abertura
19.10.09
09:23
Page 1
CHAMA FATAL
1 4.ÂŞ prova
abertura
19.10.09
09:23
Page 2
Da Autora:
Calafrios Chama Fatal
1 4.ÂŞ prova
abertura
19.10.09
09:23
Page 3
LISA JACKSON CHAMA FATAL Tradução Maria Clara Mattos
1 4.ª prova
abertura
19.10.09
09:23
Page 7
PRÓLOGO
Veranico de outono Floresta perto de Santa Lucia, Califórnia Três anos antes
E
le estava atrasado. Conferiu seu relógio e o visor digital brilhou assustadora-
mente no breu da floresta. Onze e cinquenta e sete. Inferno! Ele nunca chegaria na hora e acabaria por chamar atenção sobre si mesmo, um preço alto demais a pagar. Apertando o passo, começou a correr sobre o terreno desigual, descendo o trecho coberto por árvores baixas, muito longe da civilização. Muito longe de ser descoberto. Os sons da noite insinuavam-se dentro da sua cabeça: o sussurro das folhas de outono na brisa quente, o estalar dos galhos se quebrando sob seus passos apressados, e as batidas ensurdecedoras do próprio coração pulsando violentamente, injetando adrenalina em suas veias.
1 4.ª prova
abertura
19.10.09
8
09:23
Page 8
Lisa Jackson
Olhou furtivamente para o pulso, o visor do relógio marcava meia-noite. Sua mandíbula travou. O suor parecia emanar de cada poro da sua pele e os nervos estavam tão tensionados quanto o garrote de um assassino. Devagar! Não anuncie sua presença esmagando os arbustos como se fosse um cervo ferido! É melhor atrasar alguns minutos do que estragar tudo fazendo uma barulheira infernal. Parou, inspirou profundamente várias vezes e sentiu o cheiro da floresta ressecada, inflamável. Sob a roupa escura, ele suava. Por causa da noite quente. Do esforço. Da expectativa. E do medo. Limpou o suor das pálpebras e respirou fundo. Concentração. Foco. Não derrape. Não esta noite. Em algum lugar próximo uma coruja piou baixinho e ele tomou isso como uma profecia. Uma boa profecia. E daí que estava atrasado? Ele podia dar um jeito nisso. Esperava que sim. Quando seu coração desacelerou, enfiou a mão no bolso da jaqueta justa, encontrou a máscara de esqui e rapidamente a colocou no rosto, ajustando os buracos dos olhos e do nariz. Olhou para baixo e viu o primeiro piscar de luzes entre as sombras da floresta. Depois outro. Lanternas. Eles estavam se reunindo. Seu coração quase parou. Mas não havia caminho de volta, não agora. Ele estava comprometido. Assim como os outros. Havia chance de ele ser pego, de todos serem pegos, mas era um risco que estavam dispostos a correr. Continuou a descida. Enquanto a lua cheia subia até o ponto mais alto do céu, ele atravessava os últimos quatrocentos metros entre pinheiros e carvalhos. Forçando o coração a bater mais devagar, deslizou pela última curva do caminho até a clareira, onde outras quatro pessoas o esperavam. Todos vestidos como ele, de preto, os rostos cobertos por máscaras de esqui. Estavam de pé, a menos de um metro uns dos
1 4.ª prova
abertura
19.10.09
09:23
Page 9
Chama Fatal
9
outros, formação que se transformaria num círculo assim que se juntasse a eles. Sentiu que todos os olhos ocultos se voltavam para ele quando tomou o lugar que completava o anel. — Você está atrasado — uma voz áspera sussurrou. O mais alto deles o fitava. O líder. Cada músculo do seu corpo se retesou. Acenou em concordância. Nenhuma desculpa seria aceitável. — Não pode haver erro. Nem atrasos! Mais uma vez, ele inclinou a cabeça, aceitando a repreensão. — Não cometa esse erro novamente! Os outros o fitaram, o transgressor. Manteve o olhar fixo à frente. Finalmente, todos voltaram a atenção para o líder, que era ligeiramente mais alto que os outros. Algo nele irradiava poder, uma força manifesta — algo que dizia que era um homem a ser respeitado... e temido. — Vamos começar — o líder continuou, de forma branda, pelo menos por enquanto. Depois de uma última olhada em volta do círculo, ele abaixou até o chão. Acendeu o isqueiro, aproximando a pequena chama da pilha de galhos, e o fogo se espalhou, crepitante. Pequenas e brilhantes labaredas riscaram um caminho predeterminado. O cheiro de querosene queimado encheu o ar. Uma ponta afiada de luz flamejante se definiu, depois outra, enquanto o símbolo incendiava e uma estrela brilhante queimava na clareira. — Esta noite é o fim. — O líder se ergueu e tomou seu lugar a uma das pontas da estrela. Cada um posicionado de pé em uma das cinco pontas, as botas perigosamente próximas das chamas. — Basta! — Tudo pronto? — a pessoa à sua esquerda perguntou. Homem ou mulher? Ele não sabia. — Tudo. — O líder olhou para o relógio. Havia satisfação, até mesmo orgulho em sua voz, ainda que velada. — Vocês sabem o que têm que fazer. Hoje, Ryan Carlyle vai pagar pelo que fez. Hoje à noite ele morre.
1 4.ª prova
abertura
19.10.09
10
09:23
Page 10
Lisa Jackson
O coração do retardatário comprimiu-se. — Espera! Não! Isso é um engano — outro membro do grupo argumentou, como se um súbito sentimento de culpa o acometesse. Ou seria uma mulher? O discordante era, certamente, a pessoa mais baixa do grupo e vestia roupas largas o suficiente para criar uma falsa impressão. Balançava a cabeça como se em confronto com a própria ética. — Não podemos fazer isso. É assassinato. Assassinato premeditado. — Já está decidido. — O líder foi firme. — Deve haver uma solução melhor. — O plano já está em ação. Ninguém vai descobrir. Nunca. — Mas... — Como eu disse, a decisão está tomada. — O sussurro foi incisivo e cruel, desafiando o dissidente a continuar com o seu argumento. Todos os olhos invisíveis se viraram na direção daquele que encontrara coragem para discordar. Ele sustentou a postura por uma fração de segundo, até que seus ombros cedessem em relutante aceitação, como se não houvesse nada que pudesse fazer. Não mais argumentou. — Muito bem. Então, estamos todos de acordo? — O líder lançou um último olhar ao dissidente, antes de começar a descrever o simples, porém eficiente, plano que daria fim à vida de Ryan Carlyle. Ninguém fez perguntas. Todos compreenderam. — Estamos de acordo? — O líder conferiu. Houve acenos de concordância em todas as pontas, menos na do dissidente. — Estamos de acordo? — O líder inquiriu asperamente. O dissidente desistiu da luta e trincou rapidamente os dentes, como se com medo de proferir o mais discreto protesto. O líder respirou satisfeito, depois desviou o olhar do dissidente e mirou cada um dos membros de pé nas pontas da estrela, antes de se fixar novamente no retardatário. Seria porque ele chegara alguns minutos depois da meia-noite, hora marcada? Ou por um instinto de desconfiança elementar?
1 4.ª prova
abertura
19.10.09
09:23
Page 11
Chama Fatal
11
Ele sentiu o peso do olhar do homem alto e o encarou calmamente, de igual para igual. — Todos sabem o que têm que fazer. Espero que executem suas tarefas sem falhas. — Ninguém se manifestou. — Vão — o líder ordenou. — Separadamente, cada um por onde veio. Sem falar sobre isso com ninguém. Enquanto as chamas se espalhavam pela estrela, buscando novas fontes de combustível, os cinco conspiradores deram as costas para o fogo e desapareceram na floresta. Ele também fez o que fora ordenado, virando-se rapidamente, ignorando as batidas retumbantes do coração e o suor que lhe cobria o corpo. Por dentro, ele vibrava, os sentidos aguçados. Fez o percurso da subida correndo e arriscou um olhar por cima do ombro. Esforçando-se para ouvir, não escutou nada além do som da própria respiração ofegante e do suspiro do vento que soprava as folhas das árvores dos arredores. Ele estava só. Ninguém o seguia. Ninguém descobriria o que planejara. Lá embaixo, ao longe, na clareira, o fogo começava a ganhar força, a estrela flamejante crepitando e rastejando velozmente pelo mato seco em direção ao bosque vizinho. Ele não tinha muito tempo. Ainda assim, esperou, os olhos perscrutando a encosta escura, os segundos passando rapidamente. Finalmente, ouviu o som distante do motor de um carro e, então, menos de um minuto depois, outro carro, ou caminhonete, deu sinal de vida. Anda, anda, ele pensou, olhando para o relógio e mordendo o canto da boca. Por fim, o som, pouco distinguível, do terceiro motor veio à tona e foi perdendo força à medida que o carro se distanciava. Bom. Ele esperou que o quarto veículo desse partida. Um minuto se passou. Levantou a máscara e limpou o rosto, depois a colocou novamente sobre a cabeça. Só por precaução.
1 4.ª prova
abertura
19.10.09
12
09:23
Page 12
Lisa Jackson
Mais um minuto. Que inferno! O que é que está acontecendo? Sentiu uma pontada de medo percorrer-lhe a espinha. Não entre em pânico. Espere. Mas não era para demorar tanto. Todos deviam estar desesperados para fugir. Espiou as labaredas por entre as árvores. Em breve alguém veria o fogo e buscaria socorro. Droga! Talvez o líder tenha mudado de ideia e o considerado um risco, no final das contas. Talvez o fato de ter chegado atrasado tivesse sido um erro muito pior do que imaginara e o líder do bando secreto o estivesse perseguindo, se aproximando dele. Punhos cerrados, sentidos em alerta, buscou a escuridão. Sem desespero. Ainda dá tempo. Mais uma vez ele olhou para o relógio. Quase meia-noite e meia. E o fogo ardia lá embaixo, firme, lambendo a vegetação rasteira. Seus ouvidos filtravam os sons, e o cheiro de fumaça provocava suas narinas... aquilo era o som de um motor de carro sendo ligado? Outros cinco minutos se passaram e ele continuava parado, suando, à espreita, pronto para atacar. Nada ainda. Merda! Não podia perder mais nem um minuto e decidiu pôr seu plano em ação. Agilmente, voltou a subir pela trilha rumo à estrada de terra pouco usada mais acima; mas, numa bifurcação, virou rapidamente à direita. O coração aos pulos, os nervos à flor da pele, se encaminhou para a lateral da encosta. Seus músculos começavam a doer com o esforço quando finalmente avistou o abismo à sua frente, um rasgo profundo no meio da colina. Estava perto agora. Ainda daria tempo. Sem hesitação, encontrou a enorme árvore que usara como ponte antes e, cuidadosamente, abriu caminho sobre o tronco de casca rústica e galhos partidos até o outro lado da fenda. Ao longe, o fogo ainda queimava, as chamas cada vez mais flamejantes, a fumaça subindo em direção ao céu escuro da noite.
1 4.ª prova
abertura
19.10.09
09:23
Page 13
Chama Fatal
13
Rápido! Ao final do tronco, pulou para o chão, firme, pegou uma nova trilha, seguindo-a sem erro até uma pedra do tamanho de um homem. Cinco passos acima, encontrou uma árvore partida ao meio por um raio, dividida como se Deus, Ele mesmo, tivesse cortado o carvalho em dois pedaços. Na base do tronco rachado estava sua presa. Mãos e tornozelos amarrados, presos a um dos lados da árvore, a boca tapada, seu prisioneiro esperava. Ele acendeu sua lanterna, viu que os pulsos do cativo estavam cobertos de sangue, a pele em carne viva pelo atrito com a corda ao tentar escapar. Sem sucesso. — A informação estava correta — disse para a vítima de olhos esbugalhados. Suor escorria pelo rosto do homem e ele olhava desesperadamente à sua volta, como se esperasse por um resgate. — Eles querem sangue. Sons ininteligíveis saíam da garganta do homem amarrado. — Seu sangue. O prisioneiro se agitou, debatendo-se com suas amarras, e o torturador sentiu uma pontinha de pena — bem pequena — dele. Os sons engrolados ganharam volume e ele imaginou que o cativo estivesse implorando por sua vida patética. Olhos esbugalhados, o prisioneiro sacudia violentamente a cabeça. Não! Não! Não! Como se tudo não passasse de um terrível engano. Mas havia uma doce justiça no que estava acontecendo. Ele sentiu o calor se espalhar por suas veias, a descarga de adrenalina pela expectativa do que estava por vir. Lentamente, enfiou a mão no bolso da calça e pegou o maço de cigarros. Puxou um pelo filtro e levou-o casualmente aos lábios, enquanto a patética criatura amarrada à árvore observava, em pânico. — Ah, é, eles definitivamente querem Ryan Carlyle morto hoje à noite — ele disse, encostando o isqueiro na ponta do Marlboro e acendendo-o, as mãos em concha para proteger a chama. Tragou
1 4.ª prova
abertura
19.10.09
09:23
14
Page 14
Lisa Jackson
profundamente, sentindo o gosto da fumaça, sentindo-a dar voltas ao encher-lhe o pulmão. O prisioneiro, olhos arregalados, o corpo se contorcendo, sacudiase no esforço de se libertar, os gritos terríveis abafados, o sangue escorrendo pelos seus pulsos. — E, sabe do que mais? Eu também quero vê-lo morto. Mas de um jeito diferente, de um jeito que me serve melhor. — Ele encontrou uma espécie de paz ao pensar na morte de Ryan Carlyle e todos os desdobramentos que esta acarretaria. O cativo rastejava e se debatia loucamente. Parecia estar gritando palavrões, em vez de pedindo pela própria vida ou urrando de terror. Como um animal ferido, atirou-se para longe da árvore, esticando as cordas, como se pudesse, de alguma maneira, libertar-se. Tarde demais. A decisão já fora tomada. Buscando mais uma vez o bolso da calça, o torturador retirou dali uma seringa. Segurando o cigarro entre os lábios, empurrou de leve o êmbolo, espalhando gotas do líquido claro no ar da noite. O prisioneiro estava em pânico absoluto, mas não fazia a menor diferença. Ele estava preso, não seria difícil mergulhar a agulha em seu braço exposto e esperar a droga produzir seu efeito. Afastandose, observou enquanto os olhos da vítima esgazeavam e seus movimentos se tornavam lerdos. O cativo não mais puxava suas amarras, simplesmente rolava os olhos em direção ao seu torturador com ódio abjeto. E a hora chegara. — Adios — disse, gentilmente. Jogou o cigarro aceso no chão seco da floresta. O fogo lambeu imediatamente os gravetos dos pinheiros, as folhas e os galhos secos, ardendo em chamas vermelhas, seguindo cuidadosamente a trilha preparada até a base da árvore. Zás! Um pequeno galho pegou fogo. Isso! Um arbusto aceso.
1 4.ª prova