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Do Autor:
O Testamento dos Séculos
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PRÓLOGO
01. A forte explosão foi ouvida até nos municípios vizinhos e em todo o oeste da capital. Parecia ser uma manhã como as outras. Uma manhã de verão. A vida começou a fervilhar repentinamente sob a esplanada de cimento do oeste parisiense. Eram exatamente 7h 58 quando uma composição da RER* entrou, naquele oitavo dia de agosto, na luz pálida da grande estação, sob a praça da Défense. As rodas pararam lentamente ao longo dos trilhos, num ranger agudo. Um instante de silêncio, um segundo imóvel, depois as portas de metal se abriram ruidosamente. Centenas de homens e mulheres revestidos da melancolia dos empregados de escritórios empurravam-se na plataforma, cada um se dirigindo à sua saída e subindo em direção a uma das três mil e seiscentas
* Réseaux Express Régional — Rede expressa de metrô que serve Paris e subúrbios, criada em 1969, em linhas nas quais os trens circulam numa velocidade de 100 a 120 km/h. (N. T.)
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8 empresas instaladas nos altos prédios de vidro do extenso bairro empresarial. As longas filas humanas, que se aglutinavam nas escadas rolantes, lembravam organizadas colunas de formigas operárias partindo, dóceis, para o trabalho cotidiano. Era, mais uma vez, um ano muito quente e os muitos sistemas de refrigeração tinham dificuldade em expulsar o calor sufocante da cidade. Para a maioria desses assalariados conscienciosos, o terno ou o tailleur era o traje conveniente e, aqui e ali, eles eram vistos enxugando a testa com os seus lenços brancos ou refrescando o rosto com os pequenos ventiladores portáteis, na última moda. Ao chegarem à imensa esplanada, aos vapores vacilantes e à luz do sol, as fileiras de pequenos soldados de chumbo se dispersavam em direção às torres-espelhos, como os braços incontáveis de um grande rio. Às 8 horas em ponto, os sinos da igreja de Nossa Senhora de Pentecostes, situada entre os altos prédios de vidro, soaram através da praça. Oito longos toques ouvidos, como todas as manhãs, de ambos os lados da esplanada. Naquele momento, o fluxo das pessoas que chegava ao imenso hall do prédio SEAM, na praça da Coupole, estava no auge. Exibindo os 188 metros de fachada no céu imaculado de verão, o prédio era uma das quatro construções mais altas da Défense, um símbolo altivo do sucesso econômico. A fachada de granito e as janelas pretas davam-lhe a aparência ameaçadora de um monólito atemporal. Os homens que ali entravam pareciam extensões disciplinadas do conjunto, pequenos grãos da rocha que aderiam a esse grande ímã negro. A torre SEAM desafiava o céu parisiense com a arrogância de um jovem primeiro-ministro. O andar térreo encheu-se lentamente do rumor matinal. As seis portas abertas na fachada filtravam com dificuldade a afluên-
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9 cia contínua dos trabalhadores que chegavam sucessivamente às portas de segurança, introduzindo cuidadosamente os cartões magnéticos para passar pelas catracas de metal. O burburinho da multidão misturava-se ao ronronar do ar-condicionado e ao ruído dos elevadores, elevando-se até o teto da recepção numa cacofonia ensurdecedora. O balé cotidiano começava. Sem surpresas, por enquanto. Os rostos eram os habituais. Como o de Laurent Huard, de trinta e dois anos, executivo, cabelos cortado rente, andar firme. Às 8h 03, ele passou por uma das grandes portas de vidro que davam acesso a essa cidadela dos tempos modernos. Pela primeira vez estava adiantado, mas o patrão só notava os atrasados. Naquele dia, tinha uma reunião da maior importância com os clientes da firma. Aliás, não havia pregado o olho a noite toda e, de manhã, passara no rosto um creme antifadiga, de cuja eficácia não tinha certeza. No entanto, seria melhor que todas as chances estivessem do seu lado. Ele havia beijado a nova namorada ainda adormecida, vestido o terno mais bonito feito sob medida numa pequena alfaiataria do subúrbio e enquanto esperava, com a mão no bolso, que, finalmente, se abrissem as grandes portas de um dos elevadores que serviam os quarenta e quatro andares do edifício, já ensaiava o sorriso forçado que deveria apresentar na reunião. Atrás dele, duas jovens de tailleur conversavam em voz baixa, viradas uma para a outra. Stéphanie Dollon, parisiense tímida e solteira, e Anouchka Marek, filha de um imigrante tcheco. Nos costumes escuros, pareciam duas escolares inglesas. Elas se encontravam na saída da RER, em seguida andavam lado a lado para os respectivos escritórios conversando sobre como estavam de humor naquele dia e as aventuras da véspera, separando-se até o almoço.
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10 Às 8h 04, muitos já aguardavam em frente às portas cinzas dos elevadores, espremidos uns contra os outros. Na maioria, as pessoas de sempre, como Patrick Ober, na faixa dos cinquenta, um executivo solitário e calado, de QI elevado mas de qualidades sociais limitadas, fumante inveterado, maníaco por televisão, leitor compulsivo; Marie Duhamel, uma secretária com um coque caprichado, obcecada pela opinião dos outros, aterrorizada com a ideia de desagradar — sobretudo ao patrão; ou Stéphane Bailly, engenheiro comercial que mudara para Paris alguns meses antes e cuja jovem esposa ficava em casa para cuidar dos dois filhos, pois não haviam encontrado vaga em nenhuma creche da capital... Mulheres e homens comuns, tão diferentes e tão semelhantes. Às 8h 05, atrás do grande balcão escuro da recepção, aquele que todo o mundo chamava de Jean — mas cujo verdadeiro nome era Pabumbaki Ndinga — se preparava, finalmente, para ir embora. Apertado no terno azul-marinho, o vigia congolês jogou no lixo um copinho de papel no qual havia bebido o último café, em seguida despediu-se das quatro recepcionistas, já muito ocupadas. Ele trabalhava ali desde a inauguração oficial da torre, em 1974, e as diferentes firmas que sucessivamente haviam administrado o local haviam-no mantido no posto, pois era um homem tão consciente quanto encantador e conhecia o gigantesco prédio como a palma da mão. Ele chamava o edifício de a sua torre, porque conhecia a história dela melhor do que ninguém, os seus segredos, os menores recantos e franzia ironicamente as sobrancelhas quando um dos frequentadores chegava mais tarde do que de hábito e com olheiras. Às 8h 06, um entregador, que nem se dera ao trabalho de retirar o capacete de motoqueiro, deixou uns pacotes cuidadosamente embalados no balcão. Mais afastados, alguns americanos em ternos descontraídos, conversavam em voz alta e fanhosa.
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11 Aqui, um homem usando um jaleco branco, acolá, três jovens em mangas de camisa e gravatas coloridas, óculos pequenos, canetas nos bolsos, celulares na cintura. Técnicos em informática, sem dúvida... Todos esses homens e essas mulheres faziam gestos mil vezes repetidos todas as manhãs, sem realmente se dar conta, seguindo uma rotina que nem mesmo a preguiça estival poderia fazer desaparecer. Um ritual de começo de semana, o ramerrão cotidiano de um dos dois maiores bairros de empresas europeus, com os seus atrasos, esquecimentos, surpresas, encontros, atropelos, sorrisos, rostos cansados... Em resumo, a sua vida. Parecia ser uma manhã como as outras. Uma manhã de verão. E, no entanto, exatamente às 8h 08, quando as portas de metal de um dos elevadores se fecharam para o hall barulhento da torre SEAM, levando para cima os Laurent Huard, as Anouchka Marek e os Patrick Ober, aquela manhã comum virou, repentinamente, um inferno indescritível. Três bombas artesanais explodiram simultaneamente em três diferentes andares do edifício.
02. Uma detonação ensurdecedora, profunda, que fez a terra tremer como um violento sismo. O deslocamento de ar causado pelas explosões fez voar em pedaços a maioria das janelas dos prédios da ala norte da Défense e os cacos flutuaram no ar por minutos intermináveis. Sob o olhar incrédulo de milhares de pessoas, o céu se inflamou subitamente. As bombas haviam sido escondidas no andar térreo, no décimo sexto e no trigésimo segundo andar do arranha-céu. As três
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12 foram colocadas perto do núcleo central e eram suficientemente potentes para danificar a estrutura em toda a sua largura. Três buracos foram escancarados nas fachadas sul e leste do prédio, deixando escapar gigantescas bolas de fogo e uma espessa fumaça preta. O incêndio que começou imediatamente fez a temperatura subir no interior do imóvel acima de novecentos graus. A estrutura não resistiu por muito tempo. Um tempo bem menor do que o necessário para salvar as vidas que estavam lá dentro. Em geral, nas medidas de segurança de um edifício dessa altura, a resistência dos elementos essenciais da construção ao fogo deve ser, no mínimo, de duas horas. Mas, na prática, é impossível prever os estragos reais causados por três bombas distintas. Além do mais, nesse caso específico, os sistemas sprinkler de combate a incêndio, acionados automaticamente, não funcionaram nas áreas atingidas pelas bombas, o que, nitidamente, agravou a situação. Alguns anos antes, a primeira torre do World Trade Center havia levado trinta minutos para desabar depois do atentado de 11 de setembro de 2001. Mas, naquele dia, em muito menos tempo, a torre SEAM teve o mesmo destino. Igualmente trágico e igualmente mortal. Às 8h 16, oito minutos apenas depois da explosão, o prédio começou a ruir no meio da praça da Coupole, num barulho aterrador. Oito minutos. Apenas um terço do tempo necessário para a evacuação total da torre. Apesar dos inúmeros treinamentos praticados regularmente, apesar dos algoritmos calculados previamente para simular a evacuação simultânea pelas escadas dos vários subconjuntos dos andares, o prédio ficou muito danificado para que o grande dispositivo de segurança pudesse ser realmente eficaz. E, acima de tudo, como uma das bombas explodiu
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13 no térreo, foi impossível sair do imóvel pelas saídas normais ou fugir pelo subsolo. Em oito minutos ninguém pode encontrar nenhuma solução. Os inúmeros apoios haviam sido destruídos pelas bombas, tanto assim que o peso suportado pelas vigas restantes aumentou de maneira considerável. O metal perdeu rapidamente a rigidez. Os pilares, nos três andares atingidos, foram cedendo sucessivamente. A parte de cima do edifício não demorou a perder a sustentação e caiu sob o seu próprio peso, provocando, progressivamente, o desabamento de toda a torre. Os andares foram cedendo um a um, desde o topo inflamado do imóvel, numa imensa nuvem de poeira cinza. Ao longe, os espectadores petrificados compreenderam, que a catástrofe teria uma amplidão devastadora. Um barulho ameaçador começou um ou dois segundos depois do início do desabamento, lento, progressivo, como o ronco de um tornado, que nada mais poderia deter. Uma gigantesca e ruidosa onde de choque, uma ressonância grave e forte desencadeou-se em torno do desastre. Tão violenta quanto repentina. E a aparência da Défense mudou para sempre. No perímetro do ataque, o edifício Nigel, a torre DC4, a igreja e a delegacia de polícia foram parcialmente destruídos pelo desabamento do prédio mais alto do que eles. A avenida da Division-Leclerc, mais abaixo, onde trafegavam filas de carros, foi completamente soterrada. Em alguns segundos de pesadelo, toda a praça da Défense ficou mergulhada numa escuridão apocalíptica. Por um tempo bem longo, o Grande Arco pareceu flutuar por cima de um oceano de poeira negra. Apenas alguns minutos depois da explosão, o prefeito acionou o Plano Vermelho. Rapidamente, foi indicado um responsável pelas operações de socorro para dirigir as duas equipes de
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14 comando: a equipe de salvamento de incêndio e a equipe médica. Grandes recursos foram postos à disposição: bombeiros, SAMU, polícia, proteção civil e diversos órgãos médicos particulares para gerir as emergências do posto médico avançado e assumir os cuidados psicológicos das vítimas. Apesar da rapidez da intervenção do socorro, o balanço do atentado foi terrível. O mais terrível que a França conheceu em seu território. No instante do desabamento, pessoas do lado de fora da torre morreram sufocadas ou esmagadas pelos escombros num raio de várias centenas de metros. Quanto aos que estavam no imóvel, os que haviam sobrevivido às três explosões pereceram no desabamento. Das 2 635 pessoas que haviam entrado naquela manhã na torre SEAM, só houve um único sobrevivente, um só. Eu.
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