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michelle harrison
os
tesouros
Tradução Carl Irineu
Rio de Janeiro | 2012
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Prólogo
Desde pequena, Tanya sabia que a mansão de sua avó abrigava muitos segredos. Assim como todo mundo, ouvira falar dos túneis de fuga abandonados que diziam existir sob a casa e, como é próprio das crianças, passou incontáveis tardes chuvosas procurando suas entradas secretas, mas sempre em vão. Ao completar treze anos, já tinha perdido havia muito a esperança de encontrar uma dessas passagens e até mesmo começado a duvidar de que existissem. Por isso, quando a estante girou na parede à sua frente, revelando uma estreita escada de pedra que descia até se perder na escuridão, a surpresa não foi tão grande. Nem trouxe a deliciosa sensação que havia tanto tempo esperava, pois as circunstâncias que levaram à a sua descoberta foram bem diferentes das que ela imaginara. Se os moradores estivessem prestando a devida atenção, teriam percebido facilmente que os túneis vinham dando acesso à casa, já havia um bom tempo, para alguém que não tinha direito algum de estar ali. Mas todos os indícios — da notícia no rádio sobre o sequestro até o estranho ruído de algo rastejando pela antiga escada de serviço no silêncio da noite — foram ignorados. Separadamente, não queriam dizer muita coisa. Só quando Tanya se viu frente a frente com a intrusa de olhos selvagens em uma caverna sombria muito abaixo da casa os sinais passaram 9
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se encaixar como as peças de um quebra-cabeça. Não sabia o que esperava encontrar, mas não era aquilo. A moça não era muito mais velha do que ela: tinha uns quinze anos, no máximo. Seus olhos verdes obrigavam uma dureza e uma maturidade incomuns em alguém tão jovem. A faca amarrada à sua coxa sugeria possibilidades sobre as quais Tanya nem queria pensar, por isso ela se forçou a manter os olhos fixos no bebê que a moça trazia nos braços. Sem pestanejar, a criança a encarou de volta. O que aconteceu depois embrulhou seu estômago de medo. As feições do bebê, que não tirava os olhos dela, se distorceram e metamorfosearam. As orelhas se alongaram e ganharam pontas. A pele adquiriu uma tonalidade esverdeada. Os olhos escureceram por completo, como se injetados com tinta preta, brilhando sinistramente. Tudo em um rápido instante, antes que a visão horrenda desaparecer — mas Tanya sabia o que tinha visto. Assim como a intrusa de cabelos vermelhos. — Você viu — sua voz era um sussurro gutural. Tanya baixou os olhos para a criatura nos braços da moça e reprimiu um grito. — Não acredito — murmurou a moça. — Você viu. Você também pode vê-las. Um momento de clareza e compreensão mútua se estabeleceu entre elas, e a intrusa sussurrou baixinho: — Você tem o dom da visão. Tanya recuou horrorizada. — O que você está fazendo com esse bebê? — Boa pergunta — respondeu a moça. — Sente-se. Vou contar minha história. Tenho certeza de que vai achá-la muito interessante.
PARTE UM 10
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anya estava ciente de que elas estavam no quarto antes mesmo de acordar. Um tremor incômodo se instalara em suas pálpebras, sinal inconfundível de que havia encrenca a caminho. Foi esse tremor incessante que a despertou. Seus olhos se abriram, sonolentos. Fazia tempo que havia retomado o hábito de dormir com a cabeça debaixo das cobertas, que vinha desde a infância. Estava desconfortável, mas relutava em mudar de posição. Qualquer movimento chamaria a atenção delas para o fato de que estava acordada. Sob as cobertas sufocantes, ela ansiava por se livrar dos lençóis e deixar que a suave brisa de verão que entrava pela janela a refrescasse. Tentou se convencer de que tudo não parava de um sonho; talvez elas não estivessem lá de fato. Mesmo assim, não se mexeu. Porque no fundo sabia que estavam lá, tanto quanto sabia que era a única que conseguia vê-las.
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Suas pálpebras tremeram de novo. Podia sentir a presença delas através das cobertas; a atmosfera do quarto vibrava com uma estranha energia. Podia até sentir o cheiro úmido de terra e folhas, cogumelos e frutos maduros. Era o cheiro delas. Uma voz baixa irrompeu na escuridão. — Ela está dormindo. Devo acordá-la? Tanya enrijeceu sob o refúgio dos lençóis. Ainda trazia na pele as manchas roxas da última vez. Tinham beliscado tanto que ficara coberta de hematomas. Levou um cutucão nas costelas e gemeu de dor. — Ela não está dormindo — a segunda voz era fria, comedida. — Está fingindo. Não importa. Gosto tanto desses... joguinhos. Os últimos vestígios de sonolência desapareceram. Não havia como ignorar a ameaça latente naquelas palavras. Tanya se preparou para afastar os lençóis, mas, de repente, eles se tornaram estranhamente pesados, esmagando-a... e começaram a pesar cada vez mais. — O que está acontecendo... o que vocês estão fazendo? Ela tentou desesperadamente se livrar dos lençóis, que se enrolavam nela e formavam uma espécie de casulo. Por um momento aterrorizante, perdeu a respiração, mas conseguiu livrar a cabeça e inspirar o ar fresco da noite. Aliviada, demorou vários segundos antes de perceber que o lustre de vidro em forma de estrela estava bem em frente ao seu rosto. Então que Tanya descobriu por que os lençóis estavam tão pesados. Ela estava flutuando a um metro e meio acima da cama, sustentando todo o peso das cobertas. — Deixem-me descer! Lenta e involuntariamente, ela começou a virar de lado. Os len13
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çóis caíram no chão, deixando Tanya, de pijamas, encarando a cama. Sem o abrigo das cobertas, sentiu-se terrivelmente vulnerável. Afastou os cabelos do rosto e examinou o quarto. O único ser vivo que discerniu na escuridão foi o gato; um gato persa cinzento, absur damente peludo, enroscado como uma bola no peitoril da janela. Ele se levantou e a encarou com desdém, antes de lhe dar as costas e voltar a se enroscar. — Onde vocês estão? — perguntou ela com voz trêmula. — Apareçam! Uma gargalhada desagradável emanou de algum lugar perto da cama. O torso de Tanya foi arremessado para frente, e, antes que se desse conta do que estava acontecendo, tinha dado uma cambalhota no ar, seguida por outra... e mais outra. — Parem com isso! Ouviu o desespero em sua voz e sentiu raiva por demonstrar fraqueza. As cambalhotas pararam, enfim e ela aterrissou — de cabeça para baixo, no teto. As cortinas ondulavam sinistras ao sabor do vento. Desviou os olhos, tentando se recompor. Era como se as leis da gravidade houvessem se invertido apenas para ela. O sangue não estava fluindo para sua cabeça, o pijama não estava cobrindo seu rosto e os cabelos continuavam escorrendo por suas costas. Derrotada, sentou-se no teto. Era esse o motivo de chegarem no meio da noite. Isso, pelo menos, ela compreendera fazia tempo. À noite, estava completamente à mercê delas, enquanto de dia, se fosse flagrada em alguma situação bizarra, era bem mais fácil convencer os outros de que tudo não passava de algum tipo de jogo ou truque. Mais um dos muitos “jogos” e “truques” ao longo dos anos. Não conseguia lembrar com exatidão quando as tinha visto pela 14
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primeira vez. Sempre estiveram lá. Ela cresceu falando sozinha, sob o olhar a princípio complacente e depois preocupado dos pais. Com o passar dos anos, aprendeu a mentir de modo convincente. Essa conversa de fadas não pega muito bem com os adultos depois que se deixa de ser criança. Não recebia mais os olhares cúmplices e os sorrisos afetuosos da infância. Tanya não levava a mal. As pessoas não acreditam no que não podem ver. Nos últimos tempos os incidentes se tornando cada vez mais cruéis. Uma coisa era ter que cortar algumas mechas de cabelo depois de usar uma escova enfeitiçada ou descobrir que as respostas do dever de casa haviam sido misteriosamente adulteradas durante a noite. Mas a situação estava ficando séria. Havia meses Tanya cismava que algumo ruim acabaria acontecendo, algo que não saberia explicar. Seu maior medo era que seu comportamento cada vez mais peculiar a fizesse parar no divã de um psiquiatra. Sair flutuando no ar não era um bom sinal. Se sua mãe acordasse e a encontrasse perambulando pelo teto não chamaria um médico, chamaria um padre. Estava em apuros. E dos grandes. Sentiu uma lufada de ar fresco no rosto e um roçar de asas na bochecha quando um grande pássaro negro passou ao seu lado, metamorfoseando-se num piscar de olhos, tão rapidamente quanto uma sombra desvanece à luz do sol. Cabelos negros e sedosos e as extremidades rosadas de duas orelhas pontiagudas substituíram o bico curvo e cruel quando uma mulher não muito maior que a ave tomou seu lugar. Usava um vestido de plumas negras que ressaltava a brancura de sua pele. — Raven — sussurrou Tanya. Viu uma pena de corvo se destacar do vestido da fada e flutuar até o chão. — O que você está fazendo aqui? Raven não respondeu. Pousou no pé da cama, ao lado de dois pe15
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quenos seres, um deles gorducho e de nariz vermelho, o outro moreno, magro e irritadiço. Ambos observavam Tanya atentamente. O menor deles foi o primeiro a falar. — Você escreveu de novo sobre a gente. Tanya corou. — Não, Gredin... Não escrevi. Os olhos amarelados de Gredin faiscaram, em forte contraste com sua pele morena. — Mas foi isso que você disse da última vez. E da vez anterior. Lá fora, como se carregado pelo vento, um objeto escuro e retangular flutuava em direção à janela aberta. Entrou no quarto, planando graciosamente através das cortinas, e parou diante do rosto consternado de Tanya. Era um diário, relativamente novo e em bom estado, mas coberto de terra. Ela o enterrara sob a macieira do jardim naquela tarde. Como tinha sido tola. — É seu, presumo? — perguntou Gredin. — Nunca vi isso antes. O sujeitinho rechonchudo ao lado de Gredin bufou de raiva. — Ah, conta outra... — disse ele. — Você não quer passar o resto da noite aí em cima, quer? Ele ergueu o braço e alisou suavemente a pena de pavão em seu gorro. Depois enrolou a ponta do bigode espetado no dedo indicador. Repelta de magia, a pena cintilou ao seu toque. O gorducho arrancou o penacho e, com muita habilidade, deu um peteleco nele. O diário se abriu, deixando cair um monte de terra que se desfez sobre uma das chinelas de Tanya. Ouviu-se um espirro abafado dentro da chinela, de onde saiu a quarta e última fada, feia como um porco. A criatura bateu suas asas marrons e esfarrapadas com algum esforço e desabou na cama. Após recuperar o equilíbrio, começou a se coçar 16
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vigorosamente, emporcalhando os lençóis com mudas de pele e pulgas. Depois deu um bocejo cavernoso, esfregando o focinho com suas patinhas marrons. Certa vez, ainda criança e antes do divórcio dos pais, Tanya ficou emburrada quando ralharam com ela e fechou a cara. Passados alguns minutos, sua mãe perdeu a paciência: “Você está parecendo um Mizhog.” — O que é um Mizhog? — perguntou Tanya, sem conseguir conter a curiosidade. — É uma criatura horrível que tem cara de porco e está sempre infeliz — respondeu sua mãe. — E fazendo caretas desse jeito você está igualzinha a um deles. Tanya sempre se lembrava dessa conversa quando via a fada marrom infestada de pulgas. Sua expressão tristonha se encaixava tão perfeitamente na descrição do ser inventado por sua mãe que, para Tanya, a fada seria para sempre um Mizhog. E, como a criatura, ao contrário das outras fadas, nunca tinha dito como se chamava, o nome que ela escolheu acabou pegando. Exceto pelas pulgas e pelo fedor, que lembrava o de um cachorro molhado, o Mizhog até que não incomodava tanto. Nunca falava — pelo menos não em qualquer língua que Tanya entendesse —, estava sempre com fome e tinha o hábito de coçar a barriga. Fora isso, parecia contente em observar os arredores com seus expressivos olhos castanhos — o único de seus traços que se poderia considerar belo. Estava fitando Tanya agora, com os olhos arregalados e fazendo uns barulhinhos estranhos com a garganta. O diário flutuava em frente ao rosto de Tanya, que logo voltou sua atenção para ele. — Leia — disse Gredin. — Não consigo. Está muito escuro. 17
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Os olhos de Gredin estavam frios como o gelo. As páginas do diário começaram a virar freneticamente, para a frente e para trás, como se procurassem uma anotação específica. Por fim, pararam em um trecho recente, escrito às pressas. De imediato, Tanya reconheceu a data — tinha sido escrito a menos de quinze dias. Sua letra era quase ilegível. Seus olhos estavam tão cheios de lágrimas na ocasião que mal havia conseguido enxergar a própria mão. Sentiu os cabelos da nuca se eriçarem quando sua voz emanou das páginas, não tão alta que acordasse os outros, mas certamente alta o bastante para ela ouvir. Soava remota, como se a viagem através do tempo a tivesse enfraquecido. “Elas vieram de novo hoje à noite. Por que eu? Eu as odeio. ODEIO...” O torturante trecho parecia não ter fim. A Tanya, só restava escutar, horrorizada, enquanto sua voz emanava do diário, narrando página após página — zangada, frustrada, desesperada. As fadas não tiravam os olhos dela. Raven estava quieta; Feathercap e Gredin, impassíveis; e, indiferente, o Mizhog coçava a barriga infestada de pulgas. — Basta — disse Gredin, depois do que pareceu uma eternidade. A voz de Tanya se calou de imediato, deixando apenas o farfalhar das páginas virando para lá e para cá, como se folheadas por mãos invisíveis. Viu cada palavra que tinha escrito se desvanecendo até desaparecer como tinta num mata-borrão. O diário caiu na cama, desintegrando-se com o impacto. — Você não vai ganhar nada com isso — disse Raven, apontando para o que restou do diário. — Só vai trazer sofrimento. — Não se alguém tivesse lido o que eu escrevi — retrucou Tanya com amargura. — E acreditasse em mim. — A regra é simples. Você não fala da gente para ninguém. Se insistir, o castigo vai continuar — ameaçou Feathercap. Os restos do diário se agitaram na cama, erguendo-se das cobertas 18
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como areia fina antes de saírem voando noite adentro pela janela. — Foi embora. Como se nunca tivesse existido — disse Gredin. — Para um lugar onde o alecrim floresce às margens de um riacho que corre morro acima. A terra dos duendes. — Não acredito em riachos que correm morro acima — interrompeu Tanya, ainda aborrecida por ter seus pensamentos mais íntimos expostos para todos ouvirem. — Criaturas rudes, os duendes — prosseguiu Gredin. — Imprevisíveis. Perigosos até, dizem alguns. Deformam e distorcem tudo o que tocam. Até o alecrim, conhecido por ajudar a memória, é contaminado por eles. Seus atributos se invertem. Ele fez uma pausa dramática. Tanya percebeu sua intenção e sabiamente resolveu não interromper de novo. — Ora, existem pessoas, conhecidas entre as fadas como curandeiros, que sabem tudo sobre as propriedades de ervas e plantas como o alecrim. Sim, porque até o alecrim contaminado pelos duendes tem serventia. Na dose certa, tem o poder de apagar para sempre do cérebro humano uma lembrança qualquer, como a de uma antiga paixão. Muito útil em alguns casos. E as fadas, por mais que detestem ter de lidar com aqueles duendezinhos abomináveis, também usam essa erva mágica para seus próprios fins. É particularmente útil quando os humanos entram sem querer no reino das fadas e veem coisas que não são da sua conta. Em geral, uma dose pequena dá um jeito na situação, e o humano nem fica sabendo o que aconteceu, como se tivesse acabado de acordar de um sonho agradável, ainda que não lembre o que sonhou. Mas, já aconteceu de se administrarem doses erradas. Memórias inteiras foram apagadas assim, num instante — Gredin estalou os dedos, e Tanya estremeceu. — É claro que isso quase nunca acontece e, quando acontece, 19
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é quase sempre sem querer, mas, às vezes... só de vez em quando, o alecrim é usado para silenciar aqueles que, de outra forma, se recusam a ficar calados. Um destino nada agradável, todos devem concordar. Os pobres coitados não conseguem lembrar nem seus próprios nomes depois disso. Lastimável, mas necessário. Afinal... ninguém pode falar do que não lembra. Tanya sentiu o gosto do medo na boca. — Não vou mais escrever sobre vocês. — Ótimo — disse Feathercap. — Seria tolice insistir nisso. — Só me respondam uma coisa — disse ela, tomando coragem. — Não é possível que eu seja a única. Sei que não sou a única... Gredin a silenciou com o olhar. Sua descida foi brusca e inesperada. Ao sentir que estava caindo, Tanya instintivamente se agarrou à única coisa a seu alcance: o lustre em forma de estrela. Ouviu-se um estrondo terrível quando o fio elétrico se esticou sob o peso dela e o forro de gesso ao redor da luminária desabou, desfazendo-se em pedacinhos no assoalho. Logo depois, o lustre se desprendeu do teto. A lâmpada se estilhaçou ao cair no chão; o lustre saiu voando das mãos de Tanya e se espatifou contra o guarda-roupa. Prostrada e sem fôlego, Tanya ouviu as tábuas do corredor rangerem sob passos apressados. Não precisou levantar os olhos para saber que as fadas tinham ido embora, desaparecendo do modo habitual, como folhas espalhadas pelo vento. De repente, sua mãe já estava no quarto, sacudindo-a pelos ombros até fazê-la gritar. Ouviu a exclamação de desgosto da mãe ao inspecionar a bagunça. — Mamãe... — lamentou-se. — Foi... foi um pesadelo... Desculpe... À luz da lua, Tanya conseguiu ver a expressão resignada no rosto da mãe, que soltou o braço da filha e afundou na, pressionando os olhos 20
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com os punhos cerrados. — Mamãe? — sussurrou Tanya. Estendeu a mão e tocou o braço da mãe. — Estou cansada — disse baixinho sua mãe. — Exausta. Não sei mais o que fazer. Não consigo lidar com esta... esta sua busca desesperada por atenção. Não consigo lidar com você. — Não diga isso. Eu vou melhorar, prometo que vou tentar. Sua mãe deu um sorriso amargo. — É o que você sempre diz. E quero acreditar em você... quero ajudar, mas não consigo. Não se você não se abrir comigo... ou com um médico... — Não preciso de um médico. E a senhora não entenderia! — Não. Tem razão, querida, não entendo. Só sei que minhas forças estão no fim — fez uma pausa e passou os olhos pela desordem ao redor. — Bom, você vai limpar tudo isso de manhã. Cada pedacinho. E o prejuízo vai sair da sua mesada, não importa quanto tempo leve. Não aguento mais. Estou cheia. Tanya olhou para o chão. Um caco de vidro brilhou no pé descalço de sua mãe. Ela se ajoelhou e gentilmente o removeu, vendo surgir uma gota escura de sangue. A mãe não disse nada. Em vez disso, levantou-se e caminhou arrastando os pés até a porta, os ombros caídos, sem dar atenção aos cacos de vidro que pisava. — Mamãe? A porta do quarto se fechou, deixando Tanya na escuridão. Ela voltou para a cama, abalada demais até para chorar. A expressão no rosto da mãe dissera tudo. Quantas vezes tinha sido avisada, quantas vezes ouvira falar sobre a tal gota-d’água? E agora, enquanto escutava os soluços abafados que vinham do quarto defronte ao dela, soube que aquela noite realmente tinha sido a gota-d’água para sua mãe. 21
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