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Série
AS AVENTURAS DO CAÇ ¸ A-FEITIÇ ¸O
O Aprendiz m Livro 1
A Maldição m Livro 2
O Segredo m Livro 3
A Batalha m Livro 4
O Erro m Livro 5
O Sacrifício m Livro 6
e vem mais aventura por aí... aguarde!
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Tradução Lia Wyler
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O PONTO MAIS ALTO DO CONDADO É MARCADO POR UM MISTÉRIO.
CONTAM QUE ALI MORREU UM HOMEM DURANTE UMA GRANDE TEMPESTADE, QUANDO DOMINAVA UM MAL QUE AMEAÇAVA O MUNDO. DEPOIS, O GELO COBRIU A TERRA E, QUANDO RECUOU, ATÉ AS FORMAS DOS MORROS E OS NOMES DAS CIDADES NOS VALES TINHAM MUDADO. AGORA, NO PONTO MAIS ALTO DAS SERRAS, NÃO RESTA VESTÍGIO DO QUE OCORREU NO PASSADO, MAS O NOME SOBREVIVEU.
CONTINUAM A CHAMÁ-LO DE
WARDSTONE, A PEDRA DO
GUARDIÃO.
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ESTRIPA-RESES DE HORSHAW
uando ouvi o primeiro grito, virei-me e tapei os ouvidos com as mãos, pressionando com força a minha cabeça até doer. Naquele momento, eu não podia fazer nada para ajudar. Ainda assim, continuei a ouvi-lo, o grito de um padre atormentado, e o som se prolongou por muito tempo até finalmente cessar. Eu tremia no celeiro escuro, ouvindo a chuva tamborilar no telhado, tentando reunir coragem. Fazia uma noite péssima e tendia a piorar. Dez minutos depois, quando o montador de cargas e seu ajudante chegaram, corri para recebê-los à porta. Os dois eram corpulentos e eu mal chegava aos seus ombros. — Muito bem, rapaz, onde está o sr. Gregory? — perguntou o montador com uma ponta de impaciência na voz. Ele ergueu sua lanterna e me observou desconfiado. Seu olhar era arguto e inteligente. Nenhum dos dois homens parecia disposto a aturar brincadeiras.
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— Ele está muito doente — respondi, tentando controlar o nervosismo que fazia minha voz parecer fraca e trêmula. — Passou a semana toda de cama com febre alta, por isso me mandou substituí-lo. Sou o aprendiz dele,Tom Ward. O montador me olhou de alto a baixo, como um agente funerário avaliando um futuro cliente. Ergueu, então, uma das sobrancelhas tão alto que ela chegou a desaparecer sob a aba do seu boné, de onde a água da chuva escorria sem parar. — Muito bem, sr.Ward — disse ele, com um ligeiro sarcasmo na voz —, aguardamos as suas instruções. Enfiei a mão no bolso da calça e tirei um desenho que o pedreiro fizera. O montador pousou a lanterna no chão de terra e, com um aceno de cabeça de alguém cansado de viver, olhou para o seu ajudante, pegou o desenho e começou a examiná-lo. As instruções do pedreiro indicavam as dimensões da cova que precisava ser aberta e as medidas da pedra a ser assentada. Passados alguns minutos, o montador tornou a balançar a cabeça e se ajoelhou ao lado da lanterna, levando o papel para bem perto da luz. Quando tornou a se levantar, tinha a testa enrugada. — A cova deveria ter dois metros e setenta centímetros de profundidade — comentou ele. — Aqui diz um metro e oitenta. O montador conhecia bem o seu ofício. A cova padrão para um ogro tem um metro e oitenta, mas para um estripa-reses, o mais perigoso ogro que existe, o padrão é dois metros e setenta. Estávamos, sem dúvida, enfrentando um estripa-reses — os gritos do padre atestavam isso —, mas não havia tempo para cavar dois metros e setenta. — Terá de ser a menor mesmo — respondi. — Deverá estar pronta até o amanhecer ou será tarde demais e o padre morrerá.
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Até aquele momento, os dois grandalhões calçando botas enormes tinham transpirado segurança por todos os poros. Agora, de repente, mostravam-se nervosos. Conheciam o problema pelo bilhete que eu lhes mandara pedindo que viessem ao celeiro. Eu usara o nome do Caça-feitiço para garantir que me atendessem sem demora. — Você sabe o que está fazendo, rapaz? — perguntou o montador. — Está à altura da tarefa? Encarei-os e fiz força para não piscar. — Acho que comecei bem. Contratei o melhor montador e ajudante que há no Condado. Foi a resposta certa, pois o rosto do montador se abriu em um sorriso. — Quando chegará a pedra? — perguntou-me. — Antes do amanhecer. O pedreiro virá trazê-la pessoalmente. Precisamos estar prontos. O montador assentiu. — Então indique o caminho, sr. Ward. Mostre onde quer que cavemos. Dessa vez não havia sarcasmo em sua voz. Usou um tom profissional. Ele queria começar e concluir o trabalho. Todos queríamos o mesmo e o tempo era curto. Então, cobri a cabeça com o capuz e, levando o bastão do Caça-feitiço na mão esquerda, conduzi-os sob uma chuva copiosa e fria. Sua carroça de duas rodas estava parada à entrada da casa; o equipamento, coberto por uma lona impermeável; e o cavalo paciente, atrelado aos varais, fumegando na chuva. Atravessamos o campo lamacento, depois acompanhamos a sebe de abrunheiros até o ponto em que se tornava mais rala, sob os ramos de um velho carvalho na divisa com o cemitério.
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A cova seria perto do campo-santo, mas não demais. As pedras tumulares mais próximas estavam a apenas vinte passos. — Faça a cova o mais perto dali que puder — disse eu, apontando para o tronco da árvore. Sob o olhar vigilante do Caça-feitiço, eu abrira muitas covas para praticar. Em uma emergência, eu próprio poderia ter executado o serviço, mas esses homens eram peritos e fariam o trabalho com rapidez. Enquanto voltavam para buscar suas ferramentas, atravessei a sebe e me dirigi à velha igreja, passando entre as lápides. Ela estava em mau estado de conservação. No telhado faltavam telhas e fazia anos que as paredes não viam tinta. Empurrei a porta lateral, que se abriu com gemidos e rangidos. O velho padre continuava na mesma posição, deitado de costas, próximo ao altar. A mulher chorava ajoelhada no chão à sua cabeceira. A única diferença agora é que a igreja estava bem-iluminada. Ela dera uma busca na sacristia, à procura do estoque de velas, e acendera todas. Havia, no mínimo, umas cem, em grupos de cinco e seis. Colocara-as sobre os bancos, no chão e nos peitoris das janelas, mas a maioria se encontrava no altar. Quando fechei a porta, uma rajada de vento entrou pela igreja e todas as chamas bruxulearam ao mesmo tempo.A mulher ergueu os olhos para mim com o rosto lavado de lágrimas. — Ele está morrendo — disse-me, a voz ecoando sua angústia. — Por que demorou tanto a vir? Desde que tínhamos recebido a mensagem em Chipenden, eu levara dois dias para chegar à igreja. Eram mais de cinquenta quilômetros até Horshaw e eu não partira imediatamente. A princípio, o Caça-feitiço, ainda muito doente para sair da cama, não tinha permitido que eu viesse.
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Normalmente ele nunca mandava aprendizes trabalharem sozinhos até que tivessem estudado, no mínimo, um ano sob sua orientação. Eu acabara de fazer treze anos e era seu aprendiz há menos de seis meses. Meu ofício era difícil e apavorante, e, por vezes, exigia lidar com o que chamamos “trevas”. Eu aprendera a enfrentar feiticeiras, fantasmas, ogros e coisas que assombram a noite. Mas estaria preparado para isso? Havia um ogro para ser amarrado; se o serviço fosse feito corretamente, isso não seria problema para nós. Eu já tinha visto o Caça-feitiço fazer esse serviço duas vezes. Em cada uma delas, ele contratara homens competentes para ajudá-lo e tudo correra bem. O serviço de agora, porém, era um pouco diferente. Havia complicações. Veja bem, o padre era irmão do Caça-feitiço. Eu só o vira uma vez, quando tínhamos visitado Horshaw na primavera. Ele nos olhara carrancudo e fizera um enorme sinal da cruz no ar, o rosto contorcido de raiva. O Caça-feitiço nem sequer olhara em sua direção porque nunca tinha havido amor fraterno entre os dois e eles não se falavam havia mais de quarenta anos. Família, no entanto, era família, e essa era a razão por que ele acabara me mandando a Horshaw. “Padres!”, vociferara o Caça-feitiço. “Por que não cuidam do que entendem? Por que sempre têm que se meter? O que ele estava pensando para tentar enfrentar um estripa-reses? Deixem que eu faça o meu serviço e que os outros façam os deles.” Por fim, ele se acalmou e gastou algumas horas dando-me instruções detalhadas do que precisava ser feito e os nomes e endereços do montador e do pedreiro que eu deveria contratar. Dera-me também o nome de um médico e insistiu que só aquele serviria. Isso foi mais um embaraço porque o médico
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morava longe. Tive de mandar chamá-lo, na esperança de que viesse imediatamente. Olhei para a mulher que secava delicadamente a testa do padre com um pano. Seus cabelos brancos, gordurosos e escorridos tinham sido puxados para trás, e seus olhos reviravam febrilmente nas órbitas. Ele não sabia que a mulher tinha mandado buscar o Caça-feitiço para ajudá-lo. Se soubesse não teria concordado; portanto, era ótimo que não pudesse me ver agora. As lágrimas corriam dos olhos da mulher e cintilavam à luz das velas. Era a governanta, nem mesmo fazia parte da família, e lembro-me de ter pensado que ele devia ter sido realmente bom para deixá-la tão perturbada. — O médico logo estará aqui — informei — e dará a ele um remédio para a dor. — Ele sentiu dor a vida inteira — respondeu-me. — Eu também fui um peso em sua vida. Fiz com que sentisse pavor de morrer. Ele é um pecador e sabe para onde irá. Seja o que for que ele tivesse sido ou feito, o velho padre não merecia aquilo. Ninguém merecia. Com certeza, fora um homem corajoso. Ou corajoso ou muito burro. Quando o ogro começou a perturbar, ele tentara resolver o problema usando as ferramentas de um padre: o sino, o livro e a vela. Isso, porém, não era jeito de enfrentar as trevas. Na maioria dos casos, não faria diferença alguma, porque o ogro simplesmente teria ignorado o padre e seu exorcismo. Com o tempo, o ogro teria ido embora, e o padre, como tantas vezes acontece, recebido o crédito pelo feito. Este, no entanto, era o tipo mais perigoso de ogro. Geralmente recebe o nome de “estripa-reses” por causa de sua
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dieta principal, mas quando o padre começou a se intrometer, ele é que se tornou a vítima. Agora o ogro era um estripador maduro que gostava de sangue humano e o padre teria sorte se escapasse com vida. Havia uma rachadura nas lajes do piso da igreja, uma fenda irregular que começava no altar e ultrapassava o padre em três passos. Na parte mais larga, ela era profunda, tinha quase meio palmo de largura. Depois de rachar o chão, o ogro havia agarrado o velho padre pelo pé e puxado sua perna pelo buraco quase até o joelho.Agora, na escuridão lá embaixo, chupava seu sangue, drenando muito lentamente sua vida. Era como uma grande e gorda sanguessuga, mantendo a vítima viva o maior tempo possível para prolongar o próprio prazer. Não importava o que eu fizesse, não se podia ter certeza se o padre sobreviveria ou não. Contudo, eu precisava amarrar o ogro. Agora que provara sangue humano, ele já não se contentaria mais em estripar reses. — Salve-o, se puder — dissera o Caça-feitiço, quando eu me preparava para partir. — Mas não deixe de dar uma solução para aquele ogro. Ele é a sua prioridade. Comecei a fazer os meus próprios preparativos. Deixei o ajudante abrindo a cova e voltei ao celeiro com o montador. Ele sabia o que fazer: primeiro, encheu de água o grande balde que trouxera. Essa era uma vantagem de trabalhar com pessoas experientes no serviço: elas traziam o equipamento pesado. O balde era forte, feito de madeira e reforçado com aros de metal, grande o suficiente para dar conta até de uma cova de mais de três metros. Depois de enchê-lo até a metade de água, o montador começou a despejar dentro dele um pó marrom tirado de uma
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saca que trouxera na carroça. Após cada adição de pó, ele mexia o líquido com um pedaço de pau. Logo esse trabalho se tornou cansativo porque a mistura foi virando uma papa espessa cada vez mais difícil de mexer. E fedorenta também, como um cadáver de semanas, o que, na realidade, não surpreendia, uma vez que a maior parte do pó era osso triturado. O resultado final seria uma cola muito forte, e quanto mais o montador a revolvia, mais ele suava e ofegava. O Caça-feitiço sempre preparava a própria cola e me fizera praticar muito, mas o tempo era exíguo e o montador tinha a musculatura exigida para a tarefa. Sabendo disso, ele se encarregara de iniciar o trabalho sem esperar que eu lhe pedisse. Quando a cola ficou pronta, comecei a misturar a limalha de ferro e o sal que eu trouxera em sacos bem menores, mexendo devagar para garantir que incorporassem uniformemente à mistura. O ferro é perigoso para um ogro porque pode drenar sua força, e o sal o queima. Uma vez na cova, o ogro permanecerá preso nela porque a parte inferior da pedra e os lados da cova serão rebocados com a mistura, forçando-o a se encolher e a se manter nos limites da área interna. Evidentemente, o problema inicial é levar o ogro para dentro da cova. No momento, eu não estava preocupado com isso. Por fim, o montador e eu nos demos por satisfeitos. A cola ficara pronta. Uma vez que a cova ainda não fora concluída, eu não tinha nada a fazer, exceto aguardar o médico na rua estreita e sinuosa que levava a Horshaw. A chuva cessara e o ar parecia muito parado. Era o fim de setembro e o tempo estava mudando para pior. Logo teríamos
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mais do que chuva, e o primeiro ronco de trovão repentino e distante vindo do oeste me deixou ainda mais nervoso. Decorridos vinte minutos, ouvi o tropel de cascos ao longe. Cavalgando como se fugisse de uma horda de demônios, o médico surgiu na esquina, o cavalo em pleno galope, sua capa esvoaçando às costas. Eu segurava o bastão do Caça-feitiço; por isso, não precisei me apresentar, e, de qualquer modo, o médico tinha cavalgado a tal velocidade que estava sem fôlego. Simplesmente o cumprimentei com a cabeça, ele deixou seu cavalo suarento pastando o longo capim que crescia na frente da igreja e me acompanhou à entrada lateral. Segurei a porta aberta para deixá-lo passar primeiro, em sinal de respeito. Meu pai me ensinara a respeitar as pessoas porque assim elas me respeitariam também. Eu não conhecia o médico, mas o Caça-feitiço insistira para que o chamasse; por isso, eu sabia que devia ser bom no seu ofício. Chamava-se Sherdley e carregava uma maleta de couro preto que parecia quase tão pesada quanto a bolsa do Caça-feitiço que eu trouxera comigo e deixara no celeiro. Ele depositou a maleta no chão a uns dois metros do paciente e, sem dar atenção à governanta, cujo corpo ainda arfava com soluços secos, começou a examinar a vítima. Coloquei-me às suas costas, mas de lado para poder ter a melhor visão possível. Gentilmente ele levantou a batina preta do padre, deixando suas pernas à mostra. A perna direita era fina, branca e quase sem pelos, mas a esquerda, a que o ogro agarrara, estava vermelha e estufada, com veias roxas tanto mais escuras quanto mais próximas da larga fenda no piso.
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O médico balançou a cabeça e expirou lentamente. Dirigiu-se, então, à governanta, sua voz tão baixa que mal consegui distinguir as palavras. — Terá que ser amputada — disse. — É a única esperança. Ao ouvir isso, as lágrimas recomeçaram a correr pelas faces da mulher. O médico olhou para mim e apontou para a porta. Uma vez fora da igreja, ele se encostou na parede e suspirou. — Em quanto tempo você estará pronto? — perguntou-me. — Em menos de uma hora, doutor, mas dependo do pedreiro. Ele vai trazer a pedra pessoalmente. — Se demorar mais do que isso, perderemos o padre. A verdade é que ele não tem muita chance. Nem posso lhe dar nada para aliviar a dor porque seu corpo não aguentaria duas doses de sedativo; mesmo assim, terei de lhe dar alguma coisa pouco antes da amputação. De mais a mais, o choque poderá matá-lo na hora. A necessidade de removê-lo imediatamente após a amputação só vai agravar a situação. Encolhi os ombros. Nem queria pensar naquilo. — Você sabe exatamente o que precisa fazer? — perguntou o médico, estudando meu rosto atentamente. — O sr. Gregory me explicou tudo — respondi, tentando aparentar segurança. Na realidade, não tinha sido apenas uma vez; o Caça-feitiço me explicara dez vezes. Depois me fizera repetir as instruções até ficar satisfeito. — Há uns quinze anos lidamos com um caso semelhante — disse o médico. — Fizemos o possível, mas o homem acabou morrendo, e era um fazendeiro jovem, saudável como um touro e no auge da vida. Vamos torcer para que tudo dê certo. Às vezes, os mais velhos são mais resistentes do que se pensa.
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Seguiu-se um longo silêncio, que interrompi para confirmar um detalhe que estava me preocupando. — Então, o senhor sabe que precisarei de um pouco do sangue dele. — Não queira ensinar o padre-nosso ao vigário — resmungou o médico, e me deu um sorriso cansado, apontando para a rua que levava a Horshaw. — O pedreiro está chegando, é melhor você ir tratar do seu serviço. Pode deixar o resto comigo. Prestei atenção e ouvi o ruído distante de uma carroça que se aproximava. Atravessei, então, o cemitério para ver como iam os montadores. A cova estava pronta e eles já tinham montado a armação de madeira. O ajudante subira na árvore ao lado da cova e estava prendendo a roldana em um galho grosso. Era uma peça de ferro do tamanho da cabeça de um homem, com correntes e um grande gancho. Necessária para suportar o peso da pedra e posicioná-la com exatidão. — O pedreiro chegou — avisei. Imediatamente os dois homens largaram o que estavam fazendo e me acompanharam de volta à igreja. Agora havia mais um cavalo aguardando na rua; a pedra estava deitada na carroça. Até ali tudo tinha corrido bem, mas o pedreiro não parecia muito feliz e evitava me encarar. Mesmo assim, não perdemos tempo, levamos a carroça pelo caminho mais longo até o portão que dava para o campo. Uma vez junto à árvore, o pedreiro prendeu o gancho na argola que havia no centro da pedra e retirou-a da carroça. Se ela iria ou não encaixar com precisão, teríamos de esperar para ver. Sem dúvida, o pedreiro prendera a argola direito porque a pedra pendeu da corrente perfeitamente horizontal e equilibrada.
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Baixaram-na a dois passos da borda da cova. Então, o pedreiro me deu a má notícia. Sua filha mais nova estava muito doente e com febre, aquela que assolara o Condado e tinha deixado o Caça-feitiço de cama. Sua mulher tinha ficado à cabeceira da filha e ele precisava voltar imediatamente para casa. — Lamento — disse ele, olhando-me nos olhos pela primeira vez. — A pedra está boa e o senhor não terá problemas. Posso lhe garantir. Acreditei. Fizera o máximo e preparara a pedra em cima da hora, quando preferia fazer companhia à filha. Paguei e deixei-o partir com os agradecimentos do Caça-feitiço, fazendo votos de pronta recuperação para sua filha. Voltei ao trabalho em andamento. Além de talhar a pedra, os pedreiros são peritos em encaixá-la, por isso eu preferia que ele tivesse ficado para o caso de alguma coisa correr mal. Contudo, o montador e seu ajudante eram bons no ofício. Eu só tinha de manter a calma e cuidar para não fazer bobagens. Primeiro, precisava trabalhar rápido e rebocar os lados da cova com a cola, e, por último, a parte inferior da pedra, pouco antes de assentá-la. Entrei na cova e, à luz da lanterna segura pelo ajudante do montador, comecei a aplicar o reboco com uma broxa. Era um processo lento que exigia atenção. Eu não podia deixar passar o mínimo pedacinho sem reboco porque seria suficiente para o ogro fugir. E uma vez que a cova só tinha um metro e oitenta centímetros em vez dos dois metros e setenta regulamentares, eu precisava ser extremamente meticuloso. A mistura fundiu-se com o solo enquanto eu a aplicava, o que era bom, porque não racharia facilmente nem soltaria quando a terra secasse no verão. O ruim era a dificuldade de
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avaliar a quantidade de cola a ser aplicada para deixar uma camada externa suficientemente forte sobre a terra. O Caçafeitiço me havia dito que eu aprenderia com a experiência. Até então, ele estivera presente verificando o meu trabalho e acrescentando os toques finais. Agora, eu teria de fazer o serviço direito e sozinho. Pela primeira vez. Por fim, saí da cova e me concentrei na parte superior das paredes. Os últimos trinta e poucos centímetros, a espessura da pedra, tinham um comprimento e uma largura maiores do que a própria cova, formando um batente para apoiar a pedra sem deixar a menor fenda para o ogro fugir. Isso exigia muita atenção porque era a parte em que a pedra fechava hermeticamente a cova. Quando terminei, um relâmpago riscou o céu e segundos depois ouvimos o ribombar do trovão. A tempestade estava quase sobre nós. Voltei ao celeiro para apanhar uma peça importante na minha bolsa. Era o que o Caça-feitiço chamava de “prato da isca”. Feito de metal especialmente para esse serviço, o prato tinha três furinhos equidistantes na borda.Tirei-o da bolsa com delicadeza, limpei-o com a manga da minha camisa e corri à igreja para avisar ao médico que estávamos prontos. Quando abri a porta, senti um forte cheiro de piche; à esquerda do altar, ardia uma pequena fogueira. Em cima, havia um tripé de metal onde borbulhava uma panela, lançando respingos para fora. Dr. Sherdley ia usar piche para estancar a hemorragia. Pintar o toco também ajudaria a impedir que o restante da perna viesse a gangrenar. Sorri intimamente quando vi de onde o médico tirara a madeira. Estava molhado do lado de fora; por isso, ele usara a única madeira seca disponível. Cortara em gravetos um dos bancos da igreja. Sem dúvida, o padre não iria gostar nem um
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pouco, mas talvez isso salvasse sua vida. De qualquer modo agora ele estava inconsciente, respirando muito profundamente enquanto durasse o efeito da poção. Da fenda no chão subia o ruído do ogro se alimentando. Fazia um som assustador de salivação e deglutição ao sugar o sangue da perna. Estava ocupado demais para perceber que havia gente por perto prestes a encerrar sua refeição. Não falamos. Fiz sinal com a cabeça para o médico e ele confirmou. Entreguei-lhe o prato fundo de metal para recolher o sangue de que precisava, ele apanhou um serrote pequeno na maleta e apoiou os dentes frios e reluzentes do instrumento sobre o osso logo abaixo do joelho do padre. A governanta continuava na mesma posição, mas seus olhos estavam fechados e ela murmurava baixinho. Provavelmente estava rezando e era óbvio que não seria de grande ajuda. Então, trêmulo, ajoelhei-me ao lado do médico. Ele balançou a cabeça. — Você não precisa ver — disse-me. — Com certeza irá presenciar coisa pior um dia, mas não precisa ser hoje. Vá, rapaz. Volte para o seu serviço. Posso cuidar disso sozinho. Mande os outros dois virem me ajudar a colocar o padre na carroça quando eu terminar. Eu estava trincando os dentes, preparado para aguentar, mas não precisei que ele me dispensasse duas vezes. Aliviado, voltei à cova. Mesmo antes de chegar, um berro cortou o ar seguido de um som de choro angustiado. Não tinha sido o padre. Ele estava inconsciente. Tinha sido a governanta. O montador e seu ajudante já haviam tornado a içar a pedra e se ocupavam em limpar a lama que grudara nela. Quando voltaram à igreja para ajudar o médico, molhei a broxa no resto
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da mistura e passei uma grossa demão na parte inferior da pedra. Mal tivera tempo para admirar o meu trabalho, quando o ajudante surgiu correndo. Atrás dele, em muito menor velocidade, vinha o montador. Trazia o prato com o sangue, esforçando-se para não derramar nenhuma gota. O prato da isca era uma peça importante do equipamento. O Caça-feitiço possuía um estoque deles em Chipenden e tinham sido fabricados segundo suas especificações. Tirei uma longa corrente da bolsa do Caça-feitiço. Na ponta, presas a um argolão, havia outras três correntes menores, cada uma terminando com um pequeno gancho de metal. Passei os três ganchos pelos três furos do prato. Quando ergui a corrente, o prato da isca pendeu equilibrado e não foi preciso muita perícia para baixá-lo e depositá-lo suavemente no centro da cova. Não, a perícia estava em soltar os três ganchos.A pessoa tinha que ficar atenta na hora de afrouxar as correntes para os ganchos se soltarem do prato sem virá-lo nem derramar o sangue. Passei horas treinando; apesar de estar muito nervoso, consegui soltar os ganchos na primeira tentativa. Agora era apenas uma questão de aguardar. Conforme já disse, os estripa-reses estão entre os ogros mais perigosos porque se alimentam de sangue. Em geral, têm a mente ágil e astuta, mas quando estão se alimentando pensam muito devagar e custam a entender o que está ocorrendo. A perna que havia sido amputada ainda estava entalada na fenda do piso da igreja, e o ogro, muito concentrado em
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chupar o sangue lentamente para prolongar seu prazer. É assim que age um estripa-reses. Simplesmente chupa e saliva sem pensar em mais nada, até perceber gradualmente que cada vez menos quantidade de sangue está chegando à sua boca. Quer mais; no entanto, o sangue vem em lotes de diferentes sabores e ele gosta mais daquele que esteve sugando antes. Gosta muito. É por isso que sempre quer mais do anterior e, uma vez que entende que o restante do corpo foi separado da perna, ele vai buscá-lo. É por isso que os montadores têm que erguer o padre e levá-lo para a carroça. A essa altura, a carroça já devia ter chegado à periferia de Horshaw, cada batida dos cascos dos cavalos afastando-a mais do ogro enraivecido e desesperado para continuar a chupar o mesmo sangue. Um estripa-reses é como um cão de caça. Deveria fazer uma boa ideia da direção em que estavam levando o padre. Perceberia também que estavam se distanciando. E, por fim, tomaria consciência de outra coisa. Que havia mais daquilo ali perto. É por isso que temos de colocar o prato dentro da cova. É por isso que esse prato recebe o nome de prato da isca. Ele é o engodo para atrair o estripa-reses à armadilha. Uma vez que estivesse ali se alimentando, teríamos que trabalhar rápido e não poderíamos cometer um único erro. Ergui os olhos. O ajudante estava parado na plataforma, uma das mãos na corrente pequena, pronto para baixar a pedra. O montador estava parado defronte a mim, a mão na pedra, pronto para guiá-la durante a descida. Nenhum dos dois demonstrava o menor medo nem nervosismo, e de repente me senti bem por estar trabalhando com gente assim. Gente que sabia o que estava fazendo.Tínhamos feito a nossa parte, e com
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a maior rapidez e eficiência possíveis. Isso me fez bem. Senti que fazia parte de uma equipe. Em silêncio, aguardamos o ogro. Alguns minutos depois, nós o ouvimos chegar. A princípio, parecia o som do vento assoviando entre as árvores. No entanto, não havia vento. O ar estava totalmente parado e, em uma faixa estrelada entre a nuvem de trovoada e o horizonte, havia uma lua em quarto crescente, somando sua claridade pálida à luz das lanternas. O montador e seu ajudante não ouviram nada, naturalmente porque não eram sétimos filhos de sétimos filhos como eu. Então, precisei alertá-los. — Ele está chegando. Direi a vocês quando estiver na hora. O som de sua aproximação se tornara mais agudo, quase como um grito, e eu comecei a ouvir também outra coisa: uma espécie de rosnado prolongado e forte. O ogro vinha atravessando rápido o cemitério e rumava direto para o prato de sangue na cova. Ao contrário de um ogro normal, o estripa-reses é pouco mais do que um espírito, principalmente quando esteve se alimentando. Ainda assim, a maioria das pessoas não consegue enxergá-lo, embora o sintam quando ele abocanha sua carne. Nem mesmo eu estava vendo muita coisa — apenas uma forma difusa vermelho-clara. Senti, então, uma vibração no ar junto ao meu rosto e o estripa-reses entrou na cova. Eu disse “Agora” para o montador, que, por sua vez, acenou com a cabeça para o ajudante, que segurou com mais firmeza a corrente menor. Antes mesmo que ele a puxasse, ouvimos um ruído vindo da cova. Dessa vez era forte e nós três o
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ouvimos. Olhei de relance para os meus companheiros e vi seus olhos arregalarem e suas bocas se contraírem de medo da criatura ali dentro. O ruído que ouvimos era o ogro lambendo o prato. Eram lambidas vorazes de uma língua monstruosa, combinadas com fungadas e bufos ávidos de um grande animal carnívoro. Tínhamos, mais ou menos, um minuto até ele terminar de comer. Depois, ele sentiria o cheiro do nosso sangue. Ele se tornara um ogro descontrolado e todos nós fazíamos parte do cardápio. O ajudante começou a afrouxar a corrente e a pedra foi descendo sem balançar. Eu ajustava uma ponta, e o montador, a outra. Se tivessem aberto a cova nas dimensões certas e a pedra estivesse exatamente do tamanho especificado no desenho, não deveria haver problema. Foi o que disse a mim mesmo — mas não parava de pensar no último aprendiz do Caça-feitiço, o coitado do Billy Bradley, que morrera tentando aprisionar um ogro igual a este. A pedra entalara, prendendo seus dedos por baixo. Antes que pudessem reerguer a pedra para soltá-lo, o ogro abocanhara seus dedos e chupara seu sangue. Mais tarde, Billy morreu do choque. Por mais que eu tentasse, não conseguia tirá-lo do pensamento. O mais importante era encaixar a pedra na cova de uma única vez — e, naturalmente, deixar os meus dedos de fora. O montador estava no comando, fazendo o trabalho do pedreiro. Ao seu sinal, quando a pedra chegou a quase dois centímetros da borda, a corrente parou. Ele olhou para mim, o rosto muito sério, e ergueu a sobrancelha direita. Olhei para baixo e movi muito levemente o meu lado da pedra para alinhá-la na posição exata. Verifiquei mais uma vez para ter certeza e fiz sinal para o montador, que acenou para o ajudante. Algumas voltas da corrente menor e a pedra se encaixou na posição certa na primeira tentativa, lacrando o ogro na cova.
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O ogro soltou um urro raivoso que todos ouvimos. Não fez diferença, porém, porque estava preso e não havia mais nada a temer. — Foi um bom serviço! — gritou o ajudante, saltando da armação, um sorriso cortando seu rosto de orelha a orelha. — Encaixe perfeito! — É — disse o montador, rindo secamente. — Parece até que foi feito sob encomenda. Senti um enorme alívio, feliz que tudo tivesse terminado. Então, quando o trovão reboou e o relâmpago brilhou no alto iluminando a pedra, reparei pela primeira vez o que o pedreiro gravara ali e me senti muito orgulhoso.
I Ward Uma grande letra grega — beta —, cortada por uma diagonal, era o sinal de que um ogro fora enterrado ali. Abaixo, à direita, o número um em algarismo romano indicava que era um ogro perigoso de primeira grandeza. Havia dez grandezas ao todo, e os ogros entre a primeira e a quarta eram capazes de matar. Finalmente, por baixo, o meu próprio nome — Ward —, concedendo-me o crédito pelo serviço. Eu tinha acabado de amarrar o meu primeiro ogro. E ainda por cima um estripa-reses!
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O Caça-feitiço me encarou com intensidade, seus olhos verdes penetrando os meus. — E se o tal do diabo existir, rapaz? O que faremos com ele? Pensei alguns momentos antes de responder. — Teríamos que abrir uma cova realmente grande — respondi. — Uma cova maior do que qualquer outra jamais aberta por um caça-feitiço. Precisaríamos, então, de sacos e mais sacos de sal e ferro, além de uma pedra realmente descomunal. O Caça-feitiço sorriu. — Teríamos que fazer isso, sim, rapaz, e haveria trabalho para a metade dos pedreiros, montadores e ajudantes do Condado! Enfim, agora vá se deitar. Voltaremos às aulas amanhã; portanto, vai precisar de uma boa noite de sono. Quando abri a porta do meu quarto, Alice surgiu das sombras na escada. — Eu realmente gosto daqui, Tom — disse ela me dando um grande sorriso. — Uma casa confortável e aquecida. Um bom lugar para se morar agora que o inverno está chegando. Retribuí seu sorriso. Poderia ter lhe contado que logo partiríamos para Anglezarke, para a casa de inverno do Caçafeitiço, mas ela estava feliz e não quis estragar sua primeira noite. — Um dia esta casa vai ser nossa,Tom.Você não sente isso? — perguntou-me. Encolhi os ombros. — Ninguém sabe o que vai acontecer ainda — respondi, empurrando a lembrança da carta de minha mãe para o fundo da mente.
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— O Velho Gregory lhe disse isso, foi? Pois tem muita coisa que ele não sabe. Você será um caça-feitiço melhor do que ele jamais foi. É a coisa mais certa que sei! Alice se virou e subiu as escadas gingando os quadris. De repente, olhou para trás. — Desesperado para chupar o meu sangue o Flagelo estava — comentou. — Por isso, fiz o trato antes que ele bebesse. Eu só queria acertar tudo outra vez, por isso pedi que você e o Velho Gregory pudessem partir livremente. O Flagelo concordou. Trato é trato, por isso ele não pôde machucar você nem matar o Velho Gregory. Você matou o Flagelo, mas eu tornei isso possível. Foi por isso que, no fim, ele me atacou. Não podia tocar em você. Mas não conte ao Velho Gregory. Ele não compreenderia. Alice me deixou parado na escada e o que tinha feito foi se esclarecendo aos poucos em minha mente. De certa forma, fora um sacrifício pessoal. Ele a teria matado do mesmo modo que matara Naze. Mas ela salvara a mim e ao Caça-feitiço também. Salvara nossas vidas. E eu jamais me esqueceria disso. Aturdido com o que ouvira, entrei no meu quarto e fechei a porta. Levei muito tempo para adormecer. Mais uma vez fiz a maior parte deste relato de memória, usando apenas o meu caderno de anotações quando necessário. Alice se comportou bem e o Caça-feitiço ficou realmente satisfeito com o trabalho que fez. Ela escreve com muita rapidez e sua caligrafia é clara e limpa. Tem cumprido também o que prometeu e me ensina as coisas que aprendeu com Lizzie Ossuda para eu poder registrá-las. Naturalmente, embora Alice ainda não saiba, ela não vai morar muito tempo conosco. O Caça-feitiço me disse que irá
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me distrair demais e não conseguirei me concentrar nos estudos. Ele não está nada feliz com a presença de uma garota de sapatos de bico fino morando em sua casa, particularmente uma que esteve tão próxima das trevas. Estamos quase no fim de outubro agora e, em breve, viajaremos para a casa de inverno do Caça-feitiço na charneca de Anglezarke. Perto de lá, há um sítio de um pessoal em que o meu mestre confia. Ele acha que eles aceitarão Alice em sua casa. É claro que ele me fez prometer não contar nada a ela por enquanto. Enfim, ficarei triste quando a vir partir. E, naturalmente, conhecerei Meg, a feiticeira lâmia. Talvez eu conheça as outras mulheres do Caça-feitiço também. Blackrod fica perto da charneca e dizem que Emily Burns ainda mora lá. Tenho a impressão de que há muito mais coisas no passado do Caça-feitiço que ainda não sei. Eu preferia ficar em Chipenden, mas ele é o caça-feitiço e eu sou apenas o aprendiz. E já compreendi que há sempre uma boa razão para tudo que ele faz.
Thomas J. Ward