Eberson theodoro uma cama pra três primeiro cap

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EBERSON THEODORO

UMA CAMA PRA TRÊS


Mas compreendi, que além de dois existem mais. Da música “A Maçã”, cantada por Raul Seixas.


O disco da Cyndi Lauper

Uma das primeiras coisas que chamou a atenção de Ricardo em Paulo era o gosto pelo mesmo tipo de música: qualquer coisa que tocasse em inglês e que tivesse sido lançada há pelo menos 15 ou 20 anos antes. Cyndi Lauper era a preferida de Ricardo e Paulo usava uma camisa dela no dia em que se conheceram, na primeira vez em que ele pisou em uma boate gay de Florianópolis. Foi a deixa para que Ricardo se aproximasse daquele rapaz moreno, baixinho, mas encorpado, que estava de olho nele fazia meia hora. Ricardo não sabia se deveria se aproximar, pois não tinha certeza de que aquele moreno olhava mesmo pra ele – e não pra qualquer outro das dezenas de caras que estava ali na fila do bar. Aliás, foi um aborto da natureza Ricardo ser visto numa fila de bar de uma boate. Ele, que no máximo bebe uma dose ou outra de vinho, não tinha nada ali pra fazer a não ser pedir uma garrafa de água mineral. Mas se não fosse estar naquela fila, talvez demoraria mais para ser percebido por aquele moreno, com uma barba que o deixava ainda mais atraente. Mas quando aquele rapaz se vira e Ricardo vê que ele estava vestindo uma camisa da cantora Cyndi Lauper, muito famosa nos anos de 1980, ele não pensou duas vezes em largar aquela fila interminável e ir abordar o moço. - Desculpe chegar assim, mas poxa, a Cyndi é minha cantora preferida! - Bacana, também gosto muito dela. Tanto que vim com ela no meu peito. Pronto, aquele rapaz que antes era uma dúvida pra ele, estava ali, na sua frente, conversando sobre uma das coisas que Ricardo mais gosta. O momento seria mais perfeito ainda para Ricardo caso ele soubesse o que dizer. Ficar em silêncio, na concepção dele, demonstraria falta de conteúdo ou insegurança. Não que alguém pudesse julgá-lo ser uma pessoa vazia, mas que ele não era um poço de segurança, isso nem ele mesmo poderia negar. O rapaz moreno olha sério, levanta os óculos de Ricardo e olha bem fundo em seus olhos. O coração de Ricardo passa a bater ainda mais rápido. - Você abandona uma fila de bar, vem reparar na minha camisa, fica me olhando dessa forma e eu não tenho nem o direito de saber como se chama esse loiro de olhos azuis? O rapaz demonstra firmeza e um certo tom de sarcasmo na voz. Mas de alguma forma, que Ricardo não sabia explicar como, ele estava se sentindo muito à vontade com o gatinho moreno que acaba de conhecer. - Ricardo. E você...será que também tenho o direito de saber seu nome? - Você tem todo o direito do mundo, claro. Era a primeira vez que Ricardo se encanta com um sorriso como o qual o rapaz acaba de abrir no rosto.


- Paulo, muito prazer. Ainda consternado com a beleza de Paulo, Ricardo recebe um abraço e um beijo no pescoço. Ricardo sentiu esse beijo seguido por um frio na espinha, que foi o suficiente para perceber que aquele rapaz que acaba de conhecer na balada não seria qualquer um. E a confirmação viria pouco mais de uma hora depois. ** Paulo está sentado no chão do apartamento de Ricardo, em meio a dezenas de discos de vinil que ele coleciona desde que sua mãe, Tereza, lhe deu um toca discos de presente, para inaugurar o apartamento que ela tinha comprado pra ele. Tereza resolveu comprar o imóvel assim que recebeu a notícia de que o filho passou no vestibular para a federal, dois anos atrás. Ela não queria que o filho morasse na capital pagando aluguel durante todos os anos de faculdade. - Nossa, Ricardo, onde você achou tudo isso? Paulo parecia uma criança de 5 anos sozinha em uma loja de brinquedos, tamanho o entusiasmo que ele demonstrava diante da quantidade de discos de bandas que ele também gosta. - É fácil! Aqui na cidade tem alguns sebos, aquelas livrarias que vendem livros, revistas, discos. Você nunca foi? - Eu sei o que é um sebo, ta me chamando de burro? Os dois riem. Ricardo às vezes tem uma tendência de explicar as coisas com tantos detalhes que vez ou outra passa a impressão de que a pessoa que ouve é cem vezes menos inteligente que ele. - Tá bem, desculpe. Mas você nunca foi em sebo? - Sim, mas faz tempo que não entro em um. - O que você acha de ir comigo qualquer dia desses então? - “Qualquer dia desses” pra mim significa “nunca”. Gosto de marcar com a pessoa e dizer data, horário e local, responde Paulo, em um tom forçado de autoridade. Ricardo abre um sorriso e lembra que domingo de manhã tem uma feirinha na praça no Centro da cidade. - Lá sempre vendem LP´s. Mas temos que acordar cedo pra pegar alguma coisa que preste. Paulo olha no celular. São quase 4h da manhã. - Puxa, como passou rápido o horário. E meu carro tá na lá na rua, não é perigoso? - Você não trancou o carro? - Sim – Paulo responde, mas com um tom preocupado. – Só que não fico muito tranqüilo em deixar ele na rua, acabei de comprar, sabe como é?


Ricardo coça a nuca e pensa em dizer uma coisa, mas desiste. Paulo percebe uma intenção no ar e já imagina o que é. Na verdade, se Paulo estiver certo, é isso que ele está esperando ouvir – um convite de Ricardo para dormirem juntos. - Eu, é.... bem, Paulo, eu não ficaria seguro em saber que você vai atravessar a cidade no meio da madrugada, com tanta gente louca por aí. Você....quer dormir aqui comigo? Daí a gente acorda, toma um café e vai na feirinha. Paulo vira a cabeça pro lado, como quem vai falar uma besteira. - Olha Ricardo, acho que só tem um problema nisso tudo. Ele dá uma pequena gargalhada e continua. - Eu tenho certeza de que a última coisa que a gente vai fazer esta noite é dormir. Paulo abraça Ricardo com bastante força, iniciando o primeiro beijo entre os dois. Ricardo não podia imaginar como seria bom o beijo desse rapaz. Os dois corpos passam a ficar tão juntos que até uma pequena caixa de papelão seria grande o suficiente para abrigar os dois. Mas eles tinham o apartamento e a noite inteira para fazerem o que desejassem. Um quase desconhecido acaba de entrar em sua casa, lhe roubando um beijo, tirando sua roupa e agora Ricardo divide com ele a mesma cama. Tudo muito rápido, mas intenso o suficiente para que ele sonhasse com essa noite pelo resto de seus dias ou até que outra ainda mais intensa acontecesse. ** São oito da manhã e um barulho chato do despertador começa a ecoar por todo o quarto. Ricardo levanta e procura algo pra vestir. Mas antes olha para o lado. Ele mal pode acreditar no que aconteceu e em como tudo o que aconteceu foi tão mágico pra ele. Ricardo dá um beijo no pescoço de Paulo e segue beijando todo o seu peito. Ele também acorda e o primeiro sorriso de Paulo daquele domingo, o mais lindo de todos os sorrisos, era exclusivamente para Ricardo. Definitivamente ele não precisava de mais nada pra estar feliz naquele momento. O café da manhã foi rápido e logo ambos estavam dentro do carro de Paulo, que olha em volta do veículo para ver se estava tudo bem. - Não disse que seu carro estaria seguro aqui, seu bobo? Ricardo entra no carro e repara como o interior do automóvel é cheio de elementos diferentes do que estava acostumado a ver. Na volta da balada ele não tinha reparado que havia um desenho de uma banana pendurado no espelho. - O que é essa banana? – pergunta. - Foi desenhada pelo Andy Warhol.


Ricardo faz um “ahan” e Paulo percebe que ele nunca tinha ouvido falar dele. - Andy Warhol, pop art...conhece ele? - Pra ser sincero, não lembro. -Foi ele quem fez aquela serigrafia em quatro cores diferentes da Marylin Monroe e também foi ele quem disse que um dia todo mundo teria 15 minutos de fama. - Ah, sim. Agora lembrei. A pintura da lata de sopa Campbell´s é dele, né? Eu só não tinha ligado o nome à pessoa. A conversa sobe arte durou pouco e Paulo não teve muita dificuldade para encontrar uma vaga de estacionamento, afinal não eram nem nove horas e o trânsito numa manhã de domingo nunca é intenso. A feirinha da praça estava há poucos passos dos dois. Telefones antigos, selos, moedas e cédulas das mais variadas partes do mundo, cristais, poltronas, enfim, aquela praça mais parecia um antiquário. Paulo olha o movimento de pessoas chegando e se espanta ao se certificar que havia muita gente disposta a acordar cedo num fim de semana para comprar coisas antigas. Ricardo estava entretido com algumas revistas velhas quando sente um abraço de Paulo, que tinha sumido no meio das barraquinhas. Ele estava com um embrulho e um cartão na mão. - O que significa isso? – pergunta Ricardo, com ar de surpresa. Não, ele não poderia esperar um presente assim de alguém que não conhece não tem nem dez horas. - Significa exatamente isso, um presente, seu lorinho! Era a primeira vez que Paulo chamava Ricardo assim. Ricardo, por sua vez, parecia estar derretendo por dentro. Era muita coisa bonita acontecendo em pouco tempo. Paulo começa a descrever o produto como se estivesse vendendo uma campanha de marketing da agência de publicidade onde trabalha. - Comprei uma coisinha pra você e essa coisinha foi o tempo quem me trouxe. Uns quase trinta anos, pra ser mais exato. Mas vamos no meu carro. Lá dentro te digo o que é. Ricardo não podia conter a ansiedade. Poucos segundos demoraram pra eles entrarem no carro. Paulo olha bem sério nos olhos dele e Ricardo retribui o olhar. Os olhos castanhos de Paulo estavam fazendo Ricardo esquecer por alguns segundos do mistério que envolvia o presente. - Olha, loirinho. Achei uma coisa que quero dar pra você, mas logo vou avisando que se trata de um presente que eu também vou querer usar, pois gosto muito. Tinha três iguais na barraquinha onde comprei, mas peguei apenas um porque sei que vamos usar ele juntos por muito tempo. Era a primeira vez que Paulo demonstrava certa insegurança na voz.


Ricardo pega o embrulho, abre devagar e logo se dá conta do que se trata. Um disco da Cyndi Lauper. Justo o disco que ele emprestou pra alguém que não lembrava quem era e já tinha dado como perdido. Paulo não podia ser mais assertivo. - Que lindo, obrigado mesmo. Eu tinha ele, foi um dos primeiros que comprei quando vim morar aqui. Mas alguém pegou emprestado e nem faço idéia de onde esteja. Nossa....obrigado mesmo! - Só isso que mereço? Ricardo joga o disco no banco de trás do carro e beija Paulo, mas é interrempido logo em seguida. - Não sei se você percebeu Ricardo, mas eu disse que comprei só um exemplar desse disco. - Posso emprestar pra você quando quiser ouvir. Paulo diz que não com a cabeça. - Estamos em 2011. Ninguém mais tem doca discos em casa. Você é o único, eu acho. Isso quer dizer que, se eu quiser ouvir este disco, você vai ter de me receber mais vezes na sua casa. - E por que eu deveria te convidar pra subir no meu apartamento mais vezes? Paulo se aproxima ainda mais de Ricardo, que a essa altura já estava quase sentado no colo dele. - Porque eu quero que você seja meu namorado. E nosso namoro não vai dar certo se a gente ficar se encontrando somente dentro do meu carro. Ricardo não disfarça seu espanto. Mas um sorriso no rosto dele anuncia a resposta que Paulo queria ouvir. - Se você disser que não, pego o disco de volta pra mim. O rapaz loiro arruma os óculos, olha pro chão do carro, com a intenção de fazer certo suspense.E ele percebe a expectativa de Paulo, que balançava o pé direito, como se estivesse há 5 horas numa fila de banco. Era a hora de acabar com o suspense e garantir que não perderia o vinil da Cyndi Lauper pela segunda vez. - Então acho que vou levar o disco e você pra morar comigo.


Capítulo 1 – Mãe no telefone Uma pausa depois do almoço e de horas intermináveis de provas na faculdade. Ricardo estava jogado no sofá, apenas de cueca e o ventilador de teto girava freneticamente, trazendo um mínimo de conforto para aquele início de tarde calorento de outubro. Quando o sono finalmente começa a surgir, logo ele vai embora por completo com um toque de telefone, que insiste em ser atendido . Ricardo tenta encontrar o aparelho, perdido em meio a tantas almofadas jogadas de qualquer maneira no sofá. - Desse jeito a ligação vai cair, droga – resmunga Ricardo. Pronto! Ele olha o display do telefone e descobre quem tinha ousado interromper sua sesta. - Oi mãe. - Filho, boa tarde. Que voz é essa? - Tava quase dormindo. -Te acordei... - Não, eu disse que estava quase dormindo. Logo, não tinha como me acordar – diz ele, com o tom carinhoso que ele reservava somente para duas pessoas: Tereza, sua mãe, e Paulo, seu namorado há dois anos. -Então parece que adivinhei. Se demorasse mais uns cinco minutos, iria interromper os sonhos do meu menino. Mesmo tendo 21 anos, morando na capital e cursando faculdade, Ricardo ainda é visto pela mãe como uma criança do pré-escolar. - Filho, como estão as coisas por aí? - Indo daquele jeito, mãe... Tereza, mesmo à distância, podia perceber, somente pelo tom de voz do filho, que as coisas não estavam muito bem entre Ricardo e Paulo. - Tô esperando que as coisas possam melhorar, mãe. Um dia, quem sabe, eu esqueço de verdade o que ele me fez e as coisas mudam de vez entre nós. Sei que o Paulo tem se esforçado, mas... - Ou você esquece aquela traição, ou acho que você devia tentar viver sozinho nesse apartamento e focar nos seus estudos. Bem, não vou falar nisso mais uma vez, é uma decisão sua, né? Tereza, apesar de ser uma mãe protetora, sabe a hora de sair de cena como ninguém. Talvez seja por isso que a relação entre ela e Ricardo seja tão próxima, como se fossem amigos de infância. Ela sabe mostrar o caminho que acha certo, embora não concorde com a sexualidade do filho. Mas ainda assim tem consciência do momento em ele escolher os próprios caminhos...


- Bem, meu filho. Eu te liguei pra falar sobre um assunto e gostaria muito que você me ajudasse a resolver isso. Ricardo brinca que está fazendo pouco caso com a solicitação de sua mãe, como se não se importasse com ela. - Vamos ver seu estarei a fim, dona Tereza. Fala aí que eu penso no seu caso. -Para de ser irônico, Ricardo. Mas eu sei que você poderia me ajudar sim. Olha, lembra do filho da dona Laura, que estava morando fora do país? - O Jonas? Bem, faz tanto tempo que não o vejo, desde que eu tinha uns 11 anos. Ele deve estar dez anos fora. Mas o que tem ele? - É que ele voltou a morar aqui na nossa cidade e vai começar a faculdade no início do ano que vem. Mas aí na capital. Inclusive é na mesma universidade em que você estuda. Você sabe que devo muito à dona Laura, que me ajudou a cuidar de ti quando o seu pai morreu. Ela queria saber se você poderia recebê-lo. É só por uns dias, até o rapaz encontrar um apartamento para alugar. Eu não saberia dizer não, meu filho. Posso contar com vocês? - Tudo bem, eu acho. Mas ele teria de dormir na sala. - Ai, filho. Que bom! Ela disse que vai fazer um depósito na sua conta, pra ajudar nas despesas. - Que isso, mãe. Estamos bem aqui. Só o apartamento que é pequeno pra mais de duas pessoas, mas vamos recebê-lo bem, sim. - Bem, vou avisar nossa vizinha então. Ele acabou de passar no vestibular e no final de janeiro estará indo morar aí. - Eu vou conversar com o Paulo, mas sei que não terá problema. E Tereza desliga tão animada e aliviada que parece ter salvado o mundo de um ataque nuclear. Ricardo se levanta do sofá, vai até a mesa de centro da sala, põe de lado algumas revistas que estavam em cima da base do telefone e conecta o aparelho, que estava quase sem bateria. Ele dá um leve sorriso ao lembrar de como sua mãe, sempre preocupada com os problemas do mundo, vive correndo de um lado para o outro na cidade natal dele, em meio a tantos compromissos voltados aos mais necessitados, seja de comida, de dinheiro ou qualquer que seja a carência **

Já fazia meia hora que Ricardo estava no escritório que ele e Paulo improvisaram num quartinho pequeno para estudar e fazer projetos da faculdade. Um livro sobre arquitetura, que ele estava achando chato e ainda tinha que ser traduzido do inglês,


tomava toda sua atenção naquele momento. Nem mesmo o disco da Cyndi Lauper, que ele tanto gosta de ouvir e estava tocando na sala, conseguia disputar a atenção dele com aquele livro. E olha que o livro era chato e o disco, foi o que ele ganhou de presente de Paulo dois anos atrás, quando começaram a namorar. De repente, com o silêncio que durava uns minutos, ele se levanta, vai até a sala e troca o lado do disco, colocando na quarta faixa do lado A. Logo vem um sentimento de tristeza, de uma perda iminente, pois Ricardo não sabe quanto tempo sua relação vai durar. Resta apenas uma sensação de que pode não durar muito. “Eu vou aceitar o pedido da minha mãe e depois que esse ex-vizinho for embora eu vou me separar do Paulo. Não posso insistir nisso vivendo dessa forma. Vai ser melhor eu ficar sozinho aqui e ver o que faço da minha vida”, conclui Ricardo, em sua mania de falar sozinho quando não há ninguém por perto. Enquanto toca “True Colors”, ele pega a capa do LP e suas lembranças o levam para a noite em que conheceu Paulo.


Capítulo 2 - A chegada do terceiro Aeroporto. O calor e as praias da capital trazem muito movimento de passageiros. Pessoas se misturam entre as que vão embora e as que estão chegando. Ricardo e Paulo se unem a tantos outros que estão esperando os que estão por chegar. Quase se perdem entre eles no meio de tanta gente e o hóspede não chega, demora. O voo que era para o rapaz estar chegou há mais de quarenta minutos. Será que ele não estava naquele avião?. - Finalmente é ele! – exclama, aliviado, Ricardo. Uma mensagem de texto mandada por Jonas avisando que ele teve problemas com a bagagem, mas que já estava saindo do desembarque. O novo hóspede, que Ricardo não vê há tantos anos, está prestes de deixar de ser um estranho. Apenas poucas semanas de alguma conversa pela internet. Mas nada muito pessoal. Ao menos ele sabe que Ricardo e Paulo não são apenas amigos, que dividem a mesma cama. O portão do desembarque se abre e apenas uma pessoa aparece. - Jonas não parece ser assim tão alto, mas o rosto é parecido. Será que é ele mesmo? Questiona Ricardo a Paulo. - Se for ele mesmo, a internet engana – ironiza Paulo, acostumado a entrar em contato com outros caras por aplicativos de encontros. A dúvida do casal acaba quando Jonas se aproxima dos dois. Um sorriso no rosto denuncia que é ele mesmo o ex-vizinho de Ricardo. - Nossa, eu nunca iria te reconhecer. Você mudou muito, Jonas. Ricardo o abraça, em tom de boas vindas. Em seguida, Paulo faz o mesmo. - Faz tanto tempo que não nos vemos que parece que estamos nos conhecendo agora. Mas seja muito bem-vindo! Nosso apartamento não é grande, mas prometo que vamos te receber bem lá em casa. - Imagina, a idéia é eu ficar poucos dias com vocês. Só o tempo de me adaptar. Jonas não tinha mais jeito de quem morou no interior. Roupas descoladas, de marcas importadas, cabelo propositalmente desarrumado e um físico esculpido em anos de academia. Bem diferente dos meninos com quem Ricardo convivia em sua cidade natal. O caminho entre o aeroporto e o apartamento dos dois é rápido, não tiveram muito tempo para conversas. Ricardo ficou encantado com as rápidas histórias dos lugares que Jonas conheceu nestes dez anos morando fora. Mas além das histórias, Ricardo parecia estar encantado com o jeito do rapaz, quase um estrangeiro no próprio país. No geral, pode-se dizer que uma impressão ficou, ao menos para Ricardo: o menino, no alto de seus 22 anos, é bem mais bonito do que parecia nas fotos. Paulo abre a porta, cada um dos três segurando uma mala. - Jonas, como te dissemos o apartamento é pequeno. Esta sala será o seu quarto nesses dias.


- Imaginem meninos. Não quero que vocês se incomodem comigo. Hoje mesmo já devo procurar um cantinho pra mim. - Aproveite pra conhecer a cidade primeiro. Hoje é apenas sábado. Quer beber algo?

Duas horas se passaram, as malas nem foram desfeitas e os três estavam sentados no sofá da sala. A única taça que Ricardo e Paulo tem estava sendo dividida pelos três, que bebiam a segunda garrafa de vinho. O primeiro ponto em comum entre o casal e Jonas: o gosto pelo álcool. A bebida parecia estar estreitando os laços bem rapidamente. - Você é gay, não? A pergunta de Paulo deixou Jonas surpreso. Ele, que fingiu não entender a pergunta, pediu para Paulo repetir o que tinha dito. Era uma forma de ganhar alguns segundos para pensar se seria melhor negar ou apenas dizer a verdade. - Jonas, perguntei se você é gay! Um gole no copo de vinho. - Sou. Ricardo olha para Paulo, surpreso com a atitude do namorado. - Paulo, assim você assusta o menino. - Me assustar com o que? Só me surpreendi, não achava que conversaríamos sobre isso tão cedo. A realidade é que Jonas lidava muito bem com sua sexualidade. Fora do país. Agora que ele acabou de voltar ao Brasil, ele não sabia muito bem se conversaria com a mãe sobre isso. Ter vindo estudar na capital foi uma saída e tanto. - Só não contei pra ninguém da minha família. Mas onde eu morava é tudo muito liberal. Lá não tive medo de me expor. Longe de casa e da família fica tudo mais fácil nesse sentido. E meu pai nunca se importou com isso enquanto morávamos juntos, na Suécia. - Aqui você não precisa ter medo de nada. Temos muitos amigos gays e você vai se enturmar bem rápido. Além de bonito você é simpático também. Agora foi Paulo quem se surpreendeu com o que Ricardo acabara de dizer. Elogiar outro cara na frente do namorado não era comum entre eles. - Tá olhando o que, amor? Só fiz um comentário. - Tudo bem Ricardo. Depois eu me vingo de você. Tu vai me procurar na cama ainda.... Os três riem. O álcool parecia mesmo ter quebrado algumas barreiras entre eles quase que instantaneamente. Tanto que Jonas se sentiu à vontade de fazer perguntas ao casal. - De vocês dois, quem gosta mais de sexo?


Ricardo prontamente responde. - O Paulo. Tanto que ele fez sexo, sem meu consentimento, com algumas pessoas uns seis meses atrás. E estamos juntos há dois anos! - Essa história novamente, amor? - Paulo, de boa. Não tô jogando na sua cara. Desculpe, foi sem pensar. Não falo mais sobre isso. - Agora fiquei curioso. E olha que quem tem mais cara de safado aqui é o Ricardo. - Desculpe, é que a gente prometeu não tocar mais neste assunto. Águas passadas... - Tudo bem. Sem problema, respeito o casal. Não se fala mais nisso então. Ricardo sai em defesa do novo hóspede. - Não se sinta mal, foi só uma pergunta. Entendo sua curiosidade. E só por ter falado que eu tenho cara de safado eu vou mostrar aqui que o safado é o Paulo e não eu. Eu peguei uma vez uma conversa de celular e descobri que enquanto eu estava de férias, em julho, visitando a minha mãe, o Paulo estava saindo com um casal um pouco mais velho. Duas semanas de férias e voltei pra cá com alguns galhos na minha cabeça, e multiplicado por dois! Paulo olha sério para o namorado. Estava claro que o assunto não o agradava. Mas Jonas dá continuidade, mesmo assim. A curiosidade era maior do que o bom senso naquele momento. - E o que você fez quando descobriu, Ricardo? - Quase voltei pra casa da minha mãe. Mas a vontade que tinha era antes jogar o Paulo e aqueles dois da ponte Hercílio Luz, com toneladas de concreto nos pés. Só pra garantir que eles não voltariam. - Quanto ódio nesse coração. - Ah, Jonas. Eu não esperava isso do meu namorado. O que você faria no meu lugar? Jonas aproveita para revelar sua mentalidade liberal. - Ia brigar por ele não ter me avisado da brincadeira. Assim voltava mais cedo pra cá e participava da festinha. Os três riem. Paulo parece menos tenso com a conversa. Ele ficou curioso com o estilo de vida das pessoas no outro continente. - Lá na Europa deve ser comum isso, né? - Por onde passei, de certa forma, era. - Sexo a três? – pergunta Paulo. - Três, quatro, cinco, dez, vinte....


Os três riem novamente. - E você já fez com quantos, Jonas? – agora Paulo começou a se interessar mais no assunto. - Não fiquei contando. Apenas transei. Jonas olha bem seriamente nos olhos do casal de namorados. Fica em silêncio por alguns segundos, e com um ar de curiosidade, pergunta aos dois: - Quantos cabem numa cama? A pergunta trouxe um silêncio àquela sala. De barulho, somente o do toca-discos, que já havia acabado de tocar a última faixa e por estar com defeito ficava travando no final do disco. O silêncio não precisou ser quebrado por nenhuma palavra, pois a comunicação entre os três não se dava por sílabas, fonemas, nem qualquer outra forma de comunicação oral. A voz, naquele momento, não se fez necessária. Mas as vozes internas, essas gritavam por dentro. Foram essas as vozes que ditaram tudo o que deveria acontecer naquele instante. E sim, a resposta foi dada. Naquela cama, cabiam muito bem três pessoas.


Capítulo 3 – Sexo, mentiras e vídeo tape. Ambos subiram na cama e ficaram de joelhos, um em frente ao outro, formando um triângulo vivo. Os três se olhavam e o único som existente naquele momento era a respiração deles. Jonas queria tomar a iniciativa, mas ficou com receio de parecer muito afoito. Afinal, era um casal que estava na cama com ele. Não queria assustá-los. Coube a Paulo tomar a rédea da situação. Isso deixou Jonas mais à vontade, já que pra ele seria melhor que alguém do casal mostrasse os caminhos permitidos, pra que não se quebrasse nenhum código secreto entre eles. O clima ainda estava tranquilo e as coisas não tinham avançado muito até então. Paulo resolve beijar o namorado, enquanto faz algum carinho em Jonas. Com a mão direita, ainda beijando Ricardo, Paulo aproxima o rosto do amigo ao rosto deles. Agora o beijo já não era somente a dois. Para Ricardo era a primeira vez que um beijo contava com um terceiro personagem, uma terceira língua. Estava difícil para ele saber para quem dar mais atenção, a quem beijar primeiro. Ele, então, vira o rosto, larga a boca do namorado e beija somente Jonas. Foi a maneira de matar uma curiosidade despertada nele desde quando o viu chegar no aeroporto: como seria o beijo dado naqueles lábios tão carnudos. Ricardo e Jonas continuam se beijando e Paulo começa a despir o namorado. Primeiro pela camisa e quando o zíper da calça fica totalmente aberto, ele sente o quanto Ricardo estava excitado. Foi a deixa para que Paulo começasse a dar vazão ao seu lado exibicionista: ele beija o volume de seu namorado, ainda sob a cueca, e começa a fazer sexo oral nele, um pouco depois de pedir para Jonas ficar observando a tudo. Enquanto Jonas tirava a própria roupa, sua excitação aumentava a cada vai e vem da cabeça de Paulo, que animadamente continuava o show. Cada uma de suas mãos tocam o casal de alguma forma: a mão direita de Jonas se reveza entre alisar as costas e a bunda de Paulo, enquanto a mão esquerda passa pelo peito, barriga e os pêlos mais abaixo em Ricardo, que continua sendo chupado pelo namorado. Paulo olha para Jonas e pergunta se ele quer tomar o lugar dele. Jonas aceita. Em alguns anos, era a primeira vez que Ricardo estava sendo tocado desta forma por outro cara que não o próprio namorado. Estava sendo estranho e muito bom ao mesmo tempo. Tão bom que ele pediu para Jonas parar. - Eu estou quase gozando! Os três interrompem o ritmo e voltam a se beijar. A esta altura, só havia roupas no chão e um movimento frenético, envolvendo os três, começava a se intensificar em cima da cama – Ricardo estava sendo penetrado pelo namorado. Era mais uma parte do show de exibicionismo que Paulo achava estar apresentando para Jonas.


Ricardo deita de costas e Paulo, em cima dele, dá continuidade ao show, que envolve muito movimento e bastante gemidos dos dois, que parecem estar ainda mais altos devido a presença de uma terceira pessoa naquela cama, deixando cada vez mais claro o prazer de Paulo em ser exibicionista. Jonas fica de joelho, perto da cabeceira da cama, para que pudesse ser chupado por Ricardo. O tesão entre os três estava cada vez mais intenso, perto do seu ápice. Ápice que eles atingem juntos, simultaneamente, numa sincronia que deixa os três extasiados. Desabados em cima da cama, Paulo, Ricardo e Jonas dormem abraçados. Ricardo, no meio dos dois, sentiu-se como o recheio de um belo sanduíche.

** Alguém não tinha fechado direito a cortina black-out da janela do quarto. Os raios de Sol estavam cada vez mais fortes e parecem ter escolhido o rosto de Ricardo para reluzir com intensidade suficiente para acordá-lo. Já passavam das dez da manhã de domingo quando Ricardo abre os olhos, abraçado a Paulo. Ele esfrega a mão sobre a cama, para procurar Jonas, mas sente que o rapaz não está mais atrás dele. Antes que ele pudesse se perguntar onde Jonas estava, Ricardo ouve o barulho da porta do banheiro. Eis que aquele rapaz alto e moreno surge dentro do quarto, diante da cama, completamente nu. - Bom dia, putinho - diz Jonas, abrindo um belo sorriso para Ricardo. - Bom dia - responde Ricardo, com cara de sono e uma leve ressaca moral que ele tenta disfarçar. Ricardo olha em volta para tentar achar sua cueca. É Jonas quem a encontra. Estava no chão, a poucos metros das roupas de Paulo. Jonas então se abaixa e alcança as roupas de Ricardo, enquanto também pega as suas para se vestir. Paulo acorda. - Que delícia, dois lindos e totalmente sem roupa – Paulo parecia estar muito a vontade com esta situação, ao contrário de Ricardo. Ele abraça o namorado, se levanta e sem se vestir, abre as cortinas do quarto e vai ao banheiro. - Bem, eu vou descer e comprar um cigarro. Quer que eu compre algo pro café, Ricardo? - pergunta Jonas, enquanto termina de se vestir. - Não precisa se preocupar com isso, Jonas. A gente arruma o café daqui a pouco, tudo bem? - Então tá bem. Já subo novamente. Pode abrir a porta pra mim?


** Ricardo está arrumando a mesa quando Paulo sai do banheiro. - Um abraço por trás no loirinho mais lindo e safadinho do mundo. Ricardo se vira de frente para o namorado com um olhar um pouco sério. Paulo percebe na hora que algo não vai bem. - Vix, o que foi menino? Ricardo suspira, deixando claro para Paulo que há algo de errado. - Tô meio confuso. Não sei se foi correto o que fizemos esta noite. - Na hora não me pareceu que você tinha alguma preocupação moral. Paulo abraça o namorado. - Não quero te ver mal por isso, amor. Já aconteceu, relaxa. Eles se beijam. A campainha toca. É Jonas. Ricardo observa a forma em que o rapaz entra, a maneira em que ele segura o cigarro. Ver Jonas e Paulo conversando, rindo. O jeito de cada um dos dois se torna engraçado para Ricardo. Em tão pouco tempo, ele se vê atraído por Jonas da mesma forma que se sente atraído por seu namorado. Cada um, sob o olhar de Ricardo, é bonito e sexy à sua maneira. A única coisa que passa pela cabeça de Ricardo neste momento é a gostosa descoberta desta noite. Aquilo mexeu intensamente com ele, o fez praticamente redescobrir o sexo, o quanto isso pode ser bom e renovador. Ainda mais quando o sexo é feito com alguém como Jonas. Descobrir o corpo dele, o beijo e o toque, a química entre os dois. Só que agora ele tem vontade de ter isso somente pra ele, sem a presença do namorado. Ainda que o tesão por Paulo seja o mesmo. Mas a cada dia que passa ele acha que o que resta entre ele e o namorado é somente tesão mesmo.

**

Domingo à noite. Após passarem a tarde dormindo em cima do colchão – que estava na sala, para os três assistirem televisão – foram acordados pelo barulho do telefone. Era Felipe, amigo do casal, que trabalha com Paulo, convidando os dois para algum programa. Decidiram por uma pizza no apartamento de Ricardo e Paulo mesmo. Assim, aproveitariam para apresentar Jonas a Felipe. Felipe tinha a mesma altura que Paulo, mas era mais magro que ele. Os cabelos, encaracolados, tampavam a testa, que ainda tinha recebido da adolescência, como herança, algumas espinhas.


Assim que ele entra, é apresentado a Jonas. Ricardo acha que o abraço dado entre os dois foi um pouco exagerado. - Nossa, o que eu estou sentindo? Era só o que me faltava! - pensa Ricardo. Ele se dá conta de que não pode transparecer o que se passa dentro dele, até porque não faz sentido isso. Se ele tem seu namorado, não pode querer que um amigo de infância, que acaba de reencontrar, não possa ficar com outra pessoa. Ainda mais se tratando de uma pessoa tão bonita quanto Jonas. Meia hora depois de pedirem uma pizza, ela finalmente chega. Os quatro estavam com bastante fome, o que fez com o tempo parecesse passar mais devagar. Os pratos já estavam dispostos sobre a mesa, com os talheres e copos. Tudo arrumado por Ricardo – o combinado sempre foi assim: Ricardo arruma a mesa, faz a comida e Paulo se encarrega de limpar tudo depois. Se bem que com a presença de Jonas, a tarefa da limpeza ficou mais fácil para Paulo. O jantar transcorria da maneira mais natural possível pra todos. Menos para Ricardo. Felipe fez questão de sentar bem ao lado de Jonas e por mais que Ricardo tentasse tirar isso da cabeça, parecia mesmo que os dois estavam se aproximando demais. Para piorar, Felipe serviu dois pedaços de pizza para Jonas, que se mostrava bastante a vontade com isso. - O último pedaço de pizza vai pra você Jonas - Felipe, sem querer, estava provocando cada vez mais Ricardo, que se sentia ainda mais enciumado. Ricardo tenta se controlar. Parecia que havia dois casais de namorados naquela mesa e isso não estava o deixando à vontade. Mas ele não consegue se manter neutro. - Pode deixar que eu sirvo a minha visita, pelo menos desta vez, Felipe - Ricardo não pensou duas vezes antes de agir assim. Algo precisava ser feito, ele não estava agüentando o nó na garganta. - Tudo bem, só queria ser gentil com a visita de vocês; defende-se Felipe, arrumando os óculos, que estavam um pouco tortos no rosto dele. Ricardo se levanta em direção à sala. Paulo vai atrás. - Pessoal, pode ser aquele filme novo do Almodóvar? – grita Ricardo enquanto anda pelo corredor, querendo confirmar a opinião dos demais. Antes de a pizza chegar eles estavam discutindo qual filme assistir. Optaram por ver “Amantes Passageiros”, que tinha acabado de sair em DVD. Meio baixinho, para que Jonas e Felipe não escutassem nada, Paulo pergunta ao namorado o que estava acontecendo. - Impressão minha ou você está com ciúmes do Jonas? Ricardo tenta esconder, mas fica surpreendido com a pergunta de Paulo. - Não, não estou. O que aconteceu foi somente sexo e o Jonas tem direito de ficar com quem quiser. – disfarça Ricardo, enquanto arruma o colchão no chão da sala.


Paulo, um tanto desconfiado, volta à cozinha e convida os dois a irem para a sala, onde o filme começaria a ser exibido. Um fato que causou certo estranhamento foi a forma em que Ricardo, que estava arrumando o colchão onde os quatro iriam assistir ao filme, dispôs os lugares onde cada um ficaria: no canto direito, Paulo, em seguida, Jonas. Ricardo ficaria entre Jonas e Felipe. Felipe foi o primeiro a protestar. - Ué, o Jonas vai ficar no meio do casal e eu aqui isolado? – disse ele, em tom de ironia. Ricardo, novamente, é o primeiro a se defender. - Coloquei de qualquer forma. É que estamos entre amigos, por isso não vi a necessidade de ficar exatamente do lado do meu namorado. Ricardo olha fixamente nos olhos de Felipe, como quem quer demonstrar – só pra ele – que Felipe está sendo bastante inconveniente. - Mas eu fico do lado do Paulo e você do lado do Jonas. Sem problema nenhum, Felipe. O filme começa depois de todos se deitarem no colchão. Claro, de forma totalmente diferente do que Ricardo tinha planejado antes. Pelo menos ele conseguiu ficar entre Jonas e Paulo. Mas Felipe parecia ter ficado próximo demais de Jonas, para desespero de Ricardo. Enquanto Paulo fazia carinhos em Ricardo, ele, por sua vez, ficava de olho se o mesmo estaria acontecendo à sua esquerda, entre Jonas e Felipe. Ao menos nos primeiros minutos do filme, nada acontecia. Ricardo fica mais tranquilo e consegue relaxar, prestar atenção no filme e ficar junto ao namorado. Mais algumas cenas do filme se passam e um movimento chama atenção de Ricardo: as pernas de Jonas e Felipe começam a se cruzar e Felipe aconchega a cabeça próximo ao peito de Jonas. Ricardo não conseguia mais prestar atenção no filme. Sem que ele percebesse, ele se deixa ficar incomodado com a situação, tal como se fosse o próprio namorado a trocar algumas carícias com um estranho. Mas Ricardo mal poderia esperar que Jonas e Felipe trocariam um beijo. É nesse momento em que ele perde totalmente o auto-controle e o medo de expor seus sentimentos. - Vamos parar com isso agora! – esbraveja Ricardo, enquanto desliga a TV com o controle remoto.


Capítulo 4 – O copo que cai

Paulo olha perplexamente nos olhos do namorado. Ele não acredita no que Ricardo acaba de fazer. - Amor, você pode dizer por que fez isso? Ricardo sabe que tem poucos milésimos de segundo para ser convincente e inventar algo que possa disfarçar o real motivo que o levou a desligar a TV e interromper o filme. - Bem, eu...Paulo, eles estavam quase transando aqui do meu lado. Assim não tem como assistir a filme algum, não acha? Felipe não disfarça sua indignação e Jonas prefere não dizer nada. - Olha aqui, Ricardo – esbraveja Felipe – Você está mais do que exagerando. Ninguém aqui estava transando, eu respeito sua casa. Você não teve o direito de agir assim. Ricardo percebe que se passou demais em sua atitude. - Tá bem, pessoal. Peço desculpas, eu interpretei vocês de forma errada. A sala estava escura, não pude ver direito. Ele força um sorriso e diz que vai ligar novamente a televisão. - Vamos continuar então, o filme está interessante. Tudo bem? Ricardo fica tenso e altamente constrangido com o silêncio de todos. Para piorar a situação, Felipe diz que vai embora. - Sei lá, pra mim o filme acabou aqui. Melhor eu ir pra casa. E assim termina a noite. Paulo arruma o colchão para Jonas dormir na sala e Ricardo, que queria repetir a dose da noite passada, dorme apenas com o próprio namorado. Sem sexo a três. Nem a dois.

** Queridos, sai mais cedo porque recebi uma mensagem de celular do Felipe. Ele me disse que tem um apartamento pra me mostrar. Hoje almoço na rua. Beijos nos dois! Paulo foi o primeiro a acordar, pois tinha que começar mais cedo na agência. É ele quem lê o bilhete primeiro e avisa Ricardo. - Acho que o Jonas já arranjou um bom amigo aqui na cidade. Ricardo pega o bilhete da mão do namorado e lê uma, duas, cinco vezes e não consegue acreditar. - Esse Felipe não perde tempo!


Paulo olha sério pro namorado. - Acho que a gente precisa conversar, mocinho! As pernas de Ricardo tremem. Ele conhece a maneira que Paulo tem pra dizer que está chateado: basta chamá-lo de mocinho. - Ricardo, você está confundindo as coisas. Transamos com o Jonas, mas ele está há dois dias aqui na nossa casa e de passagem. Sinceramente, eu não consigo entender o que está acontecendo contigo. - Não é bem assim, Paulo. - Como não? Ontem você simplesmente não conseguiu disfarçar em nenhum momento seu ciúme pelo Jonas. Você tem noção da situação ridícula que você provocou ontem? - Eu provoquei? – grita Ricardo. - Abaixa o tom de voz. E assuma...você está gostando do Jonas. Ricardo olha para o chão. Se ele se permitir olhar nos olhos do namorado, Paulo vai saber que está certo. Ele não conseguiria disfarçar. - Olha pra mim, Ricardo. Ele levanta a cabeça. Não há mais o que esconder. - Sim, estou. Eu acho que estou, pelo menos. Paulo fecha os olhos e dá um suspiro. Fica uns dois segundos em silêncio, olha pro namorado e diz: - Eu não esperava isso de você, Ricardo. Não mesmo! - Não é culpa minha. Ninguém é perfeito...você já fez coisa pior comigo. Ricardo insiste, novamente, em colocar o passado dos dois e os erros de Paulo no meio da discussão. É uma forma que encontra de justificar o que está se passando com ele. - Querido, ouça bem o que eu vou te falar. Paulo sabe muito bem como intimidar Ricardo. - O casal somos nós. Apenas você e eu e é assim que vai continuar. Vai ser perda de tempo tentar algo com o Jonas. Ele vai embora logo, podemos perder o contato com ele, inclusive. O que você quer pra nossa relação? Um terceiro travesseiro? Já vou te dizer: eu não quero e isso não vai dar certo! Entendeu? Ricardo não tem outra escolha a não ser dizer que sim. - Entendi. Você tem razão! Mas a razão de Ricardo não entende e não aceita o que o namorado acaba de dizer.


** A porta se abre. Jonas tinha levado a cópia da chave de Ricardo junto com ele, quando saiu pela manhã para ver o apartamento. E Paulo tinha acabado de chegar do trabalho. Ricardo vai até a sala para cumprimentar Jonas e vê que ele não chegou sozinho ao apartamento. - Felipe, você aqui! Ricardo não poderia ficar mais frustrado com a presença de seu novo rival. No entanto, dá um abraço nele e pede desculpas pelo ocorrido na noite passada. - Achei que você não fosse aparecer aqui tão cedo, por minha causa. Mas que bom que você voltou. Isso significa que você não está mais bravo comigo, né? É melhor para Ricardo tratar bem Felipe, afinal eles ainda são amigos. Além do mais, as visitas de Felipe no apartamento do casal são comuns, pois Paulo trabalha com ele na agência de publicidade. - Tá tudo bem, Ricardo. Desde que você não dê “pití” novamente, nossa amizade continua a mesma, queridinho. A ironia de Felipe despertou uma gargalhada geral entre os quatro, inclusive em Ricardo. Mas para Ricardo, rir era uma forma de proteção, pois por dentro ele tinha vontade de mandar Felipe ir embora dali naquele mesmo instante. Ficou claro para Ricardo que, para poder incluir Jonas na relação entre ele e Paulo, Felipe deveria ser superado de alguma forma. Mas o que cabe a ele fazer? Paulo chega na sala com bebida e todos se servem. Jonas abraça Felipe e resolve dar uma notícia. - Pessoal, é com muita alegria que quero informá-los que Felipe e eu vamos morar juntos! No mesmo minuto, Ricardo deixa o copo cair no chão. O som do vidro se espatifando no chão é seguido por um silêncio fúnebre. Era mais uma mostra de que Ricardo estava cada vez mais perdendo o controle da situação.


Capítulo 5 – O beijo às escondidas

Instantaneamente Ricardo se abaixa e tenta juntar os poucos cacos do copo que acaba de cair. Ele demora um pouco mais que o normal, propositalmente, enquanto cria coragem para olhar para Paulo, Jonas e Felipe. - Tá tudo bem, quer ajuda? – pergunta Jonas. - Tá sim. Já terminei. Vou pegar alguma coisa na lavanderia pra limpar isso aqui. Desculpem... Ricardo deixa os três na sala. Paulo olha para Jonas e balança a cabeça. Felipe não perde a oportunidade para fazer um comentário irônico. - Paulo, acho que você anda esquecendo de dar remédio pro seu marido, viu? - Pára com isso, Felipe. Não foi nada, você sabe como ele é desastrado às vezes. - É, eu sei. – responde Felipe, com seu típico jeito irônico. Quando Ricardo termina de limpar a sujeira e pega mais um copo para beber, Jonas explica como vai ser sua nova rotina, caso a oferta do aluguel se confirme. - Bem, eu não vou necessariamente morar junto com o Felipe. É que tem um apartamento vago três andares acima do apartamento do Felipe. E o preço parece bacana. Só preciso confirmar com a imobiliária, mas depois eu ligo pra eles. Ricardo, mais aliviado, dispara: - Do jeito que você tinha anunciado, pensei que o Felipe tinha te pedido em casamento e que você já estava se mudando pro apartamento dele. Paulo corta o embalo do namorado. - Ricardo, menos, por favor. Chega com isso, ok? - Lindinho, foi só uma brincadeira. Fique tranquilo. Ricardo, para mais uma vez tentar contornar a situação, pega a garrafa de bebida e serve a todos. Entre um gole e outro, Felipe lembra Paulo de que eles devem conversar sobre uns problemas da agência e vão à salinha do escritório, onde Ricardo costuma estudar para a faculdade. Enquanto os dois vão falar sobre trabalho, Jonas olha para Ricardo. Agora ambos estão à sós na sala. - Queria conversar com você. Se Jonas prestar atenção, poderá ouvir os batimentos do coração de Ricardo pulsarem mais forte. - Pode ser lá na cozinha? Não queria que os meninos ouvissem nossa conversa. – Jonas estava deixando Ricardo ainda mais nervoso. Seria um pedido de namoro? Ou do


contrário, será que ele estava tentando arranjar uma forma menos dolorida para dizer que quer ficar com o Felipe?

**

A mesa do escritório, onde fica o computador e uma impressora, dividia espaço com livros, revistas e até algumas roupas jogadas, esperando para serem passadas, desde a semana passada. Paulo e Ricardo se revezam entre as semanas para arrumar o apartamento, mas a semana já tinha acabado e algumas roupas ainda estavam ali, esperando a boa vontade de Paulo. - Desculpe a bagunça, Felipe. Com a vinda do Jonas acabei deixando essas coisas pra depois. Mas senta aí. O que você queria me falar sobre a agência? Felipe pega uma almofada e senta no chão, enquanto apóia o pé de Paulo em seu colo. Uma pequena intimidade que surgiu no meio da amizade dos dois é o hábito de fazer massagem na panturrilha um do outro. Um mimo que eles têm há algum tempo e que Ricardo nunca censurou, tendo consciência da amizade deles. - Tô meio desanimado em continuar na agência, acho que vou procurar outro lugar pra trabalhar. - Vai me abandonar e me deixar sozinho com eles? – A equipe onde Paulo e Felipe trabalha não é muito unida e apenas os dois que se dão bem. A começar pelo chefe de ambos, toda a equipe cria um clima de desmotivação que torna o trabalho mais pesado e a criatividade mais engessada. - Mas você tem uma posição melhor do que eu lá dentro, vale mais a pena pra você ficar lá do que pra mim. Mas não tomei decisão nenhuma, por enquanto. - Acho bom. Não queria trabalhar sem você lá. Aí que aquilo iria se tornar chato de vez. - Acho que vou arranjar um segundo emprego, alugar um apartamento maior e arrastar o Jonas pra morar comigo, sabia? – diz Felipe, em tom animado. - Ué, mal conheceu o menino e já quer casar? Como assim? - Por mim, é só chamar o padre. Eu caso! Paulo se espanta com a declaração do amigo e fica um pouco sem jeito, afinal ele sabe que o próprio namorado e seu melhor amigo estão a fim da mesma pessoa. Talvez seja melhor fazer o que for possível para que Jonas de fato venha a ficar com Felipe, assim dois problemas se resolveriam ao mesmo tempo. Desta forma, ele manteria o namoro e a amizade. - Se você puder me ajudar, faz uma força, conversa com o Jonas. Tô a fim dele, mesmo. Não sabia que no interior tinha gente tão bonita assim, viu?! Mesmo sem jeito, Paulo diz que sim com a cabeça.


** Ricardo está apoiado no armário da cozinha e Jonas, sentado, de frente pra Jonas. Ele não faz idéia do assunto. Na verdade, Jonas parecia um pouco sério, o que deixa o rapaz loiro ainda mais aflito. Após alguma conversa jogada fora, Jonas faz uma pergunta bem íntima ao antigo vizinho. - Sabe Ricardo, eu venho acompanhando o seu modo de agir nesses dois dias que eu estou aqui e queria saber se você gosta mesmo do Paulo ou se está com ele apenas por costume. Ricardo olha pro teto, coça o pescoço e começa a mexer nos imãs de geladeira com a mão. - Seu silêncio já diz tudo. É uma pena, pois vocês formam um lindo casal. Jonas completa sua frase com um sorriso. - Lindo demais, até. Tanto você quanto o Paulo são dois tesudinhos. Ambos riem, quebrando um pouco o clima de interrogatório de antes. Ricardo sente que pode confiar em Jonas e resolve desabafar, expor um pouco seus sentimentos. Coisas guardadas dentro dele e que não teve coragem para dividir com alguém, Nem mesmo com o próprio Paulo. - Jonas, o problema é que depois que Paulo e eu reatamos, as coisas têm sido cada vez piores. Não quer dizer que haja briga, desentendimento, mas eu adquiri uma dificuldade em me relacionar com ele que só tem aumentado. Tem sido difícil pra mim agüentar essa barra. - Mas você pensa em terminar tudo? - Vou te confessar. Quando eu soube que você precisaria vir pra cá, passar uns dias, eu meio que planejei esperar o dia em que você arranjasse um lugar pra ficar e quando Paulo e eu voltássemos a morar sozinhos aqui...eu terminaria. Já estava pra tomar uma decisão dessas, mas daí apareceu você e, sei lá. Tenho que amadurecer a idéia. Jonas olha pra Ricardo com cara de espanto. -Sério? Nunca imaginei que pudesse ser assim. Tô impressionado. Mas olha, se eu estiver incomodando vocês, tudo bem. Eu me viro, peço pra ficar com o Felipe. Não se incomode por mim, por ... Ricardo não deixa Jonas terminar de falar. - Tá, me diz uma coisa agora...o que ta rolando entre você e o Felipe. - Ué, nada! Conheci o menino ontem... É nítido o ar de desconfiança no semblante de Ricardo.


- Não tem nada, mas já quer ir morar com ele, né? Jonas solta uma gargalhada. Ele não acredita no que está ouvindo. - Vem cá, gatinho. Qual é a sua? - Qual é a minha? Nem eu sei. Só sei que... - Vai, fala. O que você sabe? Ricardo começa a alisar a mão de Jonas carinhosamente. - O que sei, Jonas, é que tô muito a fim de você. A sua chegada aqui me fez mudar completamente a visão que tinha até do meu próprio namoro com o Paulo. Se antes eu achava que acabaria terminando tudo depois de você ir embora, agora acho que você não deve mais ir. - Você quer trocar o Paulo por mim? – questiona Jonas, assustado. Ele começa a ficar com medo do que Ricardo vai dizer. - Não, de forma alguma. Por acaso você esqueceu que cabem três na nossa cama? Jonas abre um sorriso e olha para o teto, como quem não consegue acreditar no que ouviu. - Achei que lá na Europa isso fosse comum namorar a três. - É, mas. Não sei se me daria bem num lance desses. Acho isso um perigo, pra falar a verdade. Ricardo começa a cantarolar uma música antiga. - Perigo é ter você perto dos olhos, mas longe do coração... Jonas não entende. - Deixa pra lá, é só uma música dos anos 80. Não é do seu tempo. - A ta. Quem vê você tem 30 anos a mais que eu. Não se esqueça que eu sou um ano mais velho que você, viu? - Adoro novinhos. – responde prontamente Ricardo, que dá dois passos pra frente, até ficar cara a cara com Jonas. - Na verdade, Jonas...eu adoro é você! Mal ele termina de se declarar para Jonas e um beijo acontece. Um beijo apaixonado e intenso, que Ricardo já não podia mais segurar. Jonas se deixa levar e não impede. Os lábios, grudados daquela forma, as línguas se encontrando e reencontrando deixam este beijo impossível de ser interrompido. A não ser que alguém os flagre. - Que lindo pra você, Ricardo, traindo o seu namorado debaixo do nariz dele.


Ricardo olha assustado para a porta da cozinha. Felipe nĂŁo podia ter escolhido um momento pior para aparecer.


Capítulo 6 – Sexo no apartamento vazio

-Vão ficar me olhando dessa forma, os dois? – Felipe mostra uma indignação no olhar que deixa Ricardo bastante acuado. - Não fale alto assim, Felipe. O Paulo não precisa saber disso. Não dessa forma, pelo menos. Tenha calma. - Calma, Ricardo? Agora eu entendo a sua atitude. Derrubou o copo no chão, desligou a TV bem no meio do filme. Claro, você trouxe o Jonas pra cá pra trair o Paulo. - Não seja ridículo, Felipe. – Paulo se irrita – Você não sabe do que está falando. Eu beijei sim o Jonas. Mas não foi a primeira vez, nós já... Paulo entra na cozinha e interrompe a discussão. - O que aconteceu aqui, pessoal? Por que esse escândalo? A entrada de Paulo impediu que Ricardo revelasse a Felipe que os três transaram na noite retrasada. - Eles estavam te traindo, Paulo. Seu namorado estava beijando o Jonas, esse é o motivo do escândalo. Felipe parecia contente em dizer isso. Era uma forma de colocar Ricardo em seu lugar e afastá-lo de Jonas. - Fui eu quem comecei tudo, Paulo. O Felipe só pegou a situação depois que o beijo já tinha começado. Jonas achou melhor inventar uma situação para não causar ainda mais confusão. Ele não fazia idéia de como Paulo poderia reagir. A reação de Paulo foi inesperada para todos naquela cozinha apertada. Não houve brigas, nem ressentimentos aparentes. A normalidade com que Paulo recebeu a notícia demonstrou o quanto ele não se importa com fidelidade sexual. - Ok, aconteceu. Só quero que parem com essa gritaria. Vai chamar atenção dos vizinhos e o síndico daqui é muito chato. Felipe fica atônito. Como alguém poderia agir assim ao saber que o próprio namorado estava beijando outro cara? O celular de Jonas toca. Era da imobiliária. - Mas não tem outro apartamento nesse prédio? Você me disse que ele estava livre... Ok, mas quinze quilômetros da universidade é longe demais pra mim. Preciso que seja aqui por perto....bem, se não tem, ok. Vou procurar outro! Jonas explica, desanimado, que o apartamento tinha sido locado no dia anterior e que a atendente da imobiliária se enganou.


Felipe parece se mostrar mais frustrado ainda. Era a oportunidade que ele tinha de ter Jonas morando perto dele. - Bem, vou ter que procurar um lugar pra mim – lamenta Jonas – Podemos ir com o seu carro, Paulo? - Claro, vamos todos juntos. Vem com a gente, Felipe? - Me desculpe, Paulo. Mas não tenho nada o que fazer com vocês. – Felipe não esconde seu descontentamento. Prefiro ir pra casa, sozinho. Abre a porta pra mim, Paulo? Felipe sai da cozinha sem se despedir de Jonas e Ricardo. Paulo o leva até a porta e eles se abraçam. - Eu não agiria assim no seu lugar, Paulo. Você foi traído a um palmo do seu nariz e não fez nada? Não consigo entender você. - Deixa pra lá, Felipe. Eu me entendo com os dois. - Ok, tchau. Cuide do seu namorado antes que ele te coloque um par de chifres, viu? Paulo dá um leve sorriso e se despede do amigo. Ele pega a chave do carro, que estava sobre a mesa de centro da sala, e vai à cozinha, onde ainda estão Ricardo e Jonas. - Não precisam olhar assim pra mim. Não vou empurrar os dois daqui de cima. – Paulo estava falando em tom de deboche com a cara de assustados dos dois. - Peço desculpas, amor. Não vai mais acontecer, prometo. Ricardo ainda não se convenceu de que estava tudo bem para Paulo. Paulo chega perto dos dois, olha profundamente para Ricardo e lhe dá um beijo, bem longo. Com uma das mãos, ele aproxima Jonas do casal e os três se beijam novamente. - Está tudo bem agora. Só tentem me incluir quando resolverem ficar juntos. Assim não tem problema nenhum. O beijo entre os três continua até que o celular de Jonas toca novamente. - É a imobiliária de novo. Jonas atende o telefone. Paulo e Ricardo ficam curiosos pra saber o que houve. - Será que o apartamento no prédio do Felipe ficou vago? – resmunga Ricardo, preocupado com a possibilidade de Jonas virar vizinho de Felipe. Ele desliga o telefone. Paulo e Ricardo olham para Jonas, esperando uma resposta. Jonas se mantêm em silêncio. - Fala, você conseguiu apartamento? – Ricardo não consegue manter a curiosidade.


Bastante animado, Jonas explica que um apartamento bem perto da universidade ficou vago. - Vamos lá então. – Paulo já sai abrindo a porta para todos descerem até o estacionamento.

** Jonas sentou na frente, junto com Paulo, que dirigia até o endereço combinado com a imobiliária. Ricardo ficou no banco de trás, abraçado aos dois. Para Ricardo, por mais que tudo estivesse acontecendo tão rapidamente, parecia que os três já haviam institucionalizado uma união tripla. O que é uma realidade apenas na cabeça dele. Tanto Paulo quanto Jonas estavam vendo aquilo como uma experiência diferente. Ainda que Paulo soubesse do interesse que seu amigo Felipe estava nutrindo por Jonas, nenhuma dessas possibilidades pareciam reais até então. Para Paulo, Jonas era uma rapaz independente e que não toparia entrar numa relação: nem com Felipe e muito menos com ele e Ricardo. Jonas, da mesma forma, não via como uma possibilidade ter algo mais sério com Paulo e Ricardo, tampouco com Felipe. Tudo era apenas interesse sexual. O fato de ter tantas coisas novas a se preocupar, como casa, faculdade, trabalho, não deixavam espaço para relacionamentos estáveis. Paulo estaciona o carro em frente ao prédio onde Jonas pretende alugar apartamento. Os três descem do carro e vão à portaria. - Tem uma moça da imobiliária me esperando no apartamento 708. - Ela não chegou ainda, mas já deixou avisado. Podem subir. A chave é esta. Jonas, Paulo e Ricardo entram no elevador. - Pode ser que essa chave seja minha por muito tempo. Espero que dê certo, porque tenho medo de procurar e não achar nada muito bom e por um preço legal aqui nesse bairro. - Vai dar certo, sim. Pode ficar tranquilo. – Paulo sempre costuma ser otimista. - O bom é que a gente vai poder se visitar sempre, pois é super perto de casa. – comemora Ricardo. Os três se abraçam e trocam pequenos beijos. Nada muito exagerado, mas o contato da pele entre os três faz com que eles não percebem que o elevador abriu antes do previsto. Uma senhora pega o mesmo elevador no quinto andar. Pela reação deles, não dá pra medir quem ficou mais assustado: os rapazes ou a velhinha. O silêncio é quebrado pela senhora.


- Podem continuar o que vocês estão fazendo aí sozinhos. Eu ainda tenho tempo de esperar o próximo elevador. Assim que as portas se fecham, os três não agüentam e soltam uma enorme gargalhada. Antes que eles pudessem perder o fôlego com os risos, o elevador se abre novamente. A porta do suposto novo apartamento aparece bem de frente aos três. - Bem, é esse. Vamos entrar – Jonas pega as chaves do bolso da calça. Os três entram no apartamento. O espaço não é grande, mas funcional. A maioria dos móveis da cozinha e sala já vinham instalados no apartamento, o que facilitaria bastante a vida de Jonas. As janelas eram grandes, característica de alguns prédios mais antigos. Ricardo abre as janelas. - Pelo preço que estão cobrando de aluguel, até que a vista não é a das piores – brinca Ricardo. Os dois vão até a janela ver do que Ricardo estava falando. - É, nada mal – concorda Paulo. Jonas pergunta se eles irão visitá-los com freqüência. - Todos os dias iremos te trazer café da manhã – brinca Ricardo, que se aproxima dos dois e os abraça ao mesmo tempo. Jonas olha para a porta, que ficou aberta. - Vamos com calma. A moça da imobiliária pode chegar a qualquer momento. Ricardo pega os dois pelas mãos e os leva até o quarto. - Nossa, que amplo. Achei que o quarto seria menor, pelo tamanho do apartamento – espanta-se Jonas. - É grande mesmo. Cabe bastante gente aqui – comenta Paulo, fazendo todos rirem. - Parece grande porque não tem cama ainda – explica Ricardo. Jonas sai do quarto para ver se a corretora não estava chegando. Ele interfona para o porteiro, que o alerta sobre o hábito dela de chegar atrasada sempre. Jonas volta ao quarto. - Acho que a mulher vai demorar. O que vocês acham de inaugurarmos o apartamento em grande estilo? – pergunta ele, enquanto se despe na frente de Paulo e Ricardo. O casal de namorados não pensa duas vezes e em poucos minutos, os três estão sem roupa, no meio daquele quarto vazio. Jogados no chão, aqueles corpos nus parecem não se preocupar com a aparente sujeira do ambiente. Nem com a possibilidade de serem flagrados pela corretora de imóveis.


Os movimentos bruscos e os sons de gemido dos três não os deixam atentos ao ruído da porta se abrindo, abafando também o barulho do salto alto da arrumada funcionária da imobiliária. Eis que os três são pegos de surpresa. - Que pouca vergonha é essa? Saiam os três agora daqui, se não eu chamo a polícia!


Capítulo 7 – Proposta irrecusável

Em nenhum momento da vida dos três rapazes eles se vestiram tão rapidamente. Aquela mulher de meia-idade, toda arrumada e de salto alto, vendo os três totalmente sem roupa os deixou muito constrangidos. Isso sem contar a ira da corretora de imóveis: a impressão que eles tinham é que se eles ficassem mais uns minutos naquele apartamento, seriam jogados por ela do sétimo andar. Já no carro e com o fôlego recuperado, Ricardo comenta o quanto eles foram imprudentes lá em cima. - Tava na cara que ela chegaria logo, mesmo com aquele atraso. Da próxima vez, Jonas, tranque a porta. - Pois é, foi mal. Eu estava excitado demais pra pensar nisso, mas deveria mesmo ter cuidado melhor pra que ela não flagrasse a gente. Paulo não segura o riso ao lembrar da reação da corretora quando foram flagrados por ela. Os três riem juntos. - Garanto que ela nunca vai conseguir vender aquele apartamento, resmunga Paulo, entre uma gargalhada e outra. - Aliás, lembrei do Felipe. Ele não iria acreditar se eu contasse o que houve agora. Ricardo é incisivo em relação a esconder de Felipe o que está acontecendo entre os três. - Você não faria isso, Paulo. Não quero que o Felipe saiba de nada disso. Aliás, eu quase contei tudo pra ele hoje de manhã, mas é melhor que fique assim. Jonas concorda. Paulo e Ricardo perguntam o que ele achou do Felipe. - Olha, é uma boa pessoa. Mas achei ele meio grude, possessivo. Não faz meu tipo, não. - Tá, e aquele beijo na hora do filme? – questiona Ricardo. - Você foi um louco aquela hora. Ele tentou me dar um selinho, mas eu virei o rosto porque não queria beijá-lo, quando você desligou a TV e deu aquele piti. Ricardo ri da situação. - Gente, já está anoitecendo e essa aventura me deu fome. Vamos parar no mercado antes de ir pra casa? - Pode ser, Jonas. Boa idéia. Paulo e eu gostamos de lasanha, o que você acha?

** Os potes de lasanha estavam espalhados na pia da cozinha e os pratos, também vazios e sujos, empilhados em cima da mesa. Enquanto Paulo começava a arrumar a cozinha,


Jonas e Ricardo escolhiam algum filme na sala. O colchão já estava estendido em frente à televisão. Os três estavam somente de cuecas. - Amor, deixa pra depois essa louça. Vem aqui com a gente. Ricardo, que estava com a cabeça deitada na perna de Jonas, achou melhor chamar pelo namorado, que ainda estava na cozinha, para não criar uma situação parecida com a que Felipe flagrou no começo do dia. Ele não sabia se conseguiria se controlar por muito tempo estando quase a sós com Jonas. - Já vou, deixa eu terminar aqui. – grita Paulo, lá da cozinha. Jonas começa a alisar os cabelos loiros de Ricardo. Ele olha para Jonas e sorri. A atração que Ricardo sente só vem a aumentar e estar deitado no colo dele o faz sentir bastante aconchegado. Em alguns momentos, ele parece não sentir falta de Paulo, o que o deixa um pouco confuso. No entanto, esse sentimento de proteção que Jonas o traz compensa a certa confusão de sentimentos dentro de Ricardo. - Ricardo, aquele DVD do Roxette é de clipes ou ao vivo? - Qual, aquele? Ah, sim, é de clipes. - Posso colocar pra tocar? -Claro, Paulo e eu somos fãs. - Fui em três shows deles quando morava em Estocolmo. - Ah, sim, eles são suecos, né. Deve ser legal vê-los pessoalmente. Jonas se levanta para pegar o DVD e Ricardo se vira para o lado, como se quisesse tirar uma soneca rápida. Ele sempre gostou de dormir ouvindo alguma música e as baladas românticas do Roxette pareciam ser ideais praquele momento. Jonas ainda está em pé, lendo o encarte do DVD, quando Paulo chega na sala e o abraça por trás. Eles se beijam e Ricardo, que estava quase adormecendo, abre os olhos para ver a cena. Ver o seu namorado beijando Jonas o traz um misto de estranhamento com excitação. Ele repara como aqueles dois corpos, quase com o mesmo tom de pele morena e com pelos por todas as partes, despertam todos os tipos de atração nele, que é loiro, com pele bem branca e lisa. Jonas, apesar de ser mais alto que Ricardo, tem o mesmo corpo: pernas grosas, peludas e peitos e braços bem definidos. Ricardo percebe o volume por baixo da cueca do namorado e de Jonas e, já extremamente excitado, se despe e começa a se tocar, enquanto continua assistindo ao show particular dos dois morenos na sala de seu apartamento.


Os beijos entre Jonas e Paulo esquentam ainda mais e Ricardo fica de joelhos, bem de frente aos dois, que a essa altura também estavam completamente sem roupa. A língua de Ricardo percorre cada centímetro das coxas de Jonas e Paulo. Ricardo se levanta e esfrega seu corpo ao de Paulo e Jonas. As mãos dos três não conhecem fronteiras para percorrer entre os corpos. Pernas, peitos, braços, costas, atrás e na frente: não há limites entre os três, que apesar de se conhecerem a poucos dias, a essa altura já criaram uma enorme sintonia na cama. Até mesmo o sexo entre Paulo e Ricardo, que algumas vezes se via na rotina, parece ter sido resignificado. Paulo e Jonas fazem um movimento que força Ricardo a ficar no meio dos dois. Pressionado, o corpo do jovem loiro não se incomoda com a falta de espaço. O toque, a sensação de ter dois homens disputando seu corpo, tanto atrás quanto na frente dele, faz Ricardo chegar ao nível máximo de excitação. Naquele fim de noite não houve rótulos, nem papeis definidos. Até mesmo as regras mais fortemente estabelecidas em todo o tempo de namoro entre Paulo e Ricardo foram quebradas, em nome do prazer e a sintonia dos três naquele colchão improvisado no meio da sala. Após o clímax, eles adormecem ali mesmo, um com a cabeça no peito do outro, sentindo os batimentos do peito se normalizar aos poucos. Depois de um dia cheio, o justo descanso.

**

Jonas é o primeiro a acordar. Apesar de passar mais uma noite com o casal de namorados, ele achou desconfortável dormir em três no colchão da sala. Algumas dores nas costas confirmavam isso. Um pequeno barulho que ele faz quando procura a cueca acorda Ricardo. Bom dia, lindão. Já em pé? – Questiona Ricardo, com um belo sorriso no rosto. - Bom dia, gatão – responde Jonas, com as mãos nas costas. - Dormiu bem? Parece um senhor de 95 anos levantando. - Acho que dormi de mau jeito. - Vem aqui que eu faço uma massagem em você. Jonas, ainda nu, deita-se no colchão novamente. Ricardo se posiciona em cima das pernas de Jonas e começa a massagear as costas dele. Quanto a Paulo, nada parece interromper o sono do rapaz. Pelos suspiros de Jonas, parece que a massagem de Ricardo está surtindo efeito. - Não sabia que suas mãos tinham esse poder – elogia.


- Não sei se você percebeu, mas minhas mãos são capazes de muitas coisas. Jonas dá um sorriso safado e se vira de frente para Ricardo. Ele estava visivelmente excitado. - Nossa, quanta disposição pra uma manhã de terça-feira. – ironiza Ricardo. - Bem que você poderia terminar sua massagem de uma forma especial, não? Ricardo fica sem saber o que fazer diante da proposta de Jonas, pois Paulo ainda estava dormindo. Será que seu namorado não ficaria chateado se acordasse e visse uma situação dessas? - Lindo, acho melhor não. O Paulo nem acordou ainda... Jonas entende e não insiste. - Tudo bem, senhor careta. Vou levantar e tomar uma ducha. Preciso ir cedo procurar apartamento pra morar. - Não está chateado comigo? - Imagina. O que é uma punheta perto do que aconteceu esta noite? Os dois riem. Jonas dá um beijo na boca de Ricardo, que em seguida se deita novamente e abraça Paulo, que parece querer dormir por mais algumas horas.

**

Poucos minutos depois de Jonas fechar a porta, o despertador do ceular de Paulo toca e ele acorda, muito sonolento. Ele olha para os lados e percebe que nem Jonas, nem Ricardo estavam mais ali. - Todo muito já saiu? Ricardo aparece na sala. Ele acabou de tomar café com Jonas e deixou a mesa arrumada para Paulo comer alguma coisa. - Bom dia. Vai tomar seu café, que você está atrasado. - Não tem problema. Faço tanta hora extra naquela agência que posso chegar um pouco depois. E o Jonas, já saiu? - Sim, foi procurar apartamento de novo. Ricardo abraça o namorado e lhe dá uns beijos no pescoço.


- Amor, se o Jonas tiver dificuldade de encontrar um apartamento, o que você acharia se ele ficasse mais tempo que o previsto? - Não sei o que pensar, Ricardo. As coisas não estão saindo como imaginávamos, não? Ricardo se faz de desentendido. - Você está falando do que? - Oras, o que você acha? Sua mãe te pediu pra receber um antigo vizinho seu e de repente ele vem pra cá e quase vira nosso terceiro travesseiro. Ricardo dá um sorriso que denuncia sua enorme satisfação com os recentes acontecimentos. Paulo, convencido de que o próprio namorado está adorando a aventura, o faz uma pergunta: - E se você se apaixonar por ele e eu ficar sobrando? - Por que você diz isso, Paulo? - Oras, nessas histórias sempre tem alguém que sobra. Não é possível os três serem felizes juntos e pra sempre. Ricardo policia suas palavras, pois não quer deixar escapar a vontade que ele tinha de terminar com Paulo antes da chegada de Jonas. Mas agora as coisas são diferentes e ele não se vê mais nem sem Paulo, nem sem o Jonas. - Eu não concordo. Acho que estou gostando de vocês dois por igual. Paulo se surpreende com a resposta. - Como assim por igual? Você está comigo há mais de dois anos e já gosta dele da mesma forma que gosta de mim? Ricardo abraça o namorado e o enche de beijos, como se quisesse se redimir de uma palavra mal colocada. - Calma, menino nervoso. Eu quis dizer que gosto dos dois, mas cada um à sua maneira. - Eu acho complicado isso, mas ao mesmo tempo está sendo legal. Também estou curtindo o que houve. Paulo olha no relógio e percebe que está cada vez mais atrasado pro trabalho. - Você não vai nem comer? - Compro alguma coisa depois. Preciso ir.

**

- Chegando atrasado?


Era perto do meio-dia e a agência de publicidade estava vazia. Felipe era o único que estava naquele momento. - Perdi a hora sim. Ainda bem que o chefe não está aqui agora. – diz Paulo, aliviado. - Imagino que você e Ricardo devem ter passado a noite discutindo, por causa daquela traição que ele aprontou pra você. Felipe parece ter sido o único que não esqueceu daquele beijo entre Ricardo e Jonas. - Esse assunto de novo, não. Por favor, Felipe. O bom humor de Paulo evita que ele seja grosso com o amigo. A noite foi ótima e Felipe nem pode desconfiar da deliciosa confusão que está acontecendo na casa dele. - Ok, não quero me meter na vida de vocês dois. Mas também não gostaria que o seu namorado se metesse entre o Jonas e eu. Paulo liga o computador e antes de digitar a senha para entrar no sistema da agência, ele se vira para Felipe. - Me diga uma coisa. Você ficou mesmo interessado no Jonas? - Claro que sim. E é óbvio que o Jonas também está, você não percebeu? Paulo desconversa. - É. Acho que sim. Mas sou meio desligado pra essas coisas, você me conhece, Felipe. - Só não enxerga quem não quer. Você viu a cara dele quando soube que não poderia mais morar no mesmo prédio que eu? Olha, quase o convido pra vir morar comigo. Paulo sabia desde o começo que seu amigo tinha se interessado por Jonas. Só não imaginava que a coisa fosse tão séria. - Me diz uma coisa, Felipe.Você sempre fez questão de afirmar que não queria namoro, que se sentia super feliz sendo solteiro, morando sozinho. Você mudou de opinião? Felipe olha pro chão e se mostra um pouco desanimado. - Paulo, eu não me abri nem pra você, que é meu melhor amigo. Mas estou cansado de viver assim, sozinho. Sempre me dá uma pontinha de inveja ao ver você e o Ricardo tão bem juntos, mesmo depois dos problemas que vocês tiveram. Paulo se mostra impressionado. Não era o que Felipe costumava demonstrar. - Ficar sozinho num sábado à noite e não ter ninguém decente pra te fazer companhia não é fácil. - Posso imaginar. – conclui Paulo, num tom de preocupação disfarçado de solidariedade ao melhor amigo. - Preciso de um favor seu e sei que você não irá negar. - Sim, fale. Que favor?


Paulo já imagina a enrascada em que está se metendo. - Eu estou apaixonado pelo Jonas e preciso que você faça duas coisas: sondar, assim como quem não quer nada, o que o Jonas achou de mim e pedir pro seu namorado se comportar melhor em relação ao Jonas. Paulo fica sem palavras. O que dizer numa situação dessas? - Tá bem....eu vou ver o que posso fazer. Se Paulo pudesse sair correndo daquela agência e se esconder no primeiro lugar que encontrasse, ele o faria, certamente.


Capítulo 8 – A mãe do Ricardo morreu?

Aquele fim de tarde estava chuvoso e Paulo emprestou o carro a Jonas, para ele procurar apartamento. Ele não queria andar a pé os três quilômetros que separam o trabalho de onde mora. Antes de ir ao ponto de ônibus, resolveu parar no barzinho ao lado do trabalho para tomar um café. Se alimentou muito mal hoje e precisava de um reforço antes de chegar em casa. Na verdade era um pouco de receio de ir pra casa, pois teria uma conversa séria com Jonas e Ricardo. Ele tinha feito uma promessa ao melhor amigo e deveria cumpri-la. Ainda que isso deixasse seu namorado extremamente frustrado. - Me vê um café, por favor. – pede Ricardo, enquanto coloca sua mochila sobre o balcão. De repente a mochila cai no chão e antes de ele se abaixar, um senhor, aparentando ter idade bem avançada, se antecipa e pega a mochila primeiro. - Obrigado, senhor. Não precisava se incomodar. - Não me agradeça. Eu sou velho, mas ainda posso ajudar os outros. - Que bom, quero estar assim quando chegar na sua idade. Se chegar. Paulo agradece novamente ao homem pela gentileza e lhe oferece um café, que é aceito imediatamente. - Um bom café na chuva de hoje, não tem como recusar. O senhor aproveita a receptividade de Paulo e começa a falar de como era a cidade antigamente, do clima, das pessoas, e com tudo tem mudado ao longo das décadas. Paulo, por sua vez, presta tanta atenção nas histórias que acaba esquecendo do problema que o espera em casa. Mas a conversa estava tão interessante que ele preferiu não se preocupar com a hora e permaneceu dando atenção ao velhinho. As histórias são interrompidas de repente. O senhor de idade olha para o lado e fica sério. Paulo também olha na mesma direção. A voz grossa vindo de uma pessoa vestida de mulher, pagando a conta no caixa, não deixa dúvidas: o senhor de idade estava olhando para uma travesti que acabara de entrar no bar. - Olha só essa pouca vergonha. Hoje todo mundo quer direitos, respeito, mas a sociedade não está preparada pra isso. Você não acha, meu jovem? Paulo não concorda. Tem amigos e colegas de várias identidades de gênero e condições sexuais. Mas naquele momento ele estava com pouca disposição pra discutir sobre diversidade sexual. - Pois é, nem todo mundo está acostumado, né? O velhinho dá de dedos em Paulo, como se tivesse dando a maior lição de sua vida.


- Olha, meu jovem, eu te digo uma coisa: tenho quase oitenta anos e posso te garantir que até hoje, em toda minha vida, nunca vi ninguém desse tipo se dando bem na vida. Seja puta, viado,ou não sei o que. Esse negócio de homem casar com homem, mulher casar com mulher, não tem como dar certo pra sempre. Uma hora chega o fim e depois a pessoa se acerta na vida ou vive pra sempre sozinha. Paulo nunca teve problemas com a própria sexualidade e em outra situação teria dado risada daquele senhor. Mas uma coisa que ele disse lhe tocou de alguma forma: o tipo de relação que ele estava tendo com Ricardo e Jonas também não era nada ortodoxo. Como seria se os amigos soubessem? Talvez, de alguma forma aquele senhor poderia ter razão. Ou ele continuava o namoro apenas com Ricardo ou essa história que mal começou poderia mesmo acabar em separação e solidão. O que quer que possa estar prestes a acontecer entre os três precisa ser evitado a todo o custo.

**

Paulo esqueceu a chave do apartamento na agência. -Espero que um dos dois esteja em casa. Não mereço ficar esperando aqui fora depois de pegar ônibus lotado. Ele interfona. Jonas atende. - Oi sou eu. Abre pra mim. - Ok. Abriu? - Sim. Valeu. Não costuma levar mais que cinco minutos para Paulo pegar o elevador, subir e abrir a porta do apartamento. A porta, aliás, já estava aberta. Jonas o esperava nervoso. - Aconteceu alguma coisa, Jonas? Paulo percebeu que tinha alguma coisa estranha. - A mãe do Ricardo, a dona Tereza.... - Fala, o que aconteceu? - Não sei, mas parece que ela morreu.


Capítulo 9 – Felipe não tem o que quer

Paulo procura um lugar pra sentar. Jonas poderia ter sido mais cuidadoso ao dar uma notícia dessas. - O Ricardo deve estar arrasado. Onde ele está? - Saiu correndo, não conseguiu voo pra nossa cidade e foi de ônibus mesmo. Só vai chegar no meio da madrugada, coitado. Mas me diz, o que aconteceu com a dona Tereza? - Foi minha mãe quem ligou, dizendo que viu pela janela uma ambulância saindo. Foi ver o que era e a empregada disse que ela tinha desmaiado, que parecia estar morta. Foi ela quem me ligou, desesperada. Estava difícil para Paulo raciocinar. Era a terceira tentativa de ligar para Ricardo e o telefone está desligado. Jonas volta do quarto, com o celular de Ricardo na mão. - Veja só. Na correria ele deixou o telefone em casa. E está sem bateria.

** Passavam das três e meia da manhã. Paulo acorda com o celular tocando. No mesmo instante ele atende. Era Ricardo. Ver que era o namorado na linha o faz despertar na hora. - Amor, como eu to preocupado com você. Me conta, o que aconteceu? A voz de Ricardo estava tranqüila no telefone, o que trouxe um alívio imediato a Paulo. - Foi só um susto. Cruzei mais de 500 km de ônibus por causa de um susto, mas está tudo bem. Ela teve uma queda súbita de pressão e foi levada pro hospital por causa daqueles problemas do coração. Acharam que poderia ser grave. Mas tá tudo bem, foi só uma indisposição. - Que alívio, Ricardo. Achei que você estivesse arrasado. Tentei te ligar, mas o Jonas achou seu celular aqui em casa, sem bateria. Ele me disse que ela tinha morrido! - Foi o que chegou pra mim quando me avisaram. Por isso saí daquele jeito. Quase nem levei roupas minhas, só consegui pegar um taxi e me mandar pra rodoviária. Naquela hora não tinha mais voo. Mas acho que é o suficiente pra ficar uma semana. Vou cuidar melhor da minha mãe, o médico disse que ela não pode ter fortes emoções, apesar de estar estável - Imagino amor, no caso dela, que tem problema no coração, é melhor cuidar pra não ter incômodos.


Ricardo ouve uma voz ao telefone. Parecia ser Jonas. Ele acordou com a conversa no meio da madrugada. - Ele está dormindo com você? Paulo diz que sim. - Vocês não transaram, né? Paulo se irrita ao telefone. - Você acha que depois disso tudo o que aconteceu com sua mãe a gente teria cabeça pra isso? - Tá bom, desculpa. - Aliás, você aí no hospital, depois de mais de cinco horas de viagem, ainda consegue se preocupar com quem eu transei ou não. Só pra ti, mesmo. - Ok, Paulo. Preciso desligar, tenho que chamar um taxi e ir pra casa da minha mãe. No início da manhã volto aqui pro hospital pra conversar com o médico. Nem sei se vou dormir direito esta noite.

**

Jonas dividiu os compromissos naquela tarde entre procurar um apartamento pra alugar e resolver alguns procedimentos para a matrícula na universidade. Ele estava no computador quando Paulo chegou em casa. Jonas tinha acabado de falar com Ricardo pela internet. Ele estava de bermuda, sentado à mesa da cozinha. Apenas uma luz que vinha da rua iluminava parcialmente o ambiente, mas o suficiente para Paulo ver os contornos das pernas de Jonas. Havia também uma pequena luz, vinda do monitor do computador, que dava contornos bem atraentes dos braços e peitos, bem definidos. Mas Paulo tenta manter um certo distanciamento, afinal Ricardo não estava ali com eles. E havia uma promessa feita a Felipe, que ele não poderia descumprir. Paulo senta- se ao lado dele. Ao cumprimentá-lo, as mãos de Jonas começam a deslizar sobre a perna direita de Paulo. Paulo, sorrindo, afasta a mão dele de seu corpo e tenta desconversar. - A noite está caindo. O que acha de caminharmos na praia? Jonas fecha a tampa do notebook e lhe beija o pescoço. - Que perfume bom o seu. Era um bom momento para Paulo mencionar o nome do namorado.


- Obrigado. É o preferido do Ricardo. - Ele tem bom gosto, já deu pra perceber – responde Jonas. - Aliás, como está a nossa sogra? Os dois riem. Não ter parâmetros para uma situação como a que eles estão vivendo torna tudo isso engraçado para eles naquela hora. - A dona Tereza está bem, passou o dia bem. Acabei de falar com o Ricardo pela internet. - Que bom. Ele mandou uma mensagem antes do almoço dizendo que ela estava bem. Parece que não foi nada mesmo. - Felizmente – diz Jonas. – Mas mesmo assim ele vai passar uma semana lá. - Ele também me disse isso. Ele está bem inseguro, sabia? - Mas a mãe dele está bem, não? Por que a insegurança? - Ele não está inseguro pela mãe dele. E sim por deixar você e eu sozinhos aqui por uma semana. O olhar de Jonas denuncia a possibilidade do que o que Ricardo mais teme possa acontecer. Paulo acha que os dois precisam conversar a respeito. - A gente precisa entrar em um acordo, Jonas. - Sobre o que? - Vamos falar sobre isso caminhando na praia. Só deixa eu tomar um banho, tá bem?

** A brisa do mar era uma recompensa pelo dia quente que fez hoje. Paulo e Jonas estavam curtindo bastante aquele clima mais ameno. - Quem vê este tempo agora nem imagina o inferno que foi hoje nessa cidade. - Lá na Suécia deve ser bem diferente o clima, não? Jonas explica o quanto o inverno lá é rigoroso. - Quando o frio é bem intenso, pra ajudar a piorar, começa a escurecer no meio da tarde. - Mas tem o Sol da meia-noite também, né? - Sim, mas isso é no verão. No começo achava bem engraçado olhar no relógio e ver que às dez da noite ainda era dia. Mas depois se acostuma. O telefone de Jonas toca. Era Felipe na linha.


Paulo percebe a indiferença de Jonas quanto à ligação. - Não vai atender? - Não. Jonas desliga o celular. - Achava que fosse rolar algo entre vocês. - Definitivamente, se tem alguém a fim nessa história, não sou eu. Paulo decide falar a Jonas o que seu amigo havia confessado. - Eu não ia falar nada, mas o Felipe me disse que... Jonas o interrompe. - Eu sei, já deu pra entender. - Ele se declarou pra você? - Não. Mas deu pra perceber. Só que ele é meio pegajoso, grudento. Os dois riem. Paulo achou uma graça a sinceridade repentina de Jonas. - Desculpe, sei que é seu melhor amigo, mas ele é possessivo demais pra mim. Não rola. Paulo explica a Jonas que quer ver Felipe bem. Que de certa forma ficaria contente em ver ele bem com Jonas, se isso fosse possível. - Mas isso não é possível. E tem mais, o que você acabou de dizer me deixou um pouco frustrado agora. Paulo fica intrigado. O que poderia causar isso em Jonas? O que foi que ele disse de errado? - Você declarar que gostaria de me ver com o seu amigo me faz pensar que não se interessa em mim. Seria uma pena, pois eu gostei de você e do Ricardo por igual. Os dois ficam em silêncio. Paulo parece meio pensativo. Um banquinho no calçadão, vazio, se mostrava bastante convidativo para um descanso após a caminhada. Jonas, ao ver que Paulo sentou-se um pouco longe dele, faz questão de se aproximar. - Olha pra mim, Paulo. Paulo, que desviava o olhar, olhou bem nos olhos do rapaz. - Qual é o seu medo? A demora de Paulo em responder faz com que Jonas tome novamente partido.


- Olha, se o seu problema for o Felipe, fique tranquilo. Já disse que não quero nada com ele. Paulo finalmente responde. - Mas ele vai se sentir traído. Eu prometi a ele que ajudaria vocês a ficarem juntos. - Como você pode decidir isso por mim, sem saber se eu estou a fim ou não? Paulo o abraça. - Me desculpe. Não costumo ser inseguro, mas me senti de mãos atadas. Considero muito a amizade que tenho por ele. A gente não se conheceu ontem... - Mas você não tem como ajudá-lo. - Eu concordo com você, Jonas. Mas também não acho certo que aconteça alguma coisa entre nós. Justo você, que é quem Felipe está a fim. Tenho certeza que ele não iria me perdoar. Jonas pega a mão de Felipe e começa a massageá-la. - Da mesma forma que percebi que seu amigo quer alguma coisa comigo, também ficou nítido o quanto Ricardo está empolgado com alguma coisa entre nós três. Você percebe que está entre a cruz e a espada? - Sim. - E o que você vai fazer? Paulo olha em volta, pra ver se não tem ninguém por perto. Parecia um milagre, mas naquele momento a praia estava vazia. A resposta pra pergunta de Jonas vem da melhor forma possível. Paulo lhe rouba um beijo. Um beijo rápido, pois a qualquer momento alguém poderia chegar. Mas o que eles farão em casa nesta noite não poderia ser interrompido por ninguém. Ainda que Ricardo não estivesse junto com eles.


Capítulo 10 – Uma cama pra nós três O silêncio do quarto é quebrado com o som do despertador de Paulo. Passa das sete da manhã e ele precisa ir mais cedo à agência trabalhar. Paulo sente um braço apoiado sobre seu corpo e num primeiro momento, ainda tomado pelo sono, imagina ser o braço de Ricardo. Num gesto carinhoso, Paulo desliza a mão sobre ele e se dá conta de que é Jonas quem está dormindo ao seu lado. Ao perceber que os dois estão sem roupa vem a lembrança do que aconteceu noite passada. - Não acredito que fiz isso – resmunga Paulo, enquanto tenta se desvencilhar de Jonas, que passou a noite inteira com braços e pernas sobre ele, como se a cama tivesse um terço do espaço que tem. Procurando não acordar o rapaz, Paulo caminha pé sobre pé no quarto e fecha a porta com bastante cuidado. Ele não queria ter de trocar palavra alguma com ninguém neste momento. Ao entrar no banheiro, ele olha seu reflexo no espelho. Dos poucos minutos acordado, Paulo se vê tomado por um peso na consciência. Ele prefere desviar o olhar do espelho, por não agüentar olhar a si mesmo. Já no caminho ao trabalho, nem o trânsito chato do horário parece lhe tirar a ressaca moral. - Não é a primeira vez que transo com alguém sem estar com o Ricardo, mas desta vez foi diferente. Só não entendo o porquê. O celular de Paulo toca. Ele desliga o aparelho assim que vê o nome de Jonas. - Não estou pra ninguém hoje, muito menos pra você.

**

Ricardo, apesar do susto causado pelo incidente de sua mãe, dona Tereza, está gostando de estar em sua cidade natal, após quase um ano longe. Estar na casa em que sempre morou, rever alguns amigos e revisitar lugares está servindo para recarregar as energias para o novo ano de faculdade que está prestes a começar. O médico avisou que sua mãe terá alta hoje, no fim do dia. Ele então aproveita pra passear pelo Centro da cidade e tomar um sorvete, perto da praça e ao lado da igreja onde foi batizado e fez a primeira comunhão e crisma. Lugar comum em cidades pequenas da região: uma praça ao lado de uma igreja, configurando o Centro da cidade. Ricardo, desde a adolescência, se afastou da igreja, mas sua mãe, católica fervorosa, o obrigou a pelo menos fazer a comunhão e crisma, como todos da sua idade. Desde então, nunca mais entrou em uma igreja, sob protestos calorosos de dona Tereza. Após escolher os sabores de sorvete e pagar a conta no caixa, ele procura uma mesa disponível. Com o calor de fevereiro, a única sorveteria da cidade fica disputada a tapas.


Ao conseguir encontrar uma, ele segue até a mesa, torcendo para que ninguém a ocupe antes, enquanto tenta equilibrar o celular, a carteira e o sorvete nas duas mãos. Mal experimenta o sorvete e um par de mãos cobre os seus olhos. - Adivinha quem é? As mãos eram firmes e a voz, grossa. Ricardo acha a voz familiar, mas não a reconhece de imediato. O dono da voz misteriosa desiste da brincadeira assim que percebe a demora de Ricardo para adivinhar a charada. Além disso, o ato estava chamando atenção dos clientes da sorveteria, de maioria adolescente. Não é comum um homem fazer uma brincadeira assim com outro homem? Assim que Ricardo olha pra trás, a suspresa: Márcio, garoto da mesma idade que ele, antigo amigo de colégio, reaparece na cidade após anos morando longe. - Você por aqui? - Eu é que me pergunto. O que você faz por aqui, mocinho? Faziam três anos que os dois não se viam. Márcio deixou a escola na metade do ensino médio por causa do trabalho do pai e foram morar em Curitiba. - Você voltou pra cá? - Sim, a empresa do meu pai nos mandou de volta pra cá. Márcio pega um sorvete e senta-se na mesma mesa que Ricardo. Ele, por sua vez, fica nervoso com a presença inesperada do rapaz. Márcio era uma paixão platônica, que Ricardo alimentou por anos a fio. Ele só teve coragem de se revelar no dia anterior à mudança de Márcio. Foi um beijo roubado, em um final de tarde, num sítio perto da cidade. Márcio mudou-se, eles perderam contato e nunca tiveram oportunidade de tocar no assunto. Mas o momento de colocar o passado em dia parece estar bem próximo. - Meus pais estão em Curitiba pra trazer o resto da mudança. Está uma bagunça, mas o que você acha de conhecer minha nova casa? O convite parece irrecusável. Ricardo está se sentindo muito bem ao reencontrar o antigo amigo. - Claro – diz Ricardo, olhando pro relógio. - Mas terei de ir ao hospital buscar a minha mãe às cinco. Temos três horas pra conversar. - É mais do que suficiente pra dar uma rapidinha, assegura Márcio, em tom de deboche.


Ricardo fica intrigado. Será que é isso mesmo que ele entendeu? ** O quarto de Márcio até que estava arrumado, mesmo ele estando no meio de uma mudança. Como os móveis devem vir em duas ou até três viagens, o que chegou já estava totalmente organizado. Apenas alguns CD´s empilhados no chão e o videogame em cima do criado mudo denunciavam um certo ar de improvisação. Ricardo estava folheando algumas revistas quando Márcio entra no quarto, só de bermuda e com parte da cueca branca à mostra. Ricardo percebe o quanto o rapaz ficou mais bonito de uns anos pra cá. Mas prefere não comentar. Ele disfarça e pega o copo de suco que Márcio trouxe da cozinha. - Me conta mais sobre sua vida em Curitiba nesses três anos. Márcio termina de tomar o suco de laranja e começa a resumir as mudanças em sua vida desde que foi pro Paraná. - No começo não me adaptei muito bem com a cidade por causa do frio. Mas em compensação, tem muita gente bonita por lá. Assim que cheguei já comecei a namorar. - Sério? – Ricardo fica tentando em perguntar se era com mulher ou com homem, mas achou que poderia ser muito invasivo. - Sim. O namoro durou pouco, mas o suficiente pra eu reprovar naquele ano. - Que pena. - Tudo bem, acontece. Mas depois do namoro eu caí na vida. - Como assim? - Não estudava direito, viva em balada, barzinho. Não deu outra. - Mas por que isso? - Quando o namoro acabou eu não quis aceitar. Por isso me enfiei na noite, pra matar o que tava me matando. Márcio estava quase fazendo dezessete anos quando seu primeiro namoro chegou ao fim. - Só terminei meus estudos ano passado. - Não vai fazer faculdade? - Agora não. Quero parar um ano pelo menos. Ver o que faço da vida. O jeito descompromissado de Márcio causa estranheza em Ricardo. Pra ele, começar a faculdade assim que saísse da escola era a maior meta de sua juventude. Mas não era na vida acadêmica de Márcio que Ricardo estava interessado.


- Eu tava lembrando de quando você se mudou daqui, Márcio. Aquele fim de semana no sítio. Ricardo lança suas cartas. Queria saber o que Márcio iria dizer sobre aquele beijo. - Eu nunca esqueci daquele dia, Ricardo. Você abriu um caminho que eu acho que iria demorar muito tempo se não fosse aquele beijo. Ricardo não sabia, mas Márcio também mantinha um sentimento, um desejo por ele. Ambos se gostavam em segredo e nunca souberam disso. - Depois que você me beijou quase que a força eu me achei muito estranho. Comecei a me sentir confuso. Foi a primeira vez que tinha beijado outro cara e gostei da experiência. Só que demorei mais de três meses pra repetir a dose. Márcio estava falando do ex-namorado em Curitiba. - O segundo cara que me beijou virou meu namorado. Foi por ele que me apaixonei perdidamente. Acho que nunca vou amar de novo assim... Ricardo sente uma ponta de ciúme e arrependimento. Quem sabe se eles tivessem ficado na época, algo maior poderia acontecer. Márcio olha seriamente nos olhos de Ricardo e se aproxima. - Acho que tenho que devolver aquele beijo pra você. A vontade que Ricardo tinha naquele momento era tirar a roupa de Márcio e fazer tudo o que pudesse ser feito naquela hora. A oportunidade parecia ser única. - Melhor a gente nem começar, Márcio. Eu não te disse, mas sou quase casado. E eu preciso ir pro hospital buscar a minha mãe. Márcio segue Ricardo até a porta, que sai quase em disparada, como se estivesse no meio de um incêndio. Na verdade, o único incêndio que estava acontecendo naquele momento era dentro de Ricardo. Mais um minuto diante daquele rapaz e ele não sabe o que poderia acontecer. Nunca foi necessário tamanho auto-controle como dentro daquele quarto, ao lado do antigo amor platônico.

**

Já fazia uma semana que Paulo e Jonas estavam sozinhos naquele apartamento. Caminhadas na praia no final de cada dia viraram rotina na vida dos dois. Não havia nenhum assunto não abordado entre eles. A dupla parecia se conhecer há anos. Se aproximaram bastante nesses dias. Depois daquela noite em que Paulo e Jonas transaram, houve uma séria conversa entre os dois. Combinaram que Ricardo não saberia de nada. E que também não fariam mais


sexo sem a presença dele. Para isso, estabeleceram que não ficariam sem roupa na frente do outro e que dormiam em camas separadas – Jonas estava dormindo no colchão da sala. Ainda assim, houve uma vez em que quebraram todos os protocolos. Em determinado dia, Paulo chegou mais cedo do trabalho, na mesma hora em que Jonas tomava banho, de porta aberta. Jonas pediu uma toalha, pois tinha esquecido de levar a dele ao banheiro. Os dois acabaram tomando banho juntos e se secando com a mesma toalha, que não foi o suficiente. Seus corpos ainda estavam molhados quando ambos terminaram na cama. Depois disso, o único acordo que se seguia era o de que Ricardo não saberia de nada quando voltasse de viagem. E que tentariam não repetir a dose. Novamente.

** Paulo chega em casa. Jonas está com Ricardo, na câmera do computador. - Amor, morrendo de saudades de você. Jonas complementa a fala de Paulo. - Nós dois estamos morrendo de saudades! Paulo abraça Jonas e lhe dá um beijo no rosto. - Ricardo, olha o que você está perdendo aqui. Volta logo! Ricardo finge estar com ciúmes de Paulo. - Acho que não preciso mais voltar. O Jonas já deve ter tomado o meu lugar. Os três riem. Jonas e Paulo haviam combinado que Jonas poderia ficar mais uns meses morando com eles, caso Ricardo topasse – Ricardo certamente não iria se opor. Mas, por brincadeira, diriam a Ricardo que Jonas já arranjou apartamento e que se mudaria amanhã. A –falsa- notícia não é recebida da melhor forma por ele. - Jonas, pra que isso? Por que você não espera ao menos eu voltar. Fique mais uns dias conosco. Já me acostumei com vocês dois morando comigo. Jonas e Paulo seguram a risada. Querem que Ricardo acredite que Jonas está saindo do apartamento. A conversa entre os três, mediada pelo computador, segue até o começo da madrugada. Fica claro o sentimento de saudades entre os três, cada um à sua maneira sente falta da presença dos três juntos naquele apartamento. Paulo deixa arrumado o colchão da sala para Jonas, que está no banho, ir dormir. - Vou pra minha cama, só tava te esperando pra dar boa noite.


- Que fofo. Então, pode me dar boa noite. Já saí do banho e estou aqui na sua frente. Os dois se olham sem dizer nada um ao outro, até Paulo quebrar o silêncio. - O Ricardo está fazendo uma falta danada aqui. Jonas concorda. Paulo fica com o olhar perdido, olhando a cidade pela sacada. - Bem, preciso dormir, não quero me atrasar na agência amanhã. Boa noite, querido. Paulo entra no quarto e deita-se. Depois da longa conversa que teve com o Ricardo pela internet, ele se percebeu tomado por uma enorme carência. Queria muito estar com o namorado na cama. Ele, Ricardo e Jonas na mesma cama, abraçados. Paulo estava quase adormecendo quando ouve Jonas bater à porta. - Será que eu deixo ele entrar? – questiona Paulo a si mesmo. Paulo não responde e Jonas abre a porta lentamente, como se estivesse esperando a permissão de Paulo para entrar. Já não havia mais tempo para reagir. Jonas imediatamente deita-se ao lado de Paulo, que nenhuma atitude toma. Eles se abraçam e permanecem na mesma posição até adormecerem. Nesta noite não estão em busca de sexo. São duas pessoas, com suas carências, sentindo a falta de Ricardo e suprindo a ausência dele com uma companhia para uma noite solitária.

**

Paulo levanta-se mais cedo e arruma a mesa do café para Jonas. Após o café tomado e algumas conversas, Paulo pede um favor a ele: - Você pode procurar em alguma loja uma cama pra nós três? Quero fazer essa surpresa pro Ricardo.


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