Entrevista de Antonio Guerra - O Fluminense

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entrevista

Alerta Terra Em ‘Geomorfologia urbana’, Antônio guerra critica ocupação desordenada Prisca Fontes

Com mais de 20 anos de experiência, o geógrafo doutor em Erosão dos Solos pela Universidade de Londres, Antonio José Teixeira Guerra, 59 anos, prevê mais catástrofes naturais no Rio de Janeiro. Em seu livro ‘Geomorfologia Urbana’, recentemente lançado, o pesquisador mostra que a ocupação desordenada e o descaso das autoridades e dos moradores com o meio ambiente estimulam os deslizamentos e enchentes. O professor defende o investimento do governo em estudos e análises de áreas de risco e ações individuais para minimizar o problema. Quando se trata da natureza, cada cidadão pode fazer a diferença. O que é Geomorfologia urbana?

Geo é terra, morfo, forma e logia, estudo, ou seja, estudo das formas da terra. Mas isso é uma forma muito simples de classificar essa ciência. Nós procuramos entender o relevo, seu processo de formação, quais são as formas predominantes e quais são os materiais – tipos de rocha e ou solo – presentes, como eles evoluem e como podemos otimizar a ocupação urbana. A geomorfologia urbana tenta compreender o relevo dentro de uma cidade – na área urbana as modificações são mais potencializadas porque tudo é muito ocupado na cidade. Os processos catastróficos, como os deslizamentos, também acontecem no campo, mas não com a mesma intensidade. No campo, o homem pode até desmatar grandes áreas para plantar soja, mas o impacto que ele causa é menor do que em uma cidade, onde áreas menores são desmatadas para construir casas, mas é tudo muito concentrado. O homem desestabiliza o solo. Um exemplo são os aterros, como a Lagoa de Itaipu, que está cada vez menor. E a terra para esse aterramento vem dos morros e interfere nas encostas. Sua especialização é em encostas. Os deslizamentos estão mais frequentes?

Estão acontecendo cada vez mais. É uma combinação de motivos: a Região Sudeste

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tem um relevo muito acidentado, com encostas de alta declividade, a presença de solos muito rasos nas encostas, as entradas de frentes frias abruptas que provocam os grandes temporais. E o homem potencializa esse risco com o desmatamento, a ocupação desordenada das encostas, a impermeabilização do solo, a falta de galerias pluviais grandes e limpas, excesso de lixo nas ruas e nos rios e a ocupação das Áreas de Proteção Permanente (APP). Por exemplo, as margens de rio são APP, mas praticamente toda margem de rio no estado está ocupada. Não é a toa que quando chove mais forte os rios enchem, causando mortes e deixando pessoas desabrigadas. Outro exemplo é Petrópolis, que tem mais de 300 mil habitantes, mas tem capacidade de suportar apenas mil. Quando e por que começou a ocupação desordenada no Rio de Janeiro?

Desde o século passado. São vários os motivos, como a falta de espaço para todos morarem e a falta de fiscalização por parte do poder público. A geografia do estado facilita muito, porque existem muitos morros e maciços, o que faz com que a população ocupe as encostas. E essa ocupação muitas vezes é estimulada pelo poder público. Qual é a prefeitura que não quer

estimular a invasão de determinada área se sabe que pode corresponder a mais de 500 mil votos? O próprio governo faz vista grossa ou estimula a prática. O que são as Áreas de Proteção Permanente?

São muitos os fatores que classificam uma localidade como uma APP, mas especialmente são encostas com 45 graus ou mais de declividade, topos de morros e nascentes. Quando as leis de preservação foram criadas, elas contaram com estudo de geógrafos, geólogos e engenheiros e foram definidas por um propósito: diminuir o impacto ambiental e as catástrofes. Mas muitos desses locais estão sendo ocupados. Além disso, o novo código florestal está querendo diminuir as áreas de proteção ao redor dos rios, para facilitar ainda mais a ocupação. Certamente as enchentes e o assoreamento dos rios serão maiores e a médio e longo prazo o número de mortes e a perda de biodiversidade vão piorar. O que pode ser feito para evitar essas catástrofes?

Em primeiro lugar, o mapeamento das áreas de risco. Equipes de geógrafos, geólogos, engenheiros e biólogos trabalhando juntos para identificar esses locais,


Evelen Gouvêa

Guerra é contrário à aprovação do novo código florestal, que reduz a área de proteção ao redor dos rios

classificando-os em risco altíssimo, alto, médio, baixo e nulo. E nas áreas de altíssimo risco de deslizamentos, a população tem que ser removida. É um desgaste grande, mas o governo tem que retirar as pessoas das áreas de risco iminente. Existem áreas onde não é necessário remover a população, apenas fazer obras de drenagem para facilitar o escoamento da água, muros de contenção e monitoramento constante para acionar alarmes para a saída dos moradores.

As mudanças climáticas também estão favorecendo as chuvas intensas?

Quais são as principais dificuldades no mapeamento das áreas de risco?

Qual a importância de uma central de monitoramento do clima?

É necessário fazer um estudo completo, com muitas medições, fotografias e coleta de tipos de solo. Em uma área urbana é mais difícil de trabalhar, principalmente pela questão da segurança dos pesquisadores. A favela ou áreas que sejam violentas fazem parte de uma cidade, mas como você vai trabalhar ali dentro? Eu tive um aluno que desenvolveu sua tese de mestrado em Jacarepaguá, mas havia um espaço em branco no mapeamento dele. Perguntei o porquê e ele disse que o chefe do morro não permitiu a entrada dele. A ciência é prejudicada em função de tipos de ocupação e ordem urbana. Mas se você conhecer a geomorfologia das cidades você pode evitar catástrofes.

É importante ter um centro de prevenção e monitoramento e planos de emergência que funcionem, alarmes que alertem a população dos temporais. E já existem radares, equipamentos, softwares para isso. Temos bons exemplos em Hong Kong, no Japão, na Europa e nos Estados Unidos. É uma tecnologia sofisticada que está disponível e ao alcance do poder público. Também existe pouca integração entre o poder público e a universidade. Nós temos teses, dissertações, só na biblioteca mais de 30 mil livros... O conhecimento existe. E atuando de forma preventiva o governo consegue gastar muito menos do que tem que investir

É uma questão polêmica, porque algumas pessoas não acreditam que as mudanças climáticas estão ocorrendo de verdade. Mas está comprovado que nos últimos 30 anos as chuvas estão caindo com maior intensidade em um tempo cada vez mais curto. E com o território cada vez mais ocupado, só podemos esperar mais catástrofes. A questão não é se vai acontecer outra tragédia como a da Região Serrana, mas quando vai acontecer.

em indenizações e obras pós-chuvas e menos pessoas morreriam. O que o cidadão pode fazer para diminuir os deslizamentos?

Alterar o mínimo possível o meio físico da sua residência, procurar deixar o solo com vegetação. As pessoas normalmente cimentam suas casas para ter menos trabalho, mas isso aumenta o risco de enchente, porque a água não vai infiltrar no solo e vai aumentar um pouco a temperatura do local e, como consequência, a evaporação e as chuvas. As pessoas não têm ideia do impacto que elas têm individualmente porque não enxergam que são milhares de pessoas fazendo a mesma coisa. Também é importante fazer uma boa drenagem da chuva, levando a água até a rede de esgoto ou galeria pluvial, para a água não encharcar o terreno. Qual a vegetação mais indicada para as encostas?

Gramíneas e árvores frutíferas de raízes profundas, típicas da Mata Atlântica, são boas opções. Exceto as bananeiras, já que seu tronco direciona a água para o solo, tombando muitas vezes. O ideal é sempre chamar um engenheiro, geólogo ou geógrafo para avaliar o relevo do local. n 15 de maio O

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