Os Monstros do Cartógrafo - Prólogo

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C AR T ÓGR AF O OS CUIDADO COM

BUFALOGROS!

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Prólogo — Mas o que...? Pedro estava confuso e assustado. O que estaria acontecendo com ele? Antes, estava se sentindo forte e cruzava o terreno com rapidez, mas, de repente, mal conseguia ficar de pé. Quando olhou para baixo, entendeu. Seus bolsos estavam cheios de jóias que transbordavam até o chão, fazendo uma pilha ao redor de seus pés. Um elmo de centurião romano aparecera em sua cabeça e uma armadura peitoral trabalhada estava firmemente presa a seu corpo. Uma corrente de ouro sem fim estava se enrolando em seu pescoço, tão apertada que ele mal conseguia respirar. Se não agisse logo, seria enterrado vivo. — Tão típico. Finalmente consigo aquilo que desejo e o meu desejo tenta me matar. Pedro arrancou o elmo e a armadura, desvencilhou-se da corrente e esvaziou os bolsos. Encontrou o pequeno objeto que procurava, cavou um buraco no chão, colocou-o lá dentro — junto com o tesouro — e cobriu tudo com terra. Observando rapidamente o terreno em

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volta, fez umas marcas em um pequeno pedaço de madeira e o guardou em sua túnica. Voltaria àquele lugar com um exército de homens para recuperar o que era seu.

— O que foi isso?! Vinte minutos depois, Pedro corria para salvar a própria pele. Corria e se chocava contra as árvores da floresta, os galhos em seu caminho arranhando seu rosto e suas mãos. Algo o seguia e ele não ia esperar para descobrir o que era. Agora ouvia algo bufando. O chão tremia com o ritmo de cascos galopando. De vez em quando, ele ouvia um guincho aterrorizante que o fazia tremer. A coisa estava se aproximando. Pedro saiu correndo da floresta e correu pelo chão pedregoso em direção ao topo do penhasco. Seu bafo era iluminado pela lua enquanto saía de sua boca e se dissipava no ar. Com os músculos doloridos, chegou ao topo do penhasco e olhou rapidamente para trás. Um vulto escuro surgiu das árvores. Era alguma espécie de animal que vinha em sua direção a toda velocidade, de quatro. Tinha ombros largos, fortes. Vinha galopando, com a cabeça abaixada. Mais quatro animais surgiram por entre as árvores, e depois mais seis. Estavam caçando em grupo e movimentavam-se rapidamente.

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— Maravilha. Excelente, mesmo — murmurou Pedro, com raiva. Correu até uma rocha grande e oval e pegou a corda que estava enrolada debaixo dela. Jogou-a no penhasco e ficou olhando enquanto ela se desenrolava e caía silenciosamente, até chegar na praia lá embaixo. Segurando a corda com firmeza, foi andando de costas, descendo pela beirada do penhasco. Agora só os dedos de seus pés tocavam terra firme e não havia nada além do ar da praia embaixo de seus calcanhares. Ele se inclinou ao máximo para trás, sentindo o peso do corpo nos braços. Tirando uma mão de cada vez, foi pulando e descendo, sem parar. Quando olhou para cima, viu três silhuetas observando-o do topo do penhasco, a uns dez metros de distância. A lua, um semicírculo brilhante, iluminava-os por trás, criando um halo sinistro. Cada um dos monstros tinha três chifres brutais e retorcidos que saíam de seus crânios, e rostos largos, achatados. Em seus focinhos, sua respiração saía por uma única narina redonda. Pedro nunca vira seres tão horríveis e seu medo o fez descer mais rápido... até que sentiu um puxão violento na corda. Olhou para cima e viu que um dos monstros estava com a corda na boca. O monstro balançava a cabeça com violência de um lado para o outro, feito um cachorro segurando um osso. Pedro sentiu um puxão repentino na

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corda, e depois mais outro. O monstro estava erguendo-o feito um peixe num anzol! — Aaaai! — gritou ele ao sentir os dedos dos pés raspando na rocha do penhasco. Ele só tinha uma alternativa. Fechou os olhos e soltou a corda. Seus braços se debatiam no ar enquanto caía. Atingiu o chão e gemeu, contorcendo-se e encolhendo-se na areia roxa e macia. Se conseguisse chegar até seu barco a remo, a poucos metros de distância, dentro de uma hora estaria de volta a seu navio. Ficou de pé, lentamente. Tinha torcido o tornozelo, mas não parecia ter quebrado nada. Sem dúvida estava a salvo, agora. Mas um barulho repentino o fez olhar para cima, e seu alívio transformou-se no mais puro terror. Os monstros enormes e desajeitados, com ombros largos e patas pesadas, estavam vindo atrás dele, descendo pelo penhasco escarpado, usando as quatro patas com a mesma facilidade com que uma aranha utiliza suas pernas para descer uma parede. Pedro ficou olhando para eles, petrificado de medo, enquanto desciam correndo para a praia. Suas caudas grossas pareciam ajudá-los a manter o equilíbrio na descida pela rocha íngreme. Em poucos segundos, eles o cercaram. — Opa, opa — disse Pedro, tentando acalmá-los. — Calma... monst... monstrinhos... bonzinhos... Um deles bateu com a cauda e atingiu o pequeno barco a remo atracado na praia. O barco voou até as

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rochas como se fosse de brinquedo, arrebentando-se e transformando-se numa pilha de madeira quebrada. Os monstros urraram. Pedro teve ânsias de vômito ao sentir o terrível fedor de ovos podres que de repente atingiu suas narinas. Um dos monstros ficou de pé nas duas patas traseiras e foi até ele. Tinha uma forma mais humana que animal: parecia um ogro grotesco, aterrorizante, batendo os punhos com garras contra a cabeça com chifres. Pedro sabia que estava acabado mas, quando olhou para o céu, para sussurrar uma última prece, viu algo que lhe deu um resquício de esperança. Lá em cima, no topo do penhasco, estava um vulto grande cujo casaco de pele brilhava à luz da lua. — Erebo! — gritou Pedro, desesperado. — Me ajuda! Por favor! — Você me traiu — grunhiu o vulto. — Por que eu deveria te ajudar agora? — Porque eu te direi onde ela está! Eu a escondi na ilha, mas anotei o lugar. Se você me salvar, eu te levo até lá! — completou Pedro, tirando o pedaço de madeira que estava em sua túnica e balançando-o no ar, para que o Príncipe Erebo visse. — Está tudo aqui! Eu prometo! Os monstros aproximaram-se e Pedro se encolheu na areia. Durante alguns instantes, o príncipe nada fez. Então ele soltou um grito poderoso — o mesmo rugido dos monstros, antes. Naquele instante, os monstros pararam e dois deles saíram raivosos, correndo a passos lar-

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gos, e começaram a escalar a rocha com a mesma rapidez com que haviam descido. Chegaram ao topo em segundos e circundaram o príncipe. Estavam com o ventre próximo ao chão, feito leões em posição de caça. Erebo puxou sua espada. A longa lâmina de aço cintilou à luz da lua. Os dois monstros pularam na direção do príncipe, que deu um passo para trás, desferiu um golpe e enfiou a espada na barriga de um deles. Ouviu-se um grito horrível e o monstro caiu no chão. Num único e elegante movimento, o príncipe puxou a espada e se esquivou, girando o corpo em direção à outra criatura. Rodou a espada sobre a cabeça e cortou num grande arco horizontal. Dessa vez, não houve grito. O corpo do animal caiu prostrado perto do príncipe. Sua cabeça, decepada, começou a cair pela lateral do penhasco, cada vez mais rápido, feito uma bola caindo por uma escada. Quando a cabeça caiu na praia, com um baque, a narina ainda se contraía de um modo repulsivo. Todos os animais na praia soltaram um urro terrível. Pedro sentiu cada pelo de seu corpo arrepiar-se de medo. — Maravilha. Agora serei o prato principal da noite — murmurou. Mas eles não estavam mais interessados em Pedro. Todos os monstros tinham virado para trás e começaram a escalar o penhasco, impulsionados pelo instinto animal de atacar aquele que ameaçou o bando.

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Pedro viu sua oportunidade de escapar. Não poderia mais usar seu barco, mas ele sabia nadar muito bem. Enquanto entrava no mar, pôde ouvir os gritos agonizantes de outro monstro. Sabia que o príncipe não tinha como matar todas as criaturas sozinho, mas não se importava. Tudo o que queria era sair vivo daquela ilha. Estava prestes a mergulhar de cabeça na segurança daquela água escura e calma quando algo agarrou seus ombros. — Eu não aguento mais! — grunhiu Pedro. — O que é isso, agora? Foi puxado com força para fora da água e levantado no ar. Estava voando! Estava sendo levado por uma espécie de pássaro gigante, com asas tão grandes quanto as velas de um pequeno barco. Enquanto se debatia, o pequeno pedaço de madeira caiu de dentro de sua túnica e escapou de suas mãos, que tentaram em vão agarrá-lo. Pedro foi rapidamente levado para cima do penhasco. Podia ver o príncipe lá embaixo, cercado pelos monstros. Por alguns instantes, ele se sentiu estranhamente seguro, voando bem acima daquela batalha mortal... mas então se deu conta de que o pássaro estava descendo, levando-o para baixo. Pedro agitava as pernas no ar, debatendo-se, enquanto o pássaro voava próximo ao grupo de monstros. Quando conseguiu enxergar a pelagem espessa e grossa na corcova dos monstros, sentiu o pássaro soltá-lo bem ali, no meio do bando de monstros. O príncipe continuava golpear com sua espada a poucos metros dele. Pedro tentou levantar, mas agora um dos

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monstros estava sobre ele, de pé nas grossas patas traseiras. Seu hálito era podre e seus olhos tinham uma cor rosada e leitosa. A criatura abriu a boca, revelando dentes afiados feito cacos de vidro. Um punhado de saliva pegajosa caiu sobre Pedro, deixando-o coberto por aquela gosma. O monstro abria a boca cada vez mais. — Olha, eu já vou avisando que não sou muito saboroso — disse Pedro, com um sorriso nervoso. — Sou praticamente osso puro. O monstro resfolegou e deu o bote. Suas mandíbulas fecharam-se.

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