai participando em feiras e mostras de artesanato mas confessa que nesses eventos é mais o que se paga do que o que se ganha...
Teresa de Jesus Grave Costureira e Rendeira Serpa
Teresa é solteira e não tem filhos mas sempre vestiu toda a família que muito apreciava o seu trabalho. Aprendeu a costurar muito cedo, ainda criança. Quando não havia trabalho no campo, ía aprender costura com as vizinhas. Também aprendeu com a mãe. No fundo era tradição de família, aprender a costurar, até porque, naquela altura, não se comprava roupa feita. Não achava dificil... Sempre gostou muito da costura e só não fazia mais porque tinha de trabalhar no campo. Além do trabalho do campo, também fez trabalhou “a dias” e, aos 54 anos teve de “fazer exame” escolar para se empregar num lar que abriu na sua terra. Ganhou sempre pouco mas dos vários trabalhos que experimentou ao longo da vida, é a costura que a deixa mais satisfeita. Trabalhar a flanela a baieta, rendas, vários tipos de tecido. Sabe que é uma profissão e tem pena que esta possa acabar. Pensa que seria importante preservar esta profissão e que as escolas deviam ensinar estes ofícios. Teresa sempre se lembra de receber elogios pelo seu trabalho e, ainda recentemente, uma sobrinha lhe pediu ajuda para uns figurinos de uma peça de teatro. Não se lembra de quantas horas dedicava à costura, mas quando jovem, a medida de trabalho era um novelo de linha nº 60 por dia… para quem Escola de Mestres – Projecto Intergeracional do Baixo Alentejo
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não sabe, trata-se de uma linha muito fina usada em rendas requintadas por isso, resta dizer, que era muito trabalho.
Maria Francisca Abrantes Costureira e Rendeira Serpa
Maria Francisca tem 74 anos. Reformou-se há mais de 30 depois de problemas nos joelhos a obrigarem a deixar o trabalho no campo. Ainda trabalhou em casas particulares mas desde aí dedicou-se à costura. Aprendeu a costurar com um alfaiate, nos Verões quando não se trabalhava no campo. É uma senhora que não gosta de coisas mal feitas e foi provavelmente a busca de um trabalho perfeito que sempre lhe valeu muitos clientes, mesmo vindos de longe. Umas vezes com mais trabalho, outras com menos, o que lhe importa é fazer um trabalho perfeito, e feito com gosto. O seu trabalho já esteve em exposição em feiras na Vidigueira e Serpa, mas a artesã já não consegue acompanhá-los pessoalmente.
Maria Francisca gostaria talvez de ter estudado para ser professora mas, à parte da costura, não se imagina com outra profissão. Sente que a costura é um grande ofício, e não muito fácil... Sempre gostou muito e tem pena que os jovens não se interessem. Hoje em dia costura por gosto. A sua reforma é suficiente para viver mas Maria Francisca gosta de ser útil, e não se importava de ensinar. Confessa que gostaria de ter uma filha mulher a quem ensinaria tudo, tal e qual como lhe ensinaram a si. Assim, resta-lhe providenciar o seu filho com tudo o que a casa precisa e as suas mãos conseguem fazer.
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Rosa Sota Bordadeira e pintora Brinches - Serpa
Rosa nunca andou na escola. Gostaria de ter sido enfermeira ou costureira mas como a vida era difícil, com 9 anos foi trabalhar no campo e só fez a 4ª classe já perto dos 80 anos, idade até à qual trabalhou. Trabalha com artesanato há cerca de 11 anos. Ninguém na sua família fazia estes trabalhos, apenas rendas. Rosa pinta ferros antigos, telhas e livros. Aprendeu a fazer estes trabalhos quando fez a 4 ª classe e, para quem gosta, não é difícil. Considera o que faz uma arte que nasceu consigo, e tem pena de ter já a idade que tem. Os 84 anos já não lhe permitem fazer tanto como gostaria. Rosa acha no entanto que os seus trabalhos não têm a perfeição e qualidade dos profissionais, como os que conhece de uma professora e, por isso, gostaria de fazer melhor. Os seus quadros são feitos com bocados de pano que tem em casa e que as pessoas lhe davam e as tintas e pincéis compra-as nos “chineses”. Para além de quadros também pinta almofadas mas o mais difícil são os pormenores porque já não vê muito bem.
Rosa acha que os jovens deviam aprender estes ofícios que têm tendência a ser esquecidos. Se houvesse quem quisesse aprender, não me importava nada de ensinar, até porque já o fez. Quando ia a Beja comprar materiais ainda havia jovens que lhe perguntavam como os fazia e ela respondia que podia ensinar de boa vontade. Os familiares e amigos de Rosa gostam muito dos seu trabalho e elogiam-na. Muita gente procura os trabalhos desta pintora mas ela não os vende. Gosta de oferecer para ficarem com uma recordação sua. Ainda há poucos dias foram dois quadros para o Brasil.
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Conclusão O elenco de mestres aqui apresentado permitiu ao projecto Escola de Mestres iniciar um processo de sensibilização de jovens, acerca das artes e ofícios tradicionais da sua área de residência, e que são parte da sua cultura e do seu património. Um processo de sensibilização que pretendeu despertar potenciais aprendizes para a continuidade destes ofícios e, simultaneamente, promover o diálogo intergeracional, incentivando a troca de experiências e conhecimentos entre os mais jovens e os mestres. Das proveitosas visitas e agradáveis momentos proporcionados, ficou em todos o reconhecimento do valor cultural destas profissões e da sua importância na afirmação de uma identidade regional, com enorme potencial também ao nível do desenvolvimento económico local. As dificuldades sentidas em fazer vingar uma actividade tradicional, as quais os mestres não escondem, é, em todos os casos, compensada pelo gosto e orgulho de a desenvolver. A par de uma profissão e de um meio de subsistência, com cada obra o mestre desenvolve também uma linguagem e uma forma de expressão própria. Em alguns dos casos contactados neste projecto, a preservação mais fiel e pura dos métodos de trabalho tradicionais dá lugar à recriação e à revitalização da actividade com recurso a possibilidades mais inovadoras e criativas. Esta foi também uma vertente de sensibilização do projecto, procurando despertar nos jovens um sentido de inovação e criatividade que, apoiado nos conhecimentos que forem adquirindo no seu percurso escolar, pode vir a constituir um futuro possível não só na recuperação e preservação destas profissões, como no seu próprio futuro profissional.
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Informações adicionais Site / blogue do projecto Escola de Mestres www.escolademestres.ning.com Instituto Politécnico de Beja www.ipbeja.pt Fundação Calouste Gulbenkian www.gulbenkian.pt Esdime www.esdime.pt Rota do Guadiana www.rotaguadiana.org Taipa www.taipa-desenvolvimento.pt Baal 17 www.baal17.com 3 em Pipa www.teatro3empipa.com Programa Entre Gerações www.intergenerationall.org
Sites / blogues de alguns mestres www.helenaloermans.blogspot.com/ www.danielluz.wordpress.com/ www.chocolatesdebeatriz.com/ www.donacoreoutrasmarias-vandapalma.blogspot.com/ www.carlosrosa.com.sapo.pt/ www.allartsgallery.com/artists/58-liberdade-sobral-ceramista/paintings http://olariadaines.blogspot.com/ http://camasdeferro.net/
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Com o apoio:
Os parceiros:
O projecto Escola de Mestres apareceu no âmbito do programa Entre-gerações da Fundação Calouste Gulbenkian e pretende responder a questões do envelhecimento, do isolamento e das relações entre jovens e idosos. Aplicado no Baixo Alentejo (distrito de Beja), o projecto focou a aprendizagem intergeracional como preservação do património das profissões tradicionais em risco de extinção. O objectivo foi gerar uma estreita comunicação e transferência de conhecimentos entre os mestres de nobres profissões, tais Junho 2011
como sapateiro, barbeiro, artesãos, ferreiro, … e os jovens da região. As actividades decorreram entre Março de 2010 e Jumho de 2011 e incluíram entrevistas, workshops, maratonas fotográficas e conversas.
http://escolademestres.ning.com http://intergenerationall.org/?lang=pt
Consultadoria: FUTURE BALLOONS