O TRIÂNGULO SECRETO
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Série O Triângulo Secreto: As lágrimas do papa Os cinco templários de Jesus
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Didier Convard
O TRIÂNGULO SECRETO volume ii
Os cinco templários de Jesus
Tradução
Maria Alice Araripe de Sampaio Doria
Rio de Janeiro | 2013
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PRIMEIRA PARTE
VIAGEM A JERUSALÉM
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i. A primeira cruz
Dezembro de 1107. A neve havia chegado com a noite, pesada, espessa, cobrindo rapidamente as ruas e os telhados. Das chaminés, elevavam-se finas volutas de fumaça agitadas pelo vento. No segundo andar de uma casa alta, uma luz filtrava através dos entalhes de uma veneziana de madeira. Num pequeno cômodo da água-furtada, um homem de uns qua renta anos escrevia num pergaminho lenta e calmamente, esforçando-se para formar bem as letras. Um braseiro esquentava o cômodo cheio de rolos e manuscritos; uma lamparina a óleo em cima de uma arca espalhava uma luz alaranjada que dançava com leve corrente de ar. O escritor usava roupão grosso e mitenes. A parte frontal da cabeça era calva; os cabelos que restavam, longos, louros e brancos, caíam pelo pescoço. Os pés estavam apoiados num banquinho cuidadosamente trabalhado. Adornando o anular da mão direita, havia um anel gravado com uma pedra vermelha, que fragmentos de luz faziam brilhar de quando em quando de maneira fugidia. 13
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os cinco templários de jesus Concentrado, sereno, ele não parava de escrever no papel velino grosso. Redigia as suas memórias. A história extraordinária de cinco cavaleiros que haviam partido três anos antes, em busca do mais improvável dos mistérios... Cinco irmãos unidos por um indescritível Segredo. Ele se chamava Arcis de Brienne, companheiro de Hugues de Champagne, de Hugues de Payns, de Geoffroy de Saint-Omer e de Basile le Harnais. E ele se lembrou da terra ocre e escaldante de Jerusalém, do céu estrelado, dos odores apimentados... Do povoado dos leprosos, do Túmulo. O Túmulo! A mão tremeu um pouco com essa lembrança. Um pouco. Pois havia aprendido a controlar as emoções, obrigando a mente e o coração a não se deixarem invadir por pensamentos que, na época, o teriam abalado. Agora, ele sabia. Descobrira a verdade, a mentira da Igreja. A impostura... Por isso, escrevia, debruçado sobre a mesa, com os olhos cansados que se franziam a cada palavra nova e o rosto, que se tornara gordo, petrificado como uma máscara de cera. Ele já fora magro e anguloso. O tempo havia coberto os seus ossos de gordura, o que lhe dava o aspecto de um senador romano. Por trás das venezianas, a neve abafava qualquer ruído, por menor que fosse. Até o vento estava mudo. Esse pesado silêncio convinha a Arcis de Brienne, que se abandonava às recordações. Elas se impunham por si mesmas, precisas como nos primeiros dias. Os seus pensamentos não podiam se dirigir a Deus, mesmo que quisesse rezar naquele momento. A sua alma estava vazia, casca seca que perdera a sua seiva na expedição à Terra Santa. Uma alma morta... Os restos de uma fé antiga e fervorosa. Por isso, ele escrevia, por medo de que, um dia, a memória fraca esquecesse os despojos de um homem jovem, com furos nos punhos e nos pés e o flanco ferido... Escrevia para si mesmo. Isso o tranquilizava 14
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o triângulo secreto um pouco. Ele escrevia... Esforçado e metódico, lembrando as quatro letras que os romanos haviam traçado numa cartela em cima da cruz daquele que se fez passar por Cristo: I.N.R.I. Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum... “Jesus de Nazaré, rei dos judeus.” Mas Arcis de Brienne, assim como os seus quatro companheiros, agora sabia que esse acrônimo escondia uma mensagem oculta cuja revelação poria abaixo os fundamentos da Santa Igreja. Dissimulada sob esse vocábulo estava a Chave do Conhecimento. A Equação da imortalidade. * * * O vulto avançava na cumeeira do telhado da casa de Arcis de Brienne, uma forma tornada indefinida pela neve e pelo vento e transformada por uma larga capa em imensa ave de rapina. Era, de fato, com o que se parecia essa presença ágil, desafiando o equilíbrio e enfrentando as telhas cobertas de gelo. Um capuz dissimulava o seu rosto. Um machado estava preso à sua cintura. Era um fantasma na sombra, voando de uma parte à outra do telhado, segurando-se numa chaminé, deslizando ao longo de uma das calhas da fachada que dava para o pátio interno da casa, pulando na sacada de uma grande janela fechada por uma veneziana de madeira. Nesse momento, parou por um instante, recuperou rapidamente o fôlego e tirou um punhal da bainha pendurada do lado esquerdo da cintura. E, então, começou a arrombar a fechadura da veneziana. Em menos de um minuto, conseguiu forçar a lingueta, que cedeu sem ruído. Entrando na casa, seguiu por um corredor escuro percorrido por uma corrente de ar gelada, escalou uma escada, como um gato, e se dirigiu para a porta do escritório de Arcis de Brienne, sob a qual 15
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os cinco templários de jesus passava uma réstia de luz; tirou o machado da cintura, segurou-o firmemente com a mão direita e, devagar, bem devagar, empurrou a porta com a mão esquerda. Ele observou o escritor sentado de costas, debruçado sobre a escrivaninha, a cabeça calva brilhando à luz da lamparina a óleo. Por um instante, ele permaneceu imóvel, abarcando a cena no seu conjunto e verificando cada detalhe... Arcis de Brienne, sem dúvida, ouviu estalar uma tábua do assoalho e se virou, pensando que era a mulher que vinha ao seu encontro; abriu bem os olhos para vê-la, pois tinha de se habituar à penumbra do cômodo. — Hélène? No entanto, aquele vulto grande não era Hélène. Na verdade, ele não viu que o visitante que avançava com dois passos em sua direção estava segurando um machado. Compreendeu tarde demais. Num instante suspenso a arma se erguia acima dele e era agarrado pela garganta com um aperto implacável. Numa fração de eternidade... A lâmina iluminada rasgou o espaço. Arcis de Brienne sufocou, olhou o gume do machado, ouviu o próprio grito de animal desesperado. O berro preencheu a casa e chegou até Hélène de Brienne, que estava dormindo. A mulher se ergueu na cama, tentando voltar à realidade, ainda embaçada por um sonho interrompido. — Arcis! O grito do marido cessou bruscamente. Hélène procurou o lampião e o acendedor em cima da arca ao lado da cama, em seguida, iluminou o quarto e se dirigiu para a porta. Outro grito, mais fraco. Parecido com um estertor, com um gemido de moribundo. Hélène sentiu medo. Deu alguns passos no corredor, segurando o lampião à sua frente, que mal iluminava. Os pés descalços no lajeado fizeram-na tremer. Precisava chegar ao andar de cima, ao escritório de Arcis. Subir os degraus de madeira com farpas aguçadas. — Arcis... Frio. Uma violenta corrente de ar. “Uma janela foi aberta!” Subir... Galgar a escada com uma bola de angústia alojada no peito, 16
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o triângulo secreto um nó no estômago, as pernas pesadas. O patamar. A porta do escritório de Arcis estava escancarada. Hélène se aproximou, evitando acelerar o passo. Uma luz bruxuleante desenhava um retângulo pálido no piso do corredor. Ela entrou no escritório, esticando o pescoço para a frente, atenta, inquieta. — Arcis, meu querido! O marido havia sido lançado para fora da cadeira e jazia no chão num mar de sangue, entre manuscritos e rolos dispersos, pisoteados, rasgados. Ela avançou, sem se preocupar com os documentos espalhados, pisando neles, totalmente focada no corpo estendido de Arcis. No sangue que se espalhava como uma corola em volta dele. Ele estava com os olhos abertos, mas não a via. Nunca mais a veria. Estava morto, com uma expressão de terror que lhe deformava o rosto. Com o próprio sangue, haviam sido traçados na sua testa um número e uma cruz:
1+ Em seguida, Hélène descobriu que o punho direito de Arcis havia sido cortado. A mão que usava o largo anel com a pedra vermelha havia desaparecido. Invadida pela repugnância, a mulher não pôde conter a bile amarga e vomitou, sacudida por espasmos. Sufocada e aterrorizada, pensou que o assassino ainda podia estar na casa e temeu pela própria vida. Em pânico, esquadrinhou a sombra do cômodo e não detectou nenhuma presença. Um pouco mais calma, saiu do escritório com o lampião que abria um caminho circular reduzido à sua frente. Toda a casa se tornara uma ameaça. Precisava descer para o primeiro andar, seguir pelo corredor e pela segunda escada que levava para fora. Será que o assassino a estaria esperando em algum canto daquela casa enorme? Quem era o assassino? Por que havia atacado o marido e lhe arrancado a mão direita? 17
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os cinco templários de jesus Em lágrimas, Hélène desceu a escada. Sentia dificuldade para respirar, trevas de areia na sua garganta. Cada degrau representava um esforço, uma dor inaudita... A noite furava as paredes de cal e se movimentava em fiapos macabros que acompanhavam a descida da mulher. Chegando ao primeiro andar, apesar da angústia que lhe esmagava o coração, ela se aventurou pelo corredor. Avançou com cautela, o mais silenciosamente possível. Dizia a si mesma que, quando chegasse ao canto do corredor, começaria a gritar para pedir socorro aos vizinhos. Faltava apenas descer um lanço de degraus para sair para a rua. Porém, de repente, uma porta se abriu violentamente e lhe bateu no ombro, projetando-a para trás e fazendo com que perdesse o equilíbrio... Com a ampla capa abocanhando alguns rápidos clarões da lamparina, um vulto negro saltou na frente de Hélène: uma forma espectral brandindo um machado ensanguentado na mão direita e o coto de Arcis na esquerda. Um brilho fugidio se iluminou no largo anel do membro amputado. Hélène evitou o golpe do machado. A lâmina feriu a parede bem em cima da sua cabeça, fazendo uma larga fissura no gesso. O assassino preparou-se para atacar uma segunda vez, mas a mulher, bem mais jovem que o marido, esgueirou-se rapidamente pelo tubo do corredor, lançou-se na escada e desceu os degraus pedindo ajuda. O assassino foi atrás dela, atingindo tudo em volta, destruindo o corrimão, quebrando os tijolos da parede, arquejando como um carniceiro. Hélène não parava de gritar. Ela conseguiu chegar aos últimos degraus da escada de madeira. A mancha de luz da lamparina dançava uma giga enlouquecida. O outro, o assassino, continuava a cortar o ar com o machado logo atrás dela. O saguão. O homem estava quase em cima de Hélène. Mais três ou quatro passos e a atingiria. Ela se virou ligeiramente e compreendeu que a sua hora chegaria se não reagisse. 18
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o triângulo secreto O matador e a sua sombra eram uma coisa só. A noite pareceu se materializar ao criar vida na sua capa, no capuz, em toda a sua silhueta. A lâmina do machado brilhou na luz produzida pelo lampião a óleo. O lampião... Hélène o jogou repentinamente em cima do agressor, atingindo-o na parte debaixo da capa, cujo tecido se colou à perna direita. Enquanto ele se debatia contra as chamas, a mulher conseguiu sair da casa, chegando à rua coberta de neve. Os flocos crepitavam na noite. A jovem tratou de se distanciar da sua casa. Persianas se abriram ao derredor. A cabeça de um homem gordo, cheio de sono, com os cabelos desgrenhados, apareceu na janela. — Hélène, é você quem está fazendo toda essa algazarra? — surpreendeu-se ele. Mais cabeças se inclinaram para a rua onde a fugitiva, descalça na neve, girava sem sair do lugar, boneca apavorada que procurava uma salvação com os olhos. — Arcis foi massacrado no escritório! — proferiu ela. O assassino saiu da casa. Ele havia rasgado a opalanda em chamas e ainda a segurava nas mãos, parecendo rodá-la à sua volta como uma asa de fogo. Hélène recuou por reflexo. Discernia vagamente o olhar do demônio sob o capuz. Olhos de gato que pareciam sorrir. O homem exibiu a mão de Arcis de Brienne como um troféu e, finalmente, livrou-se da capa largando-a na neve, onde, como uma poça de sangue negro, ela acabou de se consumir. Em seguida, fugiu, deixando Hélène transida de frio e de dor, soluçante e perdida. O seu velho amor estava morto. O seu Arcis... O seu esposo tão bom, a quem ela amava mais do que a um pai.
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