O Paradoxo Amoroso - Gazeta do Povo

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DANÇA

UCI exibe o balé Giselle em 3D

Segunda-feira, 11 de abril de 2011

GAZETA DO POVO

SERVIÇO

Pascal Bruckner, no

ensaio O Paradoxo

Amoroso, os amantes

hoje sofrem de miséria

causada pela saciedade

e não pela falta

Irinêo Baptista Netto

❚ Pascal Bruckner usa uma frase do

escritor irlandês George Bernard Shaw nas primeiras páginas de O Paradoxo Amoroso e ela sumariza as ideias discutidas pelo ensaísta francês no livro publicado agora pela Difel. “Há duas catástrofes na existência: quando nossos desejos não são satisfeitos e quando eles o são”, disse Shaw (1856-1950). Bruckner é um pensador lado B na França que não se afina com o lado A (de Bernard-Henri Lévy e Luc Ferry). Autor de A Euforia Perpétua (2002), Bruckner escreve de um jeito estranho para um francês – sem complicar muito – e se vale de um raciocínio claro e objetivo. Os temas, no caso de O Paradoxo Amoroso, são os anseios e frustrações ligados às relações afetivas. Ele passeia por referências diversas, citando gregos, romanos e contemporâneos para falar de casamento, separação, filhos, excônjuges e, mais que tudo, para analisar a evolução do amor ao longo da História, chegando aos problemas do dia. E o “inferno”, segundo o filósofo, é “a impossibilidade de nos apaixonarmos por homens ou mulheres à altura de nossas aspirações, não que eles sejam medíocres, mas porque as aspirações são insaciáveis”. Também filósofo, Luc Ferry (do lado A) é otimista ao extremo e diz haver uma “revolução do amor” no Ocidente. Ele se refere ao fim do casamento arranjado e à “invenção” do casamento por amor, “com todos os mal-entendidos, mas também todas as esperanças”. (As aspas se referem a uma entrevista de Ferry para a Folha de S.Paulo há duas semanas).

Bruckner não é tão entusiasmado quanto, mas também vê prós e contras. O problema, diz ele, é que “nossos casais morrem não de decepção, mas de uma ideia excessivamente elevada de si mesmos”. Os casais estão onde estão por causa de uma mistura complicada que envolve, entre outras coisas, a procura pela felicidade – embalada por uma noção equivocada do que ela é –, mais uma idealização perigosa do amor. “Na tragédia contemporânea, o amor é morto por ele mesmo, morrendo de sua própria vitória. É exercendo-se que ele se destrói, sua apoteose é seu declínio. Nossos romances nunca tiveram vida tão breve, nunca foram retomados tão depressa no leito da conjugalidade, uma vez que nada se opõe a seu florescimento. Miséria mais sorrateira do que qualquer outra, pois nasce da saciedade, e não da falta”, escreve Bruckner. Antes, havia uma ordem cruel a ser combatida em nome do amor. Pense em Romeu e Julieta, de Shakespeare, em que os jovens apaixonados vindos de famílias rivais preferem morrer a ter de se separar. Hoje, o que se combate parece ser o tédio e as tentações. A sociedade atual, individualista até a alma, estaria “dividida entre o ideal de fidelidade e o apetite de liberdade”, segundo Bruckner. O filme Blue Valentine (2010), inédito no Brasil, mostra uma relação amorosa do início ao fim com a peculiaridade de não escancarar um motivo que detona a crise. Marido e mulher não conseguem mais se entender e é assim que o convívio se torna insuportável, primeiro aos poucos e depois de uma hora para a outra. “É preciso saber se entediar junto sem acusar um ao outro desse tédio, saborear esse estado como prova final de savoir vivre e de civilidade”, argumenta Bruckner. “Nossos antepassados tentavam se apreciar valendo-se de um casamento arranjado, nós devemos consumar o inverso: encontrar disposições amistosas valendo-nos de uma paixão original.” No ano passado, a Objetiva publicou Amar o Que É: um Casamento Transformado, as memórias da escritora Alix Kates Shulman sobre

o desdobramento trágico de seu terceiro casamento. Ela reencontrou o amor da juventude mais de três décadas depois de se separarem porque ele teve de viajar para a guerra da Coreia. No período, três casamentos terminaram, dois dela e um dele, e a segunda chance de viverem juntos veio quando ambos estavam na casa dos 50 anos. Casaram-se e, juntos, chegaram à velhice. Em 2004, o marido, então com 75, sofreu um acidente doméstico, caindo de uma altura de três metros e amargando várias sequelas. A pior delas foi uma debilidade que o tornou dependente da mulher para tudo. Alix, também septuagenária, uma feminista que sempre valorizou a liberdade e os momentos de solidão, se questionou várias vezes se devia mandá-lo para uma instituição ou cuidar do homem em casa. Ela decidiu escrever o livro para contar os desdobramentos da decisão que tomou – ficar ao lado dele e se esforçar para encontrar uma ajuda profissional durante parte do dia. Alix não alardeia a decisão e não diz que a vida fez sentido por ter de cuidar de um doente nem que a rotina era recompensadora. Ela, de fato, perdeu o marido para o acidente e demora a se dar conta disso, mas permanece com ele. “É menos uma solidão superada do que um companheirismo interrompido”, afirma Bruckner. Quanto à propalada felicidade (ou à ausência dela), o fundador da psicanálise Sigmund Freud disse tudo que poderia ser dito em O MalEstar na Civilização, de 1929. Na tradução nova de Paulo César de Souza, pela Companhia das Letras: “Aquilo a que chamamos ‘felicidade’, no sentido mais estrito, vem da satisfação repentina de necessidades altamente represadas, e por sua natureza é possível apenas como fenômeno episódico”, explica Freud. “Somos feitos de modo a poder fruir intensamente só o contraste, muito pouco o estado.” Para Bruckner, há felicidade no amor, mas ele é bem mais do que apenas isso. SERVIÇO O Paradoxo Amoroso, de Pascal Bruckner. Difel, 256 págs., R$ 39.

“Desprender-se de um ser é desinteressar-se de todos os mundos que ele encarnava. Contudo, depois que ele se foi, persistem gravitando em torno de nós, como se fossem fantasmas, os universos de que ele era o iniciador.” Pascal Bruckner, filósofo, no livro O Paradoxo Amoroso (Difel), traduzido por Rejane Janowitzer.

SAIBA MAIS Confira referências citadas e dicas de filmes e livros a partir do livro O Paradoxo Amoroso. LIVROS

FILMES

Além do texto de Bruckner, experimente ler O Mal-Estar na Civilização, de Freud (Obras Completas, Volume 18, Companhia das Letras), na tradução fluida de Paulo César de Souza. Amar o Que É: um Casamento Transformado (Objetiva), de Alix Kates Shulman, é um doloroso livro de memórias sobre a velhice ao lado do marido debilitado. O romance Liberdade, de Jonathan Franzen, sai no Brasil em junho, pela Companhia das Letras, e discute inúmeras questões atuais, como a liberdade que pode se impor numa relação afetiva.

No Brasil, talvez Blue Valentine se chame Namorados para Sempre, um título equivocado pois a relação dos personagens vividos por Ryan Gosling e Michelle Williams tem fim. O diretor Derek Cianfrance retrata as várias etapas de uma história de amor, começando com os flertes divertidos e percorrendo um caminho de seis anos e uma filha para chegar aos bate-bocas terríveis, em que a mulher mal consegue explicar a angústia que sente e só consegue dizer que acabou. A estrutura de Blue Valentine lembra a de O Amor em 5 Tempos (2004), de François Ozon, que também narra a história inteira de uma relação, mas o faz de trás para frente.

Divulgação

Amor acaba? LITERATURA

Ilustração: Felipe Lima

Na internet: www.ucicinemas.com.br

Editor responsável : Paulo Camargo cadernog@gazetadopovo.com.br

Segundo o filósofo

CADERNO

❚ A rede UCI Cinemas traz com exclusividade para o Brasil o balé Giselle em 3D, do Teatro de Marrinsky de São Petersburgo, na Rússia. Com apresentações agendadas para os dias 29 (às 21h) e 30 de abril, 1°, 8 e 9 de maio, às 17h, os cinemas UCI Estação e UCI Palladium abriu a venda antecipada de ingressos, já disponível, a R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia-entrada). Eles podem ser comprados na bilheteria dos cinemas, nos terminais de auto-atendimento ou pelo site www.ucicinemas.com.br.

Michelle Williams e Ryan Gosling em cena de Blue Valentine.


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