A viajante

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Sumário Diário de Bordo: Paris – 1951................................................................04 As Portas do Mundo..............................................................................05

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Continua...

Ébano Marques


Introdução

O mundo sempre lhe pareceu vasto, ainda mais visto de uma pequena janela, no meio de um campo no meio do nada.

Ao nascer do dia, era possível ver o sol por de traz do morro, nascia gigante e amarelo, lambia doce e quente as gotas de orvalho que sobrou da noite, úmida que guardava promessas, sonhos e segredos.

Ela também tinha os seus segredos. Segredos que somente contava as estrelas, quando em noites quentes, estendia o lençol sobre a grama e nele deitava-se para contemplar aquele mesmo vasto céu. Que estava ali para ela e acolá em outro lugar.

É sabido que existe o bichinho mochileiro da fuga em todos nós, mas nela ele mordia, pessoas normais leem livros e viaja com a estória, ela os lia, e traçava rotas. Hoje aqui, amanhã Amsterdam, Paris, Roma, Tóquio, Tibet. o mundo é tão grande quando se quer fugir, e tão pequeno quando a caminhada começa.

Ela alimentou este sonho desde tenra idade, e esperou ansiosa pelo dia de sua primeira viagem, como um prisioneiro espera pelo seu dia de liberdade. Levava consigo a mala e uma mochila cheia de sonhos, a mão um caderno com folhas em branco. Sua nova estória, sua vida

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seria registrada ali.

Ébano Marques


Capítulos

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Part I Diário de Bordo: Paris – 1951.......................................................04

Ébano Marques


Part I Diário de Bordo: Paris – 1951

Ah! Doce Paris, desembarcar com a brisa de outono, o que eu posso pensar meu sonho começa e se realizar e não poderia ser em lugar tão belo, mesmo neste momento de reconstrução mundial, aqui ainda parece intocado pelas marcas da guerra. Eu não tenho noção para entender o porquê dos povos em luta, quando há tanto para se ver e viver. Mas é verdade, a violência tende a preservar o que é belo.

Descer a movimenta Champs-Elysees no fim da tarde é um prazer agradável, pessoas passeando olhando os monumentos ao logo da avenida, outras tantas nos cafés. “Eu posso me apaixonar por este lugar” – pensava.

Não havia pressa no caminhar, estava absorvendo tudo com o meu olhar, como se precisasse conhecer tudo em um dia. Ruas, lugares, rostos, túneis e o arco, sim tudo era novo e os detalhes importante pois seriam descritos em minúcias em meu caderno de folhas brancas, que não era um simples diário, mas um guia, um diário de bordo para todos os portos, um tema para cada momento.

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O primeiro era. As portas do mundo...

Ébano Marques


As Portas do Mundo

Paris se descortinou para mim no outono de 1951, eu uma jovem garota vinda de lugar nenhum, desembarcando numa Paris pós-guerra, o mundo se reconstruindo e para mim ela permanecia intacta como eu tinha lido nos livros, tudo estava lá, a torre, o arco, a avenida principal.

Lembro-me de passar pela rua como uma criança encantada com uma vitrine de doces. Eu precisava chegar ao hotel, apesar de ser outono a tarde se estava um pouco frio, mas eu ansiava por conhecer a cidade, e queria tudo no primeiro dia, para aproveitar cada momento. Eu tinha sonhos apaixonados, conhecer meu primeiro amor, um artista ou um romancista, sonhos naturais e possíveis para uma pessoa da minha idade.

Entrar na Sorbonne, não era um sonho meu, mas um desejo dos meus pais, eu aceitei por que era o meu passaporte para o mundo, então pensei, “Por que não?” E me lancei ao mundo, com um endereço provisório e a certeza de não querer voltar tão cedo, eu sabia que cedo ou tarde a saudade de casa, do aconchego começaria a fazer diferença, então me preparei para este momento, e quando ele chegou, o coloquei de lado.

Eu tinha Paris. O Hotel des Champs-Elysees, minha casa nos próximos meses, quando cheguei à recepção já era esperada um grupo de

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funcionários ansiosos, sob a orientação da minha tutora.

Ébano Marques


“Bon jour madame” – Sim eles falavam engraçado, por mais que se estude uma outra língua o som da pronuncia francesa é única, e eu contive o riso.

“Madame, pardon me perdi” – Eu disse, e ela viu em meus olhos a mentira. Mas nada falou, alegou que todas se “atrasam”, não entendi, não questionei, estava mais interessada na arquitetura pomposa do lugar, a recepção era enorme, digna de um palácio, com um lustre que cristal, que deveria ser uma fortuna, mas lindo de se ver, combinava com o lugar, que por sua vez combina com Paris.

Comecei a desconfiar que fosse mesmo romântica. Sorri internamente, peguei as chaves do meu quarto e dirigi-me a ele. Acredito que uma família poderia morar ali, era imensa, no centro uma cama de dossel, linda, mas intimidadora. E a vista? Era encantadora, eu tinha a Torre Eiffel só para mim, um pouco distante claro, mas estava em uma janela que não oferecia obstrução da vista. Minha tutora que ainda me acompanhava, disse, que se eu a olhasse todos os dias, a cada dia eu faria uma pintura diferente. Eu acreditei, mas estava ali para estudar ciências sociais, meu amor pela arte, ainda hoje, é só por que aprecio coisas belas.

Na manhã seguinte após uma noite fofa em meus lençóis franceses, tomei um café farto, coloquei roupas leves e fui para a rua, queria absorver mais de Paris enquanto minhas aulas não começavam. Eu queria sabores, luzes, cores, cheiros. Coisas que só o cotidiano o entrar

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em definitivo no dia a dia da cidade.

Ébano Marques


Resolvi conhecer a cidade da forma mais lógica, decidi sair do prédio pela direita.

A minha frente já do outro lado da rua tinha um pequeno café, lindo decorado com apreço em cada detalhe, tinha mesas redondas e cadeiras trançadas na calçada, toalhas brancas com um rendado singular, em losango. O conjunto de mesas e cadeiras se estendia ao longo da calçada deixando um espaço para os transeuntes. Um lugar sem dúvida convidativo a passar horas, transmitia a calma visível nos olhos e comportamento dos usuários. Muitos senhores de chapéus que liam seus jornais, Le Monde era a maioria, mas tinha outros de pouca expressão mundial, mas que tinha um público cativo.

As senhoras, finas damas com penteados lindos, vestidos

que

combinavam com sapatos e bolsas mesmo em 1951 num pós-guerra era visível à classe, algumas tinham amarradas a suas cadeiras, cachorros igualmente elegante. Paris me parecia permissivo com animais, sempre via um ou outro bem tratado passeando com seu dono.

Tudo o que eu não tinha naquele momento era pressa, resolvi me juntar aos tranquilos parisienses, eu tinha em minha bolsa um exemplar em francês de Três vidas de Gertrude Stein, tinha descoberto esta escritora recentemente, e as ideias feministas dela me encantava, e eu achava muito fascinante a sua escrita. Escolhi me sentar no fundo, onde havia uma mesa que me colocava em posição estratégica, para

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observar sem ser vista.

Ébano Marques


Mesmo absorta na leitura enquanto esperava pelo meu legítimo café francês, eu pude ver quando ela atravessou a porta ligeiramente apressada, cumprimentou algumas pessoas e seguiu em direção à cozinha. Verdade aquela distância não poderia ver muito da pessoa, mas a sua presença chamou a atenção, um algo que preenche espaços que nem mesmo antes sabíamos estar vazio.

Naquele momento eu concordei em silêncio perfumes franceses são os melhores. E então a intensidade daquele perfume maravilhoso estava se misturando ao café que seria servido para mim, meio hipnotizada apenas abri um sorriso.

Ela colocava a minha frente french toasts deliciosas, uma xícara enorme de café pequenos potes com manteigas variadas e geleias, e eu estava com a ligeira impressão de estar fazendo papel de boba, pois ela falava em tom baixo e eu nada respondia, estava mesmo encantada. O sei lá, décimo sentido me cutucou. ‘Desculpe, eu não falo muito bem o francês’ – mentirinha inocente para compensar a minha desatenção.

‘Eu vi você quando estava do outro lado da rua, se decidindo se entrava ou continuava andando, então quando você entrou eu voltei’ ela falou sem nem mesmo respirar.

‘Desculpa, me chamo Adele’ E eu recebi um sorriso largo de boas vindas. ‘Sou a responsável pelo estabelecimento, e adoro receber bem os novos clientes, sempre espero que retornem depois das boas

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vindas.’

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‘Ah será maravilhoso voltar, uma vez que estou morando naquele hotel’ respondi apontando o Grand Hotel, onde me hospedei por um bom tempo.

Naquele momento percebi que minha vida estava entrando em um novo capítulo.

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E este seria: Um novo olhar sobre Paris.

Ébano Marques


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- Continua –

Ébano Marques


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